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Autores: Prof. Fernando Pinto Ribeiro Profa. Ivete Maria Soares Ramirez Ramirez Colaborador: Prof. Adilson Rodrigues Camacho Planejamento Urbano e o Espaço Rural Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 Professores conteudistas: Fernando Pinto Ribeiro / Ivete Maria Soares Ramirez Ramirez Fernando Pinto Ribeiro Possui Graduação em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestrado em Desenvolvimento Urbano e Regional pela mesma instituição e doutorado em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade de São Paulo, com estágio de intercâmbio no Instituto de Urbanismo de Grenoble, na França. Atuou como pesquisador no Laboratório Cidade e Sociedade, ligado ao programa de pós-graduação em geografia da UFSC, e no Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da FAU-USP. Bolsista Fapesp de doutorado, investigou as recentes transformações da cidade contemporânea a partir do discurso sustentável. Também leciona Geografia no Curso Pré-Vestibular e no Colégio Objetivo de São Paulo. Ivete Maria Soares Ramirez Ramirez Mestranda em Educação, pós-graduada em Jornalismo Científico pelo Laboratório de Estudos Avançados de Jornalismo Científico da Universidade de Campinas – Labjor/Unicamp –, bacharela e licenciada em Ciências Sociais e Geografia pela Universidade de São Paulo – USP. Em 2006, estudou as seguintes disciplinas em nível de pós-graduação stricto sensu no Nepam/Unicamp (Núcleo de Pesquisas Ambientais): Qualidade de Vida em Sociedades Complexas, Sustentabilidade e Políticas Públicas, Desenvolvimento e Meio Ambiente e Mudanças Ambientais Globais na área de Sociedade e Ambiente e Economia Ambiental como aluna especial do Programa de Doutorado. É autora de material didático do Ensino Médio do Sistema de Ensino Objetivo e realiza trabalho de assessoria de Coordenação do Ensino Médio no Departamento de Programação Geral (DPG) do Colégio Objetivo, em São Paulo e em outros estados do Brasil. Coordena o curso de Licenciatura em Geografia, na modalidade EaD, na Universidade Paulista – UNIP. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) R484p Ribeiro, Fernando Pinto. Planejamento urbano e o espaço rural. / Fernando Pinto Ribeiro, Ivete Maria Soares Ramirez Ramirez. – São Paulo: Editora Sol, 2016. 88 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXII, 2-108/16, ISSN 1517-9230. 1. Planejamento urbano. 2. Espaço rural. 3. Processo de urbanização. I. Ramirez, Ivete Maria Soares Ramirez. II. Título. CDU 711 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Marcilia Brito Juliana Mendes Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 Sumário Planejamento Urbano e o Espaço Rural APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 O ESPAÇO URBANO E SEUS CONCEITOS ..................................................................................................9 1.1 Cidade, urbano e urbanização ...........................................................................................................9 1.2 Metrópoles .............................................................................................................................................. 10 1.3 Megacidade e conurbação ............................................................................................................... 11 1.4 Megalópole ............................................................................................................................................. 12 1.5 Hierarquia urbana ................................................................................................................................ 14 1.6 Cidade globais ........................................................................................................................................ 15 2 A HISTÓRIA DO PLANEJAMENTO URBANO ........................................................................................... 15 2.1 A gênese do urbanismo moderno ................................................................................................. 15 2.2 As principais correntes do planejamento urbano ................................................................... 18 2.2.1 O racionalismo e o culturalismo ....................................................................................................... 18 2.2.2 O City Beautiful ....................................................................................................................................... 20 2.2.3 As cidades-jardins ou garden cities ................................................................................................. 22 2.2.4 O urbanismo modernista ..................................................................................................................... 24 2.2.5 O Novo Urbanismo americano (New Urbanism) ........................................................................ 27 2.2.6 Planejamento estratégico para a cidade: configurando uma cidade global .................. 30 3 A FORMAÇÃO DE UMA REDE URBANA BRASILEIRA ......................................................................... 32 3.1 Período 1940-1980.............................................................................................................................. 32 3.2 Período pós-1980: as tendências atuais das cidades ............................................................ 33 3.3 Explorando mais a cidade da fragmentação social e o fenômeno da segregação socioespacial .......................................................................................................................... 36 4 PLANEJAMENTO URBANO NO BRASIL .................................................................................................... 37 4.1 Histórico ................................................................................................................................................... 37 4.2 O Estatuto das Cidades e o Plano Diretor Participativo ....................................................... 40 4.3 Os instrumentos do Estatuto das Cidades ................................................................................. 43 UnidadeII 5 O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO ............................................................................................................... 55 5.1 Modo de ocupação do espaço ........................................................................................................ 55 5.2 Classificação das cidades .................................................................................................................. 57 5.2.1 Quanto à origem ..................................................................................................................................... 57 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 5.2.2 Quanto ao sítio urbano ........................................................................................................................ 60 5.2.3 Quanto à posição geográfica ............................................................................................................. 60 5.2.4 Quanto à função urbana ..................................................................................................................... 61 6 HIERARQUIA URBANA .................................................................................................................................. 63 6.1 Conceitos importantes sobre urbanismo .................................................................................... 64 6.2 Megalópole ............................................................................................................................................. 66 6.3 Regiões metropolitanas ..................................................................................................................... 66 7 NOVAS TENDÊNCIAS DA URBANIZAÇÃO BRASILEIRA ..................................................................... 67 8 A ATIVIDADE ECONÔMICA AGRÍCOLA .................................................................................................... 72 8.1 Importância da agricultura .............................................................................................................. 73 8.2 Fatores naturais que influenciam a agricultura ....................................................................... 73 8.2.1 Clima ............................................................................................................................................................ 73 8.2.2 Tipos climáticos do Brasil .................................................................................................................... 74 8.2.3 Solo ............................................................................................................................................................... 