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178 Unidade III Unidade III 7 FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL Do ponto de vista funcional, o sistema nervoso central (SNC) é considerado mais complexo do que o sistema nervoso periférico, e isso torna a compreensão dos efeitos dos fármacos que atuam sobre ele muito mais difícil. O SNC detecta estímulos externos e internos, tanto físicos quanto químicos, e desencadeia respostas orgânicas adaptativas. Assim, é responsável pela integração do organismo com os ambientes externo e interno, exercendo caráter de organização e controle das funções do organismo. Essas funções são exercidas pela ação conjunta dos neurônios, das células da glia e dos vasos sanguíneos, através dos quais várias substâncias atingem o SNC. Os fármacos com ação no SNC agem fundamentalmente em neurônios, considerando a unidade anatomofuncional do SNC, modificando seu estado fisiológico e a comunicação entre eles. 7.1 Aspectos funcionais 7.1.1 Atividade neuronal Os neurônios são células que se interconectam de modo específico e preciso, formando sinapses, que estabelecem os chamados circuitos neurais. Através deles, o organismo é capaz de produzir respostas fixas e invariáveis (por exemplo, os reflexos) ou respostas variáveis em maior ou menor grau. Existem diversos tipos de neurônios, com diferentes funções, dependendo da sua localização e estrutura morfológica, mas em geral são constituídos pelos mesmos componentes básicos (veja a figura a seguir): • Dendritos: projeções que transmitem os impulsos nervosos para o corpo celular do neurônio ou para o axônio. • Corpo celular: constituído de núcleo, citoplasma e citoesqueleto; dá suporte metabólico a toda a célula. • Axônio: prolongamento que se origina do corpo celular, responsável pela condução do impulso nervoso. 179 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA Dendritos Axônio Bainha de mielina Célula de Schwann Terminal de axônio Nodos de Ranvier Corpo celular Núcleo Figura 71 – Estrutura básica do neurônio Saiba mais Relembre a morfologia dos neurônios em: MEDRADO, L. Citologia e histologia humana: fundamentos de morfofisiologia celular e tecidual. São Paulo: Érica, 2014, p. 143-147. A geração do impulso elétrico na membrana neuronal se dá pelo fato de ela se encontrar polarizada, com cargas elétricas negativas predominantemente no meio intracelular. Ou seja, quando os neurônios estão em repouso, sua membrana está negativamente carregada em relação ao meio extracelular. Quando ocorre o estímulo neuronal, acontece a inversão das cargas elétricas no interior da membrana de forma rápida e brusca, e ela se torna positiva em relação à sua superfície externa. Essas mudanças das cargas elétricas produzem uma diferença no potencial elétrico entre as partes interna e externa da membrana, ao que se dá o nome de potencial de ação. Essa alteração elétrica é determinada pelo deslocamento seletivo dos ions sódio, potássio, cloreto e cálcio através da membrana, e é responsável pela propagação do impulso nervoso ao longo do neurônio. O impulso nervoso se propaga em um único sentido na fibra nervosa. Os dendritos sempre conduzem o impulso em direção ao corpo celular. O axônio, por sua vez, conduz o impulso em direção às extremidades. Inicialmente os íons sódio, presentes em maior quantidade no meio extracelular, entram no neurônio, invertendo a polaridade da membrana; a seguir, os canais de sódio são inativados e a membrana é repolarizada pela saída de íons potássio. Em seguida, a Na+/K+ ATPase atua direcionando os íons sódio que entraram no neurônio para o meio extracelular e os íons potássio que saíram para o meio intracelular, restabelecendo o potencial de repouso (veja a figura a seguir). 180 Unidade III Face extracelular da membrana Face intracelular da membrana Membrana plasmática Potencial de repouso Repolarização Impulso nervoso Íons sódio (Na+) Íons potássio (K+) Canais de sódio Canais de potássio Na+/K+ ATPase Despolarização Potencial de repouso Figura 72 – Representação esquemática do potencial de ação neuronal Quando o estímulo elétrico chega ao terminal nervoso, há ativação de canais de cálcio voltagem dependentes, que promovem a entrada desse íon no interior do neurônio, fazendo com que as vesículas de armazenamento do neurotransmissor se fundam à membrana plasmática do neurônio, levando, assim, à liberação do neurotransmissor na fenda sináptica. Uma vez liberado, o neurotransmissor irá atuar em receptores específicos presentes tanto na membrana pré-sináptica quanto na pós-sináptica. Existem vários subtipos de receptores para um determinado neurotransmissor. Os pré-sinápticos em geral estão relacionados à inibição da liberação de mais neurotransmissor (mecanismo de feedback negativo) e/ou inibição da síntese do neurotransmissor. A ativação de receptores pós-sinápticos desencadeia uma série de eventos celulares que levam à abertura ou fechamento de canais iônicos na membrana celular. Isso pode resultar em despolarização — tornar o interior da célula mais positivo — ou hiperpolarização — tornar o interior da célula mais negativo — dependendo dos íons envolvidos. Posteriormente, o neurotransmissor será recaptado pelo terminal nervoso e/ou poderá ser degradado por enzimas presentes na fenda sináptica e seus metabólitos processados pelo próprio neurônio ou por células da glia. As células da glia, particularmente os astrócitos, que são as principais células não neuronais no SNC, também desempenham importante papel sinalizador. Antes eram consideradas principalmente como células de manutenção e suporte aos neurônios exigentes, porém atualmente estão cada vez mais sendo vistas como células que desempenham papel relevante na comunicação neuronal. Essas células expressam vários receptores e transportadores e também liberam ampla variedade de mediadores, incluindo glutamato, óxido nítrico e metabólitos do ácido araquidônico. Elas respondem a sinais químicos dos neurônios e também dos astrócitos vizinhos e das células microgliais. Os astrócitos respondem a estímulos, controlando assim o ambiente químico no qual os neurônios operam. Embora não 181 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA conduzam potenciais de ação e não enviem sinais para outras partes do corpo, os astrócitos são, em outros aspectos, muito similares aos neurônios e desempenham papel crucial da comunicação dentro do cérebro. Entretanto, o conhecimento de como funcionam e de como respondem aos fármacos é ainda escasso. 7.1.2 Neurotransmissores Os neurotransmissores são moléculas quimicamente diversas sintetizadas pelos neurônios, geralmente no terminal do axônio, a partir de precursores ali presentes. As enzimas de síntese desses neurotransmissores são produzidas no corpo celular do neurônio e transportadas até o terminal neuronal onde eles são sintetizados. Após a síntese, os neurotransmissores são armazenados em vesículas sinápticas, cujo conteúdo é liberado na fenda sináptica por exocitose pelo impulso nervoso. O neurotransmissor é considerado excitatório quando, ao interagir com seu receptor na membrana pós-sináptica, permite a propagação da informação de um neurônio para outro (despolarização da membrana pós-sináptica, com geração do potencial de ação), ou é considerado inibitório quando, ao interagir com seu receptor na membrana pós-sináptica, promove a hiperpolarização da membrana pós-sináptica. A função normal do SNC depende do equilíbrio entre a liberação de neurotransmissores excitatórios e inibitórios. Os fármacos que agem no SNC produzem seus efeitos por interferir em alguma etapa, desde a síntese do neurotransmissor até sua liberação, degradação, armazenamento ou recaptação na fenda sináptica. Os principais neurotransmissores que agem no SNC são os aminoácidos, as aminas biogênicas, a acetilcolina e os neuropeptídios. Eles exercem seus efeitos pela ativação de receptores ionotrópicos (acoplados a canais iônicos) ou metaborópicos (acoplados à proteína G), conforme será discutido posteriormente.• Aminoácidos: os principais inibitórios são o GABA (ácido γ-aminobutírico) e a glicina, e os excitatórios são o glutamato e o aspartato. • Aminas biogênicas: catecolaminas (dopamina e norepinefrina), serotonina e histamina. • Acetilcolina, que não se encaixa em nenhuma das outras categorias estruturais. • Neuropeptídeos: opioides (endorfinas, encefalinas e dinorfinas), substância P, neuropeptídeo Y, entre outros. O GABA (ácido gama-aminobutírico) é um importante neurotransmissor expresso a partir do estágio embrionário e ao longo da vida. No estágio inicial de desenvolvimento, o GABA atua de maneira excitatória e está envolvido em muitos processos de neurogênese, incluindo proliferação neuronal, migração, diferenciação e construção preliminar de circuitos, além do desenvolvimento de períodos críticos. No SNC maduro, o GABA atua de maneira inibitória. 