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EDUCAÇÃO, DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA PROFESSORA Me. Francieli Muller Prado ACESSE AQUI O SEU LIVRO NA VERSÃO DIGITAL! https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/1001 EXPEDIENTE C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância. PRADO, Francieli Muller. Educação, Direitos Humanos e Cidadania. Francieli Muller Prado. Maringá - PR.: UniCesumar, 2020. Reimpresso 2021. 144 p. “Graduação - EaD”. 1. Educação 2. Direitos 3. Cidadania. EaD. I. Título. FICHA CATALOGRÁFICA NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 Coordenador(a) de Conteúdo Eder Rodrigo Gimenes Projeto Gráfico e Capa Arthur Cantareli, Jhonny Coelho e Thayla Guimarães Editoração Juliana Duenha Design Educacional Jociane Karise Benedett Revisão Textual Diego Delavega Marques Ilustração Marta Kakitani Fotos Shutterstock CDD - 22 ed. 379.26 CIP - NBR 12899 - AACR/2 ISBN 978-85-459-2075-5 Impresso por: Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679 Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Design Educacional Débora Leite Diretoria de Graduação Kátia Coelho Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Diretoria de Pós-graduação, Extensão e Formação Acadêmica Bruno Jorge Head de Produção de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza Filho Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila Toledo Supervisão de Projetos Especiais Yasminn Zagonel NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi DIREÇÃO UNICESUMAR BOAS-VINDAS Neste mundo globalizado e dinâmico, nós tra- balhamos com princípios éticos e profissiona- lismo, não somente para oferecer educação de qualidade, como, acima de tudo, gerar a con- versão integral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos em 4 pilares: intelectual, profis- sional, emocional e espiritual. Assim, iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil, nos quatro campi presenciais (Maringá, Londrina, Curitiba e Ponta Grossa) e em mais de 500 polos de educação a distância espalhados por todos os estados do Brasil e, também, no exterior, com dezenasde cursos de graduação e pós-graduação. Por ano, pro- duzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil exemplares. Somos reconhe- cidos pelo MEC como uma instituição de exce- lência, com IGC 4 por sete anos consecutivos e estamos entre os 10 maiores grupos educa- cionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos edu- cadores soluções inteligentes para as neces- sidades de todos. Para continuar relevante, a instituição de educação precisa ter, pelo menos, três virtudes: inovação, coragem e compromis- so com a qualidade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, metodologias ati- vas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Reitor Wilson de Matos Silva Tudo isso para honrarmos a nossa mis- são, que é promover a educação de qua- lidade nas diferentes áreas do conheci- mento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. P R O F I S S I O N A LT R A J E T Ó R I A Me. Francieli Muller Prado Licenciatura e Bacharelado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá-PR (2013). Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá, na linha de pesquisa Dinâmicas Urbanas e Políticas Públicas. Especialização em Gestão de Projetos pelo Centro Universitário de Maringá (2016). Desenvolvedor de pesquisas na área de Antropologia Urbana, Antropologia Visual (Vídeo e Foto-Elicitação). Atuante na área de Inovação Social, Empreendedorismo Social e Responsabilidade Social. http://lattes.cnpq.br/5329262896894768 A P R E S E N TA Ç Ã O D A D I S C I P L I N A EDUCAÇÃO, DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA A aprendizagem e a integração dos direitos humanos possuem relação com conhecer, possuir, planejar e agir. Assim, o(a) aluno(a) assume uma responsabilidade única, a partir do momento que passa a conhecer os direitos humanos como inalienáveis, pertencentes a todos, e ao saber que são uma ferramenta de organização, uma estratégia única para o desenvolvimento econô- mico, humano e social. Desse modo, a própria escrita sobre a temática dos direitos humanos nos engaja em um trabalho de amor para mudar o mundo, de modo a integrar aprendizagem significativa dos direitos humanos em todos os níveis da sociedade, o que leva ao planejamento positivo das ações. Proponho alguns questionamentos: de fato, todos nós conhecemos inerentemente os direitos humanos? Sabemos quando a injustiça é presente? Ainda, temos a noção de que a justiça é a expressão máxima dos direitos humanos? Espontaneamente, deveríamos confiar e respeitar o outro, internalizando e socializando os direitos humanos como um modo de vida. Não só, mas aprender que esses direitos exigem mútuo respeito e que todos os conflitos devem ser resolvidos por intermédio deles. Teremos a oportunidade de refletir sobre como os Direitos Humanos são uma ferramenta po- derosa para ação contra a desintegração social, pobreza e intolerância. Com o conhecimento acerca dos direitos humanos, podemos nos unir para mudar um mundo onde o sistema é, por vezes, injusto, em que justiça é injusta e mulheres e homens trocam a sua igualdade por sua sobrevivência. Este livro aspira evocar um diálogo e discussões que levem ao pensamento crítico e à análise sistêmica do futuro da humanidade que todos esperamos gerar. Nas páginas a seguir, você terá contato com uma estrutura que traça o caminho para compreensão dos principais temas relacionados aos Direitos Humanos: educação, cidadania, minorias, política e desigualdade. A indivisibilidade, interconexão e inter-relação desses temas, as quais serão atestadas a seguir, são essenciais para a compreensão dos direitos humanos, que desafiam você a refletir sobre os aspectos morais, políticos e as implicações dos direitos humanos. Ao integrarmos os temas e as abordagens compartilhadas no livro, esperamos despertar um senso de responsabilida- de, a fim de que você se torne um multiplicador de direitos humanos como um modo de vida. ÍCONES Sabe aquela palavra ou aquele termo que você não conhece? Este ele- mento ajudará você a conceituá-la(o) melhor da maneira mais simples. conceituando No fim da unidade, o tema em estudo aparecerá de forma resumida para ajudar você a fixar e a memorizar melhor os conceitos aprendidos. quadro-resumo Neste elemento, você fará uma pausa para conhecer um pouco mais sobre o assunto em estudo e aprenderá novos conceitos. explorando Ideias Ao longo do livro, você será convidado(a) a refletir, questionar e transformar. Aproveite este momento! pensando juntos Enquanto estuda, você encontrará conteúdos relevantes online e aprenderá de maneira interativa usando a tecno- logia a seu favor. conecte-se Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar Experience para ter acesso aos conteúdos online. O download do aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store CONTEÚDO PROGRAMÁTICO UNIDADE 01 UNIDADE 02 UNIDADE 03 UNIDADE 05 UNIDADE 04 FECHAMENTO INTRODUÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS 8 DIREITOS HUMANOS E A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA 34 58 TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS E SEUS IMPACTOS NA EDUCAÇÃO 84 DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO DA POBREZA E DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 110 QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS DE DIREITOS HUMANOS 134 CONCLUSÃO GERAL 1INTRODUÇÃO AOS DIREITOS humanos PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • Introdução aos direitos humanos • Definição de direitos humanos • Origem dos direitos humanos no mundo • Principais fatos históricos da Constituição dos Direitos Humanos • Os direitos humanos no Brasil. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Compreender os pressupostos que serviram como base para a constituição dos direitos humanos no mundo e no Brasil • Estudar as principais definições conceituais que envolvem os direitos humanos e como ele evoluiu ao longo da história • Conhecer a origem dos direitos humanos • Evidenciar os prin- cipais fatos históricos que constituíram os direitos humanos no Brasil e no mundo • Saber mais sobre o desenvolvimento dos direitos humanos no Brasil. PROFESSORA Me. Francieli Muller Prado INTRODUÇÃO Os direitos humanos, por definição, devem ser aplicados a todos os seres humanos. Na prática, contudo, eles são distribuídos de forma desigual e, às vezes, até considerados como algo “merecido” apenas por alguns. Em um breve passeio pelas periferias das grandes cidades brasileiras, podemos observar que alguns serviços básicos, que deveriam ser garanti- dos como direitos humanos – como educação, saúde, saneamento e justiça –, são cada vez mais difíceis de ser alcançados. Isso é contrário ao próprio conceito garantido pela Declaração de Direitos Humanos, da ONU, ou, neste caso, mais, diretamente pela Constituição Brasileira em si. O conceito de cidadania, por vezes, apresenta-se como algo ambíguo, pois, embora a cidadania supostamente traga direitos iguais para todos, na prática, reflete desigualdades históricas. A distribuição de direitos não é apenas sobre o que está escrito em uma constituição, mas sobre como esses direitos são, de fato, aplicados, frequentemente baseados, em enten- dimentos herdados de quem, em uma determinada sociedade, é entendido como digno. Com base nesta breve introdução, partiremos do início, ou seja, da com- preensão histórica da evolução dos direitos humanos no mundo e no Brasil. Essas reflexões servirão como base para as discussões seguintes, quando avançamos na discussão acerca das inúmeras implicações concernentes ao conceito e aplicação dos direitos humanos na sociedade contemporânea. U N ID A D E 1 10 1 INTRODUÇÃO AOS DIREITOS humanos Olá, aluno(a), seja muito bem-vindo(a)! Nesta unidade, iniciaremos os nossos estudos compreendendo a origem dos direitos humanos no mundo e no Bra- sil, sobretudo como eles surgiram e quais foram as bases de sua constituição. Esse aprendizado será fundamental para avançarmos em nossas discussões. Existe um consenso, no mundo de hoje, que todos os seres humanos têm direitos a uma existência digna. Nesse sentido, os seres humanos, em todos os lugares, podem e devem exigir a realização de valores diversos para assegurar o seu bem-estar coletivo. No entanto, essas exigências ou direitos são negados por intermédio da exploração, opressão, perseguição etc. em muitos países do mundo. A discussão acerca dos direitos humanos ganhou mais atenção a nível interna- cional após a Segunda Guerra Mundial, acontecimento em que milhões de pessoas perderam suas vidas. Horrorizados pela devastação da vida causada pelo Segunda Guerra, membros da Organização das Nações Unidas (ONU), comprometeram-se a tomar medidas para a realização do respeito universal e a observância dos seus direitos humanos e do direito à liberdade para todos. O termo direitos humanos, usado desde a Segunda Guerra Mundial, ganhou importância nos debates contem- porâneos e se tornou um fenômeno universal após a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) em 10 de dezembro de 1948, pelos Estados Unidos. U N IC ES U M A R 11 Como a Segunda Guerra Mundial levou às nossas modernas leis de direitos humanos? Nos anos 30 e 40, cerca de seis milhões de judeus e milhões de outros, incluindo romanos, homossexuais e pessoas com deficiência, morreram nas mãos dos nazistas. O surto da Segunda Guerra Mundial levou a uma perseguição muito mais selvagem, incluindo assas- sinatos em massa. Essa política de tratamento cruel e genocídio deliberado e sistemático em toda a Europa ocupada pelos alemães chocaram o mundo. Depois que os nazistas foram derrotados pelas Forças Aliadas na Segunda Guerra Mundial, o mundo se uniu para estabelecer padrões mínimos de dignidade a serem concedidos a todos os seres hu- manos. Esses padrões mínimos se tornaram conhecidos como direitos humanos, foram registrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e executados na Europa sob a Convenção de Direitos Humanos. Os artigos da Convenção que proíbem a tortura, a es- cravidão e o trabalho forçado visavam claramente limitar o tratamento bárbaro à história. Fonte: a autora. explorando Ideias Você sabia que os direitos humanos envolvem direitos e obrigações? Os Estados assu- mem obrigações e deveres sob o direito internacional de respeitar, proteger e cumprir os direitos humanos. No nível individual, apesar de termos nossos direitos humanos, tam- bém devemos respeitar os direitos humanos de outras pessoas. pensando juntos Essa ação foi compreendida, por muitos, como um sinal de otimismo para uma melhor proteção, promoção e aplicação dos direitos humanos. No entanto, 50 anos desde a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi relatado que os abusos dos direitos humanos não diminuíram. O mundo está repleto de exemplos de violações de direitos básicos, como censura, discriminação, prisões políticas, torturas, escravidão, desaparecimentos, genocídios, execuções extraju- diciais, detenções, assassinatos arbitrários, pobreza etc. Não só, mas os direitos de mulheres e crianças também são ignorados de muitas maneiras diferentes. Os princípios dos direitos humanos foram elaborados como uma forma de ga- rantir que a dignidade de todos sejam igualmente respeitadas, isto é, para garantir que um ser humano seja capaz de desenvolver e usar plenamente suas qualidades humanas e satisfazer suas necessidades sociais e de sobrevivência. U N ID A D E 1 12 A dignidade dá, ao indivíduo, um senso de valor e a existência de direitos hu- manos demonstra que os indivíduos estão cientes do valor um do outro. Assim, a dignidade humana não é um sentido individual, exclusivo e isolado, pois faz parte de nossa humanidade comum. Desse modo, os direitos humanos nos permitem respeitar um ao outro e vivermos uns com os outros. Em outras palavras, eles não são apenas direitos a serem solicitados ou exigidos, mas a serem respeitados, isto é, os direitos que se aplicam a você também se aplicam aos outros. A negação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais não somente é um problema individual e pessoal, mas também cria condições para