74 7 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 APRESENTAÇÃO Procuramos por meio desta disciplina, estabelecer a distinção entre o espaço rural e o urbano, entendendo seus respectivos limites espaciais, sociais, políticos e econômicos. A Geografia está muito envolvida, como ciência ativa que é, na aplicabilidade em estudo e em planejamento na organização dos espaços, rurais ou urbanos. Reconhecer as suas especificidades e planejar a ocupação das áreas urbanas ou o manejo adequado das áreas rurais constitui-se em uma das competências no exercício do trabalho do geógrafo em campo. Contribui inclusive para a elaboração do plano diretor das cidades ou ainda orientando os produtores acerca do uso adequado do espaço rural. Indicar os efeitos da modernização dos distintos setores da economia em cada um dos espaços mencionados e pensar em sua ordenação consistem em tarefas importantes para o trabalho geográfico. Os tempos mudaram, vivemos em um mundo marcado pelo uso de materiais novos, instrumentais desconhecidos até décadas atrás. A Geografia também mudou com essa evolução tecnológica, midiática, produtiva. A sociedade, por sua vez, também mudou sua disposição espacial e as necessidades de deslocamento. Novas logísticas foram incorporadas no modo de habitar e de viver, os custos financeiros interferiram muito nesse processo, e novas posturas, em áreas de conhecimento, passaram a ser exigidas. Por sua vez, os estudos da Geografia também mudaram: no século XX, surge a Geografia crítica, cuja preocupação centralizou-se nas relações entre a sociedade, o trabalho e a natureza, naquilo que justamente chamamos de produção do espaço, negando antigos pressupostos tradicionais da ciência geográfica. A Geografia, no momento atual, busca uma abordagem mais dinâmica, inclusive para que o ensino de seus conteúdos se torne mais próximo ao universo do educando, na compreensão do dinamismo do espaço, que não é estático. Dessa forma, o trabalho docente, na transmissão dos conceitos fundamentais da ciência geográfica, torna-se de vital importância. Esses conceitos fazem parte de uma dinâmica maior, seja ela de uma realidade urbana ou da área rural, ambas fazem parte de um contexto maior, contemporâneo, global. Tratamos justamente de apresentar uma Geografia de forma prazerosa e funcional, no que se refere a acompanhar e compreender as transformações que ocorrem mundialmente, dando a ela um status diferenciado do tradicional. É fundamental compreender de forma ampla a realidade geográfica, para entender melhor a paisagem, o território e o lugar, tendo por base a leitura do espaço geográfico natural e aquele construído pelos grupos humanos. 8 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 O objetivo do geógrafo é compreender a espacialidade e a temporalidade dos fenômenos geográficos em suas dinâmicas, interações e contradições. Perceber o ser humano como agente ativo na construção das relações socioespaciais, que respeitem e admitam as diferenças entre as pessoas, sua cultura, sua produção econômica e suas relações sociais. A proposta de nossa disciplina é destacar a importância do planejamento na área geográfica, tanto no modo de vida e na organização do hábitat urbano quanto no hábitat rural. Bons estudos! INTRODUÇÃO Planejar significa organizar, assim uma das atribuições da Geografia é organizar a ocupação do espaço, urbano ou rural, de maneira estruturada; para tanto, é preciso realizar o planejamento. A nossa disciplina, portanto, apresenta explicações de conceitos relacionados a urbanismo, classificando e hierarquizando as cidades, assim como explicita a organização do espaço rural, os tipos de uso da terra e a classificação fundiária das propriedades, segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O planejamento urbano e a elaboração do plano diretor são de vital importância para que as normas de estruturação do espaço sejam efetivamente cumpridas a fim de favorecer os cidadãos e de proporcionar formas de bem viver. São temas bastante pertinentes de que estamos tratando, pois deles depende a qualidade de vida em sociedade. Quando discutimos problemas urbanos nos deparamos com alguns embaraços, entre eles a questão relativa ao saneamento básico, uma vez que 40% dos domicílios urbanos brasileiros não estão conectados a redes de esgotos e que estes não são tratados, o que representa o despejo desse conteúdo em rios e consequentemente no mar. Segundo o IBGE, menos de 50% dos municípios dispõem de sistemas de coleta e tratamento eficientes. O déficit é muito grande, bem como o comprometimento da saúde pública. Outra questão se refere à poluição atmosférica: pouco se faz bem e pouco se planeja com relação a isso. O alto nível de poluição do ar nas zonas urbanas, principalmente por causa do tipo de locomoção, predominantemente veicular, com uso de combustíveis fósseis, é um problema diretamente ligado à faltade um planejamento adequado para deslocamento em transportes públicos. O lugar de residência também influi no fluxo de circulação e consequentemente no trânsito. Quanto ao mundo rural e ao espaço agrário, a logística está diretamente relacionada ao escoamento da produção e às distintas modalidades ligadas a posse da terra, tipos e destino dos produtos. O mundo rural está mudando com o agronegócios. A necessidade de planejamento é cada vez maior. 9 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 PLANEJAMENTO URBANO E O ESPAÇO RURAL Unidade I 1 O ESPAÇO URBANO E SEUS CONCEITOS 1.1 Cidade, urbano e urbanização Nos estudos sobre a cidade torna-se necessário compreender o sentido do termo urbano como um fundamento elementar para se entender a construção das cidades e do homem atual. A população global é cada vez mais urbana, e isso se traduz na construção de uma cultura própria que ocorre no interior da cidade e altera, inclusive, o espaço rural. A barreira invisível que separa um espaço urbano e outro rural nem sempre é clara, uma vez que a compreensão do urbano reside em um fenômeno abstrato e geral, não palpável, medido sob um conjunto de relações que se exerce dentro de uma cidade, um fenômeno geográfico absolutamente concreto, palpável, a materialidade de uma natureza em transformação. Neste ponto, portanto, é importante diferenciar o que é cidade e urbano. A história deste último, por exemplo, diz respeito à evolução das relações econômicas e sociais que se exercem na cidade, do modo de vida que ali se estabelece, das lutas, dos conflitos e das matrizes culturais que se desenrolam entre os citadinos. Como estes se sociabilizam, exercem a divisão do trabalho ou se organizam politicamente elucida um expressão urbana do espaço vivido que é desempenhado nas cidades. Estas, ao contrário, são compreendidas a partir da leitura da materialidade espacial, da história da fixação do homem no espaço e da dispersão da propriedade, do transporte, da moradia e da área onde se exerce o comércio (mercados). Da mesma forma, trata-se de verificar o ordenamento das vias de circulação, da formação do espaço político, dos espaços privado e público, da formação de um centralidade e de uma periferia, de uma área residencial, comercial, industrial e de lazer. De um modo geral, o espaço urbano expressa concentração de pessoas, fenômeno condicionado pela existência de atividades comerciais e de gestão econômica e política de uma sociedade. A essas atividades, somam-se as infraestruturas de transporte e comunicação, responsáveis por acelerar ainda mais o processo concentrador que leva à consolidação da cidade. Em outra perspectiva conceitual, o espaço urbano nada mais é do que: [...] o conjunto de diferentes usos da terra justapostos entre si. Tais usos definem áreas, como: o centro da cidade, local de concentração de atividades comerciais, de serviço e de gestão; áreas industriais e áreas residenciais, distintas em termos de forma e conteúdo social; áreas de lazer; e, entre outras, aquelas de reserva para futura expansão. Este conjunto de usos da terra é a organização espacial da cidade ou simplesmente o espaço urbano fragmentado. Eis o que é espaço urbano: fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um conjunto 10 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 Unidade I de símbolos e campo de lutas. É assim a própria sociedade em uma de suas dimensões, aquela mais aparente, materializada nas formas espaciais (CORRÊA, 1993, p. 5). O processo de urbanização pressupõe essencialmente o crescimento da população que vive e exerce atividades econômicas no interior de cidades em relação àquelas que vivem no campo. Mas não somente isso: urbanização significa ampliação ou dispersão das formas espaciais e dos valores socioculturais criados e pensados na cidade. O maior exemplo é a tendência ao progresso tecnológico vivenciado pela humanidade a partir de centros de pesquisa e universidades localizados no espaço urbano, da mesma forma, financiados por um Estado cujos órgãos de governança se situam na cidade. Essa modernidade que se espalha por inúmeros campos do conhecimento repercute no espaço rural, tornando-o não mais um meio simbolicamente isolado do espaço urbano, mas um espaço que se molda segundo o que é construído na cidade a partir das técnicas, tais como máquinas, defensivos e insumos, ou o próprio fortalecimento de valores baseados na troca e no consumo, ambos fundados na cidade. O campo moderno, regido pela alta produtividade e pelo sistema intensivo de produção é, decerto, urbano e dependente do que se produz na cidade, mas somente naquelas regiões em que a modernidade influi, como o mundo capitalista mais desenvolvido e capitalizado. Por muito tempo o campo foi a base para a manutenção da vida urbana ao fornecer os meios de subsistência para a sobrevivência da população urbana; porém, passadas diversas fases de revoluções nas técnicas, sobretudo, as revoluções industriais e o que se denominou a “revolução verde”, o campo passou a depender da cidade como o fornecedor dos subsídios para uma nova escala de produção visando atender ao crescimento demográfico no século XX. O crescimento urbano foi marcante como consolidação da espécie humana e seu domínio sobre a natureza. A população aumentou, as migrações se intensificaram do espaço rural em direção ao urbano, e em decorrência disso, vieram efeitos nocivos em termos ambientais. Novos dilemas se apresentaram, comprometendo simultaneamente a civilização humana e a natureza. O processo de urbanização, principalmente nos países em desenvolvimento, é uma das mais agressivas formas de relacionamento entre o homem e o meio ambiente. As cidades antigas eram menores, mais harmônicas e, mesmo quando erguidas em locais ambientalmente inadequados, agrediam menos o meio ambiente. 