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QUALIDADE DE VIDA E SEGURANÇA NO TRABALHO Ligia Maria Fonseca Affonso Síndrome de burnout Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever o trabalho na contemporaneidade. Definir a síndrome de burnout, suas causas e principais sintomas. Identificar como a psicologia organizacional e a gestão de pessoas podem atuar para prevenir o adoecimento relacionado ao trabalho. Introdução O excesso de trabalho, a falta de reconhecimento pelo trabalho realizado, problemas com a liderança, trabalhos sem significado e ambiente de trabalho instável, somados à grande pressão por qualificação, produtivi- dade e aquisição de novas competências e habilidades, vêm abalando a estabilidade emocional dos trabalhadores, impulsionando o surgimento do estresse e da síndrome de burnout, que, se prolongados, podem gerar outros problemas de saúde, inclusive, a depressão. Neste capítulo, você vai estudar sobre o trabalho na contemporanei- dade, conhecerá o conceito, as causas e os principais sintomas da síndrome de burnout e vai conhecer como a psicologia organizacional e a gestão de pessoas podem atuar para prevenir o adoecimento relacionado ao trabalho. O trabalho na contemporaneidade As transformações pelas quais o mundo vem passando têm provocado mu- danças na vida das pessoas, nas sociedades e no mundo das organizações e do trabalho. No século XVII, com o surgimento da burguesia, que se dedicava ao comércio, o sentido do trabalho começa a ser modifi cado — até então, trabalho era considerado como uma atividade inferior destinada aos escravos. Os avanços científi cos ocorridos nesse período, a transição do feudalismo para o capitalismo e as consequências decorrentes desses eventos fazem o trabalho ser valorizado e se consolidar na sociedade como uma atividade digna e contrária à vida ociosa (ALVIM, 2006). Com a Revolução Industrial, ocorrida entre os séculos XVIII e XIX, as máquinas invadem os processos de produção para aprimorá-los e torná-los mais eficientes, fazendo surgir um modelo de trabalho mecanizado, sem valor afetivo por parte do trabalhador, que passa a ser controlado precisamente pelos burocratas, responsáveis por estabelecer as regras de trabalho no modelo de gestão inspirado nas práticas de Frederick Taylor (TAYLOR, 1995). Esse mo- delo prega a racionalização do trabalho e leva à alienação do trabalhador. Há, consequentemente, uma separação entre a concepção do trabalho e sua execução. Frederick Taylor criou o modelo de administração com base na aplicação de métodos científicos para a solução de problemas. Sua intenção era identificar e controlar os desperdícios nas indústrias, elevando o nível de produção, em menor tempo e com menor custo. A racionalização do trabalho, a especialização do operário e a padroni- zação são algumas características da administração científica de Taylor (SILVA, 2013). Nesse período, há um crescente aumento de produção, o que permite ao comércio ter estoque de mercadorias. Dessa forma, faz-se necessário aumen- tar o número de compradores e, aos poucos, a sociedade do consumo vai se formando e, quanto maior as vendas, maior a necessidade de produção. Esse movimento contribuiu para o aparecimento de mais fábricas em diversas localidades e, com a produção em maior escala, surge a necessidade de con- tratar mais trabalhadores. O impasse da época era como conseguir contratar trabalhadores para uma atividade tão desvalorizada como o trabalho. Pen- sando nisso, os produtores repaginaram o significado histórico e social do trabalho, fazendo com que fosse visto como um ato nobre. Surge o conceito de homo economicus, ou seja, o homem como produtor e consumidor. Esse conceito foi crescendo de tal forma que contagiou as diversas classes sociais, influenciou valores culturais e tornou-se algo mais importante e valorizado que o próprio trabalhador. Nesse sentido, o trabalho era o centro da vida do trabalhador, que ficava confinado nas fábricas, e interferia em suas relações familiares, no lazer e em seus sonhos. O trabalho passa a ser, então, algo essencial para a existência do homem, uma vez que não significa somente Síndrome de burnout2 um meio de sobrevivência, mas, também, um meio de realização pessoal e inserção social, sendo um fator de equilíbrio e desenvolvimento (DEJOURS; DESSORS; DESRIAUX, 1993; NARDI, 2006). O avanço do capitalismo para um modelo mais liberal torna o mercado mais livre e competitivo. Assim, o livre comércio, o mercado globalizado, o avanço da tecnologia e o crescente fluxo de