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Anti-inflamatório esteroidal 1 💉 Anti-inflamatório esteroidal Introdução As glândulas adrenais, presentes em todos os animais vertebrados, são responsáveis, em sua porção cortical, pela produção dos hormônios esteroides, sintetizados a partir do colesterol. Esses hormônios, também chamados de corticosteroides ou corticoides. podem ser classificados como mineralocorticoides (produzidos pela zona glomerulosa). glicocorticoides (produzidos principalmente pela zona fasciculata) e esteroides sexuais, notadamente andrógenos (produzidos principalmente pela zona reticulata). Os mineralocorticoides, cujo principal representante é a aldosterona, interferem na manutenção do equilíbrio hídrico e eletrolítico. Os glicocorticoides afetam marcadamente o metabolismo de carboidratos e de proteínas, e seus principais representantes no reino animal são a hidrocortisona (cortisol) e a corticosterona. Cães, gatos, hamsters, porquinhos-da-Índia, peixes, macacos e seres humanos secretam principalmente o cortisol. Já os ratos, os camundongos, os pássaros e as cobras têm a corticosterona como seu principal produto da síntese de glicocorticoides. Paralelamente, os glicocorticoides apresentam atividade anti-inflamatória e imunossupressora, ainda não sendo possível a dissociação destas duas características dos efeitos metabólicos gerais, mesmo em preparações sintéticas. Da mesma forma, nos esteroides de ocorrência natural os efeitos mineralocorticoides e glicocorticoides estão associados em maior ou menor escala. Nos glicocorticoides sintéticos a atividade anti-inflamatória/ imunossupressora foi ampliada (bem como a atividade metabólica), ao passo que a atividade mineralorreguladora foi diminuída ou abolida, obtendo-se então os principais anti-inflamatórios. Histórico Desde a relevante descoberta, realizada por Hench em 1949, dos efeitos benéficos da cortisona em indivíduos com artrite reumatoide, os esteroide adrenais e seus derivados sintéticos têm sido utilizados em larga escala e, não raro. de modo exagerado, tanto pela Medicina Humana como em Medicina Veterinária. A sua enorme utilização se deve aos seus potentes efeitos anti-inflamatórios e imunossupressores, os quais, entretanto, Anti-inflamatório esteroidal 2 são acompanhados de efeitos metabólicos gerais, responsáveis pela maioria dos efeitos colaterais observados no uso crônico e/ou maciço. As pesquisas envolvendo as glândulas adrenais e seus produtos de secreção, e sua importância como mantenedores da homeostase e na proteção em situações hostis. tiveram como marcos históricos a descrição de Addison, em 1855, de uma síndrome clínica associada à destruição das adrenais, caracterizada por anemia, apatia, debilidade, cardioarritmias e distúrbios gastrointestinais. Em 1927, Rogoff e Stewart comprovaram a eficácia de extratos glandulares na manutenção da vida de cães adrenalectomizados. A estas evidências seguiu-se, na década de 30, a demonstração das alterações no metabolismo de carboidratos e no equilíbrio eletrolítico nas situações de hipoadrenocorticismo, de onde emergiu o conceito de hormônios mineralocorticoides e glicocorticoides. Nessa mesma década. Cushing descreveu indivíduos acometidos por tumores hipofisários, com os sintomas de hiperadrenocorticismo (poliúria, polidipsia, atrofia muscular e distribuição centrípeta da gordura). Os estudos de Hench, na década de 40, deram início à procura de novas aplicações terapêuticas para os glicocorticoides esteroidais, assim como incrementaram o isolamento, purificação e síntese destes hormônios. em trabalhos realizados por Kendall e Reichstein. Estes resultados culminaram com a premiação de Hench, Kendall e Reichstein com o Nobel de Medicina em 1950, apenas um ano após a publicação dos primeiros resultados comprobatórios da eficácia da cortisona como agente anti-inflamatório. Relação estrutura-atividade e classificação Os esteroides exibem uma estrutura molecular básica a todos os hormônios do córtex adrenal, o ciclopentanoperidrofenantreno. As características estruturais que determinam a atividade dos glicocorticoides, compostos por 21 carbonos, são conferidas da seguinte forma: uma hidroxila em C-11; uma cetona em C-20 e em C-3; e uma dupla ligação entre C-4 e C-5. A adição de uma dupla ligação entre o primeiro e o segundo carbonos e a metilação de C-6 e C-16 são exemplos de modificações que aumentam a potência anti-inflamatória dos glicocorticoides, além de prolongar sua meia vida e minimizar ao máximo as ações mineralocorticoides paralelas. A adição de flúor no nono carbono amplifica todas as atividades biológicas dos corticosteroides. Estes esteroides podem ser divididos de acordo com a duração de seus efeitos (efeitos rápido, intermediário e prolongado) e de acordo com as suas potências glicocorticoide e mineralocorticoide. A potência dos glicocorticoides sintéticos é assestada pela sua atividade anti-inflamatória, quando comparada à hidrocortisona, cujo valor é Anti-inflamatório esteroidal 3 arbitrariamente definido como 1,0. Aqueles de ação rápida, como a hidrocortisona e a cortisona, apresentam potência menor do que os de ação mais prolongada. Glicocorticoides extremamente potentes e de longa duração, como