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CC -Ferimentos superficiais

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Clínica cirúrgica ll
Ferimentos superficiais
6º período.
Ferimentos são lesões resultantes da perda da integridade tecidual, provocados por algum agente traumático. Em geral, os ferimentos estão associados a dor de intensidade variável, podendo apresentar sangramento, bem como exposição de estruturas nobres como nervos, tendões, ossos e vísceras.
Do ponto de vista ESTRUTURAL, os ferimentos podem ser classificados em abertos e fechados. 
· Os ferimentos abertos acometem a pele ou a mucosa e podem estar associados também a lesão do tecido celular subcutâneo, de músculos e aponeuroses, criando solução de continuidade do meio externo com o meio interno. 
· Nos ferimentos fechados, por outro lado, a integridade da pele é mantida, podendo haver lesões sobre os órgãos internos, grandes vasos e músculos, que se caracterizam, à inspeção, como equimoses e hematomas.
De acordo com a PROFUNDIDADE, os ferimentos podem ser classificados em superficiais e profundos. 
· Os ferimentos superficiais acometem a pele (ou mucosas), o tecido celular subcutâneo, podendo atingir a aponeurose e até mesmo a musculatura, dependendo da sua localização, desde que não causem lesões a estruturas nobres como ossos, tendões, nervos, cartilagens, vísceras e vasos terminais. Na face, por exemplo, um ferimento superficial pode atingir tanto o sistema aponeurótico muscular superficial, conhecido como SMAS, quanto os músculos da mímica facial, que estão intimamente em contato com a pele e, portanto, são superficiais. Também podem ser classificados como superficiais as queimaduras de primeiro grau e os ferimentos de polpa digital que não acometem os tendões, o feixe vasculonervoso e os ossos. As escoriações também são consideradas ferimentos superficiais e são produzidas pelo atrito de superfície áspera em contato com a pele ou com a mucosa.
· Os ferimentos profundos, por sua vez, conceitualmente acometem os planos aponeuróticos e musculares que apresentam íntimo contato com estruturas nobres como ossos, nervos, cartilagens, grandes vasos ou artérias terminais, vísceras e tendões. Como exemplos, podem ser citados os ferimentos que atingem a cavidade abdominal, as queimaduras de terceiro grau com acometimento ósseo ou tendíneo e as lesões faciais com comprometimento intraorbital, da cavidade oral ou do arcabouço nasal.
 Paciente que sofreu queda da própria altura, apresentando ferimentos superficiais contusos nas regiões frontal e malar direita, além de escoriações no terço superior do dorso nasal. No terço inferior do arcabouço nasal, ferimento profundo acometendo as cartilagens nasais e a mucosa.
ABORDAGEM DO PACIENTE
O paciente deve ser avaliado em uma sala com iluminação adequada, onde deve ser feita anamnese sucinta, procurando-se identificar o agente traumático e as condições nas quais aconteceram as lesões. Um exame físico objetivo deve ser realizado, para que sejam constatados fatores desencadeantes ou agravantes. O tratamento de um ferimento não deve ser prioritário, quando existirem outras lesões que possam colocar em risco a vida do paciente. De fundamental importância é a classificação dos ferimentos abertos quanto à natureza do agente causador, à complexidade e no nível de contaminação presente. Essas classificações determinam se o ferimento deverá ser suturado ou deixado cicatrizar por segunda intenção. Os ferimentos fechados também devem ser cuidadosamente examinados, atentando-se que uma aparente integridade superficial pode ocultar lesões mais profundas, incluindo fraturas e traumas cranioencefálicos.
CLASSIFICAÇÃO DOS FERIMENTOS
	Agente causador
	Grau de contaminação
	Complexidade
	Incisos
	Limpos
	Simples
	Contusos
	Limpo-contaminado
	Complexos 
	Perfurantes
	Contaminados
	
	Perfuroincisivos
	Infectados 
	
	Perfurocontusos
	
	
	Cortocontusos
	
	
Classificação dos ferimentos abertos quanto ao agente causador, ao grau de contaminação e à complexidade
· Quanto à Natureza do Agente Causador 
Ferimentos incisos 
São causados por instrumentos cortantes, como facas, navalhas, lâminas de barbear e pedaços de vidro; por isso apresentam, usualmente, bordas regulares, nítidas e lineares. Um clássico exemplo de ferimento inciso produzido intencionalmente é o cirúrgico, cujo agente cortante é a lâmina de bisturi.