informações levam as organi- zações a enxergar as pessoas como meio para alcançar maior diferencial e competitividade, ou seja, as mudanças no trabalho não param de acontecer, e os modelos de gestão, de evoluir. O surgimento do movimento da qualidade total devolve ao trabalhador a responsabilidade de pensar sobre suas atividades e sobre como exercê-las, superando a antiga separação entre a concepção e a execução do trabalho, fazendo com que o trabalhador volte a criar um vínculo afetivo com as atividades laborais. Dessa forma, o sentido negativo do trabalho vai cedendo lugar a um sentido positivo e valorizado. Cabe destacar que as transformações que vêm ocorrendo no mundo, além de gerarem impactos nas dimensões política, econômica, social, ambiental, tecnológica e cultural, afetam também o mundo das organizações, gerando incertezas, imprevisibilidade e turbulência, exigindo que elas estejam atentas e preparadas para se adaptar a todo tipo de mudanças, adotando novas estratégias e formas de trabalhar para enfrentar o mercado altamente competitivo e encontrar respostas para as exigências que se impõem, garantindo sua sobrevivência. Ou seja, o mercado é dinâmico e está em constante transformação, o que faz com que as organizações convivam permanentemente com a necessidade de adaptação, ajustando ou alterando seus processos, relacionamentos, modelos de gestão, estruturas, cultura, etc. Isso significa que a mudança é cada vez mais presente no cotidiano das organizações, que buscam continuamente adaptar sua estrutura, ressignificando sua cultura e adotando novas dinâmicas que tornam o trabalho mais complexo, gerando maiores ou menores impactos em seus ambientes interno e externo (LIMA; BRESSAN, 2003; OURO, 2005; JONES, 2010; KOTTER, 2013). É importante destacar que a capacidade das organizações de se posicionarem no mercado e de responderem aos seus desafios está diretamente relacionada às pessoas e à forma como elas as estimulam e às suas competências, bem como definem seu organograma e suas formas de funcionamento. Além de fatores como produtividade, iniciativa, criatividade, conhecimento e inovação como diferenciais competitivos, as pessoas passaram a ser vistas como o vetor de criação de valor nas organizações, que, por esse motivo, voltaram seu olhar para o capital humano, considerando-o como seu mais importante ativo intangível, capaz de gerar, ou não, valor e riqueza. Ou seja, os seres humanos assumem maior importância para as empresas, uma vez que serão capazes de aumentar ou diminuir a produtividade, 3Síndrome de burnout de melhorar ou piorar a qualidade de um serviço e, ainda, gerar maior ou menor lucro para as organizações. Dessa forma, as organizações passaram a investir em seu capital humano, utilizando novas ferramentas e estratégias de gestão capazes de potencializar suas competências e valorizá-las. Ou seja, as empresas passaram a se preocupar com a forma de trabalho, pois o fator humano permeia todos os níveis da organização e, sem ele, não se produz o resultado esperado (FERNANDES, 2005; CARBONE, 2000; AFFONSO; ROCHA, 2010). Assim, em uma luta entre o velho e o novo, ou seja, entre os paradigmas da gestão tradicional e os da nova gestão, as organizações passam a buscar novas práticas e estratégias de gestão, como, por exemplo, a descentralização do poder e a administração flexível, e começam a incentivara criatividade, a inovação e a participação dos trabalhadores nas decisões da empresa e sobre suas atividades, como meio de fazer com que se comprometam e se envolvam com a missão da organização e contribuam para a realização de mudanças e para a obtenção de melhores resultados, ou seja, que para o objetivo maior da empresa, a sua razão de existir. O comprometimento organizacional pode ser entendido como um tipo de vínculo social que o trabalhador estabelece com a organização a partir de um sentimento de afeto e de identificação que estimula um comportamento proativo, de participação, de empenho superior e de defesa da organização (MENEZES, 2009). Nesse sentido, a participação confere maior autonomia ao trabalhador ao mesmo tempo que eleva sua autoestima, pois, permitindo sua participação, a organização valoriza suas ideias, experiências e conhecimento. Essa é uma forma de fazer com que o trabalhador se sinta como parte importante no processo organizacional e se comprometa com os objetivos organizacionais. A participação possibilita, ainda, maior interação entre os trabalhadores, me- lhoria no trabalho em equipe, fortalecimento da comunicação e da