1.2 Metrópoles A partir da Revolução Industrial, o processo de crescimento das cidades se acelerou por duas razões: a necessidade de mão de obra nas indústrias e a redução do número de trabalhadores no campo. A industrialização promoveu de modo simultâneo os dois eventos, um de atração pela cidade, outro de expulsão do campo. Antes da Revolução Industrial não havia nenhum país onde a população urbana predominasse. No século XIX, a porcentagem de áreas urbanas era bem menor. A Grã-Bretanha, a principal, em função da própria Revolução Industrial, seguida pela França, Alemanha e outros que haviam se industrializado no decorrer desse século XIX, possuía a maior parte de sua população vivendo em cidades. 11 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 PLANEJAMENTO URBANO E O ESPAÇO RURAL Pode-se afirmar que o século XX é o século da urbanização, pois nele se acentuou o predomínio da cidade sobre o campo. Expandem-se então as metrópoles, como uma categoria de análise urbana que busca detectar cidades com exacerbado dimensionamento. Conceitualmente, uma metrópole constitui uma área urbana formada por uma ou mais cidades ligadas entre si fisicamente ou por meio de fluxos de pessoas e serviços, e que assumem importante posição na rede urbana da qual fazem parte. Além das dimensões físicas e populacionais, o conceito de metrópole inclui a influência econômica, jurídica, administrativa, cultural e política dos centros urbanos. As metrópoles, cidades grandes com imensa densidade populacional, são conhecidas desde a antiguidade, mas somente no século XX tomaram as proporções que conhecemos hoje. Do mesmo modo que muitas atividades econômicas superam as suas escalas econômicas de produção, as cidades que crescem desmesuradamente acabam por excedero denominado “tamanho ideal” e, a partir daí, passam a impor problemas econômicos de escala a grande parte dos estabelecimentos industriais ou comerciais ali instalados. Esses problemas econômicos se fazem refletir nos custos de produção, na saturação dos sistemas de abastecimento d’água, no elevado tempo de viagem imposto aos trabalhadores, nos problemas de abastecimento causados por dificuldades no trânsito, nas restrições para resolver o problema dos rejeitos, e assim por diante. No momento em que a cidade entra numa curva de perda das vantagens inicialmente oferecidas pelo processo industrial, o lógico seria iniciar a descentralização das atividades, buscando outras localidades mais vantajosas. Mas isso ocorre em grau muito reduzido de desaceleração, com uma cidade que cresce e assiste à degradação de seu meio ambiente e de sua qualidade de vida. A descentralização só tem ocorrido muitos e muitos anos depois do completo inchaço demográfico e da considerável destruição do meio ambiente nos grandes centros urbanos. 1.3 Megacidade e conurbação O processo de urbanização raramente é induzido por alguma política governamental de forma ordenada. Ele se processa de modo descontrolado, forçando as cidades a abrigarem um número de pessoas superior a sua capacidade, o que dá origem a habitações subnormais, aos “sem-teto”, à violência, à poluição e às periferias desassistidas que existem mesmo nas cidades mais ricas do mundo. Revela-se então um conceito que busca inscrever esse tipo de cidade que cresce desmesuradamente por razões diversas, denominada por muito autores megacidade: um aglomerado urbano formado por um conjunto de cidades conurbadas, cuja população supere 10 milhões ou mais de habitantes. Megacidades formam-se, em geral, da expansão acelerada de núcleos menores até a consequente junção ou unificação da malha urbana, processo denominado conurbação. O novo núcleo urbano unificado, agora maior, integra-se dentro uma região urbana em constante intercâmbio de fluxos (pessoas, mercadorias, informações), com outros núcleos. 12 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 Unidade I Figura 1 – Processo de conurbação entre as cidades de Canoas e Gravataí, no Rio Grande do Sul Então, toda megacidade é uma metrópole, mas nem toda metrópole é uma megacidade, porque uma metrópole não necessariamente precisa absorver 10 milhões de habitantes. Sua essência se encontra não somente na grandeza, mas também no seu grau de influência política, econômica e cultural dentro de uma rede urbana consolidada, tendo em vista os inúmeros exemplos de cidades médias que polarizam uma região integrada entre outros núcleos menores e exerce um papel de influência sobre os mesmos. Já para o conceito de megacidade o que importa é a dimensão demográfica, um fator que leva incondicionalmente à elevação de seu grau de importância dentro da região em que está inserida. Assim, qualquer megacidade é, de fato, uma metrópole. Para exemplificar, as principais metrópoles brasileiras apontam para São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Brasília. Em outros países, os exemplos mais conhecidos são Tóquio, Nova Iorque, Cidade do México, Paris e Londres. Dentre todas essas cidades, apenas algumas são megacidades, como São Paulo, Cidade do México, Tóquio, Nova Iorque e Londres. 1.4 Megalópole O crescimento gerador de metrópoles e megacidades é condicionado em larga escala por relações baseadas no fenômeno técnico e na informação. Ao longo do século XX, o desenvolvimento territorial baseado na difusão das técnicas informacionais e de transportes deu impulso ao crescimento e, igualmente, à formação de um eixo de integração urbana entre as diversas metrópoles. Essas partilham de um intercâmbio constante de fluxos diversos que envolvem pessoas, mercadorias e informações, ao ponto de torná-las um espaço unificado de alta urbanização, não obstante ocorram espaços de produção agropecuária entre elas, por exemplo. Este espaço constitui uma megalópole, ou o que alguns autores denominam cidade-região. 13 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 PLANEJAMENTO URBANO E O ESPAÇO RURAL A urbanização sem fronteiras aparentes une no espaço conurbado metrópoles que outrora eram facilmente delimitáveis, e diversas regiões se tornam espaços inteiramente urbanizados, dando origem a uma nova entidade socioespacial que vem sendo denominada de cidade-região. A partir dos processos socioespaciais contemporâneos, e de novos sentidos da produção do espaço urbano, começa a se evidenciar esta nova unidade de análise socioespacial, em gestação a partir do processo de extensão do tecido urbano das grandes metrópoles industrializadas (MAGALHÃES, 2008, p. 9). Em outras palavras, uma megalópole é, dessa forma, expressão de uma rede urbana de grande adensamento demográfico polarizada por grandes metrópoles conurbadas. As cidades dessa rede apresentam forte integração econômica, e as áreas agrícolas são altamente influenciadas pelo meio urbano, em geral, de produção intensiva com alta mecanização. Tais relações entre cidades formam uma rede urbana interligada, cuja importância se realiza de acordo com o grau de especialização das atividades econômicas e o grau de influência que exercem sobre outras. Megalópoles são, portanto, o grau mais elevado de desenvolvimento urbano e apresentam uma escala regional. Observação As maiores megalópoles do mundo são: Boswash – população: cerca de 60 milhões de habitantes; metrópoles abrangentes: Boston, Nova Iorque, Filadélfia, Baltimore e Washington. Tokkaido – população: cerca de 80 milhões de habitantes; metrópoles abrangentes: Tóquio, Kawasaki e Yokohama. Chipits – população: cerca de 55 milhões de habitantes; metrópoles abrangentes: Chicago, Pittsburgh, Cleveland e Detroit. Figura 2 – Megalópole Boswash nos Estados Unidos 14 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 Unidade I Figura 3 – Megalópole brasileira em formação entre São Paulo e Rio de Janeiro 1.5 Hierarquia urbana Entre cidades, metrópoles e megalópoles, há uma divisão territorial do trabalho que define funções específicas de um determinado núcleo urbano. Forma-se, nesse sentido, uma rede urbana composta de pontos (cidades) e linhas (fluxos) que formam uma teia de relações organizada segundo diferentes níveis de importância de uma cidade em relação à outra. Importância dada por sua função na divisão territorial do trabalho. Assim, cada cidade possui uma hierarquia, um grau maior ou menor de importância, definido por seu grau de influência sobre outras. Tal importância é definida segundo diferentes aspectos: a) Dinamismo, concentração e diversidade de atividades econômicas. b) Concentração