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ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO Andréia de Oliveira Bonifácio Ramos DESAFIOS E PERSPECTIVAS DOS DIREITOS DOS ANIMAIS NA FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA: UMA ABORDAGEM DA LEGISLAÇÃO NO MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO Belo Horizonte 2018 Andréia de Oliveira Bonifácio Ramos Desafios e perspectivas dos direitos dos animais na família contemporânea brasileira: Uma abordagem da legislação no mundo em transformação Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara como requisito parcial para a obtenção do título de Mestra em Direito. Orientador: Prof. Dr. Sébastien Kiwonghi Bizawu Belo Horizonte 2018 Bibliotecário responsável: Anderson Roberto de Rezende CRB6 - 3094 RAMOS, Andréia de Oliveira Bonifácio. R175d Desafios e perspectivas dos direitos dos animais na família contemporânea brasileira: uma abordagem da legislação no mundo em transformação/ Andréia de Oliveira Bonifácio Ramos. – Belo Horizonte, 2018. 187 f. Dissertação (Mestrado) – Escola Superior Dom Helder Câmara. Orientador: Prof. Dr. Sébastien Kiwonghi Bizawu Referências: f. 170 – 187 1. Direito dos animais. 2. Dignidade dos animais. 3. Guarda compartilhada. 4. Bizawu, Sébastien Kiwonghi. ll. Título CDU 351.765(043.3) ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA Andréia de Oliveira Bonifácio Ramos DESAFIOS E PERSPECTIVAS DOS DIREITOS DOS ANIMAIS NA FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA: UMA ABORDAGEM DA LEGISLAÇÃO NO MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara como requisito parcial para a obtenção do título de Mestra em Direito. Orientador: Prof. Dr. Sébastien Kiwonghi Bizawu Aprovada em: _______________________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Sébastien Kiwonghi Bizawu Escola Superior Dom Helder Câmara _______________________________________________________ Professor Membro: Prof. Dr. João Batista Moreira Pinto Escola Superior Dom Helder Câmara _______________________________________________________ Professor Membro: Prof. Dr. Bruno Wanderley Junior Belo Horizonte 2018 “Este trabalho é dedicado aos animais não humanos e à sua merecedora proteção jurídica.” AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus pelo dom da vida e pela oportunidade da feitura e da conclusão deste trabalho. À minha família... Em especial ao meu pai Otorino, pelo apoio e auxílio incondicional no caminhar da vida acadêmica; à minha mãe Eunice, pelo amor e ternura empreendidos nos momentos difíceis; à minha segunda mãe Selma, a quem de forma igualitária aos seus filhos sempre me tratara; ao meu esposo André e à sua família, pelo incentivo e encorajamento em relação à minha escolha pela vida acadêmica; aos meus queridos irmãos Cleriston e Douglas, companheiros amados de uma longa jornada de vida. Agradeço, em separado, aos meus sobrinhos Fernando e Guilherme, por me convencerem a acreditar no potencial das futuras gerações como guardiãs das vidas dos animais não humanos e da Pachamama. Ao meu orientador e amigo que tanto me incentivou na feitura do mestrado, Professor Dr. Sébastien Kiwonghi Bizawu, com quem há anos divido momentos de dúvidas, decisões, desafios, alegrias e conquistas, alertando-me para a causa jurídico-animal, o que contribuiu para que me tornasse um ser humano mais inclusivo. Ao meu mentor e amigo, Professor Dr. João Batista Moreira Pinto, que confiou no potencial do meu trabalho como estagiária docente, apresentando-me experiências extremamente gratificantes nas jornadas com os alunos em sala de aula, tendo sido, também, rocha de carinho e apoio aos estudos de Filosofia do Direito, o que contribuiu para o afloramento de um maior senso de justiça e dos Direitos Humanos. Aos professores da ESDHC, Bruno Torquato de Oliveira Naves, Pedro Andrade Matos e José Cláudio Junqueira, pelos frutíferos ensinamentos e por compartilharem comigo algumas ideias em comum. E, ainda, ao Professor Dr. Bruno Wanderley Junior pela disponibilidade em compor a banca como professor membro convidado. As secretárias do Programa de Pós Graduação da mesma instituição - Isabel, Rosely e Danielle - às quais, mais tarde, tornariam-se “parceiras” da casa, agradeço pela excelência nos trabalhos prestados. Aos amigos e colegas da ESDHC, por caminharem pari passu por bons e maus momentos e também à FAPEMIG, pelo apoio financeiro. Às especiais companheiras da vida - Lorena Renalle, Maria Lúcia Fernandes e Ana Gabriela – agradeço pela compreensão nos momentos de ausência e por acreditarem nos meus sonhos profissionais. Por fim, um “muito” obrigado ao Snoopy e a tantos outros animais não humanos, por me ensinarem a amar outras espécies da forma mais pura e honrada. “Toda verdade passa por três estágios. No primeiro, ela é ridicularizada. No segundo, é rejeitada com violência. No terceiro, é aceita como evidente por si própria.” Arthur Schopenhauer RESUMO O tema da presente dissertação se atém ao estudo da possibilidade da concessão de dois dos institutos jurídicos civilistas brasileiros: o da guarda compartilhada e o da pensão alimentícia para animais não humanos membros da família multiespécie. Todavia, outra questão a ser analisada é a necessária implementação de dispositivo legal que passe a definir animais não humanos como sujeitos de direito diante da comprovação científica de que são dotados de sensibilidade. Com o intento de alcançar o objetivo proposto, este estudo se voltará, num primeiro momento, para a evolução histórica da relação entre seres humanos e animais. Posteriormente, para finalidade comparativa legal, serão expostas normas externas e internas que versam sobre a proteção dos animais não humanos, mostrando que os dispositivos legais brasileiros encontram-se, demasiadamente, defasados no que concerne ao assunto. Observar- se-á que, os animais não humanos membros da família multiespécie, têm integrado, em maior número, o núcleo daquele seio familiar constituído no casamento e na união estável, em consequência disso, quando há ruptura do vínculo conjugal, surgem demandas ao Poder Judiciário para resolução dessas lides, que são esmagadoramente relativas às questões que envolvem a concessão de guarda e pensão alimentícia para os membros não humanos do seio familiar dissoluto. O objetivo geral da pesquisa é analisar a possibilidade da concessão de guarda compartilhada e pensão alimentícia para animais não humanos membros da família multiespécie, bem como a necessária implementação de norma jurídica que reconheça os animais não humanos no Brasil como sujeitos de direitos não humanos despersonalizados. Como justificativa para o tema escolhido, aponta-se o reconhecimento da presença de senciência e consciência nos animais não humanos, a partir da Declaração de Cambridge e de outros estudos científicos, tornando descabida a definição legal de coisas ou bens, para os mesmos. O presente estudo, amparou-se na metodologia jurídico-teórica documental, utilizando-se da técnica de pesquisa dedutiva estruturada em doutrinas, jurisprudências, decisões, julgados, normas esobretudo, outras fontes científicas não jurídicas, como a Biologia, História, Medicina Veterinária, Sociologia, Filosofia, Teologia e Psicologia. Palavras-chave: Animais não humanos; Sujeitos de direito; Família multiespécie; Guarda compartilhada; Pensão alimentícia. ABSTRACT The theme of this dissertation is devoted to the study of the possibility of granting two of the Brazilian civilian legal institutes: shared custody and alimony for nonhuman animals members of the multispecies family. However, another question to be analyzed is the necessary implementation of a legal device that defines non-human animals as subjects of law, on the basis of scientific proof that they are endowed with sensitivity. In an attempt to reach the proposed goal, this study will focus, first, on the historical evolution of the relationship between humans and animals. Subsequently, for legal comparative purposes, external and internal standards on the protection of non-human animals will be exposed, showing that Brazilian legal provisions are too far behind in the matter. It will be noted that non-human members of the multispecies family have, in greater numbers, integrated the nucleus of that family bosom constituted in wedding and in the stable union, as a consequence, when there is a rupture of the conjugal bond, to Power Judiciary resolve these disputes, which are overwhelmingly related to issues involving the granting of custody and alimony to nonhuman members of the dissolute family. The general objective of the research is to analyze the possibility of granting shared custody and alimony for non-human animals members of the multispecies family, as well as the necessary implementation of legal norm that recognizes nonhuman animals in Brazil as subjects of depersonalized nonhuman rights. As justification for the chosen theme, we point out the recognition of the presence of sentience and consciousness in nonhuman animals, from the Cambridge Declaration and other scientific studies, making the legal definition of things or goods for them uncalled for. The present study was based on the documental legal-theoretical methodology, using the technique of deductive research structured in doctrines, jurisprudence, decisions, judgments, norms and above all other non-legal scientific sources such as Biology, History, Veterinary Medicine, Sociology, Philosophy, Theology and Psychology. Keywords: Non-human animals; Subjects of rights; Multispecies Family; Shared guard; Alimony. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – O Homem Vitruviano .............................................................................................. 22 Figura 2 – Vivissecção ............................................................................................................. 50 Figura 3 – Cuidado parental ..................................................................................................... 67 Figura 4 – A senciência nos primatas ....................................................................................... 70 Figura 5 – Vaquejada ................................................................................................................ 88 Figura 6 – Registro Integral de Declaração de Guarda Animal ............................................ 157 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Humanos representam apenas 0,01% de toda vida no planeta .............................. 54 Quadro 2 – Abelhas e a compreensão do conceito de zero ...................................................... 66 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Abinpet – Associação Brasileira da Indústria de Produtos Para Animais de Estimação ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade ADPF – Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Anoreg – Associação dos Notários e Registradores do Brasil Art. – Artigo AVMA – Associação Americana de Medicina Veterinária C.C – Código Civil CDC – Código de Defesa do Consumidor CF – Constituição Federal CP – Código Penal CNJ – Conselho Nacional de Justiça EC – Emenda Constitucional ECA – Estatuto Nacional da Criança e do Adolescente Geda – Grupo de Estudos de Ética e Direito Animal HC – Habeas Corpus IARC – Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Labea – Laboratório de Bem Estar Animal Min. – Ministro MP – Ministério Público MPF – Ministério Público Federal nº – número OMS – Organização Mundial de Saúde ONG – Organização Não Governamental p. – Página Peta – Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais PL – Projeto de Lei RE – Recurso Extraordinário Resp – Recurso especial Séc. – Século s.p – Sem página s.d – Sem data STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça STF – Supremo Tribunal Federal USP – Universidade de São Paulo UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 15 2 A HISTORICIDADE DA RELAÇÃO DE SERES HUMANOS COM ANIMAIS ... 21 2.1 O antropocentrismo e o biocentrismo ........................................................................... 21 2.1.1 A multiplicidade de seres animais e as teorias de Derrida e Darwin ............................ 32 2.2 Da alteridade de Lévinas à outridade de Derrida: um novo ethos civilizacional ...... 37 2.3 Os animais não humanos na teoria de Peter Singer ..................................................... 44 2.4 A Declaração de Cambridge sobre a consciência e senciência animal ....................... 58 2.4.1 O recorte ontológico da biologia dos animais não humanos e a dubiez jurídica .......... 61 3 OS ANIMAIS NÃO HUMANOS NAS LEGISLAÇÕES ............................................ 72 3.1 A proteção internacional dos animais não humanos .................................................... 72 3.2 A proteção dos animais não humanos nas leis estrangeiras ........................................ 75 3.2.1 Os grandes símios nos julgados argentinos .................................................................... 79 3.3 A proteção dos animais não humanos no Brasil ........................................................... 82 3.3.1 Os animais não humanos nas normas infraconstitucionais brasileiras ......................... 90 3.3.2 Os grandes símios no Brasil: O caso Suíça e o Direito Animal ..................................... 99 3.3.3 Os animais não humanos como sujeitos de direito ....................................................... 108 4 OS ANIMAIS NÃO HUMANOS NA FAMÍLIA BRASILEIRA .............................. 114 4.1 O reconhecimento da família multiespécie.................................................................. 114 4.1.1 Os animais não humanos no casamento e na união estável ......................................... 128 4.2 O instituto jurídico do divórcio e a dissolução da união estável ............................... 139 4.2.1 A guarda como atributo do poder familiar e a pensão alimentícia .............................. 144 4.2.2 A concessão de guarda compartilhada e pensão alimentícia para os animais não humanos no Brasil: uma abordagem de casos concretos .......................................... 153 4.3 A possibilidade da concessão de guarda compartilhada e pensão alimentícia para os animais não humanos no Brasil: o uso da analogia no Direito brasileiro ................ 159 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 165 6 REFERÊNCIAS ............................................................................................................171 15 1 INTRODUÇÃO Um dos temas mais recorrentes e inusitados nos anais da justiça brasileira encontra-se envolto na questão dos animais não humanos no ordenamento jurídico brasileiro e no descompasso entre o tratamento legal e o social que esses vêm adquirindo na hodierna sociedade brasileira, gerando, desse modo, discussões sobre casos relativos ao registro de guarda dos mesmos em cartório, passando pela vivissecção, entre outras questões. A sociedade, influenciada pela globalização, tem evoluído constantemente e vem vivenciando recorrentes mudanças culturais e históricas, ambas, geradoras de novas formações familiares, como é o caso da família multiespécie, que nasce sobretudo, da afeição interespécies, em outras palavras, da afeição entre seus integrantes humanos e não humanos, vindo a ser inclusive, judicialmente reconhecida. Torna-se claro que, apesar da manutenção da tradicional família patriarcal, surgem novos arranjos familiares protegidos pela Constituição Federal (CF) de 1988, como é o caso da união estável, da monoparentalidade, etc... Ademais, deve considerar-se que, nos núcleos dessas e de outras formações familiares, podem estar inseridos os animais não humanos, fazendo-se presentes, inclusive em maior número, naquela família multiespécie constituída no casamento e na união estável e que, quando dissoluta, demanda ao Poder Judiciário, resoluções dos conflitos de origem esmagadora, instituídos na concessão de guarda e pensão alimentícia. Contudo, insta mencionar que, apesar da Declaração Universal dos Direitos dos Animais (1978) e da Declaração de Cambridge (2012), o Brasil, em seu Código Civil (C.C) vigente, diferentemente de outros países que já reconhecem animais não humanos como seres sencientes, adota a categorização de coisas ou bens para os mesmos, fator este que coloca o julgador diante de lacunas legislativas, recorrendo para tanto, à outras fontes do Direito como é o caso da analogia para a resolução desses casos. Diante da realidade que salta aos olhos, uma vez que o Brasil é um dos países mais populosos em relação a animais de estimação, os quais em grande maioria ocupam lugares de sujeitos, sobretudo na família multiespécie, torna-se inquestionável o contrassenso da lei infraconstitucional definindo animais como coisas ou bens, quando na verdade também são seres dotados de sensibilidade. Nesse diapasão, torna-se necessária a análise acerca da reformulação legal que versa sobre animais não humanos no Brasil, a fim de que haja adequação normativa aos casos concretos, assim, por consequência, o julgador ao ser 16 demandado nessas questões sobre guarda e pensão alimentícia para animais não humanos membros da família multiespécie, contaria com um maior direcionamento legislativo. O objetivo geral desta pesquisa é analisar a possibilidade da extensão da concessão de dois dos institutos jurídicos do ordenamento civilista brasileiro, o da guarda compartilhada e o da pensão alimentícia para os animais não humanos integrantes da família multiespécie, bem como a verificação da necessidade de definição legal dos animais não humanos no Brasil como sujeitos de direitos não humanos despersonalizados. Em relação aos objetivos específicos, este estudo busca discutir a historicidade do antropocentrismo, fundado na relação entre seres humanos e animais, até se chegar ao reconhecimento do biocentrismo, o que marca o vínculo interespécie diante de um novo ethos civilizacional, trazendo a perspectiva da outridade. Além disso, são abordadas; a Declaração de Cambridge (2012) e a Declaração Universal dos Direitos dos Animais (1978) que são influenciadoras diretas, de novas perspectivas legislativas para os animais não humanos no aspecto global. Nesse raciocínio, aborda-se que, a partir de novas constatações científicas, animais não humanos são detentores de variados graus de complexidade de senciência e consciência, devendo o Poder Judiciário portanto, primar pelo Princípio da Precaução nas atuais decisões que os envolvam. Procura-se, também, através da exposição de documentos legais internacionais e nacionais, uma comparação normativa, levando-se a acreditar que, diante de uma realidade indiscutível, a definição legal de coisas ou bens para os animais não humanos no Brasil encontra-se totalmente defasada em relação às demais legislações externas. Nesse sentido, destacam-se casos concretos e julgados, bem como a nova posição adquirida pelos animais na sociedade hodierna brasileira, fruto de evoluções sociológicas, históricas e culturais, que deram origem a novas constituições familiares, como é o caso da família multiespécie, que considera esses seres viventes como membros do seio familiar, imputando-lhes, inclusive, tratamento de sujeitos. A partir das questões apresentadas, desdobram-se demandas ao Poder Judiciário chamando atenção às novas possibilidades jurídicas diante de um Direito não estático. Assim, considerando as questões inéditas, chega-se à importância do ensino de novos Direitos, como é o caso do Direito Animal, abrindo margem, inclusive, para discussões sobre a necessária reformulação legal, a fim de que sejam sanadas as necessidades da sociedade contemporânea brasileira, principalmente, no que diz respeito ao tratamento que deve ser dispensado a animais não humanos no Brasil. 