Buscar

Apostila-História-da-Filosofia-Medieval

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 76 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 76 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 76 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

0 
 
CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
HISTÓRIA DA FILOSOFIA MEDIEVAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
GUARULHOS – SP 
 
 
 
1 
 
 
SUMÁRIO 
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 3 
2 AS CORRENTES FILOSÓFICAS DA ERA HELENÍSTICA, DA IDADE MÉDIA E DO 
RENASCIMENTO ....................................................................................................... 4 
2.1 Características filosóficas da Era Helenística, da Idade Média e do Renascimento
 .................................................................................................................................5 
2.2 Correntes filosóficas desenvolvidas a partir do Helenismo até o Renascimento .. 9 
2.3 Avanços no campo filosófico ocorridos entre a Era Helenística e o Renascimento
 ...............................................................................................................................13 
3 CORRENTES FILOSÓFICAS DA IDADE MÉDIA ................................................. 16 
3.1 Os avanços da sociedade e do pensamento filosófico a partir da Idade Média .. 17 
3.2 Os avanços de Hipácia nos diversos campos da filosofia .................................. 23 
4 A MENTALIDADE MEDIEVAL .............................................................................. 27 
4.1 A visão hierofânica do mundo medieval ............................................................. 28 
4.2 A igreja e o sagrado ............................................................................................ 29 
4.3 A relação entre visão hierofânica medieval e o estabelecimento dos sacramentos 
cristãos ...................................................................................................................... 31 
4.4 A arte e o sagrado no mundo medieval .............................................................. 32 
4.5 A literatura medieval ........................................................................................... 37 
4.6 Entre a fé e a razão: a filosofia medieval ............................................................ 38 
5 A FILOSOFIA CRISTÃ .......................................................................................... 42 
5.1 O pensamento cristão e as suas concepções filosóficas .................................... 43 
5.2 As correntes de pensamento filosófico que haviam no período de desenvolvimento 
do cristianismo .......................................................................................................... 51 
5.3 Filosofia e religião ............................................................................................... 54 
2 
 
6 FILOSOFIA DA RELIGIÃO E FILOSOFIAS RELIGIOSAS ................................... 59 
6.1 A reflexão filosófica nas matrizes religiosas do Oriente ...................................... 60 
6.2 A filosofia greco-romana e o pensamento judaico no monoteísmo ..................... 65 
6.3 Reflexão filosófica nas religiosidades dos povos originários............................... 68 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 72 
 
 
3 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Prezado aluno! 
 
O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante 
ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um 
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma 
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é 
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a 
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas 
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em 
tempo hábil. 
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa 
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das 
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora 
que lhe convier para isso. 
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser 
seguida e prazos definidos para as atividades. 
 
Bons estudos! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 
 
2 AS CORRENTES FILOSÓFICAS DA ERA HELENÍSTICA, DA IDADE MÉDIA E 
DO RENASCIMENTO 
 
A filosofia está inserida na história de modo que não há como pensar a evolução 
da humanidade sem a historicidade e o acúmulo do conhecimento. Nesse sentido, a 
filosofia de um período da história acaba contribuindo com o período posterior, seja 
em um movimento de ruptura ou de aprimoramento. 
 
 
Fonte: https://www.ex-isto.com/2019/11/filosofia-helenistica.html 
É possível observar esse movimento ao longo de todo o período da 
racionalidade. Não foi diferente com os helenos, medievos e renascentistas que 
recombinaram, reformularam, ressignificaram e criaram teorias, possibilitando a 
compreensão do mundo em cada um desses períodos. Veremos quais foram as 
principais características dos períodos entre o Helenismo e o Renascimento e de que 
forma elas se combinaram até o fim da Renascença. Compreenderá quais foram as 
principais correntes filosóficas e suas distinções com vistas a entender suas inter-
relações. Por fim, reconhecerá quais foram os avanços no campo filosófico devidos à 
evolução do pensamento (DIONÍZIO, 2020). 
 
5 
 
2.1 Características filosóficas da Era Helenística, da Idade Média e do 
Renascimento 
O termo Helenismo deriva da obra do historiador J. G. Droysen Hellenismus e 
caracteriza o período de intercâmbio cultural entre a Grécia, o Mediterrâneo Ocidental 
e o Oriente próximo à Grécia. É normativo que um dos métodos que a humanidade 
utilizou para classificar e periodizar momentos da história foi nomeando e atribuindo 
características que são próprias a esses momentos. Desse modo, entende-se por 
período helênico aquele entre a morte de Alexandre, o Grande (323 a.C.), e o suicídio 
de Cleópatra (30 a.C.). 
Nesse contexto, o Egito foi um dos últimos lugares a herdar a tradição 
helenística, que teve fim, por sua vez, após a conquista do Império Romano (SILVA, 
2010). Contudo, não há como precisar o momento dessa ruptura cultural com o 
helenismo. Sabe-se que a ascensão cristã pôs fim a qualquer resquício da cultura 
helênica, principalmente, em Alexandria. 
Uma grande pensadora que retratou essa ruptura em sua história foi a filósofa 
Hipátia (c. 351/370-415 d.C.), que viveu no período de ascensão do discurso cristão 
e, por ser adepta da filosofia helenística, acabou assassinada, apedrejada pelos novos 
cristãos de seu tempo. 
A partir da morte de Aristóteles e da ascensão romana, a Grécia deixou de ter 
sua influência centralizada na cidade de Atenas, que perdeu muito de seu 
cosmopolitismo e protagonismo na produção cultural e filosófica no mundo antigo. 
Desse modo, surgiu uma nova forma de conceber a realidade, bem como uma 
abertura cultural e filosófica à concepção greco-romana cristã. Nesse período, entrou 
em vigência outras intersecções culturais, incluindo a expansão linguística e de 
métodos educativos. Nas escolas e nas academias criadas por Platão e Aristóteles 
em Atenas, começou a surgir um distanciamento das doutrinas platônicas e 
aristotélicas em detrimento de novos olhares sobre a realidade (SILVA, 2010). Assim, 
estabeleceram-se as escolas estoicas, epicuristas e céticas, o que foi chamado de 
ecletismo filosófico. Se a característica fundamental do helenismo era a troca cultural, 
com a filosofia não foi diferente. Nesse período, a filosofia grega sofreu uma forte 
decadência, com destaque apenas para os neopitagóricos e os neoplatônicos. 
 
6 
 
As principais características da filosofia desse período consistem em uma 
grande ruptura com as reflexões platônicas e aristotélicas, bem como em uma 
ampliação das reflexões filosóficaspor parte de outros pensadores da época (SILVA, 
2010). Esses novos pensadores passaram a trazer novas perspectivas, e a corrente 
que acabou por durar até mesmo em relação à ética e à religião foi o ceticismo. Outra 
forte característica da filosofia helenística é que, na polis grega, a cultura relacionada 
ao culto aos deuses se manteve. Mesmo com o surgimento da filosofia, os gregos 
mantiveram certos aspectos culturais e religiosos relacionados ao politeísmo. 
Entretanto, com a hegemonia entre os gregos e os persas, passou a predominar a 
religião de apenas um deus, o Deus Cósmico. Isso simbolizou uma abertura para a 
unificação religiosa que, mais tarde, seria convertida no cristianismo. 
Portanto, o helenismo é marcado pela superação do homem grego da polis. 
Nesse sentido, o heleno volta-se à sua liberdade, à cultura e à espiritualidade, 
deixando para trás a dimensão política, mas atendo-se ao cosmopolitismo: 
[…] [a] o contrário da metafísica platônico-aristotélica, o homem helenista se 
volta à religião e ao mistério das coisas. Ele é senhor da sua vida, livre, 
independente. Para os cínicos, o homem é um cidadão do mundo. Ele deve 
ter cuidado com sua alma. Sua felicidade consiste na virtude e no prazer das 
coisas exteriores (SILVA, 2010, documento on-line). 
Isso demonstra como a alteração cultural afetou a dimensão formativa do 
homem, uma vez que a polis se preocupava em formar cidadãos, enquanto a cultura 
helenista se concentrava em formar indivíduos, ou seja, a primeira experiência do 
homem como indivíduo, aquele que goza de sua individualidade e liberdade frente ao 
mundo, buscando, assim, sua identidade. 
Assim, deu-se a transição da Antiguidade Clássica para a Idade Média, que é 
marcada pelo encontro entre a cultura greco-romana com a cultura judaico-cristã. Em 
seus primórdios, o cristianismo não consistia em um sistema religioso doutrinário 
fechado, o que começou a se alterar com a tradição apostólica iniciada por Paulo que, 
antes de se converter à religião cristã, era um soldado do Império Romano, estoico, 
portanto, helênico e judeu (SILVA, 2010). Após a sua conversão, Paulo começou a 
pregar, em cidades greco-romanas, o cristianismo enquanto religião igualitária, feita 
para todos e universal. Nesse período, o cristianismo ainda não se constituía em uma 
unidade, em uma doutrina prática. Para se consolidar como uma doutrina, o 
cristianismo valeu-se da filosofia grega, principalmente, a platônica. Preponderou-se, 
 