demográfica. c) Oferta de equipamentos públicos. d) Oferta de mão de obra qualificada e de tecnologia. e) Instituições políticas em geral. No Brasil há uma hierarquia definida oficialmente pelo IBGE constituída pelas seguintes categorias: • Metrópole global: articula a economia global mediante inúmeras redes de todos os tipos e centraliza funções superiores direcionais, produtivas e administrativas de empresas com atuação planetária. Articula e centraliza também o controle da mídia e a capacidade simbólica de criar e difundir mensagens. É o nível mais elevado do sistema urbano mundial. • Metrópole nacional: comanda a vida econômica e social da nação e concentra todos os tipos de funções. Por isso, ocupa o mais alto nível hierárquico de um país. 15 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /16 PLANEJAMENTO URBANO E O ESPAÇO RURAL • Metrópole regional: comanda a vida econômica e social de uma região e concentra todos os tipos de atividades que atuam nesse espaço. Ocupa o mais alto nível hierárquico de uma região. • Centro regional: cidade de médias dimensões que centraliza as atividades econômicas de pequeno e médio portes e fluxos de consumidores de bens e serviços da região que a circunda. • Centro sub-regional 1: cidade de porte pequeno diretamente vinculada aos fluxos do centro regional. • Centro sub-regional 2: núcleo urbano cujos eixos de influência se encontram no Centro Regional e no Centro Sub-Regional 1. 1.6 Cidade globais É importante destacar as cidades do topo da hierarquia, apresentadas como metrópoles globais, mais conhecidas como cidades globais. Essas cidades são expressões espaciais de uma nova ordem global que se estabelece desde a década de 1990, quando prevalecerá a integração dos mercados mundiais por meio das tecnologias de informação. Essas cidades constituem os pontos de irradiação dos fluxos internacionais que se direcionam por cada país e integram uma estrutura de comando econômico em âmbito mundial. Convém mencionar que não necessariamente precisam ter um número elevado de habitantes, mas, em geral, apresentam esta função porque: [...] abrigam um número significativo de sedes de grandes empresas transnacionais, têm bolsas de valores de importância internacional, têm uma economia majoritariamente de serviços, oferecem centros de convenções, modernos aeroportos, rede hoteleira de primeira linha, e por isso tudo recebem significativo fluxo de capital financeiro, de homens de negócios e de mercadorias (FERREIRA, 2003, p. 50). A era da globalização é a era das cidades, pois elas ampliam sua importância e crescem de acordo com as condições gerais de produção no capitalismo global. Nesta fase, a produção se internacionaliza e ratifica o surgimento de cidades globais como aquelas que exercem o maior grau de influência econômica e são as sedes das grandes corporações industriais e financeiras. Os três principais exemplos são Nova Iorque (EUA), Londres (Inglaterra) e Tóquio (Japão). 2 A HISTÓRIA DO PLANEJAMENTO URBANO 2.1 A gênese do urbanismo moderno O início do século XIX já anunciava novos tempos numa sociedade plenamente marcada pelo domínio da máquina. A consolidação do meio técnico e a dispersão da produção em larga escala apontaram traços essenciais no desenvolvimento das cidades em que a primeira Revolução Industrial havia eclodido. Tais traços demarcaram o domínio da privatização da terra, da moradia, dos meios de produção e do espaço de modo geral. Como resultado das profundas mudanças na economia mundial, o avanço das forças produtivas e a modernização durante o século XIX não 16 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 Unidade I somente trouxeram o incremento da urbanização e a emergência de um novo arquétipo de cidade, mas também constituíram o fenômeno urbano. Na cidade industrial, se por um lado criavam-se as bases para a artificialidade das fábricas, da máquina, do trabalho e da disciplina, por outro havia o enfrentamento das multidões, da pobreza, da insalubridade e das doenças. Nessa relação entre cidade artificial e cidade orgânica, o fenômeno urbano se construiu como marco de descontinuidade na história das cidades, quando a humanidade tinha mergulhado no turbilhão da vida moderna. O conhecimento científico e a industrialização da produção criaram e recriaram novos ambientes e destruíram antigas formas, assim como a descomunal explosão demográfica intensificou o crescimento das cidades e as lutas em seu interior. A evolução das tecnologias de comunicação, o fortalecimento dos Estados Nacionais, a estruturação de movimentos sociais e de classe, e a consolidação do capitalismo industrial representaram, dentre outros processos, uma fase de modernização cujo palco principal foi a cidade (BERMAN, 1986). Dessa maneira, como a emergência do urbano e a consolidação da ordem moderna induziram as sociedades capitalistas do final do século XIX a repensar o destino das cidades e como o urbanismo se insere neste contexto? A dita modernidade caracterizada por efemeridade e transitoriedade, de renovação constante das formas urbanas, é inerente a práticas socioespaciais articuladas ao avanço das forças produtivas no capitalismo. Inicialmente com pequenas máquinas de tecelagem, depois com o surgimento da máquina a vapor e com a evolução nos meios de transporte, nesse processo histórico a primeira coisa que observamos é a paisagem que expressa a experiência moderna. Referimo-nos à proliferação das fábricas e de áreas industriais, onde a cidade passa a ser o locus de dominação, de fluxos de mercadorias, pessoas e ideias, adquirindo um caráter eminentemente produtivo. No final do século XIX e início do XX a população vivendo em cidades na Europa ultrapassou aquela que vivia no campo, e a vida urbana efetivamente começava a condicionar estilos de vida e uma nova cultura. Aqui devemos mencionar o próprio modo de vida instituído no bojo da sociedade capitalista, cujas contradições trouxeram consequências aterradoras. A despeito das forças modernizantes e científicas da época, com a capacidade de amenizar e aperfeiçoar o trabalho humano, o que se viu foi a intensificação e a sobrecarga de trabalho. Se de um lado o homem conseguia dominar a natureza, extraindo dela suas fontes de riqueza e prazer, de outro dominava a si próprio, escravizando e explorando um ao outro. Nesse período, a sede de progresso material e intelectual se sobrepôs ao elemento humano, constituindo um verdadeiro retrocesso espiritual. Esta contradição entre o espectro moderno de racionalidade e técnica de um lado, e o ideário que expressa a centralidade do homem de outro, tornou-se uma importante questão para o planejamento das futuras cidades, fator que veremos mais adiante (BERMAN, 1986; HARVEY, 1992). No que se refere ao plano infraestrutural da cidade, outros problemas surgiram em resposta ao crescimento acelerado dos espaços urbanos. De acordo com Blainey (2004), entre 1750 e 1850, a população da Europa deu um salto em mais de 80% e as cidades cresceram e tornaram-se tão grandes 17 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 PLANEJAMENTO URBANO E O ESPAÇO RURAL quanto as maiores da China. Embora possamos considerar este crescimento como resultado de um avanço das técnicas na área da saúde, o ambiente fabril dos espaços urbanos gerou áreas predominantemente insalubres, sujas, onde a grande massa de trabalhadores se amontoava em pequenas casas. Não havia infraestrutura urbana básica para os novos e antigos moradores, e as cidades geralmente ficavam ao longo de um rio, cuja água poluída era utilizada para cozinhar e se lavar. A massa trabalhadora se concentrava em vielas e pardieiros úmidos sem as mínimas condições de habitabilidade, com sistemas de infraestrutura defeituosos ou nulos. Nas ruas o esgoto escoava até os rios próximos e as infecções eram espalhadas pelo saneamento precário, trazendo doenças e mortes (BLAINEY, 2004). Em pouco tempo a cidade industrial, berço da modernidade, passou a ser alvo primordial de reflexão e de problematização. A consciência acerca da realidade urbana da época e o enfrentamento dos graves problemas sociais instigaram a intelectualidade a debater sobre as características da rápida urbanização. A cidade passou a ser objeto de disciplina, e o método racional e científico adquiriu papel primordial na definição de caminhos para a pacificação das camadas sociais mais pobres. Os conjuntos de saberes e práticas desenvolvidas no final do século XVIII e início do XIX, em que a cidadeera o objeto de atenção e de intervenção, estabeleceram as bases para a fundação do urbanismo como disciplina de estudo da cidade. O intuito era requalificar os espaços e racionalizar as relações entre os proprietários e o proletariado, consolidando a noção de uma ordem social vinculada à reforma do meio urbano. Pechman (1996) chama a atenção para o fato de que nas grandes capitais europeias da época as camadas populares lutaram tenazmente pelo direito ao espaço público e pelo acesso a um lugar na cidade. Em oposição, a classe dominante fundava seu poder a partir da intervenção no espaço, buscando desmontar grupos sociais e adequar a cidade para os objetivos de produção, circulação e consumo de mercadorias. Sobre um espaço que se urbaniza freneticamente, as áreas públicas alteram sua função de promoção da cultura para outro de mera circulação, onde predominam a esfera do