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EPIDEMIOLOGIA Amanda Martins Estrutura epidemiológica Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar o conceito de estrutura epidemiológica e os fatores etiológicos. � Descrever os fatores de exposição e susceptibilidade em resposta aos agentes etiológicos. � Reconhecer o ambiente também como fator causal de doenças. Introdução Muitas vezes, observamos a definição de saúde como a “ausência de doença”, enquanto conceituamos a doença como “falta ou perturbação da saúde”. Embora sejam concepções muito simplistas, elas são frequen- temente utilizadas. Por outro lado, em vez de considerarmos saúde e doença como componentes de um sistema binário, do tipo presença/ ausência, podemos concebê-las como um processo. Nesse processo, o ser humano está sujeito a múltiplas situações, as quais exigem que seu organismo passe por inúmeras compensações e adaptações sucessivas. De modo relativamente simples, as características gerais do curso de uma doença podem ser descritas, desde que se disponha de um referencial sobre a evolução do processo. Chamamos esse referencial de “história natural da doença”. Isso porque a palavra “natural” passa a ideia de progresso sem a intervenção do homem. O homem, por sua vez, poderia modificar o curso da doença por medidas preventivas e curativas. Embora a história natural da doença já tenha sido muito útil para a abordagem do tema saúde-doença, se trata de um esquema com aspectos positivos e negativos. A partir da história natural da doença, muitos modelos ou classificações surgiram para representar os fatores envolvidos na etiologia, ou seja, na causa da doença e, dessa maneira, facilitar a interpretação de suas inter-relações e a aplicação das ações saneadoras. A escolha do esquema utilizado dependerá de quem o utiliza, do momento e dos objetivos a serem alcançados. Neste capítulo, você vai aprender sobre a estrutura epidemiológica, identificar seu conceito e estrutura, fatores etiológicos; além de descrever os fatores de exposição e susceptibilidade em resposta aos agentes etiológicos e reconhecera importância do ambiente como fator causal das doenças. Fatores etiológicos e estrutura epidemiológica Fatores ou agentes etiológicos são os responsáveis por causar uma doença. Eles podem ser classificados em vários grupos, como biológicos (vírus e bactérias), genéticos (mutações de genes e translocações de cromossomos), químicos (nutrientes, drogas, gases, fumo, álcool), físicos (radiação, atrito), psíquicos ou psicossociais (estresse). A classificação dos fatores etiológicos em três grupos: agente, hospedeiro e ambiente (Figura 1) é bastante aplicada em epidemiologia, especialmente quando se estuda doenças infecciosas. Essa tríade mostra que as relações recíprocas entre “agente-hospedeiro”, “agente-meio ambiente” e “hospedeiro- -meio ambiente” devem ser detalhadamente examinadas para esclarecer fatores causais, assim como todo o conjunto “agente-hospedeiro-meio ambiente”. A representação da Figura 1 sugere que tanto as características do agente quanto as do hospedeiro e do meio ambiente devem ser analisadas quando se estuda um processo de doença. Para sintetizar, podemos dizer que: o comportamento das doenças – principalmente infecciosas – na comunidade varia em cada ponto no tempo e espaço. A determinação desse contínuo estado de mudanças estaria vinculada à forma particular de interação dos diversos fatores relacionados ao agente, meio e hospedeiro, caracterizando o que conceituamos como estrutura epidemiológica. A estrutura epidemiológica pode ser utilizada para orientar planos e ações de saúde frente às suas desordens. Uma das suas utilizações é na análise do processo da doença. Neoplasias, gripes ou outras doenças podem ser investigadas em relação a seus fatores determinantes (etiológicos). Os agentes etiológicos conhecidos são atribuídos ora ao hospedeiro (genéticos e químicos de produção endógena), ora ao ambiente (exógenos, p. ex., consumo de álcool). Esse modelo também pode ser utilizado para orientar a localização das intervenções. Dessa forma, as ações para impedir ou interromper o processo da doença podem ser dirigidas ao indivíduo (p. ex., mudança de hábito ou tratamento quimioterápico), ou ao ambiente (saneamento básico, vigilância sanitária). Estrutura epidemiológica2 Figura 1. Estrutura ou tríade epidemiológica. Agente Meio Ambiente Hospedeiro Alguns autores acrescentam mais uma informação à estrutura epidemiológica: os vetores. Eles fazem a interação entre os componentes da tríade. Por exemplo, o mos- quito Aedes aegypti (vetor e hospedeiro intermediário) transmite o vírus da dengue (fator etiológico biológico) ao homem (hospedeiro definitivo). Fatores de exposição e susceptibilidade em relação aos fatores etiológicos Conceitualmente, suscetível significa quando um organismo ou uma população apresenta susceptibilidade à ação de determinado fator. Quando pensamos em agente infeccioso, seria o indivíduo que não possui resistência a determinado agente patogênico, portanto, pode contrair a doença. A partir desse conceito, podemos inferir que a susceptibilidade é a característica do hospedeiro em re- lação à infecção ou invasão de seu organismo pelo agente causador (patógeno). 