182 Unidade III Existem dois tipos principais de receptores GABA, o receptor GABAA, acoplado a canais de cloreto, e o receptor GABAB, acoplado à proteína G. No cérebro adulto, o GABA atua principalmente através da ativação dos receptores GABAA. Quando o GABA se liga a esses receptores pós-sinápticos, o canal iônico de cloreto se abre e esse íon difunde-se na célula ao longo de seu gradiente de concentração, hiperpolarizando o neurônio. Os receptores GABAB são responsáveis pelo componente posterior e mais lento da transmissão inibitória. Esses receptores são encontrados nos neurônios pré e pós-sinápticos. A ativação desses receptores leva à ativação da proteína G inibitória, o que resulta na ativação dos canais de potássio pós-sinápticos (levando à hiperpolarização) ou à inibição dos canais de cálcio pré-sinápticos (levando à inibição da liberação de neurotransmissores), mecanismo semelhante ao observado após a ativação de receptores opioides (conforme vimos nos tópicos Mecanismo de transmissão da dor e Mecanismo de ação dos analgésicos opioides). Além do mecanismo descrito anteriormente, ocorre a ativação de uma série de outras vias de sinalização intracelular. Os receptores de glicina também são canais de íons cloreto dependentes de ligante, responsáveis por mediar a neurotransmissão inibitória na medula espinhal e no tronco cerebral. Eles estão envolvidos principalmente no controle motor e na percepção da dor no adulto. No entanto, esses receptores também são expressos nas regiões superiores do sistema nervoso central, onde participam de diferentes processos, incluindo a neurotransmissão sináptica. Além disso, os receptores de glicina estão presentes desde os estágios iniciais do desenvolvimento do cérebro e podem influenciar esse processo. O glutamato é um importante neurotransmissor excitatório no cérebro. Existem três famílias de receptores ionotrópicos com canais permeáveis por cátions intrínsecos [N-metil-D-aspartato (NMDA), ácido alfa-amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazolepropiônico (AMPA) e cainato]. Além disso, existem três grupos de receptores de glutamato acoplados à proteína G (mGluR1 – 3) que modificam a excitabilidade neuronal e glial através de subunidades da proteína G que atuam nos canais iônicos da membrana e segundos mensageiros, como diacilglicerol e AMPc. Um dos debates mais antigos sobre cotransmissão envolve glutamato e o aspartato. Embora o o papel do glutamato como transmissor na maioria das sinapses excitatórias no cérebro tenha sido estabelecido, o papel do aspartato permanece incerto. O aspartato é um agonista altamente seletivo para os receptores de glutamato do tipo NMDA e não ativa os receptores de glutamato do tipo AMPA. A dopamina desempenha um papel importante no aprendizado, no controle da atividade motora, nos mecanismos de recompensa, nas emoções e em funções endócrinas, tanto na saúde quanto na doença. As principais vias dopaminérgicas são: • Via mesolímbica: a dopamina é sintetizada na área tegmentar ventral do mesencéfalo e transmitida ao sistema límbico através do núcleo accumbens. O mesencéfalo está relacionado às funções de sono e vigília, enquanto o sistema límbico é o responsável pela elaboração de reações emocionais e comportamento de punição e recompensa. Essa via é chamada de via de recompensa do cérebro. 183 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA • Via mesocortical: a dopamina é sintetizada na área tegmental ventral do mesencéfalo e transmitida ao córtex frontal. Essa via está associada às funções cognitivas, à linguagem, à memória de trabalho, à atenção, ao apetite, ao pensamento abstrato e às funções motoras, associativas e visuais. • Via nigrostriatal: a dopamina é sintetizada na substância negra mesencefálica e transmitida ao estriado dorsal. Esse caminho está associado ao controle cetral, involuntário, do movimento. • Via tuberoinfundibular: se estende do hipotálamo à eminência média. O hipotálamo comanda funções autonômicas, elabora funções específicas, como sede e fome, apetite por nutrientes específicos, como sal e açúcar, além de ser responsável pela sobrevivência do indivíduo e propagação da espécie (comportamento de luta/fuga e comportamento sexual), através da secreção de diferentes hormônios. Essa via também regula a secreção do hormônio prolactina pela hipófise anterior. Os receptores da dopamina são subdivididos em D1, D2, D3, D4 e D5, de acordo com localização no cérebro e função. São acoplados a proteínas G e podem ser classificados em duas grandes famílias, com base em características bioquímicas, farmacológicas e moleculares: A superfamília dos receptores semelhantes a D1 inclui os receptores D1 e D5, acoplados à proteína Gs, e a superfamília dos receptores semelhantes ao D2 inclui os receptores D2, D3 e D4, acoplados à proteína Gi. A norepinefrina é encontrada nos corpos celulares da ponte e da medula. Esses corpos projetam neurônios para o hipotálamo, tálamo, sistema límbico e córtex cerebral. A noradrenalina contribui para o controle do humor e da excitação e pode afetar os padrões de sono. A hiperatividade desse sistema induz a um estado de insônia, ansiedade, irritabilidade, paranoia, instabilidade emocional e excitação, enquanto a hipoatividade leva a sonolência excessiva, apatia e embotamento emocional. Lembrete Na periferia, a norepinefrina é o neurotransmissor responsável por mediar as respostas do sistema nervoso simpático, a partir da ativação dos receptores adrenérgicos (adrenoceptores) presentes nos órgãos-alvo. A serotonina, ou 5-hidroxitriptamina (5-HT), é um neurotransmissor que contribui para o humor e o estado mental humano. As principais funções da serotonina são: regular o apetite, equilibrar o desejo sexual e controlar a temperatura corporal, a atividade motora e as funções perceptivas e cognitivas. Além disso, a serotonina regula a secreção de hormônios, como o do crescimento. A serotonina interage com sete famílias de seus receptores (5-HT1-7), localizados na membrana celular dos neurônios e de outros tipos celulares, incluindo o músculo liso. Pertencem à classe dos receptores acoplados à proteína G, à exceção do subtipo 5HT-3, acoplado a canais iônicos. No SNC, os neurônios produtores de histamina são encontrados principalmente no hipotálamo, e a histamina está envolvida com várias funções, como vigília, apetite, secreção de hormônios, termorregulação, controle cardiovascular (central), memória, aprendizado, entre outras. 184 Unidade III Observação A histamina também é um importante mediador inflamatório liberado pelos mastócitos e está envolvida no estabelecimento de processos alérgicos, ao promover vasodilatação, broncoconstrição, prurido etc. Há uma ampla distribuição de receptores histaminérgicos por todo os SNC. Há três tipos de receptores para a histamina no SNC: H1, H2 e H3. Os receptores H1 e H2 em geral excitam os neurônios ou potencializam impulsos excitatórios. Já a ativação dos receptores H3 causa autoinibição dos neurônios histaminérgicos e também modula a liberação de outros neurotransmissores, incluindo o glutamato, a serotonina, a dopamina,a acetilcolina, a noradrenalina e o GABA. O bloqueio dos receptores H1 no SNC explica os efeitos colaterais sedativos de muitos anti-histamínicos clássicos (difenidramina, dimenidrinato, prometazina, entre outros). Essa sedação é consequência de sua alta lipossolubilidade, que possibilita a travessia da barreira hematoencefálica e consequente ação no SNC. Esse efeito colateral sedativo dos anti-histamínicos clássicos faz com que sejam empregados como indutores do sono. Os anti-histamínicos mais modernos de segunda geração (loratadina, cetirizina, acrivastina, entre outros) não atravessam a barreira hematoencefálica com facilidade e, portanto, não produzem sedação. No SNC, a acetilcolina exerce um papel muito importante nas funções cognitivas e influencia diretamente no aprendizado, na atenção e na memória. Tanto perifericamente quanto no SNC, a acetilcolina interage com receptores muscarínicos e nicotínicos. Lembrete Na periferia, a acetilcolina é o neurotransmissor responsável por mediar as respostas do sistema nervoso parassimpático, a partir da ativação dos receptores muscarínicos presentes nos órgãos-alvo. Os receptores muscarínicos presentes no SNC são predominantemente do subtipo M1 e se localizam na região pós-sináptica em diferentes regiões do córtex cerebral, hipocampo e estriado. O subtipo M2 é encontrado nas terminações pré-sinápticas e sua função é controlar a liberação da acetilcolina. Os subtipos M3, M4 e M5 são encontrados em quantidades bem menores. Os receptores nicotínicos são inotrópicos, estão localizados em áreas similares às dos receptores muscarínicos no SNC e estão envolvidos em processos de cognição, dor e controle da liberação de dopamina. Os neuropeptídeos estão presentes na maioria das áreas cerebrais e desempenham papel de modulador no SNC, ou seja, são capazes de regular determinados aspectos da função neuronal e atuar 185 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA para a modulação de respostas diversas, como sensibilidade e emoções (substância P e encefalinas), fome, dor, prazer, respostas ao estresse (endorfinas), entre diversos outros processos. Um mesmo neurônio pode conter vários mediadores químicos, que são liberados conjuntamente durante a despolarização neuronal. Ou seja, os neuropeptídeos podem coexistir e ser liberados com neurotransmissores. Os neuropeptídios geralmente são liberados em quantidades bem menores em relação aos neurotransmissores. Porém, os neuropeptídeos possuem em geral uma potência de transmissão de impulsos bem maior do que dos neurotransmissores não peptídicos. 7.1.3 Relação entre as disfunções na neurotransmissão e as patologias do SNC As diversas patologias que acometem o SNC são resultado do aumento ou da diminuição dos níveis de neurotransmissores em regiões específicas do cérebro, ou ainda em alterações funcionais nos respectivos receptores. As principais relações entre os neurotransmissores e as patologias são: • Glutamato: pode contribuir para a lesão cerebral que ocorre agudamente após o status epilepticus, a isquemia cerebral ou a lesão cerebral traumática. Também pode contribuir para a neurodegeneração crônica em distúrbios como esclerose lateral amiotrófica e coreia de Huntington. Outras condições clínicas que podem responder a fármacos que atuam na transmissão glutamatérgica incluem epilepsia, amnésia, ansiedade, hiperalgesia e psicose. • Dopamina: no sistema mesolímbico desempenha papel importante na neurobiologia da dependência e também está implicada na esquizofrenia. No sistema mesocortical, participa da fisiopatologia da esquizofrenia e do transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). A degeneração de neurônios da via nigroestriatal diminui os níveis de dopamina, dando origem à doença de Parkinson. • Norepinefrina: disfunções nos níveis desse neurotransmissor no SNC têm sido associadas a alguns transtornos psiquiátricos, como transtorno de ansiedade, pânico e humor, bem como na esquizofrenia e na demência. • Serotonina: baixos níveis desse neurotransmissor podem provocar sintomas como ansiedade, medo, angústia, agressividade e distúrbios alimentares. • Acetilcolina: diminuição na neurotransmissão colinérgica, causada pela morte neuronal, está associada ao desenvolvimento do mal de Alzheimer. Os receptores nicotínicos centrais também foram implicados em outras doenças neurológicas e psiquiátricas, incluindo o TDAH, a esquizofrenia, a depressão e a epilepsia. 