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1 CÍRCULO DE BAKHTIN B r u n o B a s i l i o C a r d o s o d e L i m a W A L L A C E D A N T A S ( o rgan i z ador e s ) R E L A T O S , E X P E R I Ê N C I A S E R E L A Ç Õ E S D I A L Ó G I C A S P E S S O A I S C O M O C Í R C U L O . 2 3 Bruno Basilio Cardoso de Lima Wallace Dantas (Organizadores) CÍRCULO DE BAKHTIN relatos, experiências e relações dialógicas pessoais com o círculo 4 Copyright © dos autores Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida, transmitida ou arquivada, desde que sejam levados em conta os direitos dos autores. Círculo de Bakhtin: relatos, experiências e relações dialógicas pessoais com o círculo / organizadores, Bruno Basilio Cardoso de Lima, Wallace Dantas - São Paulo: Mentes Abertas, 2021. 184 p. : ii. ISBN: 978-65-87069-55-5 DOI: http://www.doi.org/10.47180/978-65-87069-55-5 1. Círculo de Bakhtin. 2. Relatos. 3. Experiências. 4. Dialogia. I. Título. II Lima, Bruno Basílio Cardoso de. III. Dantas, Wallace. CDD 370 Capa: Ivo Di Camargo Junior Diagramação: Déborah Letícia Ferreira de Sousa A Mentes Abertas é associada ABEC. 5 SUMÁRIO PREFÁCIO 11 MIKHAIL BAKHTIN: Um pensador fundamental ao campo das Ciências Humanas Alcione Gomes de Almeida 13 EM BUSCA DE COMPLETUDE, ENCONTREI INACABAMENTO: um professor de línguas e a teoria dialógica Andre Cordeiro dos Santos 19 BAKHTIN: Um encontro pessoal com uma teoria das vozes Francisco Leilson da Silva 25 O MUNDO SOB A ÉGIDE DA SUÁSTICA: relato de uma pesquisa investigativa acerca de partidos, organizações e facções supremacistas brancas e (neo)nazistas Marcos Alexandre Fernandes Rodrigues 31 MEMÓRIA DE FUTURO EM BAKHTIN E A COMPREENSÃO DAS HISTÓRIAS DE VIDA Michell Pedruzzi Mendes Araújo 37 MEUS OBJETOS DE PESQUISA E O CÍRCULO Renata Cristina Alves 45 BAKHTIN E O CÍRCULO: algumas palavras Ida Maria Marins 49 6 A BIBLIOTECA ESCOLAR INFANTIL AOS OLHOS DO CÍRCULO DE BAKHTIN Marina Moreira 55 BAKHTIN VAI AO CINEMA Maria Carolina Silva de Oliveira 61 BAKHTIN E O TEXTO EM SEU STATUS NASCENDI: uma história de dialogia em registro Márcia Helena de Melo Pereira 65 O CÍRCULO DE BAKHTIN: reflexões e usos na análise do discurso da imprensa Thomas Dreux Miranda Fernandes 71 ESCOLHER UMA PALAVRA É TOMAR UMA POSIÇÃO Luiz Bosco Sardinha Machado Júnior 81 A VIDA DA PALAVRA Magno Santos Batista 87 ALTERIDADE E EMPATIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: reflexões para se pensar as relações entre crianças, famílias, professores e formação docente Waleska Maria Costa Betini 91 PRÁTICA: caminhos assertivos em Bakhtin Adriano Julio Nogueira 97 7 ELO DAS TEORIAS BAKHTINIANAS EMBASADAS NA PRÁTICA DOCENTE Adriana Randi Silva 101 BAKHTIN DENTRO DA EDUCAÇÃO FÍSICA Bruno Basilio Cardoso de Lima 107 EXPERIÊNCIA E REFLEXÕES DO PAPEL DO CÍRCULO DE BAKHTIN NA FORMAÇÃO CONTINUADA Joice Castilho Silva Rivera 111 IDEOLOGIA LINGUÍSTICA BAKHTINIANA NO DISCURSO DE INTÉRPRETES DE LIBRAS: tem professor que não tá nem aí Gabriela Serenini Prado Santos Salgado 117 AS CONTRIBUIÇÕES CULTURAIS E LINGUÍSTICAS DE MIKHAIL BAKHTIN Renata Meury Rodrigues Ferrei 123 O FAZER DOCENTE FRENTE AO AUTISMO A PARTIR DA PERSPECTIVA BAKHTINIANA Thacio Azevedo Ladeira 129 UMA JANELA E MÚLTIPLOS MUNDOS PARA O CARNAVAL Marcelo Fecunde de Faria 135 8 A PALAVRA IDEOLÓGICA É O MEU DOMÍNIO SOBRE O MUNDO Wallace Dantas 141 CONTRIBUIÇÕES DE NOÇÕES DOS GÊNEROS DISCURSIVOS NAS PRÁTICAS DE ENSINO Wesley Pinto Hoffmann Betiza Gonçalves Scortegagna 145 BAKHTIN, GÊNEROS DO DISCUSO E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS Ícaro Luís Fracarolli Vila 151 ALTERIDADE E DIALOGISMO EM BAKHTIN E A COMPREENSÃO RESPONSIVA EM ESTUDOS DE CASO CLÁSSICOS Dirlan de Oliveira Machado Bravo Michell Pedruzzi Mendes de Araújo 157 A TEORIA DE BAKHTIN COMO GUIA PARA AUTOCONSTRUÇÃO DO AUTOR-ESCRITOR Andreiza Aparecida dos Santos Rodrigues 161 UM NOVO OLHAR SOB A TEORIA BAKTHIANA Fabiana Feliciano Zamariolo 169 9 APRENDIZAGEM CRÍTICO-REFLEXIVA NO ENSINO DE LÍNGUAS EM UMA PERSPECTIVA BAKHTINIANA Lucília Teodora Villela de Leitgeb Lourenço 173 CÍRCULO DE BAKHTIN: UM ADVENTO! Ivo Di Camargo Jr. Everton William de Lima Silva Fábio Marques de Souza 181 UM POSFÁCIO OU “PALAVRAS QUE SE CONSTROEM NO TEMPO” 185 10 11 Este livro se propõe a descrever os relatos de alunos e profes- sores de diferentes cursos e formações, envolvidos no grupo de pesquisa “O Círculo de Bakhtin”, revelando histórias, valores e significados a partir de experiências vividas com o filósofo russo Mikhail Bakhtin. Não se pretende fazer nenhum artigo científico ou análise narrativa, embora o material reunido nessas páginas pode ser usado desta forma. Porém, ao constituir-se como um caminho de experiências, valores e reflexões de um processo de formação filosófica e quanto esses conhecimentos nos formaram enquanto seres. Numa época em que tanto se precisa de alterida- de e humanização, torna-se fundamental conhecer estas histórias que vão bem além dos muros da Universidade e escalam a vida de pessoas reais, com sujeitos com os quais a produção de conhe- cimento por Bakhtin pode ser concretizada. Bruno Basilio Cardoso de Lima PREFÁCIO 12 13 MIKHAIL BAKHTIN: Um pensador fundamental ao campo das Ciências Humanas Alcione Gomes de Almeida1 Quando ingressei no curso de doutorado, em 2019, mais especificamente na ocasião em que havia chegado o momento de repensar meu projeto de pesquisa, tive a feliz ideia de embasar a minha escritura também em teses formuladas pelo notório filósofo da linguagem, de origem russa, Mikhail Mikhailovitch Bakhtin, preocupando-me, ademais, com as atividades desenvolvidas pelo Círculo de estudos do mesmo autor. Foi como obter um potente farol, onde antes comandava a insegurança, e que, mal sabia eu, pouco me permitia ver. Compartilho, assim, neste breve texto, alguns fundamentos que são considerados pilares no desenvolvimento do pensamento bakhtiniano, e, que têm contribuído sobremaneira com o desenvolvimento de pesquisas no campo das ciências humanas em variadas regiões do país. Considero de grande importância resgatar algumas considerações pontuais de Fiorin (2008, p. 11), que, desde o início da obra, explicita uma visão positiva e intensa a respeito da figura e das escrituras de Bakhtin. Trata-se de um 1 Doutoranda em Performances Culturais na Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Brasil. E-mail: alcionegomes3@gmail.com 14 autor que sustenta uma obra “fascinante, inovadora, rica, mas ao mesmo tempo, complexa e difícil. Várias razões tornam sua leitura árdua e trabalhosa”. O estilo da escrita de Bakhtin revela um autor compromissado com a tradição do pensamento filosófico que analisa os fenômenos, observa e pensa a realidade do ponto de vista da “diversidade, heterogeneidade, vir a ser, inacabamento, dialogismo” (FIORIN, 2008, p. 11). Conforme mencionei, os estudos de Bakhtin são essenciais ao desenvolvimento de minha pesquisa em nível de pós-graduação. De acordo com as ideias do estudioso, destaco as seguintes premissas: a língua materializa-se no discurso como um fenômeno sociocultural, histórico e ideológico, sendo que toda interação verbal tem caráter dialógico e, portanto, só tem existência em relação a outros discursos. Por conseguinte, a linguagem teatral e cinematográfica a ser abordada em minha tese, que pode ser verbal e não verbal, será tratada dialogicamente, observando-se elementos vários que corroboram com a apreensão de significados de diferentes discursos, uma vez que o conceito de dialogismo age em diferentes níveis e de forma interdisciplinar –, podendo abarcar elementos culturais, imagéticos, sociais, históricos. Outro conceito proposto por Bakhtin, definido como “reação responsiva”, está relacionado à intervenção crítica do público receptor da obra, que, por sua vez, se constitui de diversas formas 15para atrair de maneira didática a apreciação do(s) “outro(s)” e assim exercer: “influência educativa [sobre os leitores], sobre suas convicções, respostas críticas, influência sobre seguidores e continuadores” (BAKHTIN 2011, [1992] p. 279). Em conformidade com Bakhtin, a linguagem ou enunciação é fundamentalmente dialógica – o enunciado dirige-se a alguém –, é dependente de contexto, e tecida em uma dimensão interativa, social, histórica e cultural que jamais se rompe. Cada locutor produz o seu discurso dentro de um contexto sócio-ideológico, a partir de seu entorno e perspectiva social, pois o direciona a um público social definido. O conceito de dialogismo surgiu no meio literário, podendo ser aplicado a outras mídias, tal qual o cinema, visto que, nessa arte, também aparecem diversas vozes e performances que interpelam ao público – é a resposta desse público que constrói o significado. Nesse contexto, empreender uma análise sobre a ação de enunciação corresponde às linguagens tanto verbal quanto não verbal de uma dada situação. Aplicado ao contexto da obra cinematográfica, é possível pensar o conceito de dialogismo como “multidimensional e interdisciplinar”. Ao ser empregado para a análise de obras cinematográficas, apresenta diversas possibilidades de abordagem, quais sejam, entre as próprias imagens, ou 16 em relação a sons, luz e sombra; em relação ao texto dos personagens, aos cenários, à encenação dos atores, bem como a composição das sequências e das tomadas de um filme (ABDALA JR., LAGE, 2013, p. 6). Diante do exposto, é primário, em meus estudos, considerar a premissa bakhtiniana de que, todo indivíduo experimenta tanto o nascimento biológico quanto o nascimento social. Só é possível pensar a singularidade em sintonia com o coletivo, “[o] eu depende das relações com os outros, mas não é entendido como paciente do agir dessas relações, mas como um agente que é por elas influenciado, mas também as altera, as ressignifica, dá-lhes feição” (BRAIT, 2005, p. 148). Meu corpus de análise inclui, principalmente, o estudo de obras literárias do dramaturgo Plínio Marcos e filmes adaptados dessas fontes em diferentes décadas, cada qual com suas particularidades e abordagens distintas. No decorrer das reflexões a serem tecidas ao longo da tese, considerarei que: [A]s palavras funcionam como agente e memória social; as palavras são tecidas por uma multidão de fios ideológicos, contraditórios entre si, pois frequentaram e se constituíram em todos os campos das relações e dos conflitos sociais. [...] 17 O signo verbal não pode ter um único sentido, mas possui acentos ideológicos que seguem tendências diferentes, pois nunca consegue eliminar totalmente outras correntes ideológicas de dentro de si. (BRAIT, 2005, p. 172). Para concluir, em consonância com as perspectivas expostas, é interessante apontar, ademais, que ao “tratamento reificante do homem contrapõe-se o dialogismo, procedimento que constrói a imagem do homem num processo de comunicação interativa, no qual eu me vejo e me reconheço através do outro, na imagem que o outro faz de mim” (BRAIT, 2005, p. 194). Em qualquer investigação, o propósito do investigador, não é o de conhecer a si mesmo, isto é, tomar conhecimento de seu próprio eu com toda a sua complexidade, a ideia, é conhecer o “outro”, o “estranho”, o que ainda não é totalmente conhecido, mas que, sabidamente, na perspectiva bakhtiniana, trata-se do “eu” estranho. 18 REFERÊNCIAS ABDALA JR, Roberto; LAGE, Micheline Madureira. História & Cinema: Performances e Diálogos Audiovisuais. KARPA: Journal of Theatricalities & Visual Culture, n. 6, 2013. Disponível em: http://web.calstatela.edu/misc/karpa/KARPA6.1/Site%20Folder/ abdala1.html. Acesso em: 20 set. 2019. BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. BRAIT, Beth (org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005. FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2008. 19 EM BUSCA DE COMPLETUDE, ENCONTREI INACABA- MENTO: um professor de línguas e a teoria dialógica Andre Cordeiro dos Santos1 Aos dezoito anos, ingressei na Universidade Federal Rural de Pernambuco, na Unidade acadêmica de Garanhuns, no curso de Letras português-inglês e suas respectivas literaturas. Desde o início do curso, dado o fato de eu ser de origem humilde e ter tido poucas oportunidades até ali, tentei me esforçar o máximo que pude para aprender o máximo possível e, devido a esse esforço, fui convidado, no primeiro ano de curso, por uma professora da instituição, Aliete Rosa, para ser seu bolsista de iniciação à docência. Até esse momento, eu nada sabia a respeito da teoria do chamado Círculo de Bakhtin. Sendo bolsista de iniciação à docência, a professora Aliete Rosa me apresentou ao mundo da pesquisa, pois todo o processo de atuação como bolsista se deu a partir de muito estudo e discussão em grupo, com os demais bolsistas, sobre teorias que nos ajudariam a pensar as nossas práticas de ensino e aprendizagem. Esse estudo e essas discussões me levaram a começar uma relação – que vem crescendo desde então – com a teoria dialógica. Essa 1 Professor de língua inglesa do Instituto Federal de Alagoas, Campus Piranhas. Estrela de Alagoas – Ala- goas, Brasil. E-mail: andre.cordeiro@ifal.edu.br. 20 relação se iniciou com o estudo do texto sobre os gêneros do discurso – Bakhtin (2016), na versão mais recente – e, partindo desse texto, comecei meus primeiros passos de investigação científica com reflexões sobre as práticas de ensino de língua por mim executadas no âmbito do programa de iniciação à docência. Com base nessas primeiras investigações, que deram origem a trabalhos científicos apresentados em formato de painéis e comunicações orais em alguns eventos, comecei a atentar de forma mais específica aos modos como os alunos tomavam os discursos de outrem para a composição de seus enunciados – o que evidenciava o plurilinguísmo de que fala Bakhtin (2015). Naquele momento, considerando as reflexões que vinha fazendo sobre as práticas de ensino e aprendizagem de iniciação à docência, confesso que carregava ainda em mim a crença de que, quanto mais eu aprendesse sobre a teoria dialógica de linguagem, mais preparado e acabado como professor eu estaria. Com esse intuito, adentrei o universo da concepção dialógica de linguagem e, como trabalho de conclusão de curso, analisei as relações dialógicas que se estabeleciam entre leitores em jornais (SANTOS, 2013), suporte usado como meio ao trabalho docente com alunos do projeto de iniciação à docência. Finalizada essa primeira etapa da minha formação e estabelecidas as primeiras relações com a teoria dialógica, 21 ingressei, para mais uma etapa, no curso de pós-graduação na Universidade Federal de Pernambuco, para realizar meu curso de mestrado em Linguística, com área de concentração na Teoria Dialógica dos Discursos. Durante o mestrado, dei um mergulho profundo nos textos do Círculo de Bakhtin, lendo todos os escritos do Círculo em circulação na época, em português. Esse mergulho me permitiu ter uma visão mais ampla e acurada da teoria dialógica, por meio do estudo dos modos de apropriação do discurso de outrem na composição de enunciados jornalísticos e seus consequentes efeitos ideológicos de sentido, sob a orientação da professora Siane Rodrigues (SANTOS, 2016). O aprofundamento na Teoria Dialógica, apesar de propiciar um bom conhecimento da teoria, fez-me perceber que eu ainda não me sentia um professor pronto e acabado para o enfrentamento das situações de ensino e aprendizagem encontradas nos diferentes contextos escolares. Diante disso, segui estudos, em nível de doutorado, na linha de Linguística Aplicada, com pesquisa sobre os modos de apropriação do discurso de outrem na escrita escolarem língua inglesa, tomando, como ponto de partida, minha própria prática dialógica de ensino de língua (SANTOS, 2020). Esse período de doutorado, foi um momento importantíssimo de revisitação dos escritos do Círculo, por meio da transposição das noções da Teoria Dialógica de Linguagem ao contexto de ensino 22 de uma língua outra-estrangeira (a inglesa). Esse processo de formação, perpassado por algumas produções científicas que deram ao longo dessa jornada, fizeram- me chegar ao ponto no qual estou: como professor-pesquisador que durante toda uma jornada acadêmica buscou a completude como professor, encontrei o inacabamento; compreendo que sou um professor inacabado e em constante processo de reconstituição de si mesmo a partir das vivências da sala de aula. A teoria dialógica me fez ver que, como sujeito, não posso viver do meu acabamento, pois sou sujeito sempre aberto ao processo dialógico de constituição de mim mesmo como ser- evento (BAKHTIN, 2010). Nesse processo, todas as instâncias que perpassam os diferentes contextos de ensino nos quais tenho desenvolvido práticas docentes, condicionam meu agir e, mais que isso, as vozes que trago comigo, como constitutivas de minha consciência, entram em interações com vozes dos contextos imediato (dos sujeitos-alunos, do contexto específico no qual as práticas de ensino e aprendizagem se dão) e mais amplo (vozes sociais de outros contextos que se fazem elos dialógicos às práticas de – ensino de – linguagem em sala de aula). Nesse processo dialógico, faço-me, refaço-me e nunca me vejo acabado. 23 REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução do italiano de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos, SP: Pedro & João Editores, [1919/20] 2010. BAKHTIN, M. Teoria do Romance I: a estilística. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015. BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra; notas da edição russa de Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016. SANTOS, A. Análises Textuais e Discursivas: o gênero comentário virtual jornalístico e sua natureza dialógica em foco. 2013. 47f. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Letras português/inglês e suas respectivas literaturas) – Unidade Acadêmica de Garanhuns, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Garanhuns. SANTOS, A. O enunciado como zona de diálogo entre vozes e valores: uma abordagem da relação entre fazer jornalístico e valorações sócio-ideológicas. 2016. 172f. Dissertação (mestrado em Letras-Linguística) – Centro de Artes e Comunicação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife. SANTOS, A. Processos de apropriação do discurso de outrem em enunciados escola- res escritos em língua inglesa. 2020. 183f. Tese (mestrado em Linguística) – Facul- dade de Letras, Universidade Federal de Alagoas, Maceió. 24 25 BAKHTIN: Um encontro pessoal com uma teoria das vozes Francisco Leilson da Silva (PPGEL-UFRN) O meu processo de conhecer a análise dialógica do discurso (ADD) começou por eu ser um professor responsável que assumiu algumas aulas de Língua Portuguesa. Esse acidente de percurso promoveu um desejo de buscar conhecimento para bem ensinar, para realizar com afinco meu trabalho. Foi umas das poucas vezes que me senti adequado, porém, estava lá como pedagogo e escutava sempre que o profissional de Letras era quem lidava adequadamente com o texto. Uma esperança leve e boba levantou-se em meio ao caminho perdido e sem sentido no qual eu estava. Assim, as palavras ganharam minha vida, ganhei identidade e forma; como no vale dos ossos secos, ao ouvir as palavras do profeta, eu também ganhei carnes e vida. Conheci uma professora doutora chamada Maria da Penha Casado Alves, que falou de um teórico chamado Bakhtin e uma concepção de língua/linguagem que aponta para o uso dos sujeitos na constituição do discurso, que possui uma organização que não fica estagnada. Apresenta-se, assim, de forma atualizada com as teorias, não podendo ser entendida de forma acabada, vinculada à 26 rigidez de uma sistematização, uma vez que é transformada pelas falas do uso cotidiano, logo corroborado pela seguinte afirmação: Os indivíduos não receberam a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar [...] Os sujeitos não adquirem sua língua materna: é nela e por meio dela que ocorre o primeiro despertar da consciência. (BAKHTIN, 2010, p. 108). Dessa forma, a linguagem é compreendida numa perspectiva de totalidade, deixando à parte a ideia de um sistema linguístico abstrato e sendo entendida como um fenômeno social fruto das interações entre os sujeitos e o diálogo interpessoal. Por isso, todo tipo de comunicação ganha status de diálogo, na relação das conversas entre as pessoas; no decorrer da leitura de um livro; nas mais variadas produções de comunicação. Esse uso da língua/linguagem está diretamente relacionado à comunicação em todas as suas formas, pois tudo o que está na dimensão do uso para o entendimento torna-se linguagem. Por isso, a produção do texto (oral ou escrito) é resultado de situações concretas que se realizam por meio da manifestação do verbo, 27 que é enunciado a partir do contexto social do sujeito, tornando- se real expressão de quem utiliza a linguagem em sua comunidade linguística, sendo descrita da seguinte forma: [...] o uso da língua se efetua em forma de enunciados (orais e escritos, concretos e únicos “proferidos” pelos participantes de uma ou outra esfera da atividade humana que o enunciado não se repete, pois é um evento único (pode somente ser citado); que o enunciado é a unida real da comunicação discursiva, pois o discurso só pode existir na forma de enunciados; e que o estudo do enunciado como unidade real da comunicação discursiva permite compreender de uma maneira mais correta a natureza da unidade da língua (a palavra e a oração por exemplo). (RODRIGUES, 2005, p. 155). Tal maneira de se conceber a linguagem e uso da língua permite ao indivíduo perceber a presença das variadas vozes em toda parte. As relações sociais de poder, a cultura e as próprias ações políticas são perpassadas pela linguagem, sendo resultado da interação humana, pois vão além de mero instrumento ou meio, como afirma Kramer (2003), produção humana acontecida historicamente, construída nos diálogos que têm vida, permitindo o pensar ações futuras e, até mesmo, a constituição do consciente. 28 Aquelas horas passaram rápido na presença daquela admiradora de Frida Kahlo. O meu encontro com alguém que classifiquei como uma profissional maravilhosa e uma pessoa real na academia veio como uma purificação de minhas experiências ruins com orientadores e professores da academia. Fácil de explicar que foi “assim como ver o mar” da teoria que me completa e anuncia por meio do acabamento do outro quem eu sou e como percebo o mundo que me rodeia. Aprendi infinitamente nessas moradas, porém, eu jamais imaginaria que estaria mais perto da teoria bakhtiniana mais adiante. Comecei a estudar Bakhtin sem muitos recursos. A solidão sempre está presente na vida de um pesquisador. Quando as dúvidas estavam no grau de quase incompreensão, corria para pedir socorro à professora Penha, até mesmo a colegas que já tinham estudado a teoria, por fim, fui aprovado. As disciplinas do mestrado pareciam cada dia mais difíceis, mais complicadas, afinal, o nível era de doutorandos, os mestrandos que se adaptassem. Minha formação era em língua espanhola, muito ensino de idioma e pouca teoria, o que me levava a ler muito e estudar muito mais que os outros para acompanhar aquele nível. No último passo, você descansa, fica feliz, celebra a vitória da caminhada, compartilha comtodos as alegrias de ter executado 29 a tarefa. Mas, no último olhar, tudo se encerra, quando se mira aquele espaço pela última vez; fica um pouco de tudo em nós e tudo de nós fica naquele ambiente. Entretanto, o tempo passou, consegui entrar no doutorado, ainda Bakhtin está comigo e a oralidade é meu objeto de vida e pesquisa. Sempre dialógico, sempre ouvindo ativamente e falando para resistência. Como canta Danilo Caymmi: “eu guardo em mim dois corações”, um que é da docência e outro marxistamente valorado e vozeado por muitos discursos. REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. FREITAS, M. T. A perspectiva sócio-histórica: uma visão humana da construção do conhecimento. In: FREITAS, M. T.; JOBIM E SOUSA, S.; KRAMER, S. (org.). Ciências Humanas e Pesquisa: Leituras de Mikhail Bakhtin. São Paulo: Cortez, 2003. p. 26-38. RODRIGUES, R. H. Análise de gêneros do discurso na teoria bakhtiniana: algumas questões teóricas e metodológicas. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 4, n. 2, p. 415-440, jan./jun. 2004. Disponível em: http://aplicacoes.unisul.br/ojs/index.php/ Linguagem_Discurso/article/viewFile/272/286. Acesso em: 8 out. 2020. 30 31 O MUNDO SOB A ÉGIDE DA SUÁSTICA: relato de uma pesquisa investigativa acerca de partidos, organizações e facções supremacistas brancas e (neo)nazistas Marcos Alexandre Fernandes Rodrigues1 Discurso das Mídias em Análise Dialógica: caminhos teóricos e metodológicos No ano de 2020, encontrei na superfície da internet uma célula (neo)nazista denominada Nacional Socialismo em Rede (NSR). Refere-se a um blogue de nacionalidade portuguesa cujas funções me empenhei em identificar: (i) servir de catálogo mundial de páginas da web (sítios eletrônicos, fóruns, blogues) supremacistas brancas e (neo)nazistas, intrincando, assim, uma articulada rede (inter)nacional de ódio; (ii) propiciar uma formação político- histórico-ideológica para que, nesse sentido, pudesse ser possível o recrutamento de novos membros, seja para compartilhar o conteúdo, seja para participar dessa mesma rede; e (iii) fomentar o ódio contra etnias judia, negra, autóctones em articulação com um projeto cis(hétero)normativo do patriarcado branco europeu. 1 Aluno de graduação em Letras Português e Francês e suas respectivas Literaturas pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Bolsista de Iniciação Científica pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS). Rio Grande – Brasil. Endereço eletrônico: rodmaf2@gmail.com 32 A minha compreensão dessa arena de vozes segregadoras foi respaldada por intermédio de uma visão de mundo, de sociedade, de ser humano e de língua(gem) promulgada pelo Círculo de Bakhtin-Volóchinov-Medviédev. Mobilizei conceitos como relações dialógicas, enunciação/enunciado, vozes sociais e signos ideológicos para avaliar dialógica e axiologicamente a rede discursiva de supremacismo branco e (neo)nazismo. No (per)curso do tempo, e com base em minha compreensão ativamente responsiva, desenvolvi um banco de dados com centenas de páginas de ideologias autoritariamente congêneres recorrendo aos endereços eletrônicos interiores e exteriores do blogue português. As (inter)relações dialógicas me evidenciaram um projeto político para o mundo, no qual, em seu combate e linchamento racial, fundado em um nós contra um eles, a tal raça branca comandaria governos e as ditas raças negra e judia seriam expatriadas ou mortas para o que os supremacistas concebem por uma nova solução. Mulheres brancas e cisgêneras serviriam funcionalmente para e tão somente reproduzir a determinada raça ariana. No ano de 2020, e seguindo essa fundamentação teórico- metodológica, pude usar o discurso como prova de um projeto de expurgo mundial nestas oportunidades: Universidade Federal do Rio Grande (FURG) - Signos ideológicos de supremacismo e 33 ódio: movimento (neo)nazista em rede; Universidade Federal de Passo Fundo (UPF) - As pontas da suástica: diálogo (neo)nazista entre o blog Nacional Socialismo em Rede e o site NSDAP/AO; Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) - Observações sobre o blog combat18florida: vozes de ódio e supremacismo branco em diálogo (neo)nazista; Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) - Análise dialógica de blog brasileiro de supremacismo branco e (neo)nazismo; Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – Apontamentos sobre o Afrikaner Weerstand Beweging: entre vozes do apartheid e do (neo)nazismo; Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) - Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Brasileiros: o Partido (Neo)nazista do Brasil?; Instituto Federal da Bahia (IF-BA) - Investigações sobre rede húngaro-polonesa (neo)nazista: signos de ódio, terror e crueldade; Universidade Federal do Ceará (UFC) - The Loyal White Knights, White Camelia Knights of the Ku Klux Klan e Ku Klos Knights: fios dialógicos das facções supremacistas brancas; e Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) - O Partido (Neo) nazista do Brasil sob a órbita da linguística forense: o discurso como vestígio de apologia ao racismo. 34 Linguagem em Atividades no Contexto Escolar (LACE) Sempre começa do mesmo jeito. Panfletos ou adesivos racistas aparecem nas paredes de locais onde as pessoas vão pra se divertir ou são distribuídos nas casas das pessoas. Relatos de ataques e atos de intimidação contra pessoas negras aparecem nos noticiários. Rumores sobre neonazistas e apologistas da Supremacia Branca andando por perto de escolas. Aumenta o índice de incidentes de surras em gays. O pessoal do hip- hop, punks e skinheads antirracistas entram em conflito com nazistas nas ruas. Pessoas suspeitas começam a apoiar campanhas anti-imigração. Uma controvérsia local estoura sobre questões raciais, e a Klu Klux Klan e grupos nazistas planejam uma reunião para intensificar a tensão. Logo vira uma bola de neve: grupos nazistas organizam shows, racistas concorrem a cargos públicos, neonazistas invadem shows, começam brigas e atacam centros políticos esquerdistas, exercendo domínio sobre a juventude local e sobre as ruas. A pressão aumenta... é hora de contra-atacar! (CRIMETHINC, 2004, p. 32). Da FURG a PUC-SP, ainda em fase de discussões, comecei a pensar numa ação social operada em duas fases de atuação. Na 35 primeira delas, conhecer a percepção dos corpos discentes e do- centes, de determinadas instituições de educação básica, nos es- tados do Rio Grande do Sul e São Paulo, concernente ao objeto de minha linha de pesquisa. Para além disso, o objetivo é, igualmen- te, a coleta de materialidade semiótica a partir das posições ativas e axiológicas de quem comporá o universo da pesquisa. Para tan- to, o fornecimento de um Formulário Google com questões enu- meradas de 1 a 15 em que se demanda uma posição em relação ao supremacismo branco e ao (neo)nazismo. Na segunda fase, criar uma ação didático-pedagógica nas mesmas instituições de educação. Os objetivos a serem alcançados são estes: (i) fomentar o pensamento crítico e humanista; e (ii) desacreditar e desestabi- lizar organizações de terrorismo supremacista que tentam se ins- talar no Brasil, tais como Blood & Honour, Ku Klux Klan, Aryan Nations. Como procedimento metodológico, usar-se-ia uma base vygotskiana e freiriana. 36 37 MEMÓRIA DE FUTURO EM BAKHTIN E A COMPREENSÃO DAS HISTÓRIAS DE VIDA Michell Pedruzzi Mendes Araújo1 A tese de doutoramento intitulada “Assim como as borbo- letas, Bianca e a Síndrome de Turner” foi defendida por mim, no ano de 2020, no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo. Como objetivo geral, busquei compreender a história de vida de Bianca, uma jovem que possui a síndrome de Turner2. Neste processo de escutar responsi- vamente um sujeito e compreender a sua história devida, recorri a conceitos-chave de Bakhtin, quais sejam: enunciação, alterida- de, dialogismo, polifonia e memória de futuro (ARAÚJO, 2020). Devido à relevância que teve para o desenvolvimento da tese em questão, trago à tona nesse texto a memória de futuro em Bakhtin e as potencialidades desse conceito para o desenvolvi- mento de estudos que se configuram metodologicamente como histórias de vida. 1 Professor adjunto da Faculdade de Educação- Universidade Federal de Goiás (FE/UFG). Goiânia- Goiás, Brasil. Doutor em Educação (Ufes). E-mail: michellpedruzzi@ufg.br. 2 Síndrome genética rara que acomete apenas o sexo feminino. Trata-se de uma aneuploidia- síndrome que envolve alterações cromossômicas numéricas. O cariótipo do indivíduo é 45, X0 (monossomia do X). Fenotipicamente, as mulheres que possuem essa síndrome apresentam: palato em ogiva (“oval”), baixa imunidade, ptose (caimento das pálpebras sobre os olhos), pescoço alado (excesso de pele no pescoço), tó- rax largo, implantação baixa da raiz do cabelo, unhas pequenas, metacarpo curto, hipotireoidismo, válvula aorta bicúspide, edemas nos vasos linfáticos (linfedemas), ovários em fita, útero infantil, esterilidade etc. 38 Tendo em vista que, no processo de contar a sua história, o sujeito resgata memórias do passado e é regido pelas memórias do futuro, optei por utilizar o conceito de memória de futuro de Bakhtin (2010). De acordo com o autor, “a memória do passado é submetida a um processo estético, a memória do futuro é sempre de ordem moral” (BAKHTIN, 2010, p. 167, grifos nossos). Partiu-se do pressuposto de que as memórias não são objetos que guardamos em um armário, mas que elas transitam entre nós, estão entre dois ou mais sujeitos, logo, “eu para mim mesmo sou esteticamente irreal” (BAKHTIN, 2010, p. 174). Assim, é necessário que o outro, com seu excedente de visão, me dê acabamento que, na condição de temporário, nos invita a responder a partir da nossa consciência que é única. Quando se objetiva compreender práticas discursivas concretas, a memória de futuro parece-nos fecunda para cultivar imagens de futuros construídas discursivamente em histórias de vida de pessoas com síndromes raras como a de Bianca. Por esse prisma, para compreensão do conceito de memória em uma perspectiva bakhtiniana, devemos pensar na dimensão de temporalidade. Amorim entende essa dimensão da seguinte maneira: 39 a construção do sentido de um enunciado-objeto é sempre efeito de movimento. Não apenas movimento no espaço, isto é, no jogo que põe e dispõe em cena as posições enunciativas, mas um movimento no tempo que torna presente o passado e o futuro. E essas duas direções temporais do movimento se articulam por meio de uma posição enunciativa específica da teoria bakhtiniana que é aquela expressa no conceito de sobredestinatário. De acordo com esse conceito, a obra se destina para além de seu contexto e essa destinação é tanto criadora de futuro como recriadora de passado. De um mesmo gesto, passado e futuro se encontram e se nutrem (AMORIM, 2009, p. 13, grifos nossos). Bakhtin (2010), ao discorrer sobre memória, elucida que ela é sempre de passado e de futuro, porque ambas andam juntas, ou seja, são complementares. Quando enuncia, o ser humano resgatam os valores já estabelecidos, mas ao evocar os valores ou significações, ao mesmo tempo, reinventa-se o sentido, haja vista que o indivíduo contribui com o tom, a expressão e o desejo do seu projeto discursivo. A memória de passado é o que se pode chamar de atual, contemporânea; já a memória de futuro é utópica, assim, não está concretizada. A primeira relaciona-se com a estética, com a constituição do sujeito, já a segunda tem 40 a ver com a moral, com a revisão e a reapresentação dos valores (CAMARGO JUNIOR, 2009). Nesse caminho, a memória de futuro é colocada como a imagem de um sujeito criativo, portanto, aquele que possui responsabilidade moral. O futuro garante a justificação porque é ele que reestrutura o passado, o presente e mostra a incompletude. Ademais, exige realização futura e não apenas uma continuação orgânica do presente, mas como sua eliminação essencial, sua revogação. Assim, cada momento que vivemos é conclusivo e, ao mesmo tempo, inicial de uma nova vida (BAKHTIN, 2010). Diante desse contexto, “podemos avaliar o passado sem, contudo, afundar-nos por causa dele. Isso porque a revisão do passado pode gestar novas, inusitadas e melhores relações no futuro” (MELO, 2005, p. 66). Com relação ao futuro, é dele que “tiramos os valores com que qualificamos a ação do presente e com que estamos sempre revisitando e compreendendo o passado” (GERALDI, 2010, p. 109). Para Amorim (2009), a memória de futuro é um conceito que indica a memória do herói, e não do autor. De forma distinta deste, o herói está sempre em “perpétuo inacabamento em relação a si mesmo e seu olhar porque sua memória está comprometida com o futuro, com o por-vir, com o que pode vir a ser” (AMORIM, 2009, p. 10). Nesse caminho, “a projeção do futuro sugere 41 subjetividades não assujeitadas ao passado, que precisam saber lidar com a indeterminação de um futuro, previsto no presente” (COLLARES et al., 2006, p. 57). Em nossa vida estamos imersos em um eterno vir a ser. Assim, pelo conceito de “memória de futuro” o passado está à minha frente, o futuro está dentro de mim, é o que está a se realizar, o devir (DAVID, 2003). Ou seja, “o futuro se constrói como possibilidade do que há de vir e não como produto constante de uma mutação contínua e sem rumos” (GERALDI, 2010, p. 170). Cabe destacar também que o surgimento de memórias de futuro não se dá a partir de uma iniciativa individual do sujeito, que teria como suposta fonte de suas memórias o seu psiquismo individual, mas ao contrário, a memória só se dá entre sujeitos, de modo que criar não é dar livre expressão a um suposto gênio individual ou deixar agir a inspiração”. Isso porque, nas interações, está em jogo a memória coletiva, própria de um grupo social, que faz com que determinado objeto cultural seja pensado como discurso (AMORIM, 2009). Por fim, saliento que o conceito de memória de futuro auxiliou no desenvolvimento da tese de doutoramento intitulada “Assim como as borboletas: Bianca e a síndrome de Turner”, sobretudo para possibilitar o desenvolvimento do percurso metodológico- a história de vida. Em vários momentos, os enunciados de Bianca 42 e de outros sujeitos entrevistados evidenciaram projeções para o futuro nas descrições do presente e com base na ressignificação das memórias do passado. O exposto evidenciou o inacabamento de um sujeito, a construção coletiva das memórias e uma gama de possibilidades em sua trajetória de vida. REFERÊNCIAS AMORIM, M. Memória do objeto – uma transposição bakhtiniana e algumas questões para a educação. Bakhtiniana, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 8-22, 2009. Disponível em <https://revistas.pucsp.br/bakhtiniana/article/view/2993>. Acesso em 01 jan. 2020. ARAÚJO, M. P. M. Assim como as borboletas: Bianca e a síndrome de Turner. 2020. 167 f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2020. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal (1979). Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. CAMARGO JUNIOR, I. Di. O futuro analisado pela linguagem cinematográfica: diálogos entre a teoria do cinema e Mikhail Bakhtin. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, São Carlos, 2009. COLLARES, C. et al. Compaginar concepções: ciência e formação no horizonte de possibilidades de um projeto coletivo. Polifonia, V. 12, n. 1, p. 47-64, 2006. 43 Disponível em: <http://periodicoscientificos.ufmt.br/index.php/polifonia/article/ view /1079/851>. Acesso em: 08 dez. 2020.DAVID, W. Anotações sobre Bakhtin: Verbetes do curso “Tópicos de Lingüística V”, ministrado pelo Prof. Dr. João Wanderley Geraldi. 2003. Disponível em <https:// www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/a00006.htm>. Acesso em 24 nov. 2020. GERALDI, J. W. Ancoragens – Estudos bakhtinianos. São Carlos, Pedro & João Editores, 2010, 176 p. MELO, E. R. Justiça restaurativa e seus desafios histórico-culturais. Um ensaio crítico sobre os fundamentos ético-filosóficos da justiça restaurativa em contraposição à justiça retributiva. In: SLAKMON, C.; DE VITTO, R.; PINTO, R. S. G. Justiça restaurativa. Brasília: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), 2005, p. 53-78. 44 45 MEUS OBJETOS DE PESQUISA E O CÍRCULO Renata Cristina Alves Meu contato com a teoria bakhtiniana começou apenas na pós-graduação. Infelizmente durante o período de graduação, assim como para muitos pertencentes às classes sociais mais pobres, há outras necessidades também fundamentais, o que me manteve um pouco distante da pesquisa, embora estivesse todos os dias na universidade. Apenas quando retornei à minha cidade, trabalhando como professora na educação básica pública, percebi a urgência de retornar à universidade para compreender o complexo processo de ensino e aprendizagem que a formação inicial não contemplou. É claro que a universidade me preparou para adentrar à sala de aula, mas não no contexto público, o qual muitos outros elementos, além de estudar, penetram nesse contexto. Ao prestar o processo seletivo da pós, minha base teórica seguia outra perspectiva, somente após acompanhar as aulas fui me aproximando e refletindo sobre o Círculo de Bakhtin e como eles me possibilitavam compreender não somente a sala de aula, mas principalmente a vida. Os aspectos ideológicos que perpassam os discursos produzidos pelos professores, pelos 46 alunos ou pela comunidade escolar. O elemento cerceador da esfera de comunicação – escola – na qual estava inserida e como ela penetrava em cada embate discursivo, violento ou não, já que sabemos que o contexto público educacional possui embates discursivos nem sempre agradáveis aos sujeitos que participam de tais. Durante as atividades de produção de texto, meu primeiro objeto de pesquisa, não somente compreendi as necessidades expressadas pelos alunos, pois ali naquelas palavras refletiam e refratavam a vida além dos muros escolares, mas também consegui modificar a estética das atividades realizadas em sala. Aos poucos, as atividades de leitura se tornaram comuns e as produções textuais dos alunos não eram produzidas somente para mim, e sim para eles, os quais estavam, ali, se constituindo como leitores/interlocutores de seus colegas. É evidente que todo processo de mudança causa estranhamento nas primeiras situações e alguns alunos deram maior abertura que outros no que diz respeito às participações em sala. As motivações para as produções textuais se alteraram à medida que mais e mais atividades eram realizadas. Assim, sempre havia uma primeira produção seguida da leitura dessas. Era uma leitura atenta na qual eles percebiam quais elementos eram aceitos ou negados pela turma, neste sentido, durante a reescrita e posteriores leituras, 47 as aceitações se multiplicavam nas outras produções, enquanto que as outras eram apagadas de suas produções, tornando aquele contexto da sala de aula uma praça pública para exteriorização de suas produções. Discursos que até então eram cerceados pela esfera escolar começaram a ser aflorar, já que a relação professor-aluno e aluno- aluno estavam se alterando e considerávamos ali os sujeitos, com seus interesses, desejos e vivências. Minha dissertação registrou esse processo, ainda que não em sua plenitude, já que os recortes limitam a recuperação de toda a complexidade da cadeia de comunicação. Qualifiquei, defendi e a etapa do mestrado estava concluída. Foram dois anos incríveis, os quais, em cada interação, foram me alterando, me constituindo e eu pude compreender como somos seres inacabados, bem como, considerando o contexto no qual trabalhava, a urgência de entender o não-álibi de existência. Não há macro revoluções, todavia na educação básica há micro revoluções a todo momento: quando olhamos os alunos enquanto ser humanos, de modo que não haja pré-julgamentos; quando tratamos cada variedade linguística como uma maneira de ver o mundo; quando entendemos que aquele dia não é um bom dia para aquele sujeito que está em nossa frente; quando compreendemos o processo não apenas o resultado. Dito isso, posso dizer que sou bakhtiniana, porque a teoria 48 contempla todos os aspectos que enfrento na sala de aula: das questões de constituição da identidade ao funcionamento da linguagem; das forças centrípetas e centrifugas que perpassam o discurso à construção de atividades didáticas; da cronotopia ao discurso carnavalizado dos alunos. Da leitura do mundo à leitura da palavra, como dizia Paulo Freire. Ser bakhtiniana é dar um passo de cada vez, ir se constituindo; é entrelaçar manualmente cada fio até que se complete, mas que, sempre, pode adquirir novos formatos e usos, dependendo da necessidade do momento. É como dizia um professor da pós-graduação “não há um Bakhtin, há muitos. Cada um tem o seu”. Por fim, o Círculo de Bakhtin é de grande valor para nossas pesquisas em educação, ciências humanas e demais áreas, pois nos permite não sucumbir ao objetivismo abstrato, o qual afastaria a linguagem de seu funcionamento na vida, na realidade concreta do nosso cotidiano. 49 O CÍRCULO DE BAKHTIN NA VIDA: algumas palavras Ida Maria Marins1 Tudo o que me diz respeito, a começar por meu nome, e que penetra em minha consciência, vem-me do mundo exterior, da boca dos outros (da mãe, etc.), e me é dado com a entonação, com o tom emotivo dos valores deles. Tomo consciência de mim, originalmente através dos outros... (BAKHTIN, [1992] 2011, p. 373). Inicio este texto valendo-me do fragmento acima retirado da obra Estética da Criação Verbal, de autoria de Mikhail Bakhtin. Desse enunciado depreendi a noção de que somos sujeitos relacionais, socio-historicamente situados em uma determinada cultura, e constituídos na e pela linguagem. Essa e outras noções desenvolvidas por Bakhtin e o Círculo como: concepção de linguagem, dialogismo, enunciado, discurso, gênero discursivo, para citar algumas, foram tornando-se referências para a compreensão de questões que emergiram ao longo do mestrado em Letras – período em que fui introduzida ao mundo do pensamento bakhtiniano, inicialmente na obra Marxismo e 1 Professora Adjunta da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), campus Jaguarão/RS. E-mail: idamarins@hotmail.com 50 Filosofia da Linguagem. Essa obra foi desvelando um outro olhar sobre aquilo que tinha como referência sobre língua(gem). Até então, compreendia a língua às bases do estruturalismo, algo que foi sendo ressignificado no diálogo com um pensamento bastante atual, embora os escritos do Círculo datarem de meados do século XX. Segundo Brait (2006), o pensamento do Círculo sobre linguagem trouxe o sujeito, a história e o social como elementos crucias para a sua compreensão, o que gerou mudanças profundas no modo de perceber o ser humano, tanto nos estudos Linguísticos como nos das Ciências Sociais Humanas. Como afirma a autora: (...) o pensamento bakhtiniano presente [na obra Marxismo e Filosofia da Linguagem] ofereceu a ocasião de um salto qualitativo no sentido de observar a linguagem não apenas no que ela tem de sistemático, abstrato, invariável, ou, por outro lado, no que de fato tem de individual e absolutamente variável e criativo, mas de observá-la em uso, na combinatória dessas duas dimensões, como uma forma de conhecer o ser humano, suas atividades, sua condiçãode sujeito múltiplo, sua inserção na história, no social, no cultural pela linguagem, pelas linguagens (BRAIT, 2006, p. 22-23). 