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EA D 4 Destinação Final 1. OBJETIVOS • Compreender os termos da doutrina sobre a Escatologia. • Analisar as imagens e os símbolos usados para represen- tar o inferno e o purgatório. • Interpretar as questões abertas e as questões de fronteira da Escatologia. 2. CONTEÚDOS • Céu. • Inferno. • Purgatório. • Limbo. © Escatologia94 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: 1) Sugerimos que você leia no Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, São Paulo: Loyola, 2005, os números rela- cionados aos seguintes temas: Céu, Inferno, Purgatório. 2) Procure também ler também no Catecismo da Igreja Católica sobre cremação e suicídio, utilizando o índice remissivo. 3) Nem tudo o que se diz sobre as realidades escatológicas pertencem ao ensino oficial da Igreja católica. Todavia, você pode fazer uma enquete para saber que conceitos as pessoas têm sobre esta realidade. 4) Leia, na Bíblia Sagrada, os capítulos 5 a 7 de São Mateus e procure entender o significado dado por Jesus, aos seus seguidores, às realidades escatológicas. 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE Na unidade anterior, vimos os conteúdos de morte, de res- surreição e de vida eterna. Nesta unidade, estudaremos as desti- nações finais: Céu, Inferno e Purgatório. As dúvidas e as especulações sobre a destinação final eterna e a possibilidade de uma destinação provisória ou temporária po- voam as mentes, e a maioria das pessoas tem uma opinião e uma interpretação a dar sobre essa temática. A doutrina firma suas ba- ses na Revelação bíblica e na interpretação magisterial. A Teologia estimula essa reflexão e suscita novas linguagens para o conteúdo, que é sempre o mesmo, mas que, às vezes, é edulcorado com cer- to teor de mitos e de simbologias que carecem de atualizações. O Céu e o Inferno, bem como o Purgatório e o Limbo, fazem parte do imaginário religioso dos cristãos que, não raro, condicio- nam sua prática devocional e sua inserção comunitária à interpre- 95© Destinação Final tação feita desses conteúdos. É necessário sobriedade e coragem para ir ao encontro desse conteúdo epistemológico, que é o redu- to último da liberdade humana que será decifrado pelo amor. 5. CÉU A vida requer plenitude. A opção por ela não pode ser frus- trada em uma condição menor que a de perfeição. Assim, inde- pendentemente das elucubrações e dos arrazoados preferidos, o alcance vitorioso do Cristo faz que a noção de céu seja amplamen- te aceita e, no cristianismo, certa. A condição de Céu não significa "alcançar o Céu". Há de ser superada essa visão candidamente catequética, mas que apresen- ta o Além em configurações semelhantes ao Aquém. "O Céu é a comunidade bem-aventurada de todos os que estão incorporados a Ele" (CaIC 1026). No Antigo Testamento A literatura bíblica é pródiga nas narrativas que remetem ao conceito de felicidade eterna: o Céu. Para elucidar temas metafí- sicos e, por isso, abstratos, na Sagrada Escritura, muitas figuras de linguagem são utilizadas. O leitor, portanto, deve levar em consi- deração os gêneros literários próprios de cada tempo e hagiógrafo para, então, alcançar a intenção do autor. É assim que ensina o Magistério da Igreja: Para descobrir a intenção dos hagiógrafos, devem ser tidos em conta, entre outras coisas, os gêneros literários [...]