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Laísa Dinelli Schiaveto Alterações Fisiológicas à Gravidez INTRODUÇÃO As alterações fisiológicas à gestação ocorrem na esfera molecular, bioquímica, hormonal, celular e tecidual dos vários órgãos e sistemas. Por isso, o conhecimento dessas alterações é fundamental para a boa prática obstétrica, de modo que seja possível reconhecer os desvios da normalidade. É possível se deparar com situações de má adaptação do organismo materno à presença do feto, de manifestação de doenças latentes, de intercorrências patológicas ligadas especificamente ao período gestacional e de piora de doenças preexistentes. Assim, nesses casos as gestações serão consideradas de alto risco, merecendo atenção especial na assistência pré-natal. ADAPTAÇÕES DO ORGANISMO MATERNO Sistema Circulatório à Alterações Hematológicas A primeira adaptação circulatória compreende às alterações do volume e da constituição do sangue, uma vez que o volume aumenta consideravelmente, atingindo valores 30 a 50% maiores. As variações relacionadas ao aumento da volemia estão associadas a diferenças individuais e à quantidade de tecido trofoblástico, sendo maior em gestações múltiplas e menor em gestações com predisposição a insuficiência placentária. Ou seja, observa-se aumento volêmico mais discreto em pacientes que apresentam restrição de crescimento fetal e HAS. O papel da hipervolemia está associado ao aumento das necessidades de suprimento sanguíneo nos órgãos genitais, especialmente no útero, cuja vascularização se apresenta maior na gestação. Além disso, tem função protetora para a gestação e feto em relação à redução do retorno venoso, comprometido com as posições supina e ereta, e também para as perdas sanguíneas esperadas no processo de parturição. • Volume Sanguíneo e Plasmático: O aumento da volemia decorre do acrescimento de volume plástico e, em menor proporção, da hiperplasia celular. Em geral, o aumento de volume plasmático é de 45 a 50%, enquanto o volume de células vermelhas se eleva cerca de 30%, estabelecendo, assim, estado de hemodiluição e, consequentemente, a viscosidade plasmática está menor, o que reduz o trabalho cardíaco. O sistema renina-angiotensina-aldosterona tem maior atividade com o objetivo de superar os mecanismo excretores, como o aumento da filtração glomerular e do peptídeo atrial natriurético. • Eritrócitos: Apesar da hemodiluição fisiológica, o volume eritrocitário absoluto se apresenta com aumento considerável. Assim, mulheres grávidas apresentam 450 ml a mais de eritrócitos, com maior incremento no terceiro trimestre. Essa produção está acelerada em função do aumento dos níveis plasmáticos de eritropoetina, o que é confirmado pela discreta elevação do número de reticulócitos. Como resultado da hemodiluição, a concentração de hemoglobina se encontra reduzida. Obs.: É consenso utilizar valores de hemoglobina inferiores a 11 g/dL para a definição de anemia na gestação. • Leucócitos: A leucocitose pode estar presente na gravidez normal, com valores entre 5.000 e 14.000/mm3, sendo que, durante o parto e o puerpério, estes podem chegar a 29.000/mm3, estando, provavelmente relacionado à atividade das adrenais no momento de estresse. Destaca-se que, apesar do maior número de leucócitos, sua função se encontra deprimida, com diminuição dos fenômenos quimiotáxicos e da expressão de moléculas de aderência. Laísa Dinelli Schiaveto As proteínas inflamatórias da fase aguda apresentam aumento durante toda a gestação, sendo que a proteína C reativa apresenta níveis mais elevados próximo ao parto. • Plaquetas e Sistema de Coagulação: Os níveis de plaquetas estão discretamente reduzidos devido à hemodiluição, consumo de plaquetas e grau de coagulação intravascular no leito uteroplacentário. Na gestação, considera-se plaquetopenia uma contagem inferior ou igual a 100.000/mm3. Praticamente todos os fatores de coagulação se apresentam elevados, com exceção dos fatores XI e XIII. Os níveis de dímero D e fibrinogênio também se encontram elevados. A atividade fibrinolítica está diminuída devido à elevação de inibidores dos ativadores de plasminogênio (precursor da plasmina, que