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– Alterações anatomofisiológicas durante a gestação – – ➢ Verifica-se alteração postural na gestante antes mesmo da expansão de volume do útero gestante. Quando a matriz evadida da pelve apoia-se à parede abdominal, e as mamas, dilatadas e engrandecidas, pesam no tórax, o centro de gravidade desvia-se para frente, e todo o corpo, em compensação, projeta-se para trás. Involuntariamente, a atitude adotada é a de quem carrega objeto pesado, mantendo-o, com as duas mãos, à frente do abdome. Essa situação torna-se mais nítida quando a gestante está de pé, pois, para manter o equilíbrio, empina o ventre, provocando a lordose da coluna lombar. Amplia-se a base do polígono de sustentação, os pés afastam-se, e as espáduas projetam-se para trás. Grupamentos musculares que não costumam ter função nítida ou constante passam a atuar, estirando-se e contraindo-se, e sua fadiga responde pelas dores cervicais e lombares, uma queixa comum. A gestante, ao andar, lembra, com seus passos oscilantes e mais curtos, a deambulação dos gansos, a chamada marcha anserina. A base de sustentação ampliada e os ângulos aumentados entre os pés e a linha mediana, principalmente à direita, por conta do dextrodesvio uterino, conferem peculiaridades à sua movimentação. As articulações apresentam maior mobilidade durante a gestação, notadamente as sacroilíacas e a sínfise pubiana. Atribui-se à relaxina, secretada pela placenta, a frouxidão dos ligamentos, especialmente da sínfise pubiana, que pode alargar cerca de 4 mm nas primíparas e 4,5 mm nas multíparas. A principal resultante dessas modificações é o aumento da capacidade pélvica, favorecendo a disjunção sinfisária e os movimentos de nutação do sacro. ➢ As alterações no metabolismo materno são necessárias para suprir as exigências suscitadas pelo rápido crescimento e desenvolvimento do concepto durante a gravidez, sendo registradas grandes modificações no metabolismo de energia e no acúmulo de gordura. O consumo de glicose fetal é contínuo, enquanto a ingestão materna passa por períodos de jejum, como é o caso do período noturno, quando a grávida está dormindo. Para manter a fonte de energia contínua ao feto, o transporte da glicose, através da placenta, ocorre por difusão facilitada, mesmo com pequenas diferenças nos gradientes de concentração. Para manter a disponibilização da glicose ao feto priorizada, há aumento da resistência insulínica – materna, conhecido como efeito diabetogênico, que é determinado pelo hormônio lactogênio placentário humano (hPL) em associação ao hormônio de crescimento placentário humano (hPGH) e adipocinas (leptina, adiponectina, fator de necrose tumoral alfa – TNFα – e interleucina-6). Essas alterações são evidenciadas no terceiro trimestre da gravidez e estão associadas às alterações catabólicas do metabolismo lipídico. As alterações no metabolismo lipídico ocorrem de forma diferenciada, de acordo com o período gestacional. A fase anabólica acontece no primeiro e segundo trimestre, quando existe favorecimento da lipogênese aumentando o depósito de gordura e a reserva energética materna. Na fase catabólica, evidenciada no terceiro trimestre, há incentivo à lipólise. Nesse processo, a resistência insulínica reduz o efeito inibitório da insulina sobre a lipólise e favorece o recrutamento dos depósitos de gordura como fonte energética para compensar o jejum materno e priorizar a disponibilização de glicose e aminoácidos ao feto. Outro objetivo da lipólise é facilitar a disponibilização dos ácidos graxos que são necessários à constituição de estruturas importantes do cérebro e do aparelho ocular, bem como exercem fundamental importância na composição das membranas celulares fetais. Elevam-se os triglicerídeos e as lipoproteínas, em especial a lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL-colesterol). Em menor escala, também aumentam as demais lipoproteínas (HDL- colesterol e LDL-colesterol). A necessidade calórica materna total é estimada em 80.000 kcal, que corresponde ao acréscimo de aporte médio de 300 kcal por dia. O ganho de peso materno provém principalmente do acúmulo do componente hídrico intra e extravascular. Os demais componentes como proteínas, carboidratos e lípides contribuem em menor escala. O ganho ponderal de 12,5 kg garante ao feto crescimento adequado. No metabolismo proteico, verifica-se maior concentração dos aminoácidos fetais em relação aos níveis maternos. As proteínas totais maternas, embora em maiores concentrações durante a gravidez, apresentam-se reduzidas