cooperação, contribuindo, também, para a construção de um ambiente de trabalho mais saudável e motivador, além de revelador talentos (MOTTA, 1999). Ao adotar modelos de administração mais flexíveis, as organizações esperam dos trabalhadores, dentre outros aspectos, maior versatilidade e responsabilidade; mente aberta às mudanças e aprendizagem contínuas, bem Síndrome de burnout4 como a capacidade de assumir riscos. Dessa forma, as organizações esperam que seus trabalhadores estejam disponíveis para adequar-se rapidamente ao ambiente que se apresenta, impulsionando o surgimento do trabalhador multi- funcional, ou seja, capaz de atuar em diversas funções necessárias ao alcance dos objetivos organizacionais e à preservação de seu emprego (GAULEJAC, 2007; SENNETT, 2007; BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009). Mas você já parou para refletir como está o mundo do trabalho atualmente? Não podemos falar em trabalho sem falar nas empresas e na forma como elas se estruturam e gerenciam seus recursos e as pessoas. As empresas contemporâneas valorizam sua mão de obra e têm seu foco em seus clientes; são mais ágeis, algu- mas são mais enxutas e exigem de seus funcionários maior conhecimento sobre seus negócios. Ou seja, modelos de gestão e de organização tradicionais não são mais indicados para a gestão na contemporaneidade, apesar de ainda serem uma prática em muitas organizações, principalmente porque o ambiente externo não é mais o mesmo. Os princípios que orientavam as organizações nos anos 1960, como hierarquia, especialização por funções, unidade de comando e amplitude de controle, não se adequam às organizações atuais (GONÇALVES, 1998). As organizações modernas passaram a ser desenhadas com base em prin- cípios como criação de valor, trabalho em equipe, monitoramento dos resulta- dos, coordenação, maior fluxo de comunicação direta, alocação dinâmica de recursos, entre outros, e buscam se adequar às exigências dos novos tempos. Assim, o universo empresarial tem como palavras de ordem “adaptação” e “atualização”, visto que, no mundo globalizado, as mudanças são rápidas e constantes. Assim, as organizações devem trabalhar para criar vantagem com- petitiva, gerando resultados para seu negócio e seus stakeholders, utilizando estratégias adequadas ao negócio (LUSTRI, 2005). Com o ambiente empresarial altamente competitivo e imprevisível, as empresas se veem cada vez mais dependentes de trabalhadores comprome- tidos e preparados. Nesse sentido, devem investir na qualidade de vida no trabalho, na motivação dos funcionários e, sobretudo, em sua qualificação e capacitação, buscando o desenvolvimento de novas competências e habilidades. Isso significa que capacitar a força de trabalho tem sido uma das maiores preocupações das empresas que buscam se manter no mercado e alcançar o sucesso. Desenvolver continuadamente as pessoas em todos os níveis e grupos das empresas é fundamental para que estejam preparadas para os novos e contínuos desafios. Dessa forma, requer-se dos trabalhadores novos conhe- cimentos, novas habilidades e novos comportamentos, desde a compreensão de processos em sua totalidade até a resolução de problemas. 5Síndrome de burnout Competência refere-se ao conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes necessários aos indivíduos para exercer determinada atividade. Foi Durand (1986) quem construiu o conceito de competência com base em três dimensões: Knowledge, Know-How e Attitudes, também conhecidos como CHA. O conhecimento refere-se ao “saber”; habilidade refere-se ao “saber fazer” e atitude refere-se ao “querer fazer” (CARBONE, 2000). Nesse contexto, os trabalhadores vêm sendo cada vez mais cobrados pelas organizações, visto que, para acompanhar as novas exigências que lhes são requeridas, precisam qualificar-se mais, dedicar-se mais e envolver-se com o trabalho que realizam. Dessa forma, o trabalho assume cada vez mais impor- tância e significado na vida dos trabalhadores, visto que estes passam a maior parte de seu tempo nas empresas e menos tempo com suas famílias. Assim, é importante destacar que o trabalho, além de ser um fator de equilíbrio e desenvolvimento pessoal, pode ser também um fator de deterioração física e psíquica (DEJOURS; DESSORS; DESRIAUX, 1993). Síndrome de burnout Você viu que o trabalho, além de ser um meio de sobrevivência, é uma forma de as pessoas se realizarem profi ssionalmente e pessoalmente, além de um meio de reconhecimento e aceitação social. Ou seja, o trabalho é algo fundamental para a existência humana, uma