remove fibrina, metabólito final da cascata de coagulação), PAI-1 e PAI-2, e do inibidor da fibrinólise ativado pela trombina (TAFI). A hipercoagulabilidade também está associada à resistência da proteína C e à diminuição dos níveis plasmáticos de proteína S. • Metabolismo do Ferro: As necessidades de ferro se encontram consideravelmente aumentados. O consumo e a perda de ferro que ocorrem nessa fase não permitem que a gestante mantenha os níveis de hemoglobina e os estoques desse elemento dentro do intervalo de normalidade. Os eventos que contribuem para esse estado de deficiência são: consumo pela unidade fetoplacentária, utilização para produção de hemoglobina e de mioglobina para aumento da massa eritrocitária e da musculatura uterina, e depleção por perdas sanguíneas e pelo aleitamento. Por isso, a não ser que haja suplementação adequada, a maioria das gestantes apresentará anemia ferropriva. Portanto, a suplementação é obrigatória (60 mg/dia de ferro elementar ou 300 mg/dia de sulfato ferroso). à Alterações Hemodinâmicas Há aumenta da frequência cardíaca, em 15 a 20 bpm, bem como elevação do volume sistólico. Essas alterações determinam o aumento do débito cardíaco, que pode chegar a ser 50% maior. DC = VS x FC O débito cardíaco atinge seu ápice no pós-parto imediato, com um incremento de 80%, devido ao aumento do retorno venoso e, portanto, da pré-carga, após a descompressão dos vasos pélvicos pelo útero, o que ocorre com o nascimento do concepto. Ainda, a posição supina pode reduzir o débito cardíaco em 25 a 30%, em comparação com o decúbito lateral esquerdo, por conta da compressão da veia cava e da redução do retorno venoso. O aumento relativo da produção de prostaciclina, em comparação à produção de tromboxano A2, e o aumento da produção endotelial de óxido nítrico, ocasiona vasodilatação sistêmica. Essa, por sua vez, leva ao surgimento da circulação útero placentária, de baixa resistência, contribuindo para a diminuição da resistência vascular periférica. A redução da resistência vascular periférica é tão acentuada, que é capaz de reduzir a pressão arterial sistêmica, apesar do aumento do débito cardíaco. ¯ Pressão Arterial Sistêmica = ¯¯ RVP x DC A queda da pressão arterial sistêmica é mais acentuada no segundo trimestre e retorna para níveis pré-gravídicos próximos ao parto. Durante as contrações do trabalho de parto, a pressão se eleva, o que é desencadeado pelo aumento do débito cardíaco e pela ação das catecolaminas liberadas pelo estímulo da dor. Já, o aumento da pressão venosa nos MMII é justificado pela compressão das vias pélvicas pelo útero volumoso. Assim, há maior chance de hipotensão, edema, varizes e doença hemorroidária. Ainda, a compressão uterina pode também ocorrer sobre os vasos maiores, como a veia cava inferior, quando a gestante se encontra em posição supina. Então, a redução da pré-carga provoca hipotensão seguida de bradicardia por reflexo vagal, podendo se manifestar com quadro de lipotimia (síndrome de hipotensão supina). Laísa Dinelli Schiaveto • Coração: O diafragma se eleva por conta do aumento do volume abdominal e, assim, o coração se encontra desviado para cima e para esquerda, ligeiramente rodado para a face anterior do tórax. Também, o volume se encontra maior em função do aumento do volume sistólico e da hipertrofia dos miócitos. Pequenas alterações do ritmo cardíaco são frequentes, principalmente as extrassístoles ventriculares e taquicardias paroxísticas supraventriculares. O sopro cardíaco também é comum devido a redução da viscosidade sanguínea e do aumento do débito cardíaco. Por fim, podem ser vistas alterações fisiológicasno ECG, como nas ondas T e Q, no segmento ST e no desvio do eixo cardíaco para a esquerda de 15 a 20º. Sistema Endócrino e Metabolismo As adaptações endócrinas e metabólicas do organismo materno visam garantir o aporte nutricional para o desenvolvimento saudável do feto, de termo e com peso adequado. Para que isso ocorre, há uma variedade de transformações funcionais das glândulas maternas que coexistirá com a placenta, sendo que a produção hormonal placentária é de ordem complexa e múltipla. A produção placentária