devido à hemodiluição. A albumina está reduzida e, em menor evidência, as globulinas. Há aumento do fibrinogênio, da alfaglobulina e da betaglobulina. Uma das alterações sistêmicas mais notáveis observadas na gravidez é a retenção de líquido (8 a 10 ℓ) intra e extracelular, especialmente responsável pelo aumento do volume plasmático. Essa alteração hidreletrolítica é decisiva para que ocorram outras modificações importantes, como o aumento do débito cardíaco e o do fluxo plasmático renal. O provável mecanismo para essa adaptação é a retenção de sódio, determinada principalmente pela maior secreção de aldosterona pela suprarrenal, a despeito do efeito natriurético da progesterona. Para se conservar o sódio, quando a taxa de filtração glomerular aumenta em torno de 50%, durante a gravidez ativa-se o mecanismo compensatório representado pelo sistema renina- angiotensina. A renina é elaborada pelo aparelho justaglomerular renal e age estimulando a secreção de aldosterona pelo córtex suprarrenal, via angiotensina. A aldosterona é responsável pelo aumento da reabsorção tubular de sódio, preservando a homeoestase materna. Essa situação hormonal pode ser chamada de hiperaldosteronismo secundário da gravidez. Em resumo, os fatores responsáveis pela retenção de líquido estão descritos a seguir: ✓ Retenção de sódio ✓ Novo nível de osmolaridade ✓ Diminuição do limiar da sede ✓ Redução da pressão oncótica. As consequências da retenção de líquido são: ✓ Redução na concentração de hemoglobina ✓ Redução do hematócrito ✓ Diminuição da concentração de albumina ✓ Aumento do débito cardíaco ✓ Elevação do fluxo plasmático renal ✓ Edema periférico. – ➢ As principais alterações hemodinâmicas registradas na gravidez incluem o aumento do débito cardíaco e do volume sanguíneo (por causa, principalmente, do volume plasmático), e a redução da resistência vascular periférica e da pressão sanguínea. Essas alterações já aparentes no início da gravidez alcançam o seu máximo no 3o trimestre (28 a 32 semanas) e permanecem relativamente constantes até o parto. Elas contribuem para o ótimo crescimento e desenvolvimento do feto e protegem a mãe das perdas fisiológicas de sangue no parto. A elevação progressiva na frequência cardíaca materna prossegue até 28 a 32 semanas, com um acréscimo de 10 a 15 bpm (10 a 20%), se comparado ao ritmo existente fora da gravidez. Também há aumento progressivo no volume sistólico durante a primeira metade da gestação em função do maior volume plasmático. Constituem as alterações cardiovasculares mais relevantes: ✓ Aumento da frequência cardíaca (10 a 20%) ✓ Aumento do volume sistólico (10%) ✓ Aumento do débito cardíaco (40 a 50%) ✓ Diminuição da pressão arterial média (10%) ✓ Diminuição da resistência vascular periférica (35%). ➢ Tanto o sistema urinário superior como o inferior sofrem diversas modificações anatômicas e fisiológicas durante a gravidez. Os rins deslocam-se para cima pelo aumento do volume uterino e aumentam em tamanho cerca de 1 cm em virtude do acréscimo do volume vascular renal e do espaço intersticial. Uma das mais significantes alterações do sistema urinário observadas na gravidez é a dilatação da sua porção superior que ocorre a partir de 7 semanas em até 90%das gestantes e pode persistir até 6 semanas do pós-parto. No sistema urinário inferior, a anatomia da bexiga está distorcida pela compressão direta do útero gravídico. A bexiga é deslocada anteriormente, com expansão lateral, pari passu com a compressão do útero aumentado na cúpula vesical. Além disso, os níveis circulantes elevados de estrogênios determinam hiperemia e congestão da mucosa uretral e vesical. Também há redução da resposta contrátil do colo vesical a estímulos alfa-adrenérgicos e diminuição do suporte pélvico da parede vaginal anterior e da uretra, alterações que podem contribuir para a incidência elevada de incontinência urinária na gravidez. ➢ A expansão do volume sanguíneo e a vasodilatação da gravidez resultam em hiperemia e edema da mucosa do sistema respiratório superior. Essas alterações predispõem a gestante a congestão nasal, epistaxe e até mesmo alterações da voz. Também caracterizam a gravidez alterações marcantes na caixa torácica e no diafragma. Com o relaxamento dos ligamentos das costelas, o ângulo subcostal aumenta de 68 para 103°. Os diâmetros anteroposterior e transverso do tórax aumentam 2 cm cada um, resultando na expansão da circunferência torácica de 5 a 7 cm. Embora o diafragma eleve-se aproximadamente 4 cm pelo aumento do útero gravídico, sua função não se mostra comprometida; na