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DESAFIOS E PERSPECTIVAS DOS DIREITOS DOS ANIMAIS NA FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA UMA ABORDAGEM DA LEGISLAÇÃO NO MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO

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ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO 
 
 
 
 
Andréia de Oliveira Bonifácio Ramos 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DESAFIOS E PERSPECTIVAS DOS DIREITOS DOS ANIMAIS NA FAMÍLIA 
CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA: UMA ABORDAGEM DA LEGISLAÇÃO NO 
MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Belo Horizonte 
2018 
 
Andréia de Oliveira Bonifácio Ramos 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Desafios e perspectivas dos direitos dos animais na família contemporânea brasileira: 
Uma abordagem da legislação no mundo em transformação 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Direito da Escola Superior Dom 
Helder Câmara como requisito parcial para a 
obtenção do título de Mestra em Direito. 
 
Orientador: Prof. Dr. Sébastien Kiwonghi Bizawu 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Belo Horizonte 
2018 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Bibliotecário responsável: Anderson Roberto de Rezende CRB6 - 3094 
 
 
RAMOS, Andréia de Oliveira Bonifácio. 
 R175d Desafios e perspectivas dos direitos dos animais na família 
contemporânea brasileira: uma abordagem da legislação no mundo 
em transformação/ Andréia de Oliveira Bonifácio Ramos. – Belo 
Horizonte, 2018. 
187 f. 
 
Dissertação (Mestrado) – Escola Superior Dom Helder Câmara. 
Orientador: Prof. Dr. Sébastien Kiwonghi Bizawu 
Referências: f. 170 – 187 
 
1. Direito dos animais. 2. Dignidade dos animais. 3. Guarda 
compartilhada. 4. Bizawu, Sébastien Kiwonghi. ll. Título 
 
 
CDU 351.765(043.3) 
 
ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA 
Andréia de Oliveira Bonifácio Ramos 
 
 
 
 
 
 
DESAFIOS E PERSPECTIVAS DOS DIREITOS DOS ANIMAIS NA FAMÍLIA 
CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA: UMA ABORDAGEM DA LEGISLAÇÃO NO 
MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Direito da Escola Superior Dom 
Helder Câmara como requisito parcial para a 
obtenção do título de Mestra em Direito. 
 
Orientador: Prof. Dr. Sébastien Kiwonghi Bizawu 
 
 
 
Aprovada em: 
 
 
_______________________________________________________ 
Orientador: Prof. Dr. Sébastien Kiwonghi Bizawu 
Escola Superior Dom Helder Câmara 
 
 
_______________________________________________________ 
Professor Membro: Prof. Dr. João Batista Moreira Pinto 
Escola Superior Dom Helder Câmara 
 
 
_______________________________________________________ 
Professor Membro: Prof. Dr. Bruno Wanderley Junior 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Belo Horizonte 
2018 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Este trabalho é dedicado aos animais não humanos e à sua merecedora proteção 
jurídica.” 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
Agradeço primeiramente a Deus pelo dom da vida e pela oportunidade da feitura e 
da conclusão deste trabalho. 
À minha família... Em especial ao meu pai Otorino, pelo apoio e auxílio 
incondicional no caminhar da vida acadêmica; à minha mãe Eunice, pelo amor e ternura 
empreendidos nos momentos difíceis; à minha segunda mãe Selma, a quem de forma 
igualitária aos seus filhos sempre me tratara; ao meu esposo André e à sua família, pelo 
incentivo e encorajamento em relação à minha escolha pela vida acadêmica; aos meus 
queridos irmãos Cleriston e Douglas, companheiros amados de uma longa jornada de vida. 
Agradeço, em separado, aos meus sobrinhos Fernando e Guilherme, por me convencerem a 
acreditar no potencial das futuras gerações como guardiãs das vidas dos animais não humanos 
e da Pachamama. 
Ao meu orientador e amigo que tanto me incentivou na feitura do mestrado, 
Professor Dr. Sébastien Kiwonghi Bizawu, com quem há anos divido momentos de dúvidas, 
decisões, desafios, alegrias e conquistas, alertando-me para a causa jurídico-animal, o que 
contribuiu para que me tornasse um ser humano mais inclusivo. 
Ao meu mentor e amigo, Professor Dr. João Batista Moreira Pinto, que confiou no 
potencial do meu trabalho como estagiária docente, apresentando-me experiências 
extremamente gratificantes nas jornadas com os alunos em sala de aula, tendo sido, também, 
rocha de carinho e apoio aos estudos de Filosofia do Direito, o que contribuiu para o 
afloramento de um maior senso de justiça e dos Direitos Humanos. 
Aos professores da ESDHC, Bruno Torquato de Oliveira Naves, Pedro Andrade 
Matos e José Cláudio Junqueira, pelos frutíferos ensinamentos e por compartilharem comigo 
algumas ideias em comum. E, ainda, ao Professor Dr. Bruno Wanderley Junior pela 
disponibilidade em compor a banca como professor membro convidado. 
As secretárias do Programa de Pós Graduação da mesma instituição - Isabel, 
Rosely e Danielle - às quais, mais tarde, tornariam-se “parceiras” da casa, agradeço pela 
excelência nos trabalhos prestados. Aos amigos e colegas da ESDHC, por caminharem pari 
passu por bons e maus momentos e também à FAPEMIG, pelo apoio financeiro. 
Às especiais companheiras da vida - Lorena Renalle, Maria Lúcia Fernandes e 
Ana Gabriela – agradeço pela compreensão nos momentos de ausência e por acreditarem nos 
meus sonhos profissionais. Por fim, um “muito” obrigado ao Snoopy e a tantos outros animais 
não humanos, por me ensinarem a amar outras espécies da forma mais pura e honrada. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Toda verdade passa por três estágios. 
No primeiro, ela é ridicularizada. 
No segundo, é rejeitada com violência. 
No terceiro, é aceita como evidente por si própria.” 
 
Arthur Schopenhauer 
 
RESUMO 
 
O tema da presente dissertação se atém ao estudo da possibilidade da concessão de dois dos 
institutos jurídicos civilistas brasileiros: o da guarda compartilhada e o da pensão alimentícia 
para animais não humanos membros da família multiespécie. Todavia, outra questão a ser 
analisada é a necessária implementação de dispositivo legal que passe a definir animais não 
humanos como sujeitos de direito diante da comprovação científica de que são dotados de 
sensibilidade. Com o intento de alcançar o objetivo proposto, este estudo se voltará, num 
primeiro momento, para a evolução histórica da relação entre seres humanos e animais. 
Posteriormente, para finalidade comparativa legal, serão expostas normas externas e internas 
que versam sobre a proteção dos animais não humanos, mostrando que os dispositivos legais 
brasileiros encontram-se, demasiadamente, defasados no que concerne ao assunto. Observar-
se-á que, os animais não humanos membros da família multiespécie, têm integrado, em maior 
número, o núcleo daquele seio familiar constituído no casamento e na união estável, em 
consequência disso, quando há ruptura do vínculo conjugal, surgem demandas ao Poder 
Judiciário para resolução dessas lides, que são esmagadoramente relativas às questões que 
envolvem a concessão de guarda e pensão alimentícia para os membros não humanos do seio 
familiar dissoluto. O objetivo geral da pesquisa é analisar a possibilidade da concessão de 
guarda compartilhada e pensão alimentícia para animais não humanos membros da família 
multiespécie, bem como a necessária implementação de norma jurídica que reconheça os 
animais não humanos no Brasil como sujeitos de direitos não humanos despersonalizados. 
Como justificativa para o tema escolhido, aponta-se o reconhecimento da presença de 
senciência e consciência nos animais não humanos, a partir da Declaração de Cambridge e de 
outros estudos científicos, tornando descabida a definição legal de coisas ou bens, para os 
mesmos. O presente estudo, amparou-se na metodologia jurídico-teórica documental, 
utilizando-se da técnica de pesquisa dedutiva estruturada em doutrinas, jurisprudências, 
decisões, julgados, normas esobretudo, outras fontes científicas não jurídicas, como a 
Biologia, História, Medicina Veterinária, Sociologia, Filosofia, Teologia e Psicologia. 
 
Palavras-chave: Animais não humanos; Sujeitos de direito; Família multiespécie; Guarda 
compartilhada; Pensão alimentícia. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
The theme of this dissertation is devoted to the study of the possibility of granting two of the 
Brazilian civilian legal institutes: shared custody and alimony for nonhuman animals 
members of the multispecies family. However, another question to be analyzed is the 
necessary implementation of a legal device that defines non-human animals as subjects of 
law, on the basis of scientific proof that they are endowed with sensitivity. In an attempt to 
reach the proposed goal, this study will focus, first, on the historical evolution of the 
relationship between humans and animals. Subsequently, for legal comparative purposes, 
external and internal standards on the protection of non-human animals will be exposed, 
showing that Brazilian legal provisions are too far behind in the matter. It will be noted that 
non-human members of the multispecies family have, in greater numbers, integrated the 
nucleus of that family bosom constituted in wedding and in the stable union, as a 
consequence, when there is a rupture of the conjugal bond, to Power Judiciary resolve these 
disputes, which are overwhelmingly related to issues involving the granting of custody and 
alimony to nonhuman members of the dissolute family. The general objective of the research 
is to analyze the possibility of granting shared custody and alimony for non-human animals 
members of the multispecies family, as well as the necessary implementation of legal norm 
that recognizes nonhuman animals in Brazil as subjects of depersonalized nonhuman rights. 
As justification for the chosen theme, we point out the recognition of the presence of 
sentience and consciousness in nonhuman animals, from the Cambridge Declaration and other 
scientific studies, making the legal definition of things or goods for them uncalled for. The 
present study was based on the documental legal-theoretical methodology, using the 
technique of deductive research structured in doctrines, jurisprudence, decisions, judgments, 
norms and above all other non-legal scientific sources such as Biology, History, Veterinary 
Medicine, Sociology, Philosophy, Theology and Psychology. 
 