gera um novo equilíbrio dos eixos hipotálamo-hipófise-adrenal, hipotálamo-hipófise-ovário e hipotálamo- hipófise-tireoide. Destaca-se que, há duas fases distintas: - Primeira Etapa: anabolismo materno, que dura pouco mais da metade da gestação. - Segunda Etapa: catabolismo materno, que se inicia no fim da primeira metade e segue até o término da gravidez. à Alterações Endócrinas • Hipotálamo: As concentrações de diversos hormônios produzidos pelo hipotálamo tem aumento na circulação periférica. Isso ocorre devido a produção placentária de variantes idênticas aos hormônios hipotalâmicos, como GnRH, CRH, TRH e GHRH. • Hipófise: A hipófise se encontra com tamanho aumentado devido à hipertrofia e a hiperplasia da adenohipófise, especialmente dos lactótrofos, promovidas pela ação estimulante do estrógeno. Seu volume e peso chegam a dobrar no final da gestação, sem complicações quando a gestação e o parto cursam de forma tranquila. No entanto, a expansão volumétrica pode acarretar em falência da glândula quando ocorre sangramento profuso no período periparto e isquêmica hipofisária (síndrome de Sheehan). Há aumento considerável da produção de prolactina, que chega a níveis dez vezes maiores do que em mulheres não gestantes (cerca de 200 ng/ml). Essa elevação tem como objetivo preparar as glândulas mamárias para a produção de leite no pós-parto. A fração alfa da hCG, por sua semelhança molecular com a fração alfa do TSH, estimula a função tireoidiano, o que, por meio da retroalimentação negativa, reduz a produção e a secreção hipofisária de TSH. Já, os níveis de ACTH aumentam progressivamente em função da produção hipofisária e placentária. Por outro lado, a produção placentária de esteroides sexuais leva ao decréscimo da secreção de gonadotrofinas hipofisárias. Agora, em relação à neurohipófise, os hormônios produzidos são o ADH e a ocitocina. Os níveis de ocitocina se mantem constantes, elevando-se na fase ativa e no período expulsivo do trabalho de parto. Não há alterações nos níveis de ADH, apenas um novo equilíbrio do limiar determinante de sua liberação. • Tireoide: A regulação de tireoide está evidentemente alterada na gravidez em razão de três modificações no organismo materno: - Redução dos níveis séricos de iodo pelo aumento da taxa de filtração glomerular e pelo consumo periférico; - Aumento da produção e da glicosilação da globulina transportadora de hormônios Laísa Dinelli Schiaveto tireoidianos (TBG) com consequente aumento das frações ligadas dos hormônios; - Estimulação direta dos receptores de TSH e pelo hCG. Essas alterações provocam sobrecarga funcional da tireoide, mas não costumam causar aumento volumétrico da glândula, de forma que a presença de bócio merece investigação quando presente. O aumento da depuração renal de iodo associado à ingestão baixa ou limítrofe desse elemento pode ocasionar deficiência na produção hormonal materna e fetal. A glicolisação da TBG é estimulada pela crescente produção de estrógenos pela placenta, o que diminui sua metabolização hepática e, consequentemente, aumenta os níveis circulantes. Isso faz com que as formas ligadas de T3 e T4 tenham aumento fisiologicamente. • Paratireoides: As funções das paratireoides está intimamente ligada ao metabolismo do cálcio. A demanda de cálcio durante a gestação é maior em função da unidade fetoplacentária, que absorve cálcio e outros elementos do organismo materno para a formação do esqueleto fetal. Nos lactentes, as demandas são ainda maiores, pelo alto teor de cálcio no leite materno, que deve suprir as necessidades do recém-nascido, exigindo um aporte materno de cálcio de 300 a 1.000 mg/dia durante a lactação. Por sua vez, a aumento da filtração glomerular contribui para maior excreção de cálcio urinário. A hemodiluição materna leva a um decréscimo na concentração de albumina, a qual se liga à 50% do cálcio total. Essas alterações levam a um decréscimo do nível sérico de cálcio total, sem alterar, contudo, os níveis de cálcio iônico e de cálcio corrigido pela albumina. Assim, não se observa benefício na suplementação desse elemento, mas deve-se considerá-la em situações como gestação em adolescentes, gemelaridade, intervalo