51 Além de trazer o sujeito socio-historicamente situado para o estudo da linguagem, Bakhtin/Volochínov afirmam que a verdadeira substância da língua é constituída “pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações” ([1929] 2012, p. 127) ou seja, “o centro organizador de toda enunciação, de toda expressão, não é interior, mas exterior: está situado no meio social que envolve o indivíduo” (Ibid. p. 125). A interação (eu e o outro) é, pois, elemento-chave na organização, produção/desenvolvimento e criação da linguagem. Na dissertação de mestrado discuti as motivações para a aprendizagem de uma língua estrangeira por crianças; e os estudos sobre a concepção de linguagem bakhtiniana em diálogo com a teoria da aprendizagem de Vygotsky foram fundamentais para levar a cabo a pesquisa. Nos estudos do Círculo de Bakhtin, a linguagem transcende uma abordagem estrita de língua, a qual privilegia a estrutura. Ao contrário, ela é concebida como prática social concretizada nas interações entre sujeitos. Do mesmo modo, Vigotski (2003) destaca o papel das interações nos processos de aprendizagem, enfatizando que o desenvolvimento da linguagem dá-se às bases da relação eu/outro. Logo após meu ingresso na universidade, como professora no curso de Letras, iniciei o doutorado. Minha pesquisa, nesse curso, investigou a formação da identidade de professor de língua 52 portuguesa, e a teoria bakhtiniana foi a referência para as análises dos discursos dos professores sujeitos da pesquisa. Segundo Brait (2006), o Círculo de Bakhtin nunca formulou um conjunto de categorias a priori para efeito de análises. O seu pensamento motivou a formulação, pelos estudiosos da linguagem de base enunciativo-discursiva, de uma teoria/análise dialógica do discurso. Assim, temos hoje a denominada Análise Dialógica do Discurso (ADD), que trabalha com princípios bakhtinianos para a compreensão do objeto de análise, partindo das relações dialógicas constitutivas da vida da linguagem e dos seres humanos. Desde 2008, trabalho com disciplinas de Linguística Aplicada ao ensino do Português e com os estágios dos alunos licenciandos em Letras. São componentes que requerem atualizar e dar ênfase à concepção de linguagem que vem prevalecendo, no Brasil, desde a década de 80 e sendo confirmada nas pesquisas no campo da Linguística Aplicada e nos documentos oficiais que orientam o trabalho com a língua portuguesa na educação básica, a saber: PCNs (1998) e BNCC (2018). Essa concepção, reitero, está centrada na linguagem como prática social que tem a interação, o diálogo como lugar da sua produção e da constituição dos sujeitos, o que confirma as bases do pensamento do Círculo de Bakhtin no tocante à concepção de linguagem. Os documentos oficiais supracitados não mencionam 53 explicitamente a teoria de Bakhtin e o Círculo como referência para a concepção de linguagem apresentada e defendida. A teoria aparece subjacente aos enunciados que percorrem boa parte dos dois documentos. Para ilustrar, a BNCC anuncia: Assume-se aqui a perspectiva enunciativo-discursiva de linguagem, já assumida em outros documentos, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), para os quais a linguagem é uma forma de ação interindividual orientada para uma finalidade específica; um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes numa sociedade, nos distintos momentos de sua história. (BRASIL, 1998, p. 20) (BRASIL, 2018, p. 67). Desse modo, entendemos que os documentos referem-se à linguagem em consonância com o pensamento do Círculo, o que representa uma grande atualização sobre o modo como a língua era concebida: sistema abstrato, imutável e homogêneo, para uma concepção de concretude, dinamicidade e heterogeneidade como elementos da natureza própria da língua(gem). Contudo, ainda assistimos práticas de ensino presas às bases do estruturalismo apesar da gama de pesquisas, produções e publicações feitas pelos estudiosos da linguagem. É um percurso longo e desafiador, 54 para nós professores e formadores, desconstruir concepções tão internalizadas pela sociedade, mas temos avançado. Os escritos de Bakhtin e o Círculo são, desde o mestrado, minhas referências de estudos, pesquisas e publicações. Minha filiação a essa teoria vem da crença de que o ser humano é um sujeito imerso em um mundo semiótico de múltiplas linguagens, e o pensamento do Círculo nos oferece a possibilidade de problematizar o modo como esse mundo nos constitui. REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 6ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, [1992], 2011. BAKHTIN, M. M; VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara F. Vieira. 13ª ed. São Paulo: Hucitec Editora [1929], 2012. BRAIT, B. “Análise e teoria do discurso”. In: BRAIT, B. Bakhtin: outros conceitos-chave (org.). São Paulo: Contexto, 2006. P. 9-31. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais. Língua portuguesa de 5ª a 8ª série do 1º grau. Brasília: MEC/SEE, 1998. ______. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília/MEC, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/documento/Apresentação.pdf> Acesso em: 10 de julho. 2019. Vigotski, L. S. Pensamento e linguagem. Trad. Jefferson Luiz Camargo. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 55 A BIBLIOTECA ESCOLAR INFANTIL AOS OLHOS DO CÍRCULO DE BAKHTIN Marina Moreira1 Precisarei de um dicionário! Logo após ler minha primeira obra de Bakhtin, Marxismo e Filosofia da linguagem, essa foi minha afirmação. O contato com algo novo, e surpreendentemente diferente, me fazia (e ainda faz), avançar algumas páginas, e retroceder tantas outras, e assim o fiz. Lendo e devaneando entre as linhas, me perdia em outras tantas conexões que ia realizando durante a leitura. Quem é esse cara? Quem são essas pessoas? Como foi possível essa compreensão da realidade tão apurada assim? E as questões iam e vinham na minha mente, sem que eu nem ao mesmo me desse conta de que já haviam passado horas, e eu estava na mesma página. Assim foi o meu primeiro contato com as obras do Círculo de Bakhtin. Então contarei a vocês, como e porque, tudo isso começou. Pedagoga de formação e amante dos livros, sempre possui o desejo de ingressar na Pós-graduação, que, com muita alegria aconteceu em 2018. Com um projeto voltado para os livros e a biblioteca na Educação Infantil, fui selecionada por 1 Doutoranda no curso de Doutorado em Educação da Universidade Federal do Estado de Santa Catarina. Florianópolis, Brasil, marynnah_moreira@hotmail.com. 56 uma orientadora, um tanto quanto peculiar. Ela tinha leveza nas palavras, um carinho inestimado pelos livros, e uma paixão por Bakhtin. Pera aí, Bakhtin? Quem é esse? Eu nunca tinha ouvido falar. Já nas primeiras orientações ela me disse: “Eu oriento sob as lentes de Bakhtin, é assim que eu sou, é assim que eu sei orientar!”, e me aconselhou que fosse logo lendo tudo, lendo mais, lendo sempre. A partir disso, comecei a compreender que eu não anuncio minha palavra enquanto um ser monológico, que fala apenas por si. Mas como um ser dialógico, composto pelas múltiplas vozes a qual sou constituída, todavia, na singularidade da palavra que somente eu posso dizer, pois estamos em um “[...] diálogo sem fim, onde não há a primeira nem a última palavra” (BAKHTIN, 2011, p. 407). Deste modo, deu início minha pretensão de realizar a compreensão dialógica do discurso ancorada na concepção bakhtiniana de linguagem, com o propósito de compreender a biblioteca escolar infantil, meu objeto de estudo, enquanto um local singular. Assimcomo a criança, que se sente como “coisa-aqui”2 pelas palavras amorosas de sua mãe e vai constituindo sua consciência através dela, como descreve Bakhtin (1997, p. 68), eu, sinto-me 2 “E nos lábios e no tom amoroso deles que a criança ouve e começa a reconhecer seu nome, ouve denomi- nar seu corpo, suas emoções e seus estados internos; as primeiras palavras, as mais autorizadas, que falam dela, as primeiras a determinarem sua pessoa, e que vão ao encontro da sua própria consciência interna, ainda confusa, dando-lhe forma e nome, aquelas que lhe servem para tomar consciência de si pela primei- ra vez e para sentir-se enquanto coisa-aqui, são as palavras de um ser que a ama.” (BAKHTIN, 1997, p. 68) 57 enquanto “coisa-aqui” nas relações arquitetônicas que construo em minha história, para compreender e conceituar a biblioteca escolar infantil, para além de suas paredes, de seu espaço físico, ou de suas coleções. Para tanto, os conceitos de biblioteca escolar infantil definidos por mim, ao longo dessa caminhada com Bakhtin, revelam não apenas ideias preestabelecidas. Mas demonstram o modo como compreendo esse lugar, através não só da minha consciência, mas da consciência do outro que também me constitui, na busca de encontrar a verdade-pravda dos enunciados, uma vez que, os estudos bakhtinianos realizam uma distinção entre verdade “pravda” e verdade “istina”, onde essa é a representação da generalidade, dada por universais, verdades absolutas, enquanto aquela “como uma entonação do ato, como a sua afirmação, ou seja, para qual tende e pelo qual é aferida e o afere”. (BAKHTIN, 2017, p.17) Ninguém continua sendo o mesmo após dialogar com as produções do Círculo. Meu objeto de estudo, já não era mais um local estático, pronto e acabado. Mas um lugar de encontro, composto pelas múltiplas relações sociais que permeiam seu entorno. A Biblioteca Escolar infantil, deve ser compreendida, então, de acordo com a dialogicidade das múltiplas vozes que a compõem. 58 A Biblioteca é uma das instituições que acompanha a humanidade a séculos, e nasceu para que homens e mulheres conseguissem alocar seus conhecimentos, de maneira segura, e pudessem repassá-los para as outras gerações. Na contemporaneidade, refletir sobre a Biblioteca Escolar aos olhos do Círculo de Bakhtin, é compreender que esses espaços já superaram a qualidade de apenas depósito de livros e conhecimentos. É entender que são lugares singulares que, para além de armazenarem o conhecimento historicamente acumulado pela humanidade, se tornaram também, locais que propiciam a geração de conhecimentos novos. A biblioteca que por anos excluiu de suas dependências as crianças pequenas, por ser caracterizada como um lugar de silêncio e inércia. hoje, se atualiza e se reinventa para abrigar a multiplicidade de pequeninas vozes necessárias para compor-se enquanto um espaço de aprendizagem e saberes. Ao ler Bakhtin, percebi que a Biblioteca Escolar Infantil, deve se estruturar como um lugar singular, disposta a abrigar todos que a procuram. Desde a mais tenra idade, a criança precisa ter o contato com esse ambiente estimulador, logo, não buscamos verdades globais para constituir esses espaços, mas, a trama das relações sociais que estão imbricadas ao seu redor. Assim, apresento minha maneira de olhar para esse objeto de 59 estudo, colocando minha voz para circular entre os debates dessa temática. E quanto ao dicionário? Fui percebendo, ao longo das leituras, que Bakhtin se lê com a alma. De maneira insistente e sistemática, mas de coração aberto para entender tudo aquilo que nossa compreensão nos permite. Estudar o Círculo, é abrir- se para o novo sem medo de errar, e aceitar que EU, nas relações arquitetônicas que vou construindo, me possibilitam uma leitura única daquele que pode ser lido e compreendido por muito. REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail M. Estética da criação verbal. Tradução de Maria Ermantina Galvão G. Pereira. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. _________. Estética da criação verbal. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011. __________. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Paulo. Pedro & João editores. 2017. 60 61 BAKHTIN VAI AO CINEMA Maria Carolina Silva de Oliveira¹ A minha dedicação em estudar Bakhtin não iniciou de forma convencional, no meu primeiro semestre em Letras Português e suas Literaturas na Universidade Federal do Pampa, campus Bagé, eu acreditei verdadeiramente na possibilidade de me tornar uma Sherlock Holmes. A pessoa responsável por me fazer acreditar/ sonhar nessa possibilidade, notoriamente, foi uma professora. Ao passo que no segundo semestre me tornei Bolsista de iniciação científica nas ações afirmativas (PIBIC-AF) CNPq/Unipampa, orientado pela Doutora Professora Fabiana Giovani, a saber: “Da Análise linguística a estilística no ensino da língua: atualizando as considerações de Mikhail Bakhtin” a partir da análise de textos escritos. E durante esse período eu produzi dois capítulos de livros para o VII CÍRCULO - Rodas de Conversa Bakhtiniana FRONTEIRAS. O primeiro capítulo do livro : FRONTEIRA TÊNUE: A IDEOLOGIA POR TRÁS DA RISADA e depois “E” OU “OU”. E por isso, após três anos, eu e meu amigo, colega de curso e parte da minha personalidade, continuamos a levar a palavra sobre Gêneros Discursivos e o Marxismo e Filosofia da linguagem 62 para todos os nossos amigos que despretensiosamente visitam nossa casa em noites chuvosas quando o carro quebra na estrada. Como Drácula, sugamos a ignorância de quem não sabe observar a beleza do estilo de um gênero ou a quebra de estrutura utilizada como forma de quebrar nossas expectativas e se deliciar de um tema mergulhado em problemáticas sociais. Atualmente, sigo me dedicando ao estudo bakhtiniano, pois, vejo a beleza dos gêneros discursivos no desdobramento dos objetos passíveis análises que nossa sociedade produz ao desenvolver cultura. E como continuo na graduação, acrescento a esse conhecimento uma nova forma de compreender o sujeito. Como a autora Jacqueline Authier-Revuz, sinto que meu consciente não cabe em uma só corrente teórica. Por isso, quando eu tomei a decisão de cursar a disciplina eletiva “Cinema, psicanálise e discurso” oferecida no segundo semestre de 2019, antes do mundo estagnar, nesse momento, eu conheci a Análise do Discurso (AD) e a partir disso eu e Bakhtin entramos juntos no cinema. Quando eu descobri a AD e sua filiação francesa, a disciplina utilizava filmes como objeto de análise, eu me senti em casa: sozinha com os meus pensamentos e conversando com os meus amigos imaginários: os filmes. Ao conhecer a prática de análise e a concepção do sujeito, inconsciente e história e sua materialidade 63 na linguagem, eu comecei a observar o estilo na linguagem cinematográfica e, consequentemente, estrutura e tema. O que me motiva a continuar estudando Bakhtin é ampliar os conceitos do diálogo que podemos desenvolver com a cultura produtora de infinitos gêneros discursivos. Eu particularmente, quero utilizar o cinema como fonte de estudos, mas, isso é só uma das possibilidades, visto que: A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando- se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa” (Bakhtin, 1997, p. 280). O sujeito divide-se em três quando é confrontado por uma obra cinematográfica, podemos observar: o estilo nos proporciona a beleza das cores e direção de fotografia, planos amplos ou restritos, sensação de estranheza ou felicidade, contemplar paisagens de mundo alienígenas, tudo a mercê da criatividade humana. Enquanto a estrutura, nosagarra pela mão e nos leva a percorrer o caminho que ela deseja para contar a sua história, independente da nossa satisfação ou apreço pela personagem que 64 65 BAKHTIN E O TEXTO EM SEU STATUS NASCENDI: uma história de dialogia em registro Márcia Helena de Melo Pereira1 O começo... O encontro dessa pesquisadora com Bakhtin dá-se no ano de 1999, quando surge o interesse dela pelo texto visto em seu status nascendi, em uma parceria feita com a Crítica Genética, área da literatura que também vislumbra o texto do ponto de vista processual. Tal interesse é ainda mais aguçado quando a pesquisadora dispõe de um software francês chamado genèse du texte, desenvolvido pela Association Française pour la Lecture, em 1993, com objetivos pedagógicos, angariado pela orientadora da dissertação2 que ora se construía, Profª Drª Raquel Salek Fiad, da Unicamp, em visita à França. À época, registrar dados processuais não era tarefa fácil e o genèse du texte possibilitava o acompanhamento de todo o processo de produção de um texto, pois suas idas e vindas, suas substituições, novas ordenações, 1 Professora titular do Departamento de Estudos Linguísticos e Literários da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (DELL/UESB) e docente do quadro permanente do Programa de Pós-Graduação em Linguística da mesma instituição (PPGLIN/UESB). Vitória da Conquista, Brasil. E-mail: marciahelenad@ yahoo.com.br 2 MELO, Márcia Helena de. “A apropriação de um gênero: um olhar para a gênese de texto no Ensino Médio”. Dissertação (Dissertação em Linguística Aplicada). Instituto de Estudos da Linguagem – Univer- sidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000. 66 pausas, acréscimos, podiam ser registrados em forma de relatórios. Para a pesquisa de então, duas duplas de estudantes do Ensino Médio, alunos da pesquisadora, produziram três textos usando o genèse du texte, escritos em três gêneros discursivos diferentes: narrativa de ficção, notícia e carta argumentativa. Em acréscimo, a conversa que a dupla manteve entre si durante a elaboração textual foi gravada em áudio, seguida de uma entrevista. Como nasce um texto? Essa era a indagação principal. Para responder a esse e outros questionamentos, entra em cena Bakhtin com sua teoria dialógica, de enunciado e de gênero do discurso. Se tínhamos dois sujeitos conversando a respeito de um texto que estavam escrevendo, quem melhor para fundamentar tal reflexão do que Bakhtin e sua teoria dialógica? Se o produto da interação entre nossas duplas seria em forma de enunciados, quem mais poderia nos subsidiar do que Bakhtin? Se quando produzimos enunciados sempre tomamos por base um gênero, quem poderia ser o teórico de escolha a não ser Bakhtin? O doutorado veio logo em seguida. Novamente Bakhtin entra em cena, dessa vez com o postulado das duas forças que operam nos gêneros: uma que os estabilizam e os tornam homogêneos (forças centrípetas), e outra que os desestabilizam e os tornam heterogêneos (forças centrífugas). Segundo o teórico, há gêneros que não possibilitam muitas inovações, como é o caso de um 67 requerimento, por exemplo, que apresenta elementos constitutivos mais rígidos, tornando-o mais estável; mas há outros mais acomodatícios a entradas individuais, exemplificados pelo autor como sendo os gêneros literários. O foco centrou-se mais no pilar estilo, uma vez que o estilo individual está ligado ao enunciado e aos gêneros do discurso, havendo gêneros mais ou menos acomodatícios a entradas subjetivas. A tese investigou o embate de forças genéricas postas em operação durante a elaboração, agora, dos três textos de que dispúnhamos. Ela foi intitulada de “Tinha um gênero no meio do caminho. A relevância do gênero para a constituição do estilo em textos de escolares”3 e defendida em 2005. O meio... Em 2012, a pesquisadora entra para o corpo docente da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), como professora adjunta, fazendo parte do Departamento de Estudos Linguísticos e Literários (DELL). A inserção no Programa de Pós- Graduação em Linguística (PPGLin) deu-se dois anos depois. As orientações que desde então se seguiram continuaram 3 PEREIRA, Márcia Helena de Melo. “Tinha um gênero no meio do caminho. A relevância do gênero para a constituição do estilo em textos de escolares”. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada). Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005. 68 tendo os postulados do Círculo de Bakhtin como fundamentação teórica. A pesquisadora foi observando que as máximas a respeito do conceito de gênero discursivo respondem muito bem a questões postas também hoje, como Brait (1999) pontuou, ao salientar que mesmo em “gêneros próprios das novas formas de comunicação, viabilizadas pela tecnologia e, especialmente, por novos valores assumidos pelo homem contemporâneo em relação a tempo/ espaço, público/privado, efêmero/duradouro”, Bakhtin continua sendo autor de escolha. Afinal, o gênero não se limita a estruturas ou textos, embora os considere como dimensões constituintes. Implica, acima de tudo, dialogismo e a maneira de entender e enfrentar a vida. Essa premissa bakhtiana pôde ser vista em uma pesquisa orientada pela pesquisadora que teve como escopo o gênero diário íntimo. Nela, Jocelma Boto Silva4 buscou investigar os elementos linguísticos e/ou discursivos inseridos por dois sujeitos em diários que escreveram na tentativa de conhecer um pouco mais a respeito deles e de sua relação com a linguagem, além do próprio gênero em si. Outras pesquisas se sucederam, voltadas para gêneros como estes: blog, debate, resumo, resenha, TCC, petição inicial, Instagram, post de facebook, tweet, etc. 4 SILVA, Jocelma Boto. “O eu autobiográfico e suas funções: escrever a vida para que e para quem?”. Dissertação (Dissertação em Linguística). Programa de Pós-Graduação em Linguística – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista, 2016. 69 “Tudo ainda está por vir e sempre estará por vir”: (sobre) saindo pela carnavalização Há um desejo em Bakhtin, na obra “Para uma filosofia do ato”, de reconciliar o mundo da teoria e o mundo da vida. O evento único e irrepetível, do mundo da vida, sempre esteve no horizonte do filósofo. E a vida, no momento atual, leva esta pesquisadora cada vez mais para a interação nas mídias digitais. E é trazendo o Bakhtin de Rabelais e seu mundo, o Bakhtin do Dostoiévski polifônico e carnavalizado que esta pesquisadora prossegue, agora procurando traçar um paralelo do conceito de carnavalização com as fanfics, gênero bastante popular entre os adolescentes e com características carnavalizadas marcantes. O espaço é curto para um filósofo tão completo, pois sequer uma vida inteira bastaria para esmiuçar as diferentes faces teóricas que abarcou e nos legou. REFERÊNCIAS BRAIT, Beth. “A produtividade do conceito de gênero em Bakhtin e o Círculo”. Alfa, São Paulo, 56 (2): 371-401, 2012. 70 71 O CÍRCULO DE BAKHTIN: reflexões e usos na análise do discurso da imprensa Thomas Dreux Miranda Fernandes Marxismo e Filosofia da Linguagem, revela com enorme competência o conceito de Dialogismo, indicando o aspecto inescapável da interação e movimento entre os enunciados como a realidade fundamental da língua. Tal obra, ao apontar que é necessária a ancoragem material e histórica para se pensar - a partir da base social - o como as expressões humanas se constituem, além da reflexão sobre seu conteúdo, propõe um giro epistemológico revolucionário no pensar filosófico da linguagem. Nesse sentido, toma-se como exemplo a expressão artística em destaque no período de produção da obra e de atuação do Círculo de Bakhtin, a literatura. Na virada dos séculos XIX e XX, esta emerge, portanto, junto com uma nova maneira de percepção do mundo, expressando as questões pungentes da sociedade,extrapolando na forma, sua historicidade inerente. Assim, é isso que caracteriza o discurso indireto livre, uma nova forma de expressão historicamente colocada e criada a partir de um novo horizonte social que nascia e se transformava com a aceleração e consolidação do mundo do capital. Nesse sentido, é possível tomar 72 este raciocínio metodológico e aplicá-lo a outros usos e suportes como por exemplo a fotografia, aqui nos aproximamos, então, de outros objetos de estudo, criando novos diálogos e interações em uma proposta de pesquisa que toma os conceitos do Círculo de Bakhtin como base teórico-metodológica para novas análises que se propõe ir além do que fora realizado no início do século XX. Dessa, forma, partindo de uma formação concomitante e complementar em Jornalismo e História, meus interesses sempre tentaram aproximar, ainda que de maneira inconsciente, esses campos de conhecimento. Além disso, através das diferentes etapas do percurso acadêmico ficou evidente qual o ponto de contato entre estas, que podemos chamar de disciplinas, esse nó é justamente a reflexão a respeito do discurso e seu processo de formação. Explico. Após algumas incursões e pesquisas a respeito do fenômeno do WikiLeaks, seus reflexos e refrações na imprensa brasileira no início dos anos 2010, além de outra pesquisa dedicada à atuação diplomática do Itamaraty durante o Regime Militar (1964-1985), ficou evidente que o interesse maior estava justamente na busca pelo entendimento e razões para a formulação de um determinado discurso. Fosse esse o discurso oficial da diplomacia ou da imprensa burguesa. A partir daí acrescenta-se mais uma camada, a Fotografia. O fascínio exercido pela fotografia, tem sem dúvida fundamento 73 no seu caráter dialógico, ou seja, no quanto ela é capaz, enquanto suporte material, de dialogar com diversos outros tipos de enunciado, criando, recriando e reforçando diferentes processos de significação a partir da continuidade físico-química da realidade material. Assim, chegamos ao grande encontro multidirecional que se colocou pelo caminho, conjugar diferentes camadas, ângulos e vetores da realidade que aparecem quando nos dedicamos ao estudo do enunciado da imprensa brasileira durante o Regime Militar (1964-1985), através do prisma do fotojornalismo. A fotografia possivelmente é - por seu código aberto – uma das melhores expressões do que Volóchinov (2018) e o Círculo de Bakhtin se propunham pensar, língua, ideologia e discurso, dado que permite de maneira mais direta as reflexões e refrações que irão compor a significação do enunciado em uma via de mão dupla entre o enunciador e seu auditório. Se mostram notáveis os diferentes recortes e usos de um mesmo evento, abrangendo interesses de classe – representados na intencionalidade editorial dos jornais – e também individuais - representados na maior ou menor subjetividade nas interpretações dos fotógrafos. Com isso, se destaca a importância dos conceitos bakhtinianos, a noção de movimento proposta dentro da ideia de Dialogismo e o como tais ferramentas metodológicas, mas sobretudo, 74 tal virada epistemológica ajuda a se entender as nuances dos enunciados a respeito do golpe civil-militar de 1964 no Brasil, a compreensão das ferramentas de enunciação utilizadas, suas interações e a consequente historicização que nos transportam do que permaneceu nos jornais como a aparência dos eventos históricos para a sua essência material histórica. Os elementos de um enunciado, e aqui acrescentamos o enunciado fotográfico, são uma modulação do como e para quem se quer enunciar determinada expressão ideológica. E será essa base que tornará possível a compreensão e ampliação da existência sensível: Os novos aspectos da existência que passam a integrar o horizonte de interesses sociais e que são abordados pela palavra e pelo pathos humano não esquecem dos elementos da existência integrados anteriormente, mas entram em embate com eles, reavaliando-os, alterando o seu lugar na unidade do horizonte valorativo. Essa formação dialética se reflete na constituição dos sentidos linguísticos. Um sentido novo se revela em um antigo e por meio dele, mas com o objetivo de entrar em oposição e o reconstruir”. (VOLÓCHINOV, 2018, p.238). E será assim que o sentido se compõe e organiza, a partir dessa ampliação dialética do horizonte social, na qual o novo, através do já existente - que por sua vez é integrado - altera o já existente, ao mesmo tempo se opondo e renovando-o. Este é então um 75 processo instável, principalmente na significação. Na fotografia, fica visível como diferentes técnicas e estilos transformaram o fazer fotográfico ao longo da história e, especialmente o modo como tais alterações estiveram ligadas a inovações tecnológicas e formas de percepção do mundo material. No caso do Fotojornalismo, a fotografia a cores e, depois, a fotografia digital, trouxe novos elementos materiais de linguagem e interação social que afetaram o modo como esta passou a ser usada na expressão ideológica burguesa através da imprensa. Os conceitos de Bakhtin nos são caros, pois ajudam a levar para o campo prático as noções de - avaliação, significação e horizonte social - tomando como base a noção de que a linguagem e a expressão compõem e são, simultaneamente, alteradas pela realidade material/social na qual estão inseridas. Ao analisar as fotografias publicadas na Folha de S. Paulo e no Jornal do Brasil no ano de 1964, o objetivo é entender qual foi o papel das fotografias e dos diferentes usos da linguagem fotográfica na construção discursiva a respeito do golpe civil- militar de 1964, tentando criar novos entendimentos sobre os fatos e a importância da disputa discursiva no contexto. O que se viu, portanto, foi um posicionamento do jornal Folha de S. Paulo abertamente favorável ao movimento golpista e seus realizadores. Tendo sido feito um uso da fotografia e da linguagem fotográfica 76 de maneira supostamente objetiva, modulando o discurso jornalístico ao jornalismo moderno, que se afirmava naquele período. Dessa forma, as fotografias, interagindo com legendas, chapéus e demais textos, procuraram consolidar o consenso de que o movimento golpista estaria realizando uma “revolução” em favor da democracia, contra uma suposta ameaça comunista representada por João Goulart. O discurso “revolucionário” é a retórica da aliança das frações de classe, que se uniram para derrubar o governo constitucional de Goulart. Por suas lacunas e contradições o discurso revela o que deseja ocultar: que é o discurso da classe dominante e que as finalidades do movimento de março foram a contenção da participação política das classes subalternas e a dinamização da acumulação capitalista. (FIORIN, 1988, p.152) Nesse trecho vemos como os conceitos do Círculo de Bakhtin também estão presentes em outras reflexões, nesse caso de um grande linguista brasileiro. O que se vê no caso da presente pesquisa é o fato de que, nesse momento histórico, os periódicos analisados, sobretudo a Folha de S. Paulo, atuaram como amplificadores do discurso golpista e reproduziram enunciados que representavam os interesses de classe dos executores do golpe, nesse contexto a fotografia serviu também como referencial de veridicção dos fatos e eventos retratados, porém, 77 através do distanciamento proporcionado pela análise histórica, verifica-se que a fotografia também amplificou as lacunas de tal discurso interessado. Dessa forma, sublinhamos à necessidade e importância de historicizar a produção do enunciado, pois este é um caminho para se compreender seus usos ativos e socialmente vivos nas disputas cotidianas. E dentro dessa proposta as ideias bakhtinianas são um combustível fundamental para a realização de uma análise materialista histórica do passado.O discurso “revolucionário”, assim como o discurso religioso tradicional, é o discurso da “impotência política”. Retirada a história da estória, sobra a ordem social como algo natural. O discurso visa a manutenção do status quo, quer impedir a transformação, inculcando o conformismo e a resignação, deseja que uns sujeitos se submetam a outros. A finalidade última do discurso é repetir sempre o mesmo, é reproduzir as relações de produção. (FIORIN, 1988, p.153). Ainda na presente pesquisa, a análise do Jornal do Brasil tem revelado uma atuação pragmática e discursiva diferente. Ainda que preso à lógica de defesa dos interesses de classe, tal jornal mostrou-se mais disposto a retratar os eventos, dando a João Goulart um aspecto mais humanizado, além de não condenar diretamente suas propostas de reformas sociais. Com isso, observa- se também um uso das fotografias na construção enunciativa 78 que dá mais espaço para as intencionalidades e interpretações dos fotógrafos aparecerem de forma mais frequente, muitas das fotografias mais icônicas do período foram publicadas no jornal carioca e apresentam elementos da linguagem fotográfica que carregam grande força expressiva e estética para o enunciado. Por fim, tomando o uso da fotografia enquanto meio, dentro de um processo dialógico, é possível dizer que ela atua de maneira dialética no reforço do discurso monológico oficial como no caso do Regime Militar que existiu no Brasil. Mas ao mesmo tempo, porém, por se tratar de um suporte com códigos abertos e contínuos, nos ajuda justamente a perceber as lacunas e contradições que o enunciado revela, especialmente quando colocado em contato com a realidade material do período ou com outro periódico, transformando ativamente a realidade da nova leitura. Concluo, portanto, indicando a centralidade do pensamento bakhtiniano na presente pesquisa que desenvolvo, não apenas como fundamento teórico para a análise das imagens dentro da construção enunciativa da imprensa, mas sobretudo, como referência filosófico-metodológica de entendimento de mundo a partir de uma perspectiva dialética, histórica e materialista. Os conceitos aqui brevemente apresentados e discutidos são centrais para a construção de uma análise da produção discursiva 79 da imprensa brasileira entre os anos 1960 e 1980 devidamente historicizada. REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. São Paulo: Editora 34, 2016. 1a Ed. FIORIN, José Luiz. O regime de 1964: discurso e ideologia. 1 ed. São Paulo: Atual, 1988. VOLÓCHINOV, Valentin, 1895-1936. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Editora 34, 2018. 2ª Edição. 80 81 ESCOLHER UMA PALAVRA É TOMAR UMA POSIÇÃO Luiz Bosco Sardinha Machado Júnior1 Toda palavra é um campo de batalha. Em tempos em que a roda dialética da História se move fazendo mais ruído e as diferenças de classes sociais já não podem ser ocultadas sob a pretensa hegemonia dos discursos dominantes (MIOTELLO, 2001), a disputa pelos sentidos e significações deixa de ser exercício de estilo ou trabalho de hermenêuticas idealistas para se tornar um ponto de inflexão em que os atos de falam demonstram quais são os valores que indivíduos, grupos e instituições defendem. Mais do que demonstrar, exigem do sujeito a responsabilidade pelo que diz, fazendo com que responder às circunstâncias históricas e sociais seja inevitável (BAKHTIN, 1999). Quando Bakhtin/Volochínov (2012) defende que todo signo é ideológico, coloca o problema do surgimento das palavras, do processo de terem seus usos estabillizados e de seu possível ocaso, em um domínio que nada tem de neutro. A arbitrariedade do signo (SAUSSURRE, 2006) vem de convenções sociais que podem se estabelecer ao longo de eras ou por leis contemporâneas 1 Docente do Centro Universitário das Faculdades Integradas de Ourinhos, Ourinhos, Brasil, professor- luizbosco@gmail.com. Membro do Grupo “O círculo de Bakhtin em diálogo”. 82 que dizem o que pertence ou não a um idioma, por exemplo. A essência desse arbítrio não está em decisões pacíficas tomadas pela comunidade de um idioma; tem relação com processos de lutas pelo estabelecimento de uma ideologia hegemônica que será refratada nas escolhas dos signos que seus usuários venham a fazer. O caráter ideológico do signo está relacionado ao fato de que seu surgimento e uso se dão em momento histórico e lugar social específico, por falantes que adotam posições, respondem a outros e se conectam em algum ponto da infinita corrente de enunciação. Cada signo reflete a realidade social concreta de sua origem, espelhando as condições de um enunciado. Dialogicamente, refrata novas possibilidades a partir dessas mesmas condições, ao tecer significações individuais, de grupo e de instituições no prisma que constitui. A expressão direta do signo pode não ser a mais importante na busca de sua compreensão. Mais do que nunca, precisamos compreender seu uso em enunciados concretos. Nossa preocupação se volta às batalhas em torno de palavras e textos propagados com frequência no níveis cotidianos da ideologia e nos níveis oficiais. Em nossa tese de doutorado defendida em 2016, voltamo-nos à compreensão da chegada, disseminação e consolidação do termo bullying no Brasil 83 (MACHADO JÚNIOR, 2016). Compreendendo o diálogo que cada texto estabelece com seus predecessores e as possibilidades que abre para possíveis respostas, traçamos a trajetória conceitual, bem como as circunstâncias da sua disseminação. Pudemos observar que o conceito não foi utilizado dentro da arquitetônica do pensamento em que originalmente foi constituído, do teórico Olweus. Não há traduções de sua obra disponíveis no Brasil e constatamos que o conceito foi tomado junto aos mais diferentes referenciais teóricos de forma acrítica. Não somente a elucidação de possíveis lacunas está ausente, como também a busca da extensão das possibilidades que a teoria possui. Em momento algum negamos a existência de formas de violência sutis ou tornadas invisíveis no dia a dia das escolas. Pelo contrário, reconhecemos a importância em se estudar o fenômeno, incluindo as importantes contribuições que os estudos sobre bullying no Brasil já trouxeram. O que não podemos é deixar de observar as limitações que o uso do termo traz, seja pela falta de se buscar seu uso conceitual original, seja pelo uso que adquiriu no senso comum. O senso comum tomou esse termo em inglês, de difícil grafia, como uma novidade na escola, um fenômeno do século XXI. Seu uso indiscriminado acaba por ocultar os diversos preconceitos 84 da sociedade, que também estão na escola. O racismo, o machismo, a homofobia, entre outras formas de discriminação, tem suas especificidades e devem ser enfrentados com estratégias específicas. A abordagem generalista do bullying acaba por ocultar essas questões. A escolha por uma palavra está fundamentada em nossa posição histórica e social, bem como a que respondemos e quais respostas queremos suscitar. Se queremos realmente uma escola democrática e igualitária, não podemos optar por um termo generalista, de difícil compreensão e cujo uso científico possui lacunas importantes. As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É portanto claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem-formados. (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2012, p. 42) Podemos observar uma batalha cotidiana pelas significações de algumas palavras-chave na luta pela hegemonia ideológica no 85 Brasil. Isso pode ser compreendido como indíciodos confrontos de classe que estão em jogo, bem como a reação ao avanço do reconhecimento e inserção social de grupos oprimidos, como negros, homossexuais, entre outros. Quando nos deparamos com distorções de vocábulos importantes para nos situarmos na esfera pública, não estamos apenas diante de um equívoco. Podemos encontrar um elo de uma longa corrente dialógica em que se envolvem mecanismos de disseminação de informações elaborados para influenciar a opinião pública. É preciso compreender onde se situa cada vocábulo-chave e o texto que o veicula: quem fala, para quem, para que e respondendo a quê, em um nível que pode não ser o mais evidente em determinadas circunstâncias (BAKHTIN, 1986). 86 REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. [Volochínov, Valentín N.]. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 13. ed. São Paulo: Hucitec, 2012. BAKHTIN, Mikhail. Toward a philosophy of the act. Tradução de Vadim Liapunov. Austin: University of Texas Press, 1999. BAKHTIN, Mikhail. Speech genres and other late essays. Tradução de Vern W. McGee. Austin: University of Texas Press, 1986. MACHADO JÚNIOR, Luiz Bosco Sardinha. A construção do bullying nos discursos científicos produzidos no contexto brasileiro. 2016. 210 f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Assis, 2016. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. Tradução de Antônio Chelini. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2006. MIOTELLO, Valdemir. A construção turbulenta das hegemonias discursivas: o discurso neoliberal e seus confrontos. 2001. 336 f. Tese (Doutorado em Linguística) - Instituto de Estudos da Linguage, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001. 87 A VIDA DA PALAVRA Magno Santos Batista1 A palavra constitui-se como um produto social, linguístico, morfológico, sintático, semânticos, aspectos que contribuem para a formação da linguagem e da identidade do sujeito. Além disso, a palavra forma argumentos e transforma as arenas suaves em conflitos intermináveis. A palavra também representa à vida, ao cotidiano e faz parte do processo de interação entre os interlocutores. Ainda na palavra entoações, os contextos e as ideologias traçam os fios discursivos dos falantes e constroem perspectivas, frustrações e a linguagem da vida, do tu, do outro, do nós. Assim, Toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém quanto pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte”. (BAKTIN, 2010, p.63). O outro, o alheio, o alguém contribui para que a interação discursiva aconteça, porque a palavra é dirigida ao outro, e esse 1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura – UFBA – Professor substituto da UNEB-Teixeira de Freitas-Ba – Campus X; Professor da CESUPI – Faculdade de Ilhéus-Ba-Brasil. E-mai- l:magnosantos01@yahoo.com.br. 88 outro nos ajuda a entender as diversas faces que comportam a palavra. Palavra também conforme Bakhtin (2018) é um signo ideológico, pois na vida em sociedade, os sujeitos são atravessados pelas ideologias das instituições, dos lugares e dos territórios. A palavra ainda segundo Stella (2012) dita, expressa, enunciada, constitui-se como produto ideológico, resultado de um processo de interação na realidade da vida. Na interação da vida, os sonhos, os diálogos e a singularidade do sujeito constituem cada um. A palavra segue rumos que a compreensão Humana não alcança, além de que, a natureza da palavra é social, é viva. Essa vivacidade materializa-se em enunciado real, “que pode ser compreendido e avaliado não só pelo falante, mas também por seu auditório possível ou presente” (VOLÓNICHOV, 2018, p..315) Nesse auditório, os sujeitos apresentam a sua história, a sua ideologia, ou melhor, a sua vida e torna o auditório o lugar da Palavra. No auditório da vida, ainda comunga os desafios, as barreiras, os problemas metodológicos, as idas e vindas do ser, os encontros, os desencontros. Ainda no auditória, a palavra comporta as interrogações, réplicas e as tréplicas instaladas na interação discursiva. Na interação, a compreensão configura os ideais, as ideias, o outro, porque “toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva[...]” 89 (BAKHTIN, 2011, p.271) A palavra é responsividade, atividade, individual, coletiva, enfim, a palavra transforma as experiências em única e singular, porque: “a experiência discursiva individual de qualquer pessoa se forma e se desenvolve em uma interação constante e contínua com os enunciados individuais dos outros”. (BAKHTIN, 2019, p.54) Na experiência da palavra que aos poucos construo o sentido da palavra em Bakhtin e também do movimento da vida acadêmica, pessoal e profissional. Através de Bakhtin e o Círculo a palavra é a experiência mais forte e indelével vivida por mim. Uma vez que: O sentido da palavra é inteiramente determinado pelo seu contexto. Na verdade, existem tantas significações ´para uma palavra quantos contextos de seu uso. No entanto, a palavra não perde a sua unicidade; ela, por assim dizer, não se desfaz em uma quantidade de palavras equivalentes aos contextos de uso. Obviamente, essa integridade da sua composição fonética, mas também pela unicidade comum a todas as suas significações. (VOLÓNICHOV, 2018, p.196) Enfim, as significações das palavras bakhtinianas 90 transformaram a minha vida em verdadeira arte, na qual as faces, os conflitos, os encontros e os desencontros ultrapassaram as barreiras fônicas, as letras e os sinais para alcança a singularidade. Portanto, a palavra é vida. REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail.; VOLOCHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. Michel Lahud; Yara Vieira. 14 ed. São Paulo-SP: Hucitec, 2010 BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2011 BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2019. STELLA, Paulo Rogério. Palavra. BAKHTIN: conceitos-chave. Beth Brait (org). ed. São Paulo-SP: Contexto, 2012. VOLÓCHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2018 VOLÓCHINOV, Valentin. A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e poemas. . Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2018 91 ALTERIDADE E EMPATIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: reflexões para se pensar as relações entre crianças, famílias, professores e formação docente Waleska Maria Costa Betini1 Desde sua eclosão, a Educação infantil emerge com inúmeros desafios: as formas de atendimento às crianças, a interação entre elas e os adultos, a formação docente, a participação das famílias, a concepção de criança entre outros. Desafios que potencializam diversas pesquisas e nos colocam diante da urgência de se questionar o papel do outro no cotidiano da Educação Infantil e, ao mesmo tempo, aprofundar questões sobre nossa formação docente. Logo, em algumas instituições não se considera a singularidade das crianças, há relações autoritárias com as famílias, despreparo de alguns professores para reconhecer a criança como sujeito histórico e de direitos, contrariando as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (BRASIL, 2010). Nesse sentido, os estudos de Bakthin têm muitas contribuições para o processo de formação docente, uma vez que, ao se apropriar desses construtos teóricos, haverá a possibilidade de se reverter relações interpessoais excludentes, ao 1 Mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professora da rede pública de Vitória e de Cariacica, ES, Brasil. Ex-membro do Fórum Permanente da Educação Infantildo Espírito Santo – FOPEIES. E-mail: waleskabetini@gmail.com 92 se repensar as práticas educativas. Então, é um ato responsável: “[...] porque ser realmente na vida significa agir, com acolhimento à diversidade. É ser não indiferente ao todo na sua singularidade”. (BAKTHIN, 2010, p. 99). Diante do exposto, a teoria bakthiniana nos convoca a mudar nossa forma de pensar e de agir. Logo, se a criança foi silenciada ou invisibilizada historicamente e, se a família ainda sofre com um apagamento em relação à sua forma para participar ativamente, também se observa que muitos docentes não têm tido a oportunidade de alargar suas concepções teóricas e metodológicas, em face das formações (tanto inicial quanto continuada). Que não retratam as tensões e os dilemas da profissão no cotidiano. Isso posto, é oportuno destacar o conceito de alteridade: Creio que um caminho a percorrer é precisamente aquele que nos apontam as relações atentas com alteridade, porque elas nos permitem também, como a arte, escutar o estranhamento. As ações do outro, os dizeres do outro, prenhes de sua cultura, quando confrontados com objetos e fenômenos que nos escondem as valorações que nós mesmos lhes atribuímos, mostram-nos o que não mais conseguimos enxergar (GERALDI, 2010, p. 89). 93 A fala do autor nos permite refletir sobre essa relação com o outro a partir do entrecruzamento dessas enunciações dos sujeitos envolvidos e, ao mesmo tempo, avaliar não só as atitudes, mas perceber o tom de nossas diretrizes axiológicas. Assim, as ações de escutar e observar os outros podem abrir caminhos para a compreensão, não só das suas falas, mas também dos seus gestos. Inclusive, o autor ressalta que a alteridade também pode ser um caminho metodológico, o que por si, já indica a urgência de nosso ato responsivo, nesse contexto, especialmente quando inúmeras pesquisas indicam o quanto às relações na escola tem sido desprovidas de acolhimento e empatia com práticas educativas que cerceiam as falas e as ações das crianças, de suas famílias ou de seus profissionais, e essa é uma posição de não reconhecimento do outro. Para tanto, há que se ter uma formação docente sólida, crítica e criativa que abarque os princípios éticos, políticos e estéticos, conforme determina as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (BRASIL, 2010), o que exige um olhar empático e de amorosidade com o outro. A RELAÇÃO “EU-OUTRO” E A VISÃO EXOTÓPICA Interagir socialmente é algo muito dinâmico, seja no contexto mais amplo ou escolar, pois envolve atitudes, valores, crenças, 94 tradições e sentimentos. Por isso, recorremos a Delores, (1999) para refletir sobre os quatro pilares da educação para o século XXI, que são: “aprender a conhecer”, “aprender a fazer”, “aprender a viver juntos” e “aprender a ser”. Então, sobre os dois últimos, ressaltamos a importância da empatia e da amorosidade nas relações “eu-outro” na Educação Infantil, uma vez que conviver exige colocar-se no lugar do outro, atitude de pertencimento entre outros. Em que pese, “aprender a ser” nos leva a pensar na necessidade de haver solidariedade, justiça e amorosidade nas nossas relações e agir de forma coerente com esses princípios éticos. Ou seja, aponta a relação do eu com a coletividade, e exige que cada pessoa haja de forma ativa: [...] pressupõe que ela realize a partir de uma posição externa, extralocalizada, exotópica, outra, diferente e ao mesmo tempo indiferente, mas participativa. Postam-se assim, dois centros de valor, aquele do eu e aquele do outro, que são dois centros de valor da própria vida, em torno dos quais se constitui a arquitetônica do ato responsável [...] (PONZIO, 2010, p. 30). Com base nessa afirmação, é condição sine qua non ter esse olhar exotópico em relação ao outro, reconhecendo esses dois centros de valor, como uma força motriz (a criança, 95 seus familiares, colegas de profissão entre outros). Com isso, reconhecer que esse outro é um ser humano é, sem dúvida, a principal diretriz axiológica. E, ao compreender isso, modificar as relações, sobretudo as autoritárias, as injustas e antidemocráticas. Com efeito, as contribuições dos estudos de Bakthin nos levam a afirmar que: [...] Somente um amor desinteressado segundo o princípio “não o amo porque é bonito, mas é bonito porque o amo”, somente uma atenção amorosamente interessada, pode desenvolver uma força intensa para abraçar e manter a diversidade concreta do existir, sem empobrecê-lo e sem esquematiza-lo [...] (BAKHTIN, 2010, p. 128). Nessa fala está explícito que o outro deve ser percebido com amorosidade e a beleza do ato está nessa força intensa para abraçar, respeitar e manter a diversidade, tal como deve ser vivenciada no cotidiano de qualquer espaço. Portanto, Bakthin (2010) nos ajuda a produzir narrativas de amorosidade com argumentos plausíveis sobre alteridade no nosso viver-agir. Esse é um dos principais desafios, da docência, da formação continuada, enfim, da nossa vida. 96 REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. Para uma filosofia do ato responsável. Trad. Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos; Pedro & João Editores, 2010. BRASIL, Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil. Brasília: SEB, MEC, 2010. DELORES, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC: UNESCO, 1999. GERALDI, João Wanderley. Ancoragens: estudos bakhtinianos. São Carlos: Pedro e João Editores, 2010. PONZIO; Augusto. “INTRODUÇÃO”. In: BAKHTIN; Mikhail. Para uma filosofia do ato responsável. Trad. Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010. 97 PRÁTICA: caminhos assertivos em Bakhtin Prof. Adriano Julio Nogueira1 TODO INÍCIO É DIFÍCIL Falta de pertencimento é como eu resumiria o começo. Um aluno transferido de uma universidade particular para uma pública é uma ação bem danosa. Implica inclusive irregularidade da grade acadêmica. Sem receber nenhuma informação, tínhamos que nos virar. Porém, eu era inquieto e estava procurando um grupo incansavelmente com o qual eu poderia preencher a falta de pertencimento. Surgiu assim o convite para o GEB/Assis em 2009. Lembro-me de chegar à UNESP/Assis para a minha primeira reunião. No saguão da faculdade, havia mais três pessoas e a reunião foi ali mesmo. Encontrei naquele grupo pertencimento e na teoria bakhtiniana tudo o que acreditava e tudo aquilo que responderia com a minha vida. Quantos diálogos, conversas e até mesmo brigas, mas aquele grupo - nós quatro - foi o início oficialmente das pesquisas bakhtinianas em Assis. O início da minha vida acadêmica foi difícil, mas tudo valeu 1 Professor particular e participante do GEB/Assis. adriano.drano@gmail.com. Paraguaçu Paulista, SP. 98 a pena e no final do curso já contava com diversas publicações, congressos importantes e quatro capítulos de livro no currículo. Porém, ainda estava longe da prática. AS ESCOLHAS Enfim precisava fazer uma escolha: continuar como servidor público ou partir para a licenciatura, escolhi permanecer como funcionário público. Essa decisão nunca esteve longe daquilo que aprendi nas teorias bakhtinianas e logo me apropriei de uma única citação que seria o lema da minha vida: “Pelo que vivenciei e compreendi na arte, devo responder com minha vida para que o todo vivenciado e compreendido nela não permaneca inativo”. (BAKHTIN, 2000 pg. XXXIII; XXXIV). Conceitos como Ideologia, Dialogismo e Polifonia fluíam, e eu precisava transformar isso em ato. A minha escolha passou a ser a arte. Eu já não apenas vivenciava a arte e as teorias que aprendi, eu as replicava. Mesmo com o perigo alto de cair num estruturalismo infindável. Todo risco foi necessário, e em 2013surgiu o meu ato mais Representativo: a APEP (Associação Paraguaçuense de Escritores e Poetas). Nosso pequeno grupo de escritores ganhou notoriedade e hoje contamos com várias publicações, projetos e fomento à 99 leitura e prática literária no município de Paraguaçu Paulista. Bastou uma escolha correta para fazer a diferença, muitas vezes não é necessário reconhecimento, mas sim consciência de ter feito a coisa certa. O empreendedorismo cultural foi a prática mais assertiva que pude realizar com o todo vivenciado na teoria bakhtiniana. Um caminho que pretendo seguir enquanto for possível. Mas sabemos que tempos difíceis seguem como sombra, tentando silenciar vozes tão importantes quanto as nossas - entusiastas bakhtinianos. Compartilhar vivências pode representar um novo sentido para aqueles pesquisadores que estão sem esperança. Saiba que essa publicação é ousada, pois o próprio Bakhtin e o seu círculo foram ousados. Quis neste texto apresentar a minha vivência de maneira bem simples. Mas cada palavra exprime a verdade observada nos conceitos do Círculo Bakhtiniano. Espero que esta leitura sirva de motivação para você, leitor, se jogar nas letras, nos textos de Mikhail Bakhtin. Portanto, aprenda com Bakhtin e o seu círculo e pratique com suas vidas. REFERÊNCIA BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 3. Ed. [Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira]. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 100 101 ELO DAS TEORIAS BAKHTINIANAS EMBASADAS NA PRÁTICA DOCENTE Adriana Randi Silva1 Fonte da fotografia: Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Mikhail_Bakhtin> Analisando a imagem e o texto apresentados, podemos fazer a leitura de que, desde o nascer e provando que está vivo, o bebê já faz o uso da linguagem ao pronunciar o choro. Isso tem recíproca de diálogo entre médicos, filho(a) e cuidadores, resultando numa resposta de interpretação significativa. “Viver significa tomar parte do diálogo [...].” A língua serve para comunicar ideias e ideais, para manifestar opiniões de decepções, para provocar diálogos e debates, para 1 Professora de Educação Básica I, na cidade de Ribeirão Preto/SP. Pedagoga com licenciatura em Ma- gistério da Educação Infantil, Administração Escolar, Magistério das Disciplinas Pedagógicas do Ensino Médio, Magistério das Séries Iniciais do Ensino Fundamental; pela FABAN. Formada em Psicopedagogia Clínica e Institucional na Faculdade Metropolitana de Ribeirão Preto. 102 pronunciar feitos e desfeitos, para dizer e desdizer, para fazer rir ou chorar. A língua serve para emocionar, para emitir respeito ou preconceito, serve para gritar sabores e dissabores, serve até mesmo para fazer calar! Por que o meu olhar voltado para as teorias do filósofo russo? Pontuo, neste texto, a minha chamada de atenção aos estudos de Bakhtin porque foi justamente quando li que a interação múltipla e o diálogo permeiam entre os seres humanos e são aplicáveis na vida. Foi na teoria bakhtiniana, que positivei todo o processo de ensino e aprendizagem da minha sala de aula, ou seja, na inter-relação. Por meio das inúmeras experiências, desde que nasce, a criança vai construindo o seu conhecimento para resolver entender o mundo e integrar-se nele. Ela levanta problemas e constrói hipóteses, apropriando-se da diversidade de saberes e fazeres de maneira coletiva e construtiva. O meu trabalho está voltado às habilidades e aos conheci- mentos já adquiridos pelos estudantes. Ao chegar na escola, eu, como mediadora da aprendizagem, utilizo disparadores de moti- vação para iniciar o conteúdo a ser estudado. Sendo assim, o es- tudante irá colocar em prática tudo aquilo que traz consigo. Para que isso ocorra com clareza, é necessário o uso do diálogo e da troca de experiências entre um e o outro, do outro com os outros, 103 ou seja, a interação múltipla dos componentes constituídos na sala de aula. Para fácil compreensão da minha dinâmica, relato aqui que toda ação educativa tem a sagacidade através do diálogo permanente, da intervenção, do encaminhamento e da devolução; pois esses são constitutivos do ato de aprender e ensinar. O que varia, é a forma de como cada concepção de educação concebe o que é aprender, o que é ensinar, o que é conhecer e, portanto, qual é o exercício da intervenção, do encaminhamento e da devolução. Para a concepção que busca uma relação democrática, o ato de intervir fundamenta, prepara, aquece, instiga, provoca e impulsiona o processo de aprendizagem, assim como a construção do conhecimento embasado no dialogismo. Através do planejamento de minhas intervenções, lanço questionamentos e desafios que instigam o pensar, o refletir, o duvidar sobre o que sabem, para assim, no mal-estar provocado (problematização), possam iniciar a construção do que ainda não conhecem e, desta forma, compartilharem saberes entre si. Tanto eu quanto os meus estudantes (cada um em sua função), fazemos, exercitamos intervenções, encaminhamentos e devoluções. Para construir a aula juntamente com o estudante, crio estratégias e ações que possibilitarão exercitar suas intervenções. Proponho encaminhamentos e que os estudantes 104 façam devoluções, tanto para seus pares quanto para mim e de mim para com eles. Dentro do conteúdo a ser aplicado, construo minhas intervenções, tendo claro qual é o foco que devo priorizar ao ensinar. Acredito que as intervenções sejam o alicerce da aprendizagem significativa e construção do novo, que sejam a alavanca que sedimenta o aprendizado de perguntar, questionar e que provoca o estudante a pensar. Portanto, o planejamento das minhas hipóteses de intervenções está centrado, primeiramente, no movimento do ensinar e na construção da aula. É nesse exercício que vou estruturando o aprendizado de aprender a perguntar e questionar. São as intervenções que vão alicerçando o “desembrulhar” do objeto em estudo do conteúdo. Elas vão possibilitando que cada um socialize suas dúvidas, seus saberes e, deste modo, a poderem constatar seus conhecimentos (tanto o que já sabem como, principalmente, o que ainda não conhecem), valorizando a relação do eu com o outro e a relação das vozes entre si (sujeito da língua), que circundam como poder dominante da comunicação na troca de experiências e na interação da aprendizagem em sala de aula. O diálogo, nessa perspectiva, pode torna-se a âncora para uma aprendizagem real e significativa, assim como a troca de saberes, mais eficaz. 105 [...] a língua em sua totalidade concreta, viva, em seu uso real, tem a propriedade de ser dialógica. Essas relações dialógicas não se circunscrevem ao quadro estreito do diálogo face a face, que é apenas uma forma composicional, em que elas ocorrem. [...] (BARONAS et al., 2013, p. 29). Busco uma educação de excelência e, diante a vastos estudos, identifiquei-me com a filosofia bakhtiniana, a qual a entrelacei à minha prática pedagógica, que viabiliza proporcionar reflexões fundamentais na interação e troca de experiências. Fonte: Elaborado pela autora. REFERÊNCIAS BARBOSA, José Juvêncio. Alfabetização e leitura. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1994. FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. 2 ed. 2ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2018. 106 107 BAKHTIN DENTRO DA EDUCAÇÃO FÍSICA Bruno Basilio Cardoso de Lima Tudo começa com a matrícula em uma disciplina muito especial, “Pedagogia da Alteridade de Bakhtin” na UFPE com a professora Eliete Correia Santos. Foi neste local que tudo começou, a paixão pela alteridade, pela análise dialógica do discurso e pela carnavalização bem conceituada e definida pelo círculo. Mesmo sendo professor de Educação Física em um programa de Linguística a recepção da professora e dos outros estudantes foi empática e amável fazendo com que o ambiente da disciplina fosse agradável, altérico e afável. A disciplina transcorrei de formamajestosa e sistemática, a professora demonstrou maestria nos conceitos apresentados sobre a vida de Bakhtin e o círculo inclusive sobre a história do filósofo que muito se entrelaça com o escritor desse capítulo. O amor despertado pela linguagem em todas as suas manifestações, incluindo a linguagem corporal tanto estudada durante a graduação, mas nunca pensada como uma ponte dialógica para se estabelecer comunicação efetiva. “Podemos acrescentar a essa paixão e outra que, progressivamente, invade o interessa do círculo, em especial em seus tempos de Leningrado: a paixão pela 108 linguagem” (BAKHTIN, 1993, p. 14) Esse sentimento profundo e apaixonado só fica mais claro durante uma disciplina na Universidade Estadual da Paraíba com o professor Fábio Marques e Ivo sobre Bakhtin e cinema, cada momento era profundo e aterrorizante, pois, me tocava a alma. Desse momento tão único fez-se necessário o registro em um livro, intitulado de audiovisuais e processos educacionais: diálogos a luz de Bakhtin, pela Editora Mentes Abertas falando sobre as análises individuais sobre os conceitos do nosso filósofo e os filmes escolhidos de forma específica. Esse texto parece inacabado, igualmente as obras do círculo, não inacabado pelo fato de não ser finalizado fisicamente, mas sim pelo fato de sempre faltar informações que possam agregar nessa linda obra. Chegando as considerações finais dessa pequena dissertação sobre minha vivência juntamente com a obra de Bakhtin reafirmo o ato de reflexão quando se coloca em pauta a análise dialógica do discurso e como essa teoria pode nortear a intervenção e vários momentos escolares, assim como se seguiu na obra organizada por Tatiana Cristina que contribuí com um capítulo de fundamental importância para intervenção na educação física, para os que pensam que o filósofo esta preso aos conceitos linguístico lhes garanto que seus ensinamentos ultrapassam barreiras e interpelam ciências das mais variadas. 109 REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail; FARACO, Carlos Alberto; TEZZA, Cristóvão. Para uma filosofia do ato (1919-1921). Tradução: FARACO, CA, 1993. CEZARIO, D. S.; LIMA, J. F.; LIMA, B. B. C. Audiovisual e processos educativos: Diálogo à luz de Bakhtin. São Paulo, Mentes Abertas, 2020, 260 p. VASCONCELOS, T. C. Fundamentos e práticas psicopedagógicas na contemporaneidade. São Paulo, Mentes Abertas, 2020, 229 p. 110 111 EXPERIÊNCIA E REFLEXÕES DO PAPEL DO CÍRCULO DE BAKHTIN NA FORMAÇÃO CONTINUADA Joice Castilho Silva Rivera1 Quando fui apresentada aos conceitos e à história do círculo de Bakhtin, inicialmente, tentei apreendê-lo apenas como mais um movimento intelectual surgido em volta de um grande pensador. O trabalho do Círculo foi produto de discussões entre membros de um grupo extraordinário de acadêmicos; porém, apesar de isto corresponder à realidade, é apenas parte da verdade. Neste artigo, relato minha experiência sobre porque me dedico ao estudo do círculo de Bakhtin, e documento minhas reflexões sobre como essa dedicação ocasionou um ponto de inflexão positivo no meu desenvolvimento profissional, pessoal e social. Meu primeiro contato com o círculo de Bakhtin aconteceu num momento da minha carreira em que eu sentia que precisava evoluir, porque acredito que, dentre vários outros motivos, um bom professor é fundamental para o desempenho do aluno. Então, como um professor se torna bom? O que eu poderia fazer para ser tão boa como aqueles professores que marcaram minha trajetória educacional? Assim como fui motivada a ser 1 Pedagoga na Prefeitura Municipal de Uberlândia e Colégio Dom Bosco, Uberlândia, Brasil, joicecastilho. psico@yahoo.com. 112 professora, senti pesar sobre meus ombros, a responsabilidade de eventualmente estar contribuindo com a tomada de decisão vocacional dos meus alunos. Neste momento, me dei conta de que o professor deve treinar, como qualquer outro profissional especializado deve fazer. A maioria dos professores obtém seu treinamento educacional na faculdade, cursando disciplinas que são projetadas para atender aos requisitos da licenciatura e para apresentar as principais políticas educacionais existentes. A troca de conhecimento entre nós é uma forma de treinamento, e de resistência, que fornece aos novos professores uma maior chance de sucesso, assim como sustenta professores veteranos, à medida que estes enfrentam novos desafios na educação. Isso ficou evidenciado claramente nestes tempos de pandemia, quando fomos exigidos a dominar tecnologias de internet para assegurar o ensino remoto. Tecnologias estas quase desconhecidas ou pouco dominadas pela maioria dos professores. Ficou evidente que, quando novas formações não acontecem, existe o risco de os professores, não somente abandonarem precocemente a profissão, mas também adoecerem cronicamente. A outra preocupação é que, quanto mais o treinamento for insuficiente, mais os alunos sofrerão. Antes de avançar nesta reflexão, é necessário recuar um pouco no tempo e na história. O Círculo de Bakhtin, como fenômeno 113 institucional, herdou a tradição dos círculos de discussão (krug) que havia sido uma forma importante de vida intelectual na Rússia desde a década de 1830. Para burlar a censura imposta pelos czares, intelectuais formavam círculos secretos de discussão nos quais seus ideais iluministas podiam ser expressos (BRANDIST, 2002, p. 12). As críticas que eles faziam à estrutura social russa não podiam vir a público, pois era tido como ato de alta traição, punido com a morte. Recentemente, a influência do Círculo se espalhou pela pedagogia, teoria social, filosofia e psicologia, como uma estratégia de expansão do conhecimento. Apesar de Mikhail Bakhtin e o grupo de pensadores que se reunia à sua volta terem feito isso clandestinamente, eles exercem uma influência cultural benéfica e massiva contemporaneidade (BRANHAM, 2005, p. 12). Bakhtin é reconhecido como teórico-chave sobre algumas manifestações da cultura popular; e, seus escritos são tema recorrente nos estudos culturais (BRANDIST, 2002, p. 11). Como o movimento encabeçado por Bakhtin está sendo revivido e estudado, temos à disposição um conjunto de lições que ensina que, cada membro do círculo, aproveita completamente a extensão das ideias de seus pares; e, a partir daí, o conjunto de profissionais amplifica o conhecimento para a sociedade. Estou convencida que os ideais dos membros do círculo de Bakhtin 114 podem, e devem, ser estudados e adaptados por nós, professores, que desejamos ser melhores pessoas, profissionais e cidadãos. Na simbologia das formas, o círculo é associado à nossa própria força individual, que nos mantém evoluindo. Ele significa evolução, representa a busca pela união e plenitude; além de ser sinônimo de movimento, expansão e tempo. Todo enunciado está impregnado de vários outros enunciados que se movimentam, dialogam e polemizam entre si, propondo ao ouvinte, uma resposta, verbal ou não. Nós, professores, somos profissionais da palavra. As palavras em si, segundo os pensadores do Círculo, são neutras, vazias. É no terreno da criação ideológica que palavras podem cumprir funções ideológicas específicas. Graças à ideologia as palavras podem adquirir sentido, e quem seria melhor que os professores para fazer as palavras cumprirem sua função social? Palavras são uma das unidades da língua que cumprem funções específicas apenas quando inseridas no contexto que as rodeia. As palavras também não possuem dono. Elas são fruto de outras palavras, de outros enunciados. Não há falante ou enunciador primeiro. Todos reproduzem, a seu modo, aquilo que já foi dito, pondo nas palavras seu tom, fazendo-as ter expressividade e intenção discursiva determinadas (LIMA, 2017, p. 20). 115 Um enunciado é apenas um elo de uma cadeia infinita de outros enunciados. Assim,todo enunciado reproduz ou refuta um outro, o que não se dá de modo natural, psicológico ou mecânico. Qualquer material precisa ter seus sujeitos fixados em determinadas posições sociais e mesmo este pequeno artigo reflexivo precisa estar sujeito a julgamentos de valor e ressignificações (BAKHTIN, 2003,p. 258). O legado de Bakhtin é mais do um apanhado de característica da linguagem. Ele é, sobretudo, uma visão de mundo. Assim, torna-se impossível analisar o mundo longe de suas relações dialéticas com a história, a sociedade e com o próprio homem. 116 REFERÊNCIAS BRANDIST, Craig. “The Bakhtin Circle: Philosophy, Culture and Politics”. Sterling, USA. Pluto Press: 2002. BRANHAM, R. Bracht, editor. “The Bakhtin Circle and Ancient Narrative”. In Ancient Narrative Supplementum, vol. 3, Barkhuis, 2005, pp. 11-24. Disponível em www. jstor.org/stable/j.ctt13wwxnp.3. Acessado em 11/12/2020. HILÁRIO, Rosângela Nogarini. “Contribuições do Círculo de Bakhtin para os estudos em Aquisição de Linguagem”. Estudos Linguísticos. Volume 40, número 2, mai-ago 2011: p. 567-580. LIMA, Marília Dalva Teixeira de. “Dialogismo e construção de sentido no gênero propaganda: possíveis diálogos entre discurso político e marketing viral”. Revista Prolíngua. Volume 12, Número 2, out/dez de 2017: p. 17-27. SOUZA, Diego Pinto de e PADILHA, Simone de Jesus. “Aquisição dialógica da linguagem: palavra bakhtiana”. I Seminário de Estudos de Linguísticos e Literários, UFMT, Cuiabá, 2016. 117 IDEOLOGIA LINGUÍSTICA BAKHTINIANA NO DISCURSO DE INTÉRPRETES DE LIBRAS: tem professor que não tá nem aí Gabriela Serenini Prado Santos Salgado1 A Língua Brasileira de Sinais, Libras, compõe o par linguístico das línguas de trabalho dos profissionais Tradutores e Intérpretes de Libras e Língua Portuguesa (TILSP). No Brasil, o reconhecimento da profissão veio em 2010, com a Lei 12.319 e tramita, atualmente, o Projeto de Lei 9.382/2017 que visa adequar pontos da referida lei. No documento, este profissional é definido como alguém com “[…] competência para realizar interpretação das 2 (duas) línguas de maneira simultânea ou consecutiva e proficiência em tradução e interpretação da Libras e da Língua Portuguesa” (BRASIL, 2010) Os TILSP e o processo tradutório em si vêm se tornando, cada vez mais, objetos de pesquisas científicas visto que a temática que abarca a atuação, a formação profissional e a subjetividade são de elevada importância, além de mostrar o cenário de inclusão das pessoas com surdez. Nesse artigo busco apresentar o posicionamento ideológico do discurso de uma profissional 1 Intérprete de Libras. Servidora pública na Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL-MG, Alfenas- -MG, Brasil. E-mail: gabriela.santos@unifal-mg.edu.br 118 intérprete de Libras sobre docentes que atuavam em uma sala de aula com estudante surdo utilizando, para tanto, o conceito de ideologia linguística do Círculo de Bakhtin. Para Volóchinov (2017, p. 175), a língua só pode ser considerada um sistema de normas centrada em si mesma, se este for o “modus de existência da língua para cada um dos membros dessa coletividade linguística”. Portanto, uma concepção diferente do que apresentavam os defensores estruturalistas em que o processo comunicacional era entendido como uma via de mão única na qual o falante era visto como o sujeito ativo e o ouvinte, como o sujeito receptor do discurso. Na concepção de língua como fato ideológico, todo sujeito falante participante do processo de interação verbal é constituído de ideologia. As construções verbais e não verbais estarão ideologicamente marcadas por traços da sua formação social, política, entre outras e podem aparecer indiretamente no discurso. A ideologia no discurso é fortemente defendida pelos estudiosos do Círculo pois ela é indissolúvel do sujeito interacional. O ato tradutório envolve processos complexos e, por conseguinte, envolve toda carga ideológica existente entre os discursos produzidos pelo falante da língua fonte, e que será traduzida e interpretada pelo profissional intérprete de Libras, para a língua alvo. De toda maneira, as formações ideológicas 119 desses sujeitos estarão circulando entre os discursos produzidos na situação comunicacional, uma vez que toda palavra (ou sinal) possui representação de significado ideológico (VOLÓCHINOV, 2017, p. 181). A língua carregada de signos ideológicos marca e define, portanto, o processo comunicacional. Ao compreender que nenhum discurso é aleatório, a carga valorativa sobre a palavra passa a ser maior em uma sociedade ou menor em outra. A formação ideológica do sujeito se mostra por meio da escolha de palavras para compor o seu discurso, portanto “acompanha e comenta todo ato ideológico [...]” (BAKHTIN (VOLÓCHINOV) 2012, p. 38). A língua de sinais é um exemplo de disputa de valor linguístico em uma sociedade e, historicamente, vem buscando o seu reconhecimento social por meio de movimentos políticos e de representação de seus usuários majoritários, os surdos. Nesse cenário de disputa, Luana2, que atua como intérprete há, aproximadamente, sete anos, exclusivamente na área educa- cional, apresenta em seu discurso uma questão acerca da melho- ria ou da aceitação do intérprete por parte dos professores e dos gestores educacionais. Ao perguntá-la qual a visão dos profissionais da educação, nas escolas por onde passou, em relação ao intérprete, Luana 2 Luana é o nome fictício da participante. 