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SEGEN DETECÇÃO DE FRAUDES EM LICITAÇÕES E CONTRATOS PÚBLICOS ASPECTOS PROCEDIMENTAIS Todo o conteúdo do Curso Detecção de Fraudes em Licitações e Contratos Públicos: Aspectos Procedimentais, da Secretaria de Gestão e Ensino em Segurança Pública (SEGEN), Ministério da Justiça e Segurança Pública do Governo Federal - 2020, está licenciado sob a Licença Pública Creative Commons Atribuição- Não Comercial-Sem Derivações 4.0 Internacional. Para visualizar uma cópia desta licença, acesse: https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt_BR BY NC ND PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA SECRETARIA DE GESTÃO E ENSINO EM SEGURANÇA PÚBLICA Conteudista Stela Cristina Verus Assumpção Revisora Pedagógica Revisora Pedagógica UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA labSEAD Comitê Gestor Luciano Patrício Souza de Castro Financeiro Fernando Machado Wolf Consultoria Técnica EaD Giovana Schuelter Coordenação de Produção Francielli Schuelter Coordenação de AVEA Andreia Mara Fiala Design Instrucional Danrley Maurício Vieira Gabriel de Melo Cardoso Design Gráfico Aline Lima Ramalho Douglas Wilson Lisboa de Melo Maria Isabel Grullón Hernandez Sonia Trois Linguagem e Memória Cleusa Iracema Pereira Raimundo Victor Rocha Freire Silva Programação Jonas Batista Salésio Eduardo Assi Thiago Assi Audiovisual Luiz Felipe Moreira Silva Oliveira Rafael Poletto Dutra Rodrigo Humaita Witte https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt_BR Sumário APRESENTAÇÃO DO CURSO ..............................................................................6 MÓDULO 1 – TIPOLOGIA DAS FRAUDES NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS .....8 Apresentação ................................................................................................................9 Objetivos do módulo ............................................................................................................................. 9 Estrutura do módulo ............................................................................................................................. 9 Aula 1 – Projeto “Mágico” ........................................................................................10 Contextualizando... ............................................................................................................................. 10 Meios de comprovação da fraude em licitação ................................................................................ 10 Tipologia de fraudes em licitação ...................................................................................................... 16 O Projeto “Mágico” .............................................................................................................................. 17 Aula 2 – Edital Restritivo .........................................................................................47 Contextualizando... ............................................................................................................................. 47 Prática ilegal por benefícios ............................................................................................................... 47 Aula 3 – Publicidade Precária ..................................................................................79 Contextualizando... ............................................................................................................................. 79 Ocorrências como fraude ................................................................................................................... 79 Aula 4 – Julgamento Negligente, Conivente ou Deficiente .................................92 Contextualizando... ............................................................................................................................. 92 Principais ocorrências ........................................................................................................................ 92 Datas incoerentes ............................................................................................................................... 97 Proporção linear dos preços .............................................................................................................. 98 Propostas com a mesma diagramação, erros ortográficos e gramaticais ..................................................................................................................................... 100 Vínculos entre licitantes e servidores públicos ..............................................................................115 Documentos falsos: atestados, balanços, certidões .....................................................................118 Montagem pura e simples ................................................................................................................ 124 Aula 5 – Contratação Direta Indevida ................................................................. 128 Contextualizando... ........................................................................................................................... 128 Inexigibilidade ................................................................................................................................... 128 Dispensa de licitação ........................................................................................................................ 133 Emergência indevida......................................................................................................................... 145 Falsa exclusividade ........................................................................................................................... 147 Falsa singularidade ........................................................................................................................... 148 Fraude em contratação direta também sujeita à inidoneidade .....................................................149 Aula 6 – Cartelização ............................................................................................. 150 Contextualizando... ........................................................................................................................... 150 Ilícito concorrencial .......................................................................................................................... 150 Independência das instâncias no combate a cartel em Licitação Pública ............................................................................................................................... 157 Referências ............................................................................................................... 160 MÓDULO 2 – TÉCNICAS DE DETECÇÃO DE FRAUDES ..................................167 Apresentação ........................................................................................................... 168 Objetivos do módulo ......................................................................................................................... 168 Estrutura do módulo ......................................................................................................................... 168 Aula 1 – Etapas de Detecção de Fraudes ............................................................. 169 Contextualizando... ........................................................................................................................... 169 Pistas e vestígios .............................................................................................................................. 170 Etapas de detecção .......................................................................................................................... 171 Aula 2 – Exame Documental .................................................................................. 175 Contextualizando... ...........................................................................................................................175 Conceituando o exame documental ...............................................................................................175 Aula 3 – Inspeção Física ......................................................................................... 186 Contextualizando... ........................................................................................................................... 186 Caracterizando a inspeção física ....................................................................................................186 Aula 4 – Confirmação Externa, ou Circularização ........................................... 188 Contextualizando... ........................................................................................................................... 188 Conceituando confirmação externa, ou circularização ..................................................................188 Aula 5 – Indagação Oral (Entrevista) ou Escrita ................................................................................................................. 192 Contextualizando... ........................................................................................................................... 192 Caracterizando indagação oral (entrevista) e escrita ....................................................................192 Aula 6 – Cruzamento Eletrônico dos Dados ...................................................... 195 Contextualizando... ........................................................................................................................... 195 Conceituando cruzamento eletrônico dos dados ...........................................................................195 Aula 7 – Listas de Verificações ............................................................................ 