a betametasona e a dexametasona, possuem estas características e graças à sua ligação reduzida com proteínas plasmáticas, menor velocidade de excreção e (provavelmente) maior afinidade com os receptores. Os esteroides de ação intermerdiária, como a prednisona, prednisolona, metilprednisolona e a triancinolona, mostram-se extremamente adequados às terapias crônicas. Fisiologia dos esteroides adrenais Os corticosteroides são sintetizados e liberados quando necessários, não sendo estocados nas células adrenais. O principal estímulo para a sua secreção é o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), ou corticotropina, produzido por células basófilas da adeno-hipófise. A secreção do ACTH é regulada parcialmente pelo hormônio liberador de corticotropina (CRH), de origem hipotalâmica, e parcialmente pelas concentrações sanguíneas de glicocorticoides; o hormônio antidiurético possivelmente também interfere em sua produção, estimulando-a, via circulação portal. A secreção de CRH, por sua vez, é controlada pelos níveis de glicocorticoides, por estímulos do sistema nervoso central e, em menor extensão, pelos níveis de ACTH. Fatores psicológicos, assim como alterações ambientais, podem estimular a secreção de CRH. De forma diferente, os mineralocorticoides não sofrem influências da secreção do eixo hipotalâmico-hipofisário (CRH-ACTH), sendo sua liberação dependente da atuação do sistema renina-angiotensina. O colesterol é um intermediário obrigatório na síntese de corticosteroides, fornecendo o seu núcleo básico, o ciclopentanoperidrofenantreno. Embora o córtex adrenal possa sintetizá-lo a partir de acetato, a grande maioria (60 a 80%) do colesterol deriva de fontes exógenas. A sua conversão em pregnenolona (com 21 carbonos), em uma etapa controlada obrigatoriamente pela ação do ACTH sobre a 20-22 desmolase é seguida de uma serie de etapas enzimáticas, catalisadas na sua maioria por oxidases de função mista do sistema P450 e que requerem N-NDPH e oxigênio . Nas espécies felina e canina, a produção total de cortisol em um período de 24 horas é de cerca de 1 mg/kg. No que toca à sua ritmicidade, não se conseguiu demonstrar na espécie canina um ritmo circadiano bem definido como o do homem, isto é, com um pico de secreção máxima uma vez a cada 24 horas. Ao contrário, estudos demonstraram a existência de dois ou mais picos de secreção,geralmente associados aos vários episódios de sono que ocorrem ao longo do dia. Os glicocorticoides endógenos são transportados no plasma Anti-inflamatório esteroidal 4 por proteínas carreadoras, representadas pela CBG (corticosteroid-binding globulin), uma globulina de baixas concentrações sanguíneas e alta afinidade pela hidrocortisona e pela albumina, cuja baixa afinidade pelos esteroides endógenos ou sintéticos é compensada pela sua alta concentração plasmática. Os esteroides ligados às proteínas não apresentam atividade biológica, sendo somente a sua fração livre capaz de acionar os mecanismos intracelulares adequados à sua função. Mecanismo de ação Os glicocorticoides, assim como os mineralocorticoides, os esteroides sexuais, os hormônios tireoidianos, a vitamina D, e o ácido retinóico, interagem com a chamada superfamília dos receptores nucleares. Dada a sua lipossolubilidade, estes agentes são capazes de atravessar a membrana celular e a se ligar às proteínas receptoras, localizadas no interior do núcleo, modificando a sua expressão gênica. Esses receptores proteicos são encontrados em virtualmente todos os tecidos, em números que variam de 3.000 a 10.000 por célula. É importante ressaltar que os gatos, quando comparados aos cães, apresentam concentração menor de receptores para glicocorticoides (aproximadamente 50%, como já demonstrado para a dexametasona), o que lhes confere algumas peculiaridades na resposta à terapia e no aparecimento de efeitos colaterais. Após a interação do glicocorticoide com o seu receptor na no interior do núcleo, o complexo formado sofre alterações conformacionais, tornando-se "ativado", expondo assim um domínio de ligação com o ácido desoxirribonucleico (DNA). O complexo receptor-esteroide/DNA estimula a transcrição gênica ou a previne, interferindo sobretudo na produção de ácido ribonucleico mensageiro (RNAm) que intermedeia a síntese de proteínas. Sabe-se que parte dos efeitos dos glicocorticoides deve-se à sua interação (inibitória) com um ativador do mecanismo de transcrição do DNA, que se liga a um sítio à montante do locus gênico da síntese de determinados RNAm. Esse fator de ativação, um heterodímero conhecido como AP-1, está envolvido na indução de vários genes, como os da colagenase, da interleucina 2 (IL-2), do receptor da IL-2 e da enzima cicloxigenase. Como já descrito, o complexo glicocorticoide-receptor liga-se à AP-1 e inibe a sua função. Biotransformação e excreção A biotransformação dos glicocorticoides se dá principalmente no fígado, onde eles sofrem processos de oxidação, redução, hidroxilação e conjugação, sendo inativados, em sua maioria, embora alguns como a cortisona e a prednisona usem as vias Anti-inflamatório esteroidal 5 metabólicas hepáticas para se tornarem ativos (hidrocortisona e prednisolona), através de processos de redução. O fígado é responsável