a ordem social e política, de modo a evitar casos de violência e conflito dentro e entre sociedades e nações. Os direitos humanos são universais e inalienáveis, indivisíveis, interdepen- dentes e inter-relacionados. Eles são universais, porque todos nascem e possuem os mesmos direitos, independentemente de onde moram, do sexo, da raça ou religião, da origem cultural ou étnica. Inalienáveis, pois os direitos das pessoas nunca podem ser levados embora. Indivisíveis e interdependentes, uma vez que todos os direitos – políticos, civis, social, cultural e econômico – são iguais em importância e nenhum pode ser totalmente apreciado sem os outros. Desse modo, os direitos humanos se aplicam a todos igualmente e todos têm o direito de participar de decisões que afetam as suas vidas. Tal direito (participa- ção) é mantido pelo Estado de Direito e fortalecido por meio de reivindicações legítimas de compromisso dos responsáveis por padrões internacionais, como o caso do voto, por exemplo. Agora que entendemos a gênese dos direitos humanos, falaremos um pouco de sua história. Sobre isso, vale destacar que os direitos humanos passaram por uma grande transformação– ao que entendemos por direitos humanos hoje – no decorrer da Segunda Guerra Mundial, por respostas à experiência do nazismo (e, em menor grau, ao stalinismo). Entre as primeiras manifestações dessa transformação, estava o estabelecimento de crimes contra a humanidade como uma ofensa no direito internacional, o que permitiu a acusação de chefes de estado por crimes que violam os direitos da huma- nidade. Assim, a concepção da ideia de “o genocídio” e, em seguida, a aprovação da Convenção sobre Genocídio, que foram desencadeados em parte pelo Holocausto, abriram novos caminhos, à medida que procuravam transformar os direitos huma- nos em algo tangível e que nenhum poder poderia anular, impunemente. Nessa perspectiva, a ascensão dessa estrutura de direitos humanos foi explo- rada por meio do legado do Tribunal de Nuremberg. Esse tribunal, que levou 13 U N IC ES U M A R 13 julgamentos realizados em Nuremberg, Alemanha, entre 1945 e 1949, foi realiza- do com o objetivo de levar os criminosos de guerra nazistas à justiça. Esse evento foi muito significativo para a consolidação dos direitos humanos, uma vez que materializava um senso de justiça aclamado pelo mundo todo. No entanto, o desenvolvimento da Guerra Fria (1947 – 1991) e de novas formas de nacionalismo colocaram um ponto de interrogação sobre até onde se conseguiu responsabilizar os mais violentos abusos de poder. Assim sendo, podemos sinalizar, ainda, os eventos contemporâneos de violência de países, guerras civis etc. Na teoria, não podemos falar de direitos humanos sem falar de Jürgen Ha- bermas, que procurou explorar as ramificações dos direitos humanos. O autor trouxe, em suas discussões, a teorização dos direitos humanos sobre a constitu- cionalização do direito internacional. Assim: “ No entendimento de Habermas, “direito”, na expressão “direitos humanos”, é um conceito jurídico, donde direitos humanos, para ele, serem direitos jurídicos, normas legais declaradas em atos de fundações do Estado ou anunciadas em convenções do direito inter- nacional e/ou constituições estatais. Ao conceber assim os direitos e tematizar os direitos humanos numa abordagem tríplice (focando- -os entre moral, direito e política), ele fornece diferentes definições teóricas dos direitos humanos (LOHMANN, 2013, p.1 ). Para o autor, na aplicação dos direitos humanos além das fronteiras do estado-na- ção, tem-se, como fundamento, as responsabilidades do poder, sobretudo de pre- venir ou de impedir atrocidades que ocorrem em outros Estados (LOHMANN, 2013). Habermas (1999) apresenta uma crítica aos regimes neoliberais de direitos humanos, os quais restringem os direitos humanos às liberdades negativas dos cidadãos que adquirem um status imediato em relação à economia global. Além disso, o autor menciona os direitos básicos para a provisão de condições de vida, que são social, tecnológica e ecologicamente salvaguardados. No entanto, assim como ele explica, esses direitos devem ser entendidos como derivados dos direitos liberais e políticos clássicos (HABERMAS,1999). Ainda de acordo com a “prioridade” aos direitos sociais e culturais, os direitos básicos não fazem sentido, pela simples razão de que eles servem apenas para ga- rantir o “valor justo” dos direitos básicos liberais e políticos, isto é, os pressupostos para a igualdade de oportunidades para exercer direitos individuais. Em outras palavras, o direito de exigir, para garantir uma condição de vida socialmente dig- U N ID A D E 1 14 2 DEFINIÇÃO DE DIREITOS humanos na, deve ser entendido como um direito que as pessoas as quais vivem dentro de ordens liberais e democráticas podem exigir da sociedade como uma condição necessária para o exercício de direitos civis e políticos iguais. Nessa perspectiva, como tal, o direito à subsistência não deve ser entendido como um direito humano universal e que se aplica a qualquer pessoa, não importa em que tipo de sociedade ela viva. Ele deve ser entendido como menos universal, como um di- reito político destinado a salvaguardar a solidariedade igualitária, sem a qual a cidadania, em qualquer sociedade liberal e democrática, seria impensável (HABERMAS,1999). Vale destacar que uma das características distintivas da teoria dos direitos huma- nos do discurso de Habermas (1999) é o fato de que o estudioso concebe os direitos humanos em termos institucionais, e não interacionais, ou seja, por meio da interação entre os indivíduos. Nessa perspectiva, para o autor, não há razão para esperar que os seres humanos possam chegar a um consenso universal sobre interesses gerais, a menos que assumam, como uma ideia reguladora, que compartilham uma natureza comum. Existem várias definições contemporâneas de direitos humanos. A ONU de- finiu direitos humanos como aqueles inerentes ao nosso estado de natureza e sem os quais nós não podemos viver como seres humanos. Os direitos humanos U N IC ES U M A R 15 pertencem a todas as pessoas e não dependem das especificidades do indivíduo: são os direitos que todos possuem igualmente, em virtude de sua humanidade. Christian Bay (1982) definiu direi- tos humanos como quaisquer reivin- dicações que devam ter proteção legal e moral para assegurar que os direitos humanos podem ser definidos como os direitos mínimos que cada indiví- duo deve ter contra o Estado ou outra autoridade pública, em virtude de ser um membro da família humana. No preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, é des- crito que “o reconhecimento da dignidade inerente e dos direitos iguais e inaliená- veis de todos os membros da família humana é o fundamento da liberdade, justiça e paz no mundo” (ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, 2009, p. 2). Assim como fora descrito na Declaração dos Direitos humanos, os direitos humanos, em um sentido geral, denotam os direitos dos cidadãos. Contudo, num sentido mais específico, constituem aqueles direitos que se tem precisamente por ser humano. Nas palavras de