120 relata: tem professor que não tá nem aí... o problema tá mais nos professores do que no aluno… ele tem capacidade normal, a diferença é que ele não ouve e usa outra língua, mas os professores não conseguem entender isso… Luana, ao afirmar que os professores, sujeitos ouvintes, não se preocupam com o processo de aquisição do conhecimento da pessoa surda, se posiciona ideologicamente para defender uma luta histórica da comunidade surda, ou seja, a formação adequada e o conhecimento das especificidades linguísticas do sujeito surdo. Além disso, seu discurso emana outros discursos anteriormente proferidos sobre o respeito às pessoas com deficiência e o reconhecimento da Libras como meio de comunicação oficial das pessoas surdas brasileiras. Na visão de Luana, o estudante surdo possui capacidade de aprendizagem, porém em outra língua, e há profissionais que não compreendem a função dos TILSP em sala de aula, e, por exemplo, entregam para estes a tarefa de ensinar os conteúdos, porém esta função é exclusivamente dos docentes. No espaço educacional a disputa de valores linguísticos acontece diariamente, pois a relação linguística existente entre alunos, docentes e gestores ouvintes com os estudantes surdos é delicada, pois a Libras não está presente em todos os espaços educacionais e a singularidade linguística do sujeito surdo ainda é estranha à comunidade escolar. 121 Portanto, o excerto acima mostra que todo discurso é ideológico e traz uma carga social e histórica do sujeito que o produz, além de recuperar discursos anteriormente produzidos para reforçar a luta dos profissionais intérpretes e da comunidade surda com relação à educação das pessoas com surdez na educação brasileira. REFERÊNCIAS BRASIL. Casa Civil. Lei n.º 12.319. Regulamenta a profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. Brasília: 2010. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12319.htm. Acesso em: 18 de dez de 2020 BAKHTIN, Mikhail. (VOLOSHINOV) Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 13.ed. São Paulo: Hucitec, 2012, p. 9-132 VOLÓCHINOV, Valentin N. (Do círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Org., Trad., Notasde Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. p. 91-102; 173-200 122 123 AS CONTRIBUIÇÕES CULTURAIS E LINGUÍSTICAS DE MIKHAIL BAKHTIN Renata Meury Rodrigues Ferreira Mikhail Mikhailóvitch Bakhtin, ou simplesmente Mikhail Bakhtin, foi um dos grandes intelectuais da área dos estudos culturais e linguísticos no século XX. O autor russo, nasceu em Moscou, no final do século XIX, mais precisamente em 1895, tendo se formado em História e Filosofia ainda aos 23 anos. Durante este período, o pensador passou a integrar um grupo de estudos que levaria o seu nome e que desde então passou a se dedicar aos estudos sobre linguagem, arte e literatura, onde assumiu grande protagonismo, sendo destaque inclusive a nível mundial. O Círculo de Bakhtin, como ficou conhecido, atuou entre os anos de 1919 e 1974, ano de sua morte. Juntamente com o estudioso russo, fizeram parte outros grandes nomes, como o linguista Valentin Voloshinov e o teórico literário Pavel Medmedev, entre outros. O Círculo se destacou, entre outros aspectos, por estudar as teorias marxistas, não apenas ao nível filosófico, como também sociológico, econômico e mesmo político. Fato é que ao participar deste importante grupo de estudo, Bakhtin se notabilizou por 124 produzir uma vasta obra, deixando reflexões sólidas para o campo linguístico, pois a reflexão bakhtiniana abriu espaço para infinitas possibilidades de estudo da linguagem. Neste breve ensaio, que ora apresentamos, temos como finalidade apresentar e discutir algumas das contribuições mais importantes deixadas por Mikhail Bakhtin, sobretudo para o campo dos estudos linguísticos e culturais, em especial naquilo que se refere aos conceitos de língua, linguagem, enunciado e discurso, isso porque “Mikhail Bakhtin dedicou a vida à definição de noções, conceitos e categorias de análise da linguagem com base em discursos cotidianos, artísticos, filosóficos, científicos e institucionais” (PINHEIRO, 2009). Lançando um primeiro olhar sobre as ideias do autor russo, Mikhail Bakhtin, percebemos que para ele a língua se materializa como enunciados orais e escritos, concretos e únicos e nunca como expressão do pensamento individual do sujeito, mas sim como um produto oriundo da coletividade. Para o autor, a língua é produto do meio, isto porque sofre influências do contexto social no qual se insere, sendo dessa maneira fábrica e objeto ideológico. Por outro lado, a língua só existe porque é falada, caso contrário seria apenas um conjunto de signos, pois, sem falantes, a língua não gera comunicação e assim torna-se língua morta, como é o caso do latim. Segundo essa concepção, 125 a língua só existe em função do uso que locutores (quem fala ou escreve) e interlocutores (quem lê ou escuta) fazem dela em situações (prosaicas ou formais) de comunicação. O ensinar, o aprender e o empregar a linguagem passam necessariamente pelo sujeito, o agente das relações sociais e o responsável pela composição e pelo estilo dos discursos (PINHEIRO, 2009). Nesse presente ensaio será abordado os seguintes pontos estudados pelo autor: • Discurso: O discurso é como um jogo de xadrez, onde se arquiteta com cautela, cada formação discursiva pois um discurso é muito mais que um aparato de palavras, sendo dessa maneira único. • Enunciado: Temos como enunciado a materialização da língua em questão no formato Verbal, redigido, tangível e intangível e dessa maneira o discurso torna-se depende do enunciado pois o mesmo nasce das estranhas nasce das entranhas do respectivo ( Enunciado nasce através do discurso). Um ponto importante para que não se crie dúvidas na cabeça do estudante novo nos estudos Bakhtinianos é frisar as diferenças 126 entre frase e Enunciado tendo em vista essa dificuldade daremos a definição de ambos a seguir. • Frase: É a singularidade em questão da língua que está sendo usada pelo falante. • Enunciado: É o uso tangível da frase, observada a começar das concepções gramaticais (arquitetar de maneira adequada na língua proposta o léxico e a sintase). • Língua: Idioma usado por um ciclo x de pessoas. Segundo a visão bakhtiana, por a mesma ser usada por muitos, no social, em um meio onde as pessoas simultaneamente se comunica, seja pela forma, comercial, educacional ou até mesmo familiar é de suma importância que todos se compreendam. • Texto: É o princípio mãe usado para a compreensão de um determinado tema no espaço das ciências humanas, para que assim, fazendo o uso do mesmo, a pessoa tenha a oportunidade de se expressar com clareza de acordo com as suas ideologias. Bakhtin o Homem da Linguagem Mikhail Mikhailóvitch Bakhtin, considerado por muitos 127 um homem da linguagem, pois trouxe inúmeras contribuições para esse ramo, em especial para linguística, e por ter esse olhar carinhoso, nos presenteou com obras de extrema importância como é o caso da obra “Estica da criação verbal” e outras. Estudar Bakhtin é ter uma passagem para o entendimento do mar que é a linguagem, tendo em vista que ela só existe se for compreendida pelo falante, a linguagem é como uma corrida de formula um, que para existir precisa de um piloto, e isso é o fascinante. Muitos se perguntam porque estudá-lo? E eu como uma simples estudante digo, para ter a passagem para compreensão, entender o que são gêneros, o que é um texto, discurso, enunciando, o que de cara parece fácil, más na realidade é um falso cognato, pois nem tudo que reluz é ouro, e lendo Bakhtin é possível ter uma visão mais clara e precisa, além da sua maneira de abordagem que encanta o estudioso e faz com que se tenha vontade de buscar mais sobre o tema e o autor. A língua e a palavra são quase tudo na vida. Bakhtin, 203a, pag 324. 128 REFERÊNCIAS PINHEIRO, Tatiana “O filósofo da Linguagem” Revista, Nova escola, Edição 224/2009. MOLON E VIANNA “O Círculo de Bakhtin e a Linguística Aplicada / The Bakhtin Circle and Applied Linguistics”Bakhtiniana, Ver. Estud. Discurso vol.7 no.2 São Paulo July/ Dec. 2012. https://novaescola.org.br/conteudo/1621/mikhail-bakhtin-o-filosofo-do-dialogo https://periodicos.uesc.br/index.php/litterata/article/view/621 https://periodicos.ufpe.br/revistas/EUTOMIA/article/view/1793/1364 129 O FAZER DOCENTE FRENTE AO AUTISMO A PARTIR DA PERSPECTIVA BAKHTINIANA Thacio Azevedo Ladeira1 O desenvolvimento do sujeito autista na escola acontece à medida em que é oportunizada para ele a interação social mediada pela linguagem, conceitos caros à ideologia bakhtiniana para explicar a constituição dos indivíduos. Tal perspectiva fundamenta a prática profissional que será apresentada, como professor de Educação Especial no município de Campinas/SP com destaque para o trabalho com estudantes no TEA, tendo como referência teórica central os estudos de Mikhail Bakhtin. O professor de Educação Especial em Campinas/SP pode atuar na sala de recursos ou dentro da escola regular trabalhando na identificação e superação de barreiras que possam representar possibilidades de exclusão. A prática apresentada no presente trabalho parte do cotidiano escolar e se concretiza na sistematização e implementação dos conteúdos registrados no projeto pedagógico da escola, além de planejamento e avaliação das atividades pedagógicas visando a autonomia e a formação integral dos estudantes. 1 Professor de Educação Especial da EMEF Geny Rodriguez em Campinas/SP - Brasil. thacioladeira@ id.uff.br 130 Para um trabalho com educação especial a partir de uma perspectiva inclusiva é necessário estar amparado por diversos autores que sensibilizem e fundamentem a prática profissional, dentre os quais destaco a importante influência bakhtiniana. Mikhail Bakhtin viveu no período de 1895 a 1975 na Rússia e apresenta uma rica contribuição no campo da linguagemcom diversas produções, sendo considerado filósofo da linguagem e teórico da literatura. Foi um dos mais destacados pensadores dentro do grupo de intelectuais que se reunia regularmente entre os anos de 1919 a 1929 em São Petersburgo, que visava reflexões filosóficas e construção de uma teoria da criação ideológica, grupo denominado Círculo de Bakhtin. O presente trabalho tem como objetivo apresentar reflexões sobre a atuação docente ancorado à perspectiva inclusiva, e a prática como professor de Educação Especial do município de Campinas/SP, enfatizando o trabalho desenvolvido com estudantes no TEA a partir das reflexões filosóficas de Bakhtin, considerando sua influência no campo da comunicação e linguagem. O autismo representa uma singularidade neurológica cuja principal característica é a demonstração de pouco interesse em construir interação social e comunicação (SCHMIDT, 2013, p. 13). Verifica-se historicamente, grande controvérsia com relação à 131 distinção entre “autismo, psicose e esquizofrenia”. Mas para romper com subgrupos e categorias inadequadas, a psiquiatra inglesa Lorna Wing propõe a noção de “espectro autista” (BAPTISTA; BOSA, 2007, p. 29), o que mais tarde passa a ser compreendido como a ideia de um continuum, como é dito atualmente, em que há níveis diferenciados na reciprocidade social, comunicação e desempenho pessoal, variando de casos considerados leves até os graves, em diferentes representações dos indivíduos com TEA, todas com graus de capacidade singulares. Considerando a comunicação e a linguagem como aspectos que precisam ser desenvolvidos, de modo geral, no estudante com autismo, encontra-se em Bakhtin uma transposição de seus conceitos, originalmente dedicados a produções artísticas e culturais, em especial da literatura, para o estudo das relações sociais e da diversidade. Bakhtin se dedicou a descontruir o que para ele representava um dos maiores equívocos da Linguística de sua época, isto é, a separação da linguagem de seu contexto externo (social, histórico, ideológico), considerado pelo pensador um imenso “proton pseudos”. (BAKHTIN, 2004, p. 109). Para Bakhtin, a língua habita na comunicação verbal concreta, de modo que o processo de evolução dos indivíduos é de natureza social e se desenvolve a partir das relações com o outro, mediadas pela linguagem. Assim 132 afirma o autor: A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico da sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua .(BAKHTIN, 2004, p. 123). Ao se debruçar sobre o universo do Transtorno do Espectro Autista (TEA), um dos aspectos que precisa ser considerado com atenção pela prática docente a fim de ser potencializado é a relação com o outro. Com isso, o trabalho com os estudantes com autismo na EMEF Geny Rodriguez em Campinas/SP tem visado estimular a socialização e comunicação, valorizando atividades em grupo e atividades lúdicas, reconhecendo que durante o jogo e na brincadeira a criança está se desenvolvendo e construindo sua autonomia (ZANLUCHI, 2005, p. 89). A partir das interações realizadas entre os estudantes e deles com o professor, observou-se maior socialização e autonomia de todos, rompendo com a distância entre os alunos e superando posturas de desigualdade e exclusão escolar. Nesse sentido, os 133 estudantes no TEA à medida que são integrados, apresentam um melhor desenvolvimento na comunicação e também na realização das tarefas escolares, ao se perceberem num ambiente com muitos estímulos sociais. Assim, o papel fundamental do educador é de potencializar para o estudante sua compreensão da realidade, suas trocas sociais, e os mecanismos de interação com o mundo que o cerca. Nesse sentido, se apoiar em Bakhtin pode instrumentalizar o professor, no campo de suas reflexões e prática profissional, à valorizar e oportunizar espaços de interação com o outro, reconhecendo que a importância da comunicação e da linguagem no ambiente escolar não é prerrogativa do estudante no TEA e sim de todos os educandos. 134 REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 11 ed. São Paulo: Hucitec, 2004. BOSA, Cleonice. Autismo: atuais interpretações para antigas observações. In BAPTISTA, Cláudio Roberto & BOSA. Autismo e Educação – Reflexões e propostas de intervenções. Porto Alegre: Artmet, cap. 2, p. 21-40, 2007. SCHMIDT, Carlo. Autismo, educação e transdisciplinaridade. Campinas: Papirus, 2013. ZANLUCHI, Fernando Barroco. O brincar e o criar: as relações entre atividade lúdica, desenvolvimento da criatividade e Educação. Londrina: O autor, 2005. 135 UMA JANELA E MÚLTIPLOS MUNDOS PARA O CARNAVAL Marcelo Fecunde de Faria1 Foi estudando o carnaval no interior do Brasil que tive o primeiro contato com o pensamento bakhtiniano, naquela ocasião em pesquisa de campo sobre os mascarados urbanos de rua em Goiás, em tempos de carnaval, recebi como indicação a obra A cultura popular na Idade de Média e no Renascimento: o contexto da obra de François Rabelais, que era uma edição de 1987 publicada pela editora UnB. Uma obra extensa e rica em contextos, confesso que em vários momentos fiquei confuso, pois ali se delineava muito do que eu estava desenvolvendo em meu trabalho com os mascarados em Goiás. Em uma semana havia lido toda obra, e no fim da leitura, havia um misto de incompreensão, de êxtase, de alegria, e de desespero. Sim, pois um despertar me fez perceber que aquela leitura que havia feito era simplória para a grandiosidade do que eu tinha em mãos. O pensamento bakhtiniano sobre o carnaval se demonstrava para mim abrindo uma janela interdisciplinar, onde diversos elementos construíam uma paisagem, tendo em vista sua trajetória 1 Doutorando em Performances Culturais – UFG. Goiânia-Goiás. fecunde@gmail.com 136 na criação do círculo de Bakhtin que reunia diversas áreas do conhecimento, e nos antecedentes da carnavalização enquanto um conceito que constitui um conjunto de reflexões acerca de grandes áreas do conhecimento entre literatura, linguística, artes, humanas, ciências sociais, psicologia. Nos escritos de Mikhail Bakhtin (1895-1975) a fundamentação da carnavalização foi focada na literatura, o autor discute que a literatura carnavalizada se refere a influência que esta sofreu das diversas formas de folclore carnavalesco. Mas seus estudos demonstram que esta influência vai além da literatura e se constitui em uma cosmologia do pensamento carnavalizado. O pensamento bakhtiniano apesar de não trazer fundamentos acabados em si demonstram que a interdisciplinaridade está presente na formulação de uma visão de cultura extremamente aberta em que as relações de linguagem expressiva na comunicação com o “outro” são dialógicas. Assim, “a cultura de uma época, por maior que seja o seu distanciamento temporal em relação a nós, também não pode ser fechada em si mesma como algo pronto, plenamente acabado, que se foi para sempre, como algo morto” (2017 [1971], p.16). Na cosmovisão carnavalesca que se delineia no estudo sobre a obra Dostoievskiana2, e é aprofundada nos estudos da obra 2 Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski (1821-1881) escritor e filósofo russo. 137 de François Rabelais (1494-1553), há uma absorção crítica do pensamento Kantiano3 de metafísica e do pensamento de Cassirer4 sobre consciência, bem como um aprofundamento do marxismo, debatido no círculo, que constrói uma cosmovisão do carnaval na idade média e no renascimento, evidenciando a trajetória do pensamento humano, e a evolução da linguagem em seus aspectos ideológicos. Claramente a paisagem que formou na janela abertapor mim me levou para outros mundos. Principalmente ao compreender que o carnaval e toda sua teatralidade não poderia ser pensado como um conjunto de palavras e enunciados generalizados, pois torna-se claro que as concepções ideológicas constroem seus signos e suas formas, advindos da interação, assim cada tempo produz seus signos. Bakhtin concentra-se no colapso das hierarquias estritas da Idade Média e no início do Renascimento, observando a maneira como os antigos modos de viver e trabalhar coletivamente, de acordo com os ritmos da natureza, ressurgem nas formas populares. Em suma, muitos ensinamentos podem ser analisados, tendo o carnaval como materialidade da sociedade, mas considerando que este texto é uma forma de demonstrar como foi meu primeiro contato com o pensamento bakhtiniano, trago aqui a questão que motiva toda minha pesquisa, em primeiro lugar o “outro” como 3 Immanuel Kant (1724-1804) filósofo alemão. 4 Ernst Cassirer (1874-1945) filósofo alemão 138 primordial da pesquisa científica, não é possível olhar as formas carnavalescas, sem pensar nas interações que são produzidas das relações, seja durante as manifestações, seja em sua amplitude cosmológica. O indivíduo em festa, seja no carnaval medieval e renascimento, seja no carnaval contemporâneo e sua diversidade, não é passivo, toda ação carnavalesca é responsiva, ela se constrói dentro de uma arquitetônica em que o enunciado emitido é avaliado dentro do eu-para-mim, outro-para-mim, eu-para- mim, outro-para-mim, eu-para-outro, o discurso verbal, visual e corporal, no carnaval se constitui destes atos linguísticos, “toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso); toda compreensão é prenhe de resposta” (BAKHTIN, 2006, p.271), portanto aquele que ouve torna-se falante, bem como aquele que vê, assiste e participa. Em segundo lugar, como a ideologia influencia no emissor do enunciado e determina suas escolhas e ações nas relações que são construídas nos eventos da vida. 139 REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Trad. Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 1987 {1965}. BAKHTIN, Mikhail Mikhailovich. Para uma filosofia do ato responsável. [Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco]. São Carlos: Pedro e João editores, 2017. 160 p. 140 141 A PALAVRA IDEOLÓGICA É O MEU DOMÍNIO SOBRE O MUNDO1 Wallace Dantas2 “[...] E a palavra não pode ser enfeitada e artisticamente vã, tem que ser apenas ela. [...]” (Clarice Lispector, por Macabéa, em “A hora da estrela”, 2017, p. 54) “A palavra é o meu domínio sobre o mundo”, já disse Clarice Lispector. “A palavra é o símbolo ideológico por excelência”, já disse Volóchinov. E da palavra vou vivendo... E na palavra vou me redescobrindo... me reinvento... me conheço e, através dela, me sinto responsável pelos discursos que profiro. Meu contato com a palavra responsável de Bakhtin veio ainda na graduação, quando descobri que, por meio da palavra, poderia dominar o mundo. No entanto, dominar o mundo não poderia de forma alguma ser de qualquer forma, de maneira irresponsável, mas tinha que ser através da ética, da responsabilidade, à luz do entendimento de que meu Ser, em um determinado evento, poderia dominar, Ser, agir, falar 1 O título deste texto faz referência direta a uma citação da escritora Clarice Lispector em “A hora da estre- la e a Valentin Volóchinov em “Marxismo e Filosofia da Linguagem”, conforme deixo claro nas primeiras deste capítulo. 2 Aluno regularmente matriculado no Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino – PPGLE da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, Campus Central, Campina Grande-PB. E-mail: wallacedantaspb@hotmail.com . 142 e ser responsável. Depois que compreendi tudo isso da palavra, através das leituras bakhtiniana, em especial em “os gêneros do discurso” (BAKHTIN, 2016), entendi que a palavra poderia ser usada em gêneros diversos, sejam primários ou secundários, atrelados à realidade humana e cotidiana dos seres socialmente constituídos dessa mesma palavra. Aprendi que a palavra, além de ideológica por excelência, define o homem, o constitui, o situa, o esconde ou pode torna-lo a aparecer. A palavra, realmente, tem poder! É essa palavra tão bem analisada em “Marxismo e Filosofia da Linguagem” (VOLÓCHINOV, 2018) que, inclusive, me impulsiona a escrever este texto, com ciência da responsabilidade que tenho em cada linha escrita. É essa responsabilidade contida nas ideias provenientes de minhas palavras, orais e/ou escrita, que fundamenta minhas pesquisas em nível de pós-graduação, em especial mestrado. Atualmente, as ideias linguísticas do chamado Círculo de Bakhtin fundamentam a análise dos dados da minha dissertação de mestrado, desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino/PPGLE da Universidade Federal de Campina Grande/UFCG. É essa palavra que externa os sentimentos positivos e negativos, que mostra a verdade e a mentira que, inclusive, pode vir vestida de silencio, já que “o silêncio fala” e falamos através da palavra. É incrível para mim compreender que vivo por meio da palavra: ela me alimenta, 143 dela vem meu sustento (afinal, sou professor de língua portuguesa), me torna responsável perante os homens, nasço através dela e, por ela também, serei sepultado e morrerei. REFERÊNCIAS BAKHNTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. Notas da edição russa de Seguei Botcharov. 1ª ed. São Paulo: Editora 34, 2016. LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. 1ª ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2017. VOLÓCHINOV, Valentin (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linaugem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova América. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. 2ª ed. São Paulo: Editora 34, 2018. 