entre partos curto e doenças intestinais disabsortivas. O PTH apresenta redução dos níveis séricos no primeiro trimestre. Os efeitos adaptativos que mantêm o equilíbrio do metabolismo do cálcio, a respeito da diminuição da produção de PTH, estão relacionados, principalmente, à elevação do calcitriol (vitamina D3), resultante da estimulação da atividade da 1-alfa-hidroxilase renal por estrógeno, hormônio lactogênico placentário e proteína relacionada ao paratormônio (PTH-rP), produzidos pela placenta. Consequentemente, com o aumento do calcitriol, ocorre maior absorção de cálcio pelo sistema digestório. • Adrenais: O aumento generalizado das atividades do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e do sistema renina-angiotensina-aldosterona gera um período de hipercortisolismo e hiperaldosteronismo. Então, o aumento do cortisol sérico decorre da redução de sua excreção e do aumento de sua meia-vida. Tem relação direta com a unidade fetoplacentária, que produz CRH e ACTH, e, no terceiro trimestre, os níveis de cortisol chegam a ser três vezes maiores que os níveis basais. Destaca-se que, na presença de ambiente com altos níveis de progesterona, ocorre refratariedade da resposta tecidual ao cortisol. • Ovários: A função endócrina ovariana está relacionada à produção de progesterona pelo corpo lúteo. Sua importância se limita até a sétima semana de gravidez, pois está associada à manutenção da gestação até o período em que o trofoblasto cresce suficientemente para sua autonomia hormonal. A produção de outras substâncias, como a relaxina, se associa a mecanismo de relaxamento sistêmico das fibras de colágeno e musculares, responsáveis pela acomodação da gestação e pelo processo de parturição. Além disso, está envolvida também na fisiologia do parto pré-termo e das alterações da cérvix. à Alterações Metabólicas • Metabolismo dos Carboidratos e Lipídeos: Necessidade Calórica = 300 kcal/dia. Laísa Dinelli Schiaveto Há redução da glicemia em jejum e da glicemia basal materna devido ao armazenamento de gordura, glicogênese hepática e transferência de glicose para o feto. Essas alterações são observadas na fase anabólica e são desencadeadas pelos hormônios sexuais placentários (estrógeno e progesterona). A partir da segunda metade da gravidez, inicia- se o período catabólico, com lipólise, neoglicogênese e resistência periférica à insulina, a qual é secundária à produção placentária de hormônios diabetogênicos, como GH, CRH, progesterona e, especialmente, hormônio lactogênico placentário (hLP ou somatomamotropina coriônica). Visando garantir a necessidade diária de glicose para o crescimento e desenvolvimento do feto, ocorre aumento da resistência periférica à insulina, criando um ambiente de hiperglicemia pós-prandial e consequente hiperinsulinemia, resultante da hipertrofia e da hiperplasia das células beta pancreáticas mediadas pela prolactina e pelo hLP. A redução da sensibilidade à insulina é observado a partir de 26 semanas de gestação, período em que há aumento progressivo do nível de hLP. Portanto, é nesse momentoque qualquer desequilíbrio no metabolismo dos carboidratos pode gerar o quadro de diabetes mellitus gestacional, em especial se a oferta de glicose no sangue materno ultrapassar a capacidade pancreática de produção de insulina. Além disso, outras substâncias que participam desse processo incluem a prolactina, o fator de necrose tumoral, a leptina e a adiponectina. A sensibilidade periférica à insulina apresenta redução de 40 a 70%. Ainda, há elevação dos níveis de colesterol total e suas frações, bem como dos triglicerídeos. • Metabolismo Proteico: Na gestação, existe aumento do balanço nitrogenado materno total com acúmulo de aproximadamente 1.000 g de proteína. Metade desse acúmulo é direcionado ao feto e a seus anexos, sendo a outra metade destinada a suprir as necessidades da musculatura uterina hipertrofiada, do desenvolvimento mamário, da hipervolemia plasmática e da hiperplasia dos eritrócitos. O incremento de aminoácidos no organismo materno está relacionado ao melhor aproveitamento dietético e à menor taxa de excreção. Com relação às proteínas plasmáticas, há