pelo menos por 70% do metabolismo dos corticoides. Sítios extra-hepáticos também podem biotransformar os esteroides, como o tecido renal. Fatores hormonais, obesidade, idade, doenças intercorrentes é uso concomitante de outros medicamentos interferem na biotransformação dos glicocorticoides. Uma vez transformados em compostos hidrossolúveis, são, em sua maioria, excretados por via renal. Parte dos corticosteroides metabolizados é adicionada à bile e excretada pela rota intestinal. Propriedades fisiológicas e farmacológicas Dada a presença de receptores para os glicocorticoides em virtualmente todos os tecidos, os seus efeitos acometem a globalidade das células do organismo de alguma maneira, fisiológica ou farmacologicamente, na dependência da dose utilizada. Para manter as necessidades fisiológicas básicas, como a adequação do metabolismo intermediário, distribuição do volume extracelular, atividade cerebral, tono muscular cardíaco e esquelético adequados, os animais necessitam de certa quantidade de corticosteroides; cães, por exemplo, não-estressados necessitam de cerca de 0,5 a 1,1 mg/kg/dia de hidrocortisona (cortisol). Efeitos metabólicos gerais Os hormônios glicocorticoides são agentes hiperglicemiantes, obtendo este efeito através de inibição da captação e da utilização periférica da glicose (antagonizando a ação da insulina); e promoção da gliconeogênese, a partir de aminoácidos e ácidos graxos livres. Também incrementam a síntese de glicogênio hepático. Além desses efeitos sobre os carboidratos, interferem no metabolismo proteico, aumentando o catabolismo e diminuindo a síntese de proteínas. No tecido adiposo, atuam de forma "permissiva", potencializando o efeito lipolítico de determinados hormônios (catecolaminas, hormônio de crescimento e outros). Estes hormônios agem através do aumento da concentração de adenosina monofosfato cíclico (AMPc) intracelular, que ativa uma quinase AMPc-dependente, quinase esta cuja síntese depende da presença de glicocorticoides. O cortisol e alguns glicocorticoides sintéticos, em concentrações farmacológicas, podem apresentar alguns efeitos mineralocorticoides, promovendo a retenção de sódio excreção de potássio e expansão do volume extracelular. A corticoideterapia também incrementa a diurese, por aumento da taxa de filtração glomerular, inibição dos efeitos do hormônio antidiurético (ADH) nos túbulos distais e dutos coletores renais, além de Anti-inflamatório esteroidal 6 apresentar efeito inibitório na expressão gênica do ADH (via feedback negativo). O metabolismo do cálcio também é afetado pelos esteroides adrenais, através do aumento da excreção urinária, causado pela diminuição da reabsorção renal, com consequente hipercalciúria. A absorção intestinal de cálcio também é diminuída. Efeitos nos sistemas orgânicos Muitas alterações no funcionamento de vários sistemas do organismo animal estão associadas a condições de hipersecreção endógena, ou de administração crônica e/ou maciça de glicocorticoides em preparações farmacológicas. No trato gastrointestinal, observa-se aumento da secreção de ácido gástrico, de pepsina e do suco pancreático. É incrementada no fígado a produção de uma isoenzima da fosfatase alcalina, esteroide-induzida. Na pele, os glicocorticoides, quando em doses farmacológicas, inibem a síntese de material conjuntivo (colágeno e ácido hialurônico, principalmente), com consequente diminuição da espessura dérmica, tornando difícil a cicatrização. A renovação celular epidérmica também se torna afetada e a hiperqueratose ortoqueratótica é comum. Em situações de exposição excessiva aos glicocorticoides, há atrofia das glândulas sebáceas e do folículo piloso, estacionado na fase telogênica. A hiperpigmentação também é comum nestas condições. Os glicocorticoides, devido ao efeito proteolítico, promovem atrofia e fraqueza muscular. Também aumentam a reabsorção óssea, aumentando a competência osteoclástica, além de diminuir a atividade geradora de matriz óssea pelos osteoblastos, uma vez que inibem a transcrição genética da colagenase, que é promovida pelo fator AP-1 (como descrito nos mecanismos de ação). No sistema endócrino, primeiro observa-se efeito supressor em sua própria secreção. Situações de hiperglicocorticismo, seja de natureza endógena ou, mais comumente, por administração prolongada ou abusiva, levam à supressão do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, o que, não raro, resulta em atrofia adrenal. Outros hormônios como a tireotropina (TSH), hormônio de crescimento (GH), hormônio folículo-estimulante (FSH), hormônio luteinizante (LH) e prolactina também podem ter as suas taxasde secreção severamente comprometidas. Efeitos anti-inflamatórios e imunossupressores A principal indicação terapêutica dos glicocorticoides deve-se aos seus potentes efeitos anti-inflamatórios e imunossupressores. Eles são capazes de bloquear desde as manifestações mais precoces do processo inflamatório, como dor, calor e rubor, até as mais tardias como reparação e proliferação tecidual. Os esteroides anti-inflamatórios afetam todos os tipos de resposta inflamatória, sejam elas suscitadas por patógenos Anti-inflamatório esteroidal 7 invasores, estímulo físico ou químico, ou por uma