consumo e do trabalho. Nestes conflitos de classe pelo acesso à cidade, o urbanismo surge como princípio burguês de intervenção humana, tendo por base que o ordenamento urbano e social eram articulados. Para os ideários burgueses, os bairros insalubres e miseráveis, onde vicejavam os encontros da classe trabalhadora, funcionavam como locais de imobilidade, confusão, protestos e badernas. Nesse sentido, a presença de multidões nas ruas e o risco latente de revoltas corresponderam a verdadeiros desafios para a redefinição dos espaços públicos. Por isso a forte preocupação da burguesia em centrar seu poder na dominação do espaço, como forma de viabilizar os meios de manutenção de sua própria existência. Ao limpar a rua da presença popular e fortalecer a vida privada como uma conquista da humanidade, a burguesia se apoia no urbanismo para organizar cientificamente a cidade, colocando cada coisa no seu devido lugar, evitando aglomerados de um lado e vazios perigosos de outro (SARTOR, 1999). Portanto, o urbanismo moderno se autonomizou enquanto campo do conhecimento científico e compôs um amplo projeto intelectual, político e ideológico para a edificação de uma nova ordem nas cidades. Reuniu saberes e práticas racionais de intervenção e outras propostas pontuais no século XIX que delinearemos a seguir. As escolas do urbanismo analisadas nesse ponto compõem um ideário de forte significação nas cidades europeias e norte-americanas, vindo a influenciar a vida de milhões de pessoas durante o século XX e que suscitaram o aparecimento de outras correntes na procura da ressignificação urbana. 18 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 Unidade I 2.2 As principais correntes do planejamento urbano Muitas correntes do urbanismo surgiram no decorrer daquele período. Embora com formações e enfoques diferentes, a maioria partiu do princípio de que a industrialização havia gerado uma desordem social que deveria ser reparada (MONTE-MÓR, 2007). Na verdade, no decorrer do século XIX ainda se desenvolviam os pensamentos que iriam embasar a prática urbanística, período em que Choay (1994) denomina de fase pré-urbanista. Nessa fase o urbanismo foi se consolidando nas mãos de economistas, políticos e outros profissionais, ainda de maneira reflexiva, sem a existência de confirmações de hipóteses, sistemas descritivos e investigações incidentes sobre a cidade. 2.2.1 O racionalismo e o culturalismo Nessa época pré-urbanista começaram a se desenhar duas vertentes de pensamento bem-definidas. Por um lado, a disciplina emerge com o viés científico de investigação e problematização do urbano, por meio da transformação do cenário de insalubridade e pobreza em outro de reconstrução dos bairros, ruas e quarteirões, visando sua higienização. Por outro lado, também foi alvo de outras influências calcadas em princípios e dimensões artísticas, em que o vislumbramento de costumes urbanos passados adquiriu relevância para os projetos. Ao contrário do enfoque puramente higienista de reconstrução de uma nova cidade, arejada, ventilada e limpa, tais projetos consistiam em amplos modelos pautados em princípios artísticos dos séculos anteriores. Essa dualidade entre ciência e arte marcou a passagem do pensamento para a prática em urbanismo numa relação de forças. Kohlsdorf (1985, p. 23) esclarece como se estruturaram essas duas correntes urbanísticas significativamente opostas: As duas atitudes originaram-se da observação da Revolução Industrial a partir de duas posições extremas: de forma a aceitá-la como a chave dos tempos modernos onde todas as contradições estariam resolvidas, ou de forma a negá-la, por ser responsável pelo desaparecimento de um mundo melhor. Ambos os princípios dominaram o discurso urbanístico no período pós-Revolução industrial e opuseram-se em olhares, atitudes e procedimentos. Como exposto por Kohlsdorf (1985), ao progressismo ou racionalismo implicava a adequação da cidade à nova fase de progresso e modernização, abrindo caminho para uma onda de otimismo com os avanços tecnológicos e econômicos. Tais avanços pautados pelo aval científico e acadêmico seriam responsáveis por uma futura superação das contradições urbanas, em que logo a humanidade encontraria seu caminho de harmonia e qualidade de vida. No entanto, para o culturalismo, tal período expressou a perda dos valores tradicionais das cidades antigas, e, em contraposição, a corrente defendia que a nova fase representava a degeneração da qualidade urbana. A definição primaz da corrente culturalista é a nostalgia do passado, de maneira que resgate os padrões socioculturais das cidades pré-Revolução Industrial. 19 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 PLANEJAMENTO URBANO E O ESPAÇO RURAL Kohlsdorf (1985) e Choay (1994) categorizam o pensamento progressista e culturalista, mediante seus objetivos mais elementares. Para os urbanistas progressistas, a cidade deveria estabelecer uma classificação rígida na definição de funções para os bairros, visando fazer desses espaços locais úteis para circulação do capital industrial e comercial. A organização urbana levava em consideração a utilidade que determinada área tinha para os objetivos de rentabilidade econômica; nesse aspecto, a circulação intraurbana adquire papel fundamental, visto que as ruas e avenidas permitiriam melhores condições de locomoção e mobilidade. Em consequência, as intervenções tinham uma forte preocupação em realizar obras viárias e de saneamento, criando espaços descontínuos e abertos, altamente artificializados, estandardizados e geometrizados (Choay, 1994). Esta geometrização estava em função de um modelo estético tão importante quanto a utilidade, em que os progressistas idealizavam trazer para a cidade um espetáculo cotidiano. Kohlsdorf (1985) explica que o espaço era organizado pela predominância do fundo sobre a figura, com a consequente separação entre volumes, grandes distâncias e longas perspectivas. Segundo Choay (1994, p. 9), “a cidade progressista recusa qualquer herança artística do passado, para submeter-se exclusivamente às leis de uma geometria ‘natural’”. Em suma, os principais ícones progressistas exprimiam a universalidade da razão e a fé no progresso da civilização, em que o passado é praticamente esquecido e o presente torna-se irredutível para a estruturação do mundo moderno. Essas perspectivas visavam à ampla reforma do hábitat urbano a partir da reconstrução de bairros e quarteirões, assim como pela construção de áreas verdes abertas e todo um sistema de infraestrutura. As mudanças nos padrões de uso e ocupação do solo focavam primordialmente em se distanciar dos modelos de cidade até então vivenciados, antes e no decorrer do processo de Revolução Industrial. No que toca ao culturalismo, ao contrário do enfrentamento otimista evoltado ao presente, predominaram o sentimento de pessimismo e os devaneios da cidade passada. Essa preocupação é traduzida pela perda gradativa dos encontros e das relações humanas nas ruas e nos bairros. Nesse sentido, o homem adquiriu um papel mais importante no culturalismo do que no progressismo, em razão do caráter intermutável e insubstituível do ser humano na formação de grupos e comunidades. Como expressa Kohlsdorf (1985, p. 30), “o culturalismo caracteriza a cidade a partir da noção de cultura, onde a arte é o principal elemento de integração social”. Assim, a cidade deveria oferecer os espaços para integração e aproximação das pessoas no seu cotidiano, principalmente a viabilização de locais para lazer e cultura. A rua e a praça eram elementos fundamentais na formação de um ambiente urbano que estimulasse o encontro e as relações interpessoais; além disso, o traçado das ruas deveria respeitar as formas de relevo e a orientação dos ventos. Em consequência, predominavam as formas curvilíneas e tortuosas, de geometria orgânica e natural. Essa concepção organicista de cidade significou uma formação pautada pelas necessidades funcionais dos seres humanos, em que o espaço é produzido de maneira artesanal, sem protótipos e padronizações. A ênfase dada às cidades antigas fez do culturalismo um movimento descolado do presente e fechado nos ditames históricos, em razão da fuga de uma cidade não aceita. Também por essa razão, o movimento culturalista é colocado como não científico. (KOHLSDORF, 1985). 20 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 Unidade I Portanto, essas duas correntes foram predominantes no campo teórico do urbanismo, em sua fase de germinação e consolidação. A transição do pré-urbanismo para o urbanismo se processa especialmente no momento em que a disciplina se estrutura como um campo de especialização sobre a cidade, restrita apenas a profissionais (na época, apenas arquitetos e engenheiros). No interior dos próprios centros acadêmicos, o desenvolvimento de métodos descritivos, classificatórios e quantitativos, voltados pra um viés puramente prático, trouxe identidade e consolidou efetivamente a disciplina. A principal pretensão do urbanismo era reunir os saberes elaborados e as práticas pontuais do século XIX: O processo de autonomização do campo implicou na organização de um método próprio de trabalho, cujo enfoque foi a totalidade da cidade e que, também, repercutiu na tensão entre princípios de natureza científica, técnica e artística (SARTOR, 1999, p. 40). Essa repercussão da tensão entre princípios técnicos e artísticos significou o predomínio das ideologias que constituíram a fase pré-urbanística, o progressismo e o culturalismo. Apesar da definição dos métodos, a ausência da pesquisa em urbanismo cedeu lugar à ressignificação das duas matrizes, cujo embate continuou a dominar o debate acadêmico. Nos diferentes países da Europa as duas vertentes passaram a se desenvolver, influenciando decisivamente muitos projetos de reconstrução de cidades e bairros, tendo em urbanistas como Camillo Sitte (1843-1903), Ebenezer Howard (1850-1928) e Charles-Édouard Jeanneret, mais conhecido como Le Corbusier (1887-1965), algumas das principais influências. 