Keywords: Non-human animals; Subjects of rights; Multispecies Family; Shared guard; 
Alimony. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE FIGURAS 
 
Figura 1 – O Homem Vitruviano .............................................................................................. 22 
Figura 2 – Vivissecção ............................................................................................................. 50 
Figura 3 – Cuidado parental ..................................................................................................... 67 
Figura 4 – A senciência nos primatas ....................................................................................... 70 
Figura 5 – Vaquejada ................................................................................................................ 88 
Figura 6 – Registro Integral de Declaração de Guarda Animal ............................................ 157 
 
 
LISTA DE QUADROS 
 
Quadro 1 – Humanos representam apenas 0,01% de toda vida no planeta .............................. 54 
Quadro 2 – Abelhas e a compreensão do conceito de zero ...................................................... 66 
 
 
 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
 
Abinpet – Associação Brasileira da Indústria de Produtos Para Animais de Estimação 
ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade 
ADPF – Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 
Anoreg – Associação dos Notários e Registradores do Brasil 
Art. – Artigo 
AVMA – Associação Americana de Medicina Veterinária 
C.C – Código Civil 
CDC – Código de Defesa do Consumidor 
CF – Constituição Federal 
CP – Código Penal 
CNJ – Conselho Nacional de Justiça 
EC – Emenda Constitucional 
ECA – Estatuto Nacional da Criança e do Adolescente 
Geda – Grupo de Estudos de Ética e Direito Animal 
HC – Habeas Corpus 
IARC – Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer 
IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família 
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 
Labea – Laboratório de Bem Estar Animal 
Min. – Ministro 
MP – Ministério Público 
MPF – Ministério Público Federal 
nº – número 
OMS – Organização Mundial de Saúde 
ONG – Organização Não Governamental 
p. – Página 
Peta – Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais 
PL – Projeto de Lei 
RE – Recurso Extraordinário 
Resp – Recurso especial 
Séc. – Século 
s.p – Sem página 
 
s.d – Sem data 
STF – Supremo Tribunal Federal 
STJ – Superior Tribunal de Justiça 
STF – Supremo Tribunal Federal 
USP – Universidade de São Paulo 
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 15 
2 A HISTORICIDADE DA RELAÇÃO DE SERES HUMANOS COM ANIMAIS ... 21 
2.1 O antropocentrismo e o biocentrismo ........................................................................... 21 
2.1.1 A multiplicidade de seres animais e as teorias de Derrida e Darwin ............................ 32 
2.2 Da alteridade de Lévinas à outridade de Derrida: um novo ethos civilizacional ...... 37 
2.3 Os animais não humanos na teoria de Peter Singer ..................................................... 44 
2.4 A Declaração de Cambridge sobre a consciência e senciência animal ....................... 58 
2.4.1 O recorte ontológico da biologia dos animais não humanos e a dubiez jurídica .......... 61 
3 OS ANIMAIS NÃO HUMANOS NAS LEGISLAÇÕES ............................................ 72 
3.1 A proteção internacional dos animais não humanos .................................................... 72 
3.2 A proteção dos animais não humanos nas leis estrangeiras ........................................ 75 
3.2.1 Os grandes símios nos julgados argentinos .................................................................... 79 
3.3 A proteção dos animais não humanos no Brasil ........................................................... 82 
3.3.1 Os animais não humanos nas normas infraconstitucionais brasileiras ......................... 90 
3.3.2 Os grandes símios no Brasil: O caso Suíça e o Direito Animal ..................................... 99 
3.3.3 Os animais não humanos como sujeitos de direito ....................................................... 108 
4 OS ANIMAIS NÃO HUMANOS NA FAMÍLIA BRASILEIRA .............................. 114 
4.1 O reconhecimento da família multiespécie.................................................................. 114 
4.1.1 Os animais não humanos no casamento e na união estável ......................................... 128 
4.2 O instituto jurídico do divórcio e a dissolução da união estável ............................... 139 
4.2.1 A guarda como atributo do poder familiar e a pensão alimentícia .............................. 144 
4.2.2 A concessão de guarda compartilhada e pensão alimentícia para os animais não 
humanos no Brasil: uma abordagem de casos concretos .......................................... 153 
4.3 A possibilidade da concessão de guarda compartilhada e pensão alimentícia para os 
animais não humanos no Brasil: o uso da analogia no Direito brasileiro ................ 159 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 165 
6 REFERÊNCIAS ............................................................................................................171 
15 
1 INTRODUÇÃO 
 