vez que é por meio da remuneração recebida que as necessidades humanas de alimentação, moradia, educação, bem-estar social, entre outras, são satisfeitas. Dessa forma, o trabalho é um elemento crítico que contribui para o autoconceito e para a identidade pessoal (FERREIRA; LUCCA, 2015). Nesse sentido, é importante ter em mente que um trabalho só possui signi- ficado para um indivíduo se gerar algum valor que ele possa perceber, ou seja, se contribui para seu crescimento profissional ou pessoal; se o resultado do trabalho é relevante; se oferece benefícios em relação ao ambiente empresarial, etc. O sentido que o indivíduo dá a seu trabalho, isto é, a forma como ele trabalha e o que produz com seu trabalho, afeta-o diretamente, não somente no ambiente de trabalho, mas fora dele também, gerando impacto sobre seu pensamento, liberdade, consciência, comportamento e independência. Isso significa que um trabalho que não gera qualquer interesse no trabalhador e Síndrome de burnout6 acontece em um ambiente insignificante contribui para torná-lo entediante, absurdo e sem sentido (MORIN, 2001; RONCHI, 2010). Estudos sobre motivação (BERGAMINI, 2008; VERGARA, 2010) têm revelado que o significado do trabalho é fonte de motivação para alguns trabalhadores, enquanto para outros vem enfraquecendo-se, tendo seu valor limitado às vantagens econômicas por ele geradas e à necessidade de sobre- vivência. Pesquisas apontam que, no Brasil, mais de 50% dos trabalhadores formais andam insatisfeitos com seu trabalho. Dentre as principais causas, estão a falta de reconhecimento e valorização do trabalhador, conflito entre os valores e objetivos pessoais e organizacionais, problemas de liderança, remuneração incompatível com o esforço empreendido, ambiente de trabalho desfavorável, sobrecarga de trabalho, entre outros (DINO, 2018). Essa insatisfação no trabalho é algo preocupante e precisa ser investigado, uma vez que pode gerar consequências negativas na vida do trabalhador, como, por exemplo, diversas doenças de fundo emocional e psicológico, como estresse, burnout e depressão, que, por sua vez, impactam diretamente nos resultados da empresa, visto que geram desmotivação, baixo desempenho do trabalhador e, consequentemente, baixa produtividade,alta rotatividade, absenteísmo, violência no local de trabalho, entre outras (QUICK et al., 1997). O estresse organizacional é considerado como um dos riscos mais sérios ao bem-estar psicossocial do indivíduo e é uma fonte constante de preocupação, pois coloca em risco a saúde dos trabalhadores de uma organização, ambiente no qual 50 a 80% de todas as suas doenças é de fundo psicossomático ou estão relacionadas ao estresse. São muitas as reações fisiológicas, emocionais e comportamentais associadas ao estresse, como doenças do coração e hiperten- são, relacionadas à quantidade de estresse sofrido pelo indivíduo; ansiedade, baixa autoestima, depressão; insatisfação com o trabalho, baixo desempenho e violência no local de trabalho (PELLETIER, 1984; QUICK et al., 1997). A depressão refere-se a um conjunto de manifestações que levam a neces- sidade de isolamento, desânimo, ansiedade, insônia, tristeza, angústia, medo, vontade de chorar, entre outros. É uma doença que pode manifestar-se em dife- rentes momentos da vida de uma pessoa e pode ser considerada um problema de saúde pública, uma vez que causa grande sofrimento e altas taxas de suicídio. É, além disso, um dos principais motivos de afastamento do trabalho (OMS, 1993). O termo burnout traduzido do inglês significa queimar lentamente, até o fim, e tem relação com o desgaste emocional que impacta nos aspectos físicos e emocionais do indivíduo. A síndrome de burnout foi descrita por Freudenberger (1974) como um distúrbio psíquico relacionado ao esgotamento profissional acarretado por condições de trabalho desgastantes e em excesso 7Síndrome de burnout e por conflitos interpessoais com os colegas de trabalho e demais pessoas envolvidas nele (ROSSI et al., 2010). É uma síndrome considerada no mundo organizacional como um grande problema e responsável, dentre outras coisas, pela diminuição do interesse em trabalhar. Assim, burnout é um termo utilizado quando o desgaste emocional está correlacionado com a atividade ou com o ambiente de trabalho (MERZEL, 2019). Freudenberger foi um psicólogo alemão e um dos pioneiros na descoberta dos sintomas de esgotamento profissional, tendo se aprofundado nos estudos sobre a síndrome de burnout (ROSSI et al., 2010). Burnout é uma síndrome psicológica que envolve uma reação