2.2.2 O City Beautiful O movimento denominado de City Beautiful adquiriu grande destaque no início do século XX. De inclinação progressista, essa escola teve como principal planejador o arquiteto Daniel Hudson Burnham (1846-1912), cuja meta era promover o embelezamento e construir uma cidade monumental como forma de criar um ambiente moral e cívico para os habitantes. De acordo com Hall (1988), o marco inicial desse movimento deu-se no Columbian Exposition de Chicago, em 1893, quando o objetivo primordial do planejador norte-americano era superar os focos geradores de “doenças, depravação moral e descontentamento da população” (HALL, 1988, p. 208). Para isso, o City Beautiful conduziu obras de embelezamento e de infraestrutura em grande escala, colocando as questões do incrementalismo estético e do preservacionismo arquitetônico como aspectos fundamentais. Uma contribuição importante para o surgimento desse movimento nos Estados Unidos é oriunda de planos para a construção de parques públicos e outras áreas verdes no interior dos centros urbanos, tendo na figura de Frederick Law Olmsted (1822-1903) seu maior incentivador. Considerado o pai da arquitetura paisagística norte-americana, Olmsted creditou à melhoria sistemática do ambiente urbano o caminho para assegurar uma ordem moral harmoniosa, apostando que os parques e áreas de lazer exerceriam influência favorável ao autocontrole e ao equilíbrio (HALL, 1988). A concepção de Olmsted era de resgatar o repouso e a placidez proporcionada pela paisagem campestre. A vegetação característica e os estilos pitorescos da paisagem rural precisavam ser recuperados na perspectiva de recriar a “espontaneidade” no cenário urbano, tão marcado pela agitação cotidiana. Logo se constituíram “sistemas de parques” articulados por vias sinuosas de circulação, denominadas parkway. 21 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 PLANEJAMENTO URBANO E O ESPAÇO RURAL Posteriormente, o City Beautiful irá incorporar esses princípios, sobretudo as parkways, aplicando-os em grande escala. Logo, sobre cidades já consolidadas se promoviam projetos audaciosos de reconstrução, onde se articulavam preocupações de ordem estética, paisagística e de infraestrutura. Dessas concepções derivadas de Olmsted provém o fundamentalismo urbanístico do City Beautiful: a aparência física da cidade expressaria sua ordem moral. Burnham foi o responsável pelo Plano de Urbanização de Chicago entre 1907 e 1909, e a partir deste, seguiram-se inúmeros outros. Apesar de planos para a urbanização, o papel dos edifícios se tornou predominante para a promoção do apelo estético buscado pelo City Beautiful e, não importando onde estivessem, os edifícios deveriam adquirir um aspecto monumental para construir um orgulho cívico. Figura 4 – Urbanismo Monumental do City Beautiful Figura 5 – Traçado urbanístico 22 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 Unidade I Logo, a arquitetura monumental desse movimento acabou por sair de moda nas décadas posteriores. A população orgulhava-se dos monumentos, mas esses conjuntos não tiveram sucesso. Invariavelmente, a cidade normal em volta deles decaía em vez de prosperar, e eles sempre atraíam uma vizinhança incongruente de salões de tatuagem sujos e lojas de roupas usadas, quando não apenas uma decadência indescritível e deprimente (JACOBS, 2000). Mesmo com esse declínio, o movimento não deixou de instigar outros planejadores. O plano de Chicago deixou muitos admiradores pelos Estados Unidos e pela Europa, inspirando o discurso progressista do esteticismo como condição para uma ordem social harmoniosa. 2.2.3 As cidades-jardins ou garden cities O declínio do City Beautiful cedeu espaço para a emergência e o fortalecimento das cidades-jardins de Ebenezer Howard, certamente, a principal corrente até os anos 1940. Assim como a maioria das correntes insurgentes no campo do urbanismo, a Cidade-Jardim aparece para confrontar os problemas oriundos da grande industrialização. Sem formação em urbanismo e autodidata, Howard elaborou um grande projeto que apontava para o melhoramento das condições de pobreza da classe trabalhadora, defendendo o ideal comunitário. Influenciado pelo geógrafo russo Kropotkin (1842-1921), cujo ideário promulgava o fim das grandes cidades e das fortes concentrações demográficas, Howard viu nas cidades-jardins uma nova civilizaçãobaseada no serviço à comunidade (MUMFORD, 1965). O que são as cidades-jardins? Diferentemente de intervenções sobre cidades já existentes, o ideal de Howard dependia de novas áreas onde se pudesse delinear com liberdade uma cidade completamente nova. Com base em sua obra Garden Cities of Tomorrow, de 1899, um primeiro aspecto importante a se ressaltar é que os locais de vivência do ser humano não se restringiam apenas ao ambiente urbano ou rural, e sim que existiria uma terceira via, uma cidade-campo, em que ambos os ambientes poderiam ser combinados de modo integrado. Howard acreditava que nem campo nem cidade poderiam, isoladamente, realizar completamente o ideal de uma vida perfeita com a natureza. Por exemplo, da mesma maneira que a cidade oferece suas vantagens de progresso, emprego, tecnologia e locais de diversão, retorna com seus preços altos, horas excessivas de trabalho e poluição. Já o campo inspira belas paisagens, ar fresco, horas a menos de trabalho e preços baixos, mas, em compensação, devolve baixos salários e poucas fontes de diversão e trabalho. Segundo Howard (2002, p. 110), “cidade e campo devem estar casados, e dessa feliz união brotaria uma nova esperança, uma nova vida, uma nova civilização”. Dessa junção surge uma comunidade autossuficiente, erigida numa gleba de, aproximadamente, 2.400 hectares, outorgada para alguns poucos proprietários mediante empréstimo. Construída nesse terreno, a Cidade-Jardim é parcelada e os aluguéis das terras seriam pagos aos administradores para que eles pudessem reverter esse excedente na construção e manutenção de obras públicas necessárias. Da área inicial de 2.400 hectares, a Cidade-Jardim ocuparia apenas 400 hectares no centro da gleba, de preferência no formato circular e com um raio de 1.100 metros. Inserido nesse projeto estariam alocados seis bulevares que ligariam o centro da Cidade-Jardim até sua circunferência, dividindo-a em bairros, e, ao centro, estariam os maiores edifícios públicos. Ligados com a zona central por grandes 23 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 PLANEJAMENTO URBANO E O ESPAÇO RURAL avenidas – sempre arborizadas –, se encontrariam cinturões voltados para as moradias, dispersos como anéis concêntricos. Howard previu para esses anéis residenciais e para a zona central o assentamento aproximado de 30 mil pessoas organizadas em 5 mil terrenos com superfícies médias de 6,5 m x 44 m, ladeados por avenidas significativamente largas. Nos anéis mais exteriores se dispunham os entrepostos comerciais e industriais, localizados ao longo de estradas de ferro circulares que se comunicariam por toda a cidade, com ramificações que permitiam o transporte de mercadorias diretamente entre as zonas agrícolas, comerciais e industriais (HOWARD, 2002). Dos 2.400 hectares, os outros 2 mil restantes faziam parte do último anel, local da produção agrícola. Projetado para uma população de 2 mil pessoas, no anel agrícola se organizavam propriedades individuais como fazendas grandes e pequenas, pastagens e outras terras para arrendamento (HOWARD, 2002). Esse cinturão verde serviria não só para conservar próximo o ambiente rural, como também para impedir que outros núcleos urbanos se fundissem com a Cidade-Jardim. Howard preocupou-se em fazer da zona agrícola um amortecedor contra o crescimento incontrolável do centro populacional. Quando a dimensão entre a cidade e o campo atingisse sua capacidade máxima de suporte, novas cidades deveriam ser formadas ao redor de um núcleo central de 58 mil habitantes, formando uma rede urbana interligada por ferrovias e rodovias. Com o tempo, na medida em que a população aumentasse e novas cidades fossem construídas, seria desenvolvida uma rede urbana em que cada Cidade-Jardim ofereceria um campo aberto de empregos e estaria ligada às demais por serviços de transporte. Howard deu o nome a essa visão policêntrica de cidade social, e esse conglomerado de Cidades-Jardim constituía a realidade física da cidade-campo: o terceiro ímã. Howard denomina a cidade-campo, de terceiro ímã. Além da existência de um ímã-campo e de um ímã-cidade, existiria um terceiro, o ímã cidade-campo, onde as características atrativas dos dois primeiros estariam aglutinadas num único sistema. Isso significa que haveria a necessidade de um conglomerado urbano para se