Um dos temas mais recorrentes e inusitados nos anais da justiça brasileira 
encontra-se envolto na questão dos animais não humanos no ordenamento jurídico brasileiro e 
no descompasso entre o tratamento legal e o social que esses vêm adquirindo na hodierna 
sociedade brasileira, gerando, desse modo, discussões sobre casos relativos ao registro de 
guarda dos mesmos em cartório, passando pela vivissecção, entre outras questões. 
A sociedade, influenciada pela globalização, tem evoluído constantemente e vem 
vivenciando recorrentes mudanças culturais e históricas, ambas, geradoras de novas 
formações familiares, como é o caso da família multiespécie, que nasce sobretudo, da afeição 
interespécies, em outras palavras, da afeição entre seus integrantes humanos e não humanos, 
vindo a ser inclusive, judicialmente reconhecida. 
Torna-se claro que, apesar da manutenção da tradicional família patriarcal, 
surgem novos arranjos familiares protegidos pela Constituição Federal (CF) de 1988, como é 
o caso da união estável, da monoparentalidade, etc... Ademais, deve considerar-se que, nos 
núcleos dessas e de outras formações familiares, podem estar inseridos os animais não 
humanos, fazendo-se presentes, inclusive em maior número, naquela família multiespécie 
constituída no casamento e na união estável e que, quando dissoluta, demanda ao Poder 
Judiciário, resoluções dos conflitos de origem esmagadora, instituídos na concessão de guarda 
e pensão alimentícia. 
Contudo, insta mencionar que, apesar da Declaração Universal dos Direitos dos 
Animais (1978) e da Declaração de Cambridge (2012), o Brasil, em seu Código Civil (C.C) 
vigente, diferentemente de outros países que já reconhecem animais não humanos como seres 
sencientes, adota a categorização de coisas ou bens para os mesmos, fator este que coloca o 
julgador diante de lacunas legislativas, recorrendo para tanto, à outras fontes do Direito como 
é o caso da analogia para a resolução desses casos. 
Diante da realidade que salta aos olhos, uma vez que o Brasil é um dos países 
mais populosos em relação a animais de estimação, os quais em grande maioria ocupam 
lugares de sujeitos, sobretudo na família multiespécie, torna-se inquestionável o contrassenso 
da lei infraconstitucional definindo animais como coisas ou bens, quando na verdade também 
são seres dotados de sensibilidade. Nesse diapasão, torna-se necessária a análise acerca da 
reformulação legal que versa sobre animais não humanos no Brasil, a fim de que haja 
adequação normativa aos casos concretos, assim, por consequência, o julgador ao ser 
16 
demandado nessas questões sobre guarda e pensão alimentícia para animais não humanos 
membros da família multiespécie, contaria com um maior direcionamento legislativo. 
O objetivo geral desta pesquisa é analisar a possibilidade da extensão da 
concessão de dois dos institutos jurídicos do ordenamento civilista brasileiro, o da guarda 
compartilhada e o da pensão alimentícia para os animais não humanos integrantes da família 
multiespécie, bem como a verificação da necessidade de definição legal dos animais não 
humanos no Brasil como sujeitos de direitos não humanos despersonalizados. 
Em relação aos objetivos específicos, este estudo busca discutir a historicidade do 
antropocentrismo, fundado na relação entre seres humanos e animais, até se chegar ao 
reconhecimento do biocentrismo, o que marca o vínculo interespécie diante de um novo ethos 
civilizacional, trazendo a perspectiva da outridade. Além disso, são abordadas; a Declaração 
de Cambridge (2012) e a Declaração Universal dos Direitos dos Animais (1978) que são 
influenciadoras diretas, de novas perspectivas legislativas para os animais não humanos no 
aspecto global. Nesse raciocínio, aborda-se que, a partir de novas constatações científicas, 
animais não humanos são detentores de variados graus de complexidade de senciência e 
consciência, devendo o Poder Judiciário portanto, primar pelo Princípio da Precaução nas 
atuais decisões que os envolvam. 
Procura-se, também, através da exposição de documentos legais internacionais e 
nacionais, uma comparação normativa, levando-se a acreditar que, diante de uma realidade 
indiscutível, a definição legal de coisas ou bens para os animais não humanos no Brasil 
encontra-se totalmente defasada em relação às demais legislações externas. Nesse sentido, 
destacam-se casos concretos e julgados, bem como a nova posição adquirida pelos animais na 
sociedade hodierna brasileira, fruto de evoluções sociológicas, históricas e culturais, que 
deram origem a novas constituições familiares, como é o caso da família multiespécie, que 
considera esses seres viventes como membros do seio familiar, imputando-lhes, inclusive, 
tratamento de sujeitos. 
A partir das questões apresentadas, desdobram-se demandas ao Poder Judiciário 
chamando atenção às novas possibilidades jurídicas diante de um Direito não estático. Assim, 
considerando as questões inéditas, chega-se à importância do ensino de novos Direitos, como 
é o caso do Direito Animal, abrindo margem, inclusive, para discussões sobre a necessária 
reformulação legal, a fim de que sejam sanadas as necessidades da sociedade contemporânea 
brasileira, principalmente, no que diz respeito ao tratamento que deve ser dispensado a 
animais não humanos no Brasil. 
17 
Perante as transformações sociojurídicas que envolvem os animais não humanos 
no Brasil, emergem alguns questionamentos tais como: É possível a consideração jurídica da 
família multiespécie? Considerando os dois institutos jurídicos do direito de família - 
concessão de guarda compartilhada e pensão alimentícia-, em caso de divórcio ou dissolução 
da união estável, seria possível, a extensão de tais institutos para os animais não humanos 
membros da família multiespécie? Diante do lugar que os animais vêm ocupando na 
sociedade brasileira contemporânea e da imperiosa comprovação de variados graus de 
complexidade de consciência e senciência nos mesmos, devem esses não ser mais definidos 
como coisas ou bens? No que tange à extensão da concessão de guarda e pensão alimentícia 
para os animais não humanos membros da família multiespécie, poderia o julgador concedê-
las diante de lacuna legislativa? Ou ainda, o reconhecimento de animais não humanos como 
sujeitos de direito não humanos despersonalizados facilitaria o julgamento dos operadores em 
relação a esses casos? 
Na finalidade de conseguir respostas satisfatórias às referidas perguntas, será 
empregada, neste estudo, uma pesquisa a partir de fontes bibliográficas e de análises de 
artigos científicos físicos e eletrônicos, bem como a consulta de decisões, de julgados e de 
legislações. Para tanto, foram adotados os métodos teórico documental e bibliográfico, 
utilizando-se da técnica dedutiva. 
O tema aludido será trabalhado em diferentes capítulos. Nos capítulos 1 e 2 
ocorrem a sustentação jusfilosófica, histórica, interdisciplinar e uma abordagem legislativa 
para uma melhor compreensão da temática. Já no terceiro capítulo, busca-se, juntamente com 
a conclusão, responder as questões propostas na presente pesquisa. 
Vale ressaltar que no Capítulo 2, intitulado “A historicidade da relação de seres 
humanos com animais”, aborda-se o historicismo do vínculo de seres humanos com animais, 
transacionando da perspectiva antropocêntrica reafirmada pela figura do ser humano, 
desenhado por Da Vinci no centro do Universo, descortinando a ideia do humanismo 
renascentista, reforçado pela interpretação e apresentação inadequada da antropologia cristã. 
Foram utilizadas, também, abordagens do Papa Francisco, de Santo Agostinho e São 
Francisco de Assis. 
A pesquisa, no geral, atenta-se para a perda da força do antropocentrismo, a partir 
da revolução copernicana teorizada por Copérnico e Galileu, capaz de demonstrar ao ser 
humano dominador, uma nova realidade: a do responsável pelasalvaguarda das demais 
criaturas, que segundo Darwin, são, possuidoras da mesma origem natural e escala evolutiva 
dos animais humanos, o que desmistificara por conseguinte, o suposto lugar privilegiado 
18 
ocupado pelos seres humanos no Universo. Em seguida, o estudo contempla a evolução do 
pensamento biocêntrico através de diversas correntes, como a de Nogueira (2012) e a de 
Lourenço (2008), que primam pelo biocentrismo, em específico, o mitigado. 
Da mesma maneira, aponta-se uma integralização do ser humano ao reino animal, 
permitindo-se ser visto, inclusive, pelo olhar de “outro” animal não humano, conforme esboça 
Derrida (2008) ao atentar para uma reflexão filosófica não estritamente centralizada no “ser”, 
mas, sobretudo no “Outro”. Para tanto, diante da crise ambiental e do ethos civilizacional 
assegurado por Leff (2010), utiliza-se da desconstrução da alteridade de Lévinas (2000), da 
qual se origina a perspectiva da outridade derridiana, afirmadora da responsabilidade 
assimétrica interespécies humanas e não humanas, sendo ambas possuidoras de senciência e 
consciência, reconhecidas a partir da Declaração de Cambridge no ano de 2012. 
Outrossim, utilizam-se as teorias de Singer (2002) sobre a dignidade, o bem-estar 
animal e a igualdade da consideração de interesses. Nesse diapasão, Molento (2006) se vale 
da afirmação da observância do Princípio da Precaução como algo necessário nas decisões 
judiciais proferidas pelo Poder Judiciário, não pela demonstração da inexistência de 
sensibilidade nos animais não humanos, mas, sobretudo diante da afirmação cientifica da 
existência de variados níveis de senciência e consciência, nas milhares espécies animais. 
No Capítulo 3, intitulado “Os animais não humanos nas legislações”, é abordada a 
exposição da proteção internacional dos animais não humanos, discutindo-se também, as 
aferições de normas estrangeiras de alguns países como; Alemanha, Áustria, Portugal e 
França, além dos peculiares julgados e decisões, que vêm ocorrendo em prol dos grandes 
símios em diversos países do mundo, a exemplo da Argentina. Interpela-se ainda, o conceito 
constitucional do animal que possui abordagem relativamente diferente em relação às normas 
infraconstitucionais brasileiras, o que demonstra, claramente, uma tensão legislativa. 
Faz-se, nesta pesquisa, uma comparação de documentos jurídicos internacionais 
com as leis brasileiras que versam sobre animais não humanos, classificando-os como coisas 
ou bens. Isso remete à analogia do plano cartesiano de animais com máquinas, levando-se a 
perceber que tais leis se encontram totalmente defasadas, em contrapartida às normas 
externas, que, já reconhecem animais não humanos, como seres viventes dotados de 
sensibilidade. 
É imperiosa a constatação de que, no aludido capítulo, é abordado um dos pontos 
cruciais do trabalho: o da necessária implementação de dispositivo legal que reconheça os 
animais como sujeitos de direito não humanos despersonalizados, considerando, sobretudo, a 
19 
Declaração Universal dos Direitos dos Animais a Declaração de Cambridge e outras tantas 
investigações científicas. 
Aborda-se, em seguida, as novas perspectivas jurídicas envolvendo os animais 
não humanos, como é o caso do Habeas Corpus (HC) ocorrido no Brasil, em favor da 
chimpanzé Suíça, evidenciando a importância do estudo do Direito Animal que surge no 
cenário jurídico em crise, quando as tradicionais disciplinas dos cursos de Direito não são 
suficientes para elucidação de dúvidas que surgem tanto nos corpos discentes como nos 
docentes, das mais variadas escolas de Direito do país. 
Além desses aspectos já citados, passa-se ao ponto do lugar diferenciado e 
evidente que os animais não humanos vêm adquirindo na sociedade brasileira hodierna, 
promovendo questões jurídicas inéditas, como é o caso da extensão da comunidade moral aos 
não humanos, teorizada por Singer (2002). Desse modo, utilizando-se dos ensinamentos de 
Cruz (2006), devem os operadores jurídicos despir-se de (pré) conceitos e dogmas para novas 
aberturas de discussões e julgamentos que nem sempre se encontram positivados diante da 
ciência jurídica não estática, que é o Direito, e das constantes adaptações que sofre para se 
moldar às necessidades sociais. 
Já o Capítulo 4, intitulado “Os animais não humanos na família brasileira”, 
versará acerca do reconhecimento dos Direitos das Minorias, expondo a proteção 
constitucional em relação à pluralidade de novas constituições familiares, como é o caso da 
família multiespécie, caracterizada no eudemonismo, ou seja, por laços de afetividade entre 
seres humanos e animais, sendo estes considerados integrantes não humanos daquele núcleo 
familiar. 
Para tanto, são explanadas as mudanças sociológicas, culturais e históricas que 
vem ocorrendo na família contemporânea brasileira, as quais têm substituído filhos humanos 
por não humanos, levando em consideração questões psicológicas, como é o caso da solidão, 
que tem assolado o mundo globalizado. Assim, através de dados colhidos, torna-se possível 
afirmar que é crescente o número de animais que vem integrando a família multiespécie, 
tornando-se, em maior número, inclusive, naquelas instituídas a partir do casamento e da 
união estável. Que, quando dissolutas, demandam ao Poder Judiciário, a resolução desses 
conflitos que têm envolvido geralmente, a concessão de guarda e pensão alimentícia para os 
integrantes não humanos daquele seio familiar. 
Verifica-se que os magistrados, ao encontrarem-se diante de normas que definem 
animais como coisas ou bens no ordenamento jurídico pátrio, deparam-se com lacunas 
legislativas, pois, por não serem os animais não humanos, sujeitos de direito, esses não 
20 
poderiam figurar no polo passivo de processo envolvendo a concessão de guarda e de pensão 
alimentícia. Com isso, alguns magistrados, ao julgarem esses casos, têm agido de forma 
arbitrária, podendo ocasionar inseguranças processuais e jurídicas. 
Neste cerne, será enfrentada a questão da possibilidade de concessão de guarda 
compartilhada e pensão alimentícia para os animais não humanos membros da família 
multiespécie brasileira, recorrendo da análise de casos concretos, de doutrinas, de normas, de 
decisões, de julgados e, sobretudo, de outras fontes do Direito. 
O presente estudo amparou-se nas metodologias jurídico-teórica documental e 
bibliográfica, utilizando-se da técnica de pesquisa dedutiva estruturada em doutrinas, 
jurisprudências, decisões, julgados, normas e, sobretudo, outras fontes científicas não 
jurídicas, como a Biologia, História, Medicina Veterinária, Sociologia, Filosofia, Teologia e 
Psicologia. 
 
21 
2 A HISTORICIDADE DA RELAÇÃO DE SERES HUMANOS COM ANIMAIS 
 
Desde os primórdios, seres humanos e animais sempre tiveram uma relação de 
proximidade, fosse essa fundada na dominação ou na domesticação. Nesse sentido, ambas as 
espécies jamais poderiam ter suas histórias contadas separadamente, considerando-se 
principalmente as questões de dependência, subsistência e sobrevivência. 
No entanto, no decorrer dos anos, essa relação sofreu diversas modificações, 
descortinando uma parceria interespécie e uma gradativa transição do pensamento 
antropocêntrico para o biocêntrico, e específico o mitigado, o que ocorreu, principalmente, a 
partir de novas descobertas científicas que desmistificaram o suposto lugar privilegiado 
ocupado pelo ser humano no Universo. 
Nesse cenário, revelou-se através de teorias como a de Darwin, que seres 
humanos e animais teriam não só a mesma origem natural, mas também a mesma 
descendência do reino animal, apresentando-se inclusive, duas terminologias biológicas, quais 
sejam as de; (animais humanos) e (animais não humanos). 
 