. Com efeito, para entender retamente o que o autor sagrado quis afirmar, deve atender-se convenientemente, quer aos modos nativos de sentir, dizer ou narrar em uso nos tempos do hagiógrafo, quer àqueles que costumavam empregar-se nas relações entre os homens de então (Dei Verbum 12). Ora, qual o sentido literal de um escrito, muitas vezes não é tão claro nas palavras dos antigos orientais como nos escritores do nos- so tempo. O que eles queriam significar com as palavras não se pode determinar só pelas regras da gramática e da filologia, nem só © Escatologia96 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO pelo contexto; o intérprete deve transportar-se com o pensamen- to àqueles antigos tempos do Oriente, e com o auxílio da história, da arqueologia; etnologia e outras ciências, examinar e distinguir claramente que gêneros literários quiseram empregar e emprega- ram de fato os escritores daquelas épocas remotas (Divino Afflante Spiritu 20). O Antigo Testamento apresenta o Céu por meio de várias fi- guras, mas a ideia é impressa na palavra "paraíso". O Paraíso, no Antigo Testamento, é descrito por imagens de bem-estar, de paz, de felicidade e de harmonia entre os seres. Entre as mais claras e recorrentes, estão: • Jardim: Gn 2; Is 11,1-9; Ez 28,11-13; 47,1-12. • Campo fecundo: Am 9,13-14. • Colheita abundante: Os 2,23-24. Dessas imagens, emerge o conceito de felicidade eterna na qual todas as lutas e todos os desafios enfrentados na vida, por amor a Deus e por testemunhar fidelidade a Ele, são recompensa- dos, e o bem feito é retribuído. No Antigo Testamento, essa felicidade era exemplificada por meio de situações presentes no cotidiano, situações de bem-estar e de ausência de necessidades. Assim, feliz é quem tem o que co- mer (cf. Dt 8,10), quem tem amigos e bons relacionamentos (cf. Sl 133 (132),1; 1Sm 19,4), quem tem um bom cônjuge (cf. Pr 31,18; 1Sm 1,8). A felicidade também pode emergir de uma boa notícia ou de uma conversa agradável (cf. Pr 15,30; 1Rs 12,7). Todavia, para o pensamento veterotestamentário, a verdadeira felicidade é estar na terra prometida por Deus e habitar na casa de Deus (cf. Sl 84(83). Assim, felicidade está associada à bênção. É um dom de Deus. No Novo Testamento No Novo Testamento, a palavra "paraíso" aparece somente três vezes, mas o conceito de Céu é aprofundado: 97© Destinação Final • Lc 23,43: "Respondeu-lhe: Eu te asseguro que hoje esta- rás comigo no paraíso". • 2Cor 12,4: "Foi arrebatada ao paraíso e ouviu palavras inefáveis, que nenhum homem pode pronunciar". • Ap 2,7: "[...] Ao vencedor permitirei comer da árvore da vida que está no paraíso de Deus". O pensamento sobre o Céu do Novo Testamento, como a condição de eterna felicidade, aprofunda e amadurece a reflexão judaica, mas recebe, agora, novos aportes. Feliz é quem contem- pla as maravilhas do Senhor e é objeto de seu favor (cf Lc 1,48). Ter fé é garantia de felicidade, ainda que subjetiva e, por vezes, pa- radoxal, pois a fé é a certeza da presença de Deus, também, e es- pecialmente, em momentos de contradição (cf. Lc 1,45; Jo 20,29). Jesus revoluciona o conceito de felicidade depondo o pen- samento tradicional que a vinculava à satisfação dos desejos hu- manos. Ele inverte essa perspectiva tradicional e aponta para "a verdadeira felicidade", que é estar em comunhão com Deus, va- lorizando, assim, a mansidão, a fortaleza, a pobreza e a paz. Essa felicidade cristã vem do convite de Cristo para a participação da "ceia das núpcias do Cordeiro" (Ap 19,9) – o encontro final e deci- sivo com Deus. Na apresentação das bem-aventuranças, Jesus põe em re- levo a felicidade de se fazer o bem mesmo que essa opção traga sofrimentos e dificuldades, porque a verdadeira felicidade começa aqui, mas plenifica-se no encontro com Deus, na eternidade. Em Lc 7,20-26, Jesus mostra que quem é solidário faz a experiência autêntica de felicidade. Fazendo eco às Suas palavras: "Há mais felicidade em dar que em receber" (At 21,36). Foi sobre o monte que Deus falou a Moisés e que apresen- tou as balizas que assegurariam o reto caminho para seu povo (cf. Ex 19,20). É de cima do monte que Jesus fala às pessoas que o seguem e lhes apresenta o modo novo de viver a Lei (cf. Mt 5-7). © Escatologia98 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Jesus começa