17 Perante as transformações sociojurídicas que envolvem os animais não humanos no Brasil, emergem alguns questionamentos tais como: É possível a consideração jurídica da família multiespécie? Considerando os dois institutos jurídicos do direito de família - concessão de guarda compartilhada e pensão alimentícia-, em caso de divórcio ou dissolução da união estável, seria possível, a extensão de tais institutos para os animais não humanos membros da família multiespécie? Diante do lugar que os animais vêm ocupando na sociedade brasileira contemporânea e da imperiosa comprovação de variados graus de complexidade de consciência e senciência nos mesmos, devem esses não ser mais definidos como coisas ou bens? No que tange à extensão da concessão de guarda e pensão alimentícia para os animais não humanos membros da família multiespécie, poderia o julgador concedê- las diante de lacuna legislativa? Ou ainda, o reconhecimento de animais não humanos como sujeitos de direito não humanos despersonalizados facilitaria o julgamento dos operadores em relação a esses casos? Na finalidade de conseguir respostas satisfatórias às referidas perguntas, será empregada, neste estudo, uma pesquisa a partir de fontes bibliográficas e de análises de artigos científicos físicos e eletrônicos, bem como a consulta de decisões, de julgados e de legislações. Para tanto, foram adotados os métodos teórico documental e bibliográfico, utilizando-se da técnica dedutiva. O tema aludido será trabalhado em diferentes capítulos. Nos capítulos 1 e 2 ocorrem a sustentação jusfilosófica, histórica, interdisciplinar e uma abordagem legislativa para uma melhor compreensão da temática. Já no terceiro capítulo, busca-se, juntamente com a conclusão, responder as questões propostas na presente pesquisa. Vale ressaltar que no Capítulo 2, intitulado “A historicidade da relação de seres humanos com animais”, aborda-se o historicismo do vínculo de seres humanos com animais, transacionando da perspectiva antropocêntrica reafirmada pela figura do ser humano, desenhado por Da Vinci no centro do Universo, descortinando a ideia do humanismo renascentista, reforçado pela interpretação e apresentação inadequada da antropologia cristã. Foram utilizadas, também, abordagens do Papa Francisco, de Santo Agostinho e São Francisco de Assis. A pesquisa, no geral, atenta-se para a perda da força do antropocentrismo, a partir da revolução copernicana teorizada por Copérnico e Galileu, capaz de demonstrar ao ser humano dominador, uma nova realidade: a do responsável pelasalvaguarda das demais criaturas, que segundo Darwin, são, possuidoras da mesma origem natural e escala evolutiva dos animais humanos, o que desmistificara por conseguinte, o suposto lugar privilegiado 18 ocupado pelos seres humanos no Universo. Em seguida, o estudo contempla a evolução do pensamento biocêntrico através de diversas correntes, como a de Nogueira (2012) e a de Lourenço (2008), que primam pelo biocentrismo, em específico, o mitigado. Da mesma maneira, aponta-se uma integralização do ser humano ao reino animal, permitindo-se ser visto, inclusive, pelo olhar de “outro” animal não humano, conforme esboça Derrida (2008) ao atentar para uma reflexão filosófica não estritamente centralizada no “ser”, mas, sobretudo no “Outro”. Para tanto, diante da crise ambiental e do ethos civilizacional assegurado por Leff (2010), utiliza-se da desconstrução da alteridade de Lévinas (2000), da qual se origina a perspectiva da outridade derridiana, afirmadora da responsabilidade assimétrica interespécies humanas e não humanas, sendo ambas possuidoras de senciência e consciência, reconhecidas a partir da Declaração de Cambridge no ano de 2012. Outrossim, utilizam-se as teorias de Singer (2002) sobre a dignidade, o bem-estar animal e a igualdade da consideração de interesses. Nesse diapasão, Molento (2006) se vale da afirmação da observância do Princípio da Precaução como algo necessário nas decisões judiciais proferidas pelo Poder Judiciário, não pela demonstração da inexistência de sensibilidade nos animais não humanos, mas, sobretudo diante da afirmação cientifica da existência de variados níveis de senciência e consciência, nas milhares espécies animais. No Capítulo 3, intitulado “Os animais não humanos nas legislações”, é abordada a exposição da proteção internacional dos animais não humanos, discutindo-se também, as aferições de normas estrangeiras de alguns países como; Alemanha, Áustria, Portugal e França, além dos peculiares julgados e decisões, que vêm ocorrendo em prol dos grandes símios em diversos países do mundo, a exemplo da Argentina. Interpela-se ainda, o conceito constitucional do animal que possui abordagem relativamente diferente em relação às normas infraconstitucionais brasileiras, o que demonstra, claramente, uma tensão legislativa. Faz-se, nesta pesquisa, uma comparação de documentos jurídicos internacionais com as leis brasileiras que versam sobre animais não humanos, classificando-os como coisas ou bens. Isso remete à analogia do plano cartesiano de animais com máquinas, levando-se a perceber que tais leis se encontram totalmente defasadas, em contrapartida às normas externas, que, já reconhecem animais não humanos, como seres viventes dotados de sensibilidade. É imperiosa a constatação de que, no aludido capítulo, é abordado um dos pontos cruciais do trabalho: o da necessária implementação de dispositivo legal que reconheça os animais como sujeitos de direito não humanos despersonalizados, considerando, sobretudo, a 19 Declaração Universal dos Direitos dos Animais a Declaração de Cambridge e outras tantas investigações científicas. Aborda-se, em seguida, as novas perspectivas jurídicas envolvendo os animais não humanos, como é o caso do Habeas Corpus (HC) ocorrido no Brasil, em favor da chimpanzé Suíça, evidenciando a importância do estudo do Direito Animal que surge no cenário jurídico em crise, quando as tradicionais disciplinas dos cursos de Direito não são suficientes para elucidação de dúvidas que surgem tanto nos corpos discentes como nos docentes, das mais variadas escolas de Direito do país. Além desses aspectos já citados, passa-se ao ponto do lugar diferenciado e evidente que os animais não humanos vêm adquirindo na sociedade brasileira hodierna, promovendo questões jurídicas inéditas, como é o caso da extensão da comunidade moral aos não humanos, teorizada por Singer (2002). Desse modo, utilizando-se dos ensinamentos de Cruz (2006), devem os operadores jurídicos despir-se de (pré) conceitos e dogmas para novas aberturas de discussões e julgamentos que nem sempre se encontram positivados diante da ciência jurídica não estática, que é o Direito, e das constantes adaptações que sofre para se moldar às necessidades sociais. Já o Capítulo 4, intitulado “Os animais não humanos na família brasileira”, versará acerca do reconhecimento dos Direitos das Minorias, expondo a proteção constitucional em relação à pluralidade de novas constituições familiares, como é o caso da família multiespécie, caracterizada no eudemonismo, ou seja, por laços de afetividade entre seres humanos e animais, sendo estes considerados integrantes não humanos daquele núcleo familiar. Para tanto, são explanadas as mudanças sociológicas, culturais e históricas que vem ocorrendo na família contemporânea brasileira, as quais têm substituído filhos humanos por não humanos, levando em consideração questões psicológicas, como é o caso da solidão, que tem assolado o mundo globalizado. Assim, através de dados colhidos, torna-se possível afirmar que é crescente o número de animais que vem integrando a família multiespécie, tornando-se, em maior número, inclusive, naquelas instituídas a partir do casamento e da união estável. Que, quando dissolutas, demandam ao Poder Judiciário, a resolução desses conflitos que têm envolvido geralmente, a concessão de guarda e pensão alimentícia para os integrantes não humanos daquele seio familiar. Verifica-se que os magistrados, ao encontrarem-se diante de normas que definem animais como coisas ou bens no ordenamento jurídico pátrio, deparam-se com lacunas legislativas, pois, por não serem os animais não humanos, sujeitos de direito, esses não 20 poderiam figurar no polo passivo de processo envolvendo a concessão de guarda e de pensão alimentícia. Com isso, alguns magistrados, ao julgarem esses casos, têm agido de forma arbitrária, podendo ocasionar inseguranças processuais e jurídicas. Neste cerne, será enfrentada a questão da possibilidade de concessão de guarda compartilhada e pensão alimentícia para os animais não humanos membros da família multiespécie brasileira, recorrendo da análise de casos concretos, de doutrinas, de normas, de decisões, de julgados e, sobretudo, de outras fontes do Direito. O presente estudo amparou-se nas metodologias jurídico-teórica documental e bibliográfica, utilizando-se da técnica de pesquisa dedutiva estruturada em doutrinas, jurisprudências, decisões, julgados, normas e, sobretudo, outras fontes científicas não jurídicas, como a Biologia, História, Medicina Veterinária, Sociologia, Filosofia, Teologia e Psicologia. 