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BARRONAS-ESTUDOS DISCURSIVOS a basileira (2)

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Índices para catálogo sistemático:
 1. Análise do discurso - 410
 2. Linguística - 410
 
Baronas, Roberto Leiser. (Org.)
Estudos discursivos à brasileira: uma introdução /
Roberto Leiser Baronas (Org.) 
Campinas, SP : Pontes Editores, 2015. 
	 Bibliografia.
 ISBN 978-85-7113-636-6
 1. Análise do discurso 2. Linguística 
 I. Título 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Todos os direitos desta edição reservados à Pontes Editores Ltda.
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sem a autorização escrita da Editora.
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(UFBA – Salvador)
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2015 - Impresso no Brasil
SUMáRiO
PREFáCiO
EStUDOS DO DiSCURSO à MODA BRASiLEiRA ............................... 7
Diana Luz Pessoa de Barros
iNtRODUçãO
CiÊNCiAS BRASiLEiRAS DE LiNGUA(GEM): tEORiAS 
DE DiSCURSO ......................................................................................................15
Roberto Leiser Baronas
O SiLÊNCiO EXiStE PARA PODER (NãO) DiZER .............................. 27
Lucília Maria Abrahão e Sousa
SEMiÓtiCA E CANçãO: UMA PAiXãO BRASiLEiRA ....................... 39
Flávio Henrique Moraes 
Mônica Baltazar Diniz Signori 
SEMâNtiCA DO ACONtECiMENtO: PRiNCíPiOS tEÓRiCOS, 
MEtODOLÓGiCOS E ANáLiSES ................................................................. 71
Soelir Maria Schreiber da Silva 
Carolina de Paula Machado
tEORiA DOS EStEREÓtiPOS BáSiCOS E DOS EStEREÓtiPOS 
OPOStOS: A PiADA LEVADA
A SÉRiO ..................................................................................................................95
Fernanda Góes de Oliveira ávila 
Roberto Leiser Baronas
DE PRESiDENtES A PRESiDENCiáVEiS: VERBO-ViSUALiDADE 
NA ESFERA JORNALíStiCA E POLítiCO-PARtiDáRiO ................. 119
Maria Helena Pistori
POR UMA ANáLiSE ARQUEGENEALÓGiCA DO DiSCURSO ........ 149
Pedro Navarro
POSFáCiO ..............................................................................................................175
Kátia Menezes de Sousa
SOBRE OS AUtORES ........................................................................................185
7
RobeRto LeiseR baRonas (oRg.)
PREFáCiO
EStUDOS DO DiSCURSO à MODA 
BRASiLEiRA 
Em artigos diversos sobre a semiótica no Brasil e na 
América do Sul, e sobre os rumos e os papéis dos estudos 
do discurso, procuramos discutir questões gerais sobre esses 
estudos e falar um pouco também da história desse campo de 
estudos	da	linguagem	no	Brasil.	Retomamos	essas	reflexões	
por acreditar que com elas podemos embasar a apresentação 
do livro Estudos discursivos à brasileira: uma introdução, 
organizado por Roberto Leiser Baronas. É preciso dizer que 
o livro reúne artigos de diferentes correntes dos estudos do 
discurso e, sobretudo, da Análise do discurso – Ad, enquanto 
nossos trabalhos falam do lugar do semioticista do discurso. 
daí começarmos por dizer que há um ponto de vista comum 
nos estudos do discurso. 
Em trabalhos diversos, apontamos o fato de que os 
diferentes estudos do discurso trouxeram novas posturas e 
objeto aos estudos da linguagem a partir da segunda metade 
do século XX, e de que o fizeram com fundamentos diferen-
tes, em quadros teóricos diversos. insistimos, porém, em que 
há um ponto de vista comum a tais estudos: eles ocupam o 
espaço vazio entre posições bem definidas e separadas pelos 
estudos linguísticos anteriores (língua vs. fala, competência 
vs. perfórmance, enunciação vs. enunciado, linguístico vs. 
8
estudos discuRsivos à bRasiLeiRa: uma intRodução
extralinguístico). Ao tratar assim, e ao mesmo tempo, do 
social e do individual, da argumentação e da informação, 
da intersubjetividade e da subjetividade, da organização 
do discurso e do dialogismo, esses estudos ocasionaram 
mudança de posicionamento nos estudos da linguagem e a 
eles atribuíram novos papéis. Pelo fato de ocuparem o lugar 
instável do “vão” entre pontos bem estabelecidos, os estudos 
do discurso tiveram e têm um papel digno de nota entre 
os estudos linguísticos, pois romperam com a tradição de 
estabilidade desses estudos e recuperaram a instabilidade 
própria da linguagem. Essas reflexões novas e velhas, sempre 
retomadas, nessa obsessão de encontrar sentido naquilo que 
fazemos e em que acreditamos, são da mesma ordem das que 
permeiam os vários capítulos do livro. 
Os estudos do discurso, de origens diversas, no caso das 
duas correntes mencionadas, de origem francesa, assumiram 
papéis e tomaram rumos próprios no Brasil, em que tiveram 
e continuam a ter desenvolvimentos significativos. Por essa 
razão pode-se falar de estudos discursivos à brasileira ou à 
moda do Brasil, tal como propõe Baronas em seu artigo mais 
teórico de introdução e também os demais autores do livro 
quando abordam os diferentes jeitos de estudar discurso 
no Brasil. 
Comecemos por tratar da questão da conservação ou 
da perda de rumos desses estudos. No Dicionário Houaiss, 
um dos sentidos encontrados para “rumo” é o de “percurso, 
orientação a seguir para ir de um lugar a outro, caminho, 
vereda, itinerário, rota”. A partir dessa definição, “rumo” 
pode ser entendido, semioticamente, como movimento, cons-
trução, transformação, intencionalidade e direcionalidade, 
e é com essa concepção que temos pensado nos rumos dos 
estudos do discurso no Brasil. Nosso modo de ver, é que os 
estudos do discurso no Brasil mantêm o rumo, ou seja, não 
criam outra teoria, outro paradigma, com outros objetos 
9
RobeRto LeiseR baRonas (oRg.)
e métodos. Para que o rumo seja mantido, esses estudos 
precisam sofrer alterações, mudanças, desenvolvimentos. 
Só assim, refazendo-se, retificando-se, consertando-se, 
modificando-se, desenvolvendo-se, eles podem conservar a 
direção assumida. Greimas, na introdução de Sobre o sentido 
II. Ensaios semióticos, diz que “talvez seja um pouco paradoxal 
para um pesquisador afirmar que deseja permanecer fiel a 
si mesmo quando o projeto científico é hoje o único espaço 
em que a noção de progresso ainda faz sentido e no qual 
a renovação se mostra intrínseca a todo esforço teórico”. 
Uma das contribuições de Sobre o sentido II, e não pequena, 
é, sem dúvida, a discussão de como deve ser desenvolvido 
um projeto de ciência no campo da linguagem, e mais ainda 
no da significação e dos sentidos.
Os estudos do discurso foram introduzidos cedo e com 
entusiasmo no Brasil. Esses primeiros entusiastas dos estu-
dos do discurso, em geral ligados à tradição universitária, 
principalmente em Letras, formaram escola no Brasil, pois 
ofereceram cursos introdutórios e avançados nas universi-
dades em que trabalhavam, escreveram livros, desenvolv-
eram	aspectos	teóricos	e	metodológicos,	fizeram	muitas	e	
variadas análises, traduziram estudos de pesquisadores do 
discurso de outros países e línguas. Houve assim, no Brasil, 
formação institucional nessa área, com a disciplinarização 
universitária dos estudos do discurso, de início um tanto 
clandestina e “escondida” em rótulos diversos dos estudos 
linguísticos e literários tradicionais. Aí está a nosso ver, um 
dos traços característicos do desenvolvimento dos estudos do 
discurso no Brasil, que deu força a esses estudos e permitiu 
a adequada conciliação entre a novidade e atradição.
Em relação com a institucionalização e a discipli-
narização, a segunda característica dos estudos do discurso 
no Brasil é a preocupação com o ensino e com a formação 
10
estudos discuRsivos à bRasiLeiRa: uma intRodução
de novos pesquisadores na área, e, ao mesmo tempo com a 
pesquisa, seja ela teórica e metodológica ou aplicada, nesse 
campo do conhecimento. São recuperações, retomadas e 
novos desenvolvimentos teóricos e metodológicos, que 
acarretam	 também	mudanças	 de	 objeto	 e	 de	 extensão	 de	
aplicação da teoria. 
A terceira característica marcante desses estudos no 
Brasil	e	que	facilitou	e	justificou	sua	introdução	e	desenvolvi-
mento na universidade brasileira é a preocupação central dos 
estudiosos	do	discurso	do	país,	desde	o	início,	em	explicar	
os	 processos	 de	 significação	 do	 homem	 e	 da	 sociedade	
brasileiros (e americanos), em construir suas identidades, em 
apontar	seus	traços	universais	e	específicos.	Houve	sempre	
grande	interesse	no	exame	de	objetos	particulares	da	cultura	
do país e de sua diversidade, e na produção de conhecimento 
novo sobre a sociedade. A intensa atividade política e os 
problemas políticos do Brasil (e da América Latina em geral) 
foram algumas das causas do interesse dos pesquisadores da 
linguagem no Brasil pelos estudos do discurso, em busca de 
teoria e método para tratar da luta ideológica e fazer a crítica 
cultural e social. Os pesquisadores e professores brasileiros 
acreditaram	ter	encontrado	um	bom	caminho	para	o	exame	
dos	sentidos	dos	textos	e,	por	meio	deles,	para	que	se	con-
hecessem melhor a sociedade e a cultura brasileiras
Pelo fato de ocuparem o lugar instável do “vão” entre 
pontos bem estabelecidos, os estudos do discurso abrem-se 
mais aos diálogos com outras teorias e favorecem o alar-
gamento de seu objeto. São essas, a nosso ver, a quarta e 
a quinta características dos estudos do discurso no Brasil. 
Os estudos do discurso mantêm diálogos proveitosos com 
outras disciplinas, tais como a sociologia, a antropologia, a 
retórica, a psicanálise, as teorias da comunicação e das artes, 
os estudos linguísticos e literários, a retórica, a estilística, os 
11
RobeRto LeiseR baRonas (oRg.)
estudos da conversação e mesmo com os da percepção e com 
as teorias cognitivas. Os estudos da linguagem, graças aos 
do discurso, caminham assim para a multidisciplinaridade. 