verdade, sua excursão está incrementada de 1 a 2 cm. Portanto, as principais modificações respiratórias são: ✓ Frequência respiratória sem alteração – ✓ Volume-corrente e volume-minuto aumentados cerca de 30 a 40% ✓ Capacidade residual funcional diminuída em 20% ✓ Hiperventilação fisiológica ✓ Dispneia (em 60 a 70% das gestantes). ➢ A embebição gravídica acomete todas as articulações. Por meio dela, articulações da bacia apresentam mais elasticidade e maior capacidade pélvica. Ainda promove modificação da postura e da deambulação. O aumento dos diâmetros e estreitos da pelve é indispensável para a expulsão fetal. A marcha anserina da gestante decorre da necessidade de mudança de centro da gravidade para manter o equilíbrio. Ela projeta o ventre para frente, afasta a base de sustentação dos membros inferiores e os ombros se inclinam para trás. Esse esforço faz com que ela utilize um conjunto de músculos tanto cervicais como lombares pouco empregados fora da gestação. Em contrapartida, vai desencadear fadiga muscular, parestesia de extremidades e dores cervicais e lombares decorrentes da compressão de raízes cervicais (nervo ulnar e mediano). ➢ No início da gravidez, fora o atraso menstrual, a náusea, que comumente vem acompanhada de vômitos, é muito frequente. Esse sintoma geralmente ocorre pela manhã e talvez esteja relacionado à elevação progressiva da gonadotrofina coriônica (hCG) e dos estrogênios no primeiro trimestre. Pela ação hormonal, principalmente da progesterona, todo o aparelho digestivo permanece com tônus diminuído, facilitando o aparecimento de pirose, obstipação, hemorroidas etc. A pirose é desencadeada por refluxo das secreções gástricas, além do relaxamento do esfíncter esofágico. Com o evoluir da gestação, o útero deslocará o intestino para cima e para a direita e o estômago para cima e a para esquerda, prejudicando a digestão e agravando a pirose. Ainda nos primeiros meses, ocorre a diminuição da secreção gástrica de ácidos. O peso do útero gravídico comprimindo as veias do plexo hemorroidário e a obstipação podem provocar a manifestação de hemorroidas. ➢ A queixa mais frequente é a sonolência. A etiologia desse sintoma está associada aos altos níveis de progesterona, potente depressor do sistema nervoso central, e à hiperventilação, pela produção da alcalose respiratória. Pode surgir fadiga relacionada a distúrbios do sono, principalmente no final da gravidez, facilitando o desenvolvimento de hiperêmese gravídica, enxaqueca e quadros psíquicos (blues, depressão). Apresentam também certa dificuldade na concentração e na memória, talvez decorrente das alterações vasculares da artéria cerebral média e da posterior. Esses sintomas tendem a piorar com o evoluir da gravidez. ➢ As alterações cutâneas observadas na gestação são decorrentes dos níveis elevados da progesterona e da produção placentária de estrógenos. Ocorre ainda maior dissipação materna de calor pela pele devido à vasodilatação periférica. As modificações mais encontradas estão relacionadas a pigmentação, vascularização e atrofia. A hiperpigmentação atinge preferencialmente a face (cloasma), linha alba (linha nigra), aréolas mamárias, períneo e axilas; geralmente desaparecem após o parto e pioram com a exposição ao sol. Do ponto de vista vascular, podem surgir eritema palmar, teleangiectasias, hipertricose, secreção sebácea exacerbada e sudorese. Quanto à atrofia, 50% das gestantes podem apresentar estrias gravídicas, violáceas, quando recentes, e nacaradas, quando antigas. – ➢ A hipófise aumenta tanto de volume como de peso, e isso decorre da hipertrofia e hiperplasia da adenoipófise por estímulo dos estrógenos. A produção aumentada da prolactina obtida por essas modificações preparará as mamas para a lactação no pós-parto. O hormônio de crescimento (GH) permanece inalterado, e o sinciciotrofoblasto posteriormente produzirá esse hormônio. A hipófise possui papel importante na secreção do hormônio de crescimento durante o primeiro trimestre. Após esse período, a placenta passa a ser a principal fonte do hormônio de crescimento. Atinge pico máximo com 14 a 15 semanas, apresentando valores decrescentes até 36ª semana, quando alcança níveis basais. A prolactina produzida pela adenoipófise durante a gravidez é encontrada em valores elevados com a finalidade de garantir a lactação. Paradoxalmente, seu nível diminui após o parto e apenas com o estímulo da sucção ocorrem pulsos de sua secreção. O ADH e a ocitocina são armazenados na neuroipófise. O ADH e a ocitocina não apresentam alterações durante a gestação, apenas esta