21 2 A HISTORICIDADE DA RELAÇÃO DE SERES HUMANOS COM ANIMAIS Desde os primórdios, seres humanos e animais sempre tiveram uma relação de proximidade, fosse essa fundada na dominação ou na domesticação. Nesse sentido, ambas as espécies jamais poderiam ter suas histórias contadas separadamente, considerando-se principalmente as questões de dependência, subsistência e sobrevivência. No entanto, no decorrer dos anos, essa relação sofreu diversas modificações, descortinando uma parceria interespécie e uma gradativa transição do pensamento antropocêntrico para o biocêntrico, e específico o mitigado, o que ocorreu, principalmente, a partir de novas descobertas científicas que desmistificaram o suposto lugar privilegiado ocupado pelo ser humano no Universo. Nesse cenário, revelou-se através de teorias como a de Darwin, que seres humanos e animais teriam não só a mesma origem natural, mas também a mesma descendência do reino animal, apresentando-se inclusive, duas terminologias biológicas, quais sejam as de; (animais humanos) e (animais não humanos). 2.1 O antropocentrismo e o biocentrismo O antropocentrismo, advindo do grego anthropos (humano) e kentron (centro) 1 fez-se marcado pela visão persistente de que o ser humanofigura no centro do Universo e dos cosmos, possuindo como prioridade no mundo, seus objetivos e interesses, independentemente de qualquer interação com o meio. É fato que o pensamento antropocêntrico, apesar de enraizado na filosofia grega antiga, encontrou afeição no período do humanismo renascentista 2 , quando o ser humano passaria por significantes mudanças comportamentais, mais propriamente, uma transição entre teocentrismo 3 e antropocentrismo. Representando o pensamento antropocêntrico, podemos 1 Antropocentrismo (do grego anthropos, "humano"; e kentron, "centro") é uma concepção que considera que a humanidade deve permanecer no centro do entendimento dos humanos, isto é, o universo deve ser avaliado de acordo com a sua relação com o Homem, sendo que as demais espécies, bem como tudo mais, existem para servi-los. (UNIONPÉDIA, s.d, s.p). 2 O humanismo buscou a valorização da condição humana sobre todas as coisas, tendo início em meados do Sec.XIV, na Itália, juntamente com o Renascimento. Foi marcado pelo rompimento com o teocentrismo, passando a conceder espaço para o antropocentrismo. 3 O teocentrismo, do grego theos (“Deus”) e kentron (“centro”), é a concepção segundo a qual Deus é o centro do universo, tudo foi criado por ele, é dirigido por ele e não há outra razão além do desejo divino sobre a vontade humana. (PORTALSÃOFRANCISCO, s.d, s.p). 22 expor a famosa ilustração denominada de “O Homem Vitruviano 4 ” feita no ano de 1490, pelo pintor Leonardo da Vinci: Figura 1 - O Homem Vitruviano Fonte: Academia de Filosofia, (s.d, s.p). Embora Leonardo da Vinci fosse conhecido pelos seus trabalhos multifacetários, como foi “O Homem Vitruviano” retratando o pensamento da época, pode-se afirmar que o mesmo era um árduo protecionista dos animais e, embora tivesse “utilizado animais em seus estudos anatômicos, o apreço por esses ficou registrado no seu estilo de vida vegetariano, nas fábulas que escreveu, nos gatos que desenhou, nos cavalos que estudou” e, ainda, nos pássaros engaiolados que comprava só para dar-lhes a liberdade, uma vez que considerava insuportável vê-los presos (NOGUEIRA, 2012, p. 26). Da Vinci, como afirma Nogueira (2012), foi considerado um gênio pela história. Ele realizava tarefas defensivas aos animais, que eram significativas para uma época em que, o humano era considerado o Centro do Universo. Ao pintor é atribuída a frase: “Chegará o dia em que todo homem conhecerá o íntimo de um animal. E neste dia, todo o crime contra o animal será um crime contra a humanidade” (NOGUEIRA, 2012, p. 26). É importante ressaltar que o Universo redesenhado em torno da figura do homem retrata o antropocentrismo, que dera origem ao pensamento humanista-renascentista, trazendo à tona interesse pelos valores do indivíduo de um modo desconhecido da antiguidade ou na Idade Média, conforme assegura Shmidt (2005): Os pensadores renascentistas se identificavam com o chamado humanismo, que eram defensores da visão antropocêntrica. Os humanistas se preocupavam em recuperar obras gregas e romanas antigas que tinham sido esquecidas […] Os humanistas renascentistas se interessavam pelos valores do indivíduo de um modo desconhecido da antiguidade ou na Idade Média. Exemplo o filósofo Michael de 4 O Homem vitruviano é uma representação do que é o Antropocentrismo. (UNIONPÉDIA, s.d, s.p). 23 Montaigne, que escreveu um livro cujo tema era sua própria existência. (SHMIDT, 2005, p. 135). É imperiosa a constatação de que o pensamento antropocêntrico faz do humano o centro do Universo, sustentando, em relação aos demais seres não humanos, uma visão basicamente utilitarista e cartesiana, o que os tornam regidos à mera satisfação humana: O antropocentrismo é uma concepção genérica, em síntese, que faz do Homem o centro do Universo, ou seja, a referência máxima e absoluta dos valores (verdade, bem, destino último, norma última e definitiva, etc.) de modo que ao redor desse centro, gravitem todos os demais seres por força de um determinismo fatal. Tanto a concepção quanto o termo provêm da filosofia. (MILARÉ, 2008, p. 100). É fato que, “sob o paradigma do antropocentrismo, os animais são considerados em razão da sua utilidade para a humanidade, e não como um fim em si mesmos” (MÓL, 2016, p. 14). Desse modo, pode-se afirmar que essa relação de domínio dos seres humanos sobre outros animais e entre os próprios humanos mais “enfraquecidos”, além de acarretar terríveis relações sociais, tem alterado o meio ambiente, subjulgado os demais animais e colocado em risco não só o ecossistema, mas também o socioambientalismo. Embora a relação entre ambos seja marcada pela persistente dominação por parte dos seres humanos sobre os animais, suas histórias jamais poderiam ser contadas em separado, pois como afirma Nogueira (2012), existem registros dessa relação, desde o processo civilizatório: O primeiro animal a que se tem registro é o cão, há aproximadamente 12.000 anos, e posteriormente o gato. Em 2004, arqueólogos franceses encontraram na ilha de Chipre uma ossada humana ao lado de um gato, datado de 9.500 anos. (NOGUEIRA, 2012, p. 9). Posteriormente à dominação, surgiram os primeiros indícios de domesticação, havendo, assim, a transição da vida selvagem animal para a convivência pacífica com os seres humanos, como foi o ocorrido com gatos e cães. Nesse sentido, Cunha (2012) afirma que o convívio entre seres humanos e animais, embora seja antigo, vem sendo alterado em tempo integral, sobretudo ao analisarmos a dependência de um em relação outro: O relacionamento entre humanos e cães, por sua antiguidade, demonstra o quanto o homem foi e é dependente de outros seres para o alcance de objetivos diversos, tais como: entretenimento, transporte, esportes e alimentação. (CUNHA, 2015, p. 170). Durante longos anos, animais figuravam em certas culturas como protagonistas e não como seres subjugados. Para exemplificar, Gomes (2008) cita as antigas dinastias egípcias, como pioneiras na domesticação de felinos. Segundo o egiptólogo Wallace Gomes, que é especialista na relação entre humanos e animais da época dos faraós, os cães e gatos 24 eram considerados representantes dos deuses na terra, sendo, por isso, detentores de respeito e admiração no Egito Antigo: [...] O cão era outra figura especial naquela cultura. Considerado como o animal sagrado do Deus Anúbis na Terra, muitos eram mumificados ao lado dos donos para atrair proteção. Os bichanos também tinham seu lado sagrado. A primeira domesticação de felinos de que se tem notícia foi no Egito Antigo. Naquela época, o bicho era idolatrado e vivia no colo da realeza. Quem maltratasse ou matasse um gato poderia ser condenado à morte. "O povo egípcio era um excelente observador da natureza e isso colaborou muito na estrutura de sua religião. O desenho do leão, por exemplo, era usado na mobília e representava força e coragem Também trazia a idéia de realeza e poder", explica Gomes. "A Esfinge, um dos principais símbolos históricos do Egito, denota a idéia de um leão deitado com a cabeça de um ser humano"[...] (GOMES, 2008, s.p). No que se refere à domesticação, algumas tribos indígenas norte-americanas - como é o caso dos Apsarokes e dos Peles vermelhas - “que consideravam os animais protetores dos seus antepassados e seus próprios irmãos” (PELLEGRINNI, 2015, s.p), viveram o apogeu de suas civilizações graças à domesticação de cavalos - que mais tarde saberíamos ser da raça mustang - que estavam extintos há milênios, inventando, inclusive, um jeito próprio de cavalgar: Os cavalos selvagens norte-americanos, no entanto, estavam extintos há milênios. Esses animais foram reintroduzidos involuntariamente pelos espanhóis sediados noMéxico. Foi em 1600 quando uma pequena manada de cavalos fugiu de um forte espanhol. Soltos na natureza, os animais retornaram à vida selvagem nas planícies norte-americanas, dando origem à raça mustang. Ao redor do ano 1700, os indígenas aprenderam a aprisioná-los e a domesticá-los. Inventaram inclusive um estilo próprio de cavalgar. (PELEGRINI, 2015, s.p). Também Hirafugi (2017) afirma, a exemplo de outras culturas antigas em que os animais