199 Contextualizando... ........................................................................................................................... 199 Caracterizando listas de verificações ..............................................................................................199 Referências ............................................................................................................... 212 MÓDULO 3 – ELABORAÇÃO DOS ACHADOS E RESPONSABILIZAÇÃO ........213 Apresentação ........................................................................................................... 214 Objetivos do módulo ......................................................................................................................... 214 Estrutura do módulo ......................................................................................................................... 214 Aula 1 – Análise de Caso e Elaboração de Informação Policial ...................... 215 Contextualizando... ........................................................................................................................... 215 Analisando o caso ............................................................................................................................ 215 Aula 2 – Responsabilização de Agentes Públicos e Pessoas Jurídicas ........... 228 Contextualizando... .......................................................................................................................... 228 Responsabilização de agentes públicos .........................................................................................228 Responsabilização dos agentes públicos em fraudes de licitações .............................................230 Responsabilização de pessoas jurídicas em fraudes de licitações .............................................232 Desconsideração de personalidade jurídica ...................................................................................................................... 235 Referências ............................................................................................................... 240 Apresentação do Curso Bem-vindo (a) ao curso Detecção de Fraudes em Licitações e Contratos Públicos – Aspectos Procedimentais. As licitações e contratos públicos são regidos, entre outros princípios, pelos de legalidade, probidade, moralidade, eficiência e transparência. A correta celebração desses ajustes é essencial para a efetivação dos objetivos fundamentais da República, em prol de uma sociedade justa e solidária, do desenvolvimento nacional, da erradicação da pobreza e da marginalização, da redução das desigualdades e da promoção do bem geral. De acordo com um levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU), presente no Acórdão 2.622/2015, as licitações e contratos públicos envolvem cerca de 10 a 15% do PIB nacional, movimentando aproximadamente R$ 800 bilhões por ano. Não obstante, eles estão entre os tipos de ajuste mais celebrados no país. Contudo, a alta frequência de execução, o alto valor econômico envolvido, a presença de brechas nos documentos e a baixa capacitação técnica de agentes responsáveis e cidadãos para uma fiscalização ativa e efetiva das licitações e contratos públicos têm elevado o risco de esquemas de corrupção e fraude nesses processos. A ocorrência de fraudes nas licitações e contratos públicos avança em sentido contrário ao desenvolvimento nacional, perpetuando a desigualdade social, a pobreza, a miséria e a criminalidade. Desse modo, a oferta deste curso visa reverter essa realidade por meio da disposição de condições de ensino que promovam o desenvolvimento efetivo de competências para detectar fraudes em licitações e contratos públicos, a partir da legislação vigente, com base em técnicas e procedimentos específicos, e em respeito à probidade administrativa e à efetivação dos objetivos da nação. Desejamos-lhe um excelente estudo! Equipe do curso. Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas8 • Módulo 1 TIPOLOGIA DAS FRAUDES NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS MÓDULO 1 Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas9 • Módulo 1 Apresentação Provar que uma fraude aconteceu ou está acontecendo não é tarefa fácil, ainda mais fraudes em contratações públicas. Nesse tipo de crime, normalmente praticado às escondidas, às sombras, não vamos encontrar um recibo, uma declaração, uma autorização ou um documento por escrito atestando que os licitantes combinaram preços, lotearam o objeto da licitação ou se associaram com agentes públicos. Para comprovar a fraude, será necessário refinar e treinar a percepção para encontrar indícios ou elementos que possam levar à convicção de uma licitação simulada, fraudada, direcionada. Um dos objetivos deste curso é despertar a atenção do leitor para fatores que normalmente são ignorados, desconsiderados ou até mesmo desprezados pelos agentes que executam ou supervisionam uma licitação, mas que, na verdade, representam pistas, vestígios, incoerências, inconsistências, ou até mesmo “coincidências”, que devem ser investigados para se comprovar uma fraude. OBJETIVOS DO MÓDULO Identificar os fatores que caracterizam fraudes em processos de licitação e entender a importância do seguimento das normas por parte da Administração Pública. ESTRUTURA DO MÓDULO • Aula 1 – Projeto “Mágico”. • Aula 2 – Edital Restritivo. • Aula 3 – Publicidade Precária. • Aula 4 – Julgamento Negligente, Conivente ou Deficiente. • Aula 5 – Contratação Direta Indevida. • Aula 6 – Cartelização. Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas10 • Módulo 1 Aula 1 – Projeto “Mágico” CONTEXTUALIZANDO... A definição do objeto na licitação deve ser precisa e suficiente, como pressuposto da igualdade entre os licitantes. Porém, muitos são os casos de fraudes encontrados nos processos de contratação e licitação no Brasil. Nesse contexto, o trabalho de investigação de fraude à licitação, no processo judicial, é diferente do que é mostrado pela mídia. O trabalho dos investigadores tem o poder de provocar consequências extremamente significativas navida de cidadãos e de instituições. É pelo conhecimento dos projetos de fraudes nas contratações e licitações que iremos navegar a partir de agora. Vamos nessa! MEIOS DE COMPROVAÇÃO DA FRAUDE EM LICITAÇÃO O trabalho de um investigador que queira comprovar a ocorrência de uma fraude em uma licitação, em um processo judicial, é bem diferente do trabalho executado pela mídia. A imprensa veicula fatos sem a obrigatoriedade de apresentar provas, sendo, inclusive, amparada pelo direito ao sigilo da fonte. Na Administração Pública, por exemplo, o servidor avalia atos e fatos administrativos. Assim, ao finalizar o seu relatório, ele emite o seu parecer sobre a regularidade das situações analisadas, no caso das auditorias de conformidade, ou quanto a seus resultados, nos trabalhos de auditorias operacionais e nos trabalhos de investigação criminal. A recomendação desse tipo de análise para investigação pode apresentar alguns aspectos, os quais vemos na imagem a seguir. Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas11 • Módulo 1 Quantificar danos ao erário e exigir a sua restituição por quem lhes tenha dado causa. Alterar planos, normas e procedimentos. Modificar a estrutura organizacional auditada. Provocar a revisão de políticas. Afetar gestores e servidores, atribuindo-lhes responsabilidades pelas situações encontradas. Figura 1: Aspectos da avalição de atos e fatos administrativos na investigação. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Dessa forma, percebe-se que o trabalho do investigador tem o poder de provocar consequências extremamente significativas na vida de cidadãos e de instituições. É principalmente por isso que seu relatório deve estar embasado em elementos que permitam a qualquer usuário da informação chegar às mesmas conclusões. Além dos requisitos metodológicos que devem ser observados, isso será garantido pela correta documentação dos achados de auditoria, o que se faz pela obtenção de evidências. Com efeito, o analista governamental não só tem que expor a sua conclusão e emitir recomendações como também tem o dever de demonstrar em que ele se fundamentou. Por isso, sua atuação é pautada por dois elementos: evidências e indícios. Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas12 • Módulo 1 PROVAS Evidência Documenta o achado ou a constatação e respalda o exame técnico e a conclusão. Indícios Discordância entre a situação encontrada e um critério, ainda não devidamente investigada ou suficientemente suportada por evidências. Figura 2: Evidência e indícios. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Assim, tanto o indício quanto a evidência dão conta da discrepância entre uma situação encontrada e um critério (lei, jurisprudência, padrões, boas práticas etc.). Entretanto, o indício trata-se de uma situação que ainda não foi devidamente investigada ou suficientemente documentada. Com base nessa perspectiva, o analista pode se deparar, na tentativa de obter elementos que sustentem uma constatação ou um achado importante, com vestígios, pistas, incoerências, inconsistências, coincidências (indícios). Em geral, um indício isolado não tem força suficiente para caracterizar um achado de valor de prova. No entanto, um conjunto robusto de indícios (convergentes, acumulativos e concordantes entre si), que permita a formação de juízo de uma operação analisada a partir dos elementos de convicção que o integram, tem sido admitido no Direito Administrativo e na jurisprudência dos tribunais superiores como prova indireta. Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas13 • Módulo 1 Nos chamados crimes de licitação, que tanto corroem a Administração Pública e causam prejuízo à sociedade, na modalidade de fraude ou de frustração ao caráter competitivo, salvo confissão direta e explícita dos envolvidos, a prova indiciária é sumamente relevante, sendo suficiente para fundamentar uma responsabilização dos agentes envolvidos. Nesse mesmo sentido é o disposto no Art. 239, do Código de Processo Penal (CCP): “considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.” Dessa forma, os Órgãos de Defesa do Estado (CGU, MPF, PF) podem demonstrar a existência de fraudes em licitações, tanto utilizando provas diretas, documentos que comprovem a sua existência material, quanto utilizando provas indiretas, que resultam da interpretação ativa – inferências lógicas, análises econômicas e deduções – acerca de situações que, analisadas em conjunto, sejam capazes de comprovar o ato fraudulento, posto não haver outra explicação plausível para o caso. As provas indiretas podem ser de dois tipos: econômicas ou de comunicação. Os indícios econômicos se caracterizam pela escassez de licitantes no certame; fraca disputa; pequeno desconto em relação ao valor de referência; etc. Por sua vez, as provas indiretas de comunicação são os elementos que indicam a atuação combinada dos concorrentes e devem ser o foco dos órgãos de controle para a comprovação da existência de conluio em licitação. São indícios como: mesma Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas14 • Módulo 1 formatação, mesmos erros de ortografia, mesmos preços, mesmas datas, mesmos endereços, mesmos sócios, entre outros. Escassez de licitantes, fraca disputa, pequeno desconto em relação ao valor de referência etc. São os elementos que indicam a atuação combinada dos concorrentes e devem ser o foco para a comprovação do conluio em licitação.PROVAS INDIRETAS Econômicas De comunicação Figura 3: Provas indiretas. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Assim sendo, em relação às provas indiretas de fraudes em licitações para condenação, podemos observar que até o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que “uma sucessão de indícios e circunstâncias, coerentes e concatenadas, podem ensejar a certeza fundada que é exigida para a condenação” (Ag 1206993/RS julgado em 05/03/2013). Vejamos mais exemplos de definições nesse contexto. “A confluência de indícios robustos que apontem no sentido de ter havido fraude à licitação justifica a declaração de inidoneidade das empresas que a praticaram. A aplicação de tal sanção independe da ocorrência de dano ao erário.” (Acórdão TCU 2596/2012-Plenário). “Prova inequívoca de conluio entre licitantes é algo extremamente difícil de ser obtido, uma vez que, quando ‘acertos’ desse tipo ocorrem, não se faz, por óbvio, qualquer tipo de registro escrito. Assim, possivelmente, se o Tribunal só fosse declarar a inidoneidade de empresas a partir de ‘provas inquestionáveis’, punição se tornaria ‘letra morta’.” (Acórdão TCU 57/2003 – Plenário). “Indícios e presunções, analisados à luz do princípio do livre convencimento, quando fortes, seguros, indutivos e não contrariados por contraindícios ou por prova direta, podem autorizar o juízo de culpa do agente.” (STF, Ação Penal 481, Relator: Min. Dias Tóffoli, Tribunal Pleno, julgado em 08/09/2011). Figura 4: Exemplos de definições no contexto de provas indiretas. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas15 • Módulo 1 Assim, o descumprimento de uma norma licitatória, por exemplo, utilizando-se de meio ardiloso, evidenciando, portanto, a conduta de má-fé, configura fraude à licitação. A comprovação de tal elemento subjetivo por meio documental é praticamente impossível, de sorte que a comprovação da conduta se dá por meio de provas indiciárias, no sentido de que “indícios vários e coincidentes são prova”, conforme manifestação do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do RE 68.006-MG, que foi utilizado pelo TCU em diversas ocasiões, tais como os Acórdãos 113/1995, 220/1999, 331/2002 e 2.126/2010, todos do Plenário. Um conjunto consistente de indícios pode-se tornar evidência, no caso de fraudes em licitação, por exemplo. O Tribunal de Contas da União (TCU) admite que podem comporum “conjunto consistente de indícios” elementos como: Empresas em nome de beneficiário de programas sociais (Bolsa Família, Seguro Defeso etc.). Empresas sem funcionários na Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) ou no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) com atestado de capacidade técnico-operacional. Divergência de assinatura de uma mesma pessoa aposta em documentos distintos. Documentos de habilitação de empresas distintas emitidos em sequência (poucos minutos de diferença). Mesmo erro ortográfico e gramatical nos documentos de habilitação e proposta de preço. Mesmo padrão de formatação nos documentos apresentados por empresas diferentes. Empresas funcionando no mesmo endereço, muitas vezes sem estrutura operacional (veículos, equipamentos, pessoal, estrutura física, mobiliário etc.). Empresas que não existem no endereço indicado no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). Empresas com vínculos familiares no quadro societário. Mesmo engenheiro/responsável técnico para um mesmo grupo de empresas. Figura 5: Conjunto consistente de indícios de fraudes licitatórias, segundo o TCU. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas16 • Módulo 1 ““ “Ato não voluntário, não intencional, resultante da omissão, desconhecimento, imperícia, imprudência, desatenção ou má interpretação de fatos na elaboração de documentos, registros ou demonstrações, existe apenas a culpa”. (SANTOS; KLEBERSON, 2018). É importante ainda ressaltar que, para o TCU: [...] ‘a configuração da fraude à licitação não está associada ao seu resultado, ou seja, ao sucesso da empreitada’, acrescentando, em analogia ao Direito Penal, que ‘trata-se de ilícito de mera conduta, sendo suficiente a demonstração da combinação entre as partes, visando simular uma licitação perfeitamente lícita para, assim, conferir vantagem para si ou outrem’. (Acórdão 48/2014 – Plenário). Portanto, para que se configure a fraude, basta a prática de atos tendentes a impedir, perturbar ou fraudar quaisquer atos que compõem o procedimento licitatório, não precisando provocar resultado (em geral a contratação). E a comprovação dessa irregularidade pode ser feita por meio de um conjunto consistente de indícios. Um investigador jamais deve esquecer que, entre outras coisas, quando se fala em licitações e contratos, há erros que se diferenciam das fraudes, principalmente porque o erro ocorre involuntariamente. Quando falamos em licitações, devemos considerar que erros ocorrem com frequência. Por isso, é importante que o investigador esteja atento a todos os indícios e analise as provas com cautela. TIPOLOGIA DE FRAUDES EM LICITAÇÃO As fraudes em licitação podem assumir diversas formas, em geral, para direcionar a contratação, restringir a competição, simular o processo. O objetivo final é maximizar o lucro dos envolvidos. Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas17 • Módulo 1 Nesse contexto, as práticas fraudulentas podem variar de simples acordos verbais e pontuais, celebrados pouco antes das sessões públicas de licitação, até complexos e duradouros mecanismos de partilha de contratos e distribuição dos lucros obtidos ilicitamente. Aqui, vamos conhecer as ocorrências mais comuns já detectadas, sem pretender esgotar o assunto. O que se busca são modelos e padrões de comportamento que podem variar e congregar elementos diversos de acordo com a situação fática e as condições enfrentadas. A Secretaria de Direito Econômico considera que a fraude pode ter duas origens principais (Portaria SDE/MJ n.º 51/2009): • Ato da Administração. • Conduta de agente econômico. A legislação de licitações (Leis n.os 8.666/93, 10.520/02, 12.462/2011) busca, primordialmente, impedir o primeiro tipo, ao passo que a legislação concorrencial (Lei n.º 12.529/2011) cuida do segundo tipo. Em face do exposto, as principais categorias de fraudes em licitações envolvem projeto, edital, publicidade, julgamento, contratação direta e cartelização. Veremos cada uma em detalhes. O PROJETO “MÁGICO” Uma licitação só pode ser realizada com especificação clara do que se pretende contratar. É o que se chama de Projeto Básico, definido como o conjunto de elementos necessários e suficientes para caracterizar o objeto que possibilite a avaliação do custo e a definição dos métodos e do prazo de execução (conforme Art. 6°, inciso IX, da Lei n.º 8.666/93). Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas18 • Módulo 1 No pregão, adota-se a expressão Termo de Referência, mas o conceito é o mesmo. O Projeto Básico é o documento que propicia à Administração conhecimento pleno do objeto que se quer licitar, de forma detalhada, clara e precisa, com especificação completa, quantidade e preço. Deve proporcionar ao licitante as informações necessárias à elaboração de sua proposta. O Acórdão TCU 212/2013-Plenário considera que a inexistência de Projeto Básico completo, com nível de precisão adequado, capaz de permitir a perfeita delimitação e quantificação do objeto a ser contratado, enseja a anulação do certame licitatório. Não se licita sem caracterizar o objeto de forma adequada. O TCU frequentemente determina que se evite o detalhamento excessivo do objeto, para não direcionar a licitação ou restringir o seu caráter competitivo. Qualquer especificação ou condição que restrinja o universo de possíveis interessados deve ser justificada e tecnicamente fundamentada (Acórdão TCU 1.547/2008-Plenário). A caracterização precisa, completa e adequada do objeto é condição essencial para a do processo licitatório, segundo os artigos 14 e 40, inciso I, da Lei n.º 8.666/1993, bem como o Art. 3°, inciso II, da Lei n.º 10.520/2002. São, nesse mesmo sentido, a Súmula n.