Freeden (1996), um direito humano é um dispositivo con- ceitual, expresso em forma linguística, que confere prioridade a certos atributos humanos ou sociais, os quais são considerados essenciais para o adequado funcio- namento de um ser humano. Não só, mas se destina a servir como proteção para aqueles atributos e apela para uma ação deliberada, a fim de garantir tal proteção. Scot Davidson (1992) definiu os direitos humanos como intimamente ligados à proteção de indivíduos do exercício do governo ou autoridade estadual em certas áreas de suas vidas. Isso é também direcionado para a criação de condições sociais pelo estado em que os indivíduos podem desenvolver seu potencial máximo. Com base nas contribuições desses autores, pode-se afirmar que os direitos humanos podem ser definidos como aqueles sem os quais os seres humanos não podem viver com dignidade, liberdade (política, econômica, social, cultural) e justiça em qualquer nação ou estado, independentemente da cor, local de nasci- mento, etnia, raça, religião, sexo ou quaisquer outras considerações. Esses direitos Figura 1 – Nuvem de palavras / Fonte: a autora. U N ID A D E 1 16 são inerentes à natureza do ser humano e, portanto, garantidos e protegidos pelo Estado, sem distinção de qualquer tipo. Quando tais direitos são negados a um indivíduo, seja pelos atores estatais ou não-estatais, constituem-se violações dos direitos humanos. Quando ocorrem violações em larga escala de tais direitos para qualquer comunidade ou grupo de pessoas em suas vidas cotidianas, podemos categorizar como abuso dos direitos humanos. Por exemplo, quando ocorrem prisões, assassinatos, tortura, estupro, legislações repressivas, discriminação etc., essas ações podem ser contra qualquer comunidade ou setores da sociedade, por atores estatais ou não-estatais, com o objetivo de suprimir a aspiração ou demanda de um grupo em particular por padrão de vida em relação a outros grupos naquele país. Além disso, o conceitode direitos humanos pode ser entendido como uni- versal, incontroverso e subjetivo. Os direitos humanos são universais, já que per- tencem a todo ser humano, sem qualquer distinção de etnia, raça, gênero, religião ou tipo de governo. São incontroversos, isto é, absolutos e inatos. Além disso, são subjetivos, pelo fato de que são propriedades de indivíduos que as possuem por causa de sua capacidade pela racionalidade, agência e autonomia. Hoje, o conceito de direitos humanos inclui os direitos civis e políticos ou os direitos públicos, liberdades, necessidades econômicas, sociais e culturais, particu- larmente no que diz respeito ao ambiente e à autodeterminação. Assim como fora exposto, é responsabilidade do Estado proteger e promover os direitos humanos. É, também, dever do Estado criar condições para a existência da paz, que permite que os direitos humanos sejam usufruídos por todos os indivíduos nesse estado. Toda- via, com o crescente risco de violação dos direitos humanos, decorrente das ativida- des do Estado, muito tem-se questionado acerca da legitimidade desse direito em nossa sociedade. Um exemplo dessas violações são os decorrentes assassinatos de civis e crianças envolvendo policiais na ativa (em serviço e fora de serviço). Segundo levantamento realizado pelo Monitor da Violência, do Núcleo de Estudos da Violência da USP e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil teve 6.160 pessoas mortas por policiais no ano de 2018 – um aumento de 18% em relação ao ano anterior, quando foram registradas 5.225 vítimas (VE- LASCO; CAESAR; REIS, 2019, on-line)¹. U N IC ES U M A R 17 3 ORIGEM DOS DIREITOS humanos no mundo O termo direitos humanos entrou em vigor após a Segunda Guerra Mundial, par- ticularmente, com a fundação das Nações Unidas, em 1945. Substituiu o termo direitos naturais, porque se tornou uma questão de grande controvérsia e o termo posterior, os direitos do homem, não era compreendido universalmente para a inclusão dos direitos das mulheres. É comum, na filosofia política e entre os estu- diosos, sugerir que os antecedentes dos direitos e liberdades contemporâneos são de origens históricas dos direitos humanos da Grécia e da Roma antigas, os quais estão intimamente ligados às doutrinas pré-modernas da lei natural do estoicismo grego. A doutrina dos direitos humanos surgiu sob a forma de direitos naturais nos escritos políticos de Thomas Hobbes, os quais foram chamados de “Leviatã”. A chave para a filosofia política deste estudioso é a sua doutrina do estado de na- tureza, na qual é descrita a pré-situação política da condição humana. Segundo Hobbes (1997), todos os homens são iguais e cada um é dominado pelo desejo de autopreservação. Na referida obra, o estudioso afirmou que todos os indivíduos possuem liberdades e liberdades simples, que são correlacionadas com deveres e obrigações por parte de outros. Para Hobbes (1997), o direito da natureza (direi- U N ID A D E 1 18 tos naturais) é definido como o direito à autopreservação, que é imediatamente em contraste com a lei da natureza (lei natural), que proíbe indivíduos de fazerem algo destrutivo em suas vidas ou de omitir os meios de auto-preservação. Nesse sentido, para que a ideia de direitos humanos (naturais) se consolide como uma necessidade social geral, certas mudanças básicas nas crenças e nas práticas da sociedade tinham que acontecer. Além disso, quando a resistência à intolerância religiosa e à escravidão econômica começou, a longa transição para as noções liberais de liberdade e igualdade, particularmente em relação ao uso e à posse de propriedade, foi o fundamento do conceito moderno de direitos humanos. Os escritos de Tomás de Aquino (1224-1274) e as Leis da Guerra e da Paz explicam que os direitos naturais surgiram com a defesa de que os homens ti- nham o direito de realizar reivindicações pela proteção de sua vida, liberdade e propriedade. Nesse sentido, Locke (1997, p. 11) afirma que: “ Homem que está nascendo com um pouco para aperfeiçoar a liberda-de e para um descontrolado gozo de todos os direitos e privilégios da lei da natureza, igualmente com qualquer outro homem por natureza não só para preservar sua propriedade, sua vida, liberdade e proprie- dade contra os ferimentos e tentativas de outros homens, mas julgar e punir as violações da lei em outros (LOCKE, 1997, p. 11). Ainda de acordo com Hobbes (1997) e John Locke (1997), existem muitos direi- tos naturais, mas todos eles são inferências de um direito original, que é o direito de um indivíduo de preservar sua vida. O que é intrinsecamente correto não é mais o que é requerido ou o que participa da boa vida: é o que é subjetivamente considerado pelo indivíduo como necessário à sua segurança. U N IC ES U M A R 19 4 PRINCIPAIS FATOS HISTÓRICOS da constituição dos direitos humanos A era moderna dos direitos humanos pode ser atribuída às lutas para acabar com a escravidão, o genocídio, a discriminação e a opressão do governo. Atrocidades durante a Segunda Guerra Mundial deixaram claro que os esforços anteriores para proteger os direitos individuais contra violações do governo eram inade- quados. Assim, nasceu