2.1 O antropocentrismo e o biocentrismo 
 
O antropocentrismo, advindo do grego anthropos (humano) e kentron (centro)
1
 
fez-se marcado pela visão persistente de que o ser humanofigura no centro do Universo e dos 
cosmos, possuindo como prioridade no mundo, seus objetivos e interesses, 
independentemente de qualquer interação com o meio. 
É fato que o pensamento antropocêntrico, apesar de enraizado na filosofia grega 
antiga, encontrou afeição no período do humanismo renascentista
2
, quando o ser humano 
passaria por significantes mudanças comportamentais, mais propriamente, uma transição entre 
teocentrismo
3
 e antropocentrismo. Representando o pensamento antropocêntrico, podemos 
 
1
 Antropocentrismo (do grego anthropos, "humano"; e kentron, "centro") é uma concepção que considera que a 
humanidade deve permanecer no centro do entendimento dos humanos, isto é, o universo deve ser avaliado de 
acordo com a sua relação com o Homem, sendo que as demais espécies, bem como tudo mais, existem para 
servi-los. (UNIONPÉDIA, s.d, s.p). 
2
 O humanismo buscou a valorização da condição humana sobre todas as coisas, tendo início em meados do 
Sec.XIV, na Itália, juntamente com o Renascimento. Foi marcado pelo rompimento com o teocentrismo, 
passando a conceder espaço para o antropocentrismo. 
3
 O teocentrismo, do grego theos (“Deus”) e kentron (“centro”), é a concepção segundo a qual Deus é o centro 
do universo, tudo foi criado por ele, é dirigido por ele e não há outra razão além do desejo divino sobre a vontade 
humana. (PORTALSÃOFRANCISCO, s.d, s.p). 
22 
expor a famosa ilustração denominada de “O Homem Vitruviano
4
” feita no ano de 1490, pelo 
pintor Leonardo da Vinci: 
 
Figura 1 - O Homem Vitruviano 
 
 Fonte: Academia de Filosofia, (s.d, s.p). 
 
Embora Leonardo da Vinci fosse conhecido pelos seus trabalhos multifacetários, 
como foi “O Homem Vitruviano” retratando o pensamento da época, pode-se afirmar que o 
mesmo era um árduo protecionista dos animais e, embora tivesse “utilizado animais em seus 
estudos anatômicos, o apreço por esses ficou registrado no seu estilo de vida vegetariano, nas 
fábulas que escreveu, nos gatos que desenhou, nos cavalos que estudou” e, ainda, nos 
pássaros engaiolados que comprava só para dar-lhes a liberdade, uma vez que considerava 
insuportável vê-los presos (NOGUEIRA, 2012, p. 26). Da Vinci, como afirma Nogueira 
(2012), foi considerado um gênio pela história. Ele realizava tarefas defensivas aos animais, 
que eram significativas para uma época em que, o humano era considerado o Centro do 
Universo. Ao pintor é atribuída a frase: “Chegará o dia em que todo homem conhecerá o 
íntimo de um animal. E neste dia, todo o crime contra o animal será um crime contra a 
humanidade” (NOGUEIRA, 2012, p. 26). 
 É importante ressaltar que o Universo redesenhado em torno da figura do homem 
retrata o antropocentrismo, que dera origem ao pensamento humanista-renascentista, trazendo 
à tona interesse pelos valores do indivíduo de um modo desconhecido da antiguidade ou na 
Idade Média, conforme assegura Shmidt (2005): 
 
Os pensadores renascentistas se identificavam com o chamado humanismo, que 
eram defensores da visão antropocêntrica. Os humanistas se preocupavam em 
recuperar obras gregas e romanas antigas que tinham sido esquecidas […] Os 
humanistas renascentistas se interessavam pelos valores do indivíduo de um modo 
desconhecido da antiguidade ou na Idade Média. Exemplo o filósofo Michael de 
 
4
 O Homem vitruviano é uma representação do que é o Antropocentrismo. (UNIONPÉDIA, s.d, s.p). 
23 
Montaigne, que escreveu um livro cujo tema era sua própria existência. (SHMIDT, 
2005, p. 135). 
 
É imperiosa a constatação de que o pensamento antropocêntrico faz do humano o 
centro do Universo, sustentando, em relação aos demais seres não humanos, uma visão 
basicamente utilitarista e cartesiana, o que os tornam regidos à mera satisfação humana: 
 
O antropocentrismo é uma concepção genérica, em síntese, que faz do Homem o 
centro do Universo, ou seja, a referência máxima e absoluta dos valores (verdade, 
bem, destino último, norma última e definitiva, etc.) de modo que ao redor desse 
centro, gravitem todos os demais seres por força de um determinismo fatal. Tanto a 
concepção quanto o termo provêm da filosofia. (MILARÉ, 2008, p. 100). 
 
 É fato que, “sob o paradigma do antropocentrismo, os animais são considerados 
em razão da sua utilidade para a humanidade, e não como um fim em si mesmos” (MÓL, 
2016, p. 14). Desse modo, pode-se afirmar que essa relação de domínio dos seres humanos 
sobre outros animais e entre os próprios humanos mais “enfraquecidos”, além de acarretar 
terríveis relações sociais, tem alterado o meio ambiente, subjulgado os demais animais e 
colocado em risco não só o ecossistema, mas também o socioambientalismo. Embora a 
relação entre ambos seja marcada pela persistente dominação por parte dos seres humanos 
sobre os animais, suas histórias jamais poderiam ser contadas em separado, pois como afirma 
Nogueira (2012), existem registros dessa relação, desde o processo civilizatório: 
 
O primeiro animal a que se tem registro é o cão, há aproximadamente 12.000 anos, e 
posteriormente o gato. Em 2004, arqueólogos franceses encontraram na ilha de 
Chipre uma ossada humana ao lado de um gato, datado de 9.500 anos. 
(NOGUEIRA, 2012, p. 9). 
 
Posteriormente à dominação, surgiram os primeiros indícios de domesticação, 
havendo, assim, a transição da vida selvagem animal para a convivência pacífica com os seres 
humanos, como foi o ocorrido com gatos e cães. Nesse sentido, Cunha (2012) afirma que o 
convívio entre seres humanos e animais, embora seja antigo, vem sendo alterado em tempo 
integral, sobretudo ao analisarmos a dependência de um em relação outro: 
 
O relacionamento entre humanos e cães, por sua antiguidade, demonstra o quanto o 
homem foi e é dependente de outros seres para o alcance de objetivos diversos, tais 
como: entretenimento, transporte, esportes e alimentação. (CUNHA, 2015, p. 170). 
 
Durante longos anos, animais figuravam em certas culturas como protagonistas e 
não como seres subjugados. Para exemplificar, Gomes (2008) cita as antigas dinastias 
egípcias, como pioneiras na domesticação de felinos. Segundo o egiptólogo Wallace Gomes, 
que é especialista na relação entre humanos e animais da época dos faraós, os cães e gatos 
24 
eram considerados representantes dos deuses na terra, sendo, por isso, detentores de respeito e 
admiração no Egito Antigo: 
 
[...] O cão era outra figura especial naquela cultura. Considerado como o animal 
sagrado do Deus Anúbis na Terra, muitos eram mumificados ao lado dos donos para 
atrair proteção. Os bichanos também tinham seu lado sagrado. A primeira 
domesticação de felinos de que se tem notícia foi no Egito Antigo. Naquela época, o 
bicho era idolatrado e vivia no colo da realeza. Quem maltratasse ou matasse um 
gato poderia ser condenado à morte. "O povo egípcio era um excelente observador 
da natureza e isso colaborou muito na estrutura de sua religião. O desenho do leão, 
por exemplo, era usado na mobília e representava força e coragem Também trazia a 
idéia de realeza e poder", explica Gomes. "A Esfinge, um dos principais símbolos 
históricos do Egito, denota a idéia de um leão deitado com a cabeça de um ser 
humano"[...] (GOMES, 2008, s.p). 
 
No que se refere à domesticação, algumas tribos indígenas norte-americanas - 
como é o caso dos Apsarokes e dos Peles vermelhas - “que consideravam os animais 
protetores dos seus antepassados e seus próprios irmãos” (PELLEGRINNI, 2015, s.p), 
viveram o apogeu de suas civilizações graças à domesticação de cavalos - que mais tarde 
saberíamos ser da raça mustang - que estavam extintos há milênios, inventando, inclusive, um 
jeito próprio de cavalgar: 
 
Os cavalos selvagens norte-americanos, no entanto, estavam extintos há milênios. 
Esses animais foram reintroduzidos involuntariamente pelos espanhóis sediados noMéxico. Foi em 1600 quando uma pequena manada de cavalos fugiu de um forte 
espanhol. Soltos na natureza, os animais retornaram à vida selvagem nas planícies 
norte-americanas, dando origem à raça mustang. Ao redor do ano 1700, os indígenas 
aprenderam a aprisioná-los e a domesticá-los. Inventaram inclusive um estilo 
próprio de cavalgar. (PELEGRINI, 2015, s.p). 
 
Também Hirafugi (2017) afirma, a exemplo de outras culturas antigas em que os 
animais ocupavam lugar de prestígio, o Japão; onde animais, eram apreciados não por suas 
belezas, mas pelo que representavam simbolicamente, sendo assim também na cultura 
chinesa: 
 
No Japão, vários animais são apreciados não só pela beleza, mas também pelos seus 
significados. Os japoneses os vêem como símbolos de qualidades que gostariam de 
expressar ou de se beneficiar. O significado atribuído a muitos animais simbólicos 
no Japão possui raízes na cultura chinesa. Há tempos, esses seres são figuras 
importantes na tradição japonesa que compõem a cultura, as crenças, os costumes, 
as artes e a mitologias do país. (HIRAFUGI, 2017, p. 1). 
 
Apesar de uma das fortes fundamentações do antropocentrismo ser a necessária 
dependência dos seres humanos sobre os animais como forma de sobrevivência, para o 
psicanalista Freud (1915) fica claro, em suas “Obras Psicológicas Completas”, que o ser 
humano possui em seu próprio instinto um ego narcisista que pode ser revelado em sua 
relação com o todo e com qualquer instância alteritária. Isso o leva a crer que essa dominação 
25 
dos seres humanos em relação aos animais, não se daria apenas pela necessidade de 
sobrevivência, mas inclusive pelo egocentrismo psíquico presente: 
 
Sua majestade, o sujeito narcisista’, esforça-se por transformar em ‘si-mesmo’ tudo 
que vê ou toca, ignorando, ou mesmo abominando, tudo que não seja ‘Eu’. A 
hostilidade está no fundamento da relação do sujeito com toda e qualquer instância 
alteritária, provém do repúdio primordial do ego narcisista ao mundo externo com 
seu extravasamento de estímulos. (FREUD, 1915, p. 161). 
 