7.2 Fármacos de ação central Os mecanismos de ação dos fármacos no SNC e periférico têm muito em comum. No entanto, é problemático compreender de que forma eles alteram a função cerebral, devido à complexidade da rede neuronal. 186 Unidade III No SNC, existem vários tipos de interconexões neuronais, de forma que os efeitos de fármacos nas ações de um dos neurotransmissores são difíceis de serem previstos e dependerão das várias conexões sinápticas excitatórias e inibitórias e dos impulsos nervosos. Adicionada a essa complexidade está a influência das células da glia. Um fator adicional importante de complicação é que existem respostas adaptativas secundárias geradas por qualquer perturbação do sistema induzida pelo fármaco. Tipicamente, o aumento na liberação do transmissor, ou interferência na captação dele, é contrabalançado pela inibição da síntese do transmissor, pelo reforço na expressão do transportador ou pela diminuição da expressão do receptor. Essas alterações, geralmente, levam tempo (horas, dias ou semanas) para se desenvolver e não são evidentes nas experiências farmacológicas agudas. Numa situação da prática clínica, com frequência, os efeitos de fármacos psicotrópicos demoram semanas para se desenvolver, sendo que é provável que reflitam respostas adaptativas em vez dos efeitos farmacodinâmicos imediatos dele. Assim, tem-se que levar em conta não apenas a interação primária do fármaco com seu alvo, mas também a resposta secundária do cérebro a esse efeito primário; e, frequentemente, é a resposta secundária, não o efeito primário, que leva ao benefício clínico. De uma forma geral, para fins didáticos, os fármacos que atuam no SNC são classificados de acordo com a natureza de seu comportamento farmacodinâmico, por exemplo: ansiolíticos, sedativos e hipnóticos, antidepressivos, hipnoanalgésicos, antipsicóticos, anticonvulsivantes, tratamento de distúrbios degenerativos do SNC (doença de Parkinson e doença de Alzheimer) e anestésicos gerais, entre outros. 7.2.1 Ansiolíticos, sedativos e hipnóticos Os ansiolíticos são uma categoria de fármacos usados para prevenir e tratar a ansiedade relacionada a vários transtornos (por exemplo, ansiedade generalizada, fobia social, síndrome do pânico, transtorno obsessivo-compulsivo, estresse pós-traumático etc.). Alguns também são usados como sedativos antes da anestesia para procedimentos médicos. Os ansiolíticos tendem a agir rapidamente e podem levar ao vício. Por esse motivo, geralmente são prescritos apenas para uso a curto prazo. Eles não são recomendados para pessoas com histórico de abuso ou dependência de drogas. Os ansiolíticos são classificados em: barbitúricos, benzodiazepínicos e não benzodiazepínicos. Barbitúricos Os barbitúricos foram, por muito tempo, os fármacos de escolha para o tratamento da insônia. Entretanto, em virtude de mortes por ingestão acidental e do uso em homicídios e suicídios, o seu uso foi substituído pelos benzodiazepínicos. Hoje em dia, os barbitúricos ainda são utilizados no tratamento de distúrbios convulsivos e na indução da anestesia geral. Os barbitúricos são agonistas dos receptores GABAA. Ao ativar o receptor, ocorre aumento do tempo de abertura do canal de cloreto, o que resulta em aumento do influxo do íon negativo e hiperpolarização celular. 187 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA Além disso, inibem a liberação de neurotransmissores dependentes do cálcio e deprimem a despolarização neuronal induzida pelo glutamato por meio dos receptores AMPA. Em concentraçõeselevadas, são capazes de bloquear os canais de sódio e de potássio. Os barbitúricos são classificados em fármacos de ação ultracurta (tiopental), intermediária (amobarbital) e prolongada (fenobarbital, pentobarbital e secobarbital). O uso dos barbitúricos é bastante limitado, pois esses fármacos apresentam baixo índice terapêutico. O fenobarbital é utilizado por via oral no tratamento da epilepsia e o tiopental (injetável) é empregado na anestesia. Como agentes ansiolíticos e hipnóticos, foram substituídos pelos benzodiazepínicos. Esses fármacos geralmente causam depressão do sistema nervoso central, com sonolência, confusão mental e comprometimento da coordenação. No entanto, em alguns pacientes (principalmente idosos), observa-se excitação. O uso de doses repetidas de barbitúricos está associado ao desenvolvimento de tolerância e dependência, sendo um risco para o uso abusivo. Os sintomas da abstinência consistem em alucinação, convulsão, delírio, excitação e morte. Benzodiazepínicos Os benzodiazepínicos exercem efeitos hipnóticos, ansiolíticos, miorrelaxantes e anticonvulsivantes. Como hipnóticos, os benzodiazepínicos reduzem o tempo de latência para o sono e aumentam a sua duração no estado natural. Como ansiolíticos, os benzodiazepínicos aliviam os sintomas da ansiedade e o estado de agressividade. Os benzodiazepínicos produzem relaxamento do músculo esquelético por ação no SNC, sem comprometimento da atividade voluntária. O clonazepam e o diazepam possuem atividade miorrelaxante mais pronunciada, e doses muito altas deprimem a transmissão muscular. No tratamento da epilepsia, seu uso é limitado, pois há risco do desenvolvimento de tolerância. Os principais benzodiazepínicos estão listados no quadro a seguir. A principal diferença entre esses agentes diz respeito à duração do efeito terapêutico. Existem representantes de ação ultracurta, curta, média e prolongada. Quadro 9 – Principais benzodiazepínicos Fármaco Duração global da ação Principais indicações Midazolam Ultracurta (< 6 h) Adjuvante da anestesia Lorazepam Curta (12-18 h) Ansiolítico, hipnótico Alprazolam Média (24 h) Ansiolítico, antidepressivo Nitrazepam Média (24 h) Hipnótico, ansiolítico Diazepam Prolongada (24-48 h) Ansiolítico, relaxante muscular Flurazepam Prolongada (24-48 h) Ansiolítico Clonazepam Prolongada (24-48 h) Anticonvulsivante, ansiolítico 188 Unidade III Os barbitúricos e os benzodiazepínicos compartilham semelhanças e diferenças no que diz respeito às ações sobre o receptor GABAA. Ambos aumentam a neurotransmissão GABAérgica por interferência direta no receptor, porém os barbitúricos o fazem por conta da ação agonista sobre eles, enquanto os benzodiazepínicos apenas promovem o aumento da afinidade do GABA pelo receptor. Na prática, essa diferença resulta em aumento da frequência de abertura dos canais de cloreto pelos benzodiazepínicos e em aumento do tempo de abertura desses canais pelos barbitúricos, com maior influxo iônico nos últimos, o que justifica seu menor índice terapêutico (veja a figura a seguir). Extracelular Intracelular Cl- Canal iônico Figura 73 – Sítios de ligação dos benzodiazepínicos (BDZ) e dos barbitúricos (BRB) sobre o receptor GABAA. Os sítios de ligação do neurotransmissor GABA também estão indicados Os efeitos adversos dos benzodiazepínicos incluem tonturas, sonolência, má coordenação e sentimentos de depressão. O uso a curto prazo dos benzodiazepínicos geralmente é seguro e eficaz. No entanto, o uso a longo prazo é controverso, devido ao potencial de tolerância e dependência, entre outros. Ingerir álcool com benzodiazepínicos pode ser fatal. Não benzodiazepínicos Os fármacos classificados como não benzodiazepínicos são a buspirona, o zolpidem e a zopiclona. Esses fármacos apresentam diferenças estruturais em relação aos benzodiazepínicos, porém também apresentam ação depressora do SNC por atuar em outros receptores que não o GABAA. São indicados no tratamento do transtorno da ansiedade generalizada e no alívio em curto prazo dos sintomas da ansiedade, acompanhados ou não de depressão. Os não benzodiazepínicos apresentam efeitos ansiolíticos, mas não os efeitos anticonvulsivantes, sedativos e miorrelaxantes que são característicos dos benzodiazepínicos. A buspirona aparentemente não atua sobre a neurotransmissão GABAérgica. Ela é um agonista dos receptores de serotonina 5HT1A que também apresenta ação antagonista pré-sináptica da dopamina, além de modular outros sistemas receptores. É rapidamente absorvida via oral e é menos sedativa do que outros ansiolíticos, não comprometendo significativamente o desempenho funcional dos pacientes. 189 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA Não se deve administrar concomitantemente a buspirona com antidepressivos inibidores da MAO (exemplo: Tranilcipromina), pois pode ocorrer hipertensão arterial. O zolpidem é um agonista seletivo do subtipo ômega do receptor GABAA. Esse fármaco encurta o tempo de indução ao sono, reduz o número de despertares noturnos e aumenta a duração total do sono, porém inibe o sono REM e o sono de ondas lentas, provocando um “desligamento” cerebral, de modo a prejudicar sua qualidade. Esses efeitos estão associados a um perfil eletroencefalográfico específico, diferente daquele observado com os benzodiazepínicos. Os efeitos indesejáveis do zolpidem são sonolência, fadiga, irritabilidade, cefaleia e amnésia no dia seguinte. Esses efeitos são geralmente discretos. Esse fármaco não altera significativamente os resultados dos testes neuropsicológicos de alerta, concentração, memória e coordenação motora em populações de pacientes com insônia em relação aos voluntários normais de diferentes idades. A zopiclona é um agente hipnótico do grupo das ciclopirrolonas que apresenta atividade agonista sobre GABAA, porém, ao contrário do zolpidem, tem ação anticonvulsivante e miorrelaxante, além da ansiolítica. A zopiclona reduz o tempo de início do sono e a frequência dos despertares noturnos, aumenta a duração do sono e melhora a qualidade do sono e do despertar. Nas doses estudadas e recomendadas, os efeitos da zopiclona estão associados a um perfil eletroencefalográfico específico que difere dos benzodiazepínicos. Os efeitos indesejáveis são sonolência, fadiga, irritabilidade, cefaleia e amnésia, e pode causar tolerância e dependência. 