prolongada à tensão emocional crônica e que se dá em três dimensões, cujas reações são exaustão devastadora, sensação de ceticismo e desligamento do trabalho, sensação de ineficácia e falta de realização. Veja um pouco mais sobre essas dimensões a seguir (LEITER; MASLACH, 2005). Dimensão da exaustão: os trabalhadores sentem-se esgotados, sem energia e reclamam de estarem sobrecarregados de trabalho. Essa exaus- tão tem como fontes principais a sobrecarga de trabalho e o conflito pessoal no trabalho. Dimensão do ceticismo: refere-se à sensação negativa e insensível aos diversos aspectos do trabalho. Normalmente, desenvolve-se como uma resposta à sobrecarga de exaustão emocional, ou seja, atua como uma proteção emocional. Diante da carga excessiva de trabalho, o trabalhador começa a se retrair e a reduzir o que está fazendo. Esse desligamento do trabalho pode incorrer na perda do idealismo e na desumanização dos outros, ou seja, com o passar do tempo, essa proteção e a diminuição do trabalho se transformam em uma reação negativa do trabalhador em relação às pessoas e ao trabalho. Conforme o ceticismo vai se de- senvolvendo, o trabalhador vai deixando de fazer o melhor para fazer o mínimo, isto é, diminui o tempo que passa no trabalho e o esforço e a dedicação a ele. Com isso, o desempenho cai e o trabalhador acaba fazendo o mínimo para garantir seu salário. Síndrome de burnout8 Dimensão da ineficácia: refere-se ao sentimento de incompetência, de falta de realização profissional e de produtividade no trabalho. Esse sentimento é disparado pela falta de recursos para a execução do trabalho e pela falta de apoio social e de oportunidades para se desenvolver profissionalmente. Os indivíduos que vivenciam essa dimensão do burnout sentem-se como se tivessem cometido um erro na escolha de sua carreira e passam a se autocriticar e a ter uma ideia negativa de si mesmo e dos outros. Mas qual será o perfil de pessoas com maior probabilidade de sofrer de burnout? Na verdade, estudos sobre esse aspecto não apresentaram resultados relevantes, apenas sugestões de tendências. A doença tende a se desenvolver em pessoas com baixa autoestima, baixos níveis de resistência, comportamento de risco e que apresentam traços de ansiedade, hostilidade, depressão, insegurança e vulnerabilidade, ou seja, aspectos relacionados ao neuroticismo. O neuroticismo é um dos cinco traços da teoria dos traços que constituem a persona- lidade de um indivíduo e refere-se ao nível crônico de desajustamento e instabilidade emocional. Os demais traços são a extroversão, a abertura para experiência, a amabi- lidade e a consciência (PERVIN; JOHN, 2013). Essas pessoas encaram as situações estressantes de forma passiva e defen- siva e são emocionalmente instáveis e passíveis de distresse psicológico, ou seja, são pessoas que correm maior risco de desenvolver a síndrome de burnout. Distresse é um termo das áreas de psicologia e psiquiatria relacionado ao estresse excessivo, ou seja, aquele em maior nível, capaz de causar sofrimento e prejudicar a saúde e, consequentemente, outras dimensões da vida pessoal e profissional. O eustresse, por sua vez, refere-se a um estresse bom e que ajuda as pessoas a reagi- rem positivamente diante de desafios e mudanças; é um tipo de estresse que leva o organismo a produzir adrenalina, dando à pessoa ânimo e energia (FARO, 2015). 9Síndrome de burnout Os sintomas da síndrome de burnout podem ser físicos ou psíquicos, como, por exemplo, dores no corpo, cansaço, desânimo, apatia, desinteresse, irritabilidade, alterações no sono e no apetite, além de tristeza excessiva. É importante destacar que a síndrome foi identificada no mundo do trabalho, mais precisamente nas áreas de assistência, como saúde, saúde mental, assistência social, sistema judiciário penal, profissões religiosas, de aconselhamento e no ensino. Nessas áreas de atuação, a necessidade dos outros é colocada em primeiro lugar, e isso exige muito trabalho, abnegação, contato pessoal e emocional intenso e fazer o que for preciso para ajudar o outro. Assim, pro- fissionais da área de saúde, professores e policiais possuem grande propensão a desenvolver a síndrome (LEITER; MASLACH, 2005; MERZEL, 2019). A síndrome de burnout é muitas vezes confundida com estresse, o que pode dever-se ao fato de que os sintomas do estresse estão presentes nessa síndrome (MERZEL, 2019). Outro aspecto que deve ser destacado é que o problema que causa a síndrome não surge em decorrência de falha pessoal, e, sim, da falta de afinidade do indivíduo