listando as bem-aventuranças e demonstran- do o porquê de cada uma delas. Desse modo, bem-aventurança é constatação. Jesus apre- senta aos seus ouvintes a condição defelicidade que muitos já vivenciavam. Se ser feliz é desejo, Jesus mostra que também é empenho. Felicidade é produto de escolhas acertadas, mas nem sempre fáceis. O estado de bem-aventurança apresentado por Je- sus é paradoxal, pois é um ganho que aparentemente é carência; os felizes, os bem-aventurados que escutavam, sabiam muito bem o quanto custava lutar pelo que criam e, assim, conquistar esse estado de vida. Muitos eram os que imaginavam que felicidade e bem-aventurança fossem ausências de desafios e de sofrimentos. Jesus deixa claro que não. A verdadeira felicidade constatada por Jesus tem aquele que não vive só para si nem só para o hoje. Daí que bem-aventurança é, nesse discurso, constatação de modelo de vida, mas ainda não é só isto. Bem-aventurança é, também, elogio. Publicamente, Jesus aponta situações do cotidiano vividas por alguns de seus ouvintes, muitas vezes, anonimamente. No entanto, Deus, que tudo conhe- ce, elogia a vida pautada em bons valores. Bem-aventurança, por- tanto, é elogio, mas não é o aspecto mais importante nem a maior motivação do discurso de Jesus. Bem-aventurança é promessa e garantia. Sem impor a ideia de justiça retributiva, Jesus declara a importância dos atos e de suas consequências apresentando, antecipadamente, que a con- dição pessoal futura não é dada nem imposta, mas é assegurada pelo bem praticado no cotidiano. Jesus assegura essa realidade eterna e, assim, de forma positiva, elogia os que já vivem dessa forma e incentiva os hesitantes a tomar a direção certa. Mais do que um presente, a bem-aventurança eterna é uma consequência do esforço humano e da graça de Deus. Jesus, em seus discursos, com frequência utilizou de parábo- las a fim de ilustrar temas complexos, como a misericórdia de Deus 99© Destinação Final pela parábola do filho pródigo (Lc 15,11) ou a dos vinhateiros ho- micidas (Lc 20,9), fazendo alusão ao que lhe haveria de acontecer. Mesmo no Livro dos Salmos já se falava do Messias, dizendo que abriria seus lábios para falar em parábolas. Dentre os vários grupos de parábolas, um, de modo especial, é mais recorrente: é o grupo que aborda o tema do Reino de Deus. Fazer uma explicação que seja capaz de tornar compreensível uma realidade metafísica para interlocutores que formam um grupo heterogêneo é desafiador. Jesus supera a dificuldade falando do mesmo tema em sucessivos discursos e por parábolas. Para seus ouvintes mercadores, Jesus propõe as parábolas da pérola e do tesouro escondido; aos que trabalhavam no campo, ele apresenta as parábolas do semeador e do joio; para os mo- radores das cidades, ele compara o Reino de Deus à semente de mostarda que se torna a árvore utilizada na arborização das ruas; para os pescadores, a parábola da rede; e para as mulheres, fala do reino comparando-o ao fermento que elas viam fazer crescer a massa do pão cotidiano. Todas essas parábolas estão em Mt 13 e abordam o mesmo tema, mas a sabedoria de Jesus faz que ele não se repita e que se ajuste aos seus ouvintes, fazendo que haja uma conexão e um nexo íntimo entre as parábolas a ponto de elas se complementa- rem, dando, cada uma delas, um novo jato de luz sobre essa reali- dade tão transcendente. A conclusão é sempre a mesma: o Reino de Deus é uma reali- dade tão superior e desejável que quem souber compreendê-la há de sacrificar todas as outras realidades, mesmo as lícitas, a fim de conquistar a possibilidade de ser incluído entre os que farão parte desse Reino. Para compreender a abordagem de Jesus sobre o Reino de Deus, é preciso ter clara a dialética que há entre as coisas que, desde agora, apontam para a presença do Reino na história e na © Escatologia100 