Freud (1917) endossa, no entanto, que essa condição sofreu diversos golpes pela 
ciência, a partir da revolução copernicana e das investigações biológicas feitas por Charles 
Darwin, o que levou à destruição o lugar supostamente privilegiado do homem na criação, 
provando, inclusive, sua descendência do reino animal e sua inextirpável natureza animal: 
 
No transcorrer dos séculos, o ingênuo amor-próprio dos homens teve de submeter-se 
a dois grandes golpes desferidos pela ciência. O primeiro foi quando souberam que a 
nossa Terra não era o centro do universo, mas o diminuto fragmento de um sistema 
cósmico de uma vastidão que mal se pode imaginar. Isto estabelece conexão, em 
nossas mentes, com o nome de Copérnico, embora algo semelhante já tivesse sido 
afirmado pela ciência de Alexandria. O segundo golpe foi dado quando a 
investigação biológica destruiu o lugar supostamente privilegiado do homem na 
criação, e provou sua descendência do reino animal e sua inextirpável natureza 
animal. Esta nova avaliação foi realizada em nossos dias, por Darwin, Wallace e 
seus predecessores, embora não sem a mais violenta oposição contemporânea. Mas a 
megalomania humana terá sofrido seu terceiro golpe, o mais violento, a partir da 
pesquisa psicológica da época atual, que procura provar o ego que ele não é senhor 
nem mesmo em sua própria casa, devendo, porém, contentar-se com escassas 
informações acerca do que acontece inconscientemente em sua mente. (FREUD, 
1917, p. 32). 
 
É fato que, com a revolução científica defendida pelo astrônomo Nicolau 
Copérnico, consagrada no ano de 1610 com Galileu Galilei, através de suas observações 
astronômicas, provou-se que a Terra não era o centro do Universo e segundo Eberle (2006) 
poderia, portanto o ser humano não figurar também como personagem principal, dessa forma 
Matos afirma (2015) que: 
 
Do ponto de vista fenomenológico, o ser humano e a Terra não podem ser 
separados. Nunca nós humanos podemos deixar de lado nossa dimensão cósmica, 
nossa relação com todos e outros seres, numa atitude de colaboração consciente, 
ativa e respeitosa. O homem não é mais o centro do Universo, como ingenuamente 
acreditávamos, mas o que é muito mais belo, o homem é flecha ascendente da 
grande síntese biológica. O homem constitui por si só, a mais nova, a mais 
complexa, a mais matizada das camadas sucessivas da Vida. (MATOS, 2015, p. 38). 
 
Conforme Freud (1917), os seres humanos, a fim de uma convivência harmônica 
em sociedade, devem anular alguns de seus instintos, limitando as suas vontades narcisistas, 
principalmente, em relação ao que consideram “objetos”. Desse modo, Donoso (2011), em 
26 
seu estudo psicanalítico sobre a gramática da maldade gratuita, feita no Instituto de Psicologia 
da Universidade de São Paulo (USP), expõe que: 
 
Estamos também no terreno da origem da crueldade, onde a dominação do objeto é 
o núcleo do gesto do sujeito. Articulamos uma vez mais o desprezo pelo objeto e o 
prazer do sujeito, prazer pela dominação e depredação do objeto. (DONOSO, 2011, 
p. 58). 
 
Essa relação violenta e dominante de seres humanos sobre seus “objetos”, como 
assim são considerados os animais por grande parte dos humanos, mostra-se correlacionada 
aos preceitos religiosos, fundamentados, sobretudo, no Antigo Testamento, no qual se 
encontra consagrada a clara superioridade do humano sobre as demais criaturas, como pode 
ser observado no livro de Gênesis: 
 
Deus disse: façamos o homem à nossa imagem, segundo a nossa semelhança, e que 
ele domine sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as 
feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra! (BÍBLIA SAGRADA, Gênesis, 
1:26). 
 
Na concepção de Reis e Bizawu (2015), apesar da bíblia mostrar-se um tanto 
antropocêntrica, ela se fundamenta, na realidade, no biocentrismo, explanando a figura 
emblemática de Cristo que, no Novo Testamento, reestrutura e reinterpreta o papel do ser 
humano na natureza, além de trazer a preocupação de Deus, seu Pai, com todas as criaturas: 
 
É possível identificar, em falas de Jesus no Novo Testamento, como Deus se 
preocupa com toda a sua criação. Por exemplo: “28. E por que vocês ficam 
preocupados com a roupa? Olhem como crescem os lírios do campo: eles não 
trabalham nem fiam. 29. Eu, porém, lhes digo: nem o rei Salomão, em toda a sua 
glória, jamais se vestiu como um deles.” [MATEUS, 6, 28-29] (REIS; BIZAWU, 
2015, p. 35). 
 
Para o Papa Francisco (2015), a interpretação e apresentação inadequada da 
antropologia cristã revela um ser humano egocêntrico que, ao assumir o status de fruto do 
criador feito à semelhança de Deus, promoveu uma deturpada dominação ao invés de 
responsabilização do “homem” sobre as demais criaturas. 
 
Uma apresentação inadequada da antropologia cristã acabou por promover uma 
concepção errada da relação do ser humano com o mundo. Muitas vezes foi 
transmitido um sonho prometeico de domínio sobre o mundo, que provocou a 
impressão de que o cuidado da natureza fosse atividade de fracos. Mas a 
interpretação correta do conceito de ser humano como senhor do universo é entendê-
lo no sentido de administrador responsável. (PAPA FRANCISCO, 2015, cap. III, 
3.116). 
 
Destarte, afirma-se que, para Moser (2004), “a natureza aparece não em função 
dos seres humanos, mas tem um sentido próprio, pois ela precede aos seres humanos. Além 
27 
disso, tudo que foi criado deve ser para, num primeiro momento, glorificar ao Criador, e não 
para se destinar, imediatamente, à utilização humana” (MOSER, 2004, p. 159). Recorrendo, 
ainda, à concepção de Matos (2015), é nítida a defesa de que o status moral dos demais seres 
vivos não deve ser o de meros objetos de posse dos seres humanos, uma vez que estes “não 
têm o direito, sobretudo em se tratando de seres sencientes, de privá-los de seubem-estar 
básico ou de apoderar-se, arbitrariamente, de suas vidas” (MATOS, 2015, p. 43). 
Corroborando com tal ideia, Felipe (2014) considera que: 
 
Sujeitos de vida existem para viver sua própria forma de vida, independentemente 
de serem úteis ou não a quaisquer interesses humanos. Em vez de seus proprietários, 
os humanos, que defendem seus interesses, devem passar a ser seus tutores. Do 
domínio tirânico sobre os animais, passamos, então, à responsabilidade por suas 
vidas e seu bem estar. (FELIPE, 2014, p. 28). 
 
Dessa forma, verifica-se que o livro de Gênesis, que se encontra no Velho 
Testamento, foi interpretado de forma distorcida, tornando-se funesto para uma percepção 
ecológica do Planeta. Outro aspecto relevante, diz respeito à consideração dos mandamentos 
divinos, que ao longo da história, tornaram-se uma forte justificativa para a “coisificação” e a 
degradação da terra, conforme afirma Matos (2015): 
 
Nesta visão, o homem, como imago Dei, teria total liberdade para usar e abusar a 
Terra, cujo domínio exerceria em nome de Deus. Temos aqui uma hermenêutica 
parcial, deficiente e superficial em que Deus, visto como senhor e proprietário do 
mundo teria passado exclusivamente ao ser humano, na qualidade de seu 
representante plenipotenciário, poder sobre todo o criado, cujos integrantes estariam 
inteiramente ao seu dispor. Semelhante leitura, fortemente antropocêntrica, é hoje 
inaceitável. (MATOS, 2015, p. 46). 
 
“Na realidade, Deus, conferiu ao homem a responsabilidade pela conservação, 
proteção, valorização e salvaguarda da vida, a qual deve servir como promotor e tutor” 
(MATOS, 2015, p. 46). Assim, seguindo essa linha de raciocínio, Felipe (2014) aponta que a 
equivocada interpretação “fez com que a ordem do dominium terrae fosse vista, ao longo dos 
séculos, como poder utilitarista, despótico e arbitrário” (MATOS, 2015, p. 47). 
Conforme o pensamento de Santo Agostinho de Hipona, a Bíblia tem que ser 
compreendida como uma conjuntura de ideias e sua interpretação deve ser baseada no amor, 
que é o fundamento bíblico primordial. Assim, desmistifica-se que o objetivo de Deus era o 
de criar espécies dominadoras de outras, trazendo aflição e grande sofrimento àquelas 
subordinadas. Agostinho (354-430)
5
, ao afirmar que “Se você acredita no que lhe agrada nos 
evangelhos e rejeita o que não gosta, não é nos evangelhos que você crê, mas em você”, traz à 
 
5
 (PAROQUIA.N.S.ASSUNÇÃO, s.d, s.p). 
28 
tona, como resultado do egocentrismo humano, a existência de favoritismos de textos bíblicos 
que, ao serem inadequadamente interpretados, conduzem à concepção errada da relação do ser 
humano com as demais criaturas. 
Nesse necessário caminhar pela valorização da natureza e afastamento do 
antropocentrismo canônico, o Papa Francisco, em sua Carta Encíclica “Laudato Sí, sobre o 
cuidado da casa comum”, aponta que a legislação bíblica, ao contrário de derradeiras 
interpretações, propunha descanso não somente aos seres humanos, mas também a outros 
seres vivos. 
 