3Estrutura epidemiológica Sabemos que as pessoas se expõem de forma diferente às agressões ex- ternas. Embora os padrões de resposta do organismo às agressões, dentro de certos limites, sejam previsíveis, também existem as variações individuais. A variação de resposta frente aos estímulos serve para explicar o motivo de alguns indivíduos desenvolverem a doença e outros não, quando expostos de maneira semelhante. Entender as variações de resposta ainda é uma questão a ser completamente esclarecida pela ciência, embora já se saiba um pouco sobre alguns fatores. Um dos fatores que afetam a susceptibilidade dos indivíduos é o com- ponente genético. Várias afecções têm um componente genético capaz de sobrepor a influência dos demais fatores. É o caso, por exemplo, da hemofilia e da anemia falciforme. Essas e muitas outras doenças pos- suem a característica de se concentrar na mesma família. Diante disso, percebemos que há a transmissão hereditária, embora outras influências também possam ser atribuídas, desde que os membros da família estejam igualmente expostos. Portanto, o patrimônio genético é visto como um potencial pré-determinado, que desenvolverá em função das oportunida- des – ou seja, do ambiente. Além do componente genético, sabemos que o organismo humano tem características anatômicas ou fisiológicas, inatas ou adquiridas, que resul- tam em resistência às agressões. É mais comum verificarmos a resistência contra as infecções, embora ela também possa ocorrer frente a condições não infecciosas. Como fatores de resistência à invasão de patógenos, temos a integridade da pele e das mucosas, as diversas secreções do organismo, o sangue e os vasos linfáticos, entre outros. Além desses fatores, possuímos a imunidade específica, embasada na presença de anticorpos. O processo de crescimento, desenvolvimento, maturação e envelhe- cimento das pessoas influencia na proteção oferecida pelos mecanismos biológicos. Há épocas em que o organismo está menos protegido, como no caso da idade avançada, ou quando outras condições estão presentes, como má nutrição e alcoolismo. Outras situações, como modificações no ritmo de trabalho, sono ou estado emocional também predispõem à diminuição da proteção. Além das questões anatômicas e fisiológicas, o estilo de vida faz muita diferença na proteção contra os agentes etiológicos. Sabe-se que os hábi- tos e condutas constituem fatores de proteção ou risco frente aos agravos à saúde. Por exemplo, abster-se de fumo ou drogas, exercitar-se regularmente, alimentar-se de forma saudável e proteger-se do estresse são favoráveis para maior proteção do organismo. Estrutura epidemiológica4A epidemiologia genética estuda a interação entre a epidemiologia e a genética, procurando investigar questões de hereditariedade e doenças, sobretudo em parentes e grupos étnicos definidos, com o intuito de esclarecer aspectos etiológicos e ajudar a aumentar as possibilidades de intervenção e controle. O ambiente como fator causal de doenças Além dos fatores intrínsecos, relativos ao hospedeiro, os fatores extrínsecos, relativos ao ambiente, exercem influência sobre a saúde do indivíduo. Costuma- -se classificar o ambiente em físico, biológico e social. O ambiente físico é constituído do mundo inanimado que nos cerca, com sua ação direta ou indireta sobre a saúde. Conforme sejam as características do ambiente físico, ele pode facilitar ou dificultar a vida humana e determinar, de forma significativa, a constituição da flora e da fauna típica de cada local. Exemplos de características do ambiente físico são a umidade relativa do ar, a altitude e a temperatura, que podem influenciar a multiplicação de vetores e a sobrevivência de parasitas. O meio ambiente biológico é representado pelos seres vivos existentes na Terra. Esses seres podem atuar como agentes, vetores e reservatórios de doenças. Determinadas condições ecológicas são capazes de concentrar doentes em certas áreas, em vista da distribuição de agentes biológicos, vetores, reservatórios, humanos infectados e suscetíveis. Apesar da distri- buição regional ser mais evidente em relação às doenças transmissíveis, há outras com forte associação com o ambiente biológico, como o ofidismo, dependente da distribuição de serpentes peçonhentas e a intoxicação por plantas venenosas. As condições geográficas e ecológicas, além de influenciarem a distribui- ção diversificada da flora e da fauna, também afetam a distribuição espacial da população e, consequentemente, a densidade demográfica. A circulação dos indivíduos, cada vez maior e mais rápida, juntamente com o aumento do número de habitantes do planeta, permite que o intercâmbio potencial de agentes seja maior. Contudo, os avanços científicos e tecnológicos, bem como o aumento dos níveis educacionais tendem a contrabalançar esse risco 5Estrutura epidemiológica em potencial. O controle do ambiente biológico já é amplamente praticado pela humanidade, o