Ferimentos contusos 
São causados por instrumentos contundentes, como, por exemplo, pedra ou barra de ferro, palmatória e cassetete. Geralmente, nesse tipo de lesão, o agente traumático não apresenta gume, sendo a força do impacto a responsável pela solução de continuidade da pele. Desse modo, os ferimentos contusos têm bordas irregulares e retraídas, além de apresentarem pontes dérmicas. As escoriações são ferimentos contusos superficiais, provocadas pelo deslizamento do agente vulnerante sobre a pele, causando arrancamento da epiderme e exposição da derme. As escoriações também são conhecidas como erosão epidérmica ou abrasão e podem ser classificadas em retilíneas, quando causadas por instrumentos pontiagudos; curvilíneas (unhas); em pinceladas (cascalho); em placa (asfalto) ou apergaminhadas (nos sulcos dos enforcamentos).
Ferimentos perfurantes 
São aqueles cujo agente causador apresenta extremidade pontiaguda, como pregos, agulhas e alfinetes. Esses ferimentos apresentam profundidade maior que seu diâmetro, podendo ser superficiais ou profundos. Caso o agente traumático penetre em uma cavidade natural do corpo, como, por exemplo, a cavidade abdominal e a órbita, o ferimento produzido será classificado como penetrante. Um ferimento perfurante pode ser ainda classificado como transfixante, se o agente vulnerante ultrapassar a espessura da estrutura atingida.
Ferimentos perfuroincisos 
São causados por instrumentos perfurocortantes, que apresentam, ao mesmo tempo, gume e ponta, como peixeiras e punhais.
Ferimentos perfurocontusos 
São aqueles causados por instrumentos perfurocontundentes, como, por exemplo, os projéteis de arma de fogo. 
Ferimentos cortocontusos
Apresentam dois ou mais ângulos, bordas irregulares e pontes de tecidos. Como agentes causadores, podem ser citados: dentes, enxada e machado.
 Fotografia de ferimento cortocontuso em segundo quirodáctilo esquerdo. Esse ferimento também pode ser classificado como contaminado (graxa de automóvel).
· Quanto ao Grau de Contaminação
Ferimentos limpos
São aqueles produzidos em ambiente cirúrgico, utilizando-se técnica asséptica adequada, sem manipulação dos sistemas digestório, respiratório e geniturinário.
Ferimentos limpo-contaminados
Também conhecidos como potencialmente contaminados. São os ferimentos que apresentam algum grau de contaminação bacteriana e cujos primeiros cuidados se iniciam em até 6 h após o trauma. Um típico exemplo é um ferimento inciso produzido por uma faca ou por uma lâmina que não apresentem contaminação grosseira.
Ferimentos contaminados 
Incluem-se, nesse grupo, os ferimentos que tiveram contato com terra, asfalto, material fecal e as mordeduras. Também são classificados como contaminados os ferimentos cujos primeiros cuidados se iniciam 6 h após o trauma.
Ferimentos infectados
São aqueles que apresentam proliferação bacteriana, com a presença de pus, tecidos desvitalizados e odor característico.
· Quanto à complexidade 
Grande parte dos ferimentos superficiais não apresenta perda de substância nem sinais de infecção, sendo classificados como ferimentos simples. Os ferimentos complexos, por outro lado, mostram sinais de infecção, esmagamento e até avulsão tecidual com perda de substância.
CUIDADOS COM O FERIMENTOS
Após a realização da anamnese e do exame físico, deve ser instituído o tratamento específico para cada tipo de ferimento. Em alguns casos, é necessária a realização de exames complementares de imagem, como radiografias simples, ultrassonografia, tomografia e até ressonância magnética. 
Deve-se lembrar deque a ressonância magnética está contraindicada em pacientes com trauma orbitário, até que a possibilidade de corpo estranho metálico tenha sido previamente descartada pela tomografia, em função do risco de avulsão desse material pelo campo magnético, aumentando a lesão tecidual.
Para os ferimentos superficiais fechados, excluída a coexistência de lesões profundas, devem-se iniciar o resfriamento do local com gelo, a imobilização do membro afetado, bem como a sua elevação, visando diminuição do edema. A analgesia também está indicada e, em alguns casos, pode se utilizar gel à base de heparina sódica com o objetivo de acelerar a absorção de eventuais coágulos.
O tratamento dos ferimentos superficiais abertos tem como principal objetivo seu fechamento, que pode ser feito imediatamente à admissão do paciente no setor de suturas, entre o terceiro e o quinto dias de evolução, mais tardiamente, ou não ser realizado, deixando que o ferimento cicatrize por segunda intenção.