Esta responsabilidade perante uma terra que é de Deus implica que o ser humano, 
dotado de inteligência, respeite as leis da natureza e os delicados equilíbrios entre os 
seres deste mundo, porque ‘Ele deu uma ordem e tudo foi criado; Ele fixou tudo 
pelos séculos sem fim e estabeleceu leis a que não se pode fugir!’ (Sl 148, 5b-6). 
Consequentemente, a legislação bíblica detém-se a propor ao ser humano várias 
normas relativas não só às outras pessoas, mas também aos restantes seres vivos: ‘Se 
vires o jumento do teu irmão ou o seu boi caídos no caminho, não te desvies deles, 
mas ajuda-os a levantarem-se. [...] Se encontrares no caminho, em cima de uma 
árvore ou no chão, um ninho de pássaros com filhotes, ou ovos cobertos pela mãe, 
não apanharás a mãe com a ninhada’ (Dt 22, 4.6). Nesta linha, o descanso do sétimo 
dia não é proposto só para o ser humano, mas ‘para que descansem o teu boi e o teu 
jumento’ (Ex 23, 12). Assim nos damos conta de que a Bíblia não dá lugar a um 
antropocentrismo despótico, que se desinteressa das outras criaturas. (PAPA 
FRANCISCO, 2015, cap. II, 2.68). 
 
Embora o Papa Francisco observe a interpretação bíblica de cunho tendencioso 
como uma das motivações do antropocentrismo, o mesmo elucida que o cristianismo vem 
reunindo esforços na luta contra essa superioridade humana no Planeta. Nesse raciocínio, 
Matos (2015) afirma que “a Misericórdia é o coração do Evangelho e, assim, uma referência 
central na espiritualidade cristã. Trata-se de um amor preferencial, embora não exclusivo, para 
com todos que se encontram em situação de sofrimento, de exclusão, menosprezo ou 
abandono” (MATOS, 2015, p. 60). 
Nesse sentido, Pinto (2018), rememorando o Direito das Minorias, afirma que 
“não se pode esquecer que a opção de Jesus Cristo foi pelos mais pobres, pelos que são 
injustiçados e pelos que buscam a justiça” (PINTO, 2018, s.p). 
Ademais, em relação a esse utilitarismo religioso destacado pelo Papa como 
motivador do antropocentrismo mitigado, Lourenço (2008) ressalta que quaisquer textos 
bíblicos utilizados como motivo de subjugação dos animais na atual sociedade contemporânea 
são injustificáveis diante do reconhecimento da mutabilidade social, a exemplo da cultura da 
escravidão, que hoje já não se faz aceita. 
 
29 
Qualquer um que fundamente a utilização de animais como coisas, baseando-se, 
para tanto, em argumentos bíblicos, deveria ser chamado a explicar porque razão 
outras formas de discriminação, que também são encontradas nos textos “sagrados”, 
são claramente rejeitadas pela sociedade contemporânea. [...] a escravidão [...] a 
sociedade fortemente patriarcal [...] Deste modo, o argumento bíblico, puro e 
simples, não oferece bases suficientes para justificar a dominação humana sobre os 
animais. [...] Não é por acaso que sistemas religiosos já foram utilizados como 
instrumentos para legitimar a pena de morte, as guerras, a condenação ao 
homossexualismo, à prostituição e, até mesmo, modelos econômicos. 
(LOURENÇO, 2008, p. 114-140). 
 
Ao se considerar que “é inaceitável cultivar uma espiritualidade que não leve em 
consideração os estragos causados a Terra e aos seres vivos que nela habitam” (MATOS, 
2015, p. 62), remete-se ao pensamento ecológico profundo de São Francisco de Assis, um 
santo italiano que pregava o amor universal, abrangendo toda a criação divina, simbolizando a 
retomada da inocente relação entre os seres humanos e as demais criaturas. Diante disso, 
Comparato (2006) discorre que, para São Francisco de Assis, “nós, humanos, não somente 
somos todos filhos do mesmo Pai, mas partilhamos igualmente essa fraternidade divina com 
todas as criaturas de Deus, viventes ou não” (COMPARATO, 2006, p. 135). 
Ao pregar sobre a prática da dominação e a agressão humana sobre as demais 
criaturas e seus próprios semelhantes, Francisco de Assis, em idade já avançada, vem compor 
o que seria um de seus marcos, o Cântico das Criaturas, no qual enfatizara o respeito à toda 
criação divina: 
 
Louvado seja meu senhor, pela irmã lua e pelas estrelas. No céu formaram claras e 
preciosas e belas. Louvado seja meu senhor, pelo irmão vento, e pelo ar e pelas 
nuvens e pelas nuvens e pelo sereno e por todo o tempo, pelo qual às tuas criaturas 
dás sustento. Louvado seja meu senhor, pela irmã água que é muito útil e humilde e 
preciosa e casta. Louvado seja meu senhor, pelo irmão fogo, pelo qual iluminas a 
noite, ele e belo e agradável e robusto e forte. Louvado seja meu senhor, pela nossa 
irmã nossa, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz diversos frutos com 
coloridas flores e ervas. (FONTES FRANCISCANAS E CLARIANAS, 2004, p. 
104-105). 
 
Ao se considerar essa visão ecocentrista “de mundo” de São Francisco de Assis, é 
possível conceituar a Terra como um “macro-organismo vivo, extremamente dinâmico e 
complexo.Com razão, pode-se considerá-la como a ‘Grande Mãe’ que nutre e que carrega 
todos os seres que nela se encontram” (MATOS, 2015, p. 40). Assim, pode-se afirmar que é 
justamente dessa reflexão que nasce a Pacha Mama, “das culturas andinas ou a Gaia da 
mitologia grega, a mãe querida, da qual se cuida com compreensão, compaixão e amor. Como 
superorganismo, a Terra é viva, autorregula-se, regenera-se e evolui” (MATOS, 2015, p. 40). 
Em alguns países latino-americanos com forte influência cultural indígena, como 
é o caso do Peru, da Bolívia, Equador, Argentina e Chile, onde se destacam o sentido de 
30 
“grande terra sustentadora da vida”
6
 (PAREDES, 1920, p. 38), a Terra foi reconhecida como 
sujeito de direito, por ser nutriz da vida, consoante Matos (2015): 
 
A Terra como nutriz da vida é portadora de inegáveis direitos. É extrema insensatez 
destruir suas forças vitais de longo prazo por causa do interesse de obter lucro em 
curto prazo. Assim, por exemplo, o ser humano tem obrigação de reconhecer os 
ciclos naturais do planeta, consumindo com racionalidade os recursos não 
renováveis e dando tempo a Natureza para regenerar os renováveis. (MATOS, 2015, 
p. 41). 
 
Enfatiza-se que o preâmbulo da Constituição do Equador é bastante elucidativo a 
esse respeito ao celebrar, “a natureza, a Pacha Mama, da qual somos parte e que é vital para 
nossa existência” (LOURENÇO, 2008, p. 95), desse modo, segundo Boff (2000) deve haver 
uma “atitude de responsabilidade e de cuidado com a vida, com a convivência societária, com 
a preservação da Terra, como cada um dos seres nela existentes e com a identificação de um 
derradeiro sentido de universo” (BOFF, 2000, p. 26). 
Todavia, na erosão da perspectiva antropocêntrica, nasce o biocentrismo, que 
significa bios (vida) e kentron (centro)
7
, propondo um sistema valorativo e igualitário de todas 
as vidas e “com o foco voltado para a vida e todos os aspectos a ela inerentes[...]. O valor vida 
passou a ser um referencial inovador para as intervenções do Homem no mundo natural” 
(MILARÉ, 2008, p. 101). 
Evidencia-se que o biocentrismo pode ser considerado uma ética para o meio 
ambiente e para a natureza, que possui seu valor próprio e não apenas instrumental ou 
simbólico. Essa natureza, conforme defende Nogueira (2012), “deve ser protegida do homem 
e pelo homem, pelo fato de carregar valores próprios e não pelo valor utilitário que sempre 
teve para a humanidade” (NOGUEIRA, 2012, p. 48). 
Assim, não cabe ao biocentrismo o reconhecimento da natureza como sujeito de 
direito, sendo nele, reforçado tão somente o valor da vida e dos seres vivos, como é o caso do 
ser humano, que é visto como integrante da própria natureza, fazendo parte do ambiente e de 
todo o ecossistema, não podendo, portanto, ser classificado como mais ou menos importante, 
como se pode perceber nas palavras de Nogueira (2012): 
 
O biocentrismo nega graduações no que se refere à importância dos seres vivos. Há 
uma visão holística da vida nessa vertente ideológica ambiental. O homem, para o 
biocentrismo, não é pensado ao lado ou ao redor da natureza, é visto dentro dela. Faz 
parte do meio ambiente. Integram-se. Uma vida dependendo de outra vida. Busca-se 
uma ética de equilíbrio entre as espécies e analisa-se o universo de maneira 
sistêmica. (NOGUEIRA, 2012, p. 48). 
 
6
 Tierra grande, diretora y sustentadora de la vida. (Tradução nossa). 
7
 Conceito segundo o qual todas as espécies vivas têm o mesmo valor. (DICIO, s.d, s.p). 
31 
 
Ao se falar em biocentrismo, vale ressaltar que ele se divide em dois modelos: o 
biocentrismo global que “privilegia a totalidade dos elementos naturais, ecossistemas, 
biosfera, espécies, etc...” e o biocentrismo mitigado, que “privilegia apenas as entidades 
individuais detentoras de vida e de sensações, as plantas e todos os animais” (NOGUEIRA, 
2012, p. 49). Dessa forma, pode-se afirmar que, enquanto o biocentrismo global considera 
toda a coletividade e todo macrossistema, “no biocentrismo mitigado, o bem jurídico tutelado 
é a vida” (NOGUEIRA, 2012, p. 49). 
Faz-se necessário enfatizar que o biocentrismo mitigado, segundo Nogueira 
(2012) e Regan (2006), dedica-se à tutela moral individual de entidades que detêm sensações, 
estipulando como parâmetro da consideração moral a questão de serem “sujeitos-de-uma-
vida”. Em outras palavras, ressalta-se não só o fato de possuírem consciência da própria vida, 
mas também de serem detentores de desejos, abrindo a possibilidade de ser atribuída aos 
mesmos, a consideração de sujeitos de direito. 
Diante do exposto, recorre-se a Lourenço (s.d), que considera ser no biocentrismo 
mitigado a concentração de esforços voltados a uma ética destinada à vida animal, e não da 
vida como um todo. O autor considera, ainda, que o movimento do biocentrismo surge no 
contexto das revoluções democráticas oitocentistas, vinculando-se ao Direito das Minorias. 
 
