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Geovana Sanches, TXXIV SÍNDROME DE CUSHING INTRODUÇÃO A síndrome de Cushing diz respeito ao conjunto de sinais e sintomas relacionados a exposição prolongada a concentrações excessivas de cortisol no organismo, independente da etiologia. A causa mais comum é a Síndrome de Cushing exógena ou iatrogênica, a qual decorre da exposição prolongada a quantidades excessivas de glicocorticoides, principalmente por via oral, mas também por outras vias (cremes, pomadas, inalatório, entre outros). A síndrome de Cushing endógena, por sua vez, é rara e pode ser dividida em: (1) ACTH dependente: a Doença de Cushing é a principal nesse subgrupo, a qual se refere a um adenoma de hipófise com secreção exagerada de ACTH que estimula a glândula adrenal a produzir e secretar cortisol. Outra causa são tumores em outros locais produtores de ACTH. (2) ACTH independente: refere-se a um problema na glândula adrenal, na qual há excesso de produção de cortisol. Inicialmente descrita em 1912, a SC endógena é a doença endócrina mais desafiadora em termos de avaliação diagnóstica. Diversos fatores contribuem para isso, entre eles o fato de muitas das suas manifestações serem observadas em doenças bem mais frequentes (como obesidade e SOP), a eventual presença de alterações clínico-laboratoriais muito sutis (que podem facilmente passar despercebidas) ou de hipercortisolismo cíclico, a inexistência de exames laboratoriais com adequada acurácia diagnóstica e a variabilidade biológica dos tumores. EPIDEMIOLOGIA • Mais comum em adultos, sexo feminino • Idade média de 40 anos • Incidência de 2 a 5 casos novos por milhão de habitantes • Prevalência de 37 a 39 por milhão em várias populações. ETIOLOGIA CUSHING ENDÓGENO Etiologia Prevalência (%) ACTH-dependente 70 a 80 Doença de Cushing 65 a 70 Síndrome do ACTH ectópico 5 a 10 Síndrome do CRH ectópico < 1 Síndrome do ACTH/CRH ectópico < 1 Carcinoma corticotrófico Raro ACTH-independente 20 a 30 Adenoma adrenal 15 a 20 Carcinoma adrenal 5 a 6 Hiperplasia adrenal macronodular primária < 2 PPNAD < 2 SÍNDROME DE CUSHING ACTH DEPENDENTE Ocorre quando o hipercortisolismo se origina da secreção excessiva de ACTH. Em 80 a 90% dos pacientes, o fator etiológico é um adenoma hipofisário secretor de ACTH (também chamado corticotropinoma ou adenoma corticotrófico). Doença de Cushing A doença de Cushing diz respeito a adenomas hipofisários secretores de ACTH. Mais comumente são microadenomas (diâmetro < 10mm), mas também podem ser macroadenomas (10 a 20% dos casos). Há predomínio de acometimento no sexo feminino, na faixa de 20 a 40 anos. Síndrome do ACTH ectópico A síndrome do ACTH ectópico corresponde de 5 a 10% dos casos de SC e cerca de 20% dos casos de SC ACTH-dependente. A causa mais comum é o carcinoma pulmonar de pequenas células. Geovana Sanches, TXXIV A doença de Cushing é cerca de 9 vezes mais comum do que a SAE. Nesse caso, há predomínio no sexo masculino, na faixa dos 40 anos. SÍNDROME DE CUSHING ACTH INDEPENDENTE Os distúrbios adrenais primários representam até 30% dos casos. São decorrentes principalmente de Adenoma de adrenal (80% dos casos) e, menos comumente, de carcinoma produtor de cortisol. Os adenomas em geral medem menos de 3 cm, são unilaterais e facilmente visualizados à tomografia computadorizada (TC) ou à ressonância magnética (RM) Raras causas de SC de origem adrenal são síndromes genéticas, tais como a hiperplasia nodular pigmentada primária bilateral, complexo de Carney, hiperplasia adrenal macronodular bilateral e síndrome de McCune-Albright (SMA). Adenoma São lesões pequenas (maioria < 3 cm) e unilaterais que acometem principalmente mulheres, na faixa etária dos 35 anos. Tendem a cursar com hipercortisolismo de início mais gradual e menor intensidade, com produção de apenas uma classe de esteroides. Os sintomas são de aparecimento mais lentos quando comparado à doença de Cushing. Carcinoma de adrenal Carcinomas de adrenal correspondem a 20% do total de casos de SC ACTH-independentes. Em geral, são grandes (> 6 cm) quando diagnosticados e 10% são bilaterais. Sua distinção histológica com os adenomas pode ser difícil, tendo em vista que em geral a punção não consegue diferenciá-los. O principal critério é a invasão ocasionada pelo carcinoma, mesmo em peri-localizações. Apresenta distribuição etária bimodal, com picos na