144 145 CONTRIBUIÇÕES DE NOÇÕES DOS GÊNEROS DISCURSIVOS NAS PRÁTICAS DE ENSINO Wesley Pinto Hoffmann1 Betiza Gonçalves Scortegagna2 ENUNCIAÇÃO E GÊNEROS DO DISCURSO Conforme Bakhtin (1997), um enunciado pode ser tanto falado, como escrito e é expresso como um ato de comunicação social em uma unidade real do discurso. Há interatividade e relação entre sujeitos ou sujeitos e textos. Nessa dinâmica, o receptor dos enunciados não é um ser completamente passivo, já que ao ouvir ou ler e compreender um enunciado, adota uma atitude responsiva, ou seja, o receptor pode concordar, discordar, complementar, discutir, ampliar, atuando de uma forma ativa no ato enunciativo, até mesmo se optar não dizer nada, sendo esse processo que Bakhtin denominou como compreensão responsiva ativa. O enunciado, de acordo com Bakhtin (1997), é único e irrepetível, já que foi formado a partir de discursos proferidos 1 Graduado em Letras Português, Inglês e Respectivas Literaturas pela Universidade de Passo Fundo. E-mail: wesleywph@gmail.com 2 Graduada em Letras Português, Inglês e Respectivas Literaturas pela Universidade de Passo Fundo. E-mail: 146 em um momento específico e exato de interação social. Há uma relação dialógica presente na enunciação que é responsável pela construção dos enunciados, que são carregados de discursos que os precedem e de reações que serão os discursos que sucedem os enunciados. De acordo com Bakhtin (1997), cada situação social origina um determinado gênero, com características específicas e peculiares a cada esfera de atuação social. Os enunciados se manifestam através de algum gênero, e cada situação comunicativa é realizada através da língua em determinados gêneros do discurso, que são ilimitados. Bakhtin (1997) também relaciona a formação dos gêneros do discurso ao aparecimentode novas e transformadas esferas de atividade humana, que regulam a manifestação e a características dos enunciados sob sua influência. Na formação dos gêneros discursivos há uma distinção constituinte entre gêneros primários e gêneros secundários. Conforme Faraco (2009, p. 64) Em cada uma dessas esferas, desenvolve-se, em cada época e em cada grupo social, um conjunto de gêneros de formas da comunicação socioideológica (p. 20) — que Bakhtin chamará adiante de gêneros do discurso, distinguindo os gêneros primários (aqueles da ideologia do cotidiano) e os gêneros 147 secundários (aqueles dos sistemas ideológicos constituídos) (FARACO, 2009, p. 64). A infindável heterogeneidade e similaridades entre os gêneros levou Bakhtin (1997) a definir uma divisão entre os gêneros primários e secundários. Em consonância com Bakhtin (1997), os gêneros primários aludem a eventos comunicativos cotidianos, informais e espontâneos, como o bilhete, a conversa em chats e aplicativos, como o WhatsApp e Messenger, entre outros gêneros dessa natureza. Os gêneros secundários, diferentemente dos primeiros, predominantemente são manifestados através da escrita e aparecem em situações comunicativas mais complexas e planejadas, como o caso do romance (amplamente estudado por Bakhtin e seu círculo), a palestra, o artigo científico, entre outros. O que é ressaltado na diferenciação entre os gêneros primários e secundário é a complexidade; a essência e formação desses gêneros são os mesmos. De acordo com Bakhtin (1997) os gêneros do discurso são constituídos por três esferas indissociáveis. São elas: conteúdo temático, construção composicional e estilo. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e 148 por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais -, mas também, e sobretudo, por sua construção composicional. Estes três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera da comunicação (BAKHTIN, 1997, p. 279). CONTRIBUIÇÕES NAS PRÁTICAS DE ENSINO Em nossas experiências acadêmicas, na Disciplina de Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa II, do curso de Letras na Universidade de Passo Fundo, desenvolvemos planos de unidade em língua portuguesa com vistas a aplicação no estágio supervisionado requerido pela Universidade. Durante a elaboração dos planos de aula, e do consequente plano de unidade, valemo-nos das noções e contribuições de Bakhtin para discorrer a sequência de atividades. No primeiro plano de unidade, elaborado para uma turma de 9º ano do ensino fundamental, utilizamos como gênero discursivo principal, o gênero diário pessoal, que emprega a utilização da primeira pessoa e recursos estilísticos comumente empregados em gêneros mais informais. 149 A partir do trabalho com o gênero infográfico, traçamos uma interface com conteúdos gramaticais que se relacionam com a utilização do gênero diário e estão presentes nesse gênero, focando em uma gramática de uso, partindo das situações reais de comunicação. Também realizamos um paralelo com o filme A culpa é das estrelas e o livro O diário de Anne Frank, e exploramos temáticas correlatas que proporcionaram pertinentes reflexões e motivaram para a produção de um novo gênero discursivo, no caso, o gênero diário pessoal. Em um segundo plano de unidade, também dedicado ao ensino fundamental, desenvolvemos reflexões acerca dos gêneros entrevista e currículo, apresentamos temáticas relevantes que envolvem a profissão do tradutor, e proporcionamos a produção de um currículo digital e um e-mail de apresentação. Consideramos que as contribuições do filósofo da linguagem, Bakhtin, são uma alternativa viável na elaboração de planos de aula e planos de unidade pautados na diversidade de gêneros que circulam na sociedade e que merecem destaque nas práticas pedagógicas. 150 REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: ______. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 277-326. FARACO, Carlos Alberto. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola, 2009. BAKHTIN, M.; VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 13. ed. São Paulo: Hucitec, 2009. 151 BAKHTIN, GÊNEROS DO DISCUSO E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS Prof. Dr. Ícaro Luís Fracarolli Vila1 O processo de globalização e a industrialização chamada 4.0 são fatores responsáveis por acelerar o ensino de idiomas no Brasil. Com o aumento do mercado mundial, a necessidade de se comunicar em outras línguas, sobretudo a língua inglesa, atingiu uma importância nunca vista na história. Esse movimento ainda é maior daquele visto no período posterior à Segunda Guerra Mundial. Naquele momento, os Estados Unidos iniciaram uma campanha de chamada de indústria cultural, que se deu por filmes, televisão, mídia impressa, entre outros, chegando até a internet. Pensamos que a cultura subjaz uma nação, uma localidade geográfica. Assim, com a hibridização, ou seja, um processo de aglutinar culturas de forma a formar uma cultura globalizada. Grupos diferentes agregam conteúdos de outras culturas, como foi muito forte com a cultura francesa e é hoje com a norte- americana. As tecnologias digitais contribuíram para isso, de 1 E-mail do autor: vila.icaro1@gmail.com 152 forma a aumentar a fluidez de conteúdos e informações. Mesmo se sentindo parte de uma determinada cultura, tem-se um supermercado cultural, onde se compra elementos de diversas culturais. Diante disso, várias áreas do conhecimento se organizaram para estudar os fenômenos advindos do século XX, desde as mais consagradas, como Filosofia e Sociologia, até as mais recentes, como Psicologia e Linguística. Nesta, em especial, vários grupos trouxeram inúmeras contribuições ao ensino e aprendizagem de línguas materna e estrangeira. Dentre eles, destacáramos Mikhail Bakhtin. Nascido na Rússia, o estudioso caminhou por diversas áreas do conhecimento a fim de ser um autêntico pesquisador da linguagem humana. Pesquisou sobre o romance, sobre a linguagem, passando por marxismo, semiótica, estruturalismo, de forma a desenvolver conceitos como polifonia, cultura cômica, cronótopo, carnavalização e as teorias do gênero do discurso. O estudo de gêneros do discurso é de muita importância para um aluno de língua estrangeira. O texto, parte de Estética da Criação Verbal, explica com muita propriedade a distinção entre oração, plano do sistema e enunciado no plano da comunicação discursiva. Pode-se entender melhor considerando a perspectiva dialógica do discurso. 153 Há gêneros orais e escritos que apresentam certa semelhança na sua estrutura. Por exemplo, um discurso presidencial ou uma carta argumentativa têm uma estrutura definida, seja pelo uso, seja pela linguística textual. Contudo, apesar da natureza dissertativa, ambos apresentam extrema heterogeneidade por ser um oral e outro escrito. Bakhtin (1992, p. 262) afirma que a “heterogeneidade dos gêneros discursivos e tão grande que não há, nem pode haver um plano único para o seu estudo”, já que se trata de modalidades diferentes de materialização da linguagem, com recursos gramaticais e estilísticos distintos. Outra questão inerente é relativa ao sujeito que faz uso da língua para dar forma ao seu discurso. Cada indivíduo é resultado do que estudou, com quem conviveu, ou seja, tem um background linguístico-cultural diferente, de maneira que irá escrever ou falar de acordo com ele. Também se considera que nossas ideias são fruto daquelasjá compreendidas e da nossa própria faculdade mental, de maneira que há polifonia entre elas, como Bakhtin (1981, p. 85) define. Na visão do autor, não há como proferir um discurso de forma rasa. Estamos sempre dialogando com o nosso repertório. Como diz, “é como se soassem ao lado da palavra do autor”. Na sala de aula, tais contribuições são importantíssimas para uma visão do ensino voltado para o ensino social da língua. Desta 154 forma, as atividades linguísticas propostas têm no professor o papel de mediador principal. A língua não pode ser vista como algo imutável, homogêneo e unitário. Ela é viva, falada por milhares de falantes, que estão em processos de polifonia recorrentes e, englobando as transformações históricas, sociais e econômicas do momento histórico. Esta visão do ensino, diferentemente do ainda acontece em ensino de língua materna, é bastante comum em línguas estrangeiras. Os livros didáticos já vêm de uma tradição com base bakhtiniana. Desde os anos 1980, com a adoção da abordagem comunicativa de ensino, o estudante deixou de ser considerado como aquele que deveria apenas repetir frases à revelia. Com esta nova visão, eles devem ser capazes de se manifestar de maneira adequada ao contexto de comunicação, não desconsiderando seu repertório cultural. Aceita-se até o uso de língua materna em alguns momentos da aula. O mais importante é fazê-lo um sujeito comunicador e não repetidor, tal qual esclarece o Quadro Comum Europeu de Referências para as Línguas (VILA, 2016). A respeito disso, Sob a ótica bakhtiniana, é no fluxo da interação verbal que a palavra se concretiza como signo ideológico, que se transforma e ganha diferentes significados, de acordo 155 com o contexto em que ela surge. Dessa forma, constituído pelo fenômeno da interação social, o diálogo revela-se como a tessitura da vida pela linguagem. (KRAEMER, 2006, p.4) Em virtude do que foi explicitado, ensinar línguas estrangeiras nos dias de hoje é propor situações de aprendizagem que insiram o estudante no mundo globalizado do século XXI, capacitando-o para se comunicar em diferentes situações, considerando seu repertório cultural e o dialogismo com aquilo já lhe foi absorvido. Não se pode aceitar em mundo tecnológico a visão de um aluno tábua rasa, mas como um sujeito que tem a capacidade de se comunicar nas mais diferentes situações. E assim que se consegue atingir os objetivos da aula de língua estrangeiras. 156 REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 1981. KRAEMER, Márcia Adriana Dias. Ensino gramatical de língua materna: uma arena de conflitos. REVISTA LETRA MAGNA. Revista Eletrônica de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Lingüística e Literatura - Ano 03- n.04 -1º Semestre de 2006. VILA, Ícaro Luís Fracarolli. An overview through TESOL: a special case of Brazilian students. (dissertação de mestrado). Ann Arbour: Michigan University Press, 2016. 157 ALTERIDADE E DIALOGISMO EM BAKHTIN E A COMPREENSÃO RESPONSIVA EM ESTUDOS DE CASO CLÁSSICOS Dirlan de Oliveira Machado Bravo1 Michell Pedruzzi Mendes de Araújo2 As pesquisas de Bravo (2014/2020), as quais me refiro neste capítulo, trazem como metodologia para a produção de dados o estudo de caso, tendo como intuito alcançar os seus objetivos3 centrais. Isso porque observamos que essa perspectiva tem como ensejo legitimar a forma de fazer ciência, envolvendo a arte da descrição complementada pela explicação, enfatizando a compreensão dos fenômenos a partir de seu acontecer no cotidiano do estudo. Os estudos elencados nessas pesquisas tiveram como preocupação estudar os sujeitos que delas participaram como unidade de corpo e mente, ou seja, como seres biológicos e seres sociais, membros da espécie humana e participantes do processo 1 Professora efetiva nos municípios de Cariacica/ES (Ensino Fundamental) e Viana/ES (Educação Espe- cial). Doutora e Educação (UFES). E-mail: dirlanbravo@gmail.com. 2 Professor adjunto da Faculdade de Educação- Universidade Federal de Goiás (FE/UFG). Goiânia- Goiás, Brasil. Doutor em Educação (Ufes). E-mail: michellpedruzzi@ufg.br. 3 Entender como tem se dado o processo de inclusão do aluno com deficiência Intelectual causada pela síndrome de Noonan no contexto da escola comum (2014) e Analisar os processos de inclusão, aprendiza- gem e desenvolvimento de uma criança com Síndrome de Moebius na Educação Infantil (2020). 158 histórico-cultural (FREITAS 2002). Ressaltamos que os procedimentos típicos do estudo de caso, quais sejam: observação participante, entrevistas semiestruturadas, conversas informais, fotografias e filmagens, nos fazem compreender o ser humano como históricos, datados, concretos, abalizados por uma cultura como criadores de ideias, linguagem, discursos e consciência que, ao produzirem e reproduzirem a realidade social e o conhecimento, são, simultaneamente, produzidos e reproduzidos em diálogo por meio do eu e do outro. Sendo assim, surge a necessidade de empreender novas reflexões em torno dos estudos de Bravo (2014/2020), apresentando a alteridade e o dialogismo, conceitos bakhtinianos que advieram durante as pesquisas. Nas palavras de Bakhtin (2011, p. 232), Um membro de um grupo falante nunca encontra previamente a palavra como uma palavra neutra da língua, isenta das aspirações de outros ou despovoada das vozes de outros. Absolutamente. A palavra, ele a recebe da voz do outro e repleta da voz do outro. No contexto dele, a palavra deriva de outro contexto, é impregnada de elucidações de outros. 159 Sendo assim, concordando com Bakhtin, pude constatar que, no decorrer dos procedimentos para a produção de dados, as palavras outras enunciadas pelos outros (e ricas por enunciados dos outros do seu convívio sociocultural) potencializaram melhor compreensão dos objetivos aos quais propus alcançar, pois foi a partir da palavra lançada pelo outro, ou seja, do conjunto eu/outro que se firmou na trama da produção de dados, que pude contextualizar o que foi produzido por intermédio das articulações existentes do resultado que não se deu por findado. Cabe ressaltar que segundo Brait (2012), o dialogismo e alteridade devem ser tomados como princípios epistemológicos fundamentais durante todo o processo da pesquisa, pois é por meio da agregação das diferentes vozes durante a caminhada/ pesquisa que serão sistematizados os episódios dos estudos no/ do texto. Nessa abordagem, “o sujeito da compreensão não pode excluir a possibilidade de mudança, e até de renúncia, aos seus pontos de vista e posições já prontos: No ato de compreensão desenvolve-se uma luta cujo resultado é a mudança mútua e o enriquecimento” (BAKHTIN, 2003, p. 378). Por esse prisma, cabe então a nós, pesquisadores das ciências humanas, assumir o dialogismo, a alteridade e a compreensão responsiva como balizas dos processos de produção e de análises de dados que são 160 fundamentais para o ato de pesquisar, fazendo assim com que os encontros com o outro (as relações dialógicas e alteritárias eu/outro) nos possibilitem compartilhar enunciados, palavras, contrapalavras, acentos de valor entre outros que possam ocasionar mudanças, mutuamente. REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução Paulo Bezerra. 4. ed. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 2011. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BRAIT, B. Alteridade, dialogismo, heterogeneidade: nem sempre o outro é o mesmo. Revista Brasileira de Psicanálise, v. 46, n. 4, pp. 85-97, 2012. Disponível em: http:// pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0486-641X20120004000 08. Acesso em: 02 jan. 2020. FREITAS, M. T. A. A abordagem sócio-histórica como orientadorada pesquisa qualitati- va. Cadernos de Pesquisa, Fundação Carlos Chagas, n. 116, jul. 2002. 161 A TEORIA DE BAKHTIN COMO GUIA PARA AUTOCONSTRUÇÃO DO AUTOR-ESCRITOR Andreiza Aparecida dos Santos Rodrigues1 No primeiro contato com a obra de Michail Bakhtin, durante a graduação em Pedagogia pela Universidade Federal De Minas Gerais (2009), eram debatidas as noções de variação linguística e de gênero discursivo tratadas através dos conceitos básicos do autor, que questionavam os aspectos sociais de interação no ambiente escolar. Um desses conceitos é o de língua para as teorias de variação linguística e dos gêneros, para Bakhtin e Volochinov (1992) a língua constitui novo processo de interlocução entre o falar, ouvir, escrever e ler, só um fazer continuo e não o resultado da apropriação de um código imutável e preestabelecido. Esse fundamento está ligado a outro conceito, de discurso, no qual se busca explicitar as facetas que envolvem a produção de texto (quem fala, para quem fala, de que lugar social se fala, a partir de que ideologia os interlocutores se posicionam, quando se fala, com que objetivos e intenções, de que modo, em que suporte, em que grau de formalidade ou informalidade se fala, etc.). As discussões semióticas textuais envolvendo conceito de 1 Graduanda em Letras – Inglês/Português pela Universidade Federal de Lavras, Lavras/MG, Brasil. Email: isarodrigues@estudante.ufla.br 162 linguagem que abrangem interações verbais e não verbais através do estudo dos fenômenos culturais e regionais, nas diferentes linguagens e sonoridades, como sistemas de significação, as diferenças fonológicas e os preconceitos provocados por elas, presentes na rotina em sala de aula através das interações sociais entre os alunos, levaram a um estudo aprofundado dos conceitos Bakhtinianos. Um dos principais questionamentos na formação de professores é a formação do aluno como sujeito crítico capaz de opinar sobre o que acontece a sua volta, as diversas variações e dialetos no Estado de Minas Gerais, por exemplo, apresentam em sala de aula um aspecto de consideração preponderante que busca uma alternativa metodológica para estudo, uma vez que, o preconceito linguístico tratado é discutido a luz da obra de Bakhtin em ‘Estética da criação verbal’ (2003), entendendo que “o ouvinte, ao compreender o significado linguístico do discurso, ocupa uma posição responsiva, concordando, discordando, complementando e preparando-se para usá-lo” (DORNE, 2009, pp. 4). Discutiu-se incansavelmente os objetivos da linguagem em sala de aula e para o uso do aluno após, como uma interação pelo caráter social constitutivo, ou seja, o que se falará ou escreverá, para que tipo de auditório será essa produção, o que ela visa 163 realizar para que os professores formalizem seus objetivos no planejamento diário. Segundo Bakhtin, a atitude responsiva decorre do processo de audição e compreensão: Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bem diverso); toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante. A compreensão passiva do significado do discurso ouvido é apenas um momento abstrato da compreensão ativamente responsiva real e plena, que se atualiza na subsequente resposta em voz real alta. (BAKHTIN, 2003, p. 271) O discurso produzido pelos alunos traz informação, persuasão, convencimento, provoca risos, suscita um comportamento efetivo diante de uma determinada situação, enfim o enunciado em um texto oral ou escrito e quem participa desta enunciação estão em permanente interação pelo jogo da escrita e da fala, pela composição do pensamento do que queremos com a nossa linguagem e selecionando para quem nos dirigimos construímos nosso discurso. A obra ‘Estética da criação verbal’ (2003), iluminou o estudo 164 da relação entre enunciado (o texto oral e escrito) e a sua forma de funcionamento social, em espaços sociais de circulação. A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados orais e escritos, concretos e únicos que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana (BAKHTIN, 2003). O enunciado reflete as condições específicas e às finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo temático e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada dos recursos da língua, recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais, mas também e sobretudo, por sua construção composicional. Deste modo, “a palavra dita, expressa, enunciada, constitui-se como produto ideológico, resultado de um processo de interação na realidade viva” (STELLA, 2005, pp. 178 apud DORNE, 2009, p.6). Neste processo de interação, o enunciado é delimiotado pela alternância dos sujeitos do discurso (BAKHTIN, 2003). Cada esfera ou campo discursivo tem formas típicas de funcionamento nos diferentes modos de circulação de textos. A teoria de Bakhtin (2003) orientou os estudos durante a graduação para compreender o funcionamento dos textos na sociedade, trabalhar com os alunos os conceitos de texto, discurso e enunciados, compreender os gêneros textuais e refletir sobre seu funcionamento em espaços sociais diferenciados. 165 Bakhtin e Volochinov (1992) explicam que é por meio da palavra que me defino em relação ao outro, assim como à coletividade. Daí decorre a famosa metáfora empregada pelos teóricos, em que a “palavra” serve como uma ponte lançada entre mim e o outro, recaindo sobre as extremidades de cada um destes o suporte, o apoio de tal ponte. A palavra, segundo os autores, torna-se uma “arena em miniatura” na qual valores sociais de diferentes orientações ideológicas se entrecruzam, lutam. (DORNE, 2009, pp. 7-8) No convívio social com as formas materializadas de linguagem lida-se com grande diversidade sendo necessário compreender como vários gêneros se organizam e que função cumprem. Obteve-se uma rica produção de gêneros textuais pelos alunos dos três últimos anos do Ensino Fundamental II; o entrelaçamento de aspectos linguísticos escritos se organizou também através de exposições orais, com o objetivo de cumprir a interação social na formação da oralidade dos alunos. Durante a graduação em Letras pela Universidade Federal de Lavras (UFLA) foi possível um contato mais aprofundado com as teorias de Bakhtin e do Círculo desde o primeiro semestre, sob orientação do Professor Doutor Marco Antônio Villarta Neder, através do Grupo de Estudos Discursivos Sobre o Círculo de 166 Bakhtin (GEDISC) foi possível estudar as teoria do Círculo de Bakhtin, com objetivo de compreender de formas de discurso e a reprodução de gêneros diversos de textos acadêmicos com o objetivo de futuramente tornar-se escritora. No GEDISC tem sido possível enfrentar o maior desafio da escritora que é a autoformação como sujeito autônomo para escrita e para apresentações orais, sobrepujando a timidez e a anulação da voz da mulher negra, professora e mãe, consolidando o desenvolvimento pessoal através do exercício da escrita de memorial que capacitou para as apresentações orais em eventos dos grupos bakhtinianos. A formação do sujeito autônomo enquanto escritor perpassa pelas fases de construção da autonomia através da filosofia da linguagem e pela auto determinação na apropriação dos conceitos e principalmente ativação da construção da memória que será expressa pela escrita. A relação do sujeito com outro através das interações em grupo durante as discussões sobre a teoria do Círculo de Bakhtin traziam uma reflexão que emerge na referência para ação do outro, Bakhtin cita o eu para mim, o outro para mim e o eu para o outro na concepção dialógica da formação do professor, enquanto aluno na universidade. As primeiras produções escritas trouxeram a segurança na apresentaçãooral de artigos e trabalhos que contemplavam o estudo da teoria bakhtiniana refletida após vivencia no universo 167 da sala de aula da graduação. Quando trouxe o estudo da teoria para análise de filmes e animações cinematográficas infantis a nova perspectiva de uso da teoria apresentou-nos um recurso muito eficiente pela análise do personagem, do seu contexto e sua posição (lugar de fala), cada obra tem a imagem, a fala e a descrição do cenário onde ocorre às histórias. Por fim, os estudos da teoria de Bakhtin garantem a empolgação necessária para avançar na apropriação dos conceitos de Bakhtin e prosseguir na construção como sujeito autor de forma de dialógica para produzir futuros livros. Espera- se aprofundar no estudo em conjunto com o Professor Doutor Ivo e continuar pesquisando cinema a começar pelas memórias no Trabalho de Conclusão de Curso. 