ocupavam lugar de prestígio, o Japão; onde animais, eram apreciados não por suas belezas, mas pelo que representavam simbolicamente, sendo assim também na cultura chinesa: No Japão, vários animais são apreciados não só pela beleza, mas também pelos seus significados. Os japoneses os vêem como símbolos de qualidades que gostariam de expressar ou de se beneficiar. O significado atribuído a muitos animais simbólicos no Japão possui raízes na cultura chinesa. Há tempos, esses seres são figuras importantes na tradição japonesa que compõem a cultura, as crenças, os costumes, as artes e a mitologias do país. (HIRAFUGI, 2017, p. 1). Apesar de uma das fortes fundamentações do antropocentrismo ser a necessária dependência dos seres humanos sobre os animais como forma de sobrevivência, para o psicanalista Freud (1915) fica claro, em suas “Obras Psicológicas Completas”, que o ser humano possui em seu próprio instinto um ego narcisista que pode ser revelado em sua relação com o todo e com qualquer instância alteritária. Isso o leva a crer que essa dominação 25 dos seres humanos em relação aos animais, não se daria apenas pela necessidade de sobrevivência, mas inclusive pelo egocentrismo psíquico presente: Sua majestade, o sujeito narcisista’, esforça-se por transformar em ‘si-mesmo’ tudo que vê ou toca, ignorando, ou mesmo abominando, tudo que não seja ‘Eu’. A hostilidade está no fundamento da relação do sujeito com toda e qualquer instância alteritária, provém do repúdio primordial do ego narcisista ao mundo externo com seu extravasamento de estímulos. (FREUD, 1915, p. 161). Freud (1917) endossa, no entanto, que essa condição sofreu diversos golpes pela ciência, a partir da revolução copernicana e das investigações biológicas feitas por Charles Darwin, o que levou à destruição o lugar supostamente privilegiado do homem na criação, provando, inclusive, sua descendência do reino animal e sua inextirpável natureza animal: No transcorrer dos séculos, o ingênuo amor-próprio dos homens teve de submeter-se a dois grandes golpes desferidos pela ciência. O primeiro foi quando souberam que a nossa Terra não era o centro do universo, mas o diminuto fragmento de um sistema cósmico de uma vastidão que mal se pode imaginar. Isto estabelece conexão, em nossas mentes, com o nome de Copérnico, embora algo semelhante já tivesse sido afirmado pela ciência de Alexandria. O segundo golpe foi dado quando a investigação biológica destruiu o lugar supostamente privilegiado do homem na criação, e provou sua descendência do reino animal e sua inextirpável natureza animal. Esta nova avaliação foi realizada em nossos dias, por Darwin, Wallace e seus predecessores, embora não sem a mais violenta oposição contemporânea. Mas a megalomania humana terá sofrido seu terceiro golpe, o mais violento, a partir da pesquisa psicológica da época atual, que procura provar o ego que ele não é senhor nem mesmo em sua própria casa, devendo, porém, contentar-se com escassas informações acerca do que acontece inconscientemente em sua mente. (FREUD, 1917, p. 32). É fato que, com a revolução científica defendida pelo astrônomo Nicolau Copérnico, consagrada no ano de 1610 com Galileu Galilei, através de suas observações astronômicas, provou-se que a Terra não era o centro do Universo e segundo Eberle (2006) poderia, portanto o ser humano não figurar também como personagem principal, dessa forma Matos afirma (2015) que: Do ponto de vista fenomenológico, o ser humano e a Terra não podem ser separados. Nunca nós humanos podemos deixar de lado nossa dimensão cósmica, nossa relação com todos e outros seres, numa atitude de colaboração consciente, ativa e respeitosa. O homem não é mais o centro do Universo, como ingenuamente acreditávamos, mas o que é muito mais belo, o homem é flecha ascendente da grande síntese biológica. O homem constitui por si só, a mais nova, a mais complexa, a mais matizada das camadas sucessivas da Vida. (MATOS, 2015, p. 38). Conforme Freud (1917), os seres humanos, a fim de uma convivência harmônica em sociedade, devem anular alguns de seus instintos, limitando as suas vontades narcisistas, principalmente, em relação ao que consideram “objetos”. Desse modo, Donoso (2011), em 26 seu estudo psicanalítico sobre a gramática da maldade gratuita, feita no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), expõe que: Estamos também no terreno da origem da crueldade, onde a dominação do objeto é o núcleo do gesto do sujeito. Articulamos uma vez mais o desprezo pelo objeto e o prazer do sujeito, prazer pela dominação e depredação do objeto. (DONOSO, 2011, p. 58). Essa relação violenta e dominante de seres humanos sobre seus “objetos”, como assim são considerados os animais por grande parte dos humanos, mostra-se correlacionada aos preceitos religiosos, fundamentados, sobretudo, no Antigo Testamento, no qual se encontra consagrada a clara superioridade do humano sobre as demais criaturas, como pode ser observado no livro de Gênesis: Deus disse: façamos o homem à nossa imagem, segundo a nossa semelhança, e que ele domine sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra! (BÍBLIA SAGRADA, Gênesis, 1:26). Na concepção de Reis e Bizawu (2015), apesar da bíblia mostrar-se um tanto antropocêntrica, ela se fundamenta, na realidade, no biocentrismo, explanando a figura emblemática de Cristo que, no Novo Testamento, reestrutura e reinterpreta o papel do ser humano na natureza, além de trazer a preocupação de Deus, seu Pai, com todas as criaturas: É possível identificar, em falas de Jesus no Novo Testamento, como Deus se preocupa com toda a sua criação. Por exemplo: “28. E por que vocês ficam preocupados com a roupa? Olhem como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam. 29. Eu, porém, lhes digo: nem o rei Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu como um deles.” [MATEUS, 6, 28-29] (REIS; BIZAWU, 2015, p. 35). Para o Papa Francisco (2015), a interpretação e apresentação inadequada da antropologia cristã revela um ser humano egocêntrico que, ao assumir o status de fruto do criador feito à semelhança de Deus, promoveu uma deturpada dominação ao invés de responsabilização do “homem” sobre as demais criaturas. Uma apresentação inadequada da antropologia cristã acabou por promover uma concepção errada da relação do ser humano com o mundo. Muitas vezes foi transmitido um sonho prometeico de domínio sobre o mundo, que provocou a impressão de que o cuidado da natureza fosse atividade de fracos. Mas a interpretação correta do conceito de ser humano como senhor do universo é entendê- lo no sentido de administrador responsável. (PAPA FRANCISCO, 2015, cap. III, 3.116). Destarte, afirma-se que, para Moser (2004), “a natureza aparece não em função dos seres humanos, mas tem um sentido próprio, pois ela precede aos seres humanos. Além 27 disso, tudo que foi criado deve ser para, num primeiro momento, glorificar ao Criador, e não para se destinar, imediatamente, à utilização humana” (MOSER, 2004, p. 159). Recorrendo, ainda, à concepção de Matos (2015), é nítida a defesa de que o status moral dos demais seres vivos não deve ser o de meros objetos de posse dos seres humanos, uma vez que estes “não têm o direito, sobretudo em se tratando de seres sencientes, de privá-los de seubem-estar básico ou de apoderar-se, arbitrariamente, de suas vidas” (MATOS, 2015, p. 43). Corroborando com tal ideia, Felipe (2014) considera que: Sujeitos de vida existem para viver sua própria forma de vida, independentemente de serem úteis ou não a quaisquer interesses humanos. Em vez de seus proprietários, os humanos, que defendem seus interesses, devem passar a ser seus tutores. Do domínio tirânico sobre os animais, passamos, então, à responsabilidade por suas vidas e seu bem estar. (FELIPE, 2014, p. 28). Dessa forma, verifica-se que o livro de Gênesis, que se encontra no Velho Testamento, foi interpretado de forma distorcida, tornando-se funesto para uma percepção ecológica do Planeta. Outro aspecto relevante, diz respeito à consideração dos mandamentos divinos, que ao longo da história, tornaram-se uma forte justificativa para a “coisificação” e a degradação da terra, conforme afirma Matos (2015): Nesta visão, o homem, como imago Dei, teria total liberdade para usar e abusar a Terra, cujo domínio exerceria em nome de Deus. Temos aqui uma hermenêutica parcial, deficiente e superficial em que Deus, visto como senhor e proprietário do mundo teria passado exclusivamente ao ser humano, na qualidade de seu representante plenipotenciário, poder sobre todo o criado, cujos integrantes estariam inteiramente ao seu dispor. Semelhante leitura, fortemente antropocêntrica, é hoje inaceitável. (MATOS, 2015, p. 46). “Na realidade, Deus, conferiu ao homem a responsabilidade pela conservação, proteção, valorização e salvaguarda da vida, a qual deve servir como promotor e tutor” (MATOS, 2015, p. 46). Assim, seguindo essa linha de raciocínio, Felipe (2014) aponta que a equivocada interpretação “fez com que a ordem do dominium terrae fosse vista, ao longo dos séculos, como poder utilitarista, despótico e arbitrário” (MATOS, 2015, p. 47). Conforme o pensamento de Santo Agostinho de Hipona, a Bíblia tem que ser compreendida como uma conjuntura de ideias e sua interpretação deve ser baseada no amor, que é o fundamento bíblico primordial. Assim, desmistifica-se que o objetivo de Deus era o de criar espécies dominadoras de outras, trazendo aflição e grande sofrimento àquelas subordinadas. Agostinho (354-430) 5 , ao afirmar que “Se você acredita no que lhe agrada nos evangelhos e rejeita o que não gosta, não é nos evangelhos que você crê, mas em você”, traz à 5 (PAROQUIA.N.S.ASSUNÇÃO, s.d, s.p). 