com aspectos de seu trabalho, como, por exemplo, sobrecarga de trabalho, falta de controle, recompensas insuficientes, ruptura na comunidade, falta de justiça e conflitos de valor. Dessa forma, o acúmulo de atividades e de responsabilidades, bem como o alto nível de exigências e pressões por parte das empresas, pode desencadear os primeiros sintomas da síndrome. Nesse contexto, três aspectos principais se manifestam: o esgotamento físico e mental; uma sensação de impotência e a falta de expectativas. Cabe destacar que, quanto maior for a incompatibilidade entre o traba- lhador e seu trabalho, maior é a probabilidade de desenvolver burnout. Por outro lado, quanto menor for essa incompatibilidade, maior será o nível de comprometimento com o trabalho (ROSSI et al., 2010). Vamos ver um pouco mais sobre algumas incompatibilidades? Sobrecarga de trabalho: é um dos principais preditores da dimensão exaustão do burnout. O trabalhador sente que tem muito trabalho a realizar e pouco tempo e recursos para isso. Pessoas com sobrecarga de trabalho normalmente também sentemum desequilíbrio entre tal Síndrome de burnout10 sobrecarga de trabalho e a vida pessoal, uma vez que, muitas vezes, acabam sacrificando momentos em família para concluir o trabalho. Falta de controle: o trabalhador não tem controle sobre diversos as- pectos que podem interferir no trabalho, como, por exemplo, demissão, mudanças na gerência, enxugamento do quadro funcional, necessidade de trabalhar fora da empresa, de viajar, de trabalhar fora do horário de expediente, etc. Essas situações causam impactos significativos sobre os níveis de estresse e burnout. Recompensas insuficientes: o trabalhador acredita que não está sendo adequadamente recompensado pelo trabalho exercido e pelo desempe- nho apresentado. Isso se refere não somente ao salário e aos benefícios recebidos, mas também ao reconhecimento pela qualidade do trabalho e o esforço empreendido para a sua realização. O reconhecimento positivo sobre o trabalho realizado é fundamental para prevenir o bunout. Ruptura na comunidade: refere-se às relações entre as pessoas no ambiente de trabalho, como a falta de apoio e confiança e conflitos não resolvidos. A quebra do senso de comunidade gera hostilidade e concorrência, dificultando a resolução dos conflitos, o que eleva os níveis de estresse e burnout, dificultando a realização do trabalho. Falta de justiça: refere-se à falta de justiça e igualdade no local de trabalho, situações que levam a raiva e hostilidade, fazendo com que o trabalhador se sinta tratado com desrespeito. Conflitos de valor: acontece quando há uma incompatibilidade entre os valores da empresa e os valores pessoais. Ou seja, há um conflito, por exemplo, entre o que o trabalhador quer fazer e o que ele tem que fazer. Ou seja, o trabalhador precisa agir de uma forma com a qual não concorda para realizar o trabalho, havendo, assim, um conflito de valores. Além disso, a síndrome é preocupante porque pode gerar custos não só para os funcionários, mas também para as empresas. Muitas vezes, os gerentes não dão a devida importância para os sintomas de estresse e esgotamento apresen- tados pelo trabalhador. De modo geral, ao identificar tais sintomas, os gerentes pensam que se trata de um dia ruim na vida do trabalhador, considerando que esse é um problema seu, e não da empresa. Muitas pesquisas revelam que o estresse no trabalho indica uma piora no desempenho do trabalhador, proble- mas nos relacionamentos com a família e de saúde. Por exemplo, o auge da síndrome pode causar uma crise física e emocional que, muitas vezes, requer um atendimento médico com intervenção medicamentosa e psicoterapia. Um funcionário com burnout apresenta padrões mínimos de trabalho, passa a ter 11Síndrome de burnout um desempenho bem abaixo da média e queda na qualidade da produtividade. Além disso, comete mais erros, torna-se menos cuidadoso e apresenta baixo nível de criatividade na resolução de problemas, aspectos que podem gerar altos custos para as empresas (ROSSI et al., 2010; MERZEL, 2019). Apesar de a síndrome de burnout ter sido identificada em atividades relacionadas à assistência, ao aconselhamento e ao ensino, sua aplicação pode tornar-se importante em outras esferas da vida, como, por exemplo, na família, para analisar a relação entre pais e filhos e entre pessoas que formam um casal (PROCACCINI; KIEFABER, 1983). Psicologia organizacional e gestão de pessoas na prevenção de doenças do trabalho O mundo do trabalho está cada vez mais dinâmico e complexo, impactando