reação imunológica inapropriada, como, por exemplo, as hipersensibilidades e doenças autoimunes. A natureza exata da ação dos glicocorticoides em animais domésticos não está totalmente elucidada. Uma das razões é que a maioria das pesquisas de seus efeitos anti-inflamatórios e imunossupressores foi realizada em outras espécies, mais sensíveis à corticoideterapia, como coelhos, ratos, camundongos, não sendo seus resultados obrigatoriamente aplicáveis aos demais animais. Outro fato é que boa parte dos resultados descritos foram obtidos com estudos in vitro com doses suprafarmacológicas, não espelhando, portanto, a realidade do seu uso terapêutico. Sabe-se que os anti-inflamatórios exercem suas funções atuando em vários aspectos da resposta orgânica às injúrias, influenciando eventos celulares (polimorfonucleares e sistema linfoide), eventos vasculares e o metabolismo de mediadores pró-inflamatórios. Assim, nos leucócitos, atuam de forma a diminuir a migração de neutrófilos para o sítio de injúria, ao mesmo tempo que estimulam a sua liberação pela medula óssea, o que resulta em neutrofilia. A incapacidade de penetrar no local da lesão provavelmente se deve a mudanças conformacionais da superfície celular, mudança esta promovida pelos glicocorticoides. A capacidade de eliminar organismos invasores, como bactérias, por meio de metabolismo oxidativo, é inibida pelos corticoides, como demonstrado em neutrófilos humanos e bovinos. Os macrófagos também são sensíveis aos efeitos inibitórios dos glicocorticoides na sua habilidade de fagocitar e eliminar organismos invasores. A imunidade celular também é afetada pelo fato dos glicocorticoides interferirem na apresentação dos antígenos aos receptores de membrana dos monócitos fagocitários. Por outro lado, a tão decantada habilidade de estabilizar membranas, e com isto impedir a liberação de mediadores químicos pró-inflamatórios, só pôde ser observada em exposição a doses suprafarmacológicas, não se reproduzindo em doses terapêuticas covencionais. No sistema linfóide, sabe-se que doses farmacológicas de glicocorticoides levam à linfopenia. Nas espécies esteróide-sensitivas (coelhos, ratos e camundongos), a linfocitólise é o principal fator dessa diminuição no número de linfócitos circulantes. Já nas espécies esteroide-resistentes (humanos, cavalos, bovinos, cães e gatos), a linfopenia se deve à redistribuição dos linfócitos contidos no compartimento intravascular para os compartimentos extra-vasculares (linfonodos, baço, medula óssea e duto torácico). Nestas últimas espécies somente as células linfóides de linhagem neoplásica sofrem lise em doses farmacológicas de glicocorticoides. Os linfócitos T são afetados mais severamente que os linfócitos B, uma vez que constituem cerca de 70% do total de linfócitos circulantes. A redução no número de linfócitos do compartimento Anti-inflamatório esteroidal 8 intravascular reduz a sua participação nas reações imunológicas e inflamatórias. A modulação, pelos glicocorticoides, da função dos linfócitos B pode ser direta ou indireta, mediada pelos efeitos sobre as populações de monócitos ou linfócitos T. Sabe- se que as células B sofrem um processo de ativação, proliferando-se em resposta aos fatores de crescimento produzidos pelos linfócitos T, como a interleucina-4, e diferenciando-se para produzir imunoglobulinas. Os glicocorticoides inibem acentuadamente esta ativação e proliferação, embora pouca influência tenham sobre a produção de anticorpos. Os eventos vasculares influenciados pelos glicocorticoides incluem a estabilização da integridade microvascular, por meio de eventos indiretos como a supressão das ações dos polimorfos nucleares e da síntese de mediadores pró-inflamatórios (como as prostaglandinas) e de agentes vasoativos ou trombogênicos, cuja ação se mostra nociva à integridade vascular, permitindo a exsudação de fluidos. Talvez, a principal influência dos glicocorticoides no processo inflamatório se dê através de sua atuação supressora sobre o metabolismo dos mediadores imunoestimulantes e pró- inflamatórios. Assim, no metabolismo do ácido araquidônico, caracterizado por uma série de eventos desencadeados a partir de uma injúria na membrana celular e cujos produtos finais desta cascata são as prostaglandinas do grupo 2 (PG-2), os leucotrienos e os tromboxanos, os glicocorticoides agem de forma a inibir a ação de enzimas chaves como a fosfolipase A-2 e a cicloxigenase. No caso da fosfolipase A-2, a sua inibição se dá tanto pelo bloqueio da transcrição gênica para a sua síntese como pelo estímulo à produção de uma proteína, a lipomodulina. 