A perspectiva do diálogo multidisciplinar aqui apresentada 
não é a da soma de teorias, mas a da retomada do diálogo 
teórico em um quadro solidamente estabelecido, como são 
hoje os das diferentes perspectivas dos estudos do discurso. 
Se considerarmos com Bakhtin, que as ciências humanas 
estudam o homem no texto, enquanto as exatas e biológi-
cas o examinam fora do texto, entenderemos bem o papel 
privilegiado dos estudos do discurso, bem usado no Brasil, 
para o estabelecimento de diálogos fecundos entre os estu-
dos da linguagem e as muitas outras áreas e disciplinas já 
mencionadas. 
A quinta característica dos estudos do discurso no Brasil 
é a do alargamento de seu objeto, a da extensão de aplicação 
da teoria, decorrência e causa, ao mesmo tempo, das mudan-
ças teóricas e metodológicas. Na semiótica discursiva, por 
exemplo, da análise inicial de certo tipo de texto – verbal, 
de “ação”, figurativo e da “pequena literatura” (folclore, etc.) 
– passou-se a textos não verbais, sincréticos, figurativos ou 
temáticos, poéticos (de arte, em geral, de canções, de música), 
científicos, etc., enfim, a qualquer tipo de texto, devido, entre 
outros, aos desenvolvimentos da sintaxe narrativa modal, dos 
percursos passionais do discurso, dos estudos enunciativos, 
do exame do plano da expressão. No quadro da Análise do 
Discurso - AD, a questão tem sido bastante discutida por Sírio 
Possenti, no Brasil, que propõe que a Análise do Discurso não 
se ocupe apenas de discursos institucionais e/ou públicos, pois 
a seu ver ela teria muito a ganhar se considerasse, também, 
discursos menos institucionais e/ ou mais “privados”. Em 
qualquer dos casos, os estudos do discurso no Brasil contri-
buíram enormemente para esse alargamento dos objetos, já 
que houve, sempre, em nosso país, a preocupação em descre-
12
estudos discuRsivos à bRasiLeiRa: uma intRodução
ver e explicar os mais diferentes discursos da sociedade e da 
cultura, institucionais ou não. 
Os estudos do discurso no Brasil têm estabelecido 
e atingido assim dois grandes objetivos: o de contribuir 
para o conhecimento da linguagem, através da língua e de 
seus discursos e, pela linguagem, do homem, sobretudo 
brasileiro, como ser social e cultural; o de concorrer para 
o desenvolvimento teórico e metodológico da disciplina, 
principalmente, em seu modo brasileiro de ser. Esses estudos 
têm, no Brasil, as especificidades que já apontamos e que a 
seguir sintetizamos:
- institucionalização das várias correntes dos estudos 
do discurso como disciplinas universitárias, o que favorece 
a pesquisa e a formação de novos estudiosos;
- formação de pesquisadores e professores em estudos 
do discurso, o que tem contribuído para a renovação cons-
tante da área;
- busca de desenvolvimentos teóricos e metodológicos, 
que possam dar algumas respostas aos desafios de uma socie-
dade multilíngue e pluricultural, ou seja, de uma sociedade 
da “mistura”, e não da “triagem” (Zilberberg, 2007), de uma 
sociedade mestiça e que tem a mestiçagem como patrimônio;
- contribuições inegáveis que os estudos do discurso 
trouxeram, no Brasil, aos estudos da linguagem, recriando 
diálogos promissores com outras disciplinas ou estabele-
cendo novos diálogos;
- alargamento dos objetos construídos nesses estudos, 
sobretudo pelo exame dos discursos sociais e culturais do 
Brasil, em busca de definições, de identidade, de formas de 
representação, de sentido enfim. 
13
RobeRto LeiseR baRonas (oRg.)
Dessa forma, os estudiosos do discurso do Brasil, têm 
podido dar importante contribuição teórica à comunidade 
internacional de estudos da linguagem, com seus estudos 
do discurso à brasileira. Os artigos reunidos no livro que 
apresentamos e recomendamos com entusiasmo têm as ca-
racterísticas dos estudos do discurso à moda do Brasil que 
muito rapidamente expusemos.
Deveríamos quem sabe acrescentar que os traços mais 
marcantes dos estudos do discurso que se fazem no Brasil 
são, muito provavelmente, o de não ter medo de enveredar 
por caminhos, ou desvios, diversos e pouco seguros, o de 
manter a preocupação com a sociedade, a cultura e a história 
e o de procurar estar no centro dos diálogos que constroem 
os estudos da linguagem, o homem e a sociedade. O dicio-
nário aponta como primeiras acepções de “rumo” os espaços 
em que se divide a rosa-dos-ventos e, portanto, a da direção 
na navegação. Essa relação com a navegação e o mar tem 
origem na etimologia do espanhol rumbo – encantamento, 
fama, prestígio –, pois os espaços da rosa-dos-ventos divi-
diam o horizonte e tinham uma figura de bronze usada nos 
encantamentos. Os rumos dos estudos do discurso no Brasil 
são, assim, corajosos, mas também mágicos e míticos. São 
esses os caminhos que este livro abre e percorre.
Diana Luz Pessoa de Barros
Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM
Universidade de São Paulo - USP
CNPq
15
RobeRto LeiseR baRonas (oRg.)
iNtRODUçãO
CiÊNCiAS BRASiLEiRAS DE LiNGUA(GEM)1: 
tEORiAS DE DiSCURSO2
Por Roberto Leiser Baronas
“Os escritores nacionais célebres têm às vezes incitado, 
aconselhado a liberação nossa de Portugal – Júlio Ri-
beiro, Graça Aranha... Principiam por um erro: opor 
Brasil e Portugal. Não se trata disso. Se trata de ser 
brasileiro e não nacionalista. Escrever naturalmente 
brasileiro sem nenhuma reivindicação nem queixa.” 
(PiNtO,1990, p.23).
Primeiras Palavras: um Pouco sobre teorias 
brasileiras do idioma 
O presente livro de natureza introdutória e em tom de 
manifesto, destinado basicamente a alunos de graduação e 
pós-graduação em Letras e Linguística e áreas afins, está 
organizado em tornode uma audaciosa hipótese de traba-
1 Quando utilizamos a designação Ciências brasileiras de lingua(gem), não o 
fazemos com o intuito de negar o caráter universal da ciência, mas buscamos dar 
destaque à singularidade das ciências desenvolvidas por pesquisadores brasileiros 
no âmbito da linguagem.
2 O presente livro se constitui numa singela homenagem in memoriam à Profa. Rosa 
Virgínia Mattos e ao Prof. dercir Pedro Oliveira por terem nos mostrado ao longo de 
todas as suas vidas que, apesar de todos os contratempos, é possível fazer linguística 
brasileira	de	muita	qualidade.	Uma	versão	bastante	modificada	desta	introdução	
foi apresentada em forma de comunicação oral no Seminário Internacional de Lin-
guística, realizado na UFG – Goiânia - em setembro de 2012 e também em forma 
de conferência, durante a 67 Reunião Anual da SBPC, realizada na UFSCar em 14 
de julho de 2015.
16
estudos discuRsivos à bRasiLeiRa: uma intRodução
lho: há no Brasil não somente teorias próprias do idioma, 
conforme já enfatizado por diversos estudiosos, mas também 
teorias brasílicas de discurso. Para dar conta dessa hipótese, 
evocamos num primeiro momento o instigante artigo de 
divulgação científica, cujo título é “Uma teoria brasileira 
do idioma”, publicado na Edição 78 da Revista Língua Por-
tuguesa, em abril de 2012 (MÓDOLO; BRAGA, 2012) e, na 
sequência, comentamos brevemente, a não menos pertinente 
conferência do Prof. Dr. Rodolfo ilari da UNiCAMP no 
GEL3-USP, em julho de 2013. Esses dois textos têm em 
comum o fato de que fazem referência a importantes estudos 
de pesquisadores brasileiros sobre a existência não só de 
uma linguística no Brasil, mas também de uma linguística 
do Brasil. Por último, na sequência do livro, apresentamos 
algumas das teorias brasílicas do discurso.
No artigo em questão, os professores Marcelo Módulo 
e Henrique Braga da USP falam sobre algumas das teorias 
linguísticas desenvolvidas por pesquisadores brasileiros em 
nossa geografia nos últimos anos. Os autores destacam, por 
exemplo, como “[...] propostas já estruturadas em terras 
brasílicas a Gramática construtural da língua portuguesa, 
de Back e Mattos (1972)4, a Sociolinguística paramétrica de 
tarallo e Kato (1989)5, a Semântica de contextos e cenários de 
Ferrarezi Jr. (2010)6 e a Abordagem multissistêmica de Ataliba 
teixeira de Castilho7 (2010).” (MÓDOLO; BRAGA, 2012). 
3 Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo <www.gel.org.br>.
4 Uma apresentação sucinta da Gramática Construtural, proposta por Back e Mattos (1972) 
pode ser vista no artigo a “Linguística Construtural”. Uma discussão de base mais his-
toriográfica	acerca	dessa	teoria	linguística	pode	ser	encontrada	em	“Aceitar	ou	negar	as	
propostas	da	Gramática	Construtural:	uma	interpretação	historiográfica	e	sociológica	de	
um período da gramática brasileira” de Ronaldo de Oliveira Batista (2011).
5 Uma apresentação detalhada dos postulados elaborados por Tarallo & Kato sobre 
a sociolinguística paramétrica pode ser vista nos artigos de Tarallo (1987). “Por 
uma	Sociolinguística	Romanica	“Paramétrica”:	Fonologia	e	Sintaxe”.	E	Tarallo	&	
Kato (1989) “Harmonia trans-sistêmica: variação inter e intralinguística”.
6 Uma apresentação da proposta formulada por Ferrarezi Jr. pode ser vista no livro 
Introdução à semântica de contextos e cenários (2010). 
7 A abordagem multissistêmica proposta por Ataliba de Castilho pode ser vista em 
Nova Gramática do Português Brasileiro (2010).
17
RobeRto LeiseR baRonas (oRg.)