7 
 
a partir de então, a filosofia cristã. Nesse contexto, muitos filósofos só valorizavam a 
filosofia grega em seus aspectos concordantes com a nova religião. Em relação à 
filosofia de modo geral, consideravam-na desnecessária, pois foi concebida 
anteriormente à palavra de Cristo, portanto, não era relevante. 
Entretanto, apesar de alguns pensadores considerarem a filosofia grega em 
alguns aspectos, defendiam que a razão deveria estar a serviço da fé. Nesse sentido, 
a reflexão filosófica era admitida e praticada apenas com a finalidade de comprovar 
as verdades bíblicas, portanto, acreditava-se que a religião cristã, de certa forma, 
purificou a filosofia grega. Importante ressaltar que, nesse período de disseminação 
do cristianismo, as pessoas não se encontravam sem espiritualidade, ou cultura 
religiosa, mas foram convertidas e, em alguns casos, obrigadas à conversão. A partir 
de então, a nova religião ocupou-se de mudar até mesmo a linguagem grega, 
inserindo vocábulos próprios ao cristianismo e alterando o sentido e o significado dos 
termos gregos. 
A partir da solidificação do cristianismo e da queda do Império Romano, teve 
início a Idade Média (século V–XV). Esse período é caracterizado pelo forte poder da 
Igreja, pelo sistema político-econômico feudal e pelo poder da nobreza. Nesse 
contexto, o conhecimento ficava detido nos mosteiros, assim, somente quem tinha 
acesso eram os padres e religiosos (SILVA, 2010). A característica central desse 
período é a relação entre razão e fé. Assim, são classificadas duas correntes da 
história da filosofia cristã na Idade Média: a filosofia patrística, que tem duração do 
século I ao século VI; e a filosofia escolástica, que vai do século XIII ao século XIV. 
A corrente patrística da filosofia teve início a partir da formalização e 
consolidação do cristianismo. Seu início foi marcado pelas Epístolas de São Paulo e 
pelo Evangelho de João, então, esse período filosófico tem como fundamento os 
escritos desses apóstolos. Após a morte deles, a continuidade foi dada pelos padres. 
A missão da patrística era converter o povo e o governo romano, e isso só seria 
possível unindo a filosofia grega ao cristianismo. Ressalta-se que, até aquele 
momento, restava, culturalmente, ainda a devoção aos deuses. Portanto, ao 
evangelizar, os padres buscavam demonstrar que a razão servia para revelar as 
verdades da fé. Nesse contexto, os principais argumentos orbitavam em torno das 
seguintes problemáticas: 
 
 
8 
 
 a criação do mundo; 
 a santa trindade; 
 a bondade e a origem do mal; 
 o livre arbítrio pensado, sobretudo, em relação ao pecado original. 
 
O grande representante desse período foi o filósofo Santo Agostinho (340-430), 
que buscou associar o argumento cristão à filosofia platônica, substituindo o mundo 
das ideias pelo mundo divino. Nesse sentido, a alma, assim como para Platão, assume 
um caráter superior ao corpo e, por isso, deve conduzir o corpo ao caminho do bem e 
a Deus (SILVA, 2010). 
Já a filosofia escolástica (século IX ao século XV) marca um período mais sólido 
em relação à difusão do cristianismo. Esse momento da história é marcado pelas 
cruzadas e pelo surgimento das primeiras universidades (criadas pela Igreja), 
portanto, há alguma abertura do conhecimento, desde que submetidos à religião. 
O maior nome desse período foi São Tomás de Aquino, que buscou associar a 
fé à filosofia aristotélica (SILVA, 2010). Assim, filosoficamente, esse período ficou 
conhecido como aquele em que procurou-se unir o cristianismo a investigações 
filosóficas científicas de Aristóteles. Nesse sentido, a preocupação central passou a 
ser uma coalisão entre a racionalidade da natureza e seus fenômenos com a doutrina 
cristã. A filosofia tomista ocupou-se em buscar formas de fazer essa junção sem que 
a fé fosse de modo algum contrariada. Para tanto, Tomás de Aquino sistematizou o 
aristotelismo privilegiando o mundo, ou seja, conhecer o mundo racionalmente é como 
conhecer a Deus. Esse caráter mais racional, seguindo o aristotelismo, contribuiu para 
o período posterior, que demarcou a ruptura com a Idade Média: o Renascimento. 
Como o próprio termo já denota, o Renascimento foi um momento para a 
Europa renascer (BURKE, 2008). Esse período é caracterizado pelo individualismo e 
pela modernidade, ou seja, após o período obscurantista da Idade Média, o homem 
despertou para a própria consciência e autonomia, rompendo, até certo ponto, com a 
preponderância religiosa. Assim, o homem passou a reconhecer-se em qualquer 
comunidade tradicional familiar, de classe, de raça, política e social, mas apenas como 
algo mais geral e não determinante. Isso não significa dizer que o homem rompeu 
com a espiritualidade, mas que passou a reconhecer em si a possibilidade espiritual 
em uma espécie de espelhamento com o mundo. 
 
9 
 
Na Europa, em especial, na Itália, aumentou o número de pensadores, artistas 
e escritores: “começou a usar a imagética da renovação para assinalar uma nova era, 
uma era de regeneração, restauração, reabilitação, rememoração, renascimento ou 
ressurgimento, em direção à luz, após aquilo a que foram eles os primeiros a chamar 
a ‘Idade das Trevas’” (BURKE, 2008, p. 11). Seu avanço intelectual e científico 
originou o período convencionalmente chamado de Modernidade. 
 
 
2.2 Correntes filosóficas desenvolvidas a partir do Helenismo até o 
Renascimento 
O helenismofoi o movimento de expansão não somente territorial da Grécia, 
mas também do modo de vida grego, e isso inclui, principalmente, a parte cultural. 
Assim como toda a mudança cultural ocorrida ao longo da história, ao expandir o seu 
horizonte, os gregos também foram influenciados por culturas diversas. Desse modo, 
não há como falar em uma cultura eminentemente grega no helenismo, uma vez que 
tratou-se de uma intersecção profunda. Nesse contexto, para além dos gregos e das 
quatro escolas filosóficas mais tradicionais, pode-se citar: o estoicismo, o epicurismo, 
 
10 
 
o neoplatonismo e o ceticismo. Algumas correntes filosóficas difundiram-se também 
em Roma. 
A filosofia romana teve como principal preocupação a problematização ética da 
vida prática. Vale ressaltar que a Roma desse período (a partir do século II a.C.) é 
reconhecida historicamente por sua organização social e por seu êxito político. Dessa 
forma, pode-se dizer que, se os romanos são reconhecidos pela sua excelência 
política, isso dá-se pelo caráter prático que trouxeram inclusive à filosofia. Entretanto, 
a filosofia romana é marcada pelas escolas gregas, vivendo, assim, o ecletismo entre 
o epicurismo e o estoicismo. Os romanos buscavam viver em busca da felicidade a 
partir dessas doutrinas helênicas, assim, uma das grandes práticas do viver bem era 
também a busca hedonista pelo prazer. Alguns pensadores destacaram-se nesse 
cenário filosófico: Varro (século 116-27 a.C.), considerado eclético por fundir as 
filosofias aristotélica, pitagórica, cínica e estoica; e Marco Túlio Cícero (século 106-43 
a.C.), que ficou conhecido por relacionar o aristotelismo, o estoicismo, o probabilismo 
e a gnosiologia (SILVA, 2010). Desse modo, ambos os pensadores, desenvolveram 
seus argumentos em torno: 
[…] [da] felicidade como prática da virtude, embora também admitissem 
serem necessários elementos externos para alcançar tal estado (assim como 
afirmavam os peripatéticos). Ora, caberia ao homem cultuar a razão e deixar-
se guiar por sua natureza e pela natureza universal. A prova da existência de 
Deus se dava pelos argumentos de ordem e consenso universal (SILVA, 
2010, documento on-line). 
Assim, em Roma, a filosofia grega assumiu três vertentes: uma orientada ao 
estoicismo (Mussônio Rufo e Epiteto), o epicurismo desenvolvido por Sêneca (século 
4-65 a.C.), em concordância com o ecletismo. O filósofo passou a ser visto como 
aquele que cuidava das almas, pois preocupava-se em criar modos ético-práticos para 
o homem atingir a felicidade. Em especial, cita-se Sêneca, que prestou ensinamentos 
aos seus seguidores que tinham como fundamento o amor e a solidariedade, o que o 
aproxima – historicamente – do cristianismo. Entretanto, Sêneca acreditava no 
panteísmo (doutrina que defende a integração entre Deus e Natureza), assim, a 
felicidade depende de práticas virtuosas de acordo com a natureza. Já Mussônio 
(século 30-102 a.C.), adepto do estoicismo, argumentava que o corpo deveria ser 
equilibrado, assim como a natureza e, desse modo, a felicidade seria alcançada. Por 
fim, Epiteto (século 50-125), também estoicista, defendia que a ética deve ser definida 
a partir da natureza humana. Desse modo, o estoicismo: “se caracteriza pela 
 
11 
 
variedade de formas adotadas pelos seus pensadores: a pregação moral de 
Mussônio; o sermão filosófico de Dião Crisóstomo; a carta espiritual de Sêneca; o 
colóquio espiritual de Epiteto; a reflexão de marco Aurélio” (SILVA, 2010, documento 
on-line). 
Assim, com a fusão entre a filosofia e a ascensão do cristianismo, os primeiros 
momentos da Idade Média foram com a filosofia patrística, e a filosofia de Aristóteles 
foi ignorada. Surgiu, então, a filosofia pitagórico-platônica (junção da doutrina de 
Pitágoras e Platão) e, devido à mistura entre as religiões, assumiu-se um caráter 
misterioso, ou seja, personagens fantasmagóricos e crenças sobre os limites da 
natureza ganharam força nesse período, assim como a existência de seres surreais e 
limites da Terra. As doutrinas helênicas, nesse primórdio do cristianismo, cumpriram 
o papel prático de, por meio da filosofia, conduzir o homem ao bem e à felicidade. 
Esse momento de transição entre helenismo e filosofia cristã foi marcado não 
por uma inaugurabilidade do pensamento, mas de reformulação do helenismo, em 
concordância com o cristianismo e de ressignificação do pensamento platônico. O que 
foi ignorado em relação ao helenismo foi o caráter cosmológico que deu lugar à 
filosofia como medicina da alma (SILVA, 2010). A filosofia, então, não era mais 
enciclopédica, mas uma prática religiosa/ética/moral em que não se faz necessário 
entender, mas acreditar, ter fé e seguir os ensinamentos em direção ao bem. O filósofo 
passou a ser pensado como uma figura divina e sábia. Nesse período, o que 
preponderou, especialmente, em Alexandria, foram o sincretismo religioso e o 
ecletismo no que compete à filosofia. 
A partir desse cenário alexandrino, surgem duas principais correntes: o 
neopitagorismo e o chamado platonismo médio (SILVA, 2010). As duas correntes 
concordam ao pensar em Deus como transcendente, como único e bom, o que permite 
ao homem pensar a divindade em relação à humanidade. A junção ao criador se daria 
no mundo divino de Santo Agostinho, interpretado como céu, e a morte do corpo era 
interpretada pela aproximação entre espírito e Deus. 
Essa concepção do espírito mais expansivo e desbravador foi retomada no 
Renascimento. A principal corrente que assinala para isso é a humanista. O 
Humanismo, como o termo já indica, é um modo de pensar o mundo tendo como 
fundamento o antropocentrismo, o homem no centro do mundo. Esse ideal rompe com 
o teocentrismo, ou Deus no centro do mundo, até então vigente na Idade Média. O 
 