atingir a cidade-campo, ao contrário de sistemas individuais, denotando, no que tange ao projeto, a preocupação com o processo de crescimento da população. Portanto, Ebenezer Howard viu nas cidades-jardins um novo modo de organização pautado pela relação interdependente do campo e da cidade. As duas principais cidades-jardins foram Lecthworth (1903) e Welwyn (1920), na Inglaterra e na Suécia, respectivamente, erigidas sob a batuta de Raymond Unwin (1863-1940) e Barry Parker (1867-1947). Nos Estados Unidos, apesar de nunca terem sido erigidas obras à luz do pensamento de Howard, este inspirou inúmeros projetos. Antes do que cidades-jardins concebidas para uma reforma social ou para o incremento das condições de vida da classe trabalhadora, nos Estados Unidos isso se reverteu para preocupações de ordem arquitetônica e paisagística de comunidades locais. Nas décadas de 1910 e 1920 muitos projetos habitacionais começaram a se utilizar dos princípios das cidades-jardins, e isso se sucedeu pelas décadas seguintes. Dois planos a serem mencionados são Radburn, em 1928, e Forest Hills Garden, em 1911, de Clarence Stein (1882-1975) e Clarence Perry (1872-1944), respectivamente. Com relação a Radburn, o plano priorizou moradias e jardins individuais, ruas em cul-de-sac com separação de pedestres e veículos através dos superblocks. Embora tenham sido projetados, não tinham indústrias nem cinturão agrícola. Por isso, a partir dessa época, os subúrbios-jardins expandem-se nos EUA de maneira unilateral, sem conteúdo social. Isso indica que as cidades-jardins nos Estados Unidos se aproximaram mais de subúrbios-jardins, com moradias individuais e ruas em cul-de-sac. Longe de 24 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 Unidade I serem aquelas propostas por Howard na Inglaterra, estas tampouco apresentavam o cinturão agrícola e as indústrias, até porque os desígnios dos planos norte-americanos eram a restauração de bairros e o incrementalismo estético. Houve uma adaptação incompleta da parte central da Cidade-Jardim, sobretudo no que toca ao estabelecimento de grandes jardins centrais ladeados por edifícios e envoltos por cinturões residenciais. No mais, preservaram os modelos viários arborizados e extremamente largos e o caráter funcionalista do projeto original. Convém destacar que a aceitação deste projeto original tornou-se pequena perto da influência dos conceitos de Howard, fortemente utilizados para o planejamento e o controle da expansão dos grandes aglomerados urbanos. 2.2.4 O urbanismo modernista A definição de urbanismo trazida no Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (Ciam) de 1933 foi, essencialmente, uma continuação das ideias que já predominavam na Europa e nos Estados Unidos até a década de 1920, decretando a predominância do ideário progressista. Isso significa dizer que seus planos, embora contrastassem pontualmente em princípios e regras com as correntes anteriores, seguiram a crença nas grandes construções e nos aparatos tecnológicos como os caminhos para a realização de um mundo melhor. Seguiram principalmente a tendência das cidades-jardins, numa perspectiva de priorização de um espaço funcionalista, altamente classificado e geometrizado, fundamentalmente assentado sob uma mente criadora de uma nova cidade e um novo tempo que estava se descortinando. O Ciam fundou-se nos princípios de Charles-ÉdouardJeanneret, mais conhecido como Le Corbusier, um dos urbanistas mais influentes do século XX. Le Corbusier sustentou, desde suas primeiras experiências na cidade de Paris, que a cidade contemporânea deveria adequar-se aos avanços da modernidade. Adepto dos traços geometricamente calculados, acreditou fielmente que os projetos urbanísticos seriam os responsáveis por uma nova civilização, aquela da máquina e do ser contemporâneo. As novas técnicas e o avanço da ciência já haviam produzido um novo homem, e para esse o planejamento e o design urbanos deveriam ser dirigidos. Disse Le Corbusier: O novo homem precisa de um novo tipo de rua, [...] uma máquina para o tráfego. [...] Na rua, como na fábrica moderna, o modelo mais bem equipado é o altamente automatizado: nada de pessoas; nada de pedestres desmotorizados para retardar o fluxo. Na cidade do futuro, o macadame pertencerá somente ao tráfego (LE CORBUSIER, 1992, p. 190). A rua não era apropriada para o pedestre. A chave do planejamento modernista era eliminar o excesso populacional dos centros das cidades. Le Corbusier vislumbrou a demolição total dos centros, e, em seu lugar, idealizou terrenos abertos, atravessados por grandes avenidas (HALL, 1988). Estas eram desenhadas em traçado reto e padronizado, e Le Corbusier oferecia especial atenção a elas: “A rua moderna deve ser uma obra-prima de engenharia civil e não mais um trabalho de cavouqueiros”. A rua fazia parte de uma estrutura funcionalista necessária para a satisfação de quatro demandas principais do ser humano: o morar, o trabalhar, o circular e o cultivar o corpo e o espírito. A cidade 25 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 PLANEJAMENTO URBANO E O ESPAÇO RURAL deveria oferecer os locais apropriados para atender essas necessidades, mediante a dispersão de zonas residenciais, comerciais, industriais, dentre outras. Um dos seus principais projetos, a Cidade Radiosa ou Ville Radieuse, ilustra rigorosamente como funciona essa estrutura. No centro, com 95% reservados para áreas livres, onde estariam dispostos de maneira uniforme 24 arranha-céus podendo conter de 10 mil a 50 mil empregados cada um, uma verdadeira cidade vertical destinada somente aos negócios. As residências, as quais Le Corbusier chamou de “máquinas de morar”, seriam produzidas em massa, espalhadas por prédios de apartamentos luxuosos e modestos, para proprietários e trabalhadores, respectivamente. Le Corbusier se inspirou nas cidades-jardins de Howard para designar as zonas mais afastadas do Centro, onde se processariam as atividades fabris e outros tipos de residências. Le Corbusier assimilou as cidades-jardins e tentou colocá-las em prática a seu modo. Não somente incorporou a criação de Howard na Ville Radieuse, mas também se esforçou para concretizar a proposta em lugares densamente povoados, com o argumento de que a natureza poderia se desintegrar ou ficar comprometida com o acesso de muita gente, e o prometido isolamento transforma-se numa comunidade superlotada (LE CORBUSIER, 1984 apud JACOBS, 2000). Na perspectiva modernista a cidade deveria ser plenamente classificada em suas zonas, ruas, trânsito e até na própria população. Na era da máquina, a cidade deveria funcionar do mesmo modo, com suas estruturas compartimentadas e definidas para exercer uma determinada função, num sistema harmônico e organizado. Assim como na máquina a falta de uma peça comprometeria seu funcionamento e sua eficácia, na cidade modernista cada área e forma urbana possuiria uma função no estabelecimento de uma realidade ordenada. Assim se reverbera no espaço um modelo plenamente físico-territorial. Os objetivos e horizontes de Le Corbusier se mostravam muito mais amplos, especialmente no que se refere à relação do homem com a cidade. Para ele, o século XX necessitaria de uma cidade oposta àquela do século anterior, suja, desordenada, barulhenta e recipiente de uma enorme variedade de usos, vivências e relações. Pelo contrário, em sua perspectiva ela deveria ser moldada sobre homens, formas e ações espelhadas na modernidade. Marshall Berman e Marcelo Lopes de Souza retratam o pensamento desse ícone da história moderna, assim como as críticas a ele direcionadas. Em uma das passagens, Le Corbusier expõe suas visões acerca da cidade: [...] um mundo inteiramente integrado de torres altíssimas, circundadas de vastas extensões de grama e espaço aberto – a torre no parque –, ligado por super-rodovias aéreas, servido por garagens e shopping centers subterrâneos (LE CORBUSIER, 1923 apud BERMAN, 1986, p. 190). Em outra passagem, nota-se interessante descrição do pensamento de Le Corbusier: Trata-se de arrancar uma sociedade de pardieiros, de procurar o bem dos homens [...]