a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) como parte do surgimento das Nações Unidas (ONU). A DUDH foi o primeiro documento internacional que enuncia os direitos civis, políticos, econômicos, so- ciais e culturais básicos que todos os seres humanos deveriam gozar. A declaração foi ratificada, sem oposição, pela Assembleia Geral da ONU em 10 de dezembro de 1948. Entretanto, antes disso, encontramos discussões, teorias e debates em torno dos direitos humanos. É isso que vamos discutir a partir de agora. ESCRITOS PRECURSORES DOS DIREITOS HUMANOS Os direitos humanos são produto de um debate filosófico que dura mais de dois mil anos, na busca de padrões morais de organização e comportamento político. O surgimento dos direitos humanos se deu a partir da tradição de que existe uma ordem moral cuja legitimidade precede condições sociais e históricas e se aplica a U N ID A D E 1 20 todos os seres humanos em todos os lugares e em todos os momentos. Nessa visão, crenças e conceitos morais são capazes de serem validados como fundamentais e universalmente verdadeiros. As origens e o desenvolvimento da teoria dos direitos humanos estão ligados ao desenvolvimento do universalismo moral, ou seja, um sistema ético que é aplicado para todas as pessoas em situação semelhante. Desse modo, entre esses documentos, podemos destacar a Carta Magna (1215), a Carta de Direitos Inglesa (1689), a Declaração Francesa Sobre os Direi- tos do Homem e do Cidadão (1789) e a Declaração dos Direitos da Constituição dos EUA (1791), que foram os precursores dos direitos humanos no mundo e que inspiram os documentos até os dias de hoje. No entanto, vale destacar que muitos desses documentos, quando originalmente traduzidos em política, excluíam mu- lheres, pessoas de cor e membros de certos grupos sociais, religiosos, econômicos e políticos, que foram incluídos na contemporaneidade. SÉCULO XIX O direito internacional contemporâneo dos direitos humanos e o estabelecimen- to da Organização das Nações Unidas (ONU) têm importantes antecedentes históricos. Esforços no século XIX para proibir o tráfico de escravos e limitar os horrores da guerra são exemplos primordiais. Em 1919, após o término da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), foram co- locadas em pauta a necessidade e a preocupação de se estabelecer parâmetros inter- nacionais de defesa dos grupos minoritários e das pessoas fragilizadas pelo impacto da guerra. Como resultado dessa preocupação, em 1919, foi criada a Organização Internacional do Trabalho, que tinha como objetivo principal proteger e garantir os direitos dos trabalhadores. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi incor- porada à ONU como uma agência especializada em 1946. O objetivo da organização é servir como uma força deunião entre governos, empresas e trabalhadores, e enfatiza a necessidade de os trabalhadores gozarem de “condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana” (OIT, [2019], on-line)².por meio do emprego. U N IC ES U M A R 21 O NASCIMENTO DAS NAÇÕES UNIDAS A Segunda Guerra Mundial durou de 1939 a 1945 e, à medida que o fim se apro- ximava, cidades da Europa e da Ásia estavam em ruínas. Além disso, milhões de pessoas estavam mortas, ou desabrigadas e famintas. Em abril de 1945, delegados de cinquenta países se reuniram em São Francisco, com o objetivo de participar da Conferência das Nações Unidas. O propósito era que essa organização internacional formasse um organismo internacional para pro- mover a paz e impedir futuras guerras. Assim, a Carta da Organização das Nações Unidas entrou em vigor em 24 de outubro de 1945, data que é comemorada todos os anos como o Dia das Nações Unidas. A Declaração Universal dos Direitos Hu- manos inspirou várias outras leis e tratados de direitos humanos em todo o mundo. Em 1948, a nova Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas havia capturado a atenção do mundo. Sob a presidência dinâmica de Eleanor Roosevelt – viúva do presidente Franklin Roosevelt, defensora dos direitos humanos e delegada dos Estados Unidos na ONU –, a Comissão decidiu redigir o documento que se tornaria a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Roosevelt, creditado com sua inspiração, referiu-se à Declaração como a Magna Carta Internacional para toda a humanidade. Foi adotada pelas Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Em seu preâmbulo, a Declaração proclama os direitos inerentes a todos os seres humanos: “ Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos huma-nos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os todos go- zem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum (DUDH, 1948, p. 2). Assim, “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (DUDH, 1948, p. 4).Os Estados-membros das Nações Unidas comprometeram-se a trabalhar juntos para promover os trinta Artigos de direitos humanos, que, pela primeira vez na história, foram reunidos e codificados em um único documento. Em consequência, muitos desses direitos, de várias formas, fazem, hoje, parte das leis constitucionais das nações democráticas. U N ID A D E 1 22 A partir deste discurso, vieram apelos de todo o mundo, em busca de padrões de direitos humanos para proteger os cidadãos dos abusos de seus governos. Essas vozes desempenharam um papel importante na reunião de São Francisco, que elaborou a Carta das Nações Unidas em 1945. A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS (1948) A Declaração Universal dos Direitos Humanos surgiu com o fim da segunda Guer- ra Mundial. Com o término do conflito e a criação de Nações Unidas, a comunidade internacional se uniu com um objetivo comum: nunca mais suportar as atrocidades que o mundo acabara de testemunhar na guerra. A partir de então, os líderes do mundo decidiram ampliar a Carta das Nações Unidas, a fim de consagrar e enco- rajar garantias para os direitos dos seres humanos em todo o mundo. A Assembleia Geral examinou os documentos entre setembro e dezembro de 1948, com mais de 50 Estados-membros, os quais votaram 1.400 vezes em, pratica- mente, todas as cláusulas e em praticamente todas as palavras do texto. Em dezembro de 1948, a Assembleia Geral, reunida em Paris, votou pela adoção DUDH com oito nações abstendo-se, mas nenhuma discordando. Foi um momento histórico e a As- sembleia Geral apelou a todos os Estados-membros que divulgassem o texto da De- claração e a tornasse disseminada, exibida, lida e exposta principalmente nas escolas. DOCUMENTOS SUBSEQUENTES SOBRE DIREITOS HUMANOS Dos muitos instrumentos de direitos humanos elaborados, a ONU designou nove deles como principais tratados internacionais de direitos humanos. Eles incluem um tratado sobre direitos civis e políticos; um tratado sobre direitos econômicos, sociais e culturais; tratados para combater a discriminação racial e de gênero; tratados que proíbem a tortura e os desaparecimentos forçados; e tratados que protegem os direitos das crianças, trabalhadores migrantes e pessoas com deficiência. Para cada um desses tratados básicos, a ONU estabeleceu um painel de especialistas independentes, co- nhecido