na forma como as pessoas realizam seu trabalho, lidam com ele e se relacionam com as pessoas nesse ambiente. É claro que tantas mudanças não deixariam o mundo do trabalho de fora, que é um refl exo da vida do homem e acompanha a sua evolução. Você já sabe que as pessoas, atualmente, passam a maior parte de seus dias dentro das empresas onde trabalham, envoltas em processos variados que lhes permitem executar suas tarefas e contribuir para o alcance dos objetivos da empresa. Você já parou para pensar no quanto esse ambiente é complexo e quanta diversidade é possível encontrar nele? Pessoas, valores, crenças, for- mação, pensamentos, experiências, vivências, conhecimentos, habilidades, conhecimentos, todos diferentes uns dos outros. Assim, é natural encontrar nesses ambientes problemas e confl itos que precisam ser tratados e solucionados. Dessa forma, as empresas necessitam de profissionais preparados para encarar toda essa complexidade e lidar cuidadosamente com as pessoas, os pro- blemas e conflitos, permitindo que os profissionais se desenvolvam e exerçam suas atividades em um ambiente harmonioso de trabalho. Você também já sabe que as pessoas são o ativo mais importante das empresas, uma vez que são as responsáveis por ajudá-las a alcançar seus objetivos, ou seja, são responsáveis pelo aumento ou pela diminuição da produtividade, por melhorar ou piorar a qualidade dos serviços ou produtos e por gerar maior ou menor lucro. Dessa Síndrome de burnout12 forma, entendemos que não basta uma ótima estrutura, recursos materiais e tecnológicos necessários se as empresas não puderem contar com profissionais qualificados e comprometidos. Assim, é preciso que essas empresas cuidem dessas pessoas, entendendo-as nesse universo e compreendendo os aspectos relacionados à sua atuação no ambiente de trabalho. A psicologia organizacional tem como objetivo estudar o indivíduo na organização e a influência desta no indivíduo. Nesse contexto, além de es- tudar a estrutura formal e informal das empresas, estuda seus processos de recrutamento e seleção, a forma como recompensam seus trabalhadores pelos serviços executados, como estimulam a motivação nos trabalhadores, como esses se relacionam socialmente neste ambiente e como seu pensamento, seus sentimentos e comportamentos são influenciados pela empresa, entre outros aspectos (FURNHAM, 2001). A gestão de pessoas, por sua vez, tem como responsabilidade coordenar e equilibrar os interesses pessoais e organizacionais, com vistas a manter na orga- nização funcionários motivados, qualificados, produtivos e comprometidos com os objetivos da organização. Nesse contexto, o psicólogo organizacional tem como principal função ocupar-se com a saúde emocional e psicológica do trabalhador. Mas quais são as funções da gestão de pessoas nas organizações? Vamos ver algumas delas a seguir (GIL, 2006). Agregar pessoas: diz respeito a adotar políticas eficazes de atração e retenção do capital humano, ou seja, atrair, selecionar e integrar novos funcionários. Aplicar pessoas: significa que, além de descrever cargos e suas funções, deve-se adequá-los às estratégias da organização, avaliar o desempenho dos funcionários, viabilizar o plano de carreiras e disseminar a cultura organizacional. Recompensar pessoas: refere-se a elaborar uma boa política de remu- neração e recompensar e reconhecer o trabalho realizado. Desenvolver pessoas: refere-se a capacitar e desenvolver os profissionais por meio de programas de desenvolvimento, de gestão de mudança e de comunicação interna, de forma contínua, alinhando-os aos perfis individuais de competência e às demandas da organização. Manter pessoas: refere-se a criar e manter um bom clima e cultura orga- nizacional, gerir programas de saúde, segurança do trabalho, higiene e qualidade de vida. Isso significa que um ambiente satisfatório e seguro é fundamental para a realização do trabalho. 