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO tensão com as realidades que ainda não se manifestaram, pois não são deste mundo. O Reino de Deus é para já, mas ainda não. No Magistério da Igreja A Igreja ensina que Céu é estado de felicidade perfeita e eterna reservada àqueles que viveram na amizade de Deus, que testemunharam com fidelidade Seu nome e que morreram em es- tado de graça. No entanto, por "Céu" entende-se o estado de felicidade su- prema e definitiva. Os que morrem na graça de Deus e que não têm necessidade de ulterior purificação são reunidos em torno de Jesus e de Maria, dos anjos e dos santos. Formam, assim, a Igreja do Céu, em que eles veem a Deus "face a face" (1Cor 13,12), vivem em comunhão de amor com a Santíssima Trindade e intercedem por nós (CNBB, 2005, p. 71). No Catecismo da Igreja Católica, o Magistério declara: Com nossa autoridade apostólica definimos que, segundo a dispo- sição geral de Deus, as almas de todos os santos mortos antes da Paixão de Cristo [...] e de todos os outros fiéis mortos depois de receberem o santo Batismo de Cristo, nos quais não houve nada a purificar quando morreram, [...] ou ainda, se houve ou há algo a purificar, quando, depois da sua morte, tiverem acabado de fazê-lo, [...] antes mesmo da ressurreição nos seus corpos e do juízo geral, e isto desde a ascensão do Senhor e Salvador Jesus Cristo ao céu, estiveram, estão e estarão no Céu, no Reino dos Céus e no paraí- so celeste com Cristo, admitidos na sociedade dos santos e anjos. Desde a paixão e morte do Nosso Senhor Jesus Cristo, viram e veem a essência divina com uma visão intuitiva e até face a face, sem a mediação de nenhuma criatura (CaIC 1023). 6. INFERNO Na vida, pode o ser humano fazer a opção contrária a Cristo, ele pode mesmo se esclerosar nesse "não" a ponto de negar sua própria vida. Essa postura em vida acarreta, consequentemente, o afastamento de Deus na eternidade. Não que essa distância resul- 101© Destinação Final te de uma justiça vindicativa, mas é a condição de escolha renova- da do homem ao longo da existência. Quem fez uma opção e nela pontuou sua vida, excluindo, assim, a outra alternativa não terá condições humanas de desfazer esse querer. A essa escolha abso- luta para a morte negando o Cristo-vida, Karl Rahner apud Färber (2009, p. 66) chama de "suicídio antropológico". "O ensinamento da Igreja afirma a existência e a eternidade do inferno", diz o Catecismo da Igreja Católica (CaIC 1035); toda- via, não é Deus quem predestina alguém para essa condição, mas as opções contrárias a Deus, que são afirmadas de modo absoluto na morte. Quem teve, nesta vida, aversão por Deus não viverá com Ele na eternidade (cf. CaIC 1037). Evolução do conceito de Inferno do AT para o NT O quinto mandamento é tácito ao afirmar: "Não matarás" (cf. Ex 20,13). A morte não foi criada por Deus nem Ele se alegra com ela. Mesmo assim, muitas vezes, esse tema aparece na Sagra- da Escritura, seja por leis sociais que aceitam a prática da morte do inimigo, seja em sacrifícios humanos devotados aos deuses pa- gãos: Melcom, Baal, Camos, Moloc etc. Por tais episódios serem apresentados na Bíblia, não representam que o pensamento bíbli- co e, por conseguinte, o próprio Deus, o aceite. A Lei é clara e veemente no tocante aos sacrifícios huma- nos. É uma abominação! Assim, em Lv 18,21; 20,1-5, é afirmado que nem israelitas nem estrangeiros em solo israelita terão a apro- vação para sacrificar humanos aos deuses. Isto é execrado pelo código hebreu (cf. Dt 12,31; 18,10). Apesar da Lei, o texto bíblico notifica a prática de sacrifícios de crianças (2Rs 16,3; 21,6; 23,10) em "queimadores" conhecidos pelo nome de tofet (cf. Is 30,33; Jr 7,31; 19,5s; 32,35; Ez 16,26). O tofet mais conhecido se situava em Jerusalém, no "Vale de Ennon", em grego gue (vale, terra) + Ennon (nome