. Instrumental a ser forjado pela forma, pelo volume e disposição de unidades perfeitamente eficientes, cada uma colocada a serviço das funções que ocupam ou deveriam ocupar o tempo cotidiano; unidades de habitação compreendendo a morada 26 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 Unidade I e seus prolongamentos; unidades de trabalho: oficinas, manufaturas, escritórios; unidades de cultura do espírito e do corpo; [...] enfim, ligando todos os elementos e lhes emprestando vida, as unidades de circulação, horizontais, destinadas a pedestres e automóveis, e verticais (LE CORBUSIER, 1988 apud SOUZA, 2002, p. 127). A configuração espacial seria então baseada na simetria das formas e nas funções muito bem-definidas. A rua, nesse momento, passaria a ter a função apenas de circulação e de mobilidade, enquanto as pessoas ocupariam outros locais definidos como próprios para o usufruto das relações sociais (HOLSTON, 1993). Dois exemplos que ilustram cidades à luz do pensamento modernista são Paris, lugar que possuía direta relação com a vida e a construção da própria visão de mundo de Le Corbusier, e Brasília, a cidade modernista em sua plenitude. São realidades urbanísticas diferentes, propostas distintas. A difusão modernista, em especial após a elaboração da Carta de Atenas no IV Ciam, tem influenciado muitos urbanistas até os dias de hoje, tornando-se a verdadeira matriz de pensamento em planejamento urbano no século XX. Especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, o estilo modernista começou a transformar o cenário urbano, apesar de seus principais propagandistas e praticantes (Gropius, Le Corbusier, Frank Lloyd Wright etc.) estarem em atividade há muito tempo. Embora o modelo proposto por Le Corbusier pouco tenha se concretizado, é fato que sua apropriação parcial por diferentes arquitetos impactou cidades por todo o mundo. James Holston (1993, p. 50) esclarece que, para o Ciam, “as cidades da Revolução Industrial não foram planejadas nem como unidade de produção nem como centros administrativos que o desenvolvimento industrial estava a exigir. Não eram organizadas nem pelas necessidades do processo de produção, distribuição e consumo”. Ainda em Holston, a proclamação da era da máquina para o Ciam se fundava na crença de que esse período traria benefícios para todas as classes e a cidade deveria responder a esse contexto (HOLSTON, 1993). A indústria era eficaz, ordenada e produtiva, e assim deveria ser a cidade, o lócus da reprodução da força de trabalho e do próprio capital. Os espaços urbanos tortuosos e não ordenados para tais objetivos deveriam ser eliminados para o melhor aproveitamento da cidade e de suas funções. No planejamento urbano sua assimilação decorreu quase de maneira automática, uma vez que o avanço das forças produtivas, em especial com a dispersão do automóvel, fomentou um novo arquétipo de cidade, cujas exigências atreladas ao ciclo do capital se adequavam ao postulado modernista,tanto a partir dos grandes eixos de circulação quanto pela segmentação espacial das atividades e padrão locacional das distintas classes. 27 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 PLANEJAMENTO URBANO E O ESPAÇO RURAL Figura 6 – O rodoviarismo como influência do urbanismo modernista Observação A Brasília Modernista O projeto em Brasília ordena o espaço baseado nas escalas de uso, em que cada função urbana cria estruturas morfológicas próprias e identitárias: a “monumental coletiva” (edifícios públicos), a “residencial” (superquadras de moradia), a “gregária-concentrada” (espaço de lazer), e a “bucólica” (isolada, para recreação à beira do lago). Este tratamento modernista funcionalista consiste, por um lado, em garantir uma condição de vida mais reservada no interior das superquadras, que ficariam protegidas por densas cintas de árvores em seu perímetro, e por outro, em expor como imagem da cidade apenas a sua parte cívica. 2.2.5 O Novo Urbanismo americano (New Urbanism) Esse modelo tem sido descrito como o mais influente movimento em arquitetura e planejamento urbano nos Estados Unidos e na Europa desde o movimento modernista. Nesses últimos 30 anos, período em que surge e evolui como um movimento consolidado de planejadores, promulgou mudanças de modo que confrontasse os problemas trazidos pelo urbanismo modernista e a formação dos grandes subúrbios nos Estados Unidos. A ideia primordial é pautada essencialmente pela priorização do homem em oposição ao carro, pela utilização de usos mistos em detrimento da separação de funções, na densificação das atividades e das formas urbanas e pelo predomínio do público sobre o privado. Mediante uma cidade mais compacta e mista, os projetos almejam diminuir os gastos de energia despendidos na mobilidade urbana, favorecendo os encontros de pessoas e o senso de comunidade. 28 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 Unidade I Esta corrente se aproxima dos princípios das cidades-jardins, projetando bairros com centros e limites bem-definidos, similares às células urbanas e rurais de Howard. O conceito de cidades-jardins representa uma referência histórica importante no que tange ao New Urbanism, ao levar para os projetos a preocupação em manter ao redor da cidade um amplo cinturão verde e os desígnios da vida campestre. Essa corrente também se preocupa com o planejamento regional a partir do estabelecimento de princípios que relacionam o espaço regional ao local pelo sistema de transportes. Vale ressaltar que as aplicações abrangem diferentes escalas de intervenção, desde regiões até edifícios, e é na primeira que se identifica uma atitude efetivamente nova. Isso pode ser verificado em projetos que procuram centralizar as atividades diárias na escala do bairro, inviabilizando os fluxos de grandes distâncias, indicando um desenvolvimento regional que seria definido por uma dinâmica urbana restrita a centralidades de bairro e seus limites, de modo que induza ao mínimo os fluxos cotidianos longos. Essa estrutura passa a priorizar a diminuição da densificação a partir do afastamento dos centros de bairros, sob uma configuração que busca construir uma transição entre a cidade e a natureza. A região tende a ser planejada mediante o predomínio de áreas verdes circunscritas aos adensamentos de bairro, e ambos pressupõem a delimitação de limites bem-definidos. É preciso considerar que as primeiras intervenções do New Urbanism tinham por objetivo formar comunidades com identidades bem-definidas e com forte relação com o lugar de vivência. A unidade de planejamento fundamental é dirigida para a formação de “comunidades tradicionais” ou TND’s (Traditional Neighborhood Development). Um TND é a essência do New Urbanism. O padrão geral de um TND opera nas escalas da cidade, do bairro, da rua, da quadra e até de prédios. Essas são unidades básicas de planejamento de um TND, e foi por elas que se deram as primeiras aplicações do New Urbanism. Antes do que intervenções separadas ou pontuais em determinada escala, os planos almejam articular os princípios destinados às quadras, por exemplo, aos objetivos de planejamento de uma cidade inteira. Em outras palavras, no TND os princípios da rua comporiam os projetos do bairro, cujas premissas se articulariam com os planos da cidade. Um componente fundamental aplicado ao TND supõe que bairros e cidades possuam uma centralidade e um limite bem-definido. O centro de bairro deve abrigar locais de encontro, áreas públicas, edifícios institucionais, locais de trabalho, lojas, parques e outros equipamentos que favoreçam o senso de urbanidade. De acordo com Duany e Zyberk (1994, p. 17, tradução nossa), “o centro pode ser um parque, uma praça ou uma importante intersecção viária”. Já os limites definem a identidade do lugar, favorecendo o senso de pertencimento dos moradores de uma determinada comunidade. Podem ser definidos pelos aspectos naturais, como áreas florestais e rios, ou artificiais, como determinados tipos de infraestrutura, dependendo das particularidades que envolvem a localidade. Em cidades menores ou pouco densas, as áreas limítrofes de cada bairro são usualmente designadas para o desenvolvimento de atividades agrícolas ou de conservação, com lotes residenciais de baixa densidade de, no mínimo, 10 acres ou 4.050 m2. No caso de cidades maiores, os limites entre os bairros são desenhados mediante a instalação de parques, ruas e redes de transporte. A relação centro-limite pode ser observada numa determinada cidade com bairros bem-definidos, cada um possuindo seus limites e áreas centrais. Num modelo como esse o tempo levado para cruzar o centro de cada bairro até o seu limite leva 5 minutos a pé (isso corresponde aproximadamente a uma distância 29 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 1/ 05 /1 6 PLANEJAMENTO URBANO E O ESPAÇO RURAL de 500 m). Nesse raio estariam inseridos todos os serviços e equipamentos básicos para população, como: saúde, escola, mercado, comércio, habitação, dentre outros. Esse bairro estaria ligado a um centro maior, com atividades mais especializadas, ambos conectados por transporte coletivo. As diversas moradias estariam organizadas a uma distância de 3 minutos a pé das áreas centrais e dos equipamentos públicos e de lazer. Duany e Zyberk (1994) acreditam que uma diversidade: [...] inclui uma gama de tipos de moradia, voltadas para uma variedade de níveis de renda, desde o rico empresário até a professora e o jardineiro. As áreas de subúrbio, onde são comuns os processos de segregação pelos níveis de renda, não proporcionam uma maior gama social. O verdadeiro bairro, entretanto, oferece uma variedade de escolhas no acesso à moradia: apartamentos com garagens ao lado de residências unifamiliares, apartamentos acima e nas adjacências de lojas e locais de trabalho (DUANY; ZYBERK, 1994, p. 18, tradução nossa). Lembrete No TND, esses locais se conectam por um sistema viário padronizado em grid, um modelo bem recorrente nos planos urbanísticos das cidades anteriores aos subúrbios, vindo a substituir o padrão cul-de-sac. Para Duany e Zyberk (1994), esse ordenamento viário em grid pressupõe a existência contínua de cruzamentos e esquinas, o que desfavorece os fluxos rápidos de automóveis e amplia a variedade de caminhos e trajetórias a serem realizadas a pé ou de bicicleta. Este sistema é configurado para viabilizar rotas menores aos pedestres e para manter o trafego local afastado das rodovias de interligação regional. Ambos argumentam que o uso combinado do sistema viário com o zoneamento misto permite produzir comunidades voltadas
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