infância e na adolescência, bem como ao final da vida. Complexo de Carney O complexo de Carney (CNC) é uma síndrome AD caracterizada por anomalias na pigmentação da pele, mixomas, tumores endócrinos e hiperatividade e schwanomas. Causa a Doença adrenal nodular pigmentada primária. Síndrome de McCune-Albright Displasia fibrosa poliostótica e manchas café com leite podem estar associadas à hiperfunção de hipófise, tireoide, adrenais e gônadas. A apresentação mais comum é precocidade sexual e excesso de GH, mas também pode ocorrer síndrome de Cushing por hiperplasia adrenal nodular, inclusive como manifestação isolada. SÍNDROME DE CUSHING EXÓGENA O uso crônico de glicocorticoides representa a causa mais importante de Síndrome de Cushing, devendo ser descartado em qualquer paciente com estigmas cushingoides. A doença se desenvolve a partir do uso de doses diárias, por mais de três meses, excedendo: • 7,5 mg de prednisona • 0,75 mg de dexametasona • 30mg de hidrocortisona A via principal é a oral, mas pode ser ocasionada por outras preparações. Não se espera o desenvolvimento de SC por via inalatória, como nos medicamentos de tratamento da asma. O uso exógeno de glicocorticoides inibe o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, de forma que o indivíduo para de produzir o cortisol endógeno. Por isso, quando em uso prolongado, faz-se necessário o desmame da medicação antes da cessação completa de seu uso. Devido a supressão do eixo HHA, encontram-se tipicamente baixos os níveis séricos de cortisol (exceto nos casos decorrentes do uso de hidrocortisona) e ACTH. Isso pois, os exames laboratoriais não dosam as moléculas de prednisona e dexametasona; por outro lado, é possível a identificação da hidrocortisona. QUADRO CLÍNICO A frequência dos sintomas na síndrome de Cushing está intimamente relacionada com a duração e intensidade do hipercortisolismo. Entre as manifestações clínicas clássicas estão o ganho de peso, letargia, fraqueza, irregularidade menstrual, perda de libido, Geovana Sanches, TXXIV hirsutismo, acne, estrias cutâneas purpúricas, miopatia proximal, disfunção erétil e distúrbios psiquiátricos, tais como depressão, ansiedade e, mais raramente, psicose. Mais de 70% dos pacientes com SC manifestam sintomas psiquiátricos, que variam de ansiedade ou instabilidade emocional a depressão ou franca psicose. Essas manifestações podem, ocasionalmente, ser a manifestação inicial da síndrome. Sinais como "giba de búfalo" (aumento da gordura retrocervical), obesidade centrípeta (acúmulo de gordura visceral) e hirsutismo são pouco úteis na distinção entre a SC e os estados de pseudo-Cushing. Entretanto, equimoses surgidas espontaneamente ou aos mínimos traumatismos (decorrentes do adelgaçamento da pele e aumento da fragilidade capilar), miopatia proximal (afetando, sobretudo, membros inferiores) ou estrias violáceas ou purpúricas mais largas do que 1 cm tornam a possibilidade diagnóstica de SC bastante elevada em um paciente com obesidade central. Ocorrem, ainda, hiperglicemia, hipertensão, fraturas osteoporóticas ou distúrbios menstruais. Síndrome de Cushing na infância Em crianças, as manifestações são em geral similares às dos adultos, mas a obesidade tende a ser generalizada. Além disso, há grande diminuição da velocidade de crescimento, tendo em vista que o hipercortisolismo antagoniza a ação do IGF-I na placa de crescimento. Assim, a síndromede Cushing deve ser pesquisada em toda criança com história de ganho de peso e retardo do crescimento. Exemplos Caso 1 Paciente de 25 anos com aumento de peso, obesidade abdominal e amenorreia há 5 meses. Nota-se pletora facial e estrias violáceas largas. Negava uso de qualquer medicamento. Diagnóstico final: síndrome de Cushing secundária a automedicação crônica para rinite alérgica. Caso 2 Síndrome de Cuhsing por uso de Trok® (dexametasona creme) para prevenção de assaduras. Caso 3 Mulher de 20 anos com adenoma adrenal secretor de cortisol e queixas de amenorreia e ganho de 15kg. Nota-se face de lua cheia, aumento da gordura retrocervical (“giba de búfalo”) e obesidade abdominal. Há também a presença de estrias violáceas finas. DIAGNÓSTICO Diante da suspeita clínica de SC, deve-se, de início, descartar o uso de glicocorticoides (por qualquer via de administração), frequentemente omitido pelos pacientes. A anamnese deve ser muito insistente para verificar se