12 
 
que aconteceu nesse período renascentista foi a valorização do ser humano, portanto, 
das humanidades. Assim, ocorreu uma extrema valorização das artes, da literatura, 
da matemática como modo de compreensão e domínio sobre o mundo e da música 
como arte e como compreensão matemática da natureza (BURKE, 2008). 
Nesse contexto, surge uma compreensão distanciada da religião cristã, além 
do resgate das obras gregas em sua racionalidade e despendimento cristão. A razão 
volta a ter lugar de destaque e retoma-se o estudo estrito do que compete ao humano, 
enquanto áreas do saber, e o estudo das ciências naturais. O individualismo leva os 
estudiosos a refletirem sobre a história, em especial, greco-romana, avaliando o que 
caracterizou cada período até o Renascimento (BURKE, 2008). Por conseguinte, os 
gregos passaram a ser estudados por terem mantido a tradição racional e de crença 
no humano, de modo que tudo dependesse da formação desse humano. Criou-se, 
então, uma maneira de classificação das pessoas não só pela classe social, apesar 
disso ser extremamente relevante, mas pela cultura. Assim, quanto mais rico, maior 
acesso à cultura e desenvolvimento de habilidades. 
 
 
Alguns pensadores e artistas se sobressaíram nesse período, e um dos mais 
famosos foi o filósofo político Nicolau Maquiavel (1469-1527). Maquiavel nasceu em 
Florença, foi filósofo político e diplomata. Em sua obra, expressou o resgate, em 
especial, da política romana, refletindo sobre como ocorria o jogo político sobre o 
poder. Desse modo, Maquiavel ocupava-se em pensar a eficácia do poder na política 
e o modo como um político deve agir para alcançar o fim necessário à melhoria social 
(BURKE, 2008). Assim, ele acreditava que todas as ações devem ser pensadas em 
 
13 
 
relação à sua finalidade, sem considerar o meio necessário para que se mantenha o 
poder. 
 
 
2.3 Avanços no campo filosófico ocorridos entre a Era Helenística e o 
Renascimento 
Pode-se dizer que os avanços filosóficos do Helenismo ao Renascimento foram 
importantes, ou seja, da Antiguidade até a Renascença aconteceram mudanças 
culturais e reflexivastanto apropriadoras quanto expropriadoras. Com isso, busca-se 
dizer que esses períodos foram marcados por uma relação necessária com o 
pensamento grego, tanto em sua afirmação como em sua negação. Seja em um 
ecletismo filosófico, em um sincretismo religioso ou em uma ruptura mística, esses 
três períodos da história encontram-se extremamente entrelaçados, de modo que 
suas existências foram marcadas por sua relação. Como falar, nesse sentido, em uma 
Idade Média sem a influência do pensamento greco-romano na ascensão cristã? Ou 
ainda, como formular o espírito do humanista, próprio ao Renascimento, sem a 
influência helenística? Foi a partir dessas correntes que a humanidade evoluiu. 
Os gregos do período helênico representaram, no contexto cristão, uma 
doutrina que forneceu as bases para o cristianismo, ou seja, a busca por uma 
cosmologia em que o ser uno, mais tarde interpretado como Deus, era o princípio 
ordenador de tudo o que existe (CHAUÍ, 2000). Desse modo, compreender a natureza 
era entender a ordem do universo. A partir disso, surgiram outros modos de metodizar 
essa compreensão, por meio da matemática, da astronomia, da ética, entre outras. 
 
14 
 
Cada escola helênica ocupou-se de desenvolver uma doutrina, no caso pitagórico, de 
uma maneira mais exata, por meio dos números alinhados à cosmologia. 
Nesse sentido, essa orientação do helenismo abriu espaço para a solidificação 
de uma nova religião. Os helenos, por se preocuparem muito com a felicidade 
humana, conseguiram transmitir aos pagãos uma nova doutrina que, apesar de suas 
diferenças, ainda prometia esse desfecho feliz. Assim, os filósofos helenistas, 
principalmente, os seguidores das correntes gregas em Roma, transmitiram à 
população uma forma de sincretismo religioso, ou seja, a religião cristã teve que 
adequar-se às doutrinas helênicas, que configuravam o modo de vida desse período 
de transição, a fim de garantir a conversão dos pagãos, já que tratava-se de uma 
mudança muito grande na cultura da época. Portanto, os pensadores desse período 
perceberam, assim como os padres, a necessidade de uma união cultural. Por isso, 
várias simbologias, inclusive datas, foram retiradas da cultura greco-romana e 
ressignificadas na religião cristã. Por exemplo, tem-se a substituição das festas pagãs 
em homenagem ao Deus Dionísio pelas festas cristãs natalinas, que simbolizam o 
nascimento de Jesus. Na data de 25 de dezembro, era comemorado o solstício de 
inverno em homenagem ao nascimento do Deus Dionísio. Por não se saber ao certo 
quando Jesus nasceu, os cristãos atribuíram a data ao nascimento de Jesus. Essa 
apropriação religiosa-cultural é denominada sincretismo (CLÍMACO, 2007). Ressalta-
se a contribuição também ética da formação cristã: em seus primórdios, o cristianismo 
não consistia em uma doutrina. Em verdade, o cristianismo estava começando a ser 
formulado, inclusive pelos apóstolos, e foi a tradição helênica que respaldou a nova 
religião durante toda a Idade Média. 
É difícil determinar os grandes avanços filosóficos ocorridos no período 
patrístico, pois, em grande parte, tratava-se dessa releitura dos gregos, em especial, 
de Platão. A filosofia agostiniana, por exemplo, trouxe avanços ao associar a teoria 
platônica à religião e, só assim, foi possível garantir a disseminação do cristianismo a 
partir da ética e moral que, mais tarde, no período tomista, viria a se tornar a teologia 
(CHAUÍ, 2000). Outro avanço que ocorreu em torno do contexto filosófico medieval foi 
a criação das universidades. No período convencionado como escolástico, a Igreja 
passou a ser influenciada pela teoria aristotélica e por sua interpretação tomista, 
associando a ordem natural à divindade, originando, assim, um caráter mais racional. 
 
15 
 
Isso levou a Igreja a criar universidades, e o conhecimento tornou-se um pouco mais 
acessível, mas ainda subordinado às verdades bíblicas. 
Assim, é correto dizer que a Idade Média não foi um período de grandes ou 
muitos avanços, uma vez que foi marcada pelo obscurantismo religioso (CHAUÍ, 
2000). Entretanto, esse período foi importante para o desenvolvimento das teorias de 
Agostinho e Tomás de Aquino e, por conseguinte, para a criação das universidades 
europeias. 
Diferentemente desse período obscurantista, foi no Renascimento que a 
filosofia voltou a ser privilegiada em seu caráter racional e científico. A partir da 
Renascença e da instituição de valores voltados à intelectualidade e ao 
desenvolvimento, a filosofia ganhou espaço mais uma vez. Se antes, na Idade Média, 
a filosofia deveria dobrar-se à fé e ser restrita aos padres, na Renascença, a filosofia 
torna-se autônoma e própria daqueles indivíduos que buscam compreender o mundo 
por meio da racionalidade. Nesse período, o exercício filosófico constitui-se em uma 
importante ferramenta do humanismo para compreender a realidade em três aspectos 
(CHAUÍ, 2000): 
1. a busca por compreensão e teorização do ser humano; 
2. a investigação científica da natureza e do universo; 
3. a realização ética que busca a felicidade. 
Esse endosso provocou o desenvolvimento do conhecimento da época, 
expresso não só nos textos filosóficos, mas na pintura, na literatura, nas esculturas e 
na produção científica. Nesse movimento, por exemplo, a física apresentou 
importantes avanços que, ao mesmo tempo em que rompiam com a compreensão 
grega do universo, partiam dessa compreensão para reelaborar a investigação 
científica acerca do cosmos. Outro aspecto foi devolver a capacidade individual do 
homem. Sua importância foi tanta que, sem esse passo, provavelmente, a filosofia 
iluminista não teria sido possível na modernidade, uma vez que o iluminismo se define 
a partir da supremacia racional do humano frente ao mundo (CHAUÍ, 2000). Um dos 
avanços de grande destaque foi o republicanismo presente nesse período – 
pensadores como Maquiavel contribuíram para pensar o poder e seu exercício. 
A intersecção – ou o encadeamento – da produção filosófica desses períodos 
possibilitou o surgimento da modernidade, do mesmo modo que a modernidade, em 
sua evolução e contribuição, orientou o surgimento da contemporaneidade. A filosofia, 
 
16 
 
portanto, em sua historicidade, é afetada pelo contexto de uma época. Nesse sentido, 
as características filosóficas de um período – helênico, medievo ou renascentista – 
são definidas a partir da evolução do pensamento em relação à compreensão dessa 
realidade. A história, ou a história da filosofia, busca periodizar o conhecimento 
reunindo-o em correntes que se distinguem e orientam uma época. Desse modo, 
compreender a relação necessária entre essas correntes e esses períodos da história 
do pensamento é compreender a evolução da intelectualidade humana. 
 