A discussão de Módulo e Braga (2012) se centra numa 
rápida apresentação da teoria proposta por Castilho. Para os 
autores, Ataliba de Castilho, alicerçado epistemologicamente 
numa base sociocognitivista e compreendendo a língua como 
um fenômeno complexo e dinâmico, 
[...] acredita ser possível analisar os traços lexi-
cais, semânticos, discursivos e gramaticais de uma 
palavra ou construção, mesmo que “em estado de 
dicionário”. Assim, para o autor haveria um dispo-
sitivo central, de base sociocognitiva, que ativaria, 
desativaria e reativaria os traços linguísticos de 
uma palavra ou construção em cada um desses 
sistemas, de acordo com as necessidades linguísti-
cas do falante. Segundo esse ponto de vista, nossa 
mente operaria num modo simultâneo sobre o 
conjunto dos processos e dos produtos recolhidos 
nesses subsistemas. (MÓDULO; BRAGA, 2012).
 
Para mostrar alguns dos problemas que a teoria de 
Castilho tenta elucidar, os autores mobilizam o item lexical 
[...] “contra”. Quais traços semânticos esse vocá-
bulo pode comportar? Como esses traços foram 
agrupados (lexicalizados) nessa palavra? Qual o 
comportamento desse termo na estrutura sintática 
de uma frase? Como os falantes usam essa palavra 
na interação com outros indivíduos? Uma análise 
multissistêmica pressupõe essa multiplicidade de 
questões sobre um mesmo fenômeno linguístico. 
(MÓDULO; BRAGA, 2012).
Evocamos agora a palestra do Prof. Rodolfo ilari, 
proferida no GEL-USP, realizado na cidade de São Paulo 
em julho de 2013. Na sua conferência, “A fábrica de ideias 
linguísticas do Professor Salum, o pinheiro e o lago”, ilari 
(2013), com base em um conjunto de textos manuscritos 
18
estudos discuRsivos à bRasiLeiRa: uma intRodução
pelo próprio Prof. Salum, redigidos em meados dos anos 
sessenta do século passado, apresentou entre outras pro-
duções a “Abordagem linguístico-retórica dos textos”, ou, 
mais popularmente, a “teoria dos Garfos” do Prof. isaac 
Nicolau Salum. Uma pertinente teoria de análise textual, 
cujo objetivo primeiro é compreender de forma acurada as 
relações de sentido estabelecidas entre os diferentes níveis 
de um texto. trata-se de uma abordagem singular que busca 
entender o funcionamento da “inteligência linguística do 
texto”, sobretudo, o literário, descrevendo-o em seus va-
lores semânticos; estilísticos; retóricos e até “ideológicos”. 
Aspectos completamente estranhos à análise linguística pra-
ticada à época. Sobre a pertinência da abordagem de Salum 
para a análise textual, ouçamos a partir de Blikstein (1994) 
o que dizem a respeito os professores Antonio Candido e 
Segismundo Spina, dois grandes intelectuais brasileiros, 
respectivamente da área de teoria Literária e da área de 
Filologia e Língua Portuguesa:
[...] num campo ele [isaac Salum] desamarrou: o 
da análise linguístico-literária. talvez porque os 
garfos e esquemas que inventou possuam um vago 
ar de quebra-cabeça, que, introduzindo certa at-
mosfera lúdica, parece atenuar o compromisso com 
o rigor e permitir maior liberdade. De qualquer 
modo, aí ele atua com desafogo e prazer, oferecendo 
largamente os resultados da sua desmontagem 
minuciosa, paciente e cheia de iluminações, que 
permite mostrar com segurança a anatomia e a 
mensagem dos textos. Sem bulha nem matinada, foi 
construindo um método original, preciso e fecundo, 
que ainda por cima tem a vantagem de projetar-se 
numa figura que o olhar abrange, dispondo o texto 
conforme a arquitetura do sentido real.
19
RobeRto LeiseR baRonas (oRg.)
[...] aí por volta de 1965, começaram a circular, en-
tre os colegas da Faculdade de Filosofia, os gráficos 
de análise de texto do prof. Salum, altura em que a 
sua técnica amadurecia em método, conquistando 
aos poucos a adesão dos colegas, que de início en-
xergavam apenas nos seus gráficos um esquema 
decorativo, à guisa de arabesco... A distribuição 
dos esquemas foi aumentando, e gradativamente 
conquistando a curiosidade e o interesse de uma 
clientela que passou a acreditar nas novidades do 
sistema, pois ele superava o velho e acanhado mé-
todo da análise lógica, abrindo novos horizontes 
na inteligência linguística do texto, cujos valores 
semânticos, estilísticos, retóricos e, por que não 
dizer, a própria maneira de os autores visualizarem 
o mundo eram desconhecidos completamente 
pela abordagem sintática tradicional. Salum ar-
rebentava de alegria quando percebia que seus 
esquemas eram examinados, estudados e às vezes 
até contestados peloscolegas. Não raro os gráfi-
cos eram redistribuídos em segunda e até terceira 
edição, pois o próprio autor muitas vezes se dava 
conta das imperfeições ainda existentes nos seus 
esquemas, ou acatava as opiniões divergentes que 
lhe pareciam válidas. (BLiKStEiN, 1994, p.150).
A imagem a seguir é um dos manuscritos engendrados 
pelo Prof. isaac Nicolau Salum para exemplificar o funcio-
namento linguístico-textual da sua teoria dos Garfos. Para 
além da originalidade da abordagem, cumpre destacar que 
a teoria do Prof. Salum foi produzida antes mesmo da pu-
blicação do clássico Cohesion in English de M. K. Halliday 
e R. Hasan em 1976, obra que viria inaugurar os estudos 
sobre a gramática do texto ou o que conhecemos hoje como 
Linguística textual.
20
estudos discuRsivos à bRasiLeiRa: uma intRodução
Dada a pertinência e a heurística positiva tanto do 
artigo de Módulo e Braga (2012) quanto da conferência de 
ilari (2013) para o debate sobre a história e o fazer pros-
pectivo da Linguística do Brasil, gostaríamos de ampliar tal 
discussão, defendendo neste livro a tese de que há no Brasil 
não só teorias do idioma, que têm centralmente o português 
brasileiro como objeto de estudo, enfatizando os níveis fono-
lógico, morfológico, lexical, sintático, semântico e textual, 
como propõem os autores citados, mas que há também, por 
um lado, teorias das línguas faladas no Brasil8 e, por outro, 
teorias brasileiras do discurso. 
8 Segundo Gilvan Muller de Oliveira (2000, p.1) “[...] no Brasil de hoje são falados 
por volta de 200 idiomas. As nações indígenas do país falam cerca de 170 línguas 
(chamadas de autóctones), e as comunidades de descendentes de imigrantes outras 
30 línguas (chamadas de línguas alóctones).”
21
RobeRto LeiseR baRonas (oRg.)
Não se trata de agir como um Policarpo Quaresma da 
ciência brasileira ou mesmo um fervoroso seguidor de Mi-
guel Nicolelis9, propondo com base nas suas reflexões, uma 
Linguística Tropical, ou mais especificamente, uma Análise de 
Discurso Apaporu (ADA), mas de apresentar maneira introdu-
tória em um único suporte algumas das teorias de discurso 
forjadas pelos pesquisadores brasileiros.
teorias brasileiras do discurso: um Pouco mais
As teorias e seus respectivos autores que elencamos 
neste livro estão inscritas nos mais variados domínios do 
campo de estudos do discurso10, isto é, elas não estão cir-
cunscritas somente ao domínio derivado da Análise de Dis-
curso de orientação francesa, por exemplo. Elas vão de uma 
semiótica da canção a uma arquegenealogia dos discursos. 
Cumpre dizer que, apesar de essas teorias terem o discurso 
9 Manifesto de autoria de Miguel Nicolelis (2013) que propõe a criação de um novo 
paradigma	científico,	cujo	título	é	Manifesto da Ciência Tropical: um novo paradigma 
para o uso democrático da ciência como agente efetivo de transformação social e eco-
nômica no Brasil.	A	proposta	de	Nicolelis	está	alicerçada	na	filosofia	do	educador	Paulo	
Freire e na de Alberto Santos-dumont e propõe quinze metas que visam a desencadear 
a	massificação	e	a	democratização	dos	meios	e	mecanismos	de	geração,	disseminação,	
consumo e comercialização de conhecimento de ponta por todo o Brasil. 
10 Em seu livro discurso e Análise do discurso, lançado no último Seminário do 
GEL, realizado em Campinas, em julho de 2015, dominique Maingueneau asse-
vera:	“O	campo	da	análise	do	discurso,	hoje	globalizado	e	em	expansão	contínua,	
resulta da convergência de correntes de pesquisa provindas de disciplinas muito 
diferentes	(linguística,	sociologia,	filosofia,	psicologia,	teoria	literária,	antropolo-
gia,	história...)	e,	por	sua	vez,	exerce	sua	influência	sobre	elas.	Falou-se	muito	de	
uma	“virada	linguística”	na	filosofia,	na	história	e	nas	ciências	sociais	na	segunda	
metade do século XX; poder-se-ia também falar de uma “virada discursiva”. de 
fato, não há nenhum setor das ciências humanas e sociais ou das humanidades 
que não possa fazer apelo a suas problemáticas, seus conceitos ou seus métodos. 
[...] Mesmo que as problemáticas de análise do discurso desenvolvidas na França 
tenham	exercido	indiscutivelmente	um	papel	fundador	e	continuem	a	apresentar	
certo número de traços característicos, atualmente elas se encontram inseridas em 
um espaço de pesquisa que é globalizado, no qual as hibridações conceituais se 
multiplicam; 1) o campo dos estudos de discurso deve ser distinguido de outro, 
mais restrito, o da análise do discurso, que define um ponto de vista específico 
sobre o discurso; 2) o universo do discurso, o material a partir do qual trabalham 
os analistas do discurso, é profundamente heterogêneo:	não	se	pode	unificá-lo	em	
torno do modelo dominante da comunicação oral face a face”. (MAINGUENEAU, 
2015, p 4-6 – grifos nossos). 
22
estudos discuRsivos à bRasiLeiRa: uma intRodução
como objeto de observação, cada uma delas constrói o seu 
objeto teórico de maneira bem diferente.