como órgão do tratado, o qual é responsável por monitorar a implementação do tratado pelos Estados Partes que o ratificaram (SHIMAN,1993). U N IC ES U M A R 23 5 OS DIREITOS HUMANOS no Brasil A Segunda Guerra Mundial trouxe um renascimento da atual teoria dos direitos humanos. Até 1945, a proteção internacional dos direitos humanos era confinada a tratados abolindo o tráfico de escravos, as leis de guerra e os direitos das mino- rias, que foram concluídos após o Tratado de Versalhes (28 de junho de 1919). Foi depois de 1945 que os direitos de todos os indivíduos estão sob a proteção do direito internacional. Após a Segunda Guerra Mundial, as regras de compor- tamento e de direitos estatais de indivíduos dentro dos estados foram reescritos em documentos internacionais autorizados, como a Carta dos Direitos Huma- nos das Nações Unidas de 1945; a Declaração Universal dos Direitos Humanos Direitos de 1948; a Convenção do Genocídio de 1948; a revisão das Convenções de Genebra em 1949; a Convenção Europeia dos Direitos do Homem de 1950; e as Nações Unidas Organizações Educacionais, Científicas e Culturais, em 1945. Todos esses documentos surgiram com o impulso moral de reconstruir a mora- lidade pública após a Segunda Guerra Mundial. A Carta dos Direitos Humanos das Nações Unidas é dirigida aos Estados como atores morais, enquanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) trata do indivíduo humano. A Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco, em 26 de junho de 1945, foi um documento com suas raízes no passado e com possibilidades para futuro que só poderia ser imaginado. Não só, mas representou o desenvolvimento histórico da organização social da humanidade. Essas colocações foram baseadas, U N ID A D E 1 24 em grande parte, na experiência do passado e era um compromisso com propó- sitos e princípios, cuja realização se dava à luz das mudanças nas condições do mundo. É importante destacar que a Carta não apenas incorporava limitações à liberdade de ação de um Estado, mas também fez referência para o desenvolvi- mento dos direitos humanos por meio da Constituição de cada nação. A atual conjuntura de consolidação democrática pede uma lista mínima de pré-requisitos para manter a democracia – como a liberdade de opinião, expres- são, associação e organização, eleições livres e competitivas, rotação em poder, mecanismos de responsabilização do governo, a capacidade dos movimentos so- ciais participar abertamente na esfera pública. Nesse contexto, os compromissos do Estado com a proteção dos direitos humanos se constituem como um fator primordial na consolidação da cidadania. No Brasil, a história dos direitos humanos está vinculada com a história das constituições brasileiras e com a importância delas à garantia dos direitos. Nesse contexto, a Constituição Imperial de 1824, que foi primeira constituição brasileira a ser outorgada após a dissolução da Constituinte, trouxe a inviolabilidade dos direitos civis e políticos que se baseavam na liberdade, na segurança individual e na propriedade. Já a Constituição de 1934 trouxe alguns pressupostos liberais, que, em alguma medida, garantiram alguns direitos adquiridos, além de: “ Vedar a pena de caráter perpétuo; proibiu a prisão por dívidas, multas ou custas; criou a assistência judiciária para os necessitados (assistên-cia esta, que ainda hoje, não é observada por grande parte dos Estados brasileiros); instituiu a obrigatoriedadede comunicação imediata de qualquer prisão ou detenção ao juiz competente para que a relaxasse, se ilegal, promovendo a responsabilidade da autoridade coatora, além de várias outras franquias estabelecidas (ALVES,2009,p.10). Vale destacar que, além dessas garantias, a Constituição de 1934 trouxe novas normas de proteção social para os trabalhadores, estabelecendo igualdade de direitos de salário, sobretudo em relação à idade, ao sexo, à nacionalidade ou ao estado civil. Além disso: “ Proibiu o trabalho para menores de 14 anos de idade, o trabalho noturno para os menores de 16 anos e o trabalho insalubre para menores de 18 anos e para mulheres; determinando a estipulação U N IC ES U M A R 25 de um salário mínimo capaz de satisfazer às necessidades normais do trabalhador, o repouso semanal remunerado e a limitação de tra- balho a oito horas diárias que só poderão ser prorrogadas nos casos legalmente previstos, além de inúmeras outras garantias sociais do trabalhador (ALVES,2009, p.10). Contrário aos avanços anteriores, a Constituição de 1967 apresentou alguns re- trocessos referentes à liberdade, pautados em punições e arbitrariedades decre- tadas pelos Atos Institucionais. Um aspecto a ser destacado nesse retrocesso é referente à redução de idade mínima para o trabalho, que foi para 12 anos. Além, ainda, de proibir movimentos grevistas e a liberdade de opinião e de expressão. Tudo isso representou um grande retrocesso dos direitos sociais. A Constituição de 1967 esteve em vigor até 17 de outubro de 1969. Na prática, foi instaurado o mais terrível Ato Institucional, o AI-5, o que mais desrespeitou os direitos humanos no país, provocando uma revolta na sociedade civil, em jovens e estudantes. A Constituição de 1988 veio como um alento, depois de um longo período de retrocessos sociais e nos direitos humanos. É justamente por esse motivo que a Constituição de 1988 foi chamada de Constituição Cidadã “porque ela mostrou que o homem tem uma dignidade, dignidade esta que precisa ser resgatada e que se expressa, politicamente, como cidadania” (ALVES,2009,p.13). A Constituição de 1988, já no preâmbulo, trata sobre a dignidade da pessoa humana quando sustenta que: “ Inviolabilidade à liberdade e, depois, no artigo primeiro, com os fun-damentos e, ainda, no inciso terceiro (a dignidade da pessoa humana), mais adiante, no artigo quinto, quando fala da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à igualdade (ALVES, 2009, p. 13). Desse modo, a Constituição de 1988 se apresenta como um marco importante para a consolidação dos direitos humanos no Brasil, inclusive como um dos prin- cípios que regem as relações internacionais do país (ALVES,2009). No campo dos direitos humanos, o Brasil teve destaque com a preparação e rea- lização da Conferência Mundial de Direitos Humanos, a qual aconteceu em Viena, em 1993, onde foi presidido o comitê de redação da Declaração e do Programa de Ação, adotado pela conferência em 25 de junho de 1993. Já em 1996, foi assumida a presidência da 52ª Reunião da Comissão de Direitos Humanos da ONU. U N ID A D E 1 26 A Conferência Mundial de Direitos Humanos trouxe um maior envolvimen- to dos países, sobretudo, nas discussões de medidas de proteção, promoção e implementação dos direitos humanos. O Brasil seguiu esse movimento e, por isso, a conferência foi um marco não só para o mundo, mas para o Brasil, uma vez que os direitos humanos começaram a ser defendidos e foram debatidas as formas de os países cumprirem a declaração. Na década de 90, o então presidente Fernando Henrique Cardoso criou a Secretaria de Direitos Humanos, que era ligada ao Ministério da Justiça. Essa se- cretaria