1, a qual inibe a atividade da fosfolipase A-2. Também a cicloxigenase tem a sua expressão genética comprometida de maneira tônica. A síntese de histaminas também é inibida pelos glicocorticóides. Estas propriedades anti-inflamatórias e imunossupressoras dos glicocorticoides sempre foram consideradas como efeitos farmacológicos e não fisiológicos, ao contrário de seus efeitos no metabolismo geral e na sua própria regulação. Entretanto, Munck e colaboradores, em 1984, sugerem uma hipótese mais aceita atualmente, em que consideram que os efeitos anti-inflamatórios e imunossupressores dos esteroides adrenais atuem também ao nível fisiológico, mantendo a resposta orgânica aos agentes de agressão dentro de limites aceitáveis, evitando uma resposta exagerada dos sistemas de defesa, o que ameaçaria a homeostase interna. Em outras palavras, as reações do organismo às situações de estresse do dia-a-dia são impedidas de se tornarem exacerbadas, o que levaria a danos ao organismo. O fato de ratos Anti-inflamatório esteroidal 9 adrenalectomizados apresentarem reações inflamatórias amplificadas, tanto na intensidade como na duração, corrobora esta hipótese. Preparações farmacológicas As preparações farmacológicas habitualmente utilizadas não diferem muito da estrutura molecular do cortisol endógeno. Todos os glicocorticoides disponíveis para emprego terapêutico são obtidos ou por extração de fluidos e tecidos animais, ou por oxidação microbiológica de outros esteroides, como colesterol ou estigmasterol; ou ainda por síntese parcial, usando material extraído de tecidos vegetais, tais como as sapogeninas. Os corticoides se apresentam como pós cristalinos, de coloração branca ou amarelada, inodoros e estáveis ao ar. São, na sua maioria, insolúveis em água, mas há alguns ésteres hidrossolúveis. De maneira geral, os glicocorticoides se apresentam como ésteres (acetato, benzoato, butirato, diacetato, dipropionato, valerato), acetonidos ou sais (fosfato sódico, succinato sódico). Os ésteres e acetonidos se comportam como pró-fármacos, liberando o fármaco matriz após hidrólise. Por esta razão, apresentam efeito mais prolongado. Além disso, a maioria dos glicocorticoides são insolúveis em água, não podendo ser administrados por via intravenosa; por esta via, somente as formas de fosfato sódico ou succinato sódico são aplicáveis. Os glicocorticoides mais comumente prescritos, sintéticos em sua maioria, utilizados nas Medicina Humana e Veterinária, são a hidrocortisona (cortisol), a cortisona, a prednisolona, a prednisona, a metilprednisolona, a triancinolona, a betametasonae a dexametasona. Outros glicocorticoides sintéticos comercializados no Brasil são: beclometasona, clobetazona, clobetazol, cortivazol, deflazacort, desonida, desoximetasona, diflucortolona, fludroxicortida, flocinolona, fluormetalona, flupredinideno, halcinonida e prednicarbato. Vias de administração Todos os glicocorticoides são bem absorvidos de qualquer sítio de administração, podendo ser aplicados por vias tópica, oral, subcutânea, intramuscular, intralesional e intravenosa. A escolha da via de administração deve levar em consideração diversos fatores, como o temperamento do animal, a personalidade e o estilo de vida do proprietário, a localização e a extensão do processo inflamatório, além da necessidade de se instituir uma terapia crônica ou aguda. A via tópica é útil em determinadas situações em que há necessidade de se obterem altas concentrações de corticoides em uma área restrita, com o mínimo de efeitos colaterais. Por outro lado, sendo os glicocorticoides permeáveis à barreira cutânea, podem levar à supressão do eixo Anti-inflamatório esteroidal 10 hipotálamo-hipófise-adrenal e ao aparecimento de efeitos adversos, quando utilizados cronicamente, em áreas extensas ou que apresentem soluções de continuidade. Determinados corticosteroides, como a prednisona e a cortisona, não têm efeito tópico, uma vez que, para tornarem-se ativos, devem sofrer redução hepática, sendo convertidos em hidrocortisona e prednisolona. Visando-se a efeitos sistêmicos, dá-se preferência à via oral, devido ao fato de se poder controlar a dose, uma vez que a maioria dos medicamentos esteroides orais tem efeito intermediário (como a prednisolona e a prednisona), podendo ser interrompidos assim que aparecerem os efeitos colaterais; é, portanto, a forma de corticoideterapia mais segura para administrações a longo prazo. Os glicocorticoides injetáveis são, usualmente, administrados por via subcutânea ou por via intramuscular, sendo a subcutânea mais comumente utilizada em Medicina Veterinária devido ao fato de ser menos dolorosa à aplicação, não suscitando reações contrárias dos animais tratados. A penetração no tecido e a duração de seu efeito são principalmente influenciadas pela sua apresentação química; quanto menor a solubilidade do éster, maior a duração de seus efeitos. Assim, ésteres de insolubilidade moderada, como acetato, ou de insolubilidade exagerada, como a acetonida, permitem a permanência do medicamento no organismo por dias a meses. O fato de a via subcutânea ser a única admitida por alguns animais bravios é importante para a escolha desta rota, mesmo em condições de uso crônico. Nestes casos, uma opção adequada é o acetato de metilprednisolona, cujo tempo de permanência no organismo é prolongado por dias a semanas. Na via intravenosa indica-se o uso de esteroides de alta solubilidade, isto é, sob a forma de fosfatos ou succinatos e, em condições de uso agudas, ou sob a forma de pulsoterapia, ou seja, a administração parenteral de doses suprafarmacológicas de um esteroide de efeito rápido ou intermediário, por um curto período de tempo (aproximadamente 3 dias). Interações terapêuticas e posologia A principal indicação para os glicocorticoides é a terapia de reposição para os casos clínicos de insuficiência adrenal, isto