Nesse sentido, temos como algumas das teorias do 
discurso forjadas em cadinho verde e amarelo, a Semiótica 
da Canção, proposta por Luiz tatit (2007); a Semântica do 
Acontecimento, proposta por Eduardo Guimarães (2005)11; a 
Teoria dos Estereótipos Básicos e dos Estereótipos Opostos (2010), 
proposta por Sírio Possenti; a Teoria do silêncio, proposta por 
Eni Orlandi12 (2003); a Análise dialógica do discurso verbo-
visual, proposta por Brait a partir de 1995 e a Abordagem 
foucaultiana do discurso, proposta por Gregolin e seu grupo de 
estudos (2000). todas essas teorias, embora tenham conver-
sado, algumas mais, outras menos antropofolemicamente, 
com teorias desenvolvidas, sobretudo, na França do final dos 
anos 60 e 70 do século passado, possuem traços epistemoló-
gicos que são bem brasileiros. No nosso entendimento não 
se trata simplesmente de expansões para dar conta de dados 
específicos, ou de meras resoluções de quebra-cabeças, para 
usar a terminologia khunniana, são programas de pesquisa 
no sentido atribuído a esta metodologia por Lakatos13.
Para defender o ponto de vista expresso acima, busco 
subsídios em consistentes trabalhos de jovens pesquisadores 
brasileiros, que embora não se constituam nos autores das 
teorias brasílicas do discurso aqui descritas, têm trabalhado 
de maneira bastante renhida com esses arcabouços teórico-
metodológicos, fazendo-os muitas vezes ranger.
11	 Uma	apresentação	detalhada	das	reflexões	propostas	por	Guimarães	pode	ser	vista	
no livro Semântica do acontecimento (2005).
12 Uma apresentação detalhada das propostas formuladas por Eni Orlandi pode ser 
vista no livro Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos (2004).
13 No entendimento de Imre Lakatos (1979), um programa de pesquisa constitui-se de 
um	núcleo	firme	-	um	conjunto	de	hipóteses	ou	teorias,	considerado	como	irrefu-
tável	pelos	cientistas	–	e	de	uma	heurística,	que	mobiliza	os	cientistas	a	modificar	
o	cinturão	protetor	–	conjunto	de	hipóteses	auxiliares	e	métodos	observacionais	de	
modo a adequar o programa diante de novos dados.
23
RobeRto LeiseR baRonas (oRg.)
inaugura o livro o capítulo “O silêncio existe para (não) 
poder dizer” de Lucília Maria Abrahão e Sousa. Na sequên-
cia, Flávio Henrique Moraes e Mônica Baltazar Diniz Sig-
nori apresentam o capítulo intitulado “Semiótica e canção: 
uma paixão brasileira”. Depois, Soelir Maria Schreiber da 
Silva e Carolina de Paula Machado apresentam o capítulo 
“Semântica do acontecimento: princípios teóricos, meto-
dológicos e análises”. No quarto capítulo, Fernanda Góes 
de Oliveira ávila e Roberto Leiser Baronas apresentam a 
“teoria dos estereótipos básicos e dos estereótipos opostos: 
a piada levada a sério”. O capítulo cinco, “De presidentes e 
presidenciáveis: verbo-visualidade na esfera jornalística e 
político-partidário” é apresentado por Maria Helena Pistori. 
Finaliza a coletânea o capítulo “Por uma análise arquegea-
lógica do discurso” de autoria de Pedro Navarro. 
Acredito ser importante (re)dizer que assim como as 
teorias das línguas brasílicas não se resumemaos importantes 
trabalhos de Back e Mattos (1972); Kato e tarallo (1989); 
Ferrarezi (2010) e Castilho (2010), citados por Módulo e 
Braga, pois também poderíamos elencar os trabalhos de 
Heitor Megale14 e Rosa Virgínia Matos15 sobre o português 
diacrônico, os de Aryon Rodrigues16 sobre as línguas indí-
genas brasileiras, os de Maria Helena Moura Neves17 sobre 
a gramática de usos do português, os de Francisco da Silva 
Borba18 sobre o dicionário de usos do português, as teorias 
14 No livro coorganizado com Sílvio Almeida de Toledo Neto “Por minha letra e 
sinal: documentos do ouro do século XVII”, publicado pela Ateliê Editorial em 
2005, pode-se encontrar uma representação metonímica das propostas teóricas 
desenvolvidas por Megale.
15 Em “Ensaios para uma sócio-história do português brasileiro”, publicado pela 
Parábola Editorial em 2004, pode-se encontrar uma bela apresentação da teoria 
proposta por Rosa Virgínia Matos.
16 Trabalhos representativos deste importante linguista brasileiro podem ser lidos 
gratuitamente no site http://biblio.etnolinguistica.org/colecao:aryon
17 Uma apresentação detalhada da teoria proposta por Moura Neves pode ser encontrada 
no livro Gramática de usos do português, São Paulo: Editora da UNESP, 2000.
18 As propostas teóricas de Borba podem ser vistas no livro. Dicionário de usos do 
português do Brasil. São Paulo: Ática, 2002.
24
estudos discuRsivos à bRasiLeiRa: uma intRodução
sobre discurso não se resumem aos autores apresentados nos 
capítulos que compõem este livro. Nesse sentido, vale men-
cionar os trabalhos de José Luíz Fiorin19 acerca do discurso 
literário; os de Diana Barros20 sobre o discurso da intolerância; 
os de ida Lúcia Machado21 sobre as emoções e os de izabel 
Magalhães22 sobre as relações entre discurso e poder.
à guisa de conclusão, digo que a epígrafe de Mario 
de Andrade não é uma perfumaria nesta introdução, que 
busca sugerir aos meus destinatários uma imagem de pes-
quisador erudito. Defendo que nas pesquisas em ciências 
brasileiras da linguagem deveríamos fazer como Andrade, 
na textualização de sua gramatiquinha da fala brasileira, ou 
seja, “ser brasileiro e não nacionalista. Escrever [produzir] 
naturalmente brasileiro [ciências brasileiras de linguagem] 
sem nenhuma reivindicação nem queixa” (re)construindo as 
nossas próprias teorias discursivas. Fica aí o convite para os 
nossos alunos de Letras e Linguística
19 As discussões elaboradas do Fiorin acerca do discurso literário podem ser vistas no 
livro As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo, publicado 
pela editora Ática em sua primeira edição em 1999.
20	 As	reflexões	propostas	por	Diana	Barros	sobre	o	discurso	da	intolerância	podem	ser	
vistas em O discurso intolerante: primeiras reflexões.	São	Paulo	(texto	digitado),	2005	
A construção discursiva dos discursos intolerantes. In : BARROS, diana L. P. de (org.). 
Preconceito e intolerância na linguagem. São Paulo : Editora Mackenzie, 2011.Precon-
ceito e intolerância em gramática do português. In : BARROS, d. L. P. de e FIORIN, 
J. L. (orgs.). A fabricação dos sentidos – estudos em homenagem a Izidoro Blikstein. 
São Paulo: Humanitas, 2008, p. 339-363. Política e intolerância. In : FULANETI, O. 
N. e BUENO, A. M. (orgs.). Linguagem e política : princípios teórico-discursivos. 
São	Paulo	:	Contexto,	2013,	p.71-	92.	Intolerância,	preconceito	e	exclusão.	In:	LARA,	
Gláucia Proença e LIMBERTI, Rita Pacheco (orgs.). Discurso e (des)igualdade social. 
São	Paulo:	Contexto,	2014,	p.61-78..
21 Um dos trabalhos de Ida Lúcia Machado pode ser visto no livro As emoções no 
discurso, publicado em 2010 pela Editora Mercado de Letras.
22 Uma representação metonímica dos trabalhos desenvolvidos por Izabel Magalhães 
pode ser vista em Teoria crítica do discurso e texto. Linguagem em (Dis)curso, 4, 2004. 
disponível em: http://www.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/0403/05.htm
25
RobeRto LeiseR baRonas (oRg.)
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27
RobeRto LeiseR baRonas (oRg.)
O SiLÊNCiO EXiStE PARA PODER 
(NãO) DiZER
Por Lucília Maria Abrahão e Sousa
”O senhor sabe o que o silêncio é? 
É a gente mesmo, demais.” 
Guimarães Rosa
um Percurso teórico entre silêncios e Palavras
Calvino (1994, p. 7-8), ao descrever uma onda do mar, 
sinaliza algo que tomo aqui como mote para refletir sobre o 
silêncio e a linguagem: “Se então considerarmos cada onda 
no sentido de sua amplitude, paralelamente à costa, será 
difícil estabelecer até onde a frente que avança se estende 
contínua e onde se separa e se segmenta em ondas autôno-
mas, distintas pela velocidade, a forma, a força, a direção”1. 
Uma onda enreda-se em outras, desdobra-se em efeitos de 
continuidade que se estiram em partes de outras ondas, e 
também em ausência delas, em mar aberto ou baía fechada. 
A onda dá-se como fundante na constituição de mar, e o 
contrário também vale; dessa mesma espessura são feitos 
silêncio e linguagem, tema sobre o qual esse trabalho irá 
se debruçar. 
A obra de Orlandi (1997) inaugura um modo de pro-
blematizar e refletir sobre as formas do silêncio, marcando-o 
1 Agradeço à Profa. dra. Vanise Medeiros o presente do livro Palomar, de Ítalo 
Calvino, e todos os momentosde interlocução sempre prazerosos. 
28
estudos discuRsivos à bRasiLeiRa: uma intRodução
primeiramente como fundador de todo ato de linguagem. 
Descarta a concepção de que há falta ou ausência no silêncio 
e de que ele é o “resto da linguagem” (1997, p. 12), ou seja, 
desloca as certezas depositadas nas reflexões que entendem o 
silêncio como da ordem da ausência. Anota ainda que não se 
trata de pensar o “nada”, já que “não é o vazio sem história” 
(op. cit, p. 23), já que “o silêncio não é mero complemento de 
linguagem” (idem). Desnaturalizando efeitos muito eviden-
ciados na ordem do repetível, a autora faz, primeiramente, o 
percurso de teorizar aquilo que o silêncio não é: “O silêncio 
não é, pois, em nossa perspectiva, o ‘tudo’ da linguagem. Nem 
o ideal do lugar ‘outro’, como não é tampouco o abismo dos 
sentidos.” (op. cir., p. 23). 
Ainda trabalhando na desconstrução de nossas cer-
tezas sobre o silêncio, a autora marca que ele “não é dire-
tamente observável e no entanto ele não é vazio, mesmo 
do ponto de vista da percepção: nós o sentimos, ele está 
‘lá’ (no sorriso de Gioconda, no amarelo de Van Gogh, nas 
extensões, nas pausas” (op. cit., p. 47). Dito desse modo, o 
silêncio coloca-se em toda e qualquer materialidade com a 
qual nos deparamos, e sustenta toda a significação. E Or-
landi apresenta-o em outra dimensão, qual seja, a de que 
existe um “sentido no silêncio” e de que “todo dizer é uma 
relação fundamental com o não-dizer” (op. cit., p. 12); isso 
porque estamos na instância que considera a incompletude 
da linguagem e a errância dos sentidos a partir de algo que 
os funda, o silêncio. Ele configura-se com “significância 
própria” que “dá espaço de recuo significante, produzindo 
as condições para significar” (idem, p. 23-24). A autora 
compara-o ao mar que “não está disponível à visibilidade, 
não é diretamente observável. Ele passa pelas palavras. Não 
dura. Só é possível vislumbrá-lo, de modo fugaz” (idem, p. 