º 177 do TCU e seus Acórdãos: 157/2008, 168/2009, 926/2009, 1.746/2009, 2.927/2009 e 1.041/2010, todos do Plenário. Um aspecto importante, relacionado à definição do objeto a ser considerado, refere-se à necessidade de padronização das especificações técnicas para aquisições que são mais comuns, a exemplo de gêneros alimentícios, medicamentos, peças e Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas19 • Módulo 1 “ pneus para veículos, combustível, mobiliário, materiais de expediente, suprimentos de informática, serviços de limpeza, manutenção de veículos etc. Fazem parte da especificação do objeto, além das suas características fundamentais: Condições de fornecimento. Local prazos de entrega e frete. Condições efetivas de pagamento. Periodicidade da compra, garantia, treinamento e suporte técnico. Figura 6: Especificação do objeto licitado. Fonte: labSEAD- UFSC (2020). O conceito de padronização está inserido no processo de planejamento e racionalização administrativa para a contratação da despesa pública e está relacionado com boas práticas, localização de um trabalho, processos formais, normas ou, ainda, especificações técnicas. Padronizar quer dizer estandardizar, unificar, uniformizar, igualar, ou seja, adotar um modelo na locação de materiais e serviços que possam satisfazer as necessidades das organizações públicas. Como regra, o setor público deve utilizar padrões nos processos de aquisições públicas, conforme se depreende dos seguintes dispositivos da Lei n.º 8.666/1993: Art. 11 - As obras e serviços destinados aos mesmos fins terão projetos padronizados por tipos, categorias ou classes, exceto quando o projeto-padrão não atender às condições peculiares do local ou às exigências específicas do empreendimento. [...] Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas20 • Módulo 1 “Art. 15 - As compras, sempre que possível, deverão:I - Atender ao princípio da padronização, que imponha compatibilidade de especificações técnicas e de desempenho, observadas, quando for o caso, as condições de manutenção, assistência técnica e garantia oferecidas; II - Ser processadas através de sistema de registro de preços. (BRASIL, 1993). Outro pontode sustentação da necessidade de padronizar as aquisições para a Administração Pública é o princípio da eficiência, uma vez que a contratação por padrões favorece a constituição de atas de registros de preços para contratações conduzidas por meio de planejamentos conjuntos (Art. 3°, III, do Decreto n.º 7.892/2013), o que, por sua vez, favorece a racionalização do esforço administrativo nas contratações, além da economia de escala (Acórdão TCU 2622/2015 - Plenário). Assim, espera-se que o Projeto Básico seja antecedido de estudos técnicos, planejamento, avaliação de alternativas de soluções que possam suprir as necessidades da Administração. Uma obra, por exemplo, pode exigir serviços de sondagem, topografia do terreno, estudos preliminares que propiciem o nível de precisão adequado para elaboração do Projeto Básico. Fazer esses estudos é obrigação da entidade contratante (Acórdão TCU 2.438/2005-1° Câmara). Assim como também é obrigação fazer constar, no Projeto Básico, o registro formal da Responsabilidade Técnica nos casos que envolvem atividades profissionais regulamentadas, como Engenharia e Arquitetura (SÚMULA TCU n.º 260/2010). Esse registro é uma importante ferramenta para a garantia de que os requisitos do Projeto Básico foram elaborados por profissional habilitado, além de permitir a pronta identificação do autor, para fins de responsabilização. Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas21 • Módulo 1 A identificação de autoria é tão relevante que o TCU considera passível de condenação quem aprova Projeto Básico sem identificação do responsável técnico. Nesse mesmo julgado, o TCU considera punível quem elabora ou aprova projeto inadequado (Sumário do Acórdão 2.546/2008 - Plenário). Um Projeto Básico deficiente não apenas sujeita o responsável à penalização, mas também leva à anulação de contratos. Isso porque são nulas as licitações baseadas em projeto incompleto, defeituoso ou obsoleto (Voto do Acórdão TCU 353/2007 - Plenário). E é justamente isso que acontece nas fraudes do tipo Projeto “Mágico”. Nesse contexto, as licitações se baseiam em especificações incompreensíveis, incompletas, defeituosas, direcionadas e restritivas. Veja-se um exemplo real: “Projeto de fundação de caixa d’água de 40.000 litros”. Essa era toda a especificação numa carta-convite. Pergunta- chave: como formular uma proposta para esse objeto? A resposta é simples: simulando o processo licitatório. O importante é saber qual seria a verba disponível para pagar o serviço, não quanto custa de fato executá-lo. Outro exemplo real de Projeto “Mágico”: “Cartilha infantil com 28 páginas, mais capas, formato 20 x 26,5 cm”. Perceba que não é preciso ser especialista em serviços gráficos para identificar a insuficiência dessa especificação. Faltam elementos fundamentais para formulação da proposta: tipo do papel, gramatura, quantidade de cores, tipo da capa, tipo de encadernação. Sem isso, um fornecedor interessado não Na Prática Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas22 • Módulo 1 poderia estimar os custos, sendo impossível apresentar um preço justo. Mas esse caso aconteceu e, incrivelmente, todos os licitantes apresentaram propostas absolutamente semelhantes, inclusive, com detalhes iguais que não constavam no edital, indicando que receberam informações através de algum contato que não foi via publicidade. Assim sendo, reforça-se: a definição do objeto na licitação deve ser precisa e suficiente, como pressuposto da igualdade entre os licitantes. Para entendermos melhor, clique no link abaixo e acesse a matéria completa de uma reportagem que apresentou uma “Licitação CTRL C + CTRL V”. Prefeitura realizou pregão em 2009 para comprar jogos e brinquedos para creches. Um lote com 20 itens do edital (BANDINHA RÍTMICA: conjunto contendo 20 instrumentos musicais acondicionado em caixa de papelão) era cópia fiel do catálogo da empresa que venceu o certame. Prefeitura de João Pessoa montou licitação a partir do catálogo da emp – https://www.clickpb.com.br/paraiba/prefeitura-de- joao-pessoa-montou-licitacao-a-partir-do-catalogo-da-empresa- vencedora-101346.html. Assim, expressões genéricas e vagas, descrição confusa, imprecisa ou incompleta do objeto caracterizam grave irregularidade por contrariar os princípios fundamentais da licitação. E da mesma forma, especificações que direcionam o objeto a um produto, marca ou fornecedor, por restringirem injustificadamente o certame, também são irregularidades graves. Saiba mais Certame, concurso ou competição é toda forma de disputa com objetivo de qualificar adversários de forma objetiva, um à frente do outro, atribuindo- se ao melhor qualificado o título de vencedor ou campeão. https://www.clickpb.com.br/paraiba/prefeitura-de-joao-pessoa-montou-licitacao-a-partir-do-catalogo-da-empresa-vencedora-101346.html https://www.clickpb.com.br/paraiba/prefeitura-de-joao-pessoa-montou-licitacao-a-partir-do-catalogo-da-empresa-vencedora-101346.html https://www.clickpb.com.br/paraiba/prefeitura-de-joao-pessoa-montou-licitacao-a-partir-do-catalogo-da-empresa-vencedora-101346.html Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas23 • Módulo 1 Existe a possibilidade de referenciar uma marca ou estabelecer uma condição restritiva, mas isso só pode acontecer quando for estritamente necessário para o atendimento das necessidades da Administração, como procedimentos de padronização, sempre mediante justificativa prévia, em processo administrativo regular, no qual se comprovem os mencionados requisitos, necessidade de características e qualidade desejáveis. Numa prefeitura paulista, uma servidora e funcionários de uma empresa foram condenados por direcionarem licitações de móveis escolares. Segundo a denúncia do Ministério Público, na pesquisa de preços, a empresa enviava as cotações à Secretária de Educação. A descrição minuciosa dos produtos era, então, integralmente transcrita no edital. Com a transcrição, assegurava-se o direcionamento, garantindo-se a vitória tão somente à empresa parceira. (Revista Tribunal Regional Federal da Terceira Região, 1990). Outro exemplo mal explicado aconteceu em Ubatuba. O prefeito decretou que apenas as marcas de veículos Volkswagen, Honda e Mercedes-Benz poderiam ser compradas, a pretexto de padronização da frota, alegando facilidade na aquisição de peças, a resistência conhecida dos modelos e a experiência dos mecânicos. Esses argumentos apresentados acima não são técnicos e ainda que fossem de conhecimento popular não poderiam ser utilizados, por não se sustentarem tecnicamente ou com pesquisas de mercado sobre a vantagem econômica. Em ação de improbidade administrativa, o juiz realizou alguns questionamentos: Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas24 • Módulo 1 De onde veio essa constatação da Prefeitura? Os veículos das demais montadoras, como Fiat, Chevrolet, Ford e outras, que têm volumes de vendas e redes do mesmo porte, não são resistentes? Não têm facilidade de aquisição de peças? E os mecânicos da Prefeitura de Ubatuba só conhecem os carros da Volkswagen? Que mecânicos são esses? Figura 7: Questionamentos realizados na ação de improbidade administrativa. Fonte: labSEAD- UFSC (2020). ““ O prefeito foi condenado ao pagamento de multa civil (Apelação n.º 0002159-62.2002.8.26.0642 do TJSP). O TCU fixou entendimento, por meio da Súmula n.º 270, que “em licitações referentes a compras, inclusive de softwares, é possível a indicação de marca, desde que seja estritamente necessária para atender as exigências de padronização e que haja prévia justificação”. Ademais, o TCU tem salientado para abster-se: [...] de formular especificações que demonstrem preferência por marca, a não ser quando devidamente justificadas por critérios técnicos ou expressamente indicativa da qualidade do material a ser adquirido, hipótese em que a descrição do item deverá ser acrescidade expressões como ‘ou similar’, ‘ou equivalente ou de melhor qualidade’, devendo, nesse caso, o produto ser aceito de fato e sem restrições pela Administração, de modo a se coadunar com o disposto nos Arts. 3°, §1º, inciso I, e 15, §7°, inciso I, da Lei n.