3 CORRENTES FILOSÓFICAS DA IDADE MÉDIA 
Conforme vemos em PINNOW (2020), a filosofia medieval foi produzida num 
período histórico que vai do século V ao XV. Nesse período, o catolicismo ganhou 
força a ponto de orientar a produção intelectual e científica de diversas correntes 
filosóficas, entre elas a escolástica. 
Fonte: https://conhecimentocientifico.r7.com/filosofia-medieval/ 
 
17 
 
Na idade moderna, observamos a partir do século XVI o surgimento de uma 
nova forma de pensamento, que coloca o ser humano no centro das reflexões e busca 
romper com a visão religiosa de mundo e de valores. Pensadores modernos como 
René Descartes e Francis Bacon procuram atribuir sentido aos novos rumos da 
filosofia e da ciência de seu período. Já na Idade Contemporânea, a partir do século 
XVIII, vemos inúmeras reflexões sobre filosofia, ciência, sociedade e ser humano, por 
meio de correntes filosóficas como a fenomenologia e do existencialismo. Neste 
capítulo, você vai aprender mais sobre o pensamento filosófico desenvolvido durante 
a Idade Média e a busca pela articulação entre fé e razão. Você também vai 
compreender sobre o lugar dasmulheres na filosofia, a partir da figura de Hipácia de 
Alexandria. Além disso, lançaremos um olhar sobre a produção filosófica 
contemporânea, com base nas reflexões produzidas por Edmund Husserl, Martin 
Heidegger e Jean-Paul Sartre. 
3.1 Os avanços da sociedade e do pensamento filosófico a partir da Idade 
Média 
A filosofia medieval desenvolveu-se num período que vai do final do helenismo 
(séc. IV–V d.C.) até a formação do pensamento moderno (final do séc. XV e séc. XVI), 
com o renascimento. A produção intelectual filosófica mais conhecida foi empreendida 
entre os séculos XII e XIV, com a chamada filosofia escolástica. Convém destacar que 
a Idade Média ficou marcada na história do pensamento ocidental como uma época 
de trevas, um período de retrocesso intelectual, econômico, social e cultural. Podemos 
ainda destacar como marco desse período histórico a ocorrência da peste negra (ou 
peste bubônica), que matou mais de um terço da população europeia. Além disso, 
imperavam os regimes de servidão e colonato, bem como monopólios restritivos da 
igreja no que tange à educação e à cultura (MARCONDES, 2001). 
Todavia, foi no século XX que diversos historiadores e demais cientistas 
passaram a ver a Idade Média com um olhar próprio desse período. Conforme aponta 
o medievalista Hilário Franco Junior (2001), essa postura possibilitou a elaboração de 
inúmeras técnicas e metodologias de pesquisa, que fizeram a historiografia 
medievalista dar um grande salto qualitativo. Nas próprias palavras do autor: 
 
18 
 
Sem risco de exagerar, pode-se dizer que o medievalismo se tornou uma 
espécie de carro-chefe da historiografia contemporânea, ao propor temas, 
experimentar métodos, rever conceitos, dialogar intimamente com outras 
ciências humanas. Isso não apenas deu um grande prestígio à produção 
medievalística nos meios cultos como popularizou a Idade Média diante de 
um público mais vasto e mais consciente do que o do século XIX. O que não 
significa que a imagem negativa da Idade Média tenha desaparecido. Não é 
raro encontrarmos pessoas sem conhecimento histórico ainda qualificando 
de “medieval” algo que elas reprovam (FRANCO JUNIOR, 2001, p. 14). 
Embora tenham ocorrido inúmeros avanços nas análises sobre a Idade Média, 
ainda é possível nos depararmos com visões preconceituosas e esvaziadas de 
reflexões históricas do período. Nesse sentido, podemos questionar: o que foi 
produzido em termos de filosofia e ciência nesse período? Qual a verdadeira relação 
entre igreja e formação do pensamento intelectual? O que foi produzido em termos de 
filosofia e ciência a partir da Idade Média até a Idade Contemporânea? Essas 
perguntas serão essenciais para o desenvolvimento de nossas abordagens. 
No final do período helenístico (antiguidade), pode-se afirmar que a divisão 
mais profunda da história da filosofia é marcada pelo cristianismo. O cristianismo teve 
um papel decisivo, porque modificou os pressupostos sobre os quais o homem se 
move, isto é, a situação experiencial que parte para filosofar. O homem cristão é outro; 
logo, a sua filosofia é distinta, por exemplo, da filosofia praticada pelos gregos 
(MARÍAS, 2004). Nesse sentido, desenvolveram-se na Idade Média diversas 
correntes filosóficas, muitas das quais tinham como figuras essenciais teólogos e 
padres, como Santo Tomás de Aquino e Santo Agostinho. 
Conforme aponta Danilo Marcondes (2001), os primeiros representantes da 
filosofia cristã pertencem à chamada escola neoplatônica cristã de Alexandria, na qual 
se desenvolveu uma síntese entre o platonismo e os ensinamentos cristãos. 
Destacam-se aqui Clemente de Alexandria e Orígenes. A ideia é sempre olhar para 
filósofos como Sócrates, Platão ou Aristóteles e, com olhar seletivo, adotar conceitos 
filosóficos que podem, de alguma maneira, relacionar-se com os ensinamentos 
bíblicos. O que se privilegia é o dualismo platônico entre mundo espiritual e mundo 
material. 
Santo Agostinho (354–430), bispo de Hipona, no norte da África, foi um dos 
filósofos mais importantes da sua geração. A pergunta mais crucial por ele formulada 
é como a mente humana, mutável, falível, pode atingir uma verdade eterna com 
certeza infalível? A resposta a tal pergunta é tema de sua reflexão e teoria da 
 
19 
 
iluminação divina, elaborada com base na filosofia platônica. Nesse sentido, a função 
do filósofo é despertar a virtude e o conhecimento adormecido na alma dos seres 
humanos (MARCONDES, 2001). 
Santo Agostinho é considerado o último dos pensadores antigos, uma vez que 
se situa cronológica e tematicamente no contexto da antiguidade. Ao mesmo tempo, 
no entanto, é um dos primeiros medievais, já que a sua obra — de enorme 
originalidade — influenciou fortemente os pensadores medievais. Todavia, foi apenas 
nos séculos XII–XIII que surgiu a chamada escolástica, termo utilizado para designar 
a filosofia medieval. Ela passou a representar um grupo de filósofos que aceitaram 
certas doutrinas cristãs e para os quais, por esse motivo, a filosofia não poderia 
contestar as verdades contidas nas Escrituras Sagradas. Assim, a filosofia tornou-se 
possível, no contexto medieval, devido à difusão das escolas nos mosteiros e nas 
catedrais, cujo objetivo primordial era a formação consistente do clero. Estavam 
incluídas em seus roteiros de estudos análises publicadas por padres, teólogos e 
filósofos como o próprio Santo Agostinho (MARCONDES, 2001). 
O primeiro grande pensador da escolástica foi Santo Anselmo de Catenbury, 
ou Cantuária, cuja preocupação central foi articular fé, entendimento, razão e 
revelação. Irineu Strenger (1998, p. 118) nos apresenta informações importantes 
sobre o seu pensamento: 
O mais célebre desses argumentos em favor da existência de Deus, 
argumento chamado ontológico, foi tirado da ideia que temos de um Ser 
perfeito, implicando, pois a perfeição existência, com a existência real desse 
Ser perfeito. Semelhante análise pressupõe, não obstante, como espécie de 
fato primordial, uma presença íntima de Deus na alma e um conhecimento 
vago do infinito, que é refratário à análise dialética. Suas teorias tornaram-se 
o bem coletivo da escolástica. 
Assim, conforme nos aponta Strenger (1998), o encontro com Deus na 
intimidade da mente abre caminho para a especulação de Santo Anselmo. Essa é a 
via que o pensamento medieval da época seguinte percorre. Marcondes (2001) 
enfatiza ainda que essas reflexões tiveram diferentes desdobramentos, tocando em 
conceitos considerados mais centrais na filosofia — e que estavam longe de serem 
resolvidos. 
É válido salientar que o contexto europeu dos séculos XII e XIV era bem 
diferente. Em várias regiões, como Flandres, Itália, Inglaterra, França, desenvolveu-
se uma intensa atividade comercial, e novos núcleos urbanos surgiram, em virtude 
 
20 
 
das imigrações para o campo. Pouco a pouco, o mundo fechado do feudalismo, com 
a vida marcada pelo trabalho camponês e pela pouca mobilidade social, foi deixando 
de existir, e se instaurou uma nova ordem política e econômica. Os artesãos se 
organizaram nas chamadas corporações de ofício, e os comerciantes criaram as ligas 
hanseáticas, a fim de regulamentar e proteger as suas práticas e os seus interesses 
(MARCONDES, 2001). 
Na baixa Idade Média, já entre os séculos XIII e XV, o Ocidente europeu assistiu 
a um processo de ressurgimento das cidades. A criação de eixos comerciais, 
reforçada pelo crescimento demográfico, pelo desenvolvimento de tecnologias 
agrícolas e pelo aumento na produção do campo, gerou novas condições de vida. 
Sugiram então as cidades (burgos), que se tornaram centros de produção artesanal e 
entrepostos comerciais. Também surgiram novas camadas sociais, como os 
burgueses, que procuravam estabelecer-se na política e angariar prestígio social. 
Nesse momento, uma nova forma de pensamento surgiu. O espírito humano 
deixava cada vez mais de lado as superstições eos medos, e dava lugar à curiosidade 
e à novidade. Essa foi a nova mentalidade que pautou o pensamento na idade 
moderna. Em termos de filosofia, houve um grande interesse pela obra de Aristóteles. 
Por sua preocupação científica e empírica, ele foi alvo de inúmeras leituras e do 
interesse de diversos intelectuais, que, de certo modo, abriram espaço para o 
chamado renascimento cultural e científico. 
Já o período considerado pelos historiadores como idade moderna, que 
compreende o final do século XIV até o século XVIII, é marcado pelo surgimento de 
grandes pensadores, que contribuíram muito para o desenvolvimento da filosofia e da 
ciência. 
A filosofia de René Descartes inaugurou de maneira mais sofisticada o 
pensamento moderno, juntamente com os empiristas ingleses. Desse modo, conforme 
Marcondes (2001), compreender as linhas mestras do pensamento de Descartes é 
fundamental para entender o sentido dessa mesma modernidade, da qual somos 
herdeiros até os dias de hoje. Assim, o projeto filosófico de Descartes é uma defesa 
do novo modelo de ciência inaugurado por Galilei, Copérnico e Kepler, contra a 
concepção escolástica que vigorou no final da Idade Média. Segundo Marcondes 
(2001, p. 162): 
 