aumento da albumina total e redução de sua concentração plasmática, assim como há o aumento de fibrinogênio e alfa e betaglobulinas. MODIFICAÇÕES SISTÊMICAS Pele e Anexos A produção placentária de estrógenos leva à proliferação da microvasculatura de todo o tegumento (angiogênese). Assim, ocorre vasodilatação de toda a periferia, levando à eventos vasculares da pele e anexos, como eritema palpar, telangiectasias, hipertricose e aumento de secreção sebácea e da sudorese. A hiperpigmentação da pele também está relacionada ao altos níveis de progesterona, que aumentam a produção do hormônio melanotrófico da hipófise. Este age sobre as moléculas de tirosina da pele, induzindo a produção excessiva de melanina, o que provoca máculas hipercrômicas chamadas de melasmas. Entre os locais de maior incidência estão face, fronte, projeção cutânea da linha alba (que passa ser denominada linha nigra), aréola mamária e região de dobras. As estrias são as alterações mais frequentes no período gestacional, uma vez que são decorrentes da hiperfunção das glândulas adrenais (hipercortisolismo típico da gravidez). Os fatores de risco para o desenvolvimento são história familiar e ganho de peso excessivo na gestação. Sistema Esquelético De modo geral, as articulações sofrem processo de relaxamento durante a gravidez, com acúmulo de líquido (embebidação gravídica). Este processo, nas articulações dos MMII, pode predispor a gestante a dores crônicas, entorses, luxações e até fraturas. Laísa Dinelli Schiaveto Além disso, as articulações da bacia óssea (sínfise púbica, sacrococcígea e sinostoses sacroilíacas) apresentam maior elasticidade, as quais estão associadas à ação da relaxina, aumentando a capacidade pélvica e modificando a postura e a deambulação da gestante, o que prepara o organismo para a parturição. Os ligamentos estão mais frouxos e são mais complacentes à movimentação, sendo imprescindíveis para o fenômeno de expulsão fetal, pois elas permitem o aumento dos diâmetros e estreitos da pelve materna. O aumento do volume abdominal e das mamas desvia anteriormente o centro de gravidade materno. Por instinto, a gestante direciona o corpo todo posteriormente, de forma a compensar e encontrar o novo eixo de equilíbrio que permita que ela se mantenha ereta. Assim, há o surgimento de hiperlordose e hipercifose da coluna vertebral, com aumento da base de sustentação, com afastamento dos pés e diminuição da amplitude dos passos durante a deambulação (marcha anserina). Ainda, o aumento da flexão cervical causa compressão de raízes cervicais que originam os nervos ulnar e mediano, acarretando fadiga muscular, dores lombares e cervicais, e parestesias de extremidades. Sistema Digestório Frequentemente, há queixas de aumento de apetite e sede, que podem ser explicadas pelas resistência à ação da leptina e suas alterações da secreção de ADH. Além disso, mudanças nas preferencias alimentares são comuns e podem chegar a configurar perversões do paladar, como desejo de ingerir terra, carvão, entre outros, caracterizando o quadro de pica ou malacia. Durante o primeiro trimestre, náuseas e vômitos são muito prevalentes. Algumas vezes, pode ser de difícil manejo, sendo acompanhados de perda significativa de peso, caracterizando a hiperêmese gravídica, que está associada aos altos níveis de hCG circulante e as alterações laboratoriais da função tireoidiana, bem como os aspectos emocionais e psíquicos. Já, a sialorreia (secreção salivar exacerbada) é desenvolvida por estímulo neurológico do quinto par craniano (nervo trigêmeo) e do nervo vago, relacionando-se à dificuldade de deglutição decorrente das náuseas. A hipertrofia e a hipervascularização gengival são decorrentes doa altos níveis de esteroides sexuais circulantes (estrógeno e progesterona). Isso resulta em gengiva edemaciada e facilmente sangrante, o que dificulta a limpeza local. O pH salivar é mais baixo, podendo propiciar a proliferação bacteriana. Portanto, esses dois fatos podem aumentar o risco de cáries. A progesterona é um potente relaxante de fibras musculares lisas. Por sua vez, o estrógeno age como indutos dos efeitos progestônicos no organismo. Esses