34). O silêncio é fundador, espécie de material alicerçante 
sobre o qual se ergue todo dito.
29
RobeRto LeiseR baRonas (oRg.)
 O silêncio é da ordem do não dito, funciona de modo 
a sustentar a linguagem, dando suporte aos movimentos 
significantes e aos giros do sujeito na linguagem, o silêncio 
“é assim a ‘respiração’ (o fôlego) da significação; um lugar 
de recuo necessário para que se possa significar, para que 
o sentido faça silêncio. Reduto do possível, do múltiplo, o 
silêncio abre espaço para o que não é ‘um’, para o que permite 
o movimento do sujeito.” (op. cit., p. 13). Ou seja, sujeito e 
sentidos estruturam-se e podem vir a emergir porque há si-
lêncio, porque muitos sentidos fervilham no silêncio fundan-
te, prontos a ser tomados a partir de uma posição-sujeito e 
grávidos de serem ditos em dadas condições sócio-históricas. 
O silêncio, como iminência do sentido, tal como 
expressamos no corpo de nosso trabalho, nos 
aponta que o fora da linguagem não é o nada mas 
ainda sentido. Silêncio que atravessa as palavras, 
que existe entre elas, ou que indica que o sentido 
pode ser outro, ou ainda que aquilo que é o mais 
importante nunca se diz, todos esses modos de 
existir dos sentidos e do silêncio nos levam a 
colocar que o silêncio é ‘fundante’. (ORLANDi, 
op. cit., p. 13-14)
Fundante ou fundador, assim a autora o toma para 
pensá-lo discursivamente em sua primeira forma, anotan-
do que “Sempre se diz a partir do silêncio” (op. cit., p. 23). 
Estamos aqui a trabalhar o dizer em sua instância própria 
da linguagem, “o silêncio fundador, aquele que existe nas 
palavras, que significa o não-dito” (op. cit., p. 24). É da or-
dem do sujeito jogar, brincar e equilibrar-se nessa gangorra 
permanente entre o dito e o silenciado, o dizer e o não dizer, 
a palavra e o que não coube nela; mais ainda, o sujeito enun-
cia sempre no limiar dessa “possibilidade de movimento, 
deslocamento de palavras em presença e ausência”. (op. cit., 
p. 25). O silêncio fundador é, “não fala. O silêncio é. Ele sig-
30
estudos discuRsivos à bRasiLeiRa: uma intRodução
nifica. Ou melhor: no silêncio, o sentido é.” (op. cit., p. 33). 
O silêncio está, o silêncio atravessa, o silêncio compõe e o 
silêncio assegura que a palavra venha a ser. Uma instância 
constitutiva da linguagem que permite ao sujeito endereçar 
a sua voz por meio de uma palavra, ainda que amparados - 
ambos, sujeito e palavra - pelo silêncio. Baldini (2012, p.108) 
define “a política da cesura” em relação silêncio fundador, 
o que significa “falar, falar ao outro, falar ao Outro, supõe a 
ilusão da comunicação, o recorte no continuum do silêncio, o 
surgimento do verbo e seus trejeitos, sua sedução e seu poder 
de nos fazer imaginar que há algo mais além da linguagem, 
viagem sempre buscada.”
Assim, a primeira forma do silêncio é denominada 
como fundador, mas Orlandi (1997, p. 75) define ainda a 
“política do silêncio” com duas outras formas articuladas nos 
seguintes termos “política do silêncio, que, por sua vez tem 
duas formas de existência ligadas a) o silêncio constitutivo 
e b) o silêncio local”. Para entender o silêncio constitutivo, 
é considerar que à condição de dizer sempre corresponde o 
gesto de apagar e silenciar. Por tomarmos a palavra, cala-
mos; e, por calarmos certas palavras, nos é possível assumir 
uma (ao menos) e tomá-la como inscrição na linguagem. É 
interessante marcar que se algo-silêncio funda toda palavra, 
algo do silêncio a fez funcionar depois de dita, visto que uma 
palavra “escolhida” deixa de lado inúmeras outras maneiras 
de dizer. 
Essa tensa relação entre a palavra e o silêncio dá-se aqui 
a partir das condições sócio-históricas, em que a historicida-
de faz falar a legitimidade de certos sentidos em detrimento 
de outros. Ou seja, há palavras que são postas em silêncio 
pelo que não devem circular, tidas como indesejáveis ou pre-
teridas em dada conjuntura; o que nem por isso as faz deixar 
de existir ou as impede de circular em outras condições. 
31
RobeRto LeiseR baRonas (oRg.)
Com efeito, a política do silêncio se define pelo fato 
de que ao dizer algo apagamos necessariamente 
outros sentidos possíveis, mas indesejáveis, em uma 
situação discursiva dada. A diferença entre o silên-
cio fundador e a política do silêncio é que a política 
do silêncio produz um recorte entre o que se diz e 
o que não se diz, enquanto o silêncio fundador não 
estabelece nenhuma divisão: ele significa em (por) 
si mesmo. (ORLANDi, 1997, p. 75)
Vejamos o silêncio constitutivo então. Ao tomar a 
palavra e enunciar de um lugar discursivo, cabe ao sujeito 
deixar de lado outras tantas formas de dizer sobre o seu 
objeto, deixando em latência de um vir-a-ser possível em 
outros dizeres. Por não ser possível tudo dizer e por não ter 
cabimento dizer muitas palavras ao mesmo tempo, o sujeito 
abre mão do todo da língua e “escolhe” certo dizer a partir 
da posição que ocupa. inscrever-se de um modo na língua é, 
nesses termos, uma operação da política do silêncio. Orlandi 
(op. cit, p. 76) anota que “se diz ‘x’ para não (deixar) dizer 
‘y’, este sendo o sentido a ser descartar do dito. É o não 
dito necessariamente excluído”. trata-se então do silêncio 
constitutivo na relação do dito com os não ditos.
Em concordância com a teoria discursiva, fundada por 
Michel Pêcheux, sabemos que é impossível tudo dizer, que 
o sujeito recolhe palavras que já circularam antes para se 
sustentar em uma posição e as toma como suas a partir da 
evidência ideológica de um sentido. Ao fazê-lo, o sujeito cala 
e silencia, posto que “ao dizer algo apagamos necessaria-
mente outros sentidos possíveis, mas indesejáveis, em uma 
situação discursiva dada” (ORLANDi, op. cit., p. 75). tal 
funcionamento é constitutivo já que toda palavra, depois 
de colocada em discurso, passa a criar relações com o que 
não foi colocado na ordem da língua. interessante perceber 
como a autora (op. cit., p. 72) postula essa condição lacunar 
32
estudos discuRsivos à bRasiLeiRa: uma intRodução
da palavra bordejadapelo silêncio: “o sujeito desdobra o si-
lêncio em sua fala. No discurso há sempre um ‘projeto’, um 
futuro silencioso do sujeito, pleno de sentidos”.
Vejamos um exemplo disso. Na rede social Facebook, 
cada solicitação de amizade é enviada de um sujeito-nave-
gador para outro, o qual deve responder de modo a aceitar 
ou recusar a entrada deste em sua rede. E desse modo que 
se cria um circuito de redes dentro de redes conectadas 
na movência própria do digital. Não importa aqui discutir 
isso, mas, sim, o que aparece vez ou outra quando o “dono” 
da sua própria página do Face é convocado a responder a 
seguinte questão:
interessante observar discursivamente como este dizer 
está em relação a um não dito (dentre outros). Ora, se esta-
mos no espaço virtual, os amigos denominam-se igualmente 
virtuais, o que marcaria uma forma outra de inscrição da so-
cialização. No entanto, o recorte acima nos convoca a checar 
se o solicitante é conhecido no mundo fora da própria rede 
social onde ele está inscrito. Silencia-se, assim, a virtualidade 
do próprio dispositivo tecnológico, cuja função é justamente 
conectar pessoas que estão em diferentes lugares sem ne-
cessidade de contato físico ou pessoal. A “obrigatoriedade” 
ou a necessidade de um “conhecer bem” implica não dizer 
onde exatamente está inscrita a subjetividade do navegador 
na rede. 
33
RobeRto LeiseR baRonas (oRg.)
Além do silêncio fundador e do silêncio constitutivo, 
Orlandi (1997) apresenta mais uma forma de silêncio, qual 
seja, o silêncio local, aquele em que há censura e interdição 
de certos sentidos considerados indesejáveis e impedidos de 
circular em dadas condições sócio-históricas. tais sentidos 
não teriam espaço de circulação pois, pelo efeito ideológico 
de evidência, desautorizariam o que está legitimado como 
aceito ou oficial, fariam buraco no que é enrigecido como 
único dizer; assim, não podem nem devem ser ditos. 
Proíbem-se certas palavras para se proibirem 
certos sentidos. No entanto, há um aspecto inte-
ressante a observar em relação ao mecanismo da 
censura. Como, no discurso, o sujeito e o sentido se 
constituem ao mesmo tempo, ao se proceder desse 
modo se proíbe ao sujeito ocupar certos ‘lugares’, 
ou melhor, proíbem-se certas ‘posições’ sujeito. 
(ORLANDi, 1997, p. 78) 
Desse modo, são certas posições-sujeito em dadas for-
mações discursivas que merecem ser impedidas de circulação, 
embora - é preciso dizer - que isso não as elimina, tampouco 
significam que elas não irão irromper de outro modo. Sabe-
mos, pela interpelação ideológica dos dois esquecimentos de 
Pêcheux (1975), que o sujeito não controla todos os sentidos 
que produz e que há um atravessamento inconsciente em 
todo ato de linguagem, o que marca que o censurado pode 
re-aparecer e circular de outro modo. Sobre isso, Orlandi 
(op. cit., p. 98) afirma que “[...] dizemos o mesmo para 
significar outra coisa e dizemos coisas diferentes para ficar 
no mesmo sentido. É este movimento que me interessa na 
base da relação censura/resistência”. 