21 
 
Se, como diz Descartes no início do Discurso do Método, o bom senso, isto 
é, a racionalidade, é natural ao homem, sendo compartilhada por todos, o que 
explica a possibilidade da ocorrência do erro, do engano, da falsidade? O erro 
resulta, na realidade de um mau uso da razão, de sua aplicação incorreta em 
nosso conhecimento do mundo. A finalidade do método é precisamente pôr 
a razão no bom caminho, evitando assim, o erro. 
As regras do método propostas por Descartes são inspiradas na geometria, 
mas devem ser levadas à risca. A primeira regra é a evidência (dúvida): jamais aceitar 
algo como verdadeiro sem antes analisar a sua procedência. A segunda regra é da 
análise: dividir todas as dificuldades em partes para melhor resolvê-las. A terceira 
parte é a síntese: ordenar o pensamento, começando pelos objetos mais simples e 
depois seguir para os mais complexos. A quarta regra é enumerar: fazer revisões e 
enumerações para se ter certeza e para não omitir nenhuma informação 
(MARCONDES, 2001). 
Ademais, é relevante tecer algumas considerações sobre a filosofia inglesa, 
conhecida como filosofia empirista. Os pensadores ingleses dos séculos XVI ao XVIII 
desenvolveram ideias relevantes, que influenciaram grandes transformações da 
sociedade europeia: o sensualismo, a crítica à faculdade de conhecer (que, em alguns 
casos, chega até o ceticismo), as ideias de tolerância, os princípios liberais, o espírito 
da ilustração, a religião natural, a filosofia do bom senso (common sense), a moral 
utilitária e o pragmatismo (STRENGER, 1998). 
Francis Bacon (1561–1626), nascido em Londres, estudou em Cambridge e foi 
um dos filósofos representantes dessa filosofia inglesa. Para ele, a grande renovação 
da ciência começa a partir do momento em que se consolida a liberação dos 
preconceitos que impedem as pessoas de chegarem à verdade. Desse modo, Bacon 
elaborou a seguinte categorização dos preconceitos que devem ser eliminados. 
Ídolo da tribo: as falsas noções derivadas da natureza humana fazem, por 
exemplo, que as pessoas busquem evidências que deem suporte às suas próprias 
conclusões. 
Ídolo da caverna: são interpretações surgidas de reflexões individuais, mas 
bloqueadas para visões mais amplas de mundo. Algumas pessoas, por exemplo, 
estão a favor de ideias que apoiam as suas conclusões e não observam as coisas em 
sua diversidade. Isso é uma “perturbação” do espírito humano. 
 
22 
 
Ídolo do foro/mercado: são as falsas noções surgidas a partir do uso da 
linguagem e das palavras como meio de se comunicar com o outro. As pessoas têm 
a capacidade de imaginar e nomear coisas que realmente não são. 
Ídolo do teatro: as correntes filosóficas não eram muito melhores do que as 
peças teatrais. A filosofia supersticiosa era o pior tipo de falsa noção (KLEINMAN, 
2014). 
O pensamento de Bacon assenta-se no argumento de que não há outra base 
senão a experiência, sendo a indução o único procedimento fecundo da ciência. É 
interessante destacar que, para Bacon, existe um grande desejo do ser humano de 
conhecer a natureza e o seu funcionamento; para tanto, ele deve estar em contato 
com ela. Porém, o ser humano só pode conhecer a natureza pela via empírica e 
experimental, e nunca por meio da especulação. As observações devem ser 
registradas e, por meio dessas análises, Bacon afirma ser possível chegar a verdades 
universais (GRUBBA, 2012). 
Assim, com base nesse método indutivo, deve-se sempre partir dos fatos 
concretos (a experiência), para ascender às formas gerais (a abstração), no intuito de 
descobrir as suas causas e leis (GRUBBA, 2012). É nesse sentido que a filosofia 
baconiana é considerada empirista, pois todo conhecimento, além de ter a sua origem 
na experiência concreta, só é relevante se for considerado útil para a vida prática. 
Por fim, é importante mencionar o pensamento do filósofo empirista inglês John 
Locke (1632–1704). A sua principal obra é intitulada Ensaios sobre o entendimento 
humano (1690), elaborada ao longo de 20 anos de sua carreira. Locke afirma que não 
é possível conhecer as coisas em sua essência. Em outras palavras, temos apenas 
crenças e opiniões sobre o mundo natural, e não conhecimento verdadeiro. Nesse 
sentido, esse filosofo é um cético moderado. O conhecimento demonstrativo é aquele 
derivado das nossas percepções da realidade, restringindo-as a campos do saber 
como a geometria. Além disso, para o filósofo, não há ideias inatas no ser humano; 
tudo é derivado das experiências concretas e reais (MARCONDES, 2001). Desse 
modo, o que deve estar claro a partir dessa análise é que cada época gestou a sua 
própria forma de pensar e abordar o mundo. Nenhuma forma é inferior às outras, mas 
todas elas são diferentes e muitas vezes fundamentais para o desenvolvimento de 
novos meios de compreensão da sociedade e do mundo. 
 
23 
 
 
3.2 Os avanços de Hipácia nos diversos campos da filosofia 
Na história da filosofia ocidental, poucas vezes ouvimos falar de mulheres 
filósofas. É comum dar-se ênfase a filósofos clássicos como Sócrates, Platão, 
Aristóteles, Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino, Descartes, Bacon ou Locke. 
No entanto, sabe-se muito pouco sobre a produção intelectual feminina na história. 
Você vai conhecer agora o pensamento de uma das grandes filósofas do período 
helenístico: Hipácia de Alexandria. 
 
 
 
24 
 
 
Fonte: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/mulheres-que-mudaram-a-historia-a-filosofa-hipacia-
de-alexandria/ 
Não é possível datar com exatidão o ano de seu nascimento, mas o mais aceito 
na história da filosofia é que ela nasceu em 350 e morreu em 415. Hipácia era filha de 
Téon, um importante matemático e cientista do século IV, e sempre demonstrou 
interesse pela matemática, assim como pela geometria, astronomia e filosofia. Nesse 
sentido: 
Depois de lecionar na cidade por longo período, no ano de 400 ela foi 
reconhecida como responsável pelos estudos neoplatônicos. Alunos de todos 
os cantos do mundo queriam assistir às suas aulas. Além de sua inteligência 
fulgurante, sua eloquência e rara beleza eram notáveis. Uma lenda em seu 
tempo (VRETTOS, 2005, p. 253). 
Antes de abordar as suas contribuições para a filosofia e a sua contribuição 
intelectual para a humanidade, vamos tecer algumas considerações sobre o contexto 
histórico vivenciado por Hipácia. Martinelli (2016), ao fazer a leitura da História 
Eclesiástica, de Sócrates Escolástico, mostra que a população de Alexandria era 
muito violenta, e havia muitos tumultos e conflitos. Tais conflitos podem ser atribuídos 
ao pluralismo de ideologias, uma vez que conviviam cristãos, judeus e pagãos. Vivia-
se um período de grande intolerânciareligiosa, que foi acentuada quando o Imperador 
 
25 
 
Teodósio decretou o cristianismo como religião oficial do Império Romano, a fim de 
unificar todos os povos. 
Todavia, nem sempre Alexandria foi um centro de caos e violência. Nos séculos 
II e III d.C., a cidade irradiava cultura e ciência. Esse fato é comprovado pela 
construção da biblioteca de Alexandria, que abrigava o maior acervo de conhecimento 
sobre a antiguidade (MARCONDES, 2001). 
Nessa direção, Carl Sagan (apud MATER, 2010, documento online) aponta: 
Há cerca de 2000 anos, emergiu uma civilização científica esplêndida na nossa 
história, e sua base era em Alexandria. Apesar das grandes chances de florescer, ela 
decaiu. Sua última cientista foi uma mulher, considerada pagã. Seu nome era Hipátia. 
Com uma sociedade conservadora a respeito do trabalho da mulher e do seu papel, 
com o aumento progressivo do poder da Igreja, formadora de opiniões e conservadora 
quanto às ciências, e devido a Alexandria estar sob o domínio romano, após o 
assassinato de Hipátia, em 415, essa biblioteca (de Alexandria) foi destruída. Milhares 
dos documentos dessa biblioteca foram em grande parte queimados e perdidos para 
sempre, e com ela todo o progresso científico e filosófico da época. 
Era comum nesse período que as mulheres ocupassem um lugar mais restrito 
na sociedade. Poucas delas tinham a oportunidade de se dedicarem aos estudos, e 
muitas vezes ocupavam-se com afazeres domésticos e com o cuidado dos filhos. 
Hipácia representou um diferencial desse período: além da filosofia, desenvolveu 
conhecimentos em outras áreas, sobretudo a matemática. 
Todavia, não há nenhum registro dos escritos de dessa filósofa. O que 
sabemos sobre os seus ensinamentos é decorrente dos testemunhos de seus alunos, 
com quem ela mantinha relações próximas, como Sinésio ou Damáscio. Na carta 15 
de Sinésio, ele relata sobre o astrolábio, utilizado como instrumento náutico, e o 
hidroscópio, utilizado para medir a densidade dos líquidos. Esses dois aparelhos não 
foram invenções de Hipácia; porém, pelos registros dos seus discípulos, é possível 
inferir que ela tinha profundo conhecimento sobre eles — e inclusive sabia construí-
los (MARTINELLI, 2016). No entanto, não sabemos mais sobre a atuação de Hipácia 
na matemática. 
Martinelli (2016) afirma que, por meio da Suda (enciclopédia da antiguidade), é 
possível saber que Hipácia escreveu um trabalho sobre os Cones de Apolônio e 
Aritmética Diophantus. A autora aponta que ambos os trabalhos tratam sobre álgebra 
 