28 tona, como resultado do egocentrismo humano, a existência de favoritismos de textos bíblicos que, ao serem inadequadamente interpretados, conduzem à concepção errada da relação do ser humano com as demais criaturas. Nesse necessário caminhar pela valorização da natureza e afastamento do antropocentrismo canônico, o Papa Francisco, em sua Carta Encíclica “Laudato Sí, sobre o cuidado da casa comum”, aponta que a legislação bíblica, ao contrário de derradeiras interpretações, propunha descanso não somente aos seres humanos, mas também a outros seres vivos. Esta responsabilidade perante uma terra que é de Deus implica que o ser humano, dotado de inteligência, respeite as leis da natureza e os delicados equilíbrios entre os seres deste mundo, porque ‘Ele deu uma ordem e tudo foi criado; Ele fixou tudo pelos séculos sem fim e estabeleceu leis a que não se pode fugir!’ (Sl 148, 5b-6). Consequentemente, a legislação bíblica detém-se a propor ao ser humano várias normas relativas não só às outras pessoas, mas também aos restantes seres vivos: ‘Se vires o jumento do teu irmão ou o seu boi caídos no caminho, não te desvies deles, mas ajuda-os a levantarem-se. [...] Se encontrares no caminho, em cima de uma árvore ou no chão, um ninho de pássaros com filhotes, ou ovos cobertos pela mãe, não apanharás a mãe com a ninhada’ (Dt 22, 4.6). Nesta linha, o descanso do sétimo dia não é proposto só para o ser humano, mas ‘para que descansem o teu boi e o teu jumento’ (Ex 23, 12). Assim nos damos conta de que a Bíblia não dá lugar a um antropocentrismo despótico, que se desinteressa das outras criaturas. (PAPA FRANCISCO, 2015, cap. II, 2.68). Embora o Papa Francisco observe a interpretação bíblica de cunho tendencioso como uma das motivações do antropocentrismo, o mesmo elucida que o cristianismo vem reunindo esforços na luta contra essa superioridade humana no Planeta. Nesse raciocínio, Matos (2015) afirma que “a Misericórdia é o coração do Evangelho e, assim, uma referência central na espiritualidade cristã. Trata-se de um amor preferencial, embora não exclusivo, para com todos que se encontram em situação de sofrimento, de exclusão, menosprezo ou abandono” (MATOS, 2015, p. 60). Nesse sentido, Pinto (2018), rememorando o Direito das Minorias, afirma que “não se pode esquecer que a opção de Jesus Cristo foi pelos mais pobres, pelos que são injustiçados e pelos que buscam a justiça” (PINTO, 2018, s.p). Ademais, em relação a esse utilitarismo religioso destacado pelo Papa como motivador do antropocentrismo mitigado, Lourenço (2008) ressalta que quaisquer textos bíblicos utilizados como motivo de subjugação dos animais na atual sociedade contemporânea são injustificáveis diante do reconhecimento da mutabilidade social, a exemplo da cultura da escravidão, que hoje já não se faz aceita. 29 Qualquer um que fundamente a utilização de animais como coisas, baseando-se, para tanto, em argumentos bíblicos, deveria ser chamado a explicar porque razão outras formas de discriminação, que também são encontradas nos textos “sagrados”, são claramente rejeitadas pela sociedade contemporânea. [...] a escravidão [...] a sociedade fortemente patriarcal [...] Deste modo, o argumento bíblico, puro e simples, não oferece bases suficientes para justificar a dominação humana sobre os animais. [...] Não é por acaso que sistemas religiosos já foram utilizados como instrumentos para legitimar a pena de morte, as guerras, a condenação ao homossexualismo, à prostituição e, até mesmo, modelos econômicos. (LOURENÇO, 2008, p. 114-140). Ao se considerar que “é inaceitável cultivar uma espiritualidade que não leve em consideração os estragos causados a Terra e aos seres vivos que nela habitam” (MATOS, 2015, p. 62), remete-se ao pensamento ecológico profundo de São Francisco de Assis, um santo italiano que pregava o amor universal, abrangendo toda a criação divina, simbolizando a retomada da inocente relação entre os seres humanos e as demais criaturas. Diante disso, Comparato (2006) discorre que, para São Francisco de Assis, “nós, humanos, não somente somos todos filhos do mesmo Pai, mas partilhamos igualmente essa fraternidade divina com todas as criaturas de Deus, viventes ou não” (COMPARATO, 2006, p. 135). Ao pregar sobre a prática da dominação e a agressão humana sobre as demais criaturas e seus próprios semelhantes, Francisco de Assis, em idade já avançada, vem compor o que seria um de seus marcos, o Cântico das Criaturas, no qual enfatizara o respeito à toda criação divina: Louvado seja meu senhor, pela irmã lua e pelas estrelas. No céu formaram claras e preciosas e belas. Louvado seja meu senhor, pelo irmão vento, e pelo ar e pelas nuvens e pelas nuvens e pelo sereno e por todo o tempo, pelo qual às tuas criaturas dás sustento. Louvado seja meu senhor, pela irmã água que é muito útil e humilde e preciosa e casta. Louvado seja meu senhor, pelo irmão fogo, pelo qual iluminas a noite, ele e belo e agradável e robusto e forte. Louvado seja meu senhor, pela nossa irmã nossa, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz diversos frutos com coloridas flores e ervas. (FONTES FRANCISCANAS E CLARIANAS, 2004, p. 104-105). Ao se considerar essa visão ecocentrista “de mundo” de São Francisco de Assis, é possível conceituar a Terra como um “macro-organismo vivo, extremamente dinâmico e complexo.Com razão, pode-se considerá-la como a ‘Grande Mãe’ que nutre e que carrega todos os seres que nela se encontram” (MATOS, 2015, p. 40). Assim, pode-se afirmar que é justamente dessa reflexão que nasce a Pacha Mama, “das culturas andinas ou a Gaia da mitologia grega, a mãe querida, da qual se cuida com compreensão, compaixão e amor. Como superorganismo, a Terra é viva, autorregula-se, regenera-se e evolui” (MATOS, 2015, p. 40). Em alguns países latino-americanos com forte influência cultural indígena, como é o caso do Peru, da Bolívia, Equador, Argentina e Chile, onde se destacam o sentido de 30 “grande terra sustentadora da vida” 6 (PAREDES, 1920, p. 38), a Terra foi reconhecida como sujeito de direito, por ser nutriz da vida, consoante Matos (2015): A Terra como nutriz da vida é portadora de inegáveis direitos. É extrema insensatez destruir suas forças vitais de longo prazo por causa do interesse de obter lucro em curto prazo. Assim, por exemplo, o ser humano tem obrigação de reconhecer os ciclos naturais do planeta, consumindo com racionalidade os recursos não renováveis e dando tempo a Natureza para regenerar os renováveis. (MATOS, 2015, p. 41). Enfatiza-se que o preâmbulo da Constituição do Equador é bastante elucidativo a esse respeito ao celebrar, “a natureza, a Pacha Mama, da qual somos parte e que é vital para nossa existência” (LOURENÇO, 2008, p. 95), desse modo, segundo Boff (2000) deve haver uma “atitude de responsabilidade e de cuidado com a vida, com a convivência societária, com a preservação da Terra, como cada um dos seres nela existentes e com a identificação de um derradeiro sentido de universo” (BOFF, 2000, p. 26). Todavia, na erosão da perspectiva antropocêntrica, nasce o biocentrismo, que significa bios (vida) e kentron (centro) 7 , propondo um sistema valorativo e igualitário de todas as vidas e “com o foco voltado para a vida e todos os aspectos a ela inerentes[...]. O valor vida passou a ser um referencial inovador para as intervenções do Homem no mundo natural” (MILARÉ, 2008, p. 101). Evidencia-se que o biocentrismo pode ser considerado uma ética para o meio ambiente e para a natureza, que possui seu valor próprio e não apenas instrumental ou simbólico. Essa natureza, conforme defende Nogueira (2012), “deve ser protegida do homem e pelo homem, pelo fato de carregar valores próprios e não pelo valor utilitário que sempre teve para a humanidade” (NOGUEIRA, 2012, p. 48). Assim, não cabe ao biocentrismo o reconhecimento da natureza como sujeito de direito, sendo nele, reforçado tão somente o valor da vida e dos seres vivos, como é o caso do ser humano, que é visto como integrante da própria natureza, fazendo parte do ambiente e de todo o ecossistema, não podendo, portanto, ser classificado como mais ou menos importante, como se pode perceber nas palavras de Nogueira (2012): O biocentrismo nega graduações no que se refere à importância dos seres vivos. Há uma visão holística da vida nessa vertente ideológica ambiental. O homem, para o biocentrismo, não é pensado ao lado ou ao redor da natureza, é visto dentro dela. Faz parte do meio ambiente. Integram-se. Uma vida dependendo de outra vida. Busca-se uma ética de equilíbrio entre as espécies e analisa-se o universo de maneira sistêmica. (NOGUEIRA, 2012, p. 48). 6 Tierra grande, diretora y sustentadora de la vida. (Tradução nossa). 7 Conceito segundo o qual todas as espécies vivas têm o mesmo valor. (DICIO, s.d, s.p). 