7.2.2 Antidepressivos Os fármacos antidepressivos são essenciais no tratamento da depressão. São usados para restaurar o equilíbrio emocional e ajudar as pessoas a realizar as tarefas inerentes à vida cotidiana, porém seu uso deve ser associado à psicoterapia. O principal objetivo do tratamento com antidepressivos é aliviar os sintomas da depressão e impedir que o quadro depressivo se manifeste no indivíduo. Alguns sintomas da depressão incluem: ansiedade, alterações do apetite, de peso e do sono, dor crônica, agitação ou lentificação motora, fadiga ou perda de energia, sentimentos de inutilidade ou de culpa, dificuldade de concentração e de tomar decisões e, nos casos mais graves, pensamentos de morte e ideação suicida. Além dessas manifestações, que devem estar presentes por pelo menos duas semanas, também é necessário considerar a história de vida do paciente ao realizar o diagnóstico. O diagnóstico da depressão é clínico, feito após coleta completa da história do paciente e realização de um exame do estado mental. Não existem exames laboratoriais específicos para diagnosticar depressão. A depressão é altamente prevalente na população em geral e, de acordo com estudo epidemiológico, a prevalência de depressão ao longo da vida no Brasil está em torno de 15,5%. A época comum do aparecimento é no final da 3ª década da vida, mas pode começar em qualquer idade. Estudos mostram prevalência ao longo da vida em até 20% nas mulheres e 12% para os homens. As causas da depressão podem ser: genéticas, fisiológicas (deficiência dos neurotransmissores centrais noradrenalina, serotonina e dopamina) ou fatores externos(eventos estressantes podem desencadear episódios depressivos). 190 Unidade III Há diferentes tipos de depressão, que possuem sintomas e impactos diversos no dia a dia do paciente. O transtorno depressivo maior, ou depressão unipolar, é o tipo de depressão mais frequente e conhecido, caracterizado por um quadro de humor deprimido, perda de interesse e de prazer, energia reduzida, diminuição das atividades e, em casos mais graves, sofrimento, melancolia e incapacidade temporária, especialmente quando não tratado. A depressão bipolar ou transtorno bipolar é diferente da depressão, mas esse tipo consta nessa lista porque a pessoa experimenta episódios de humor extremamente deprimidos, que satisfazem os critérios para depressão. É a alternância de momentos depressivos com períodos de extremos, eufóricos ou irritáveis, chamados de “mania”, ou uma forma menos grave, chamada “hipomania”. A distimia é uma forma de depressão crônica – com duração mínima de dois anos –, de intensidade moderada, quando o indivíduo fica predominantemente triste, desanimado, pessimista e sem vontade de agir, com pouca energia e concentração. Geralmente, as pessoas se mostram excessivamente preocupadas e apresentam um sentimento persistente de preocupação. As alterações de apetite, de libido e psicomotoras não são frequentes, sendo mais comuns sintomas como letargia e falta de prazer pelas coisas que antes eram prazerosas. Na maioria dos casos, se inicia na adolescência ou no princípio da idade adulta. Há também a depressão pós-parto, o transtorno disfórico pré-menstrual (surge quase todos os meses no período que antecede a menstruação), o transtorno afetivo sazonal (ocorre durante os meses de inverno, quando há menos luz solar natural), a depressão psicótica (pessoa tem depressão grave e sintomas psicóticos, como ter falsas crenças, delírios e alucinações) e o transtorno depressivo induzido por substância/medicamento (associado à ingestão, injeção ou inalação de uma substância – droga de abuso –, exposição a uma toxina ou uso de medicamento). A Teoria Monoaminérgica da Depressão propõe que a depressão seja consequência de uma menor disponibilidade de aminas biogênicas (serotonina, noradrenalina e/ou dopamina) nas sinapses cerebrais. Tal proposição é reforçada pelo conhecimento do mecanismo de ação dos antidepressivos, que se baseia, principalmente, no aumento da disponibilidade desses neurotransmissores na fenda sináptica, seja pela inibição (seletiva ou não) de suas recaptações, seja pela inibição da enzima responsável por suas degradações (inibidores da monoaminoxidase). As principais classes de antidepressivos são: (1) os inibidores da monoamina oxidase (MAO); (2) os antidepressivos tricíclicos; e (3) os inibidores seletivos da recaptação de serotonina. Outras classes envolvem os inibidores seletivos da recaptação de noradrenalina e serotonina; os inibidores da recaptação de serotonina que apresentam atividade antagonista alfa; e os inibidores seletivos da recaptação de noradrenalina. Alguns antidepressivos não se encaixam nos mecanismos de ação que acabamos de listar e serão abordados adiante. 191 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA Inibidores da monoamina oxidase (MAO) Os inibidores da MAO atuam inibindo a ação da enzima monoamina oxidase, responsável pela degradação das monoaminas (veja a figura a seguir). Existem dois subtipos dessa enzima, denominados MAO-A e MAO-B, envolvidos na biotransformação da serotonina, da noradrenalina e da dopamina. A ação da MAO é discutida no tópico Neurotransmissores autonômicos: biossíntese e biotransformação. A MAO-A tem preferência pela serotonina e, normalmente, é encontrada no sistema nervoso, no fígado, no trato gastrointestinal e na placenta. A MAO-B metaboliza preferencialmente o substrato feniletilamina e é, normalmente, encontrada no sistema nervoso e nas plaquetas. Tanto MAO-A como MAO-B são encontradas em neurônios e astrócitos do SNC. Metabólitos inativos Vesícula sináptica Fenda sináptica Neurônio pós-sináptico Resposta pós-sináptica Norepinefrina Serotonina Dopamina - Os IMAOs evitam a inativação das monoaminas no interior do neurônio, causando a difusão de um excesso de neurotransmissor para a fenda sináptica Figura 74 – Mecanismo de ação dos inibidores da MAO A isocarboxazida, a fenelzina e a tranilcipromina são inibidores não seletivos da MAO que se ligam de forma irreversível a ambos os subtipos da enzima. A redução na atividade da MAO-A e da MAO-B resulta em aumento na concentração das monoaminas nos locais de armazenamento no SNC, o que está relacionado à sua ação terapêutica, e no sistema nervoso simpático, o que está relacionado ao desenvolvimento de efeitos adversos potencialmente graves. Mais recentemente foram desenvolvidos inibidores seletivos e reversíveis da MAO-A e da MAO-B (moclobemida e selegilina, respectivamente). A inibição reversível e seletiva está relacionada à menor incidência de efeitos adversos. A moclobemida é usada no tratamento da depressão e a selegilina no tratamento da doença de Parkinson, devido à ação significativa dessa enzima sobre a dopamina (cujos níveis estão diminuídos na doença de Parkinson). 192 Unidade III Os principais efeitos adversos dos inibidores da MAO são devidos ao aumento do tônus simpático, decorrente da diminuição da taxa de biotransformação da norepinefrina no neurônio simpático. Esses efeitos incluem a hipotensão postural grave, principalmente ao levantar, e a crise hipertensiva, que cursa com palpitações, cefaleia, dor torácica intensa, midríase, aumento da sudorese e alteração da temperatura corporal, entre outros sintomas – há, inclusive, registros de hemorragia intracraniana decorrentes do quadro de hipertensão. Outros efeitos adversos menos graves incluem diarreia; edema; diminuição do tônus parassimpático; síndrome da secreção inadequada do hormônio antidiurético, que leva à diminuição na produção de urina; visão turva; mioclonias durante o sono; inquietação ou agitação; disfunção sexual feminina e masculina; sonolência; cefaleia leve sem aumento da pressão arterial; aumento de apetite e peso relacionado à fissura por carboidratos; aumento da sudorese; vertigens, tontura, cansaço ou fraqueza leve; abalos musculares ou tremores. A adesão ao tratamento com inibidores da MAO é dificultada devido aos numerosos efeitos adversos. O uso dos fármacos que inibem irreversivelmente a MAO inspira cuidados: durante o tratamento, é necessário adotar dieta pobre em tiramina, aminoácido precursor de catecolaminas, de modo a evitar uma crise hipertensiva potencialmente fatal. São exemplos de alimentos ricos em tiramina: cerveja, vinho, defumados, fígado de galinha, café, frutas cítricas, enlatados, vagens largas, feijão de corda, chocolate e queijo (por esse motivo, essa reação é denominada “reação do queijo”). A crise hipertensiva ocorre pelo seguinte motivo: a MAO presente no trato gastrointestinal e no fígado é responsável por degradar a tiramina. Como essa enzima está inibida, a tiramina atinge a circulação sistêmica e é captada pelo nervo simpático, o que ocasiona a liberação da norepinefrina armazenada, causando vasoconstrição intensa por conta da ativação de adrenoceptores alfa-1 nos vasos. Antidepressivos tricíclicos Os antidepressivos tricíclicos estão no mercado há mais tempo e são considerados antidepressivos de primeira geração. Eles são divididos em dois grupos, de acordo com sua estrutura química: as aminas terciárias (imipramina, amitriptilina, trimipramina e doxepina) e as aminas secundárias (desmetilimipramina, nortriptilina e protriptilina). A maprotilina e a amoxapina são antidepressivos tetracíclicos, com características farmacológicas semelhantes aos antidepressivos tricíclicos. O mecanismo de ação dos antidepressivos tricíclicos é a inibição da recaptação de monoaminas (principalmente da noradrenalina e da serotonina e, em menor proporção, da dopamina) pelo neurônio, o que resulta no aumento dotempo de ação desses neurotransmissores na fenda sináptica e a melhora dos sintomas da depressão (veja a figura a seguir). 