do proprietá- rio) que originam o termo geena. Com o passar dos séculos, esse © Escatologia102 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO local deixou de ser o palco desses horrendos ritos e cedeu lugar a um depósito de lixo a céu aberto. Não apenas os detritos e o lixo comuns eram depositados ali, mas também os cadáveres de criminosos em algumas circunstâncias. Dadas às condiçõesinsalu- bres decorrentes dessa realidade, a população passou a atear fogo nesse monturo e, devido ao acúmulo de combustíveis, o fogo ali era incessante, seja em forma de labaredas ou de pequenos focos fumegantes só percebidos pela fumaça. O horror que o povo hebreu tinha aos sacrifícios humanos, especialmente aos que queimavam crianças, aliado à vala que ser- via de depósito de lixo e de cadáveres, fez que se desenvolvesse a ideia de um lugar de fogo, um local tenebroso, um lugar maldito reservado para o castigo dos maus e, portanto, um lugar longe de Deus. Essa imagem será utilizada por Jesus em Mt 18,9b: "Melhor é que entres com um só olho para a vida do que, tendo os dois, seres atirado na Geena do fogo"; e por João Batista em Mt 3,12: "A pá está na sua mão, vai limpar sua eira e recolher seu trigo no ce- leiro; mas quanto à palha, vai queimá-la num fogo inextinguível". Várias citações apresentam a situação da distância de Deus e da reprovação vinculada à realidade da geena, o lugar de fogo inextinguível e de vermes: 1) Is 66,24: "Eles sairão para ver os cadáveres dos homens que se rebelaram contra mim, porque o seu verme não morrerá e o seu fogo não se apagará". 2) Jt 16,17: "Ai das nações que se levantarem contra minha raça! O Senhor Todo-poderoso as punirá no dia do juízo. Porá fogo e vermes em suas carnes, e chorarão de dor eternamente". 3) Eclo 7,17: "Humilha-te profundamente, porque a puni- ção do ímpio é o fogo e o verme". 4) Sl 21(20),10: "Deles fará uma fornalha no dia da tua face; Iahweh os engolirá em sua ira, um fogo os devorará". 103© Destinação Final 5) Sf 1,18b: "No dia da cólera de Iahweh, no fogo de seu zele toda a terra será devorada". Uma tradição antiga apresenta que Judas Iscariotes, tentan- do dissolver o pacto feito com os chefes dos sacerdotes, devolveu as moedas pelas quais entregou Jesus (cf. Mt 27,8). Essas moedas teriam sido utilizadas para adquirir um terreno chamado "campo de sangue", em aramaico Haqueldama ou hacéldama (cf. At 1,19) que, por sua vez, localiza-se no Vale de Ennon – segundo notas da Bíblia de Jerusalém. Muitas são as citações em que são apresentados os sacri- fícios humanos, mas todos são reprovados. Assim foi com o rei de Moab, que sacrificou seu filho em honra ao deus Camos (cf. 2Rs 3,27); com Hiel de Betel, que sacrificou dois filhos em honra a Baal (cf 1Rs 16,34; Js 6,26); e a reprovação explícita de Iahweh ao próprio rei Salomão, que permitiu essas práticas em Israel (cf. 1 Rs 11,7). Dessa maneira, Iahweh põe-se contra todo tipo de violação à vida, mas nem sempre o povo entendeu que esta é a vontade de Deus. De modo especial, parece que, no início da formação do povo de Israel, a população era proveniente de grupos tribais di- versos que, apesar de ter aderido ao Deus único, Iahweh, traziam as marcas dos ritos e da cultura pagã que outrora professaram (Jz 11,29-40). Entretanto, a denúncia formal e a reprovação que põem ponto final a tais deformações religiosas acontecem em Gn 22, em que o ícone da obediência da fé, Abraão, é impedido por Deus de sacrificar seu filho. Esse evento marcará o início do rito expresso pelo sacrifício do cordeiro que, por sua vez, é a imagem de Jesus Cristo que se entrega, voluntariamente, como vítima expiatória. O inferno, ainda que seja apresentado por meio de analogias e de símbolos, demonstra a condição radical de separação entre Deus e o homem. Essa separação absoluta é de um horror