31 Ao se falar em biocentrismo, vale ressaltar que ele se divide em dois modelos: o biocentrismo global que “privilegia a totalidade dos elementos naturais, ecossistemas, biosfera, espécies, etc...” e o biocentrismo mitigado, que “privilegia apenas as entidades individuais detentoras de vida e de sensações, as plantas e todos os animais” (NOGUEIRA, 2012, p. 49). Dessa forma, pode-se afirmar que, enquanto o biocentrismo global considera toda a coletividade e todo macrossistema, “no biocentrismo mitigado, o bem jurídico tutelado é a vida” (NOGUEIRA, 2012, p. 49). Faz-se necessário enfatizar que o biocentrismo mitigado, segundo Nogueira (2012) e Regan (2006), dedica-se à tutela moral individual de entidades que detêm sensações, estipulando como parâmetro da consideração moral a questão de serem “sujeitos-de-uma- vida”. Em outras palavras, ressalta-se não só o fato de possuírem consciência da própria vida, mas também de serem detentores de desejos, abrindo a possibilidade de ser atribuída aos mesmos, a consideração de sujeitos de direito. Diante do exposto, recorre-se a Lourenço (s.d), que considera ser no biocentrismo mitigado a concentração de esforços voltados a uma ética destinada à vida animal, e não da vida como um todo. O autor considera, ainda, que o movimento do biocentrismo surge no contexto das revoluções democráticas oitocentistas, vinculando-se ao Direito das Minorias. Embora possamos constatar iniciativas pontuais no que se refere à consideração moral dos animais não humanos em períodos anteriores ao século XVIII, foi somente neste período que se firmou a visão de que determinadas espécies, por serem sencientes, deveriam merecer alguma forma de atenção ética diferenciada. Este tipo de visão, com variantes, é o que se denomina de biocentrismo mitigado, zoocentrismo, sencientocentrismo, ou animalismo, de que a posição dos direitos dos animais é, em certa medida, derivada. [...] Curioso perceber que, historicamente, o movimento do biocentrismo mitigado surge vinculado ao contexto das revoluções democráticas oitocentistas. Parece claro que a discussão sobre os a existência e justificação dos direitos do homem abriu terreno para a ampliação da moralidade em relação a categorias relegadas anteriormente à indiferença, o que inclui, por exemplo, o caso dos escravos, estrangeiros, mulheres, crianças, portadores de deficiências físicas ou mentais, e animais não humanos. (LOURENÇO, 2016, p. 13). Diante dessas considerações, torna-se nítido que o biocentrismo mitigado foi o importante meio na consideração moral dos animais não humanos, o que se faz concluir que “a raiz do alarme ecológico reside no tipo de relação que os humanos, nos últimos séculos, entretiveram com a Terra e seus recursos: uma relação de domínio, de não reconhecimento de sua alteridade” (BOFF, 2000, p. 17), sobretudo em relação aos demais seres viventes. Para um maior esclarecimento, serão utilizadas, em seguida, as descobertas de Charles Darwin sobre a origem das espécies e a argúcia de Derrida, que “propõe o termo 32 “animot” para substituir o termo animal, buscando evidenciar a multiplicidade de seres animais e a complicação da tradicional distinção humano-animal” (PAIXÃO, 2013, p. 277), que fora traduzida num simples questionamento: “Que animal? O outro” (SÁ; NAVES, 2018, p. 401). 2.1.1 A multiplicidade de seres animais e as teorias de Derrida e Darwin Simultaneamente à conjectura de que somos humanos, podemos ser classificados, biologicamente, também como mamíferos, primatas e vertebrados, assim como todos os demais animais. No entanto, embora a utilização do termo animal tenha servido “como uma linha demarcatória para evidenciar dois grupos de seres: de um lado ‘seres humanos’ e do outro, ‘animais’, por mais que esse segundo grupo continue agregando seres tão diferentes” (MIGDGLEY, 1989, p. 1-2), ambos são completamente associados e interligados, possuindo, sobretudo, a mesma natureza animal. Seres humanos ou seres animais? Quem são os animais? “Com exceção dos que acreditam estar somente um pouco por debaixo dos anjos, a animalidade constitui o estrato central de nossa natureza: seguimos sendo primatas com celulares e computadores, somos todos animais” (FERNANDEZ, 2014, p. 1). Nesse raciocínio, desdobram-se, ao longo dos séculos, os mais aguçados levantamentos, não sóhistóricos, a exemplo da analogia pejorativa do Führer do III Reich em relação aos indesejados na manutenção da hegemonia alemã na Europa, mas também nos textos literários de Manuel Bandeira, utilizando a figuração do ser humano como um animal. O Führer do III Reich anunciava que mataria os judeus e outros indesejáveis “como piolhos” que eram. Seu regime seria o precursor do extermínio em larga escala de “vidas que não merecem viver” – doentes mentais no topo da lista que incluía uma série de doenças (supostamente) hereditárias. Ou ainda o bicho, de Manuel Bandeira –“o bicho, meu Deus, era um homem”. (OLIVEIRA, 2004, p. 248). Contudo, ao se analisar a natureza animal humana sob a ótica filosófica, tem-se que, “entre os filósofos contemporâneos continentais, Derrida é, de longe, o pensador mais útil e repleto de insights, no domínio das questões sobre a animalidade” (CALARCO, 2008, p. 137). Por sua vez, para o franco-argelino Jacques Derrida (1930-2004), o status ocupado pelo ser humano é também o de animal. Em uma de suas obras, Derrida (2002) narra que, ao buscar respostas para satisfazer sua dúvida sobre “quem era”, encontrou-se nu diante de sua gata que o observava firmemente, não conseguindo conter a vergonha que sentia de sua gata, diante de sua nudez. Nesse sentido, o filósofo define (não) em sentido metafórico, o que seria estar nu, sob o olhar 33 de “outro” animal. Frequentemente me pergunto, para ver quem sou eu – e quem sou eu no momento em que, surpreendido nu, em silêncio, pelo olhar de um animal, por exemplo os olhos de um gato, tenho dificuldade, sim, dificuldade de vencer um incômodo. (DERRIDA, 2002a, p. 15). Derrida (2002) trouxe ao público essas palavras no ano de 1997, durante a abertura do terceiro colóquio de Cerisy, sendo registradas, em 2002, no livro “O animal que logo sou 8 ” Ademais, o filósofo enfatiza a sua condição animal quando afirma o “mal-estar de um tal animal nu diante de outro animal, assim, poder-se-ia dizer uma espécie de animal- estar” (DERRIDA, 2002, p. 16). Nesse raciocínio, Derrida, na mesma obra, cita Nietzsche, que afirmava que o ser humano era um “animal” ainda indeterminado e prometedor: Ao passar as fronteiras ou os fins do homem, chego ao animal: ao animal em si, ao animal em mim e ao animal em falta de si-mesmo, a esse homem de que Nietzsche dizia, aproximadamente, não sei mais exatamente onde, ser um animal ainda indeterminado, um animal em falta de si-mesmo. Nietzsche diz também na Genealogia da moral, no começo da Segunda Dissertação, que o homem é um animal prometedor, pelo que ele entende, sublinhando estas palavras, um animal que pode prometer (das versprechen darf). A natureza ter-se-ia dado como tarefa criar, domesticar, "disciplinar" (heranzüchten) esse animal de promessas. (DERRIDA, 2002, p. 15). É mister ressaltar que Derrida, foi um dos poucos filósofos que considerou o olhar animal e a filosofia animalista como uma das mais importantes decisões nos tempos atuais, sobretudo, diante da crueldade dissimulada pelos seres humanos sobre os outros animais: Ninguém mais pode negar seriamente e por muito tempo que os homens fazem tudo o que podem para dissimular ou para se dissimular essa crueldade, para organizar em escala mundial o esquecimento ou o desconhecimento dessa violência que alguns poderiam comparar aos piores genocídios. (DERRIDA, 2002, p. 52). Em consonância com o pensamento do Papa Francisco sobre o antropocentrismo mitigado, Derrida (2004) destaca que a “violência industrial, científica e técnica não será suportável por muito tempo, de fato ou de direito contra os animais não humanos e tem assumido, nos últimos séculos, terríveis proporções, tornando-se subversivas” (DERRIDA, 2004, p. 82-83). No decurso dos dois últimos séculos, estas formas tradicionais de tratamento do animal foram subvertidas, é demasiado evidente pelos desenvolvimentos conjuntos de saberes zoológicos, etológicos, biológicos e genéticos, sempre inseparáveis, de técnicas de intervenção no seu objeto, de transformação de seu objeto mesmo, e do 8 L’ animal que donc je suis (2002). (Tradução nossa). 34 meio e do mundo de seu objeto, o vivente animal: pela criação e adestramento a uma escala demográfica sem nenhuma comparação com o passado, pela experimentação genética, pela industrialização do que se pode chamar a produção alimentar da carne animal, pela inseminação artificial maciça, pelas manipulações cada vez mais audaciosas do genoma, pela redução do animal não apenas à produção e à reprodução superestimulada (hormônios, cruzamentos genéticos, clonagem etc.) de carne alimentícia, mas a todas as outras finalidades a serviço de um certo estar e suposto bem-estar humano do homem. (DERRIDA, 2002, p. 51). Derrida (2002) trata a questão da filosofia animalista na atualidade como necessária e estratégica, pois na ótica do filósofo, embora existam "pessoas que sem dúvida viram, observaram, analisaram, refletiram o animal” (DERRIDA, 2002, p. 32), essas nunca se permitiram serem vistas pelo olhar de outro animal não humano. Trazendo como parâmetro a experiência de permitir-se ser visto sob o olhar de outro animal, no caso sua gata, a quem ele definira como “sujeito” de uma visão e não como objeto, Derrida levanta, sobretudo, o questionamento do próprio conceito de ser humano como sujeito do humanismo. Em sua Obra “O animal que logo sou”, Derrida (2002) reconhece e recorda o pensamento de Jeremy Bentham (1748-1832), um filósofo, jurista e economista “que nasceu em meados do século XVIII, sob a influência dos ideais iluministas e jusnaturalistas” (SÁ; NAVES, 2018, p. 403) o qual afirmava que, “talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos dos quais jamais poderiam ter sido privados, a não ser pela mão da tirania” (BENTHAM, 2017, p. 143), deixando claro que, assim como Derrida, ele se considerava parte da criação animal, salientando, sobretudo, a questão das minorias oprimidas e a igualdade da consideração de sentimentos como a dor: Os franceses já descobriram que o escuro da pele não é motivo para que um ser humano seja abandonado, irreparavelmente, aos caprichos de um torturador. É possível que algum dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele, ou a terminação do sacrum são motivos igualmente insuficientes para se abandonar um ser sensível ao mesmo destino. O que mais deveria traçar a linha insuperável? A faculdade da razão, ou, talvez, a capacidade de falar? Mas, para lá de toda comparação possível, um cavalo ou um cão adulto são muito mais racionais, além de bem mais sociáveis, do que um bebê de um dia, uma semana, ou até mesmo um mês. Imaginemos, porém, que as coisas não fossem assim; que importância teria tal fato? A questão não é, eles raciocinam? Eles podem falar? Mas sim, eles podem sofrer? (BENTHAM, 2017, p. 143-144). Dito isto, percebe-se que Bentham (2017) realmente se preocupa em erguer uma ética animal na promoção do bem, “considerando justificável a proteção especial dos animais pela necessidade de se proteger os interesses daqueles que também almejam a felicidade em razão da senciência” (SÁ; NAVES, 2018, p. 405). 