193 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA N N Cl CH3 CH2CH2 Inibição da recaptação efeitos terapêuticos Imipramina Bloqueio de receptores efeitos adversos CH2 CH3 5HT NE ACH NE M, H1, α1 Figura 75 – Mecanismo de ação dos antidepressivos tricíclicos: 5HT = serotonina, NE = norepinefrina, ACH = acetilcolina, M = receptores muscarínicos, H1 = receptores H1 de histamina, α1 = adrenoceptores alfa-1 Como esses fármacos apresentam estrutura relativamente semelhante às monaminas, são capazes de bloquear receptores muscarínicos e adrenérgicos nos órgãos-alvo, com consequente diminuição do tônus autonômico. Além disso, ocorre bloqueio de receptores H1 de histamina, o que causa sedação, receptores 5HT de serotonina e receptores de dopamina. Os antidepressivos tricíclicos são usados no tratamento da depressão crônica ou profunda e das fases depressivas da doença bipolar. Também podem ser usados no tratamento da dor neuropática que não responde ao tratamento com opioides, o que possibilita que doses menores de analgésicos sejam empregadas. Essa analgesia possivelmente é decorrente de mudanças na concentração central de serotonina, além do efeito direto ou indireto dos antidepressivos tricíclicos nos sistemas opioides endógenos. Observação A dor neuropática é a dor causada por disfunção nos neurônios das vias centrais da dor. A maioria dos antidepressivos tricíclicos são cardiotóxicos e podem provocar arritmias. Esse efeito é decorrente da inibição periférica da norepinefrina e da epinefrina. Além disso, eles apresentam atividade anticolinérgica periférica, além da central, devido à potente e elevada afinidade de ligação por receptores muscarínicos. O bloqueio de adrenoceptores alfa, por sua vez, resulta em hipotensão postural. 194 Unidade III Outros efeitos adversos incluem taquicardia, sedação, ganho de peso, boca seca, disfunção sexual, hipotensão postural, retenção urinária, constipação intestinal, visão desfocada, tonturas, sudorese, tremores etc. É muito comum o paciente se queixar de sonolência, fraqueza e fadiga, o que, frequentemente, é motivo para a interrupção do uso. Inibidores seletivos da recaptação de serotonina Os antidepressivos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) constituem uma classe de fármacos tão eficazes quanto os antidepressivos tricíclicos, mas com menos efeitos adversos associados ao seu uso, o que aumenta a adesão ao tratamento. Os principais ISRS são a fluoxetina, a sertralina, o citalopram, a fluvoxamina e a paroxetina. Os ISRS inibem de forma potente e seletiva a recaptação de serotonina, levando ao aumento da concentração de serotonina na fenda sináptica e, consequentemente, resultando em potencialização da neurotransmissão serotonérgica. Esse é o principal mecanismo de ação dos ISRS. Há indicações de que os ISRS possuem ainda efeitos anticolinérgicos, embora em menor proporção do que observado com o uso dos antidepressivos tricíclicos. Os diferentes fármacos ISRS compartilham o principal mecanismo de ação, embora a potência da inibição de recaptação da serotonina varie entre os representantes, sendo a sertralina e a paroxetina os mais potentes inibidores. São fármacos bem tolerados e, inclusive, são os medicamentos de escolha para o tratamento da depressão pediátrica. De forma geral, os efeitos adversos mais frequentemente relatados são: transtornos gastrintestinais (náuseas, vômitos, dor abdominal, diarreia); transtornos psiquiátricos (agitação, ansiedade, insônia); alterações do sono; urticária; fadiga; alterações do peso; e disfunções sexuais (retardo ejaculatório em homens e anorgasmia em mulheres). Na maioria dos pacientes, a fluoxetina apresenta efeito anorexígeno e, por esse motivo, ela é utilizada por algumas pessoas para perder peso. É importante salientar que seu uso para fins de emagrecimento não é indicado pela Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), pois o efeito anorexígeno é transitório (a parda de peso ocorre somente durante os primeiros 6 meses) e também porque foram relatados efeitos adversos potencialmente graves, que incluem a síndrome do pânico e os distúrbios psicóticos, em indivíduos não depressivos que fazem uso desse fármaco. Outras classes de antidepressivos • A venlafaxina e seu metabólito ativo, a O-desmetilvenlafaxina, são inibidores seletivos da recaptação de serotonina (principalmente) e de noradrenalina. Essas substâncias não apresentam afinidade por receptores adrenérgicos alfa-1, muscarínicos ou histamínicos (veja a figura a seguir). 195 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA Fenda sináptica Neurônio pós-sináptico Neurônio pré-sináptico Resposta pós-sináptica - Venlafaxina Duloxetina Norepinefrina Serotonina O fármaco antidepressivo bloqueia a captação do neurotransmissor Figura 76 – Mecanismo de ação dos inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina • A nefazodona inibe a recaptação neuronal de serotonina e noradrenalina e é um antagonista de receptores 5HT2 e de receptores alfa adrenérgicos. • A trazodona apresenta, como provável mecanismo de ação, a inibição da recaptação de serotonina e de noradrenalina, além de apresentar atividade antagonista de adrenoceptores alfa e atividade anti-histamínica. Esse fármaco está associado à ocorrência de priapismo (ereção peniana prolongada na ausência de estímulo), motivo de interrupção do tratamento. • A reboxetina apresenta atividade seletiva sobre a recaptação de noradrenalina, com atividade antagonista alfa-2. • A bupropiona apresenta mecanismo de ação não completamente conhecido. Propõe-se que esse fármaco apresente atividade noradrenérgica e dopaminérgica, mas não serotoninérgica. Ocorre aumento da liberação de noradrenalina corpórea e fraca inibição in vitro da captação neuronal de noradrenalina e de dopamina. Entre os antidepressivos de nova geração, apresenta o menor potencial de indução de efeitos adversos e a menor incidência de descontinuação do tratamento por intolerância. Além do uso como antidepressivo, é utilizado como suporte para quem deseja parar de fumar. • A ação da mirtazapina se dá através do aumento da atividade noradrenérgica e serotonérgica central. A mirtazapina é um antagonista de receptores alfa-2 adrenérgicos pré-sinápticos e antagonista 5-HT2 e 5-HT3 pós-sináptico. Sua afinidade pelos receptores histamínicos H1 explica o efeito sedativo. Apresenta fraca atividade por receptores muscarínicos e dopaminérgicos. Mesmo estando relacionada com o bloqueio de diferentes sistemas receptores, a mirtazapina apresenta boa tolerabilidade. 196 Unidade III 7.2.3 Estabilizadores do humor De acordo com Ward e Azzaro (2011), os fármacos utilizados no tratamento do transtorno bipolar são conhecidos como estabilizadores do humor. O transtorno bipolar consiste em uma perturbação mental caracterizada pela alternância entre períodos depressivos e períodos de ânimo exacerbado (mania ou hipomania). Durante o período de mania, a pessoa comporta-se ou sente-se anormalmente enérgica, contente ou irritável. Durante as fases depressivas, a pessoa pode chorar, encarar a vida de forma negativa e evitar o contato ocular com outras pessoas. O risco de suicídio entre as pessoas com transtorno bipolar é elevado e de 30% a 40% praticam automutilação. As causas do transtorno bipolar ainda não são totalmente compreendidas, mas tanto fatores ambientais como genéticos têm influência. De todos os fármacos denominados de estabilizadores do humor, o carbonato de lítio é o que tem eficácia mais abrangente. Tem como desvantagem início retardado de efeito (por isso utilizam-se anticonvulsivantes, neurolépticos ou benzodiazepínicos em associação com lítio no início do tratamento) e o índice terapêutico estreito, o que aumenta a chance de intoxicação. O mecanismo de ação exato do lítio não é conhecido.As principais hipóteses são: • Interfere no metabolismo do inositol trifosfato, responsável pela liberação do cálcio de seus depósitos intracelulares, possivelmente através da inibição de enzimas envolvidas na formação do inositol. • Por sua similaridade com outros elementos (sódio, potássio, cálcio e magnésio), o lítio eleva os níveis de serotonina e diminui os níveis de norepinefrina, alterando, ainda, as concentrações de dopamina, GABA e acetilcolina. • Inibe a adenilil ciclase e a inositol-1-fosfatase, ocasionando redução da neurotransmissão noradrenérgica. A inibição da adenilil ciclase leva a uma diminuição dos níveis de AMPc, o que resulta em efeitos variados. A inibição da inositol-1-fosfatase leva a uma depleção relativa de inositol e, consequentemente, a alterações no receptor acoplado ao fosfatidilinositol; porém, os efeitos da administração crônica são provavelmente mediados por mudanças distais ao receptor (por exemplo, em nível de proteína G) ou modificações nas isoenzimas da PKC, responsáveis pelas fosforilações de proteínas nucleares. • Em relação à neurotransmissão noradrenérgica, o lítio diminui a estimulação da adenilatociclase mediada por receptores beta-adrenérgicos e tende a diminuir o número de receptores alfa-2. • Promove o aumento da captação do triptofano (precursor da serotonina) e a diminuição da atividade de receptores serotoninérgicos pré-sinápticos inibitórios, um aumento da liberação de serotonina, especialmente no hipocampo. Também ocorre, no hipocampo, diminuição dos receptores 5-HT2 e aumento à resposta pós-sináptica de receptores 5-HT1. 