é, nas situações de hipoadrenocorticismo. Entretanto a grande maioria dos casos de uso de glicocorticoides é dirigida para fins anti-inflamatórios e imunossupressores. As situações que necessitam dos glicocorticoides para tais fins são inúmeras, e as decisões que levam ao seu uso devem avaliar o equilíbrio entre os efeitos benéficos do medicamento e os seus consequentes efeitos colaterais. Pelo menos seis princípios terapêuticos devem ser considerados ao ser empregada a glicocorticoideterapia. A dose adequada para um determinado paciente deve ser ajustada em base de tentativas e erros e, no caso de Anti-inflamatório esteroidal 11 tratamento a longo prazo, a dose ideal deve ser ajustada periodicamente. Uma única dose de um corticosteroide com ação rápida, mesmo que em concentrações elevadas, é virtualmente desprovida de efeitos colaterais. Na opção por poucos dias de corticoideterapia de efeito rápido, em doses baixas a moderadas, o aparecimento de efeitos indesejáveis é improvável, desde que não existam contraindicações. Quando a terapia com glicocorticoides é prolongada para semanas a meses, a administração do medicamento em doses acima das necessidades fisiológicas aumenta a incidência de manifestações colaterais. Com exceção dos casos de insuficiência adrenal, em que há necessidade do uso de glicocorticoides, as demais aplicações dos esteroides é de natureza sintomática, não atuando sobre a causa da doença e, portanto, não levando à cura. A interrupção abrupta da medicação, em casos de terapia crônica e em altas doses, leva ao aparecimento de sintomas clínicos de privação, isto é, a uma situação de hipoadrenocorticismo. Assim, a administração de glicocorticoides nas suas várias indicações terapêuticas deve ser orientada no sentido de se usar a menor dose terapêutica durante o menor período de tempo e que sejam aplicados apenas em situações em que outras terapias (p. ex., anti-inflamatórios não-esteroidais) se mostraram ineficazes ou inaplicáveis. Em geral, a dose imunossupressora é cerca de 2 vezes maior do que a dose anti-inflamatória; esta, por sua vez, é cerca de 10 vezes maior do que as doses ditas fisiológicas. Insuficiência adrenal No tratamento do hipoadrenocorticismo, endógeno ou iatrogênico, pode-se empregar a administração de glicocorticoides, como a prednisona, na dose de 0,1 a 0,2 mg/kg por via oral, a cada 24 horas (geralmente útil nos casos de insuficiência adrenal por uso abusivo de glicorticoides exógenos). Nas situações de ausência ou diminuição concomitante da aldosterona, faz-se necessária a aplicação de esteroides que também tenham atividade mineralocorticoide, como a hidrocortisona, na dose de 0,5 a 1,1 mg/kg a cada 24 horas. Nos casos específicos das insuficiências adrenais agudas, em estados de choque hipovolêmico, faz-se necessário administração da mesma dose a cada 8 ou 12 horas. Doenças imunomediadas e doenças autoimunes As doenças de natureza autoimune são relativamente comuns na clínica veterinária de pequenos animais, tendo-se como exemplos a anemia hemolítica e a trombocitopenia autoimunes, o lúpus eritematoso sistêmico, os pênfigos, as polineuropatias e as polimiosites. Nestes casos, os glicocorticoides são, muitas vezes, essenciais à Anti-inflamatório esteroidal 12 manutenção da vida e, não raro, o seu uso deve ser crônico. As doses necessárias para se obter imunossupressão adequada são de cerca de 2,2 a 6,6 mg/kg. por dia, de prednisolona ou prednisona, por via oral. Na fase de indução esta dose pode ser dividida e fornecida a cada 8 ou 12 horas, ou em dose total a cada 24 horas. Nos casos mais agudos ou mais graves, pode-se optar por corticoides de ação mais rápida e por via intravenosa, como fosfato sódico de dexametasona, na dose de 0,3 a 0,6 mg/kg. Esta fase de indução deve durar 7 a 10 dias. ou até a normalização clínica do paciente. Estabilizado o quadro, deve-se tentar uma dose mais baixa. de manutenção. na concentração de 2,2 mg/kg a cada 24 horas nos primeiros 7-10 dias e então, sempre que possível, instituir a corticoideterapia em dias alternados. O uso de esteroides em dias alternados, ou a cada 3 dias, permite a recuperação do eixo hipotálamo-hipófise- adrenal e minimiza o aparecimento de efeitos colaterais. Na espécie equina, indica-se o uso de glicocorticoides na isoeritrólise neonatal (doençahemolítica do recém- nascido). Recomenda-se. neste caso, a administração de 5 a 20 mg de dexametazona, por via intramuscular. Ao contrário do que ocorre em potros, a hemólise imunomediada em animais adultos é de ocorrência rara; recomenda-se para equinos. nesta faixa etária, o uso de dexametazona, por via intravenosa ou intramuscular, na dose de 0,1 a 0,2 mg/kg por dia, durante 2 dias, ou a administração, pela via intramuscular, de prednisolona, dividida em 2 administrações diárias. também por 2 dias. Uma vez estabilizado o quadro, deve-se diminuir a dose de glicocorticoides, recomendando-se alternar os dias de administração do anti- inflamatório. A prednisona poderá substituir a prednisolona quando a doença estiver controlada. Condições alérgicas A maioria das doenças imunomediadas, originadas de reações inflamatórias contra agentes alergênicos, é controlável pelo uso de glicocorticoides. Neste grupo de