35 É de suma importância frisar que animais humanos e não humanos, assim como são percebidos por Derrida, diferenciam-se, segundo as observações e os estudos do biólogo e cientista Charles Darwin 9 , apenas em grau e não em natureza, possuindo cada um, seu próprio processo evolutivo. A partir de sua obra “A origem das Espécies” (1859), Darwin derrubou tabus ao mostrar que todos os animais humanos e não humanos integram a mesma escala evolutiva, “retirando do pensamento filosófico, a hierarquia absoluta do homem na natureza, colocando- o numa cadeia de via, onde ele constitui mais uma espécie dentreinúmeras outras, cada qual com suas especificidades” (NOGUEIRA, 2012, p. 18). Foi assim que a teoria de Darwin sobre a evolução das espécies despertou “não somente uma mudança radical de nossa percepção 9 Charles Darwin (1809-1882) foi um naturalista inglês, autor do livro “A Origem das Espécies”. Formulou a teoria da evolução das espécies, anteviu os mecanismos genéticos e fundou a biologia moderna. É considerado o pai da “Teoria da Evolução das Espécies”. Charles Robert Darwin (1809-1882) nasceu em Shrewsburv, Inglaterra, no dia 12 de fevereiro de 1809. Filho de médico e neto de poeta, médico e filósofo, desde a infância revelou-se inteligente, arguto e observador, procurando compreender tudo que lhe ensinavam. Gostava de História Natural e fazia coleção de pedras, conchas, moedas, plantas, flores silvestres e ovos de pássaros. Com 16 anos, matriculou-se na Universidade de Edimburgo, onde seu irmão também estudava. Sem interesse em muitas aulas, acabou dedicando seu tempo a reuniões com outros estudantes, na Plinian Society, onde se discutiam Ciências Naturais. Apresentou ao grupo pequenas descobertas suas no campo da História Natural. Tinha pretensões de se tornar um religioso, foi para Cambridge e, depois de três anos, saía bacharel em Artes, continuando seus estudos para ser pastor. Em Cambridge, participou de reuniões e excursões botânicas, organizadas por John Stevens Henslow, clérigo, geólogo e botânico. Dedicava-se também à caça e à equitação. Travou relações com vários naturalistas. A leitura de livros de John Frederick William Herschel - astrônomo e físico inglês - despertou o desejo de contribuir para o desenvolvimento da História Natural. Com o geólogo Adam Sedgwick, fez uma excursão geológica ao Norte do País de Gales. Recebeu o convite de Henslow para participar, como naturalista, sem remuneração, de uma viagem a bordo do bergantim “Beagle”, que deveria durar três anos. A bordo do Beagle, a viagem durou cinco anos – de dezembro de 1831 a outubro de 1836. Darwin explorou as costas da América do Sul (Brasil, Patagônia, Terra do Fogo, Chile e Peru) e algumas ilhas dos mares do Sul. Todo material recolhido era despachado para o professor Henslow, para posterior estudo. Do Brasil, enviou dezenas de caixas de insetos. Da Austrália, ornitorrincos. Da Ilha dos Cocos, amostras de tipos raros de formação carbonífera. Das ilhas Galápagos, alguns animais que pareciam ser sobreviventes de épocas pré-históricas. De cada porto onde o Beagle atracava, seguiam para a Inglaterra algumas amostras. De volta à Inglaterra, com sólida reputação de geólogo e naturalista, viveu alguns anos em Cambridge e Londres, trabalhando ativamente em assuntos científicos, especialmente, na publicação dos resultados de sua viagem e na coleta de dados para sua teoria sobre a origem das espécies. Foi secretário da Geological Society. Em 29 de janeiro de 1839, Darwin casa-se com sua prima, Emma Darwin. Juntos tiveram 10 filhos, dos quais três, morreram prematuramente. Em 1842 mudou-se para Down, pois sua saúde exigia que fosse morar no campo. Nessa época, trabalhou com afinco, deixando grande contribuição científica nas suas obras: “A Variação de Animais e Plantas Domesticadas”, “A Descendência do Homem”, “A Formação do Húmus Vegetal pela Ação dos Vermes”, “As Diversas Formas de Fertilização de Orquídeas pelos Insetos”, “Plantas Insetívoras”, “O Poder do Movimento das Plantas”, entre outras. O principal tema das pesquisas de Charles Darwin sempre foi o problema da evolução. O naturalista foi formando sua teoria, segundo a qual as formas de vida evoluem lenta, mas continuamente através do tempo. No decorrer desse processo vai ocorrendo uma seleção natural – a sobrevivência do mais apto. Em 1859, Darwin lança seu livro “A Origem das Espécies por Via da Seleção Natural ou A Preservação das Raças Favorecidas na Luta pela Vida”. O livro teve sua primeira edição esgotada em um dia. Charles Darwin morreu de ataque cardíaco, em Downe, no condado de Kent, Inglaterra, no dia 19 de abril de 1882. Seu corpo foi sepultado na Abadia de Westminster, em Londres. (FRAZÃO, 2017, s.p). 36 acerca do mundo, senão que jugulou qualquer pretensa “superioridade” do existir humano” (FERNANDEZ; FERNANDEZ, 2014, p. 1). É fato que “a reação ao pensamento darwinista foi gigantesca, pois as implicações morais advindas do fato de que todos os seres vivos tinham uma origem biológica comum eram igualmente avassaladoras” (LOURENÇO, 2008, p. 274). Outra questão imperiosa foi o surgimento da Teoria da Seleção Natural de Darwin e da Teoria da Evolução, que o fez; ícone científico. Contudo, segundo Nogueira (2012), tais teorias, não eram esvaziadas de conteúdo valorativo, a exemplo da moral: A Teoria da Seleção Natural de Darwin, que o tornou inesquecível para a ciencia, afirmava que a natureza por si só seleciona as espécies mais fortes, adaptando-as ao meio ambiente, para a formação de novas espécies ao longo do tempo. Ela foi descrita em manuscritos de 1838-1844 e mais tarde publicada na obra citada. Mesmo sendo teorias cientificas, as teorias de Darwin não eram esvaziadas de conteúdo valorativo, como a moral. O próprio caráter desse homem impregnou a Teoria da Evolução, na qual afirmava que todos os seres possuem responsabilidade na cadeia evolutiva. Necessariamente, um ser vivo depende do outro para viver. (NOGUEIRA, 2012, p. 29). Nesse diapasão, Nogueira (2012) retomando a fala de Robert Wright, um jornalista americano, afirma que, “Darwin era um gentleman, capaz de se inflamar quando denunciava a escravidão e de perder o controle quando visse um cocheiro maltratando um cavalo” (NOGUEIRA, 2012, p. 29). Charles Darwin em muito contribuiu com a disseminação do Direito das Minorias e com pensamento biocêntrico ao demonstrar os semelhantes comportamentos e expressões nas emoções dos animais humanos e não humanos, trazendo como exemplo de seu estudo a observação das semelhanças comportamentais entre seres humanos (bebês) e não humanos (cavalos): A violência de um susto parece depender, em parte, da força da imaginação e em parte das condições, habituais ou momentâneas, do sistema nervoso. Quem observar a diferença entre os sustos de seu cavalo quando está cansado e quando está repousado, perceberá quão perfeita é a gradação entre um simples olhar para alguma coisa inesperada, com uma dúvida momentânea quanto ao perigo que apresenta, e um pulo tão rápido e violento que o animal dificilmente conseguiria reproduzi-lo se o desejasse. O sistema nervoso de um cavalo robusto e bem alimentado manda suas ordens ao sistema motor tão rapidamente que não há tempo para ele cogitar se o perigo é real. Depois de um susto violento, quando o cavalo está instigado e o sangue flui livremente em seu cérebro, ele fica muito suscetível a assustar-se de novo. E assim também ocorre, como pude observar, com os bebês. (DARWIN, s.d, p. 44). É fato que as teorias de Darwin “no mínimo refletem um sentimento de compaixão e preocupação com o semelhante” (NOGUEIRA, 2012, p. 29). Não obstante, 37 embora os animais não possuíssem moralidade humana, “Darwin identificou a solidariedade entre os animais, citando o exemplo dos corvos que alimentavam os compatriotas quando ficavam cegos, com zelo e afeição filial próprias da solidariedade” (NOGUEIRA, 2012, p. 29). Outro aspecto bastante relevante é que, embora Darwin trabalhasse diretamente com a ciência que se faz conhecidamente conflitante com a teologia, a sua formação teórica eclesiástica não o impediu de ser um cientista e de encontrar justificativas para tratar a natureza com moralidade, como foi o caso de sua Teoria da Origem das Espécies, onde o mesmo ratificou a descendência divina de todas as espécies e sua origem comum: Na época de Darwin, já se havia modernizado a ideia de que
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