Eis aqui a esfera do sujeito - e do modo como ele inscreve-
se em uma dada posição - e da ideologia, mecanismo que natura-
liza sentidos possíveis de serem ditos (ou silenciados) em certo 
34
estudos discuRsivos à bRasiLeiRa: uma intRodução
lugar discursivo a partir da luta por/entre regiões de poder; 
isto conduz à reflexão de que a política do silêncio “dispõe as 
cisões entre o dizer e o não-dizer” já que impõe o silêncio, que 
não se resume tão somente a calar, mas impede que o sujeito 
sustente outro discurso diferente do oficial. Proibe-se a circu-
lação de certos discursos, exclui-se a abertura do dizer para 
significaçoes inesperadas e administra-se o efeito parafrástico. 
Um exemplo bastante recente, ainda sobre e coletado 
no Facebook, indicia que a política do silêncio existe e opera 
efeitos de sentido na rede digital. O artigo “Facebook rein-
troduz a censura no Brasil”2 aponta, pela via do estudo da 
comunicação, outros modos de funcionamento da máxima 
“fulano caiu”, discurso que, no período militar brasileiro, 
inscrevia efeitos de morte pela tortura e extermínio do 
Estado em relação aos denominados “subversivos”. Antes o 
sentido de morte sob castigo, hoje o efeito de outro “castigo”, 
a suspensão e o banimento da rede social. Assim, as páginas 
digitais caem, são excluídas por um tempo determinado pelo 
próprio Face, isto é, são tiradas do ar sem o consentimento 
de seus donos-criadores e dos sujeitos que ali instalam seus 
dizeres. E agora quem o faz é uma empresa planetária, de 
alcance globalizado e que trama suas negociações em um 
território ao qual nenhuma legislação tem alcance. 
No dia 28 de julho de 2013, realizou-se a segunda edição 
do “Dia da Livre Expressão do Nu no Facebook”, fomentada 
pela censura sofrida por dois escritores e poetas (Claudio Wil-
ler e Floriano Martins) que postaram uma fotografia de Nina 
Simone nua e tiveram suas páginas pessoais bloqueadas. O 
movimento durou um dia todo de postagens com mais de dois 
mil internautas disparando imagens pictóricas e fotográficas 
de nu artístico, sempre acompanhadas pelo texto a seguir: 
2 disponível no endereço eletrônico que se segue, acesso em 02/08/2013. http://
www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/facebook_reintroduz_a_censu-
ra_no_brasil
35
RobeRto LeiseR baRonas (oRg.)
28 DE JULHO – DiA DA LiVRE EXPRESSãO 
DO NU NO FACEBOOK Esta postagem de nu-
dez artística faz parte de um movimento contra 
a censura no Facebook. A censura vai contra a 
Constituição do meu país. Se o Facebook opera 
aqui no Brasil, deve respeitar suas leis.
- o artigo 5. iX. da Constituição brasileira é 
claro: é livre a expressão da atividade inte-
lectual, artística, científica e de comunicação, 
independentemente de censura ou licença; 
 
- o artigo 220 é ainda mais claro: a manifestação 
do pensamento, a criação, a expressão e a infor-
mação, sob qualquer forma, processo ou meios 
não sofrerá restrição, observando o disposto nesta 
Constituição
* * *
this postage of an artistic nude is part of a move-
ment to rule out cultural Censorship in Facebook. 
Censorship goes against the constitution of my 
country. if Facebook operates here in Brazil it 
should respect its laws.
- Article 5. iX. of the Brazilian constitu-
tion is clear: expression of intelectual, artis-
tic, scientific and communication content is 
free, independently of censorship or licence. 
 
- Article 220 is even more clear: manifestation of 
thought, creation, expression and information, 
under any form, process or means will not undergo 
restriction according to this Constitution.
interessante observar como o sujeito-navegador, que 
colou esse texto em sua postagem “pessoal”, marcou a sua 
participação em uma trama coletiva e legitimou-se a partir 
do efeito da lei, inscrevendo a Constituição Brasileira (e 
seus artigos) como aquilo que sustenta a legalidade daquela 
36
estudos discuRsivos à bRasiLeiRa: uma intRodução
postagem (e de outras), remetendo o seu dizer a um espaço 
de garantia jurídica estabelecido fora da rede digital. Marcar 
o “meu país” em um espaço contornado por outras configu-
rações de espaço, o ciberespaço, aponta um modo de fazer 
retornar o que está para além da rede eletrônica. Ora, como 
vimos no recorte anterior, “conhecer amigos reais” não faz 
parte do dispositivo do digital que incluiria a virtualidade 
da amizade, bem como também não o constitui reconhecer 
uma carta legislada em/de qualquer país. Anoto aqui um fun-
cionamento discursivo em que, diante do enigma do espaço 
digital, o sujeito apega-se e ancora-se no que faz sentido fora 
da rede eletrônica para significar o que é outro dispositivo. 
O manifesto foi escrito e circulou em língua portuguesa 
amparado pela citação de artigos da lei nacional, mas, em 
se tratando da especificidade do espaço digital, o sujeito 
antecipa-se a fazer constar também uma versão em língua in-
glesa, o que indicia imaginariamente um modo de estabelecer 
relações comos outros navegadores, ou melhor, com o todo 
da rede social. No dia do manifesto, outras tantas páginas 
foram bloqueadas, algumas por 30 dias, outras por 24 horas. 
Sob a acusação de que elas teriam imagens “pornográficas” 
ou estariam difundindo conteúdos de “pornografia”, foram 
silenciadas. Eram fotografias de índias brasileiras amamen-
tando, de crianças nuas brincando na chuva, de iansã com os 
seios de fora, de uma mulher na campanha contra o câncer 
de mama, de outra grávida seminua, dentre outras. 
Não é objetivo deste artigo avançar na análise da ciber-
militância ou dos efeitos de censura no Face, mas apresentar 
recortes que indiquem como a teoria do silêncio de Orlandi 
coloca-se em funcionamento, operando uma inscrição tão 
própria à lingua e à linguagem. 
Ao teorizar sobre o silêncio, Orlandi abre um campo 
para os estudos da linguagem, inserindo uma maneira origi-
37
RobeRto LeiseR baRonas (oRg.)
nal e ousada de dar sentido ao que antes deste estudo ficava 
restrito a um lugar de não sentido, de ausência e de falta de 
som, bem como do místico e do vazio. As várias formas do 
silêncio operam nos modos de o sujeito e o sentido se consti-
tuirem, edificam toda possibilidade de dizer e encontram-se 
em relação ao discurso, ao não dito e ao silenciamento. Ou 
melhor, tais formas presentificam-se: i. no que é a instância 
sustentadora da linguagem, o silêncio fundante, ii. no que é o 
não dito ao qual se relaciona a todo modo de dizer, o silêncio 
constitutivo iii. na censura que impede que certas posições-
sujeito circulem, a política do silêncio. Enredada em todas 
elas, a voz de Rosa se coloca: “o silêncio é a gente mesmo”. 
referências
ORLANDI, E. As formas do silêncio, o movimento dos sentidos. 
Campinas. Editora da Unicamp, 1997.
PÊCHEUX, M. Semântica e discurso, uma crítica à afirmação do óbvio. 
Campinas. Editora da Unicamp, [1975] 2009.
BALDINI, L. J. S. Beckett e a cesura. In: Conceitos discursivos em 
rede. Lucília Maria Sousa Romão e Fernanda Correa Galli. Org. 
São Carlos: Pedro & João Editores, 2012.
39
RobeRto LeiseR baRonas (oRg.)
SEMiÓtiCA E CANçãO: UMA PAiXãO 
BRASiLEiRA
Por Flávio Henrique Moraes 
e Mônica Baltazar Diniz Signori 
A partir desse trabalho, as tentativas anteriores de 
estudo semiótico da canção acabam soando como 
tímidos balbucios, como ensaios mais ou menos 
no escuro1
A teoria conhecida como Semiótica Greimasiana teve 
suas primeiras sistematizações concluídas na década de 1960, 
com o trabalho pioneiro de Algirdas Julien Greimas, junta-
mente com o Grupo de investigações Sêmio-Linguísticas 
da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris.
tem sua fundamentação marcada pela concepção de 
linguagem saussuriana, segundo a qual as unidades linguís-
ticas não se definem positivamente, por características que 
as constituíssem nelas mesmas, mas, ao contrário, negati-
vamente, pelo valor de que se revestem quando em relação 
umas com as outras. Explica-nos Ferdinand de Saussure 
(1972, p. 136), por meio dos editores de suas reflexões, C. 
Bally e A. Sechehaye, no Curso de Linguística Geral:
Quando se diz que os valores correspondem a 
conceitos, subentende-se que são puramente dife-
1 depoimento pessoal do semioticista Ivã Carlos Lopes sobre o livro Semiótica da 
Canção: melodia e letra, de Luiz Tatit (ALMEIdA, 2009, p. 18).
40
estudos discuRsivos à bRasiLeiRa: uma intRodução
renciais, definidos não positivamente por seu con-
teúdo, mas negativamente por suas relações com os 
outros termos do sistema. Sua característica mais 
exata é ser o que os outros não são.
Revela-se a noção de valor na centralidade da teoria 
saussuriana, irradiando-se em direção à ininterrupta atua-
lização da linguagem, em um movimento de autorregulação 
das unidades no interior do próprio arranjo de que fazem 
parte:
É preciso reconhecer que valor exprime, me-
lhor do que qualquer outra palavra, a essência 
do fato, que é também a essência da língua, a 
saber, que uma forma não significa, mas vale: 
esse é o ponto cardeal. Ela vale, por conseguin-
te ela implica a existência de outros valores. 
(SAUSSURE, 2004, p. 30)
Entrecruzam-se nesse ponto valor e significação, pi-
lares que sustentam, em impulso inicial, as bases da teoria 
linguística e, em seu contínuo desenvolvimento, “o conceito-
chave em redor do qual se organiza toda a teoria semiótica” 
(GREiMAS; COURtÉS, s.d., p. 418):
Reservamos o termo significação para aquilo 
que nos parece essencial, ou seja, para a “di-
ferença” – para a produção e para a apreensão 
dos desvios – que define, segundo Saussure, a 
própria natureza da linguagem. Assim enten-
dida como utilização das relações – ou como 
a apreensão delas –, a significação inscreve-
se como “sentido articulado”. (GREiMAS; 
COURtÉS, s.d., p. 419)
Vinculadas pelo princípio das relações-diferença – “ser 
o que os outros não são” – linguística e semiótica evidenciam 
41
RobeRto LeiseR baRonas (oRg.)
a dinâmica discursiva de ressignificação do desenvolvimento 
teórico2, instituindo-se, por um lado, o pioneirismo saus-
suriano – “é a F. de Saussure que cabe o mérito de haver 
introduzido o conceito de valor linguístico” (GREiMAS; 
COURtÉS, s.d., p. 482) –, fazendo, por outro, avançar as 
próprias orientações basilares: se, no Curso de Linguística 
Geral, é possível observar um movimento em direção à 
primazia do valor sobre o signo, as bases da semiótica já 
se consolidam sobre a compreensão da linguagem como 
estrutura de significação.