doenças incluem-se as dermatopatias alérgicas (atopia, dermatite alérgica à picada de pulga ou outros ectoparasitas, dermatite alérgica de contato, hipersensibilidade alimentar), as reações a picadas de animais peçonhentos e as doenças brônquio- pulmonares de natureza alérgica. Como já citado, as doses necessárias para o efeito anti-inflamatório (antialérgico) são menores do que as usadas para o efeito imunossupressor. Assim, em cães e gatos, recomenda-se a prednisona ou prednisolona, na dose de 0,5 a 1,1 mg/kg por via oral, a cada 24 horas, na fase de indução, por 2 a 6 dias. Minimizando-se os sintomas, deve-se instituir a fase de manutenção com 50% da dose inicial, fornecidos diariamente no início e, Anti-inflamatório esteroidal 13 posteriormente, em esquema de dias alternados. O tratamento pode prolongar-se até a identificação e retirada do agente alergênico, quando isto for possível. Em outras espécies animais, como os equinos, utiliza-se também, como primeira escolha, os glicocorticoides para o tratamento de alergias. Recomenda-se a administração de 400 a 600 mg de prednisona ou prednisolona, por via oral, diariamente, até a remissão dos sintomas. Deve-se diminuir gradativamente a dosagem do glicocorticoide, por semanas, até se obter a menor dose possível que mantenha O animal sem a sintomatologia clínica. Traumas articulares O principal uso dos glicocorticoides na clínica de equinos refere-se ao tratamento de traumas articulares. De maneira geral, a duração e eficácia da corticoideterapia varia de acordo com e tipo de preparação usada, a severidade do processo inflamatório e também o número de tratamentos à base de glicocorticoide previamente realizados. A administração deste medicamento se faz por via intra-articular, com o objetivo de minimizar os efeitos sistêmicos produzidos pelos anti-inflamatórios esteroidais. A seguir serão apresentados os glicocorticoides aprovados para uso por via intra-articular, bem como as dosagens preconizadas: acetonido de triancinolona: 6 a 18 mg, dependendo do tamanho da articulação e da severidade dos sintomas. acetato de isoflupredona: 5 a 20 mg, dependendo do tamanho da articulação. acetato ou fosfato de sódio de betamesona: 2,5 a 5 ml. acetato de metilprednisolona: 40 a 240 mg, dependendo do tamanho da articulação. flumetasona: 1,25 a 2,5 mg por dia. Tanto a cortisona como a prednisona não são utilizadas por via intra-articular, uma vez que estes glicocorticoides precisam sofrer biotransformação hepática para formar cortisol e prednisolona, respectivamente. O uso de glicocorticoides topicamente, como já comentado, tem o objetivo de minimizar o efeito sistêmico destes medicamentos: entretanto a administração intra-articular poderá produzir efeitos intrasinoviais bastante sérios, tais como o decréscimo da elasticidade da cartilagem e da quantidade de glicosaminoglicano, produzindo progressiva degeneração da cartilagem; depósitos de cálcio na superfície hialina; adelgaçamento e fissura da cartilagem e também decréscimo tanto da viscosidade como do conteúdo do ácido hialurônico no fluido sinovial. Contraindica-se o uso intra-articular dos glicocorticoides quando há infecção, dano Anti-inflamatório esteroidal 14 estrutural e instabilidade da articulação. Também não se recomenda o uso de glicocorticoides quando o tratamento prévio com estes medicamentos não se mostrou efetivo. Traumas e edemas cerebrospinais Os glicocorticoides são comumente usados para o tratamento de casos de traumas dos sistemas nervoso central e periférico. São também frequentes as suas aplicações em casos de edemas e reações inflamatórias causadas por neoplasias ou infecções do tecido nervoso. Normalmente, altas doses são necessárias para se obterem efeitos benefícios, principalmente nos casos traumáticos, a exemplo da administração de dexametasona (na dose de 2,5 a 5,0 mg/ kg) ou de prednisona (na dose de 15 a 30 mg/kg), por via intravenosa, a cada 4-6 horas, como demonstrado em gatos com traumatismos de medula espinal (induzidos experimentalmente). A terapia anti- inflamatória maciça para casos neurológicos é geralmente de curta duração, não havendo argumentos que corroborem a sua utilização em prazos além de 5 a 7 dias, dada a potencialidade de efeitos colaterais em doses tão elevadas. Mesmo dentro deste prazo de 5 a 7 dias, recomenda-se a diminuição gradativa da dosagem até níveis anti-inflamatórios, após as primeiras 24 horas de tratamento. Choques Na clínica de cães e gatos, os glicocorticoides têm sido recomendados em uma variedade de estados de choque, como o hemorrágico e os choques sépticos. Sabe-se que o estado de choque é consequência da má perfusão de órgãos e tecidos, sendo objetivos do tratamento o restabelecimento da perfusão tecidual e a normalização do volume intravascular. A corticoterapia atinge estes objetivos através da preservação da integridade da micro-vasculatura e inibindo os eventos que levam à citotoxicidade e à atuação dos radicais livres. O uso de glicocorticoide em quadros de choque deve basear-se no emprego, o mais precoce possível, de doses elevadas de prednisona ou metilprednisolona, na dose de 15 a 30 mg/kg por via intravenosa, ou dexametasona, na dose de 4 a 8 mg/kg por via intravenosa (dosagem