13Síndrome de burnout Monitorar pessoas: refere-se ao acompanhamento e à gestão de pessoas por meio de resultados, o que pode ser operacionalizado por meio de reuniões periódicas com os envolvidos, buscando a análise do desen- volvimento do trabalho e dos resultados alcançados. Todas essas funções são imprescindíveis para o sucesso da gestão de pessoas e para que o setor possa atender às exigências do cenário organizacional con- temporâneo. São funções importantes também para prevenir o adoecimento notrabalho. Nesse contexto, o psicólogo organizacional participa atuando também: nos processos de recrutamento e seleção; no treinamento e no desenvolvimento dos trabalhadores; na avaliação de desempenho; no desenvolvimento de líderes e equipes; no aconselhamento de carreira; no diagnóstico de problemas; na formulação de programas de qualidade de vida no trabalho; na identificação de doenças e acidentes de trabalho e suas causas. O importante é que essas e outras tantas funções da gestão de pessoas, em conjunto com a psicologia organizacional, permitam a criação de condições necessárias para que as pessoas desenvolvam competências e habilidades necessárias à realização de seu trabalho, tornando-se mais eficientes, eficazes, participativas, satisfeitas e realizadas no ambiente profissional, com menor índice de doenças e acidentes de trabalho (TEIXEIRA et al., 2010). Os problemas emocionais e psíquicos relacionados ao trabalho, como, por exemplo, o estresse e o burnout, acabam desencadeando outras doenças, cau- sando sintomas como dores no corpo, cansaço, desânimo, apatia, desinteresse, irritabilidade, alterações no sono e no apetite, tristeza excessiva, entre outras. Esses problemas e outras doenças relacionadas ao trabalho geram prejuízos não só aos trabalhadores, mas às empresas, acarretando problemas como absenteísmo (falta ao trabalho), alta rotatividade (grande fluxo de entrada e saída de profissionais na empresa), afastamento por doenças, conflitos inter- pessoais, acidentes de trabalho, e outros (ROSSI et al., 2010). Não existe receita pronta para resolver o problema das doenças do trabalho. Cada organização é única e conta com estruturas e processos diferenciados. No caso de identificação de estresse e burnout, por exemplo, é preciso avaliar os seus impactos e consequências na saúde do trabalhador e nos resultados da organização, com a participação dos gestores de pessoas, psicólogos, médicos do trabalho, entre Síndrome de burnout14 outros, pois, para cada caso, haverá uma solução ou ação específica que deve ser buscada com a participação do trabalhador envolvido (ROSSI et al., 2010). Além de todas as ações apresentadas, deve ser dada uma atenção maior ao comportamento e ao desempenho do trabalhador, ou seja, a como ele está se relacionando com seu líder, com seus colegas e seus clientes; se a sua relação com os outros é respeitosa; se está conseguindo executar suas atividades diárias dentro do prazo estabelecido; se cumpre normalmente seu horário de trabalho; se participa com contribuições significativas nas reuniões com seu líder e equipe; se consegue atingir as metas estabelecidas, entre outros. Cabe destacar que, se a empresa cobra tanto do profissional, deve estar atenta a esses e outros aspectos. Por sua vez, é preciso avaliar se a empresa oferece boas condições de trabalho e disponibiliza os recursos necessários para a sua realização; como ela remunera, recompensa e valoriza seus trabalhadores; se as metas estabelecidas para os trabalhadores são factíveis; se o trabalho é significativo para o trabalhador e se este possui autonomia e responsabilidade para sua execução; se a empresa investe e estimula relações pessoais saudáveis; se gerencia os níveis de estresse no ambiente de trabalho; se a comunicação com os trabalhadores é clara e transparente, etc. (ROSSI et al., 2010). Assim, podemos concluir que a manutenção da saúde do trabalhador dentro da empresa é fundamental, pois, além de oferecer ao trabalhador maior qualidade de vida no trabalho, traz para a empresa maior produtividade e obtenção dos resultados esperados, uma vez que trabalho e saúde não se dissociam. Nesse sentido, o psicó- logo organizacional atua na prevenção de adoecimentos relacionados ao trabalho. AFFONSO, L. M. F.; ROCHA, H. M. Fatores organizacionais que geram insatisfação no servidor público e comprometem a qualidade dos serviços prestados. In: SIMPÓSIO DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO E TECNOLOGIA, 7., 2010. Anais [...]. Resende: AEDB, 2010. Disponível em: https://www.aedb.br/seget/arquivos/artigos10/234_SEGeT_Fat_ Organizacionais_c_autores.pdf. Acesso em: 26 fev. 2019. ALVIM, M. B. A relação do homem com o trabalho na contemporaneidade: uma visão crítica fundamentada na gestalt-terapia. Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Ja- neiro, v. 6, n. 2, p. 122-130, dez. 2006. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812006000200010. Acesso em: 26 fev. 2019. BERGAMINI, C. W. Motivação nas organizações. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2008. BOLTANSKI, l.; CHIAPELLO, E. O novo espírito do capitalismo. 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