Para os ferimentos limpo-contaminados com suprimento sanguíneo adequado, em indivíduos sadios, está indicado o fechamento primário, isto é, a síntese no momento da admissão na unidade de pronto-socorro. Esse método de fechamento da ferida também é conhecido como fechamento por primeira intenção e apresenta bom resultado estético.
Habitualmente, ferimentos contaminados e infectados não devem ser suturados, devendo-se aguardar a sua cicatrização por segunda intenção. Esse tipo de cicatrização ocorre por meio de contração tecidual e de epitelização a partir de células oriundas das margens do ferimento e dos folículos pilosos. Trata-se de método de fechamento que pode resultar em cicatrizes inestéticas e em condição patológica denominada retração cicatricial, que diminui a amplitude de movimentos quando ocorre em região de articulação. Desse modo, uma vez que o ferimento contaminado não tenha evoluído com infecção, ou uma vez debelado o processo infeccioso e iniciada a formação de tecido de granulação, pode-se proceder ao fechamento por terceira intenção, que consiste na excisão das bordas do ferimento associada à sutura, na confecção de retalhos ou no tratamento por meio de enxertos cutâneos.
Os ferimentos causados por pregos não devem ser suturados em função do elevado risco de tétano, aguardando-se o fechamento por segunda intenção. Por sua vez, nos ferimentos causados por arma de fogo e por mordedura, não é realizado, rotineiramente, o fechamento primário, podendo-se proceder ao fechamento por terceira intenção. No entanto, ferimentos causados por mordedura canina na face podem ser suturados, uma vez que essa região apresenta rico suprimento vascular, o que diminui o risco de infecção. Nessa condição, deve-se optar por pontos simples espaçados, para que eventuais coleções sejam drenadas.
É importante que o ferimento seja cuidadosamente limpo e irrigado com solução salina. Para a antissepsia, pode ser usado a povidona-iodo degermante ou a clore-xidina. O uso de água oxigenada, apesar de muito difundido na prática clínica, desvitaliza tecidos íntegros por meio de necrose celular, devendo ser evitado diretamente sobre o ferimento.
Na maioria das vezes, o exame detalhado da lesão só é possível após a anestesia, principalmente no caso de crianças ou de pacientes ansiosos. Esse procedimento geralmente é realizado com o uso de anestésico local.
Caso não se tenha conseguido efetuar preparo adequado do ferimento com irrigação de solução salina em função da dor, é possível, após a anestesia, completar a limpeza cuidadosa da região. Também é nesse momento que se procede à hemostasia, ao desbridamento e à retirada de corpos estranhos. Cuidado especial deve ser tomado com os ferimentos que tiveram contato com vidros, terras, pedras e, principalmente, asfalto, para que todos os resíduos sejam retirados. Isso porque, até mesmo minúsculos fragmentos de asfalto podem tatuar definitivamente a pele.
A síntese, quando indicada, deverá ser feita por planos. Particularmente nos ferimentos superficiais, os músculos devem ser suturados com fios finos e absorvíveis, preferencialmente com fios de poliglactina 4-0 ou 5-0. Os cotos são aparados rente aos nós, que deverão ser invertidos, isto é, voltados para as camadas mais profundas, para evitar a sua extrusão através da linha de sutura da pele. O tecido celular subcutâneo deve ser suturado da mesma maneira, assim como a subderme, o que garantirá cicatrizes estéticas. A síntese da pele pode ser feita, a critério do cirurgião, com pontos simples ou contínuos, por meio de sutura intradérmica, dependendo do local, do grau de contaminação, da tensão e da existência de bordas regulares. Geralmente, ferimentos limpo-contaminados na face podem ser fechados com suturas intradémicas, enquanto ferimentos de polpas digitais são normalmente suturados com pontos simples. Para a pele, prefere-se o fio de náilon variando de 3-0 a 6-0, conforme as características cutâneas da região a ser suturada e de acordo com a tensão das bordas do ferimento. Em ferimentos de pálpebra e de supercílio, utilizam-se fios mais finos, como o 6-0 e o 5-0, ao passo que, em lesões digitais, preferem-se aqueles mais calibrosos, como o 3-0. Habitualmente, a escolha do fio de náilon está apoiada em sua propriedade de desenvolver menor reação tecidual, embora fios de poliglecaprona, como o Monocryl®, também possam ser usados. Esse último apresenta a vantagem de ser absorvível, embora cause mais reação.