que pode ser observado no emprego de substâncias químicas (pesticidas) e da competição biológica. Por outro lado, se o controle do ambiente biológico traz benefícios, ele também pode trazer prejuízos como a poluição. No ambiente social estão os fatores relacionados com as características sociais, econômicas, políticas e culturais. É no ambiente social que estão as relações que se estabelecem entre as pessoas, segundo suas inserções no processo produtivo. A organização da sociedade é a consequência da interação humana. A partir disso, surgem as desigualdades de renda, nível educacional, ocupação, oportunidade de trabalho, entre outros. As comu- nidades também apresentam diferenças em relação ao poder aquisitivo e a fatores relacionados a ele, como maior ou menor cobertura por sistemas de saneamento ou por serviços de atenção à saúde. A desigualdade social não atua somente como causa básica e associada a agravos à saúde, mas também como determinante dos tipos e da intensidade de medidas preventivas e curativas utilizadas para intervir no processo da doença. Por causa disso, a determinação social das doenças é um dos grandes temas de discussão no atual cenário mundial. Nos links a seguir, você poderá saber mais sobre os seguintes assuntos: Surto, epidemia, endemia e pandemia: https://goo.gl/XRvhAa História natural da doença, conforme postulado por Leavell & Clark: https://goo.gl/ormDqF Princípios de epidemiologia para o controle de enfermidades: https://goo.gl/snxAE6 Estrutura epidemiológica6 https://goo.gl/XRvhAa https://goo.gl/ormDqF https://goo.gl/snxAE6 Interação entre fatores do indivíduo e do meio ambiente: crescimento e de- senvolvimento de crianças. O crescimento físico e o desenvolvimento mental de crianças podem ser concebidos como um potencial conferido ao novo ser na época da concepção. Em condições ótimas de nutrição e saúde, é provável que todo o potencial seja utilizado. Em situações de limitação crônica de alimentos ou na presença de determinadas doenças durante a infância, apenas parte dele será usado, ficando prejudicado o processo de crescimento e de desenvolvimento. A baixa estatura de adultos é, frequentemente, a expressão final dessa limitação. Interação entre herança genética e ambiente: fenilcetonúria. A fenilcetonúria é uma afecção que leva a retardo mental grave se não for diagnosticada e tratada pre- cocemente. É uma das doenças incluídas na categoria de erros inatos do metabolismo, geneticamente transmitidos. Nessa condição, o organismo humano tem dificuldade em converter a fenilalanina em tirosina. O acúmulo de fenilalanina, por meio da dieta normal, causa lesão cerebral irreversível. Uma dieta especial pobre desse aminoácido é suficiente para evitar o dano e permitir o crescimento normal. Assim, o diagnóstico precoce, aliado à alteração da dieta – um componente do meio ambiente – faz com que se impeça a exteriorização de um traço geneticamente pré-determinado. ALMEIDA FILHO, N. de; ROUQUAYROL, M. Z. Introdução à epidemiologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. BUCHALLA, C. M. Epidemiologia das doenças infecciosas e surto. 2017. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3118198/mod_resource/content/1/Aula%20 4%20Epi%20Doen%C3%A7as%20Infecciosas%20e%20Surto.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2017. DOENÇAS infecciosas e transmissão de doenças: conceitos básicos. Disciplina Fun- damentos de Epidemiologia, UFRJ. Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: <http://www. iesc.ufrj.br/cursos/cursos/pluginfile.php/813/mod_resource/content/5/AComplemen- tar%201%20Doen%C3%A7as%20Infecciosas%20e%20Trasmiss%C3%A3o%20de%20 doen%C3%A7as.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2017. DOMINGUES, P. F. Considerações sobre epidemiologia. Disciplina Higiene Zootécnica, UNESP. Botucatu, SP, [200-?]. Disponível em: <http://www.fmvz.unesp.br/paulodo- mingues/graduacao/aula2-texto.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2017. 7Estrutura epidemiológica https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3118198/mod_resource/content/1/Aula%20 http://iesc.ufrj.br/cursos/cursos/pluginfile.php/813/mod_resource/content/5/AComplemen- http://www.fmvz.unesp.br/paulodo- KALE, P. L.; COSTA, A. J. L. Estrutura epidemiológica dos problemas de saúde: o agente, o hospedeiro e o ambiente. Disciplina Epidemiologia e Saúde Pública, UFRJ. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: <http://www.iesc.ufrj.br/cursos/Epi_SaudePublica/2010/ epi_saude_publica_aula1%20(agente_hospedeiro-ambiente)%202010.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2017. ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Módulo de princípios de epidemiologia para o controle de enfermidades: módulo 2: saúde e doença na população. Brasília, DF: Organização Pan-Americana da Saúde, 2010. Disponível em: <http://bvsms. saude.gov.br/bvs/publicacoes/modulo_principios_epidemiologia_2.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2017. PEREIRA, M. G. Epidemiologia: teoria e prática. 6. ed. 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