26 
 
e geometria, e Hipácia estava familiarizada com as equações. Martinelli afirma ainda 
que, segundo o Suda, Hipácia escreveu um trabalho intitulado O cânone astronômico, 
além de postular que ela teria superado o seu pai na matemática. 
É conveniente acompanhar um fragmento textual sobre a sua vida e os seus 
ensinamentos: 
Havia em Alexandria uma mulher chamada Hipácia cujo pai era o filósofo 
Téon. Ele a instruíra tão bem e ela se distinguia em tantas disciplinas que 
sobrepujava de longe todos os filósofos; não somente os de seu tempo, como 
também aqueles que desde muito a haviam precedido. Foi admitida na escola 
de Platão para ser sucessora de Plotino. Tinha competência para dar a 
conhecer as ciências a todos os que o desejassem. Do mesmo modo, 
qualquer um que tivesse paixão pela filosofia achegava-se a ela, atraído não 
somente pela sua honestidade e pela seriedade que mostrava em seus 
discursos, como também porque abordava os homens com pudor e decência 
e a ninguém parecia indecente vê-la entre eles. Todos a respeitavam e 
veneravam em razão de sua notável conduta. Todos a admiravam, até que a 
Inveja armou contra ela seu braço vingador. O fato de estar frequentemente 
na companhia de Orestes, prefeito de Alexandria, inspirou contra ela uma 
intriga junto ao clero de Cirilo, bispo de Alexandria, que impediu a 
reconciliação de Cirilo com o prefeito. Foi por isto que alguns adeptos 
ardorosos de Cirilo [...] se puseram a matá-la e, no momento em que ela 
retornava de algum lugar, retiraram-na da liteira e arrastaram-na para dentro 
da igreja que traz o nome de César, onde a despiram antes de matá-la com 
cacos de telhas. Depois, após arrancar seus membros, levaram-na a um lugar 
chamado Cinaron e lá a queimaram (MÉNAGE, 2003, p. 42). 
Uma análise desses fragmentos nos remete à noção de que havia uma 
supremacia de ideias, numa relação de poder caracterizada pela violência física. Além 
disso, a morte tentava eliminar não apenas o aspecto físico, mas também o ideológico 
— a morte das ideias. Todavia, Hipácia se manteve como uma das primeiras mulheres 
além do seu tempo. Outro ponto que vale destacar é a sua bela oratória, descrita como 
doce e equilibrada. Muitos homens vinham de diversas regiões tirar dúvidas, ouvir a 
sua prática filosófica e compreender um pouco mais sobre a ciência (MÉNAGE, 2003). 
Podemos compreender, assim, que Hipácia foi uma das grandes mulheres da 
história, que desafiaram paradigmas de sua época e promoveram revoluções em suas 
áreas de estudo. Ela mostrou capacidade intelectual e domínio sobre áreas da ciência 
dominadas ideologicamente por homens. Aos poucos, porém, o universo feminino foi 
se constituindo, e novas pensadoras contribuíram de maneira decisiva para o 
conhecimento. Podemos citar como exemplos da antiguidade Aspásia de Mileto e 
Diotima de Matinéia (séc. IV a.C.), e as mais contemporâneas, como Maria Gaetana 
Agnesi (1718–1799), Sophie Germain (1776–1831), Mary Fairfax Somerville (1780–
1872), Sonya Kavaleskvy (1850–1891), Amalie Noether (1882–1935). 
 
27 
 
 
4 A MENTALIDADE MEDIEVAL 
Compreender a Idade Média a partir da produção historiográfica brasileira é 
bastante desafiador, quiçá a tentativa de elucidar a mentalidade medieval por meio de 
um breve capítulo. Contudo, faz-se necessário reconhecer que a Idade Média é um 
dos temas mais fascinantes e estimulantes para os pesquisadores. Os aspectos mais 
intrigantes que compõem os campos de investigação sobre o período estão 
diretamente conectados aos estudos sobre imaginário social, mentalidades, memória 
social, religiosidade e poder. 
Nossa posição geográfica, a barreira idiomática e a miríade de fontes sobre o 
período espalhadas pelos inúmeros centros de pesquisa do mundo dificultam a prática 
de investigações mais aprofundadas, porém a tecnologia nos instiga a navegar em 
busca de novas problematizações. Neste capítulo, você compreenderá como o 
conceito de hierofania, criado por Mircea Eliade, pesquisador da religião, se aplica ao 
período. Além disso, você examinará a influência da religiosidade do período na 
expressão das artes e na literatura, construindo um melhor entendimento sobre a 
riqueza cultural da época e reconhecendo a importância da filosofia medieval. 
 
 
28 
 
Fonte: https://ensinarhistoriajoelza.com.br/a-idade-media-contada-nas-salas-de-aula/ 
4.1 A visão hierofânica do mundo medieval 
Muitas tradições culturais deram origem à mentalidade medieval, pois, no 
processo de sua constituição, existem elementos greco-romanos, germânicos e 
judaico-cristãos (FRANCO JR., 2001). Nesse sentido, o segmento historiográfico 
conhecido como história das mentalidades, composto por renomados historiadores, 
como Aries, Mandrou, Duby, Le Goff, entre outros, nos dão subsídios para buscar 
compreender os fenômenos relacionados ao imaginário ou, mais especificamente, às 
visões de mundo. 
Entretanto, no que diz respeito à Idade Média, escassa de registros escritos, 
principalmente pela quantidade de indivíduos que não sabiam ler nem escrever, 
compreender a mentalidade da época se torna um pouco mais complexo. É preciso 
investigar, nesse caso, a instituição detentora de conhecimento na época, bem como 
estabelecer parâmetros de comparação entre as ações da instituição e a produção 
historiográfica desde então. 
Segundo Le Goff (2007), no caso da sociedade medieval,a referência lógica 
normativa estava calcada no sagrado, ou seja, em Deus. Tal fenômeno é considerado 
 
29 
 
no arcabouço teórico-metodológico da sociologia e da história das mentalidades como 
psicossocial, independentemente do período social. 
 
 
4.2 A igreja e o sagrado 
A morte estava presente desde a infância no mundo medieval — as 
expectativas de vida eram bem pessimistas, uma vez que não havia recursos 
humanos capacitados para a manutenção da saúde, bem como para o planejamento 
familiar da época. A porta-voz da esperança naturalmente se tornou a fé em Cristo, a 
fé no sagrado e, principalmente, a pós-vida no paraíso cristão, tão difundido pela Igreja 
Católica. De acordo com Franco Jr. (2001, p. 190): 
Esbarramos aqui em dificuldades terminológicas importantes. Falar em 
sagrado desperta hoje a ideia de oposição com o profano, quando na verdade 
esta palavra quer dizer mais “diante do templo” (pro fanum) do que “fora do 
templo”. Ou seja, não se trata de conceitos opostos (como pensava a 
sociologia das religiões do século XIX), e sim complementares. Falar em 
sobrenatural implica pensar na natureza de forma restrita, enquanto para os 
medievais e sua cosmologia, pela qual todas as partes do universo estão 
estreita e indissoluvelmente ligadas entre si, a natureza tinha um sentido 
muito amplo. Não havia propriamente aquilo que chamamos sobrenatural: a 
própria palavra surgiu apenas no século XIII, no contexto do desenvolvimento 
de uma nova concepção de natureza. 
 
30 
 
A população medieval era extremamente voltada para crenças supersticiosas 
criadas pela Igreja Católica, considerando todos os eventos naturais como uma 
expressão da vontade divina, como, por exemplo, o sucesso nas plantações, a saúde, 
os nascimentos, as mortes e até mesmo as vitórias ou derrotas. As escrituras 
sagradas eram o único meio para estabelecer uma relação com o sagrado, com o 
divino, para que fosse possível vencer o pecado através de uma vida condizente aos 
mandamentos da Igreja. Segundo Eliade (1992, p. 13): 
O homem toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se 
mostra como algo absolutamente diferente do profano. A fim de indicarmos o 
ato da manifestação do sagrado, propusemos o termo hierofania. Este termo 
é cômodo, pois não implica nenhuma precisão suplementar: exprime apenas 
o que está implicado no seu conteúdo etimológico, a saber, que algo de 
sagrado se nos revela. Poder-se-ia dizer que a história das religiões – desde 
as mais primitivas às mais elaboradas – é constituída por um número 
considerável de hierofanias, pelas manifestações das realidades sagradas. A 
partir da mais elementar hierofania – por exemplo, a manifestação do sagrado 
num objeto qualquer, urna pedra ou uma árvore – e até a hierofania suprema, 
que é, para um cristão, a encarnação de Deus em Jesus Cristo, não existe 
solução de continuidade. Encontramo-nos diante do mesmo ato misterioso: a 
manifestação de algo “de ordem diferente” – de uma realidade que não 
pertence ao nosso mundo – em objetos que fazem parte integrante do nosso 
mundo “natural”, “profano”. 
O sagrado, para o mundo medieval, era revelado pela Igreja Católica por meio 
da palavra e de sua aplicabilidade. O imaginário social da época se encarregava de 
construir as conexões com a realidade, pois, como lembra Le Goff (2018), a fusão de 
culturas que deram origem à sociedade medieval construiu pontes entre o sagrado e 
o profano, juntamente com o maravilhoso, o misterioso e o mágico. 
O sobrenatural se manifestava para além dos dogmas cristãos, pois estavam 
enraizadas lendas de seres, como dragões, bruxas, unicórnios, fadas, faunos, entre 
outras entidades oriundas da diversidade cultural, que compunham o tecido social do 
medievo. É preciso considerar que a transição do mundo politeísta para o mundo 
monoteísta se deu por meio de um sincretismo construído pela Igreja Católica. Com 
isso, presume-se que boa parte das crenças das culturas politeístas tenham sido a 
base para a construção das alegorias de fantasia do mundo medieval, porém, 
consequentemente, a essência do sagrado e da verdade estava devidamente 
resguardada sob a égide do Cristianismo. 
 