Normalmente, os pontos são retirados entre o sétimo e o 21º dia após a confecção da sutura, dependendo da região. Em ferimentos da face, opta-se pela retirada precoce, uma vez que seu rico aporte vascular otimiza a cicatrização. Já nas outras regiões, os pontos devem permanecer até o 14º dia. Caso tenha sido realizada uma sutura intradérmica, pode-se aguardar até 21 dias, pois esse tipo de síntese habitualmente não deixa marcas em “espinha de peixe”. Além disso, após esse período, a retirada dos pontos é menos dolorosa e o fio é mais facilmente tracionado.
A antibioticoprofilaxia e a antibioticoterapia sistêmica não substituem a limpeza cuidadosa, nem o respeito aos princípios cirúrgicos. De maneira geral, o uso de antibióticos está indicado em ferimentos decorrentes de mordeduras, nas lesões produzidas por arma de fogo, nos ferimentos contaminados ou com vascularização comprometida, nos ferimentos complexos, naqueles sujeitos a infecções por clostrídios e nas fraturas expostas. Os pacientes com imunidade comprometida também devem receber profilaxia com antibióticos. É importante ressaltar que várias condições clínicas podem causar incompetência imunológica, mesmo que de modo transitório, como a transfusão de hemoderivados, o uso de corticosteroides, a desnutrição grave, a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) e as neoplasias de maneira geral. A antibioticoterapia está indicada para o tratamento de ferimentos infectados. A via utilizada depende da gravidade da lesão, sendo a via parenteral utilizada nos casos mais graves.
COMPLICAÇÕES
As complicações podem ser decorrentes de vários fatores, tais como o grau de contaminação dos ferimentos, a desvascularização da pele remanescente ou a perda de substância, a formação de hematoma, além de condições intrínsecas ao paciente.
A infecção é uma das complicações mais temidas e, quando diagnosticada, deve ser tratada com a retirada dos pontos da pele, drenagem da secreção, desbravamento dos tecidos desvitalizados e antibioticoterapia.
Vários recursos terapêuticos auxiliares já foram propostos, com a finalidade de promover a cicatrização em ferimentos que evoluem com complicações. Entre eles, citam-se o uso da oxigenoterapia hiperbárica, de curativos a vácuo e até mesmo a utilização de insumos naturais, como o açúcar, o mel e o óleo de babaçu. Apesar de a oxigenoterapia hiperbárica e de os curativos a vácuo terem demonstrado sucesso em condições específicas, o uso dos insumos naturais ainda não deve ser rotineiramente aplicado à prática clínica, uma vez que seus efeitos ainda não foram amplamente comprovados.PROFILAXIA DO TÉTANO
Causado pela ação de endotoxinas do Clostridium tetani, o tétano se manifesta clinicamente com febre baixa (ou ausente), hipertonia muscular e espasmos paroxísticos. A transmissão ocorre pela introdução dos esporos em uma solução de continuidade da pele ou de mucosas. O período de incubação é extremamente variável, de 1 dia a alguns meses. São considerados como porta de entrada os ferimentos contaminados por terra e fezes de animais ou humanas. Além disso, a presença de tecidos dilacerados, de fraturas expostas ou de corpos estranhos forma um ambiente adequado para a multiplicação dos clostrídios. As queimaduras e as mordeduras por animais, os ferimentos perfurantes, aqueles produzidos por armas brancas ou por projéteis de arma de fogo também constituem risco para o desenvolvimento do tétano. Consideram-se ferimentos com risco mínimo para o tétano aqueles superficiais, sem a presença de corpos estranhos ou de tecidos desvitalizados.
A limpeza rigorosa deve ser realizada, os tecidos desvitalizados e os corpos estranhos devem ser cuidadosamente removidos. Indica-se o uso da imunoglobulina humana antitetânica ou, na sua indisponibilidade, do soro antitetânico, em pacientes que apresentem ferimento com alto risco para o tétano associado a história vacinal incerta, ou que tenham recebido menos de 3 doses. A necessidade de aplicar a vacina antitetânica também varia de acordo com as características das lesões, estando indicada em todos os casos de ferimentos de alto risco para o tétano, exceto nos pacientes que tenham recebido o esquema completo de vacinas há menos de 5 anos. Já nos casos de ferimentos com risco mínimo para o tétano, a vacina está indicada para os pacientes com quadro vacinal incompleto ou incerto e naqueles que receberam a última dose há mais de 10 anos.
Referência bibliográfica.
SAVASSI-ROCHA, Paulo R.; SANCHES, Soraya Rodrigues de A.; SAVASSI-ROCHA, Alexandre L. Cirurgia de Ambulatório

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