efeitos levam ao relaxamento do esfíncter esofágico inferior e redução de seu peristaltismo com aumento da incidência de refluxo gastroesofágico. Ou seja, a pirose é uma queixa muito comum. A hipotonia da vesícula biliar predispõe ao surgimento de litíase biliar, em especial pela associação com o aumento do colesterol total desde o início da gestação. A contratilidade da musculatura lisa dos intestinos se encontra reduzida, causando obstipação. A permanência prolongada do bolo fecal no lúmen intestinal expõe os alimentos ao contato com enzimas digestivas por tempo mais prolongado e aumenta a absorção de água, o que contribui para a piora do quadro de obstipação. A função hepática permanece igual, com exceção do transporte intraductal de sais biliares, que se apresenta parcialmente inibido devido aos efeitos secundários às ações do estrógeno e da progesterona. Ainda, ocorrem alterações anatômicas que desviam o estômago e o apêndice para cima e para direita, e os intestinos para esquerda. Por vezes, o apêndice cecal ocupa o flanco direito, dificultando o diagnóstico clínico de apendicite na gravidez. Durante a gravidez e pós-parto, os sintomas intestinais e anorretais, como inchaço Laísa Dinelli Schiaveto abdominal, obstipação, incontinência e doença hemorroidária são frequentes. Sistema Respiratório As vias aéreas superiores apresentam ingurgitamento e edema da mucosa nasal, que se traduz em maior frequência de obstrução, sangramento e rinite durante a gravidez. O edema da mucosa também acomete laringe e faringe, diminuindo o lúmen dessas vias, o que pode, inclusive, representar maior dificuldade de intubação orotraqueal. Há elevação diafragmática e maior capacidade de excursão desse músculo. Ao longo da gravidez, a amplitude de movimento do diafragma se reduz devido ao aumento do volume abdominal que ocorre com o crescimento uterino. A capacidade vital é a soma das reservas pulmonares expiratória e inspiratória e do volume corrente. Na gestante, não há modificação da capacidade vital, mas ocorre readaptação dos volumes distribuídos nos seus diversos componentes. Assim, há aumento do volume corrente com redução da reserva expiratória e preservação da reserva inspiratória. A elevação do volume corrente pretende suprir as demandas de oxigênio, que sofrem aumento por conta da maior massa eritrocitária e da quantidade total de hemoglobina circulante. Na capacidade inspiratória, reconhece-se o conjunto volume corrente e reserva inspiratória, enquanto a capacidade residual funcional é definida como a somade reserva expiratória e do volume residual. Durante a gestação, ocorre deslocamento de volume entre essas duas capacidades, com acréscimo na capacidade inspiratória e redução da capacidade residual funcional devido à diminuição de seus dois componentes. A capacidade pulmonar total (somatório da duas capacidades) está reduzida na gravidez em aproximadamente 200 ml em razão da elevação do diafragma, uma vez que há redução do volume residual. A frequência respiratória sofre pouca ou nenhuma mudança, mas o aumento de volume corrente estabelece uma situação de hiperventilação. Consequentemente, há queda da pressão parcial de dióxido de carbono, o que gera um gradiente entre gestação e feto, facilitando a excreção fetal. Ao mesmo tempo, o aumento do pH desvia a curva de dissociação de oxigênio para esquerda, o que dificulta a liberação de oxigênio para os tecidos maternos. A discreta alcalose respiratória crônica é compensada pelo aumento da excreção renal de bicarbonato, com redução de seus níveis circulantes e pela produção de 2,3- difofoglicerato, que retorna a curva de dissociação de oxigênio para direita, garantindo liberação suficiente de oxigênio suficiente de oxigênio para o feto. Destaca-se que, essas alterações causam sensação de dispneia. Sistema Urinário O aumento da volemia em associação com a redução da resistência vascular periférica provoca elevação do fluxo plasmático glomerular, com consequente aceleração do ritmo de filtração glomerular. A osmolaridade plasmática se modifica devido à ativação do sistema renina-angiotensina- aldosterona e da redução do limiar para secreção de ADH. Assim, a