tanto para cães como para gatos). Alguns estudos demonstram que a introdução de corticoideterapia após os 30 minutos iniciais da manifestação do quadro tem poucos efeitos benéficos, quando comparada a uma atuação mais precoce. É importante ressaltar que os esteroides glicocorticoides não substituem e nem suprimem a necessidade de uma fluido-terapia agressiva ou outros tratamentos de suporte, como antibióticos e cardiotônicos, que se mostrem necessários. O uso de corticosteroides na terapia de choque, em equinos, é bastante Anti-inflamatório esteroidal 15 duvidoso, e vários trabalhos experimentais de choque, nesta espécie animal, não apresentaram resultados satisfatórios que justificasse o uso destes anti-inflamatórios. Efeitos colaterais A natureza das terapias que se utilizam dos glicocorticoides é, antes de tudo, ambígua. Sabe-se que os efeitos benéficos obtidos pelo seu uso são pronta e seguramente atingidos. Por outro lado, sabe-se que o seu uso contínuo, em doses suprafisiológicas, leva ao aparecimento de inúmeros efeitos indesejáveis, que podem ser divididos em duas categorias: aqueles que resultam da interrupção do uso do medicamento e aqueles relacionados com à potencialização das suas ações paralelas.Precauções e contraindicações Os glicocorticoides devem ser evitados ou usados o mais criteriosamente possível em condições como doenças infecciosas, devido à sua natureza imunossupressora; hemorragias e/ou perfurações gastrointestinais, dada a sua interferência na vascularização, secreção gástrica e nos mecanismos de reepitelização das mucosas; diabetes mellitus, uma vez que são hormônios hiperglicemiantes e antagônicos à ação da insulina; pancreatites, pela sua capacidade de aumentar a viscosidade das secreções pancreáticas, promover hiperplasia dos dutos pancreáticos e provocar lipemia; doenças renais, visto que os esteroides promovem o catabolismo proteico, com consequente aumento dos produtos nitrogenados e agravamento das situações de azotemia; e nas cardiopatias, visto que alguns esteroides sintéticos retêm a atividade mineralocorticoide, o que leva à retenção hídrica, piorando os estados congestivos. Ressalte-se que os glicocorticoides também interferem na secreção de diversos hormônios hipofisários, inibindo-a, como o TSH, o GH e as gonadotrofinas. Insuficiência adrenal iatrogênica Quando um animal é submetido a uma terapia prolongada com glicocorticoides, com sintomas de hiperadrenocorticismo, internamente este apresenta uma situação de supressão das secreções de CRH e ACTH, devido ao feedback negativo exercido no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal pelo corticoide exógeno. A deficiência de ACTH leva a uma atrofia das zonas fasciculata e reticulata drenais. Assim, quando se interrompe bruscamente a terapia ou se expõe o paciente a situações de estresse (como traumas, infecções e procedimentos cirúrgicos), o animal se mostra incapaz de suprir as suas necessidades de glicocorticoides. Clinicamente, este quadro pode manifestar-se com sintomas como depressão, anorexia, oligodipsia, oligúria, distúrbios gastrointestinais ou choque agudo. Anti-inflamatório esteroidal 16 hiperadrenocorticismo iatrogênico O hiperadrenocorticismo iatrogênico é uma ocorrência mórbida relativamente comum nas situações de uso repetido de corticosteroides de depósito, embora, a priori, possa ocorrer durante a administração de qualquer preparação com glicocorticoides; isto inclui as vias de aplicação orais, tópicas, oftálmicas e óticas. Os animais com hiperadreno-corticismo iatrogênico apresentam, em maior ou menor grau, poliúria, polidipsia, polifagia, abdômen abaulado, apatia, estridor respiratório, atrofia muscular, lesões cutâneas variadas como alopecia, hiperpigmentação e atrofia cutânea. As infecções são comuns, notadamente as cutâneas e genitourinárias. O ciclo estral se torna irregular ou ausente, e nos machos ocorre diminuição da libido e da capacidade de fecundação. A osteopenia e as calcificações metastáticas e distróficas podem aparecer. A resistência insulínica provocada pelos glicocorticoides pode levar ao quadro de intolerância à glicose e consequente diabetes mellitus. Não raramente, cães e gatos diabéticos apresentam em seu histórico o uso prévio de esteroides anti- inflamatórios. Existem variações individuais na exibição dos efeitos colaterais, sendo alguns animais mais resistentes que outros nas manifestações dos sintomas clínicos do hiperadrenocorticismo. Isto provavelmente se deve a diferenças nos níveis de proteínas carreadoras, na concentração de receptores, na absorção, metabolismo e excreção do medicamento. Assim, podem-se observar manifestações de hipercorticismo em intervalos de tempo que variam de semanas a anos, utilizando-se a mesma droga, na mesma dose, em animais distintos. E mesmo os sintomas podem apresentar-se isolados (somente poliúria e polidipsia, por exemplo) ou em sua dramática totalidade. Cabe lembrar que os gatos são extremamente resistentes à corticoideterapia, necessitando cerca de 2 vezes a dose usual da espécie canina para se obter os mesmos efeitos benéficos ou colaterais. Esta resistência pode estar relacionada com um número menor de receptores para glicocorticoides, quando comparados aos cães.