197 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA • Promove aumento da concentração sináptica de glutamato que, com o tempo, estimula sua atividade do transporte e os receptores de GABA do hipocampo aumentando seus níveis. A desvantagem do lítio é significativa, pois, além de seus efeitos adversos indesejáveis, ele pode ser tóxico para a tireoide, causando hipotireoidismo. Também pode causar insuficiência renal permanente. Recomenda-se monitorar a função desses órgãos a cada 6 meses. Entretanto, em pacientes com transtorno bipolar os seus benefícios geralmente superam sua toxicidade e, por isso, é importante saber usá-lo. Quando possível, deve-se fazer o monitoramento dos níveis séricos de lítio. O lítio não deve ser administrado em casos de insuficiência renal grave ou doença cardiovascular, debilitação significativa, desidratação, depleção de sódio e para os pacientes em uso de diuréticos ou inibidores da enzima conversora da angiotensina, uma vez que o risco de toxicidade é muito alto nesses pacientes. 7.2.4 Neurolépticos Os neurolépticos, também conhecidos como antipsicóticos, tranquilizantes maiores ou antiesquizofrênicos, correspondem a um grupo heterogêneo de fármacos usados principalmente para tratar a esquizofrenia, a psicose, a mania, os delírios e os estados de agitação. A esquizofrenia é uma doença psiquiátrica comum e grave, que afeta cerca de 1% da população no mundo. A morbidade, a mortalidade e o impacto na qualidade de vida são consideráveis e a doença tem alto custo econômico para a sociedade. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a esquizofrenia como a oitava principal causa de incapacidade em todo o mundo na faixa etária de 15 a 44 anos. O portador de esquizofrenia e dos denominados transtornos esquizofrênicos apresenta um conjunto de psicoses endógenas (desorganização do pensamento e/ou do comportamento) cujos sintomas fundamentais apontam para a existência de uma dissociação entre a ação e o pensamento, expressa por uma sintomatologia variada, que pode incluir delírios persecutórios, alucinações, labilidade afetiva, entre outros. Pessoas com esquizofrenia podem parecer que perderam o contato com a realidade. Os aspectos mais característicos da esquizofrenia são alucinações e delírios, transtornos de pensamento e fala, perturbação das emoções e do afeto, e déficits cognitivos. Há diferentes tipos de esquizofrenia (paranoide, hebefrênica, catatônica, indiferenciada, residual, simples etc.). De uma forma geral, independentemente do tipo de esquizofrenia, os sintomas se dividem em três categorias: (1) positiva; (2) negativa; e (3) cognitiva. Os sintomas positivos são aqueles que geralmente respondem ao tratamento com neurolépticos clássicos, enquanto os sintomas negativos e os cognitivos são relativamente difíceis de serem tratados e requerem o uso dos neurolépticos mais modernos (atípicos). Pessoas com sintomas positivos podem “perder contato” com alguns aspectos da realidade. Alucinações, delírios, pensamentos desordenados e distúrbios do movimento (por exemplo, a acatisia, caracterizada por agitação psicomotora) são os principais sintomas positivos. 198 Unidade III Os sintomas negativos estão associados a interrupções nas emoções e nos comportamentos habituais e incluem: redução do afeto (expressão reduzida de emoções através da expressão facial ou tom de voz), anedonia ou perda da capacidade de sentir prazer na vida cotidiana, dificuldade em iniciar e manter atividades do dia a dia, redução de fala e apatia. Para alguns pacientes, os sintomas cognitivos são sutis, mas para outros são mais graves, e os pacientes podem perceber mudanças na memória ou outros aspectos do pensamento. Os sintomas cognitivos incluem: baixo funcionamento intelectual (capacidade de entender informações e usá-las para tomar decisões) e dificuldades para manter-se focado ou prestar atenção em atividades cotidianas. Do ponto de vista etiológico, é difícil estabelecer uma causa única para a esquizofrenia. São necessários fatores predisponentes (genéticos, constitucionais, bioquímicos) associados a fatores ambientais para o desenvolvimento da doença. Teorias dopaminérgica, serotoninérgica e glutamatérgica da esquizofrenia A hipótese dopaminérgica é a mais aceita como sendo associada aos sintomas positivos da esquizofrenia. Os neurônios dopaminérgicos estão presentes no SNC, nas vias mesolímbica, mesocortical, tuberoinfundibular e nigroestriatal, conforme já discutido anteriormente (no tópico Neurotransmissores). O paciente esquizofrênico pode apresentar ilusões na área emocional, mística e sexual, alucinações auditivas e olfativas e distorção da realidade. Esses sintomas estão relacionados ao aumento da dopamina liberada nas sinapses da via mesolímbica e mesocortical e são tratados com neurolépticos que bloqueiam os receptores dopaminérgicos centrais. A teoria dopaminérgica da esquizofrenia foi baseada na observação de que certos fármacos psicoestimulantes (anfetamina) tinham a capacidade de estimular a neurotransmissão da dopamina, causando uma psicose tóxica com características muito semelhantes às da esquizofrenia. A semelhança é tão grande, que pode levar a erros diagnósticos, caso o médico ignore que o paciente tenha ingerido anfetamina. Sabe-se que a anfetamina atua nos terminais dopaminérgicos aumentando a liberação de dopamina, além de impedir sua inativação na fenda sináptica, por inibir o mecanismo neuronal de recaptação existente na membrana pré-sináptica. Assim, acredita-se que os sintomas da esquizofrenia sejam devidos ao excesso de atividade dopaminérgica determinado pela anfetamina. De fato, essas manifestações de psicose cedem rapidamente após a administração de neurolépticos bloqueadores dos receptores dopaminérgicos, sobretudo do tipo D2, ricamente distribuídos nos gânglios da base e áreas mesolímbicas. Além disso, alguns pacientes com doença de Parkinson tratados com L-DOPA, precursor da dopamina, desenvolvem sintomas psicóticos semelhantes. Sabe-se ainda que o efeito antipsicótico de drogas como a clopromazina e o haloperidol deve-se a sua ação em bloquear a atividade dopaminérgica. Atualmente, sabe-se que, além do sistema dopaminérgico, outros sistemas de neurotransmissores centrais desempenham algum papel, sendo provável que vários sistemas estejam envolvidos simultaneamente. De fundamental importância é a teoriaserotoninérgica, que complementa a dopaminérgica no entendimento da gênese dos sintomas negativos e positivos, respectivamente. 199 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA A teoria serotoninérgica foi formulada a partir da observação de que o LSD, que atua como antagonista dos receptores serotoninérgicos, causa alucinações visuais, auditivas e sensoriais semelhantes às observadas na esquizofrenia. Essa observação levantou a possibilidade de que um déficit de serotonina estivesse envolvido na patogênese dos sintomas negativos da esquizofrenia. De fato, vários experimentos demonstraram que baixos níveis do ácido 5-hidroxi-indolacético (principal metabólito da serotonina) no líquor estão relacionados com sinais de impulsividade e propensão a cometer atos violentos contra si próprios ou contra os outros. Outro neurotransmissor, o glutamato, também parece estar relacionado ao desenvolvimento da esquizofrenia. Segundo a hipótese glutamatérgica, quantidades excessivas desse neurotransmissor exercem um efeito neurotóxico que desencadeia os sintomas da esquizofrenia. Fármacos neurolépticos Os neurolépticos são fármacos usados majoritariamente no tratamento da esquizofrenia. São antagonistas dos receptores D2 de dopamina, embora atuem bloqueando também adrenoceptores alfa-1, receptores colinérgicos muscarínicos M1, receptores histaminérgicos H1 e receptores 5HT2 de serotonina (veja a figura a seguir). De maneira geral: • Quanto maior a atividade antagonista D2, melhor o controle dos sintomas positivos. • Quanto maior a atividade antagonista 5HT2, melhor o controle dos sintomas negativos. A ativação do receptor 5HT2A pré-sináptico está relacionada com a diminuição da liberação de serotonina na fenda sináptica. Portanto, o bloqueio desse receptor causa aumento da neurotransmissão serotoninérgica, com correção dos sintomas negativos. • Quanto maior a atividade antagonista alfa-1, mais evidentes são os efeitos adversos decorrentes da diminuição do tônus simpático. • Quanto maior a atividade antagonista H1, mais intensa é a sedação decorrente do tratamento. - - - - - Particularmente clorpromazina Antipsicóticos Colinérgico (receptor muscarínico) Receptor de dopamina Receptor α-adrenérgico Receptor de serotonina Receptor de histamina H1 Particularmente clorpromazina, clozapina Risperidona, clozapina Todos, mas particularmente haloperidol, flufenazuna, tiotixeno Particularmente tioridazina, clorpromazina Figura 77 – Ação dos neurolépticos (antipsicóticos) sobre diferentes sistemas receptores 200 Unidade III Os neurolépticos são divididos em duas classes: os típicos e os atípicos. Os neurolépticos típicos, também conhecidos como clássicos, incluem o haloperidol, a clorpromazina, a flufenazina, a tioridazina, o flupentixol e a loxapina. Apresentam maior atividade antagonista em receptores D2 do que em receptores 5HT2. Os antipsicóticos atípicos, como a olanzapina, a clozapina, a quetiapina, a risperidona, o supiride e o sertindol, apresentam maior atividade em receptores 5HT2 de serotonina do que em receptores D2. O aripiprazol, um novo antipsicótico, apresenta como principal característica o agonismo parcial em receptores dopaminérgicos. Os antipsicóticos de primeira geração (típicos) de alta potência e de baixa potência promovem o bloqueio pós-sináptico dos receptores da dopamina D2 no sistema nervoso central. Os de baixa potência também possuem atividade anticolinérgica e anti-histaminérgica. Os antipsicóticos de segunda geração (atípicos) promovem o bloqueio pós-sináptico dos receptores da dopamina D2 (menos pronunciada que dos antipsicóticos típicos), atuam antagonizando os receptores serotoninérgicos 5-HT2A e interagem com vários outros receptores (D3, D4, antagonista nos receptores alfa-1 e alfa-2-adrenérgicos e nos receptores histaminérgicos H1). Os antipsicóticos de primeira geração (típicos) são caracterizados por efeitos colaterais indesejáveis, como sintomas extrapiramidais, hiperprolactinemia, discinesia