31 
 
4.3 A relação entre visão hierofânica medieval e o estabelecimento dos 
sacramentos cristãos 
Parafraseando a pergunta original de Eliade (1992) — “como uma sociedade 
se esforça para se manter ao máximo do tempo possível num universo sagrado?” — 
na obra O Sagrado e Profano, o autor problematiza, do ponto de vista fenomenológico, 
a questão relacionada ao sagrado e às suas dimensões. Até o momento, 
compreendemos que a mentalidade medieval foi forjada pelos dogmas do 
Cristianismo, e, a partir disso, a instituição consolidou formas de controle social e 
espiritual. Contudo, a partir das reflexões de Eliade (1992), pode-se considerar que 
uma das estratégias da Igreja Católica para manter a sociedade medieval 
constantemente em um universo sagrado foi o estabelecimento dos sacramentos. De 
acordo com Franco Jr. (2001, p. 202): 
Colocado no centro da luta entre o Bem e o Mal, com sua alma disputada por 
anjos e demônios, o homem podia contar com preciosos apoios, hierofânicos. 
Em primeiro lugar, indispensáveis para a salvação, os sacramentos* 
ministrados pela Igreja: a comunhão, por exemplo, era vista como contato 
mais mágico que espiritual com Deus, daí, ainda no século XI, camponeses 
enterrarem pedaços de hóstias consagradas para aumentar a fertilidade da 
terra. De forma geral, toda a liturgia era “aos olhos dos fiéis uma coleção de 
ritos dos quais eles esperavam tirar proveito”. Depois, os santos e as 
relíquias* também fortaleciam o homem, dando-lhe melhores condições de 
enfrentar as forças demoníacas. 
Os sacramentos da Igreja Católica foram baseados na interpretação das 
escrituras sagradas. Segundo as fontes oficiais do Vaticano, os sacramentos 
concebidos pela Igreja Católica são elos entre os cristãos com o sagrado, ou seja, por 
meio deles, na perspectiva teológica cristã, o indivíduo que professa a fé em Jesus 
Cristo se renova e se fortalece. 
Segundo Franco Jr. (2001), os sacramentos foram parte importante da 
estratégia da Igreja Católica para manifestar o sagrado efetivamente na vida secular 
da população medieval. O autor ressalta que o cotidiano medieval foi gradativamente 
sendo atingido pelos sacramentos cristãos. Por outro lado, Eliade (1992) propõe que 
a representação do sagrado possui expressão simbólica através de uma malha de 
significados. Segundo o autor, num primeiro momento, esse conjunto de significados 
não é compreendido como parte de um todo. Entretanto, quando analisamos os 
sacramentos como apoios hierofânicos e complementares ao imaginário dos cristãos, 
 
32 
 
percebemos o quanto a Igreja criou meios para a expansão da percepção dos 
fenômenos considerados sagrados, disseminando, assim, uma sensação de 
pertencimento mais sólida ao Cristianismo e, consequentemente, estabelecendo seus 
alicerces na sociedade medieval (DIONIZIO, 2020). 
 
 
4.4 A arte e o sagrado no mundo medieval 
A manifestação do sagrado esteve presente como expressão da arte, 
sobretudo na arquitetura medieval, uma vez que a Igreja entendia que, em um mundo 
sem referências físicas de centralização de poder, como, por exemplo, prédios 
públicos, era preciso consolidar espaços de vivência da fé pautados pelas escrituras 
sagradas. A partir disso, a arquitetura medieval teve destaque na construção de 
castelos, catedrais, igrejas e monastérios. Como vimos até aqui, a Igreja recorria às 
sagradas escrituras para justificar suas demandas estratégicas. Sendo assim, como 
porta voz de Deus, estabelece a simbologia dos templos como a materialização da 
doutrina cristã. 
Vocês esperavam muito, mas, eis que veio pouco. E o que vocês trouxeram 
para casa eu dissipei com um sopro. “E por que o fiz?”, pergunta o SENHOR 
dos Exércitos. “Por causa do meu templo, que ainda está destruídoenquanto 
cada um de vocês se ocupa com a sua própria casa” (AGEU, 1980, 1:9). 
 
 
33 
 
 
Fonte: https://www.meisterdrucke.pt 
A escritura acima é uma das muitas que ajudaram a caracterizar na arte 
medieval a essência da religiosidade cristã. A Igreja recorreu à arte como forma de 
educar a população iletrada, por meio de pinturas e vitrais, com a representação de 
passagens bíblicas que expressavam os dogmas cristãos. 
Segundo Strickland e Boswell (2014), a arte religiosa teve objetivos didáticos 
construídos em parceria com o corpo eclesiástico, não havendo, em muitos casos, 
obras assinadas, pois tudo pertencia ao sagrado, logo, não haveria necessidade de 
interferência do mundo secular. Nesse contexto, durante os primeiros séculos da 
Idade Média, os artistas não tiveram o devido destaque pela grandiosidade de suas 
obras, pois eram parte integrante do imaginário social “[...] fé sem obras é morta [...]” 
(SÃO TIAGO, 1980, 2: 26). 
Como a meta cristã era a salvação e o paraíso, ou seja, a vida eterna, aos 
poucos, o realismo das representações de mundo desapareceu. Comuns na 
Antiguidade Clássica, período que antecedeu a Idade Média, a representação do 
corpo nu não era mais recomendada, passando a ser condenada. As novas 
composições de corpos femininos tinham um novo olhar em termos de anatomia, 
fugindo, e muito, das representações greco-romanas. Observe, na Figura abaixo, uma 
pintura da Virgem Maria. 
 
34 
 
 
 
 
No contexto artístico medieval, o corpo foi substituído pelo espírito, pois o corpo 
do mundo greco-romano era considerado profano, e o espírito, a partir dos dogmas 
católicos, seria a conexão com o sagrado. Esse ensinamento foi incentivado pelos 
teólogos da época com o intuito de que os cristãos vislumbrassem a beleza por meio 
do divino representado nas esculturas, pinturas e vitrais das Igrejas, catedrais e 
monastérios. De acordo com Franco Jr. (2001, p. 144): 
A arte ocidental dos séculos IV-VIII realizou uma síntese de elementos de 
origens diversas. Da arte romana clássica conservou-se algo das técnicas e 
das características arquitetônicas. Da arte oriental, com a qual se manteve 
contato mesmo após as invasões germânicas, através de mercadores e 
missionários, veio certa estilização e hieratismo das formas. Da arte 
germânica, típica de povos nômades, aproveitou-se o caráter não figurativo e 
o geometrismo estilizado. Da arte céltica, através das iluminuras dos monges 
irlandeses, absorveu-se o uso de linhas abstratas, apenas ornamentais. Da 
arte cristã primitiva veio o essencial, isto é, a temática e o simbolismo. No 
todo, elementos que se completavam mais do que se negavam, tendo cada 
um deles peso variável conforme o gênero artístico (arquitetura, escultura, 
pintura, miniatura, mosaico etc.) e as condições locais (composição étnica, 
meio físico, época). 
 
35 
 
Segundo Soares (2017), a arquitetura medieval teve como foco projetos com 
estruturas mais leves, suaves e arejadas. O padrão cristão de edificação tinha um 
exterior simples, a massa e o volume da arquitetura romana cederam lugar para 
edificações que refletiam o ideal cristão: discretos no exterior, mas resplandecentes, 
com uma simbologia representada pelo uso de afrescos, mosaicos e vitrais. Com isso, 
a autora evidencia três estilos de arte medieval distintos: bizantino, romano e gótico. 
A arte bizantina geograficamente se manifesta no Mediterrâneo Oriental a partir 
de 330 d.C., momento marcado pela transferência do trono do Império Romano, por 
Constantino, para Bizâncio, que teve seu nome posteriormente alterado para 
Constantinopla. O estilo bizantino mesclou elementos da arte cristã, combinados com 
uma variedade de cores e um estilo decorativo único, com influências da cultura grega 
oriental. Conforme Soares (2017), a Igreja de Santa Sofia é a representação da 
arquitetura da época, tendo sido construída por aproximadamente 10 mil homens por 
quase 6 anos (Figura abaixo). 
 
 
 
A arte românica se apropria de elementos da cultura romana e foi desenvolvida 
entre os séculos V e IX, período historiograficamente chamado de Alta Idade Média. 
Fazem parte do estilo uma arquitetura focada em castelos, catedrais, igrejas e 
monastérios, com características específicas: poucas entradas de luz, sem muitas 
 
36 
 
janelas, robustas, com edificações horizontais, mais grossas, com abóbadas e arcos, 
como fortalezas seguras e prontas para defesa. 
Entre os séculos X e XV, a arte gótica ganha força no mundo medieval e 
apresenta características distintas de sua antecessora, a arte românica, por possuir 
mais aberturas, leveza, paredes mais finas. Há consenso entre os historiadores da 
arte de que as catedrais góticas reúnem elementos únicos de beleza e esplendor do 
mundo greco-romano combinados com o sagrado cristão. 
Alguns autores, como Strickland e Boswell (2014), chamam as catedrais 
góticas de “bíblias de pedra”, pois avançam para além dos elementos da cultura 
clássica, com uma arquitetura mais ousada e com novos elementos de engenharia 
para a época: a utilização da abóbada entre traves, sendo sustentada por estruturas 
externas, chamadas de arcobotantes (Figura abaixo). Segundo Soares (2017), essa 
nova engenharia possibilitou que as construções góticas tivessem paredes estreitas, 
com janelas maiores, cobertas por vitrais, aumentando, assim, a luminosidade no 
interior da edificação. 
 
