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Análise Comparativa - Literatura Comparada - Iracema e Macunaíma

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Iracema e Macunaíma: Indianismo e Identidade
 
Para Cândido (1959 apud PASSOS, 1998), tanto Iracema quanto Macunaíma ilustram concepções distintas acerca da formação, não só de uma identidade literária, como também do povo brasileiro. Dessa maneira, contribuíram com a construção do imaginário a respeito do Brasil em seu aspecto mais amplo. Faz-se necessário, portanto, compreender os pontos de (des) encontro entre os indianismos romântico e moderno. 
Segundo Kawiski e Fumaneri (2014), a emancipação política do Brasil em relação a Portugal em 1822 desencadeou o sentimento nacionalista na produção literária do período inicial do Romantismo. Em decorrência disso, a construção narrativa de Iracema em prosa poética denota o ufanismo por meio das constantes descrições metafóricas, em especial da flora e fauna nativa: 
Era o tempo em que o doce aracati chega do mar, e derrama a deliciosa frescura pelo árido sertão. A planta respira; um doce arrepio erriça a verde coma da floresta. 
O cristão contempla o ocaso do Sol. A sombra, que desce dos montes e cobre o vale, penetra sua alma. Lembra-se do lugar onde nasceu, dos entes queridos que ali deixou. Sabe ele se tornará a vê-los algum dia?
Em torno carpe a natureza o dia que expira. Soluça a onda trépida e lacrimosa; geme a brisa na folhagem; o mesmo silêncio anela de aflito (ALENCAR, 1991, p. 13)
 
Campos (1990 apud CAMILO, 2007), com base nos cronotropos de Bakhtin, elenca para esta obra três gêneros: mito, fábula e narrativa de aventura. O narrador é observador e a narrativa ocorre de maneira predominantemente linear. A linearidade se rompe somente no primeiro capítulo o qual retrata a partida de Martim para a sua terra natal, levando consigo seu filho Moacyr (ALENCAR, 1991). Vale ressaltar que Alencar, ao produzir Iracema, fez uma réplica à obra Atala, de François-René de Chateaubriand. Atala retrata o relacionamento amoroso entre dois nativos americanos: Chactas, protagonista e narrador da história, e Atala, mulher mestiça com princípios cristãos que faz um voto de castidade. Em meio a guerras entre tribos, Atala se encontra em um dilema entre atentar ou não a castidade. Alguns colonizadores espanhois tentam prestar apoio moral ao casal, mas Atala decide cometer suicídio, o que faz com que a relação termine tragicamente. A narração ocorre sob o ponto de vista de Chactas, já em idade avançada (CHATEAUBRIAND, 1881 apud ZILBERMAN, 2017). Nesse sentido, Alencar (1991) adapta o conceito do “bom selvagem” (relação amigável entre europeus e indígenas) presente na obra francesa à realidade brasileira, retratando a história de amor com desfecho trágico entre um português e uma indígena da costa brasileira.
Já Macunaíma sofreu influência, não somente de Iracema, como também de dados coletados em pesquisas conduzidas pelo autor Mário de Andrade acerca do folclore nortista, adotando como principal fonte bibliográfica o livro Do Roraima ao Orinoco, de Koch-Grunberg. (SOUZA JUNIOR, 2012). Piaimã, Muiraquitã, Ci e o próprio Macunaíma são algumas das lendas indígenas com as quais o romance estabelece relações de intertextualidade (ANDRADE, 2019).
A rapsódia modernista, por sua vez, cujos fatos também se ordenam de forma cronológica, fusiona elementos narrativos com o lirismo épico e até mesmo a crônica. Todavia, este conjunto de gêneros em prosa põe em xeque o heroísmo indigenista de outrora, ressaltando o espectro negativo da civilização brasileira. É importante destacar ainda o coloquialismo característico do primeiro Modernismo, que além de visar o rompimento estético com correntes artísticas anteriores, à maneira dos vanguardistas europeus, intentou aproximar o conteúdo literário com o público geral através de uma linguagem mais próxima à oralidade (BOSI, 2006). Macunaíma, a saber, refuta o descritivismo romântico de Alencar:
 
No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era
preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio
foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas
pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.
Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis
anos não falando. Si o incitavam a falar exclamava:
— Ai! Que preguiça!... (ANDRADE, 2019, p. 11)
 