º 8.666/1993.(Acórdão 1.861/2012-Primeira Câmara, grifo nosso). Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas25 • Módulo 1 Ainda no contexto de Projeto “Mágico”, existe a proibição de vínculo entre projetista e licitante. Segundo o Art. 9 da Lei n.º 8.666/93, o autor do projeto não pode participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários. Considera- se participação indireta a existência de qualquer vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira ou trabalhista entre o autor do projeto e o licitante ou contratado. No Acórdão 1.893/2010-Plenário, o TCU entendeu que essa proibição se aplica a “qualquer vínculo”, que não precisa ser formal, mas, “tão somente, uma relação de influência entre licitante ou executor do contrato e autor do projeto”. Concordando com essa tese, Marçal Justen Filho (2005, p. 123) ensina que o dispositivo é amplo e deve reputar-se como meramente exemplificativo: Deve-se nortear a interpretação do dispositivo por um princípio fundamental: existindo vínculos entre o autor do projeto e uma empresa, que reduzam a independência daquele ou permitam uma situação privilegiada para essa, verifica-se o impedimento. Assim se poderá configurar, por exemplo, quando o cônjuge do autor do projeto detiver controle de sociedade interessada em participar da licitação. Em suma, sempre que houver possibilidade de influência sobre a conduta futura da licitante, estará presente uma espécie de “suspeição”, provocando a incidência da vedação contida no dispositivo. A questão será enfrentada segundo o princípio da moralidade. É desnecessário um elenco exaustivo por parte da lei. O risco de comprometimento da moralidade será suficiente para a aplicação da regra. Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas26 • Módulo 1 A vinculação entre o autor do projeto e o licitante é um dos casos mais comuns de fraude ao processo licitatório, em especial nas contratações de obras. O conhecimento privilegiado do projeto representa vantagem ilícita nas licitações, sobretudo por ferir o princípio da isonomia. Esse princípio também é desrespeitado quando o projetista especifica o objeto de maneira a direcioná-lo para o fornecedor ao qual está vinculado. Em função disso, não é raro encontrar licitações sem qualquer identificação do projetista. Lembre-se de que essa situação sujeita o gestor que aprova o projeto a penalidades. É imprescindível que a responsabilidade pela autoria do Projeto Básico ou do Termo de Referência fique clara, a fim de que seja possível avaliar a possível relação irregular com o licitante. A jurisprudência do Tribunal de Contas da União proíbe que o autor de projeto, pessoa física ou jurídica, participe, mesmo que indiretamente, das licitações ou contratações remanescentes da obra ou serviço cujo projeto é de sua responsabilidade (Acórdãos 3.031/2009, 597/2008, 1.015/2007, 1.477/2007, todos do Plenário). Nessa mesma linha é a jurisprudência do TCE/MT (Resolução de Consulta n.º 05/2016). Um caso emblemático de atuação fraudulenta na elaboração do projeto foi amplamente noticiado em Brasília. Em 2012, a licitação para as linhas de ônibus da capital federal foi modelada com ajuda de uma empresa de consultoria especializada. Mas essa empresa, indiretamente, também atuava defendendo interesses dos grupos de transporte interessados na disputa. Houve denúncias, uma investigação conduzida pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e ações para anular os resultados. Mais tarde, na Operação Riquixá, um esquema similar foi denunciado, envolvendo os mesmos “consultores”. Segundo as apurações, havia um “pacote-fraude” nas licitações de As partes e os procuradores devem receber o mesmo tratamento num dado processo “qualquer”. Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas27 • Módulo 1 ônibus em prefeituras do Paraná, para direcionar contratos a grupos empresariais que aderiam ao esquema. De acordo com o Ministério Público do Paraná, a fraude era articulada por advogados e uma empresa de consultoria. Esse núcleo técnico elabora projetos para as prefeituras, de forma a favorecer as viações de ônibus que integravam a fraude. Além da vinculação irregular entre quem elabora o projeto e quem participa das licitações existe o tema fracionamento, loteamento e parcelamento do objeto, também relacionado à elaboração do Projeto Básico ou do Termo de Referência. Operação Sanguessuga: fracionamento para fraudar competitividade Deflagrada em 2006 com base em auditoria da CGU, a Operação Sanguessuga desarticulou uma quadrilha que fraudava a compra de ambulâncias em todo o país. O esquema fracionava o objeto em dois convites: (1) aquisição do veículo + (2) equipamentos e transformação em ambulância, para fugir da tomada de preços. Assim, era possível evitar a publicidade dos certames e convidar apenas as empresas integrantes do grupo. O fracionamento de despesas é proibido pela Lei n.º 8.666/1993, Art. 23, § 5°. É caracterizado pela divisão da despesa para fugir da licitação ou para adotar modalidade inferior à exigida para o total da despesa. Por “total da despesa” é comum considerar apenas aquelas relativas ao exercício corrente. Porém, no caso de serviços continuados, deve-se levar em conta o período de vigência do contrato e as possíveis prorrogações para a correta definição da modalidade de licitação adequada (concorrência, tomada de preços ou convite), conforme Saiba mais Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas28 • Módulo 1 ““ entendimento previsto na Orientação Normativa AGU n° 10/2009 e no Acórdão TCE/MT 1.705/2015. Nessa linha é o entendimento do TCE/MT: A Administração Pública deve planejar as aquisições a serem realizadas no exercício, estimando o valor global das contratações de objetos idênticos ou de mesma natureza, a fim de efetuar o processo licitatório na modalidade adequada, evitando-se o fracionamento de despesas. (Súmula n.º 11/2015/TCE/MT). A elaboração de plano anual de aquisições e de um calendário integrado de compras vai ao encontro dessa recomendação. A Resolução de Consulta TCE/MT n.º 21/2011 estabelece alguns parâmetros para definição do que seriam objetos idênticos ou de mesma natureza. Vamos identificá-los na imagem a seguir. Espécies de um mesmo gênero ou que possuam similaridade de função, cujos potenciais fornecedores sejam os mesmos. A classificação orçamentária (elemento de despesas) e a identidade ou qualidade do fornecedor são insuficientes, isoladamente, para determinação da obrigatoriedade de licitar ou definição da modalidade licitatória. Figura 8: Objetos idênticos ou de mesma natureza, segundo a Resolução de Consulta TCE/MT n.º 21/2011. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). O lapso temporal entre as licitações é irrelevante para determinação da obrigatoriedade de licitar ou definição da modalidade licitatória. Para fugir de uma concorrência, por exemplo — modalidade mais propícia a maior competitividade, tanto pelo volume de recursos licitados quanto pelas regras de maior prazo e participação sem qualquer cadastro prévio — opta-se deliberadamente por fracionar as contratações, realizando várias tomadas de preços. Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas29 • Módulo 1 “ “ Em outra situação, para fugir da obrigação de licitar, fracionam- se as compras ou as contratações em pequenos montantes, para se enquadrar na hipótese de dispensa por valor. Fracionamento irregular A preterição indevida do procedimento de aquisição mais amplo, que leve em conta o valor total estimado do objeto, caracteriza fuga à modalidade licitatória adequada e fracionamento irregular da despesa(Acórdãos 1.482/2005, 568/2007, 329/2008, da 2° Câmara, 114/2008, 2.428/2008, 3.550/2008, 3.172/2007, da 1° Câmara, e 139/2007 do Plenário). Araguaína/TO: fracionamento para fugir da licitação O Ministério Público do Tocantins denunciou fraude à licitação pela contratação, sem processo licitatório, durante oito anos (2001 a 2008), de caminhão para o transporte de entulhos. Nos oito anos, a locação do veículo foi praticada por 39 vezes, de forma direta, de modo que nunca atingisse R$ 8 mil, quando seria obrigatório licitar. Não havendo prejuízo do ponto vista técnico e econômico, é obrigatório parcelar o objeto se ele for divisível, com o objetivo de ampliar a competitividade, devendo as exigências de habilitação adequar-se a essa divisibilidade (Súmula n.º 247 do TCU). Existe farta jurisprudência sobre a irregularidade do fracionamento de despesas. Como exemplo, cita-se o Acórdão TCU 3.550/2008 - Primeira Câmara, que determinou a um órgão público: Agrupe, em uma mesma licitação, os objetos de futuras contratações que sejam similares por pertencerem a uma mesma área de atuação ou de conhecimento, atentando para a possibilidade de parcelamento prevista no Art. 23, §§1° e 2°, da Lei n.º 8.666/1993. Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas30 • Módulo 1 Já o parcelamento, de acordo com a Lei n.º 8.666/1993, é obrigatório quando o objeto da contratação tiver natureza divisível, desde que não haja prejuízo para o conjunto a ser licitado. O parcelamento nada mais é que a divisão do objeto em partes menores e independentes. Cada parte, item, etapa ou parcela representa uma licitação isolada ou em separado. Sobre o assunto, é importante lembrar que o Art. 23, §1º, da Lei n.