Ainda que evitando a falácia das sucessões, a abor-
dagem da teoria greimasiana conduz, inevitavelmente, às 
reflexões do linguista dinamarquês Louis Hjelmslev que, 
por sua vez, elege Saussure como “o único teórico [que] 
merece ser citado como pioneiro indiscutível” (1975, p. 5). 
Aprofundando-se nas possibilidades de engendramento das 
relações e suas consequências para a significação, Hjelmslev 
afirma como insustentáveis a “antiga tradição segundo a qual 
um signo é, antes de mais nada, signo de alguma coisa”, ou 
a tradicional compreensão de que “o signo é a expressão 
de um conteúdo exterior ao próprio signo”, posicionando-
se “pelo contrário” do ponto de vista da “teoria moderna 
(formulada em particular por F. de Saussure e, a seguir, 
por Leo Weisberger)”, que “concebe o signo como um todo 
formado por uma expressão e um conteúdo” (1975, p. 53). 
Seguindo a lógica pioneira, Hjelmslev absorve os princípios 
saussurianos – “a unidade linguística é uma coisa dupla, 
constituída da união de dois termos” (SAUSSURE, 1972, 
p. 79) – mas explora em sua teoria das linguagens a trama 
2 Ora a noção mesma de história comporta uma parte de ilusão inevitável. A história 
na sociedade moderna, à semelhança do mito para muitas sociedades, se apresenta 
como um gesto de fundação. O abuso atual de termos como fundamento, fundação, 
fundamental	o	indica	suficientemente;	há	uma	tendência	em	se	falar	de	aquisição	e	
de herança. A ilusão consiste no fato de que não é o primeiro discurso que funda, 
ou fundaria, o segundo, mas o segundo discurso que instaura o primeiro como 
primeiro! A sucessão é falaciosa. (ZILBERBERG, 1997, p. 165) – tradução nossa.
42
estudos discuRsivos à bRasiLeiRa: uma intRodução
que se estabelece no âmbito de cada face da “coisa dupla”. 
Para Saussure, o signo constitui uma forma, estabelecido 
entre duas substâncias: “podemos, então, representar o fato 
linguístico em seu conjunto, isto é, a língua, como uma série 
de subdivisões contíguas marcada simultaneamente sobre 
o plano indefinido das ideias confusas e sobre o plano não 
menos indeterminado dos sons” (SAUSSURE, 1972, p. 130). 
“A pertinência da distinção entre “forma” e “substância”, que 
constitui precisamente o principal mérito de Saussure aos 
olhos de Hjelmslev,” (ZiLBERBERG, 1997, p. 2) é, antes 
de tudo, reconhecida, para, em seguida, ser profundamente 
questionada, tocando Hjelmslev no ponto exato da própria 
coerência saussuriana:
 
numa ciência que evita qualquer postulado não ne-
cessário, nadaautoriza que se faça preceder a língua 
pela “substância do conteúdo (pensamento) ou pela 
“substância da expressão” (cadeia fônica) ou o contrá-
rio, quer seja numa ordem temporal ou numa ordem 
hierárquica. Se conservamos a terminologia de Saus-
sure, temos então de nos dar conta – e justamente a 
partir de seus dados – de que a substância depende 
exclusivamente da forma e que não se pode, em senti-
do algum, atribuir-lhe uma existência independente. 
(HJELMSLEV, 1975, p. 55) (tradução nossa).
Como bom leitor, Hjelmslev não acompanha simples-
mente as elaborações saussurianas, mas explora e encadeia 
seus princípios tecendo uma nova configuração, que concebe 
o signo não como uma forma única decorrente da associação 
entre significante e significado: “postulando para cada um dos 
dois planos da linguagem – expressão e conteúdo – a distinção 
entre forma e substância, foi ele levado a precisar a natureza 
do signo como reunião entre a forma da expressão e a forma 
do conteúdo” (GREiMAS; COURtÉS, s.d., p. 422), propondo, 
por isso “o abandono de uma tentativa de análise em ‘signos’”:
43
RobeRto LeiseR baRonas (oRg.)
Somos levados a reconhecer que uma descri-
ção que esteja de acordo com nossos princípios 
deve analisar conteúdo e expressão separa-
damente, cada uma destas análises isolando 
finalmente um número limitado de grandezas 
que não são necessariamente suscetíveis de 
serem comparadas com as grandezas do plano 
oposto. (HJELMSLEV, 1975, p. 51)
Se “todo signo, todo sistema de signo, toda língua en-
fim, abriga em si uma forma da expressão e uma forma do 
conteúdo [...] a análise do texto deve conduzir, desde seu 
primeiro estágio, a uma divisão nessas duas grandezas” 
(HJELMSLEV, 1975, p. 63). Ampliando e complexizando, 
assim, a assertiva saussuriana de que “a língua é forma e 
não substância” (SAUSSURE, 1972), Hjelmslev destaca 
o princípio de imanência, cuja importância permanece em 
evidência na teoria greimasiana:
O princípio de imanência, essencial para a 
linguística (e, por extensão, para a semiótica 
em seu conjunto) é, ao mesmo tempo, o pos-
tulado que afirma a especificidade do objeto 
linguístico que é a forma, e a exigência meto-
dológica que exclui qualquer recurso aos fatos 
extralinguísticos. (GREiMAS; COURtÉS, 
s.d., p. 268)
Concentrando-se, enfim, no estudo da forma, a teoria 
semiótica concebe a manifestação como a “presentificação 
da forma na substância”, o que “pressupõe, como condição, a 
semiose (ou o ato semiótico) que conjunge a forma da expres-
são e a do conteúdo” (GREiMAS; COURtÉS, s.d., p. 268):
 
A manifestação é então – e antes de tudo – 
[...] a postulação do plano da expressão no 
momento da produção do enunciado e, inver-
44
estudos discuRsivos à bRasiLeiRa: uma intRodução
samente, a atribuição do plano do conteúdo no 
momento de sua leitura. A análise imanente 
de uma semiótica é, então, o estudo de cada 
um dos dois planos da linguagem, tomados 
separadamente. (GREiMAS; COURtÉS, 
s.d., p. 269)
“Na esteira de L. Hjelmslev” (GREiMAS; COURtÉS, 
s.d., p. 174), marcada também pelo percurso saussuriano, a 
semiótica greimasiana condensa o problema da significação 
no ato semiótico que reúne os planos das linguagens – ex-
pressão e conteúdo – “em relação de pressuposição recíproca” 
(GREiMAS; COURtÉS, s.d., p. 174). Jean-Marie Floch3 
(2001, p. 9), pioneiro no desenvolvimento da semiótica visual, 
assim define os dois planos:
O plano da expressão é o plano onde as qualidades 
sensíveis que possui uma linguagem para se ma-
nifestar são selecionadas e articuladas entre elas 
por variações diferenciais. O plano do conteúdo 
é o plano onde a significação nasce das variações 
diferenciais graças às quais cada cultura, para pen-
sar o mundo, ordena e encadeia ideias e discurso.
A partir desses princípios, a semiótica greimasiana 
desenvolve-se tendo, inicialmente, se ocupado da descrição 
do plano do conteúdo. Propõe o percurso gerativo do sen-
tido e o concebe como uma organização cujo encadeamento 
orienta-se para níveis crescentes de abstração, generalização, 
simplicidade e invariância, compreendendo as estruturas 
sêmio-narrativas (compostas pelas categorias fundamentais 
e narrativas) e as discursivas:
3 Jean-Marie Floch foi colaborador de Greimas na elaboração da semiótica geral, 
deixando	sua	marca	original	no	desenvolvimento	dos	estudos	específicos	sobre	a	
visualidade.
45
RobeRto LeiseR baRonas (oRg.)
Designamos pela expressão percurso gerativo 
a economia geral de uma teoria semiótica (ou 
apenas linguística), vale dizer, a disposição de 
seus componentes uns com relação aos outros, 
e isso na perspectiva da geração, isto é, postu-
lando que, podendo todo objeto semiótico ser 
definido segundo o modo de sua produção, os 
componentes que intervêm nesse processo se 
articulam uns com os outros de acordo com 
um “percurso” que vai do mais simples ao mais 
complexo, do mais abstrato ao mais concreto. 
(GREiMAS; COURtÉS, s.d., p. 206)
O ponto mais abstrato, geral e simples desse percurso 
é descrito no nível fundamental, constituído por uma única 
oposição semântica, ampla o suficiente para sustentar o 
conteúdo de vários textos, construindo, assim, também, uma 
marca de invariância. É o caso de categorias como: 
/bem/ vs. /mal/, /vida/ vs. /morte/, /cultura/vs. /natu-
reza/, /feminilidade/ vs. /masculinidade/, /divindade/ vs. 
/humanidade/. 
Concebeu-se, inicialmente, sua sintaxe regida por uma ló-
gica implicativa, entendida como o encadeamento de operações 
tais que a negação de um dos contrários pressupõe a afirmação 
do outro. Por exemplo, uma manchete como “Morre em São 
Paulo o jornalista Joelmir Beting”4 é mantida semanticamente 
pela oposição /vida/ vs. /morte/, cuja sintaxe obedece à se-
guinte sequência: primeiro a/vida/ é afirmada, para ser negada 
em seguida, dando lugar à afirmação da /morte/. Observamos 
como característica dessa sintaxe a discretização dos elementos 
que entram em relação e que, nesse caso, representam bem a 
significação veiculada pela manchete. Entretanto, em “Joelmir 
4 http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/11/morre-o-jornalista-joelmir-beting.
html
46
estudos discuRsivos à bRasiLeiRa: uma intRodução
Beting está em coma irreversível, diz hospital”5 a mesma lógica 
não se verifica, pois /vida/ e /morte/ seguem afirmadas, uma 
ao lado da outra, em um contínuo que demanda não operações 
de negação, implicação e afirmação, mas o estabelecimento de 
um gradiente que configure o grau de tensão no intervalo entre 
os polos do eixo semântico: não se trata de afirmar ou negar a 
/vida/ ou a /morte/, mas de determinar a tensividade entre 
elas, o que, por sua vez, definirá o estado do sujeito em questão.