 
 
37 
 
4.5 A literatura medieval 
Ao contrário de nossa realidade, no mundo medieval, a literatura também 
esteve a serviço da Igreja Católica como ferramenta pedagógica para o reforço do 
Cristianismo. Os autores da época eram membros do corpo eclesiástico bispos, 
padres e até mesmo papas se aventuravam nas práticas literárias. Contudo, os 
consumidores da literatura da época eram os próprios membros do clero e alguns da 
nobreza (DIONIZIO, 2020). 
Além das inspirações religiosas que faziam parte da substância essencial das 
obras, as influências da filosofia também se faziam presentes, com reflexões de 
Aristóteles e Platão, mas poucas na Alta Idade Média. O corpo eclesiástico, 
apreciadores do conhecimento das muitas dimensões da arte dos greco-romanos, 
foram os guardiões e responsáveis pela conservação de inúmeras bibliotecas e 
verdadeiras preciosidades artísticas do mundo clássico. 
Nesse período, a Igreja, por intermédio do sagrado, explícito na doutrina cristã, 
estimulou que os literatos medievais escrevessem sobre o imaginário cultural, social 
e sagrado do complexo tecido medieval. Os autores escolheram relatar em suas obras 
passagens bíblicas, produziram verdadeiras biografias romanceadas sobre a jornada 
de santos católicos e, sempre, reforçaram o sagrado por intermédio da existência de 
Deus e da vida eterna. 
Na literatura, por outro lado, à primeira vista a fronteira entre os dois polos 
culturais estava colocada no idioma utilizado, o latino na cultura clerical e o 
vernáculo na vulgar. De fato, segundo Bruce Rosenberg, a literatura medieval 
em língua vulgar está mais impregnada de elementos folclóricos do que a de 
qualquer outra época. No entanto, a questão é mais complexa. Na literatura 
latina, ao lado de uma produção nitidamente clerical (crônicas, poesias de 
cunho clássico), havia uma de espírito popular (hagiografia) e outra erudita 
mas anti eclesiástica (goliárdica). Na literatura vernácula, havia gêneros com 
forte coloração clerical (canção de gesta, ciclo do Graal) e outros 
acentuadamente laicos (lais, fabliaux). Em termos culturais, portanto, e não 
apenas linguísticos, boa parte da literatura da Idade Média Central estava na 
zona da cultura intermediária (FRANCO JR., 2001, p. 144). 
Há um consenso entre os historiadores Le Goff (2018) e Gombrich (1999) sobre 
dois aspectos importantes relacionados á Idade Média: primeiro, a falácia do termo 
renascentista “idade das trevas”, uma vez que, em quase mil anos de medievo, houve 
muitos “renascimentos”;segundo, para os autores, as camadas sociais que viveram 
entre os séculos V e X não compreendiam e tampouco identificavam-se com estilos 
 
38 
 
artísticos, seja nas artes ou na literatura, pois haviam muitas influências artístico-
culturais. Somente a partir do século XI, com um processo civilizatório mais 
consolidado, os estilos artísticos seriam mais bem compreendidos e apreciados. 
A partir do século XII, conforme o consenso de alguns autores do medievo, o 
trovadorismo provocou algumas mudanças na literatura. O amor, a aventura, contos 
épicos e sátiras começaram a ter mais espaço, mas sempre sob os auspícios da Igreja 
e muitos considerados profanos. Segundo Barros (2015, p. 216): 
O Amor Cortês encontra seus principais veículos de expressão nas cantigas 
dos trovadores, nos romances corteses, nas “cortes de amor” e, em muitos 
casos, nas próprias “vidas” dos poetas-cantores que percorriam as cortes 
feudais da Europa Medieval e que por vezes acabavam transformando a sua 
própria existência errante em uma autêntica obra de arte. O século XII 
também nos legou o famoso Tratado do Amor Cortês, de André Capelão, que 
procura refletir sobre o Amor à maneira dos tratadistas medievais, sendo esta 
também uma importante fonte para a compreensão dos novos padrões de 
sensibilidade. 
Entretanto, desse momento em diante, a literatura passa a ter outro papel no 
imaginário da época. 
4.6 Entre a fé e a razão: a filosofia medieval 
A igreja Católica, para além de tudo o que já foi dito neste capítulo, teve a 
incumbência de agir como uma entidade supranacional, dialogando e costurando 
alianças com as camadas dominantes, estabelecendo seu papel no campo cultural, 
social e político. Com isso, expandiu sua estrutura física, agregando riqueza material 
e, por conseguinte, tornando-se a proprietária de quase um terço das terras férteis do 
continente europeu, em um período em que o latifúndio significava glória, poder e 
riqueza. 
Com isso, seu plano universalista abarcou diferentes territórios, mediando 
muitas celeumas entre a fé e a razão. A partir disso, a Igreja estabeleceu, do ponto de 
vista da cultura, uma estratégia intelectual, na qual a fé cristã seria a base primordial 
de todo o conhecimento humano. Portanto, a fé fundamentava-se em um processo de 
doutrinação contínua e plena às revelações feitas por Deus aos homens, registradas 
na Bíblia, com os devidos esclarecimentos feitos pela autoridade da Igreja Católica. 
Num primeiro momento, é preciso ter em mente que a questão central do 
debate para a constituição da filosofia na Idade Média gira em torno do conflito entre 
 
39 
 
fé e razão. Trata-se de um período profundamente teocêntrico, em que os filósofos 
também eram religiosos, com uma forte bagagem teológica, e a grande preocupação 
desses homens era equilibrar a fé e a razão. Se a razão não fosse ignorada, ao 
contrário, fosse incorporada à fé cristã, a Igreja católica certamente teria mais 
seguidores. Então, era preciso que houvesse uma diferenciação e, ao mesmo tempo, 
uma conciliação no debate entre os dogmas construídos pela fé e as descobertas 
elaboradas pela razão. No entanto, segundo Franco Jr. (2001, p. 146): 
[...] o campo cultural em que melhor se expressou a tentativa de 
harmonização do passado clássico com o cristianismo foi o da Filosofia. Na 
verdade, tal pretensão não foi apenas a dos primeiros tempos medievais, mas 
de toda a Idade Média, como veremos mais adiante. Na fase que ora 
examinamos, isso transparece na corrente conhecida por Patrística. Na 
essência, ela procurava provar que a doutrina cristã não conflitava com a 
razão, demonstrando assim a falsidade do paganismo, para tanto, ela 
recorreu à filosofia grega, sobretudo ao platonismo, que se adequava melhor 
à mensagem cristã. 
Agostinho de Hipona, posteriormente, Santo Agostinho, como ficou conhecido, 
foi o primeiro filósofo e teólogo responsável pela aproximação entre a fé e a razão. 
Em sua obra, Cidade de Deus, produzida em 426 d.C., o pensador cristão refutou as 
heresias da época, tais como o Maniqueísmo (crença no dualismo bem e mal, de 
origem persa), o Donatismo (corrente contrária aos eclesiásticos com atribuições no 
Estado), o Arianismo (compreensão de Jesus humano, não divino) e o Pelagianismo 
(compreensão do homem como responsável por sua salvação). 
Agostinho foi o principal expoente da Patrística, corrente filosófica que buscou 
compreender a relação entre o corpo e a alma, entre a fé e a razão. O diferencial de 
Agostinho foi o resgate do mundo dos sentidos da Antiguidade Clássica, concebido 
pela filosofia de Platão. A partir desse mundo dos sentidos, Agostinho propôs uma 
reflexão que equilibrava o conhecimento, a razão, o pensamento e os sentidos 
humanos dentro do debate teológico da doutrina cristã. Segundo Gomes (2002, p. 
222): 
A bifurcação da escatologia cristã consumou-se com a teologia agostiniana, 
mantendo o cristianismo numa permanente tensão entre instituição e 
inspiração, entre poder e carisma. Agostinho refutou o milenarismo e a 
escatologia iminente, rejeitando a possibilidade da identificação de um reino 
visível de Cristo na terra antes do Juízo Final e falando antes de uma 
presença invisível do Reino de Deus na Igreja. Nesta escatologia que se 
tornou oficial na Cristandade medieval, o futuro prometido era reconhecido 
como já presente no culto, na proclamação da Palavra de Deus, nos 
sacramentos, na Igreja. Dava-se deste modo uma quase identificação do 
 
40 
 
Reino de Deus com a Igreja numa espécie de “êxtase” da realização no 
presente do futuro prometido. Era como que um “mito” do presente. 
Seguidor das ideias de Agostinho de Hipona, o teólogo e filósofo Anselmo de 
Cantuária, nascido como Anselmo de Aosta (cidade de Aosta, Itália), hoje conhecido 
como Santo Anselmo, tinha como lema principal a expressão: fides quaerens 
intellectum (a fé que procura entender), ou seja, ele utilizava um argumento 
ontológico, também da escola platônica, sobre “o que é isso?”. O filósofo defendia a 
ideia de que Deus era um ser perfeito, portanto, ele deveria existir por essa perfeição. 
E se Deus era perfeito, era inconcebível para a mente humana o significado de Deus. 
A Igreja traduziria quem seria e o que seria Deus. Em suas obras, o filósofo expressa 
suas preocupações sobre os debates relacionados à conciliação entre fé e razão. 
No livro Monológio, Anselmo tenta demonstrar a existência de Deus por 
intermédio da razão, sem o uso das escrituras sagradas. Em Proslógio, Anselmo 
também desenvolve uma fundamentação da fé com argumentação pautada pela 
razão. O pensador cristão, além de ser um intelectual adepto do aprimoramento 
filosófico por meio do equilíbrio entre a razão filosófica e teológica, também teve 
atuação política na sustentação e na defesa da doutrina cristã e da Igreja. 
Mas uma vez que é melhor ser sensível, omnipotente, misericordioso, 
impassível, do que não o ser, de que modo és sensível se não és um corpo?, 
ou omnipotente se não podes todas as coisas?, ou misericordioso e 
simultaneamente impassível? De facto, se só as coisas corporais são 
sensíveis, reportando-se os sentidos ao corpo e estando no corpo, de que 
modo és tu senciente, quando não és corpo, mas sumo espírito, o qual é 
melhor que o corpo? Mas, se sentir não é senão conhecer ou ao 
conhecimento – quem sente, com efeito, conhece segundo a propriedade dos 
sentidos, como por exemplo, a cor pela vista, os sabores pelo gosto – diz-se 
sem inconveniente que, sente de algum modo tudo o que conhece de algum 
modo. Assim, Senhor, se bem que não sejas corpo, és, contudo, vera e 
sumamente senciente, do modo mesmo como conheces sumamente todas 
as coisas, e não da maneira como também o animal conhece pelo sentido 
corpóreo (ANSELMO, 2008, p. 15). 
Segundo Chesterton (2015), Tomás de Aquino foi professor da Universidade 
de Paris e membro da Ordem dos Dominicanos, responsável por ampliar o projeto

Continue navegando