última aumenta no trabalho de parto e no parto. A tiroxina sérica total (T4) e a triiodotironina (T3) apresentam picos máximos com seis a nove semanas e 18 semanas, respectivamente. O T4 livre alcança o nível máximo com o hCG e depois volta ao normal. A taxa metabólica está maior que em não grávidas, pois há necessidade de maior consumo de oxigênio para suprir o metabolismo fetal. O cortisol e a androsterona na suprarrenal têm papel fundamental em manter a homeostase. A suprarrenal não aumenta a secreção do cortisol, entretanto ele sofre redução de sua excreção e apresenta aumento de sua meia-vida. As altas concentrações de progesterona provocam uma má resposta dos tecidos ao cortisol. A calcitonina promove a deposição de cálcio nos ossos e diminui a concentração desse íon no líquido extracelular. Na gravidez e na lactação, ocorrem altos níveis desse hormônio. – – ➢ Sob a influência dos estrogênios, o epitélio vaginal espessa-se durante a gravidez e há aumento da sua descamação, o que resulta maior secreção vaginal. Essa secreção tem pH mais ácido (3,8 a 4,0) do que o comum na mulher não gestante, para proteger contra a infecção ascendente. A vagina também aumenta a sua vascularização com a gravidez. A vulva e a vagina tumefazem-se, experimentam amolecimento e têm sua coloração alterada. A vulva pigmenta-se e a região limítrofe com a extremidade inferior da vagina perde seu característico tom róseo, tornando-se vermelho- vinhosa, com ninfas e grandes lábios entreabertos (sinal de Jacquemier). ➢ O útero é formado pela fusão na linha média dos dois ductos müllerianos, sendo composto por três camadas separadas e distintas: (1) serosa, cobertura peritoneal externa; (2) miométrio, camada de músculo liso; (3) endométrio, membrana mucosa que reveste a cavidade uterina. Quando gravídico, em pouquíssimo empomodifica-se fundamentalmente. Com extrema sensibilidade a estímulos hormonais e nervosos, é dotado da capacidade de adaptar-se a desmesurado crescimento e de proporcionar ao ovo considerável afluxo sanguíneo; são inerentes, ainda, as propriedades de impedir a interrupção prematura da gravidez e, chegado o termo, de transformar, em curto prazo, a capacidade de retenção em eficaz motor expulsivo. Logo após a nidificação, processam-se inúmeras modificações na consistência, na forma, no volume, na capacidade, na posição, no peso e na espessura do útero. A essas transformações macroscópicas correspondem outras, microscópicas e funcionais. – Útero na gravidez: Há imediato amolecimento da região correspondente ao local da implantação, progredindo por todo o órgão e pelas outras estruturas pélvicas. A diminuição da consistência é subordinada à embebição gravídica e à redução do tônus, precocemente notadas especialmente no istmo, determinando o sinal de Hegar. Simultaneamente, o órgão aumenta, inicialmente de modo desigual, sendo mais acentuada a expansão na zona de implantação, o que lhe impõe forma assimétrica (sinal de Piskacek). Nos primeiros 2 meses, o útero é um órgão exclusivamente pélvico; com 12 semanas torna-se perceptível ao palpar abdominal, o que depende do panículo adiposo e da musculatura da parede. O crescimento subsequente pode ser acompanhado, mês a mês, delimitando-se o fundus e medindo-se a altura em relação à sínfise púbica. O útero sofre aumento dramático no seu peso (de 4 a 70 g na não gestante, para 1.100 a 1.200 g na gestante a termo) e no seu volume (de 10 mℓ para 5 ℓ) durante a gravidez. O número de células miometriais aumenta no início da gestação (hiperplasia) e, depois, permanece estável. ➢ As modificações das mamas ocorrem na gestação incipiente. Aumento da temperatura mamária (hipervascularização da rede venosa, denominada de rede de Haller), mastalgia e hipersensibilidade são sintomas comuns. A prolactina, produzida pela adenoipófise, os estrógenos e a progesterona procedentes do compartimento placentário têm a função de preparar as mamas para a lactação. O aumento do volume mamário se inicia com seis semanas. Os mamilos se apresentam com cor acastanhada, e os limites da aréola não precisos dão origem à aréola secundária ou de sinal de Hunter. Os tubérculos de Montgomery são elevações visíveis nas mamas (aréolas e mamilos), decorrentes da hipertrofia das glândulas sebáceas. Não existe correlação do tamanho pré-gravídico das mamas com o êxito da produção láctea. À expressão mamária, pode-se observar saída de colostro após a segunda metade da gestação. REFERÊNCIAS: TRATADO DE OBSTETRÍCIA – FEBRASGO; OBSTETRÍCIA - REZENDE
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