A proposta de uma sintaxe tensiva alcança sua expres-
são máxima – genial – em Claude Zilberberg, que evidencia 
em sua teoria o contínuo e suas modulações, buscando as 
condições metodológicas necessárias para a abordagem dessa 
configuração significativa: “nosso ponto de partida não é nem 
a oposição [a vs. b] nem a soma [a + b], mas a interação 
[ab], que chamamos de produto” (ZiLBERBERG, 2010, p. 
2). Prepara-se, então, a teoria para o estudo e a descrição 
da significação constituída a partir de uma outra lógica, a 
concessiva. Retomando nosso exemplo anterior, enquanto 
a primeira manchete apoia-se em uma base implicativa – a 
extinção da /vida/ implica a /morte/ –, a segunda busca 
uma posição entre os dois extremos: é a /vida/ que se ma-
nifesta apesar da /morte/, ou a /morte/ que se faz presente 
apesar da /vida/.
A semântica do nível fundamental comporta, ainda, a atri-
buição de valores – euforia ou disforia – aos termos da oposição 
de base. Seguindo com o noticiário sobre nosso jornalista, uma 
outra reportagem – “Palmeiras lamenta a morte de Joelmir 
Beting”6 – não apenas divulga o acontecimento, mas explicita, 
por meio do “lamento”, o valor negativo atribuído ao termo /
morte/, pressupondo-se a positividade relativa ao seu contrário. 
Esses valores, assim como toda operaçãodescrita pelo percurso 
5 http://oglobo.globo.com/economia/joelmir-beting-esta-em-coma-irreversivel-diz-
hospital-6859216
6 http://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2012/11/29/palmeiras-lamenta-
morte-de-joelmir-beting-e-presta-homenagem-ao-palmeirense.htm
47
RobeRto LeiseR baRonas (oRg.)
gerativo do sentido, são configurados de maneira específica em 
cada texto, o que é evidente pois, inscrevendo-se “a significação 
[...] como ‘sentido articulado’” (GREiMAS; COURtÉS, s.d., p. 
419), importam menos os elementos que entram em jogo para 
a produção significativa e mais a engenharia que os configura 
em cada tessitura particular. Assim, uma última reportagem – 
“Americanos comemoram nas ruas morte de Bin Laden”7 – nos 
demonstra a utilização da mesma oposição – /vida/ vs. /morte/ 
–, da mesma lógica implicativa que nega a /vida/ para afirmar a 
/morte/, modificando, no entanto, o valor dos termos contrários, 
detalhe suficiente para configurar tramas completamente distin-
tas. O mesmo se pode facilmente observar com relação à sintaxe: 
uma narrativa como a ressurreição de Lázaro opera em direção 
oposta às exemplificadas anteriormente, pois aqui é a /morte/ 
que é negada para que a /vida/ possa ser afirmada.
Passando ao nível narrativo, os termos da categoria opo-
sitiva do nível fundamental “são assumidos como valores por 
um sujeito e circulam entre sujeitos, graças à ação também 
de sujeitos” (BARROS, 1990, p. 11), concebidos estes como 
um papel actancial que se define de maneira interdependente 
pela associação com outro papel actancial – o objeto –, com 
o qual estabelece relações de junção – conjunção ou disjun-
ção –, construindo narrativas mínimas, respectivamente de 
aquisição ou de privação.
O jogo entre essas duas narrativas pode ser observado 
na canção Amigo é pra essas coisas8, cuja significação sustenta-
se justamente pelos estados contrários que caracterizam dois 
amigos que se encontram depois de muito tempo distancia-
dos. No diálogo que se estabelece entre eles, um relata suas 
mazelas, o que se configura como a situação de disjunção do 
sujeito com objetos-valor representados, basicamente, pelo 
7 http://www.bbc.co.uk/portuguese/multimedia/2011/05/110502_videobinladenrua-
ebc.shtml
8 Composição de Aldir Blanc e Sílvio da Silva Júnior. Interpretação de MPB 4, no 
álbum A Arte de MP4 (coletânea), Fontana Special, 1976.
48
estudos discuRsivos à bRasiLeiRa: uma intRodução
amor e pelo dinheiro: “Rosa acabou comigo”; “estou desem-
pregado”. O outro, em posição oposta, acha-se em conjunção 
com esses objetos: “dei mais sorte com a Beatriz”; “tome um 
cabral”. interessante observar como, sendo uma canção, ou 
seja, um texto sincrético que associa elementos da lingua-
gem verbal e da linguagem musical, sua melodia compõe 
igualmente o quadro de oposição entre os dois sujeitos, de 
tal maneira que a fala do primeiro – em disjunção com os 
objetos-valor – é marcada por frases melódicas mais lentas, 
em que se destaca o prolongamento das vogais, criando-se 
o efeito de lamento; a do segundo – em conjunção com os 
objetos-valor – é, ao contrário, construída por meio de fra-
ses melódicas com menor duração, em que as consoantes se 
acentuam frente às vogais, constituindo os ataques rítmicos 
coerentes com seu bem-estar.
Ao lado desses estados – relações de junção entre su-
jeito e objeto –, Amigo é pra essas coisas expressa também 
acontecimentos que culminaram na natureza da junção: a 
canção nos leva a supor que a condição infeliz de um e a de 
satisfação de outro são devidas à ação de dois diferentes su-
jeitos, figurativizados, respectivamente, por Rosa e Beatriz. 
importa considerar que enunciados de estado, que descrevem 
as junções, associam-se a enunciados de fazer, que descrevem 
os deslocamentos das relações entre os papéis actanciais: 
presume-se que o estado de infelicidade evidenciado na 
canção é o resultado de um processo de transformação do 
sujeito devido às expectativas criadas em relação a Rosa, fi-
gurativização de um objeto-valor, mas também de um sujeito 
que, com suas ações, levou à frustração das expectativas do 
amigo em sofrimento, deslocando-o de um estado feliz – a 
esperança – para um infeliz – a decepção.
49
RobeRto LeiseR baRonas (oRg.)
Caracteriza-se, assim, a narratividade9 como um enca-
deamento de enunciados de estado e de fazer, tendo em vista 
os valores estabelecidos pelos sujeitos que, em sua busca de 
diferentes junções, vão sendo modalizados, configurando-se, 
antes de tudo, a partir das relações que estabelecem com suas 
motivações, vale dizer, a partir da maneira como modalizam 
seu ‘querer’ e/ou seu ‘dever’: um contraventor pode ser a ex-
pressão de um sujeito que age de acordo com um ‘querer’ em 
dissonância com um ‘dever’; já um cidadão exemplar pode 
ser visto como aquele que associa adequadamente ‘querer’ 
e ‘dever’. Definindo-se as motivações do sujeito, é preciso 
alcançar sua competência, o que compreende a forma como 
se expressam o seu ‘saber’ e também o seu ‘poder’: um sujeito 
que sabe-fazer alguma coisa, mas não-pode-fazer, não faz; da 
mesma forma, caso possa-fazer sem que saiba-fazer, igual-
mente não fará. Entrelaçam-se, assim, objeto-valor e objetos-
modais – querer, dever, saber, poder –, todos concebidos em 
relação ao sujeito que, por sua vez, é também moldado pelo 
objeto-valor que almeja e pelas condições de que lança mão 
para alcançá-lo: ‘preguiçoso’ e ‘obstinado’ podem se definir 
em relação a um mesmo objeto-valor, diferenciando-se em 
suas modalizações: enquanto o preguiçoso nada faz para 
conjugar-se à competência necessária para o alcance de 
seus objetivos, o obstinado enfrenta quaisquer obstáculos, 
movimentando-se tenazmente em meio aos tropeços de uma 
lógica que, muitas vezes, concessiva, não o impede de buscar 
a conjunção com os meios que o levarão aos fins desejados.
A partir dos variados arranjos possíveis entre enun-
ciados de estado e enunciados de fazer, caracterizam-se 
diferentes dimensões narrativas. Ao enfatizar o fazer, a 
narratividade constitui-se no âmbito de uma dimensão 
pragmática, deixando de explorar a especificidade das mo-
9	 Por	narratividade	compreende-se	uma	das	etapas	da	construção	da	significação	que,	
como	tal,	faz-se	presente	na	configuração	do	percurso	gerativo	do	sentido	de	todo	
e	qualquer	tipo	de	texto,	seja	ele	narrativo	ou	não.
50
estudos discuRsivos à bRasiLeiRa: uma intRodução
dalizações do sujeito – seu estado. A canção Maracangalha10, 
por exemplo, nada informa sobre aquele que afirma sua “ida” 
pra Maracangalha’, a não ser que irá vestido de branco e de 
chapéu de palha, e que irá de qualquer jeito, mesmo que só. 
O poema Vou-me embora pra Pasárgada11, diferentemente, 
evidencia o estado de alma de alguém às voltas com suas 
tristezas12. Quando a narratividade destaca um jogo de re-
lações intersubjetivas a envolverem o sujeito, estabelece-se 
a dimensão cognitiva. Ainda que nesses textos o fazer ele 
mesmo mantenha-se como dado relevante para a narrativi-
dade, esse fazer não se define objetivamente, mas por meio 
da intersubjetividade das relações entre um sujeito mani-
pulador (destinador-manipulador) e um sujeito manipulado 
(destinatário), que firmam entre si um contrato fiduciário 
que determinará a performance – o fazer – que, uma vez 
realizada, será avaliada, entrando em cena um outro jogo 
intersubjetivo, composto, agora, com o destinador-julgador, 
cujo parecer só será significativo em relação ao contrato 
ajustado anteriormente. Na canção História de uma Gata13 
podemos observar um acordo firmado – “fique em casa, não 
tome vento” – e não cumprido – “mas é duro ficar na sua” 
–, resultando na sanção pragmática – “fui barrada na por-
taria” – devida à apreciação de um sujeito que considerou a 
ação da “gata” uma ingratidão. Por mais que a narratividade 
assim configurada faça sobressair as relações intersubjeti-
vas, a ação permanece como componente significativo e o 
objeto desejado identifica-se com o conjunto dos valores

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