168 REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 4ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. DORNE, Vinicius Durval. “De Sinal a Signo: a “Palavra” (Discurso) em Bakhtin”. IV Encontro de Produção Científica e Tecnologica. Nucleo de Pesquisa Multisciplinar da Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão (FECILCAM), 2009. ______; VOLOCHINOV, Valentin Nikolaevich. Marxismo e filosofia da linguagem. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 1992. STELLA, Paulo Rogério. “Palavra”. In: BRAIT, Beth. Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005. p.177-190. 169 UM NOVO OLHAR SOB A TEORIA BAKHTINIANA Fabiana Feliciano Zamariolo1 O interesse em aprofundar meus conhecimentos sobre a teoria de Mikhail Bakhtin surgiu devido às situações vivenciadas no âmbito escolar durante o trabalho remoto como Professora de Educação Básica da Rede Pública Estadual de Ensino em 2020. Foram tantos desabafos, tantas “confissões”, tantos diálogos que me questionei se a teoria bakhtiniana poderia ser usada para melhor entender e compreender essas situações, proporcionando um novo olhar ao processo de aprendizagem no atual contexto. Compartilhei esses questionamentos com um amigo da época de faculdade, especialista em Bakthin, Prof. Dr. Ivo Di Camargo Jr e, passados alguns dias, convidou-me para participar de um grupo de estudos, “O Círculo de Bakhtin em Diálogo”. Era uma oportunidade de aprender mais e, caso não conseguisse participar dos encontros virtuais, haveria a possibilidade de assisti-los pelo canal do YouTube “Editora Mentes Abertas”. Com isso, não perderia a temática discutida nos encontros propostos. Iniciei minha participação no grupo de estudos e, de todas as temáticas apresentadas, a que mais apreciei foi a da professora 1 Graduada em Letras pela Unesp – Campus de Assis. Professora de Educação Básica II da Rede Pública Estadual de Ensino do Estado de São Paulo. E-mail: fabianazamariolo@gmail.com 170 Adriana Randi, especialista na área da Educação e docente da Rede Sesi. Durante a apresentação de seu artigo Aprendizagem Cooperativa, a professora Adriana destaca as concepções de Bakhtin atreladas à sua prática pedagógica em sala de aula, enfatizando a importância do outro, do diálogo, do respeito ao outro e da cooperação no processo de aprendizagem. A aprendizagem é efetivada por meio da interação entre o eu e o outro: professor e aluno. A fala da professora Randi fez com eu identificasse as concepções bakhtinianas em minhas aulas, já que a prática dialógica começa logo no primeiro dia de aula, no qual o aluno se apresenta, faz uma breve apresentação de sua vida e fala de suas facilidades e dificuldades em relação à disciplina, no caso, a Língua Inglesa. A partir dessas informações, procuro planejar minhas aulas colocando-me sempre no lugar do aluno, pensando como ele. Afinal, creio que o diálogo gera a empatia que vai muito mais do que apenas se colocar no lugar do outro, mas também ofertar possibilidades para que atinja um bom desempenho, contribuin- do não só para fins escolares, mas também para a construção de um cidadão ativo na sociedade. O ano de 2020 foi um ano atípico: um ano cheio perdas e 171 frustações causados pela COVID-19; um ano em que tive que me reinventar e interagir com meu aluno por e-mails, Whatsapp, Google Classroom e, inúmeras vezes, esse diálogo não ocorreu por conta dos efeitos desastrosos de um vírus altamente perigoso e cruel. A interação dialógica está dando lugar a híbrida. Portanto, busco agora atualizar minha reinvenção e ressignificação de con- ceitos de 2020 para a versão 2021 ancorada na teroria de Bakhtin do grupo “O Círculo de Bakhtin em Diálogo”, ouvindo as vozes dos colegas bakhtinianos, dando e levando a voz do meu eu e do outro. Aliás, a participação nesse grupo ressignificou meus con- ceitos, pois antes só tinha olhos para Vygotsky e vejo, agora uma união perfeita entre a teoria bakhtiniana e a vygotskiana. Chego conclusão que saber ouvir o outro mesmo que não concorde ou não consiga atender totalmente o seu desejo será um dos pontos mais desafiadores de Bakhtin para 2021. 172 173 APRENDIZAGEM CRÍTICO-REFLEXIVA NO ENSINO DE LÍNGUAS EM UMA PERSPECTIVA BAKHTINIANA Lucília Teodora Villela de Leitgeb Lourenço1 Como professora de Língua e Literaturas de língua inglesa na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), me apoio nos ensinamentos do grande filósofo russo Mikhail Bakhtin para o planejamento de minhas aulas. Meu intuito é promover um ensino dialógico que desenvolva o pensamento crítico e participativo dos alunos, não somente no ambiente da sala de aula, mas também, na sociedade onde se encontram inseridos, exercendo plenamente seus papeis de cidadãos com poder argumentativo para transformar sua realidade. A língua inglesa é muito presente em nossa realidade e na de muitos paises, já que é tida como internacional e faz parte dos nossos currículos escolares, sendo assim, é primordial que os alunos enquanto sujeitos e cidadãos saibam o mínimo necessário para se inserirem com sucesso na sociedade e na vida profissional. O nosso desafio enquanto docentes é pensar em uma aprendizagem de línguas que seja critico-reflexiva, e para isto, nos embasaremos neste grande pensador Mikhail Bakhitin. 1 Professora da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, UEMS e Pós-Doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS. E-mail: luciliadeleitgeb@hotmail.com 174 Rojo em sua obra “Letramentos múltiplos: escola e inclusão social” (2009), nos alerta quanto a responsabilidade da escola na promoção do diálogo multicultural que priorize, não somente a cultura tida como valorizada, dominante e canônica, mas, em primeiro lugar as culturas locais, populares e de massa, fazendo sua tradução enquanto diálogos polifônicos. Neste sentido, Bakhtin/Volochinov na obra “Questões de estilística no ensino da língua”(2013) resalta que na linguagem que devemos ensinar precisam estar contempladas as demandas cotidianas, da vida em sociedade e da profissão, já que, pertencemos a um mundo globalizado que se comunica e compartilha informaçãoes de forma contínua, com o resguardo de suas especificidades éticas, democráticas, identitárias e heterogêneas. Ao considerarmos essas perspectivas, estaremos letrando os alunos na língua inglesa, por meio da interação com esta língua e experienciando as práticas sociais onde se integrem as habilidades de leitura, escrita, compreensão e produção oral, de uma maneira onde o aluno possa ser constituído como enunciador e que este não perca sua inscrição discursiva em sua língua materna. Desta forma, é possível que este aluno realize uma troca de linguagens, e enquanto sujeito pertencente a uma sociedade específica, consiga falar de si próprio e se constituir por meio de outra língua, conseguindo se expressar em relação a sua perspectiva de mundo 175 e ideologias, intermediado pelo confronto e/ou conflito cultural e pelas práticas discursivasdistintas das suas. Assim, podemos falar nesse letramento, dialogando com as teorias bakhtinianas. Ao considerarmos a perspectiva dialógico-enunciativo- discursiva, podemos entender a aprendizagem como sendo crítico-reflexiva, como um conjunto de práticas de linguagem, cultura e existência, onde são propostos diversos formatos de comunicação, expressão e identificação, partindo de tomadas de posição e produção de sentidos que se voltem para a constituição de um sujeito diante de um conhecimento. A aprendizagem crítico-reflexiva é caracterizada como sendo agregadora de um grupo de procedimentos pedagógicos destinados a promover uma visão metalinguística do processo de aprendizagem por parte do aluno. Esta, engloba três fases de abordagem referentes à natureza das atividades desenvolvidas em sala de aula: • O processo de sensibilização comunicacional; • O processo de integração entre habilidades e capacidades de exposição às vivências linguísticas; • O processo de vivências de práticas de um cotidiano da linguagem. 176 Assim, por meio deste processo de sensibilização quanto as formas de comunicação, objetiva-se uma promoção de vivências linguístico-discursivas capazes de remeter o aluno em um processo em que este se identifique com a língua que está sendo estudada. Conseguimos, desta forma, atrair este aluno pelas características culturais, linguísticas e pedagógicas desta abordagem. É importante também, que neste período, o aluno seja apresentado ao conceito de interlíngua, que segundo Selinker (1972), é um estágio de contatos, exposições e vivências com uma língua estrangeira onde o aluno se relaciona de diferentes formas e de natureza cognitiva-psíquica-sensorial. Reconhecer o processo interlinguístico proporciona ao aluno uma identificação, um reconhecimento e sua constituição enquanto sujeito da linguagem, assim, ele é capaz de se posicionar em relação à língua que está sendo estudada. Não nos aprofundaremos aqui nas fases deste processo, mas, salientamos que é por ele que o aluno começa a expressar sua visão de mundo, por meio da própria produção textual e oral. A leitura pode fomentar um interação verbal com diversos indivíduos pertencentes a diversas e distintas sociedades. Essa interação pode desencadear um processo de (re) construção de uma memória de conhecimentos. Algumas habilidades podem ser desenvolvidas por intermé- dio do processo acima, com percursos temáticos e diversas mani- 177 festações linguístico-discursivas na língua que está sendo apren- dida, como por exemplo, ler para escrever, ler para compreender, ler para falar; escrever para ler, escrever para compreender, escre- ver para falar; compreender para ler, compreender para escrever, compreender para falar; e, por fim, falar para ler, falar para escre- ver e falar para compreender. A integração entre as habilidades e as capacidades desenvolvidas englobam um conhecimento local, regional, nacional, geral, universal e formal. Este conhecimento se constitui nas trocas de linguagens, por meio de materialidades linguísticas capazes de revelar uma significação semântico-enun- ciativa, contemplando também, seus aspectos morfossintáticos. Quanto as experiencias práticas no cotidiano da linguagem, estas se referem à multifuncionalidade de práticas discursivas em diferentes níveis de interlíngua. Tratando-se de um pluralismo de enfoques linguístico-discursivos capazes de evidenciar atividades diversas e relacionadas aos níveis interlinguísticos dos alunos, estes participam dos processos de identificação e/ou desidentificação. Assim, são identificadas as diferenças e semelhanças entre a língua materna e a língua estudada, desenvolvendo-se conceitos por meio dos usos singulares e processos de significação. A interação verbal dialógica entre essas fases nos leva a denominar o ensino como ensinância, já que, são experimentadas perspectivas dialógicas na busca dos sentidos entre os participantes do diálogo, 178 o que culmina na produção de saberes partilhados. Neste mesmo sentido, quando uma aprendizagem advém de um processo de sensibilização, integração e práticas, dizemos que se instaura uma aprendência que se refere às práticas de exposição, articulação e inferência, onde se produzem sentidos pelo desafio enunciativo construído com outros falantes, objetos, espaços e tempos, a partir de (re)significações e avaliações de acontecimentos, constituindo, assim, o indivíduo social em sujeito do conhecimento. Referindo-nos à abordagem crítico-reflexiva, na perspectiva bakhtiniana, caracterizam-se como evidências, que se interligam por meio de um conhecimento, que se vincula à um domínio de aplicação lógica. Estas evidências podem revelar formas de existência e modos de produção de lugares sociais. Essas formas e modos são demonstrados por meio da percepção das relações de contradição-opacidade-dispersão, que surgem nas vivências diárias de uma pessoa. Em se tratando do processo de ensinância- aprendência, a interação verbal em uma língua estrangeira se dá pela utilização da língua pelo individuo para falar, ouvir, ler, compreender algo que se relacione a si mesmo, que o questione, que pertença à sua área de visão do mundo e da percepção de seus mundos possíveis. O aluno se identifica com a língua estudada, tanto quanto se intensifica com a sua necessidade de se constituir 179 enquanto sujeito por intermédio da língua, pela sua surpresa, pela falta , pela resistência e pela resiliência instauradas neste aluno ao conectar-se à este campo linguístico diverso. Desta forma, em nossa percepção, uma aprendizagem crítico- reflexiva no ensino de línguas em uma perspectiva bakhtiniana é uma abordagem cheia de entrecruzamentos que se sucedem e sob os quais o aluno se debruça, ou não, ou ainda se posiciona sobre o que o questiona. Assim, é a alteridade das formas que instigam o aluno, enquanto ser social, em sua maneira de pensar, de se relacionar com as outras pessoas, ao contexto em que se encontra inserido, no espaço temporal do momento, na sua visão particular do mundo que o faz se confrontar e conflitar, atraindo- se ou afastando-se dos obstáculos linguísticos e enunciativos, para a construção de um letramento em língua estrangeira, ou inglesa em nosso caso em específico. 180 REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. (VOLOCHINOV). Questões de estilística no ensino da língua. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2013. ______. Para uma filosofia do ato responsável. Trad. aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos A. Faraco. São Carlos: Pedro &João Editores, 2010. ______. Questões de estilística no ensino da língua. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2013. BRAIT, B. Alguns pilares da arquitetura bakhtiniana. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005. ROJO, R. Letramentos múltiplos: escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. SELINKER, L. Interlanguage. International Review of Applied Linguistics in Language Teaching. Vol. 10. No. 4. Philadelphia: The University of Pennsylvania Press, p.209- 232, 1972. 181 CÍRCULO DE BAKHTIN: UM ADVENTO! Ivo Di Camargo Jr.1 Everton William de Lima Silva2 Fábio Marques de Souza3 Quando analisamos o que foi feito como ciências humanas do século XVII até o século XX e o que Bakhtin e seu círculo pensaram a partir do princípio do século passado percebemos uma diferença e mudança na forma de pensar. O que o Círculo de Bakhtin e o próprio pensaram é uma heterociência que deve sair do humanismo do passado buscar algo diferenciado. Isso acon- tece porque nós, seres humanos, temos objetivos, eventos, acon- tecimentos, pessoas, modos de agir, enfim, tudo o que nos torna humanos acontecendo de modo único. Por isso, não há como manter uma ciência que em tudo quer replicar e confirmarteses. O ser humano é único, assim como cada uma das pessoas e seus projetos de dizer neste e-book. Em seu trabalho intitulado “Os estudos literários hoje”, publi- cado em 1970 e presente na obra “Estética da Criação Verbal” no Brasil, Bakhtin avalia o ambiente intelectual russo da sua época 1 Prof. Dr. em Linguística pela UFSCar, docente do CEPF/SME/ Ribeirão Preto/SP. 2 Prof. Me. em Formação de Professores pelo PPGFP/UEPB, Psicólogo e Enfermeiro. 3 Prof. Dr. em Educação pela USP e docente do PPGFP/UEPB. 182 e constata que havia um medo de investigar, de propor a palavra, de buscar novas hipóteses para as coisas. O mestre russo afirmava que esse medo levava a uma preponderância do senso comum e da falsa ciência, muito comum na atualidade (vide a jornada contra a vacina). Neste e-book buscou-se a luta contra o temor de expor ideias. O leitor vai encontrar pesquisas desenvolvidas ou relatos de expe- riências próprias, cuja voz do autor está empenhada em mostrar a quem lê uma visão única de como Bakhtin e o Círculo acres- centam em suas existências, pesquisas, modo de ser, de traba- lhar, lecionar etc. Cada palavra aqui espera uma contrapalavra na mente de quem lê e espera-se que respostas sejam pensadas na mente dos leitores. E novas perguntas se formem, pois assim a circularidade do conhecimento bakhtiniano não deixará essa ciência humana se estabilizar jamais. Bakhtin e seu círculo inspi- ram os novos leitores e velhos pesquisadores a agirem como no proposto no texto “Arte e Responsabilidade”, onde o autor russo explica que responder não se trata apenas de reagir a uma inda- gação ou questionamento, mas também realizar o ato de assumir consequências de uma possível reação e seus contrapontos. Nesse movimento dialógico que é único, onde a axiologia acontece, é que podemos ver o valor imperativo da contribuição do Círculo de Bakhtin para as ciências humanas. 183 Esse e-book também busca algo que o Círculo de Bakhtin sempre evidenciou em seus escritos que é a questão de formular as perguntas para que elas, dentro do horizonte de cada um e das obras lidas, busquem sentidos diversos e mostrem o olhar de cada um. Então, o que os leitores lerão, por muitas vezes, são visões de Círculos de Bakhtins diferentes, porque cada visão é única, procurando dar sentido ao que leu, entendeu, indagou, pensou e filosofou dentro da obra do Círculo. Outra coisa que os leitores certamente perceberão nessa obra e que está presente nos estudos de Bakhtin é uma noção bem ampla, uma metacategoria enorme que está presente em muitas outras noções do pensamento do autor russo e do Círculo, abar- cando umas e se expandindo por categorias do pensamento de- les, que é a questão da noção de fronteira ou meramente o limiar dos estudos. Para Bakhtin e o Círculo, as partes que fazem fron- teiras entre os conceitos, as partes históricas que quase se juntam e onde não é possível delimitar onde algo termina e onde começa, isso sim é importante de ser visto e pensado. Cronotopicamente, veremos textos de leitores muito experientes do Círculo com pes- quisadores iniciantes, que leram suas primeiras palavras dentro da obra do Círculo e buscam dar a sua voz. Aqui se buscou dar voz aos discursos de todos, onde não há palavra primeira nem derradeira, como disse Bakhtin em texto muito poético. 184 Enfim, o Círculo e o próprio Bakhtin em seus escritos evi- denciavam muito a questão do pensar. O ato de pensar é pode- roso porque ele instala uma circularidade que mexe até com o cogito cartesiano. Não só existimos porque pensamos, mas por- que também somos pensados. Assim, cada momento de enunciar um pensamento é um momento de exaltar a existência do outro. Dessa forma, cada vez que você, leitor, ler a palavra de um autor nesse e-book e pensar nas palavras do autor você irá valorar o ou- tro, pensar nele, dialogar e propor contrapalavras às dele. Dessa forma, esse trabalho busca uma circularidade e que cada palavra circule. O que desejamos aos leitores e autores, quando lerem-se en- tre si e aos leitores que nos lerão é que se atentem para o conse- lho de Bakhtin no texto citado no começo desse texto e busquem a investigação, a formulação de ideias e hipóteses. Isso vai nos tornar pesquisadores mais proficientes em nos relacionar com o outro. Boa leitura e que em breve seja a sua voz de bakhtiniana em um novo volume de e-books como estes. REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 185 UM POSFÁCIO OU “PALAVRAS QUE SE CONSTROEM NO TEMPO” Em se tratando de Bakhtin e dos integrantes do Círculo que leva seu nome, não sei se podemos dizer que chegamos ao fim desta obra. A palavra é viva, se faz e se refaz. O que compõe esta obra são palavras vivas, reais, carregadas de ideologias, sentimentos, discursos e sentidos que, certamente, ecoarão no mundo acadêmico a partir da publicação deste e-book. Por isso não falamos que encerramos esta obra, mas, a partir dela, iniciamos uma forma humana, real e carregada de experiência para olharmos um Bakhtin ainda não visto: atrelado à vida acadêmica e humana de diversos pesquisadores, de diferentes instituições universitárias brasileiras. Os relatos aqui apresentados, as experiências acadêmicas (e por que não dizer de vida?) e os diálogos pessoais fazem com que este e-book seja não apenas mais um livro lançado para se pensar em uma construção de um currículo acadêmico, mas fazem com que este livro digital seja um conjunto de olhares, palavras, experiências e vidas atreladas aos ditos de Balhtin e seu Círculo, com o objetivo, também, de ser um convite a outros pesquisadores que pretendem se aproximar das ideias bakhtinianas. A troca de experiência que esse e-book propõe à comunidade 186 acadêmica brasileira dialoga com o fato de que “ninguém é herói de sua própria vida”, como bem afirmou Bakhtin e, nesse sentido, ouvir e ler o outro faz com que nos tornemos... nos construamos... sejamos... Afinal, é o outro que nos faz ser, e não somos sozinhos, mas no outro, pelo outro, para o outro – para quem bem conhece a arquitetônica bakhtiniana! O Outro é quem pode conceder uma imagem acabada do eu. Eu me faço no Outro. O Outro me compreende, me entende, faz com que eu me entenda, me construa me faça. Os maiores acontecimentos da nossa própria existência (parte dela compondo cada capítulo deste e-book), também nosso nascimento, nossa morte, não nos pertencem, porque precisamos de um antes e de um depois e, (in)felizmente, não estamos nem antes de nosso nascimento e nem depois de nossa morte (AMORIM, 2012), por isso mesmo, que o Outro é fundamental na nossa constituição, na construção de nossos atos, de nossas palavras, de nossos discursos. As experiências relatadas neste e-book contribuem justamente para a construção social e dialógica do nosso eu, a partir do que o outro está dizendo. Nossas experiências de vida, então, são fundamentais para que possamos compreender que, enquanto seres sociais, somos inacabados, lacunais, imperfeitos e, sendo assim, precisamos nos (re)construir. E, na perspectiva que 187 vislumbramos nesta obra, a palavra é esse recurso que possibilita nos (re)fazermos sempre e de forma permanente. A palavra, à luz das ideias do círculo bakhtiniano, é carregada de ideologias e significados. Anseio que as palavras do(s) outro(s), que nos fazem dialogar e que compõem esta obra coletiva, tenham ajudado efetivamente a cada leitora e a cada leitor na reconstrução de si próprio(a), afinal, Não existe a primeira nem a última palavra, e não há limites para o contexto dialógico (este se estende ao passado sem limites e ao futuro sem limites). Mesmo os sentidos do pas- sado, isto é, nascidos do diálogo dos séculos passados, jamais podem ser estáveis (concluídos, acabados de uma vez por to- das): elessempre hão de mudar (renovando-se) no processo do futuro desenvolvimento do diálogo. Em qualquer momen- to do desenvolvimento do diálogo existem massas imensas e ilimitadas de sentidos esquecidos, mas em determinados momentos do sucesso desenvolvimento do diálogo, tais sen- tidos serão lembrados e reviverão em forma renovada (em um novo contexto). Não existe nada absolutamente morto: cada sentido terá sua festa de renovação. Questão do grande tempo. (BAKHTIN, 2017, p. 79 – grifos do autor) Wallace Dantas 188 REFERÊNCIAS AMORIM, Marília. O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas Ciências Humanas. São Pau- lo: Musa Editora, 2004. Mikhail Bakhtin. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. Organização, tradu- ção, posfácio e notas de Paulo Bezerra e Notas da edição russa de Serguei Botcharov. São Paulo: Editora34, 2017, 101 p.