liberação de ADH e o mecanismo de sede são desencadeados por menores níveis osmóticos, o que demonstra menor capacidade renal de concentrar urina. Em geral, as gestantes filtram maiores quantidades de sódio e água no glomérulo, o que é compensado por maior reabsorção tubular desses elementos, que é resultado da ação da aldosterona e do ADH. A pressão arterial, as taxas de fluxo plasmático glomerular e ritmo de filtração glomerular sofrem grande influência da posição materna, além da queixa de noctúria ser muito comum. Essas alterações se devem à influência da postura materna sobre o débito cardíaco, que se apresenta particularmente maior nas ocasiões em que a gestante se encontra em decúbito lateral esquerdo, principalmente no terceiro trimestre. Fatores hormonais como a progesterona provocam hipotonia da musculatura dos ureteres e da bexiga, causando discreta Laísa Dinelli Schiaveto hidronefrose e aumento do volume residual vesical. Já, fatores mecânicos, como o aumento do plexo vascular ovariano direto, dextrorrotação e compressão extrínseca uterina, predispõem à acentuação da hidronefrose do lado direito e à redução da capacidade vesical, demonstrada por meio da polaciúria fisiológica da gravidez. A bexiga se encontra mais elevada ao longo da gestação, com retificação do trígono vesical, provocando refluxo vesicouretral. Assim, incontinência urinária também é uma queixa frequente. Destaca-se que, as modificações gravídicas do sistema urinário aumentam o risco de formação de cálculos e de infecções do trato urinário. Sistema Nervoso Central As principais queixas quanto ao SNC relacionam-se discretas alterações de memória e de concentração, geralmente no último trimestre de gestação. A sonolência está associada aos altos níveis de progesterona, que é um hormônio conhecido por ter efeito depressor do SNC e estar relacionado com a alcalose respiratória causada pela hiperventilação. A lentificação geral do SNC é comum e progressiva, podendo corresponder a alterações vasculares das artérias cerebrais média e posterior. As modificações do padrão e da qualidade do sono aumentam a fadiga durante o final da gestação e colaboram para quadros psíquicos de melancolia da maternidade (blues puerperal) ou até depressão. É importante ressaltar que, por se tratar de um momento único de vivência psicológica, a maternidade pode ser acompanhada de inseguranças e dificuldades emocionais. Visão, Olfato e Audição Modificações da acuidade visual podem estar presentes e decorrer de alterações da córnea, como edema localizado e opacificações pigmentares. Já, as modificações olfativas estão relacionadas à mucosa nasal, que se apresenta edemaciada e hipervascularizada, fazendo com que a hispomia seja uma queixa frequente. Por fim, a acuidade auditiva pode estra discretamente comprometida, com regressão após o parto. MODIFICAÇÕES LOCAIS Útero As modificações uterinas são as mais pronunciadas, uma vez que é durante a gravidez que o útero exerce plenamente sua capacidade funcional e anatômica: participar da formação do concepto e do mecanismo de parto. Assim, com o aumento progressivo da capacidade volumétrica e o incremento considerável da vascularização, o útero retém o feto durante todo o seu crescimento e desenvolvimento, para finalmente servir força motora para sua expulsão durante o trabalho de parto. A coloração passa a ser violácea, por conta do aumenta da vascularização e da vasodilatação venosa. Por sua vez, a retenção hídrica do espaço extracelular torna a consistência do útero amolecida, principalmente na região de implantação ovular, onde as influências mecânicas e humorais são mais diretas e, portanto, mais intensas. Ainda, a consistência se modifica na vigência de contração uterina ou aumento do tônus muscular, o que pode ser notado pela palpação abdominal a partir da segunda metade da gravidez. à Istmo A alteração da consistência do istmo, com consequente edema e amolecimento do local, coincide com o alongamento da região e, ao toque vaginal combinado, é possível notar aumento da anteversoflexão uterina (sinal de Hegar), responsável pela polaciúria. à Colo Uterino Ocorrem modificações no colo uterino