tardia e possível síndrome maligna dos neurolépticos. Os antipsicóticos de segunda geração (atípicos) podem ser diferenciados dos antipsicóticos tradicionais por seus níveis baixos desses efeitos colaterais indesejados, por eficácia e, em geral, por suposta segurança aumentada. Os neurolépticos bloqueiam os receptores dopaminérgicos em todo o SNC; consequentemente, há o bloqueio das vias tuberoinfundibular e nigroestriatal, o que resulta em efeitos colaterais hormonais e extrapiramidais, respectivamente. O bloqueio dopaminérgico indesejável na via tuberoinfundibular traz efeitos colaterais como a galactorreia (produção de leite nas mamas de homens ou de mulheres que não estão amamentando) e a síndrome neuroléptica maligna (caracterizada por aumento da temperatura corporal, alteração do nível de consciência, hipertonia, disfunção autonômica e insuficiência respiratória, entre outros). Na via nigroestriatal, o bloqueio de receptores dopaminérgicos causa efeitos motores (efeitos extrapiramidais), como acatisia (impossibilidade de estar parado ou sentado; caracteriza-se pela inquietação, ansiedade, agitação, vontade de mover-se todo o tempo), o parkinsonismo medicamentoso, a distonia aguda (contrações musculares involuntárias), o tremor perioral e a discinesia tardia (movimentos involuntários, como fazer caretas e trejeitos ou piscar seguidamente). Os sintomas extrapiramidais podem ser tratados com a redução da dose dos neurolépticos ou com antiparkinsonianos (anticolinérgico e antagonista muscarínico central), como biperideno, benzhexol, orfenadrina, benzatropina, prometazina e amantadina. Esses fármacos melhoram o tremor e a rigidez e diminuem a secreção salivar, mas podem ocasionar confusão mental, retenção urinária e visão embaçada 201 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA como efeitos adversos. O biperideno é uma referência para o tratamento dos sintomas extrapiramidais, e a dose prescrita está relacionada com a do neuroléptico utilizado. Os sintomas extrapiramidais são causas importantes da não adesão do paciente ao tratamento psiquiátrico. 7.2.5 Anticonvulsivantes Os fármacos anticonvulsivantes (antiepiléticos) são usados no tratamento da epilepsia. O objetivo do tratamento farmacológico dessa condição é propiciar a melhor qualidade de vida possível para o paciente, pelo alcance de um adequado controle de crises, com um mínimo de efeitos adversos. A epilepsia é um distúrbio crônico caracterizado por episódios recorrentes nos quais o cérebro está sujeito a descargas excessivas anormais (convulsões) em uma população de neurônios do SNC. Observação Não se deve confundir convulsão com epilepsia. A convulsão é a descarga neuronal excessiva, de caráter isolado e sem característica repetitiva (episódio único). A epilepsia caracteriza-se por descarga neuronal excessiva de repetição. Há diferentes tipos de epilepsia. A crise focal (também referida como parcial), apresenta foco restrito a uma (unifocal) ou mais (multifocal) regiões cerebrais. Pode ser uma crise desperceptiva (com perda da consciência) ou perceptiva (com preservação da consciência). Por fim, classifica-se qual a manifestação sintomática (motora versus não motora). Se motora, pode ser clônica, tônica, atônica etc. Se não motora, cognitiva, sensorial, entre outras. Nas epilepsias focais, as crises epilépticas iniciam de forma localizada numa área específica do cérebro, e suas manifestações clínicas dependem do local de início e da velocidade de propagação da descarga epileptogênica. A crise generalizada implica atividade elétrica alterada por todo o encéfalo, com consciência não preservada. Pode ser generalizada e focal, motora e não motora. Se motora, pode envolver movimentos tônicos, clônicos, atônicos etc. Se não motora, por vezes é chamada de “crise de ausência”. As crises generalizadas manifestam-se por crises epilépticas cujo início envolve ambos os hemisférios simultaneamente. As crises de ausência, as crisesmioclônicas e as crises tônico-clônicas generalizadas são seus principais exemplos. A determinação do tipo específico de crise é importante, uma vez que seus mecanismos de geração e propagação diferem para cada situação, e existem anticonvulsivantes apropriados para a reversão de cada tipo de crise. Portanto, a escolha do medicamento é orientada pelo tipo de convulsão. Fármacos anticonvulsivantes Os anticonvulsivantes são classificados em clássicos (mais antigos) ou em mais recentes. Os anticonvulsivantes mais recentes geralmente são mais bem tolerados e têm uma faixa terapêutica mais ampla que os anticonvulsivantes clássicos. 202 Unidade III Todos os anticonvulsivantes têm efeitos colaterais dependentes da dose no SNC, como sonolência e náusea, mas alguns agentes têm efeitos colaterais mais específicos (por exemplo, hiperplasia gengival causada pela fenitoína). Além de sua importância na terapia antiepilética, os anticonvulsivantes também são usados no tratamento da dor (por exemplo, carbamazepina ou gabapentina como coanalgésicos) ou como estabilizadores de humor nos distúrbios bipolares (valproato). O quadro a seguir descreve os principais anticonvulsivantes, seus mecanismos de ação e principais indicações terapêuticas. Quadro 10 – Principais anticonvulsivantes Fármaco Mecanismo de ação Principais usos terapêuticos Ácido valproico/ Valproato de sódio Provável: Inibição da GABA transaminase (enzima que metaboliza o neurotransmissor inibitório GABA) Bloqueio de canais de sódio Tratamento de primeira linha a longo prazo para crises generalizadas tônico- clônicas, convulsões parciais (focais), crises de ausência e convulsões mioclônicas. Também é utilizado no tratamento do transtorno bipolar Carbamazepina Provável: Estabilização da membrana do nervo hiperexcitado Inibição da descarga neuronal repetitiva, por bloqueio dos canais de sódio Redução da propagação sináptica dos impulsos excitatórios glutamatérgicos Tratamento de primeira linha para crises generalizadas e focais tônico-clônicas e como tratamento de primeira linha da neuralgia do nervo trigêmeo Etossuximida Provável: Inibição dos canais de cálcio do tipo T Crises de ausência Fenitoína Provável: Bloqueio de canais de sódio Convulsões tônico-clônicas e profilaxia do estado de mal epilético. Raramente usada para tratamento prolongado de convulsões focais Diazepam (benzodiazepínico) Ligação ao receptor GABAA, com consequente aumento da afinidade do GABA por esse receptor e aumento da resposta mediada por ele Tratamento de primeira linha para o estado de mal epiléptico Lamotrigina Atua principalmente como bloqueador dos canais de sódio e bloqueador de canais de cálcio do tipo L, N e P Possui fraco efeito sobre o receptor serotoninérgico 5HT-3 Tratamento de primeira linha para terapia prolongada de crises focais, de segunda linha para crises generalizadas e crises de ausência e como estabilizador de humor para tratamento do transtorno bipolar Fenobarbital (barbitúrico) Ligação ao receptor GABAA, com consequente aumento do tempo de abertura do canal de cloreto induzida pelo GABA Prevenção de convulsões em indivíduos com epilepsia ou crises convulsivas de outras origens. Eficaz especialmente em crises generalizadas tônico-clônicas e convulsões focais Gabapentina Provável: Bloqueio dos canais de cálcio dependentes de voltagem (tipo T e tipo L) nos neurônios centrais Tratamento de segunda linha para convulsões focais 203 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA Fármaco Mecanismo de ação Principais usos terapêuticos Vigabatrina Provável: Inibição da GABA transaminase (responsável pela degradação do GABA) Crises focais refratárias Topiramato Bloqueio dos canais de sódio, potencialização da ação do GABA, redução da atividade excitatória do glutamato, inibição dos canais de cálcio de alta voltagem e inibição da anidrase carbônica no SNC. Crises epilépticas tônico-clônicas focais e generalizadas e na profilaxia da enxaqueca em alguns pacientes 7.2.6 Antiparkinsonianos A doença de Parkinson é uma condição neurodegenerativa do sistema nervoso central, crônica e progressiva. A etiologia e a patogênese não são completamente compreendidas. O tratamento farmacológico da doença de Parkinson é predominantemente focado no controle dos sintomas motores. O distúrbio do movimento da doença de Parkinson ocorre em grande parte devido à perda seletiva de neurônios dopaminérgicos na substância negra, com consequente depleção de dopamina no estriado. Os fármacos utilizados no tratamento da doença de Parkinson visam substituir essa dopamina no estriado. Isso pode ser alcançado através de fármacos que são metabolizados em dopamina, ou que ativam o seu receptor ou que impedem a quebra da dopamina endógena. Não existe um padrão único de estratégia de tratamento, com regimes de medicação adaptados a cada paciente, com base na gravidade e natureza temporal de seus sintomas, bem como nos efeitos colaterais que eles experimentam. A dopamina é incapaz de atravessar a barreira hematoencefálica e deve ser produzida dentro do sistema nervoso central para atuar no estriado. É sintetizada principalmente nos neurônios dopaminérgicos (neurônios produtores de dopamina) no cérebro, com pequenas quantidades também sendo produzidas na medula das glândulas suprarrenais. Na via biossintética clássica da dopamina, o precursor metabólico direto é a L-di-hidroxifenilalanina (levodopa ou L-dopa) sintetizada diretamente da tirosina (um aminoácido não essencial) ou indiretamente da fenilalanina (um aminoácido essencial). A via clássica da biossíntese da dopamina foi abordada no tópico Neurotransmissores autonômicos: biossíntese e biotransformação. Além disso, em condições específicas, a dopamina também pode ser sintetizada por uma via menor, na qual a L-tirosina é convertida em p-tiramina, com subsequente hidroxilação em dopamina pela enzima CYP2D6 (citocromo P450 2D6) encontrada na substância negra do cérebro humano. A dopamina é metabolizada após a recaptação para neurônios dopaminérgicos ou células da glia. Sofre desaminação oxidativa, catalisada pela enzima monoamina oxidase (MAO), conforme descrito anteriormente (no tópico Neurotransmissores autonômicos: biossíntese e biotransformação). Alternativamente, a dopamina é metabolizada em 3-metoxitiramina por COMT, que por sua vez é convertida em 3-metoxi-4-hidroxiacetaldeído pela MAO. A aldeído desidrogenase, mencionada anteriormente, converte isso em HVA, que é excretada na urina. 