foi responsável pelas primeiras políticas relacionadas aos direitos huma- nos. Já em 1996, foi criado o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), estruturado com mais de 500 metas voltadas para os direitos civis e políticos. No tocante aos direitos humanos, o Brasil escolheu, como linhas de atuação, a administração da Justiça, a defesa de crianças e adolescentes, a educação e a proteção de minorias e deficientes, seguindo os principais instrumentos da ONU (ALVES, 2009). As políticas de direitos humanos foram aprofundadas no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, quando o país começou a discutir políticas de enfrentamento à violação dos direitos e reformulou o Programa Nacional de Direitos Humanos. Foi criado, ainda, o Plano Nacional de Educação e Direitos Humanos. Embora o governo brasileiro tenha se esforçado para corrigir os abusos dos direitos humanos, raramente responsabiliza os responsáveis pelas violações sig- nificativas de direitos humanos no Brasil. A polícia é frequentemente abusiva e corrupta, as condições das prisões são péssimas e a violência rural e os conflitos fundiários estão em andamento. Os defensores dos direitos humanos sofrem ameaças e ataques. O que podemos observar é que, embora essas ações são positivas na garantia de avanços nos direitos humanos, no Brasil, a violência ainda é algo muito pre- sente em várias instâncias sociais, sobretudo no que se refere aos direitos huma- nos. Tudo isso, somado à violência desproporcional e à exclusão econômica de minoria, ilustram um cenário que necessita ser melhor desenvolvido. U N IC ES U M A R 27 CONSIDERAÇÕES FINAIS Muitas pessoas consideram o desenvolvimento dos direitos humanos como uma das maiores conquistas do século XX. De fato, assim como observamos ao longo do livro, os direitos humanos não começaram exclusivamente com um movimen- to político isolado, nem apenas com as Nações Unidas. Eles tiveram início com um movimento de várias frentes, que foram legitimadas por documentos que reivindicam os direitos individuais e se apresentam como precursores escritos dos instrumentos de direitos humanos. Embora a estrutura internacional de direitos humanos se baseie em documen- tos próprios, todos são inspirados e tomam, como direcionamento, principalmente, os documentos das Nações Unidas, que tratam os direitos humanos como uni- versais: são sempre os mesmos e para todos os seres humanos em todo o mundo. Nesse contexto, os direitos humanos não são garantidos a um sujeito, porque ele é cidadão de qualquer país, mas porque é membro da família humana. Isso significa que as crianças têm direitos humanos, bem como os adultos. Os direitos humanos são inalienáveis: não se pode perdê-los. Além disso, são indivisíveis: ninguém pode tirar um direito porque é “menos importante” ou “não essencial”. Os direitos humanos são interdependentes e, juntos, formam uma estrutura complementar. Por exemplo, a sua capacidade de participar da tomada de deci- sões locais é afetada diretamente pelo seu direito de se expressar, de se associar com os outros, de obter educação e até de obter as necessidades da vida. Ademais, os direitos humanos refletem as necessidades humanas básicas, as quais são necessárias para que os indivíduos possam viver com dignidade. Desse modo, violá-los pressupõe que as pessoas não possuem a sua cidadania garantida. Assim, defender os direitos humanos é exigir que a dignidade humana de todas as pessoas seja respeitada. 28 na prática 1. Em 2018, foi publicado, no site do atual Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, um relatório que identifica violações de direitos humanos em comunidades quilombolas do Brasil (MDH, 2018, on-line)³. Com base nesse aconte- cimento, pode-se afirmar que a violação desses direitos: a) Constitui violações dos direitos humanos de escala, as quais são cometidas re- petidamente por indivíduos que não seguem as normas legais de convivência. Tais sujeitos não têm direitos assegurados, sobretudo os humanos. b) Atribui uma obrigação à população de apresentar relatórios periódicos para a apuração da responsabilidade dos Estados em relação aos direitos sociais. c) Sugere que os direitos humanos não podem ser entendidos como universais, visto que cada país possui as suasnormas morais e legais, e deve ser considerada a sua distinção de etnia, raça, gênero, religião ou tipo de governo. d) Constitui violações dos direitos humanos de escala, as quais são cometidas repe- tidamente por atores estatais ou não-estatais a qualquer comunidade ou grupo de pessoas em suas vidas cotidianas. e) Define o conceito de direitos humanos com a inclusão de direitos civis e sociais, apenas. 2. A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi criada em 10 de dezembro de 1948 pela ONU, que, neste período, contava com 58 Estados-membros. Com base nessa afirmação, descreva qual é o principal objetivo dessa declaração. 3. Trecho da música Comida, dos Titãs: [...] A gente não quer só comida A gente quer comida Diversão e arte A gente não quer só comida A gente quer saída Para qualquer parte A gente não quer só comida A gente quer bebida Diversão, balé [...]. https://www.mdh.gov.br/ https://www.mdh.gov.br/ 29 na prática Com base no fragmento da música e nos conteúdos discutidos em nosso livro, reflita e descreva quais são os direitos que efetivamente são respeitados em seu bairro e/ou cidade. 4. Desde a sua criação, as Nações Unidas têm se esforçado para concretizar as pro- messas feitas pela comunidade internacional ao ser humano individual. O fato de a organização ter ajudado a formular uma série de declarações e convenções é de grande importância. Com base no exposto, qual documento é de fundamental importância e apresenta as diretrizes para a consolidação dosdireitos humanos? a) A Carta Nacional dos Direitos Humanos marca uma das ações importantes rea- lizadas pelas Nações Unidas com a intenção de promover os direitos humanos e as liberdades fundamentais. b) O Pacto dos Direitos Civis e Políticos. c) A Carta Americana, a qual marca uma das ações importantes realizadas pelas Nações Unidas com a intenção de promover os direitos humanos e as liberdades fundamentais. d) A Assembleia Geral adotou a Declaração Universal, que reconhece a dignidade inerente e os direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família hu- mana, em 10 de dezembro de 1948. e) O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. 5. A Assembleia Geral confirmou que o pleno gozo de uma categoria de direitos de- pende da realização das demais. Em outras palavras, todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais são indivisíveis e inter-relacionadas. Além disso, a promoção e a proteção de uma categoria de direitos nunca deve isentar ou descul- par os Estados da promoção e proteção de outra. Sobre essa afirmação, julgue as afirmativas a seguir: I - O exposto deixa claro que todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. II - Os esforços para promover uma categoria de direitos devem levar plenamente em consideração o progresso na implementação de outras categorias. 