Nota-se que, apesar da presença constante de adjetivos e termos de origem indígena, o protagonista é referido ironicamente como um “herói da nossa gente” e descrito de forma pejorativa fazendo uso de expressões como “medo da noite”, “criança feia” e “preguiça”. Desta forma, o subtítulo “O herói sem nenhum caráter” denota Macunaíma como alguém desprovido de beleza física e valores morais, distanciando-se assim da idealização romântica. Além disso, o subtítulo pode ser interpretado como uma metáfora para a identidade brasileira ainda em formação.
A mitificação é um importante elo que une ambas os romances. Iracema, assim como Martim, seu amante, é descrita como uma heroína consoante os padrões europeus. A submissão à pessoa amada se evidencia com o falecimento de Iracema ao sentir saudade de Martim e uma jandaia voa cantando o nome da jovem. Em seguida, os irmãos de Iracema enterram o corpo sob um coqueiro e um rio nasce próximo ao local. Além disso, o romance, de forma geral, é uma lenda da formação do Ceará, correspondente a Moacyr, fruto da união dos protagonistas de etnia branca e indígena, principais grupos étnicos formadores do povo brasileiro (ALENCAR, 1991). Nesse sentido, Iracema se enquadra na literatura primitiva ou aborígene, na qual se englobam os mitos referentes ao território nacional recém-conquistado, transmitidos progressivamente por entre as gerações (BOSI, 2006). 
Em Macunaíma, a morte do protagonista, ocorrida também ao final do romance, é outro aspecto mítico, pois dá origem à constelação da Ursa Maior. Semelhantemente à outra obra em discussão, um papagaio transmite o legado de Macunaíma exaltando seu nome e sua história. O anti-heroi, assim como o filho da heroína de Alencar, tem origem mestiça (fusão das etnias negra e indígena). No entanto, se embranquece a ponto de ficar irreconhecível aos membros de sua tribo ao final do romance (ANDRADE, 2019).
Outro ponto em comum é o contato entre o europeu colonizador e o indígena colonizado. Enquanto na obra de Alencar, Martim gradativamente conquista o corpo e território de Iracema (ALENCAR, 1991), Macunaíma se insere no ambiente urbano de São Paulo ao tentar recuperar seu amuleto (muiraquitã) roubado pelo gigante Venceslau Pietro Pietra, como retrata o capítulo V (Piaitã) (ANDRADE, 2019). Logo, enquanto no romance de formação do Ceará, a colônia cede sua terra ao colonizador europeu, na rapsódia acontece o processo inverso: um representante de um povo colonizado conquista a metrópole, onde perde seus traços nativos. Critica-se desta forma o processo de aculturação pelo qual passa a população indígena, desde a chegada dos colonizadores portugueses ao “Novo Mundo”.
Assim sendo, as narrativas dialogam entre si ao se manifestarem alegoricamente acerca da origem da individualidade étnico-cultural brasileira. Tais diálogos se dão de forma multilateral, ou seja, entre as obras em estudo e outras, provenientes da Europa, tanto estilisticamente quanto na composição do enredo. No entanto, a incorporação de elementos genuinamente brasileiros às obras, tais como a alusão à biodiversidade nacional, traz relativa originalidade a ambas as obras.
É inadmissível, portanto, o fato de os romances em questão serem meras imitações das obras que os antecederam. A utopia em Iracema e a ironia em Macunaíma têm a mesma relevância na construção de um posicionamento crítico e consistente a respeito da colonização, miscigenação, dentre outras questões aplicadas ao cenário nacional. Todavia, não há como negar que a influência estrangeira sobre a composição dos romances é válida, visto que seus estilos de época estavam vinculados a uma literatura ainda em desenvolvimento.
 
REFERÊNCIAS 
ALENCAR, José de. Iracema. 24ª edição. São Paulo: Ática, 1991.
ANDRADE,Mário de. Macunáima: O herói sem nenhum caráter. 2. ed. Brasília: Câmara, 2019. Disponível em: <https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/34839>. Acesso em: 8 set. 2022.
CAMILO, Vagner. Mito e história em Iracema: a recepção crítica mais recente. Novos estudos CEBRAP, p. 169-189, 2007. 
KAVISKI, Ewerton; FUMANERI, Maria Luísa Carneiro. Literatura brasileira: uma perspectiva histórica. 1. ed. São Paulo: InterSaberes, 2014
PASSOS, José Luiz. Ruínas de linhas puras: quatro ensaios em torno a Macunaíma. Annablume, 1998. 
SOUZA JÚNIOR, José Antônio de. A formação da identidade brasileira a partir de uma leitura de Macunaíma de Mário de Andrade. Dissertação (Mestrado em Literatura e Interculturalidade) – Centro de Educação, Universidade Estadual da Paraíba. 2012.
ZILBERMAN, Regina. Memórias de Chateaubriand no Brasil. Revista brasileira de literatura comparada. Niterói, RJ. N. 31 (2017), p. 3-17, 2017.

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