º 8.666/1993, estabelece o parcelamento como regra, razão pela qual cabe ao administrador demonstrar os motivos que o levaram a não dividir o objeto licitado. A concessão do objeto pelo preço global, quando é possível a divisão do objeto (parcelamento), impede a participação de licitantes que, embora não dispondo de capacidade para execução, fornecimento ou aquisição da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a determinados itens, levando à restrição da competitividade do certame. Nesse sentido é o Enunciado 247, da Súmula da Jurisprudência do TCU. Não parcelar um objeto pode ser uma forma de restringir um processo licitatório. Em uma prefeitura de Mato Grosso, por exemplo, uma concorrência para pavimentação de ruas e construção de casas foi realizada por preço global. Veja-se que são dois tipos de obras muito diferentes, executadas, em geral, por empresas com especialidades distintas. Não havia qualquer prejuízo técnico ou econômico em separar as duas obras, em itens dentro da mesma licitação ou em processos distintos. Licitar em conjunto apenas representaria exigências de habilitação mais restritivas, tanto em termos técnicos, de experiência prévia em ambos os tipos de obras, quanto em termos econômicos. Outros casos mais comuns envolvem a contração de obras com o fornecimento de equipamentos que poderiam ser comprados à parte como, por exemplo, aparelhos de ar condicionado, motores, escadas rolantes, elevadores, esteiras. Além disso, se parte expressiva da obra corresponde ao Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas31 • Módulo 1 fornecimento de equipamentos/materiais e não for possível o parcelamento, deve-se adotar BDI (Bonificação e Despesas Indiretas) menor para a aquisição desses materiais/ equipamentos, conforme a Súmula TCU n.º 253. O parcelamento é a regra. O agrupamento, a exceção, que deve ser muito bem justificada. Acórdão TCU 1.387/2006 Plenário (Sumário) A falta de licitação específica para a compra de equipamentos necessários à obra pública respectiva, sem o parcelamento do objeto da licitação, constitui irregularidade grave, salvo se comprovada a inviabilidade técnica ou econômica para o parcelamento. Acórdão TCU 440/2008 – Plenário O gestor deve promover estudos técnicos demonstrando a viabilidade técnica e econômica de se realizar uma licitação independente para a aquisição de equipamentos/materiais que correspondam a um percentual expressivo das obras, com o objetivo de proceder ao parcelamento do objeto; caso seja comprovada a sua inviabilidade, que aplique um BDI reduzido em relação ao percentual adotado para o empreendimento. Figura 9: Acórdão TCU 1.387/2006-Plenário (Sumário) e 440/2008. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Tanto a licitação por preço global quanto o loteamento dos itens (agrupamento em lotes), são mecanismos de potencial direcionamento de uma licitação. Como exemplo, pode se citar a Operação Saúde, deflagrada em 2011. De acordo com documentos disponíveis na internet, auditorias da CGU e escutas da PF identificaram que uma das artimanhas do esquema consistia em convencer servidores públicos responsáveis pela elaboração das especificações a agrupar os medicamentos em lotes de tal forma que a competição se tornava inviável. O mercado de medicamentos é marcado por acordos comerciais entre fabricantes e distribuidores e, nesse caso, bastaria que um dos produtos dentro do lote fosse exclusivo do licitante para quem se desejava direcionar o certame. Ninguém mais conseguiria formular proposta para aquele grupo de itens, por não ser capaz de entregar a totalidade das mercadorias previstas. Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas32 • Módulo 1 Não é o caso de se proibir genericamente o agrupamento de itens. Embora o tema seja polêmico, a linha de raciocínio mais recente do TCU tem ido no sentido de permitir o loteamento de itens homogêneos, entendendo que o excesso de contratações individuais pode impactar a eficiência e a economicidade administrativa. Essa é uma conclusão racional. É importante promover o gerenciamento adequado sobre o que comprar por itens e o que comprar por lotes, aproveitando ganhos de escala, logística, controle e os riscos de direcionamento ou de restrição ao caráter competitivo. Um julgado do TCU nessa linha é o Acórdão 5.260/2011-1C, que admite pregão por lotes, e não por itens, desde que os lotes contenham itens de mesma natureza e guardem correlação entre si. Já no Acórdão 5.301/2013-2C, o Tribunal entendeu legítimo o agrupamento de gêneros alimentícios em lotes de mesma característica, quando restar evidenciado que a licitação por itens isolados exigirá elevado número de procedimentos de contratação, onerando o trabalho da Administração Pública, sob o ponto de vista do emprego de recursos humanos e da dificuldade de controle, colocando em risco a economia de escala e a celeridade processual e comprometendo a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração. No Acórdão 539/2013 Plenário, o TCU deixou claro que em modelagens de licitação por lotes é preciso demonstrar as razões técnicas, logísticas, econômicas ou de outra natureza que tornam necessário promover o agrupamento como medida tendente a propiciar contratações mais vantajosas, comparativamente à adjudicação por item. Figura 10: Descrição e modelagens de licitações por lote. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas33 • Módulo 1 Embora a realização de licitação por lote seja lícita, o procedimento também envolve riscos. Um deles consiste na possibilidade do “jogo de planilha”, descrito na figura a seguir. Figura 11: Jogo de planilha na licitação por lotes. Fonte: labSEAD- UFSC (2020). Monta-se o lote com diversos produtos e quantidades para Ata de Registro de Preços. Licitante “parceiro” sabe que quantidades daquela ata serão realmente compradas. Esse licitante vence com menor proposta no lote, mas com preços altos para os produtos mais comprados e baixos para aqueles que estão ali apenas para figurar no registro e permitir esse jogo de planilha. Na vigência da ata, compram-se apenas os produtos que estavam com preços mais altos. O prejuízo, calculado em termos de preçosunitários de cada produto, é enorme! Nesse caso, a melhor proposta por lote não é vantajosa, pois o Registro de Preços não reflete a estimativa real de demanda dos produtos. PASSO 1 PASSO 2 PASSO 3 PASSO 4 PASSO 5 Para evitar esse tipo de irregularidade, o TCU tem orientado que, nas licitações por lotes para registro de preços, mediante adjudicação por menor preço global do lote, deve-se vedar a Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas34 • Módulo 1 O Portal de Compras do Governo Federal é um site na web que disponibiliza informações referentes às licitações e contratações promovidas pelo governo federal e permite a realização de processos eletrônicos de aquisição. possibilidade de aquisição individual de itens registrados para os quais a licitante vencedora não apresentar o menor preço (Acórdão 343/2014 - Plenário). Na mesma linha, a Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento (SEGES/MP), em atenção aos Acórdãos do TCU 2.977/ 2012, 2695 /2013, 343/2014, 757/2015, 588/2016, 2.901/2016 e 3.081/2016, todos do Plenário, publicou uma orientação no Comprasnet, em 16 de fevereiro de 2018: Segundo a SEGES/MP, em compras realizadas sob a modelagem de aquisição por preço global de grupo de itens, somente serão admitidas as seguintes hipóteses: Aquisição da totalidade dos itens de grupo, respeitadas as proporções de quantitativos definidos no certame. Aquisição de item isolado para o qual o preço unitário adjudicado ao vencedor seja o menor preço válido ofertado para o mesmo item na fase de lances. Figura 12: Modelagem de aquisição por preço global de grupo de itens. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Nessa orientação, é irregular adquirir item do grupo de forma isolada, quando o preço unitário não for o menor lance válido ofertado na disputa relativo ao item, salvo quando, justificadamente, ficar demonstrado que é inexequível ou inviável, dentro do modelo de execução do contrato, a demanda proporcional ou total de todos os itens do respectivo grupo. Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas35 • Módulo 1 “ ““ Embora essa advertência da SEGES/MP tenha o objetivo de divulgar a jurisprudência do TCU e padronizar a atuação dos órgãos do Executivo federal, é preciso cautela e ponderação quando se tratar de carona ou compra de item em ata por lote. Em 2013, no Acordão 2695/13-P.TCU consignou: A adoção de critério de adjudicação pelo menor preço global por lote em registro de preços é, em regra, incompatível com a aquisição futura por itens, tendo em vista que alguns dos itens podem ser ofertados pelo vencedor do lote a preços superiores aos propostos por outros competidores. Esse julgado recomendou, também, que fosse avaliada a criação de mecanismo no Comprasnet que impedisse registrar um item para o qual o vencedor do grupo não ofertou o menor preço. Hoje, o Comprasnet não bloqueia um item dentro do grupo, mesmo quando o preço do item é superior ao da outra proposta, pois o sistema leva em conta o menor preço do grupo, mas as disputas são realizadas item a item. Outra manifestação relevante do TCU sobre o assunto ocorreu no Acordão 5134/2014 – 2a Câmara: 11. Outro ponto que deve ser ressaltado diz respeito aos preços ofertados e comparação com o valor médio de cada item que consta do termo de referência (orçamento). A unidade instrutiva identificou que os valores dos itens 3, 8, 13, 14 e 15 da proposta vencedora são individualmente superiores às propostas apresentadas por concorrentes. 12. Em que pese ser verdadeira a afirmação, nenhum desses preços da licitante vencedora é superior ao valor médio correspondente do respectivo item, previsto no termo de referência anexo ao edital. É importante essa constatação, em conjunto com os quantitativos, porque, Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas36 • Módulo 1 “ de pronto, elimina-se a possibilidade de jogo de planilha. A existência de distorções nos preços unitários pode propiciar a prática do referido jogo. 13. A propósito, para melhor esclarecer, ocorre jogo de planilha pela cotação de altos preços para itens que o licitante sabe que serão alterados para mais, isto é, acrescidos nos quantitativos, por meio de aditivos ou adesões escolhidas, e de baixos preços para aqueles que não serão executados ou acrescidos. 