secundárias às alterações hormonais e vasculares. A presença de ectopia do epitélio endocervical e sua exposição ao conteúdo vagina mais ácido Laísa Dinelli Schiaveto provocam metaplasia escamosa do epitélio cilíndrico, sendo comum em situações em que há elevados níveis de progesterona. O aumento da vascularização modifica a coloração habitualmente rósea para violácea. Ocorre reação decidual em células estromais que, em conjunto com o edema local, confere ao colo consistência amolecida. A partir de 16 semanas de gestação, o amolecimento do colo uterino modifica sua consistência, passando de uma consistência semelhante à da cartilagem nasal para uma consistência similar à do lábio (regra de Goodell). A hipertrofia glandular da endocérvix desencadeia maior produção de muco, espesso e viscoso (rolha de Schröeder). Ao fim da gravidez e durante o parto, a cérvix passa por processo de colagenólise e desestruturação do tecido conjuntivo, que sustenta o arcabouço do colo uterino, na intenção de prepará-lo para o esvaecimento e dilatação. Uma série de substâncias participam desse processo, como prostaglandinas, ácido hialurônico, enzimas proteolíticas (colagenases e elastases), mediadores inflamatórios e água. Esses elementos, produzidos por fibroblastos presentes no estroma cervical, promovem retenção hídrica local, com afastamento e degradação das fibras de elastina e colágeno, além da desestabilização da matriz extracelular com aumento das glicosaminoglicanas, que são componentes glicídicos das proteoglicanas presentes na matriz extracelular. Vagina A hipervascularização local provoca hiperemia e edema da mucosa vaginal. Já, no início da gestação, a coloração avermelhada se torna arroxeada pela retenção sanguínea nos vasos venosos (sinal de Kluge). O aumento do diâmetro das artérias vaginais permite sentir sua pulsação nos fórnices laterais (sinal de Osiander). Ocorre hipertrofia das células musculares, bem como do tecido conjuntivo, o que, em conjuntocom o acúmulo hídrico, aumenta a espessura e a elasticidade da mucosa vaginal. Essas alterações levam à redução da rugosidade da mucosa e garantem distensão necessária do órgão para formação do canal de parto. O pH vaginal se encontra em torno de 3,5 a 6,0, tendo um papel protetor contra infecções bacterianas locais, mas pode predispor a infecções fúngicas, uma vez que o acúmulo de glicogênio e a maior descamação celular servem de substrato para proliferação de Lactobacillus acidophilus. Vulva A vulva apresenta as mesmas modificações relacionadas a alterações vasculares e pigmentares que a vagina. É comum que a pele da raiz das coxas e dos grandes lábios se apresente com manchas hipercrômicas, uma vez que a coloração arroxeada decorre da hipervascularização local (sinal Jacquemier-Chadwick). Em gestantes com predisposição, em particular multíparas, é possível encontrar varizes vulvares. Por fim, a retenção de líquidos no espaço extravascular causa edema do vestíbulo vaginal, que funciona como coxim protetor no momento do parto. Mamas Frequentemente, há queixas de dor e hipersensibilidade mamária no primeiro trimestre. A produção hormonal de estrógeno e de progesterona pela placenta e a produção de prolactina pela adenohipófise promovem o crescimento e o desenvolvimento mamário necessários para o processo de lactação no pós-parto. Destaca-se que, é por meio de mecanismo de hiperplasia e diferenciação celular que essas moléculas modificam por completo a mama, que é o único órgão que não retorna às suas características pré-gravídicas. A hiperpigmentação areolar faz com que o mamilo tenha cor acastanhada, com surgimento de coloração externa aos limites originais da aréola mais clara que ela, contudo, mais escura que a pele das mamas. Assim, tem-se um contorno de limites imprecisos que circunda a aréola, também conhecida como aréola secundária (sinal de Hunter). Laísa Dinelli Schiaveto Há hipertrofia das glândulas sebáceas do mamilo, que formam elevações visíveis (tubérculos de Montgomery). Destaca-se que, não parece haver relação entre o volume pré-gravídico das mamas e a sua capacidade de produção láctea.
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