204 Unidade III Fármacos usados no tratamento da doença de Parkinson Atualmente, não existem medicamentos modificadores da doença de Parkinson, de forma que os tratamentos utilizados podem oferecer alívio sintomático significativo dos sintomas motores, mas oferecem pouco benefício clínico em termos das manifestações não motoras da doença. É prática comum atrasar o início do tratamento até que os sintomas do paciente se tornem preocupantes, para reduzir o impacto de efeitos adversos. A base do tratamento atual da doença de Parkinson são as preparações à base de levodopa (L-dopa). Como descrito anteriormente, a dopamina em si é incapaz de atravessar a barreira hematoencefálica e não pode ser usada como tratamento. Por outro lado, o precursor da dopamina, levodopa, é capaz de atravessá-la e, portanto, é administrada como terapia. Após absorção e passagem pela barreira hematoencefálica, a levodopa é convertida no neurotransmissor dopamina pela enzima dopa descarboxilase. É prática comum que os pacientes iniciem uma dose baixa de levodopa, com a dose sendo titulada com base na resposta do paciente ao tratamento, equilibrada contra os efeitos adversos experimentados. Geralmente, o efeito clínico da levodopa é percebido rapidamente e pode durar várias horas, principalmente nos estágios iniciais da doença. No entanto, à medida que a doença se torna mais avançada, o efeito do fármaco geralmente desaparece após períodos mais curtos, sendonecessário o aumento da frequência da dosagem. A levodopa, embora eficaz, apresenta efeitos colaterais significativos que constituem uma parte importante da doença vivenciada pelo paciente, particularmente em quadros avançados. Alguns de seus efeitos adversos resultam da conversão de levodopa em dopamina fora do SNC (conversão periférica). Esses efeitos são minimizados através da associação desse fármaco com inibidores periféricos da dopa descarboxilase, conforme discutiremos adiante. O uso prolongado pode resultar em complicações motoras significativas, incluindo discinesias e graves flutuações motoras. Outros efeitos adversos importantes incluem distúrbios gastrointestinais, como náusea e vômito, e hipotensão ortostática. Características neuropsiquiátricas, incluindo ansiedade e alucinações, podem ocorrer devido ao aumento da neurotransmissão dopaminérgica nas regiões mesolímbica e mesocortical, mimetizando um quadro semelhante à esquizofrenia. Observação Em relação à neurotransmissão dopaminérgica, a esquizofrenia e o Parkinson apresentam características opostas: a primeira é caracterizada pelo aumento dos níveis de dopamina e a segunda pela diminuição. Para reduzir seus efeitos colaterais periféricos, a levodopa é administrada em combinação com inibidores da dopa descarboxilase, como a benserazida e a carbidopa. Esses compostos não atravessam a barreira hematoencefálica e impedem seletivamente a conversão periférica de levodopa em dopamina, reduzindo assim os efeitos adversos na periferia. As associações mais frequentemente prescritas são carbidopa/levodopa e benserazida/levodopa. 205 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA Os agonistas dos receptores de dopamina ativam os receptores dopaminérgicos na via nigroestriatal e, assim, restabelecem o movimento. Esses fármacos, que incluem os derivados do ergot (bromocriptina e cabergolina) e os não derivados do ergot (apomorfina, pramipexol, ropinirol e rotigotina), são frequentemente prescritos como terapia inicial para a doença de Parkinson, principalmente em pacientes mais jovens. Essa abordagem permite um atraso no uso da levodopa, o que pode reduzir o impacto das complicações motoras problemáticas discutidas anteriormente. Alguns estudos pré-clínicos e de imagem sugeriram que os agonistas de receptores da dopamina podem possuir propriedades antioxidantes e levar à redução da perda de neurônios dopaminérgicos, embora não haja evidências convincentes de que esses fármacos ofereçam um efeito modificador da doença. Os inibidores da MAO-B (selegilina e rasagilina) inibem a biotransformação da dopamina após sua recaptação neuronal, o que resulta na preservação dos níveis de dopamina endógena. Seu uso alivia os sintomas motores em pacientes com doença de Parkinson e, como os agonistas da dopamina, eles podem ser usados como uma opção inicial de tratamento, para atrasar a necessidade de terapia com levodopa. Os inibidores da MAO-B também podem ser utilizados em combinação com preparações à base de levodopa, para permitir uma redução na sua dose. Os inibidores da COMT (entacapona e tolcapona) também preservam os níveis endógenos de dopamina, reduzindo sua degradação após recaptação pelos tecidos-alvo. Esses fármacos são predominantemente usados como terapia adjuvante à levodopa, prolongando sua duração de ação e aumentando sua meia-vida e sua distribuição. A entacapona, por exemplo, é frequentemente usada em uma preparação combinada, juntamente a carbidopa e levodopa. No entanto, essa associação pode resultar em amplificação dos efeitos adversos induzidos pela levodopa, o que requer a diminuição da sua dose. Todos os fármacos discutidos até agora aumentam a atividade dopaminérgica no estriado. Há, no entanto, um pequeno número de fármacos utilizados no tratamento da doença de Parkinson que atuam através de mecanismos não dopaminérgicos. Uma dessas classes de fármacos são os anticolinérgicos. Os anticolinérgicos de ação central (benzotropina, orfenadrina, prociclidina e triexifenidil e biperideno) são antagonistas dos receptores muscarínicos que reduzem a neurotransmissão colinérgica no sistema nervoso central. Embora seu papel seja limitado e sejam prescritos com pouca frequência, eles podem oferecer algum benefício em melhorar a rigidez e o tremor na doença de Parkinson. A perda de neurônios dopaminérgicos resulta em perturbação do equilíbrio normal entre dopamina e acetilcolina no cérebro, e os medicamentos anticolinérgicos podem levar à restauração e à manutenção do equilíbrio normal entre esses dois neurotransmissores (veja a figura a seguir). 206 Unidade III Neurônio ACh estimulante Neurônio DA inibitório Neurônio GABA inibitório Substância negra Neurônio Neoestriado Neurônio Conexões ao músculo através do córtex motor e da medula espinal 1. Devido à morte celular, ocorre menor liberação de dopamina no neoestriado 2. A perda do efeito inibitório da dopamina resulta em maior produção de acetilcolina que inicia uma sequência de sinalização anormal, comprometendo a motilidade Figura 78 – Envolvimento da neurotransmissão colinérgica na doença de Parkinson Quando são utilizados anticolinérgicos, isso geralmente é feito em combinação com a levodopa e com os outros medicamentos mencionados anteriormente. Geralmente são evitados em pacientes idosos ou com problemas cognitivos, devido ao aumento do risco de confusão mental. O biperideno é um anticolinérgico utilizado no tratamento do parkinsonismo medicamentoso (induzido por neurolépticos), pois, nesse caso, não é recomendado se aumentar a neurotransmissão dopaminérgica, sob o risco do retorno dos sintomas da esquizofrenia. Inicialmente, a amantadina foi desenvolvida como um fármaco antiviral para o tratamento da gripe, mas posteriormente foi usada para o tratamento da doença de Parkinson. Pode ser usado no tratamento de rigidez, tremor de repouso e, às vezes, fadiga, e pode oferecer uma melhora de curta duração nos sintomas. Também pode permitir o uso de uma dose mais baixa de levodopa, reduzindo o risco de discinesia. Entretanto sua propriedade mais útil provavelmente é o fato de poder ser utilizada para limitar a gravidade das discinesias induzidas por levodopa. Não se sabe o mecanismo exato da amantadina que justifique seu efeito antiparkinsoniano, mas há evidências que a amantadina atua como um antagonista fraco do glutamato no receptor N-metil-D-aspartato (NMDA). 7.2.7 Tratamento da doença de Alzheimer A doença de Alzheimer é um distúrbio neurodegenerativo relacionado à idade, progressivo e irreversível, caracterizado por comprometimento cognitivo e de memória, e é a causa mais comum de demência em idosos. A maioria das pessoas com doença de Alzheimer (mais de 95%) tem de forma esporádica ou de início tardio, uma doença multifatorial na qual fatores ambientais e predisposição genética contribuem para a patologia. A outra forma da doença de Alzheimer, familiar ou de início precoce, corresponde a menos de 5% da população com a doença e é devida a mutações em qualquer 207 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA um dos três genes a seguir: (a) o gene da proteína precursora amiloide (APP) no cromossomo 21, (b) o gene da presenilina 1 (PSEN-1) no cromossomo 14 e (c) o gene da presenilina 2 (PSEN-2) no cromossomo 1. A classificação da doença de Alzheimer é baseada em critérios clínicos, incluindo histórico médico, exame físico, exames laboratoriais, exames de imagem e avaliação neuropsicológica. As características neuropatológicas de ambas as formas do Alzheimer são caracterizadas pelo acúmulo extracelular anormal de peptídeo β-amiloide em placas amiloides e proteína tau agregada em emaranhados neurofibrilares intracelulares (NFTs). Existem dados epidemiológicos, clínicos e experimentais que sustentam várias hipóteses de patogênese da doença de Alzheimer: (1) a hipótese da cascata de amiloide propõe que o acúmulo de Aβ como placas neuríticas, placas difusas ou formas oligoméricas no cérebro
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