Embora possamos constatar iniciativas pontuais no que se refere à consideração 
moral dos animais não humanos em períodos anteriores ao século XVIII, foi 
somente neste período que se firmou a visão de que determinadas espécies, por 
serem sencientes, deveriam merecer alguma forma de atenção ética diferenciada. 
Este tipo de visão, com variantes, é o que se denomina de biocentrismo mitigado, 
zoocentrismo, sencientocentrismo, ou animalismo, de que a posição dos direitos dos 
animais é, em certa medida, derivada. [...] Curioso perceber que, historicamente, o 
movimento do biocentrismo mitigado surge vinculado ao contexto das revoluções 
democráticas oitocentistas. Parece claro que a discussão sobre os a existência e 
justificação dos direitos do homem abriu terreno para a ampliação da moralidade em 
relação a categorias relegadas anteriormente à indiferença, o que inclui, por 
exemplo, o caso dos escravos, estrangeiros, mulheres, crianças, portadores de 
deficiências físicas ou mentais, e animais não humanos. (LOURENÇO, 2016, p. 13). 
 
Diante dessas considerações, torna-se nítido que o biocentrismo mitigado foi o 
importante meio na consideração moral dos animais não humanos, o que se faz concluir que 
“a raiz do alarme ecológico reside no tipo de relação que os humanos, nos últimos séculos, 
entretiveram com a Terra e seus recursos: uma relação de domínio, de não reconhecimento de 
sua alteridade” (BOFF, 2000, p. 17), sobretudo em relação aos demais seres viventes. 
Para um maior esclarecimento, serão utilizadas, em seguida, as descobertas de 
Charles Darwin sobre a origem das espécies e a argúcia de Derrida, que “propõe o termo 
32 
“animot” para substituir o termo animal, buscando evidenciar a multiplicidade de seres animais e 
a complicação da tradicional distinção humano-animal” (PAIXÃO, 2013, p. 277), que fora 
traduzida num simples questionamento: “Que animal? O outro” (SÁ; NAVES, 2018, p. 401). 
 
2.1.1 A multiplicidade de seres animais e as teorias de Derrida e Darwin 
 
Simultaneamente à conjectura de que somos humanos, podemos ser classificados, 
biologicamente, também como mamíferos, primatas e vertebrados, assim como todos os 
demais animais. No entanto, embora a utilização do termo animal tenha servido “como uma 
linha demarcatória para evidenciar dois grupos de seres: de um lado ‘seres humanos’ e do 
outro, ‘animais’, por mais que esse segundo grupo continue agregando seres tão diferentes” 
(MIGDGLEY, 1989, p. 1-2), ambos são completamente associados e interligados, possuindo, 
sobretudo, a mesma natureza animal. 
 Seres humanos ou seres animais? Quem são os animais? “Com exceção dos que 
acreditam estar somente um pouco por debaixo dos anjos, a animalidade constitui o estrato 
central de nossa natureza: seguimos sendo primatas com celulares e computadores, somos 
todos animais” (FERNANDEZ, 2014, p. 1). Nesse raciocínio, desdobram-se, ao longo dos 
séculos, os mais aguçados levantamentos, não sóhistóricos, a exemplo da analogia pejorativa 
do Führer do III Reich em relação aos indesejados na manutenção da hegemonia alemã na 
Europa, mas também nos textos literários de Manuel Bandeira, utilizando a figuração do ser 
humano como um animal. 
 
O Führer do III Reich anunciava que mataria os judeus e outros indesejáveis “como 
piolhos” que eram. Seu regime seria o precursor do extermínio em larga escala de 
“vidas que não merecem viver” – doentes mentais no topo da lista que incluía uma 
série de doenças (supostamente) hereditárias. Ou ainda o bicho, de Manuel Bandeira 
–“o bicho, meu Deus, era um homem”. (OLIVEIRA, 2004, p. 248). 
 
Contudo, ao se analisar a natureza animal humana sob a ótica filosófica, tem-se 
que, “entre os filósofos contemporâneos continentais, Derrida é, de longe, o pensador mais 
útil e repleto de insights, no domínio das questões sobre a animalidade” (CALARCO, 2008, p. 
137). Por sua vez, para o franco-argelino Jacques Derrida (1930-2004), o status ocupado pelo 
ser humano é também o de animal. 
Em uma de suas obras, Derrida (2002) narra que, ao buscar respostas para 
satisfazer sua dúvida sobre “quem era”, encontrou-se nu diante de sua gata que o observava 
firmemente, não conseguindo conter a vergonha que sentia de sua gata, diante de sua nudez. 
Nesse sentido, o filósofo define (não) em sentido metafórico, o que seria estar nu, sob o olhar 
33 
de “outro” animal. 
 
Frequentemente me pergunto, para ver quem sou eu – e quem sou eu no momento 
em que, surpreendido nu, em silêncio, pelo olhar de um animal, por exemplo os 
olhos de um gato, tenho dificuldade, sim, dificuldade de vencer um incômodo. 
(DERRIDA, 2002a, p. 15). 
 
Derrida (2002) trouxe ao público essas palavras no ano de 1997, durante a 
abertura do terceiro colóquio de Cerisy, sendo registradas, em 2002, no livro “O animal que 
logo sou
8
” Ademais, o filósofo enfatiza a sua condição animal quando afirma o “mal-estar de 
um tal animal nu diante de outro animal, assim, poder-se-ia dizer uma espécie de animal-
estar” (DERRIDA, 2002, p. 16). 
Nesse raciocínio, Derrida, na mesma obra, cita Nietzsche, que afirmava que o ser 
humano era um “animal” ainda indeterminado e prometedor: 
 
Ao passar as fronteiras ou os fins do homem, chego ao animal: ao animal em si, ao 
animal em mim e ao animal em falta de si-mesmo, a esse homem de que Nietzsche 
dizia, aproximadamente, não sei mais exatamente onde, ser um animal ainda 
indeterminado, um animal em falta de si-mesmo. Nietzsche diz também na 
Genealogia da moral, no começo da Segunda Dissertação, que o homem é um 
animal prometedor, pelo que ele entende, sublinhando estas palavras, um animal que 
pode prometer (das versprechen darf). A natureza ter-se-ia dado como tarefa criar, 
domesticar, "disciplinar" (heranzüchten) esse animal de promessas. (DERRIDA, 
2002, p. 15). 
 
É mister ressaltar que Derrida, foi um dos poucos filósofos que considerou o olhar 
animal e a filosofia animalista como uma das mais importantes decisões nos tempos atuais, 
sobretudo, diante da crueldade dissimulada pelos seres humanos sobre os outros animais: 
 
Ninguém mais pode negar seriamente e por muito tempo que os homens fazem tudo 
o que podem para dissimular ou para se dissimular essa crueldade, para organizar 
em escala mundial o esquecimento ou o desconhecimento dessa violência que 
alguns poderiam comparar aos piores genocídios. (DERRIDA, 2002, p. 52). 
 
Em consonância com o pensamento do Papa Francisco sobre o antropocentrismo 
mitigado, Derrida (2004) destaca que a “violência industrial, científica e técnica não será 
suportável por muito tempo, de fato ou de direito contra os animais não humanos e tem 
assumido, nos últimos séculos, terríveis proporções, tornando-se subversivas” (DERRIDA, 
2004, p. 82-83). 
 
No decurso dos dois últimos séculos, estas formas tradicionais de tratamento do 
animal foram subvertidas, é demasiado evidente pelos desenvolvimentos conjuntos 
de saberes zoológicos, etológicos, biológicos e genéticos, sempre inseparáveis, de 
técnicas de intervenção no seu objeto, de transformação de seu objeto mesmo, e do 
 
8
L’ animal que donc je suis (2002). (Tradução nossa). 
34 
meio e do mundo de seu objeto, o vivente animal: pela criação e adestramento a uma 
escala demográfica sem nenhuma comparação com o passado, pela experimentação 
genética, pela industrialização do que se pode chamar a produção alimentar da carne 
animal, pela inseminação artificial maciça, pelas manipulações cada vez mais 
audaciosas do genoma, pela redução do animal não apenas à produção e à 
reprodução superestimulada (hormônios, cruzamentos genéticos, clonagem etc.) de 
carne alimentícia, mas a todas as outras finalidades a serviço de um certo estar e 
suposto bem-estar humano do homem. (DERRIDA, 2002, p. 51). 
 
Derrida (2002) trata a questão da filosofia animalista na atualidade como 
necessária e estratégica, pois na ótica do filósofo, embora existam "pessoas que sem dúvida 
viram, observaram, analisaram, refletiram o animal” (DERRIDA, 2002, p. 32), essas nunca se 
permitiram serem vistas pelo olhar de outro animal não humano. 
Trazendo como parâmetro a experiência de permitir-se ser visto sob o olhar de 
outro animal, no caso sua gata, a quem ele definira como “sujeito” de uma visão e não como 
objeto, Derrida levanta, sobretudo, o questionamento do próprio conceito de ser humano 
como sujeito do humanismo. 
Em sua Obra “O animal que logo sou”, Derrida (2002) reconhece e recorda o 
pensamento de Jeremy Bentham (1748-1832), um filósofo, jurista e economista “que nasceu 
em meados do século XVIII, sob a influência dos ideais iluministas e jusnaturalistas” (SÁ; 
NAVES, 2018, p. 403) o qual afirmava que, “talvez chegue o dia em que o restante da criação 
animal venha a adquirir os direitos dos quais jamais poderiam ter sido privados, a não ser pela 
mão da tirania” (BENTHAM, 2017, p. 143), deixando claro que, assim como Derrida, ele se 
considerava parte da criação animal, salientando, sobretudo, a questão das minorias oprimidas 
e a igualdade da consideração de sentimentos como a dor: 
 
Os franceses já descobriram que o escuro da pele não é motivo para que um ser 
humano seja abandonado, irreparavelmente, aos caprichos de um torturador. É 
possível que algum dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele, 
ou a terminação do sacrum são motivos igualmente insuficientes para se abandonar 
um ser sensível ao mesmo destino. O que mais deveria traçar a linha insuperável? A 
faculdade da razão, ou, talvez, a capacidade de falar? Mas, para lá de toda 
comparação possível, um cavalo ou um cão adulto são muito mais racionais, além de 
bem mais sociáveis, do que um bebê de um dia, uma semana, ou até mesmo um mês. 
Imaginemos, porém, que as coisas não fossem assim; que importância teria tal fato? 
A questão não é, eles raciocinam? Eles podem falar? Mas sim, eles podem sofrer? 
(BENTHAM, 2017, p. 143-144). 
 