inex- primível em linguagem humana e, por isso, intraduzível de outra forma que não seja a simbólica. © Escatologia104 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Vejamos o que nos diz o CaIC 1035: O ensinamento da Igreja afirma a existência e a eternidade do inferno. As almas que morrem em estado de pecado mortal des- cem imediatamente depois da morte aos infernos, onde sofrem as penas do inferno, "o fogo do inferno". A pena principal do inferno consiste na separação eterna de Deus, o Único em que o homem pode ter a vida e a felicidade para as quais foi criado e às quais aspira. 7. PURGATÓRIO Duas são as possibilidades de vida na eternidade: com Deus ou sem ele, ou seja, Céu ou Inferno. Apesar disso, a Escatologia contempla e faz o diagnóstico da condição de Purgatório. O Magistério, no Catecismo da Igreja Católica, assim se pro- nuncia a esse respeito: • Não é condição definitiva e é para os que se salvam: "Os que morrem na graça e na amizade com Deus, mas não es- tão completamente purificados, embora tenham garantida a sua salvação eterna, passam, após sua morte, por uma purificação, a fim de obterem a santidade necessária para entrarem na alegria do Céu" (CaIC 1030). • Não é castigo. "A Igreja denomina Purgatório esta purifi- cação final dos eleitos, que é completamente distinta do castigo dos condenados" (CaIC 1031). • Fundamenta-se na leitura bíblica. Esse ensinamento se apoia, também, na prática de oração pelos defuntos da qual a Sagrada Escritura fala (2Mc 1,46): "Eis porque ele [Judas Macabeu] mandou oferecer esse sacrifício expia- tório pelos que haviam morrido, afim de que fossem ab- solvidos do seu pecado" (cf. CaIC 1032). A Teologia reflete sobre o dado epistemológico do Purgató- rio e propõe uma nova hermenêutica e uma nova linguagem para os dias atuais: 105© Destinação Final O juízo de Deus é sempre purificador. O purgatório é esse juízo encontrando-nos ao longo da vida e no momento da morte. Juízo que nos faz transparente a nossa história, num misto de dor e de alegria, de sofrimento e de esperança [...]. Do juízo de Deus e do purgatório vale a dialética fundamental da realidade escatológica: continuidade e ruptura, já e ainda não. Assim os juízos e as purifica- ções acontecidas na terra já são o juízo de Deus e o purgatório. Há uma continuidade. Mas também ainda não o são (LIBÂNIO, 1985, p. 244-245). O purgatório não é um lugar para o qual vamos. A eternidade é um outro modo de ser, onde tempo e lugar são abolidos. Purgatório é uma situação humana. Consideramos já a morte como momento de cisão entre o tempo e a eternidade e simultaneamente o lugar privi- legiado da decisão derradeira e definitiva da vida (BOFF, 1993, p. 61). 8. LIMBO No século 11, Santo Anselmo apresentou uma tese sobre a condição eterna das crianças que morrem sem o Batismo, na qual, segundo ele: "Acentuou que o pecado original não é um ato explí- cito e culposo da criança, mas consiste na privação dos dons origi- nais, privação que torna a criança destoante do ideal que Deus lhe traçou" (ANSELMO apud BETTENCOURT, [s/d], p. 82). O Magistério da Igreja jamais definiu essa tese como artigo de fé e, por isso, não é contemplada no Catecismo da Igreja Cató- lica; apesar disso, foi forjada no imaginário religioso popular por meio dos sermões e das pregações à existência dessa condição. No ano 2007, mais precisamente em 21 de abril, a Comis- são Teológica Internacional apresentou um documento sobre essa questão aberta, que esclarece e dirime as dúvidas. É o que segue: COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL DIVULGA DOCUMENTO SOBRE CRIANÇAS QUE MORREM SEM O BATISMO ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cidade do Vaticano, 21 abr (RV) – As crianças que morrem sem ser batizadas, vão para o céu: essa é a conclusão da Comissão Teológica Internacional, em