não há nenhuma medicação que contenha corticoide. Se houver confirmação do uso exógeno, não é necessário realizar exame laboratorial. A investigação da síndrome endógena inclui duas etapas: confirmação do hipercortisolismo e definição de sua etiologia. Confirmação do hipercortisolismo Para a confirmação do diagnóstico de hipercortisolismo, 2 dos 3 testes devem estar positivos. Teste de supressão com dexametasona (DST) em doses baixas Para sua realização, administra-se 1 mg de dexametasona overnight (a meia-noite) ou 0,5 mg Geovana Sanches, TXXIV de 6/6h por 48h (utilizado atualmente apenas para grande obeso) antes do exame. Esses testes demonstram a perda da inibição por retroalimentação do cortisol normal sobre o eixo HHA, tipicamente observada na síndrome de Cushing. Ou seja, quando o indivíduo está produzindo quantidades exageradas de cortisol, o eixo não será suprimido pela dexametasona. Valor do CS < 1,8 ug/dL (50 mmol/L) descarta o hipercortisolismo, enquanto um valor > 5 ug/dL (138 mmol/L) é altamente sugestivo. Devemos ter atenção para os resultados falso-positivos, como na hipercortisolemia não resultante da síndrome de Cushing (obesidade, estresse, alcoolismo, doenças psiquiátricas, níveis elevados da CBG), problemas relacionados ao teste, insuficiente liberação de DMS na circulação e diminuição da depuração renal da DMS. Dosagem do cortisol salivar ao final da noite (LNSC) A secreção do cortisol apresenta uma ritmicidade circadiana. Em indivíduos saudáveis com estáveis ciclos sono-vigília convencionais, os níveis plasmáticos de ACTH começam a subir entre 3 e 4h da manhã, alcançando pico entre 7 e 9h e caindo a partir daí ao longo do dia, tendo seu nadir em torno de meia-noite, na ausência de estresse. Em indivíduos com síndrome de Cushing, há alteração no ritmo circadiano e foi relatada que a elevação do cortisol ao final da noite é considerada o mais precoce e mais sensível marcador da enfermidade. Ou seja, é um dos primeiros testes que se altera na SC. Medida do cortisol livre urinário (UFC em amostra de 24 horas) É realizado através da análise de uma amostra urinária de 24 horas, em que é incluída a segunda micção do dia em que a coleta é iniciada até a primeira do dia seguinte. Fornece um índice integrado do cortisol livre que circulou no sangue durante esse período. Diferentemente dos níveis do cortisol sérico, que refletem o cortisol total, ligado e não ligado à CBG, o UFC não é afetado por fatores que influenciam a concentração dessa proteína. Para confirmação do hipercortisolismo, recomenda-se a análise de duas amostras de urina de 24 horas. Deve-se ter atenção quanto ao volume miccional do paciente, pois isso pode gerar confundimento na interpretação do resultado do exame. Atualmente, tem-se dado preferência à dosagem do cortisol salivar ao final da noite (LNSC), em duas coletas separadas por 24 a 48 horas, devido a sua simplicidade e elevada sensibilidade. Caso elas estejam normais, SC pode ser excluída com 90 a 95% de segurança. Diante da alteração deste, pode-se realizar um teste adicional (de preferência, o teste de supressão noturna com 1 mg de DMS). O cortisol basal jamais deve ser utilizado para diagnosticar hipercortisolismo. Determinação da causa de hipercortisolismo Dosagem de ACTH basal O ACTH é um hormônio muito volátil, sendo rapidamente degradado por proteases plasmáticas, à temperatura ambiente, o que pode resultar em valores falsamente baixos. Sendo assim, o ideal é que sejam feitas ao menos 2 dosagens do ACTH plasmático, em laboratório de confiança, para se evitar interpretação equívoca. O valor de referência do ACTH plasmático é de até 46 pg/mL com o ensaio imunométrico quimioluminescente. Tipicamente, entre 8 e 9h da mãnha, o ACTH se encontra suprimido (< 10 pg/mL) nos tumores adrenais, elevado na SAE e normal (em aproximadamente 50% dos casos), ou modestamente elevado, na doença de Cushing. Níveis de ACTH > 20 pg/mL (4 pmol/L) indicam, confiavelmente, uma causa ACTH-dependente. Ao identificarmos que a síndrome é ACTH- dependente, o próximo passo é a ressonância de hipófise, tendo em vista que 9 em cada 10 casos decorrem da doença de Cushing. Por outro lado, caso seja identificado que a síndrome é ACTH- independente, o próximo passo é realizar TC ou RM de adrenal. TRATAMENTO • Cirúrgico, independente da etiologia
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