Dito isto, percebe-se que Bentham (2017) realmente se preocupa em erguer uma 
ética animal na promoção do bem, “considerando justificável a proteção especial dos animais 
pela necessidade de se proteger os interesses daqueles que também almejam a felicidade em 
razão da senciência” (SÁ; NAVES, 2018, p. 405). 
35 
É de suma importância frisar que animais humanos e não humanos, assim como 
são percebidos por Derrida, diferenciam-se, segundo as observações e os estudos do biólogo e 
cientista Charles Darwin 
9
, apenas em grau e não em natureza, possuindo cada um, seu 
próprio processo evolutivo. 
A partir de sua obra “A origem das Espécies” (1859), Darwin derrubou tabus ao 
mostrar que todos os animais humanos e não humanos integram a mesma escala evolutiva, 
“retirando do pensamento filosófico, a hierarquia absoluta do homem na natureza, colocando-
o numa cadeia de via, onde ele constitui mais uma espécie dentreinúmeras outras, cada qual 
com suas especificidades” (NOGUEIRA, 2012, p. 18). Foi assim que a teoria de Darwin sobre 
a evolução das espécies despertou “não somente uma mudança radical de nossa percepção 
 
9
 Charles Darwin (1809-1882) foi um naturalista inglês, autor do livro “A Origem das Espécies”. Formulou a 
teoria da evolução das espécies, anteviu os mecanismos genéticos e fundou a biologia moderna. É considerado o 
pai da “Teoria da Evolução das Espécies”. 
Charles Robert Darwin (1809-1882) nasceu em Shrewsburv, Inglaterra, no dia 12 de fevereiro de 1809. Filho de 
médico e neto de poeta, médico e filósofo, desde a infância revelou-se inteligente, arguto e observador, 
procurando compreender tudo que lhe ensinavam. Gostava de História Natural e fazia coleção de pedras, 
conchas, moedas, plantas, flores silvestres e ovos de pássaros. 
Com 16 anos, matriculou-se na Universidade de Edimburgo, onde seu irmão também estudava. Sem interesse em 
muitas aulas, acabou dedicando seu tempo a reuniões com outros estudantes, na Plinian Society, onde se 
discutiam Ciências Naturais. Apresentou ao grupo pequenas descobertas suas no campo da História Natural. 
Tinha pretensões de se tornar um religioso, foi para Cambridge e, depois de três anos, saía bacharel em Artes, 
continuando seus estudos para ser pastor. 
Em Cambridge, participou de reuniões e excursões botânicas, organizadas por John Stevens Henslow, clérigo, 
geólogo e botânico. Dedicava-se também à caça e à equitação. Travou relações com vários naturalistas. A leitura 
de livros de John Frederick William Herschel - astrônomo e físico inglês - despertou o desejo de contribuir para 
o desenvolvimento da História Natural. 
Com o geólogo Adam Sedgwick, fez uma excursão geológica ao Norte do País de Gales. Recebeu o convite de 
Henslow para participar, como naturalista, sem remuneração, de uma viagem a bordo do bergantim “Beagle”, 
que deveria durar três anos. A bordo do Beagle, a viagem durou cinco anos – de dezembro de 1831 a outubro de 
1836. Darwin explorou as costas da América do Sul (Brasil, Patagônia, Terra do Fogo, Chile e Peru) e algumas 
ilhas dos mares do Sul. 
Todo material recolhido era despachado para o professor Henslow, para posterior estudo. Do Brasil, enviou 
dezenas de caixas de insetos. Da Austrália, ornitorrincos. Da Ilha dos Cocos, amostras de tipos raros de formação 
carbonífera. Das ilhas Galápagos, alguns animais que pareciam ser sobreviventes de épocas pré-históricas. De 
cada porto onde o Beagle atracava, seguiam para a Inglaterra algumas amostras. 
De volta à Inglaterra, com sólida reputação de geólogo e naturalista, viveu alguns anos em Cambridge e Londres, 
trabalhando ativamente em assuntos científicos, especialmente, na publicação dos resultados de sua viagem e na 
coleta de dados para sua teoria sobre a origem das espécies. Foi secretário da Geological Society. 
Em 29 de janeiro de 1839, Darwin casa-se com sua prima, Emma Darwin. Juntos tiveram 10 filhos, dos quais 
três, morreram prematuramente. Em 1842 mudou-se para Down, pois sua saúde exigia que fosse morar no 
campo. Nessa época, trabalhou com afinco, deixando grande contribuição científica nas suas obras: “A Variação 
de Animais e Plantas Domesticadas”, “A Descendência do Homem”, “A Formação do Húmus Vegetal pela Ação 
dos Vermes”, “As Diversas Formas de Fertilização de Orquídeas pelos Insetos”, “Plantas Insetívoras”, “O Poder 
do Movimento das Plantas”, entre outras. 
O principal tema das pesquisas de Charles Darwin sempre foi o problema da evolução. O naturalista foi 
formando sua teoria, segundo a qual as formas de vida evoluem lenta, mas continuamente através do tempo. No 
decorrer desse processo vai ocorrendo uma seleção natural – a sobrevivência do mais apto. Em 1859, Darwin 
lança seu livro “A Origem das Espécies por Via da Seleção Natural ou A Preservação das Raças Favorecidas na 
Luta pela Vida”. O livro teve sua primeira edição esgotada em um dia. 
Charles Darwin morreu de ataque cardíaco, em Downe, no condado de Kent, Inglaterra, no dia 19 de abril de 
1882. Seu corpo foi sepultado na Abadia de Westminster, em Londres. (FRAZÃO, 2017, s.p). 
 
36 
acerca do mundo, senão que jugulou qualquer pretensa “superioridade” do existir humano” 
(FERNANDEZ; FERNANDEZ, 2014, p. 1). 
É fato que “a reação ao pensamento darwinista foi gigantesca, pois as implicações 
morais advindas do fato de que todos os seres vivos tinham uma origem biológica comum 
eram igualmente avassaladoras” (LOURENÇO, 2008, p. 274). Outra questão imperiosa foi o 
surgimento da Teoria da Seleção Natural de Darwin e da Teoria da Evolução, que o fez; ícone 
científico. Contudo, segundo Nogueira (2012), tais teorias, não eram esvaziadas de conteúdo 
valorativo, a exemplo da moral: 
 
A Teoria da Seleção Natural de Darwin, que o tornou inesquecível para a ciencia, 
afirmava que a natureza por si só seleciona as espécies mais fortes, adaptando-as ao 
meio ambiente, para a formação de novas espécies ao longo do tempo. Ela foi 
descrita em manuscritos de 1838-1844 e mais tarde publicada na obra citada. 
Mesmo sendo teorias cientificas, as teorias de Darwin não eram esvaziadas de 
conteúdo valorativo, como a moral. O próprio caráter desse homem impregnou a 
Teoria da Evolução, na qual afirmava que todos os seres possuem responsabilidade 
na cadeia evolutiva. Necessariamente, um ser vivo depende do outro para viver. 
(NOGUEIRA, 2012, p. 29). 
 
Nesse diapasão, Nogueira (2012) retomando a fala de Robert Wright, um 
jornalista americano, afirma que, “Darwin era um gentleman, capaz de se inflamar quando 
denunciava a escravidão e de perder o controle quando visse um cocheiro maltratando um 
cavalo” (NOGUEIRA, 2012, p. 29). 
Charles Darwin em muito contribuiu com a disseminação do Direito das Minorias 
e com pensamento biocêntrico ao demonstrar os semelhantes comportamentos e expressões 
nas emoções dos animais humanos e não humanos, trazendo como exemplo de seu estudo a 
observação das semelhanças comportamentais entre seres humanos (bebês) e não humanos 
(cavalos): 
 
A violência de um susto parece depender, em parte, da força da imaginação e em 
parte das condições, habituais ou momentâneas, do sistema nervoso. Quem observar 
a diferença entre os sustos de seu cavalo quando está cansado e quando está 
repousado, perceberá quão perfeita é a gradação entre um simples olhar para alguma 
coisa inesperada, com uma dúvida momentânea quanto ao perigo que apresenta, e 
um pulo tão rápido e violento que o animal dificilmente conseguiria reproduzi-lo se 
o desejasse. O sistema nervoso de um cavalo robusto e bem alimentado manda suas 
ordens ao sistema motor tão rapidamente que não há tempo para ele cogitar se o 
perigo é real. Depois de um susto violento, quando o cavalo está instigado e o 
sangue flui livremente em seu cérebro, ele fica muito suscetível a assustar-se de 
novo. E assim também ocorre, como pude observar, com os bebês. (DARWIN, s.d, 
p. 44). 
 
É fato que as teorias de Darwin “no mínimo refletem um sentimento de 
compaixão e preocupação com o semelhante” (NOGUEIRA, 2012, p. 29). Não obstante, 
37 
embora os animais não possuíssem moralidade humana, “Darwin identificou a solidariedade 
entre os animais, citando o exemplo dos corvos que alimentavam os compatriotas quando 
ficavam cegos, com zelo e afeição filial próprias da solidariedade” (NOGUEIRA, 2012, p. 
29). 
Outro aspecto bastante relevante é que, embora Darwin trabalhasse diretamente 
com a ciência que se faz conhecidamente conflitante com a teologia, a sua formação teórica 
eclesiástica não o impediu de ser um cientista e de encontrar justificativas para tratar a 
natureza com moralidade, como foi o caso de sua Teoria da Origem das Espécies, onde o 
mesmo ratificou a descendência divina de todas as espécies e sua origem comum: 
 
Na época de Darwin, já se havia modernizado a ideia de que

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