seu documento "A esperança da salvação para as crianças que morrem sem o Batismo". © Escatologia106 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO A Comissão publicou o texto no qual esclarece o conceito, até então em vigor, de que as crianças mortas não batizadas vão para o "limbo". "Uma visão exces- sivamente restrita da salvação" – lê-se no documento, divulgado pela agência norte-americana, "Catholic News Service". O secretário-geral da Comissão Teológica Internacional, Pe. Luis Ladaria, expli- cou, numa entrevista à Rádio Vaticano quais as razões para essa mudança de conceito. Em primeiro lugar, vem a misericórdia infinita de Deus, que quer que todos oshomens sejam salvos; a mediação única e universal de Cristo, vindo ao mundo para salvar os homens. Depois, Jesus mostrou-se especialmente próximo às crianças, com uma particular predileção. O sacerdote explicou que o conceito de "limbo" era usado popularmente e teolo- gicamente, para não ter que dizer que uma criança morta sem ser batizada iria para o inferno. O conceito não é mencionado no Catecismo da Igreja Católica, e isso significa uma mudança de mentalidade teológica em relação aos séculos passados. O tema, em estudos desde 2004, foi indicado, segundo o secretário-geral da Co- missão, pelo papa Bento XVI, quando ainda cardeal Joseph Ratzinger (disponí- vel em: <www.radiovaticana.org/bra/Articolo.asp?c=129612>. Acesso em: 27 jun 2012). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira, a seguir, as questões propostas para verificar seu de- sempenho no estudo desta unidade: 1) Confronte os conceitos de Céu, Inferno e Purgatório que você encontrou no Catecismo da Igreja Católica com os que estudou nesta unidade. 2) O conceito de "limbo" não faz parte nem da doutrina da Igreja católica nem da teologia atual. De acordo com o que você estudou nesta unidade, como expli- car a uma mãe a destinação eterna de um filho que morreu sem o batismo? 3) Que argumentos você usaria com uma pessoa que afirma serem "lugares da eternidade o Céu, o Inferno e o Purgatório"? 4) Reflita e justifique a seguinte afirmação: "Céu e Inferno são situações defini- tivas, enquanto a de Purgatório é sempre provisória". 10. CONSIDERAÇÕES No início desta unidade, você foi indagado sobre as destina- ções finais: Céu, Inferno e Purgatório. 107© Destinação Final Na Unidade 5, estudaremos as dimensões coletivas e cósmi- cas da questão escatológica. Esperamos por você! 11. E-REFERÊNCIA Site pesquisado ACIDIGITAL. Comissão Teológica Internacional: Destino das crianças que morrem sem batizar é o Céu. Disponível em: <http://www.acidigital.com/noticia.php?id=9767>. Acesso em: 15 maio 2012. 12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BETTENCOURT, E. Curso de Escatologia. Escola Mater Ecclesiae. Rio de Janeiro: Última Cor, [s/d]. BLANK, R. Escatologia da pessoa. São Paulo: Paulus, 2003. ______. Escatologia do mundo: o projeto cósmico de Deus. São Paulo: Paulus, 2002. ______. Nosso mundo tem futuro. Paulinas: São Paulo, 1993. ______. Nossa vida tem futuro. São Paulo: Paulinas, 1991. BOFF, L. Vida para além da morte. Petrópolis: Vozes, 1993. CNBB. Compêndio do Catecismo da Igreja Católica nº 209. CNBB. São Paulo: Loyola, 2005. FÄRBER, S. S. Morte na Teologia e na Literatura. Porto Alegre: Pallotti, 2009. LIBÂNIO, J. B.; BINGEMER, M. C. Escatologia cristã: o novo Céu e a nova Terra. Petrópolis, 1985. QUEIRUGA, A. T. Repensar a ressurreição: a diferença cristã na continuidade das religiões e da cultura. São Paulo: Paulinas, 2004. RAHNER, K. Curso fundamental da fé. São Paulo: Paulinas, 1989. SCHNEIDER, T. (Org.) Manual de Dogmática. Petrópolis: Vozes, 2000. v. 2. SUSIN, L. C. Assim na Terra como no Céu. Petrópolis: Vozes, 1995. Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
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