14. Ainda, a própria existência do termo de referência, com valores unitários médios, limita o jogo de planilhas e atende a jurisprudência desta Corte, consolidada na Súmula/TCU 259, que aduz ser obrigação do gestor fixar critério de aceitabilidade de preços unitários. [...] 17. Ademais, a existência de itens com preços superiores aos concorrentes não é algo estranho em uma licitação por grupamento, com diversos itens em cada lote. Entendo razoável que a empresa vencedora não detenha os menores preços em todos os itens ofertados, como ocorre no presente caso. (BRASIL, 2014). Essa é uma avaliação muito ponderada. O medo do “jogo de planilha” não pode inviabilizar a modelagem racional das compras. E o risco de “jogo de planilha” pode ser mitigado com uma boa pesquisa de preços e critérios robustos de aceitabilidade de preços unitários. Nem toda carona ou compra por item em ata por grupo deve ser proibida. O que deve existir é uma boa argumentação, justificativa e motivação para a carona. Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas37 • Módulo 1 Imagine um item registrado por R$ 1.000,00, cujo melhor lance foi R$ 1.001,00. Não faz sentido deixar de comprar por causa dessa diferença. Suponha um preço de referência (a partir de uma boa pesquisa de preços) de R$ 1.200,00 e um registro por R$ 1.000,00. Também não faz sentido refugar essa compra. Imagine um item vendido por R$1.000,00, cujo menor lance foi R$10,00 no mesmo pregão. Será que R$10,00 é um preço exequível? Será que podemos considerar um lance válido? Digamos que uma empresa ofertou lances bem baixos para um item e acabou inabilitada por não apresentar condições mínimas de qualificação. Faz sentido considerar sua proposta? Veja que há diversas situações que podem influenciar a decisão sobre a viabilidade, oportunidade, conveniência, razoabilidade, economicidade, eficiência e legalidade de um item dentro de um grupo. Não é uma questão simples. Nem pode ser tratada de maneira genérica. Além das situações abordadas, a fraude na pesquisa de preços, por meio de simulação ou negligência deliberada, também pode ser classificada como Projeto “Mágico”. Para determinar se uma proposta é realmente vantajosa, a Administração precisa realizar antes uma pesquisa de preços no mercado. Há vários dispositivos legais que exigem orçamento prévio, sem o qual a licitação é considerada anulável: Lei n.º 8.666/93, Art. 15, §1°; Lei n.º 10.520/01, Art. 3°, lll; Decreto n.º 3555/00, Art. 8°, §2°, ll; etc. É a pesquisa de preços, portanto, que vai fundamentar o julgamento da licitação, definindo o preço de referência. Saiba mais Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas38 • Módulo 1 O preço de referência dá suporte ao processo orçamentário da despesa, define a modalidade de licitação – nos casos previstos na Lei n.º 8.666/93 –, fundamenta os critérios de aceitabilidade de propostas, define a economicidade da aquisição e justifica a compra no sistema de registro de preços. R$28,75 R$24,36 R$26,58 R$29,75 Figura 13: Pesquisa de preços fundamenta o preço de referência no processo licitatório. Fonte: labSEAD- UFSC (2020). “Se a pesquisa de preços for mal feita, pode representar prejuízo, já que a concorrência nem sempre é elemento suficiente para garantir um preço justo e os fornecedores estarão procurando meios de vender os seus produtos com lucros maiores”. (SANTOS, 2016). Infelizmente, criou-se uma cultura simplista em torno da pesquisa. A jurisprudência cristalizou a lógica de que “três orçamentos” validam o preço de mercado. Mas a lei não determina essa sistemática. O que alei determina é que as compras, sempre que possível, deverão “balizar-se pelos preços praticados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública” (Art. 15 da Lei n.º 8.666/93). O “sempre que possível”, nesse caso, significa “quando estiver disponível.” (SANTOS, 2016). Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas39 • Módulo 1 “ Essa é a fonte de informação mais relevante para as compras públicas. Ou seja, é o questionamento de quanto o setor público vem pagando pelo mesmo produto, em condições similares. Mas essa informação não parece ser levada em conta com frequência. É comum lermos notícias sobre enormes “economias” obtidas em pregões, calculadas como a diferença entre o preço estimado e o preço vencedor. Mas será que essa “economia” é um efeito real das disputas ou um efeito colateral de preços superestimados? Se o valor estimado para contratação (valor orçado) pela Administração Pública não for um dado muito bem coletado (ou seja, se a estimativa for irreal), a redução obtida, enquanto resultado do contraste matemático entre o valor orçado e o valor contratado não está refletindo a economia anunciada (SANTANA, 2006, p. 26). A estimativa inadequada produz uma ilusão de economia e também gera outro fenômeno comum em compras públicas: o sobrepreço. Na busca por reduzir o risco de falhas e fraudes, o TCE/MT editou a Resolução de Consulta n.º 20/2016, com o seguinte entendimento: A pesquisa de preços de referência nas aquisições públicas deve adotar amplitude e rigor metodológico proporcionais à materialidade da contratação e aos riscos envolvidos, não podendo se restringir à obtenção de três orçamentos junto a potenciais fornecedores, mas deve considerar o seguinte conjunto (cesta) de preços aceitáveis: preços praticados na Administração Pública, como fonte prioritária; consultas em portais oficiais de referencial de preços e em mídias e sítios especializados de amplo domínio público; fornecedores; catálogos de fornecedores; Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas40 • Módulo 1 “ ““ analogia com compras/contratações realizadas por corporações privadas; outras fontes idôneas, desde que devidamente detalhadas e justificadas. Nos processos de inexigibilidade e de dispensa de licitação, inclusive aqueles amparados no Art. 24, I, ll, da Lei n.º 8.666/1993, devem ser apresentadas as respectivas pesquisas de preços, nos termos do Art. 26 da Lei. Esse entendimento converge com o adotado pelo Tribunal de Contas da União, de utilizar a maior amplitude possível de fontes de referência. Esse é o conceito de “cesta de preços aceitáveis”, conforme apresentado a seguir: Fornecedores, pesquisa em catálogos de fornecedores, pesquisa em bases de sistemas de compras, avaliação de contratos recentes ou vigentes, valores adjudicados em licitações de outros órgãos públicos, valores registrados em atas de SRP e analogia com compras/ contratações realizadas por corporações privadas. (Acórdãos TCU 2.170/2007-P e 819/2009-P). O que se espera, portanto, é que a pesquisa de preços seja realizada com amplitude suficiente (Acórdão TCU 2.637/2015-P), proporcional ao risco da compra, privilegiando a diretriz emanada pelo artigo 15, da Lei de Licitações, a fim de que o balizamento seja fundamentado nos preços praticados pela Administração Pública. Nesse sentido, somente quando não for possível obter preços referenciais nos sistemas oficiais é que a pesquisa pode se limitar a cotações de fornecedores (Acórdão TCU 2.531/2011-P). Dessa forma, a utilização da maior amplitude possível de fontes de referências nos processos de licitação, dispensa ou inexigibilidade, é uma obrigação do gestor (Acórdãos 3.506/2009, 568/2008, 1.378/2008, 5.262/2008, 4.013/2008, todos da 1° Câmara, 2.809/2008, 1344/2009 e 3.667/2009, da 2° Câmara e 1.379/2007 e 837/2008 do Plenário). Pesquisas de preços simuladas são fraudes comuns em licitação. Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas41 • Módulo 1 Como exemplo, veja-se o Acórdão do TCU 1.465/2015-2C: Avaliando pregão para aquisição de materiais permanentes para uma Secretaria de Saúde, o Tribunal de Contas verificou que duas empresas, distantes do município responsável pela licitação, respectivamente, 200 km e 150 km, em sentidos opostos, participaram de coleta de preços, com documentos físicos de oferta de preços, na mesma data que a cotação foi solicitada. Uma delas foi a única a participar e a vencer o certame. O TCU identificou que a outra empresa era do ramo de coleta de lixo, bem diferente, portanto, do comércio de equipamentos hospitalares. Além disso, foram evidenciadas semelhanças entre os orçamentos, pretensamente confeccionados pelas duas empresas: mesma tabulação; mesmos títulos das colunas das tabelas; e, principalmente, mesma classificação utilizada para os itens a serem licitados (materiais e equipamentos médico-hospitalares e odontológicos; materiais permanentes diversos; materiais de refrigeração diversos; material permanente de informática), ressaltando que a Administração não utilizara essa classificação. Podemos destacar outro caso pitoresco que ocorreu em uma prefeitura de Mato Grosso em 2015, onde foi realizada uma dispensa de licitação, a qual seria julgada pelo menor preço por item, com o objetivo de comprar medicamentos, de forma emergencial, nos últimos dias do ano, no valor total de R$ 2,15 milhões. Na suposta pesquisa de preços realizada, um vereador da cidade constatou inconsistências no “orçamento” supostamente apresentado por uma das três empresas consultadas: um erro grosseiro no carimbo de uma distribuidora de medicamentos de Rondonópolis/MT. O endereço no carimbo apontava para Rondonópolis/GO. Mas essa cidade só existe em Mato Grosso. Além disso, o CEP continha um ponto de interrogação e o formato do CNPJ estava divergente do padrão. Observe a imagem a seguir. Saiba mais Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas42 • Módulo 1 Figura 14: Inconsistência no carimbo do suposto orçamento em dispensa de licitação/MT 2015. Fonte: SEGEN (2020). Na suposta proposta da outra empresa, no mesmo processo, seu nome extrapolava o limite do campo físico do “carimbo”: Figura 15: Inconsistência no carimbo do suposto orçamento em dispensa de licitação/MT 2015. Fonte: SEGEN (2020). Por fim, ambas as empresas afirmaram jamais ter apresentado os tais orçamentos. A compra foi cancelada e a denúncia protocolada nos órgãos de controle. A estimativa que considere apenas cotação de preços junto a fornecedores pode apresentar preços superestimados, uma vez que as empresas não têm interesse em revelar, nessa fase, o real valor a que estão dispostas a realizar o negócio. Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas43 • Módulo 1 Os fornecedores têm conhecimento de que o valor informado será usado para a definição do preço máximo que o órgão será capaz de pagar, e os valores obtidos nessas consultas tendem a ser superestimados (Acórdão TCU 299/2011 – Plenário). Nesse sentido, veja, na imagem abaixo, o que se deve observar em preços de referências: Identificação do servidor responsável pela cotação. (Ac TCU 909/2007 - 1C). Empresas pesquisadas devem ser do ramo pertinente. (Ac TCU 1.782/2010-P). Indicação fundamentada e detalhada das referências. (Ac. TCU 1.330/2008 P). Data e local de expedição. (Ac. TCU 3.889/2009 – 1C). Caracterização completa das fontes consultadas. (Ac. TCU 3.889/2009 – 1C). Empresas pesquisadas não podem ser vinculadas entre si. (Ac TCU 4.561/10-1C). Metodologia utilizada e conclusões obtidas. (NT AGU/PGF/UFSC 376/2013). Figura 16: Aspectos que devem ser observados em preços de referências. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Todas essas informações devem constar do processo da pesquisa. Em especial, as memórias de cálculo e as fontes de consultas pesquisadas (Acórdão TCU 1.097/2007-P). Por fim, resta ainda abordar a estimativade quantidades na elaboração do Projeto Básico ou Termo de Referência, a relação entre a demanda prevista e a quantidade de bens e serviços que serão contratados, bem como os critérios utilizados para essa mensuração, documentação comprobatória, fotografias, entre outros. O TCU, no Acórdão TCU 669/2008 – Plenário, recomendou às entidades da Administração Pública que: Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas44 • Módulo 1 ““[...] façam constar no Projeto Básico dos processos licitatórios justificativa detalhada da necessidade dos bens e serviços a serem adquiridos, como demonstrativo de resultados a serem alcançados em termos de economicidade e de melhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis, de acordo com o previsto no Art. 2°, inciso III, do Decreto n.º 2.271/1997. Independentemente do bem a ser adquirido ou da natureza do serviço a ser prestado, a entidade deve justificar como estimou a quantidade a ser contratada, baseada em dados empíricos objetivamente comprovados. Podem ser utilizados relatórios estatísticos de consumo médio, mapas de acompanhamentos, memória de cálculo, histórico de consumo, demandas reprimidas, expectativas de alteração na demanda futura, estoque atual, referência técnica etc. Dessa forma, é recomendado que a equipe de planejamento da contratação defina um método para estimar as quantidades necessárias e documente a aplicação do método no processo de contratação. Uma fraude que pode ocorrer na elaboração do Projeto Básico/ Termo de Referência consiste na estimativa de quantidades muito superiores às reais necessidades dos quantitativos de cada item a ser adquirido pela entidade, contrariando o Art. 15, §7°, inciso Il, da Lei n.º 8.666/1993, os artigos 5° e 6°, do Decreto n.° 7.892/2013, bem como a jurisprudência do TCU, a exemplo do Acórdão 694/2014-Plenário. A respeito da superestimativa de quantitativos no âmbito de processos licitatórios, em razão da sua importância e particular clareza sobre o tema, apresentamos a seguir trecho do voto condutor do Acórdão 331/2009 - TCU - Plenário: Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas45 • Módulo 1 ““Inadmissível que a própria Administração reconheça como legítima a superestimativa de quantitativos de serviços como forma de margem de segurança para eventuais distorções. Assiste total razão à Secob nesse ponto. Em hipótese alguma a insuficiência do projeto básico justifica a adoção de ato incompatível com os princípios da legalidade – por absoluta falta de amparo na Lei de Licitações – e da eficiência, ensejador de expedição de determinação ao Órgão para que proceda a sua anulação, sem prejuízo da aplicação de multa aos responsáveis que lhe deram causa (grifos nossos). Conforme o item 9.3.4, do Acórdão 694/2014 - Plenário do TCU, a definição das unidades e das quantidades a serem adquiridas deve ser efetivada em função do consumo e da utilização prováveis, cuja estimativa deve ser obtida, sempre que possível, mediante adequadas técnicas quantitativas de estimação, nos termos do Art. 15, §7°, inciso II, da Lei n.º 8.666/1993. Ao superestimar quantitativos no âmbito do sistema de registro de preços, por exemplo, o gestor não observa os princípios da boa-fé e da confiança, uma vez que induz a empresa fornecedora à falsa expectativa de contratação e, ainda, pode frustrar a competitividade do certame, ao inibir a participação de fornecedores capazes de oferecer quantitativos menores do bem a ser adquirido. A falta de transparência quanto ao regime efetivo das futuras compras também pode contribuir fortemente para afastar interessados. Imagine participar de um certame para registrar 100.000 cadeiras a serem potencialmente fornecidas ao longo de 12 meses, sem ter qualquer segurança se, de fato, alguma unidade será requisitada, ou se todas as unidades podem ser solicitadas de uma vez. Não há como se preparar para “fornecimentos-surpresa” como esses. Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas46 • Módulo 1 É urgente o aperfeiçoamento dos mecanismos de planejamento, transparência e programação de compras dos órgãos públicos, como forma de ampliar a competitividade e a relação de confiança com o mercado fornecedor. As quantidades anabolizadas também podem causar prejuízo por levar a compras inúteis. Um caso investigado em Mato Grosso ocorreu na Secretaria Estadual de Saúde, onde cinco servidores teriam provocado a aquisição de 5 mil unidades de um medicamento cujo consumo não chegava a mil. De acordo com a portaria que instaurou o Processo Administrativo Disciplinar, foi desconsiderada a demanda histórica do medicamento e a superestimativa causou danos de quase R$ 500 mil. Outro caso que merece destaque aconteceu na pacata cidade de Bom Jardim, no Maranhão. O município ficou conhecido por sua “prefeita ostentação”, que aparecia em redes sociais ostentando roupas caras e carros de luxo. Ela foi condenada por fraude num pregão presencial para fornecimento de serviços funerários. A contratação envolvia 220 urnas funerárias populares, 25 tipos “luxos” e 20 tipos “super luxo”. Para o juiz, esses objetos estavam muito acima do necessário para uma cidade do porte populacional como Bom Jardim/MA, e com valores elevadíssimos. A divisão dos caixões em categorias, de acordo com a classe econômica de cada beneficiado, feria também o princípio da isonomia e da moralidade administrativa. (Processo n.º 1037-88.2017.8.10.0074 do TJ/MA). Assim sendo, chegamos ao fim de nossa primeira aula. Sigamos agora para a Aula 2, na qual trataremos do edital restritivo. Saiba mais Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas47 • Módulo 1 Aula 2 – Edital Restritivo CONTEXTUALIZANDO... A existência de efetiva concorrência é condição fundamental para que as licitações resultem em contratações eficientes, garantindo assim o uso racional dos recursos públicos e permitindo que a ação governamental possa ter máxima eficácia com o montante de recursos disponíveis. Para isso, em regra, não devem ser impostas restrições nos editais, todavia há casos em que existe a garantia de proposta como um instrumento de controle de interessados no processo licitatório, que são os editais restritivos, sobretudo de concorrência, que exigem a “garantia de proposta” ou a “garantia de participação” recolhida com antecedência em relação à abertura do certame. Assim, vamos estudar detalhes do edital restritivo no processo licitatório. PRÁTICA ILEGAL POR BENEFÍCIOS A regra é clara! É proibido aos agentes públicos admitir, prever, incluir ou tolerar cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o caráter competitivo da licitação. (Art. 3, §1° da Lei 8.666/1993). A existência de efetiva concorrência é condição fundamental para que as licitações resultem em contratações eficientes, pois é pela concorrência que é permitido o uso racional dos recursos públicos e a máxima eficácia da ação governamental no montante de recursos disponíveis. Dessa forma, a inclusão de cláusulas restritivas nos editais de licitações compromete a efetiva competição entre os licitantes, por meio de direcionamento indevido do processo a determinado fornecedor. Tipologia das Fraudes nas Contratações Públicas48 • Módulo 1 O direcionamento de licitações públicas é um dos mecanismos mais comuns para devolver “favores” acertados durante a campanha eleitoral, bem como para canalizar recursos para os agentes fraudadores. Observe a imagem a seguir. O gestor mal-intencionado dirige as licitações a determinados fornecedores. O edital é criado por meio da especificação de condições impeditivas da livre concorrência, incluindo exigências que os demais fornecedores em potencial não têm condições de atender. Fornecedor favorecido por agente fraudador vence o processo de licitação. Figura 17: Processo de criação de edital restritivo. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Como podemos identificar, essa prática
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