30 na prática III - Os direitos humanos são divisíveis e variam de acordo com o local. IV - A negação de direitos civis e políticos tende a ter efeitos adversos no gozo de direitos econômicos e sociais. A negligência da proteção social e do bem-estar, geralmente, está relacionada com a incapacidade de grupos populacionais mais pobres e mais vulneráveis ou de pessoas como um todo de terem voz para influenciar as decisões. É correto afirmar que: a) Estão corretas apenas as afirmativas I, II e III. b) Estão corretas apenas as afirmativas II e III. c) Estão corretas apenas as afirmativas I, II e IV. d) Estão corretas apenas as afirmativas IV e III. e) Estão corretas apenas as afirmativas I e III. 31 aprimore-se CIDADANIA NO BRASIL Em 1992, a polícia militar paulista invadiu a Casa de Detenção do Carandiru para interromper um conflito e matou 111 presos. Em 1992, policiais mascarados massa- craram 21 pessoas em Vigário Geral, no Rio de Janeiro. Em 1996, em pleno Centro do Rio de Janeiro, em frente à Igreja da Candelária, sete menores que dormiam na rua foram fuzilados por policiais militares. No mesmo ano, em Eldorado do Carajás, policiais militares do Pará atiraram contra trabalhadores sem-terra, matando 19 de- les. Exceto pelo massacre da Candelária, os culpados dos outros crimes não foram até hoje condenados. No caso de Eldorado do Carajás, o primeiro julgamento ab- solveu os policiais. Posteriormente anulado, ainda não houve segundo julgamento. A população ou teme o policial, ou não lhe tem confiança. Nos grandes centros, as empresas e a classe alta cercam-se de milhares de guardas particulares para fazer o trabalho da polícia, fora do controle do poder público. A alta classe média entrin- cheira-se em condomínios protegidos por muros e guaritas. As favelas, com menos recursos, ficam à mercê de quadrilhas organizadas que, por ironia, se encarregam da única segurança disponível. Quando a polícia aparece na favela é para trocar tiros com as quadrilhas, invadir casas e eventualmente ferir ou matar inocentes. O Judiciário também não cumpre seu papel. O acesso à justiça é limitado a peque- na parcela da população. A maioria ou desconhece seus direitos, ou, se os conhece, não tem condições de os fazer valer. Os poucos que dão queixa à polícia têm que enfrentar depois os custos e a demora do processo judicial. Os custos dos serviços de um bom advogado estão além da capacidade da grande maioria da população. Apesar de ser dever constitucional do Estado prestar assistência jurídica gratuita aos pobres, os defensores públicos são em número insuficiente para atender à demanda. Ao lado dessa elite privilegiada, existe uma grande massa de “cidadãos simples”, de segunda classe, que estão sujeitos aos rigores e benefícios da lei. São a classe média mo- desta, os trabalhadores assalariados com carteira de trabalho assinada, os pequenos funcionários, os pequenos proprietários urbanos e rurais. Podem ser brancos, pardos ou negros, têm educação fundamental completa e o segundo grau, em parte ou todo. 32 aprimore-se Essas pessoas nem sempre têm noção exata de seus direitos, e quando a têm carecem dos meios necessários para os fazer valer, como o acesso aos órgãos e autoridades competentes, e os recursos para custear demandas judiciais. Frequen- temente, ficam à mercê da polícia e de outros agentes da lei que definem na prática que direitos serão ou não respeitados. Os “cidadãos simples” poderiam ser localiza- dos nos 63% das famílias que recebem entre acima de dois a 20 salários mínimos. Para eles, existem os códigos civil e penal, mas aplicados de maneira parcial e incerta. Finalmente, há os “elementos” do jargão policial, cidadãos de terceira classe. São a grande população marginal das grandes cidades, trabalhadores urbanos e rurais sem carteira assinada, posseiros, empregadas domésticas, biscateiros, camelôs, menores abandonados, mendigos. São quase invariavelmente pardos ou negros, analfabetos, ou com educação fundamental incompleta. Esses “elementos” são par- te da comunidade política nacional apenas nominalmente. Na prática, ignoram seus direitos civis ou os têm sistematicamente desrespeitados por outros cidadãos, pelo governo, pela polícia. Não se sentem protegidos pela sociedade e pelas leis. Fonte: Carvalho (2002). 33 eu recomendo! SEGURANÇA PÚBLICA, DIREITOS HUMANOS E VIOLÊNCIA Autor: Rafael Fortes Editora: Luminária Academia Sinopse: o livro Segurança Pública, Direitos Humanos e Violência, projetado e coordenado pelo professor Rafael Fortes, seleciona e sistematiza tópicos críticos e densos. Entrevistas correlacionadas oferecem um conjunto eficaz. O elenco reúne vozes com timbres diferentes do nazi-fascismo, hoje, hegemônico, e que, embora não tenha destruído militarmente a humanidade na 2ª Grande Guerra, ainda nos oprime em trevas de fel e enxofre. Há o uso de argumentos das entrevistas aqui enfeixadas, sublinhando algumas pontuações críticas, enquanto notas para cote- já-las com a pobre e linear visão positivista que o Direito brasileirotraduziu: dog- matismo formal. Este medíocre pensar é útil e servente súcubo da elite sempre contente. Socialmente, representa constantes e crescentes alternativas de lesões enormes. livro Direitos Humanos, a Exceção e a Regra Ano: 2008 Sinopse: a partir de imagens selecionadas por João Roberto Ri- pper, o diretor faz um filme-denúncia sobre a situação dos direi- tos humanos no Brasil, destacando os principais eventos e mo- mentos marcantes da história do país nos últimos 40 anos. filme O Armazém Memória é uma iniciativa de articulação e construção coletiva de um sítio na Internet, visando colaborar com o desenvolvimento de políticas públicas que possam garantir, ao cidadão brasileiro, o acesso à sua memória histórica, por meio de Bibliotecas Públicas Virtuais interligadas em um sistema de busca direta de conteúdo. Na plataforma, você encontra: coleções de periódicos, depoi- mentos, livros, vídeos, áudios, artigos, documentos e imagens, obras de natureza histórica, jurídica e educativa com foco nos direitos humanos. http://armazemmemoria.com.br/r conecte-se 2 PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Desigualdades e a sua relação com os direitos humanos • Cidadania e os direitos humanos • Movimentos sociais e a busca pela cidadania. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Entender as diferentes formas de constituição das desigualdades e a sua relação com os direitos huma- nos • Abordar o que é cidadania e como os direitos humanos influenciam a sua consolidação • Refletir em que medida os movimentos sociais contribuem para a consolidação da cidadania na sociedade global e brasileira. DIREITOS HUMANOS e a construção da cidadania PROFESSORA Me. Francieli Muller Prado INTRODUÇÃO O mundo assistiu a um aumento dramático das desigualdades de renda e de riqueza nas últimas três décadas, tornando o extremo contraste eco- nômico uma das questões definidoras da atualidade. A indignação com a injustiça acerca da extrema desigualdade estimulou uma onda sem prece- dentes de mobilização popular em todo o mundo, de modo a evidenciar o desequilíbrio econômico no debate político em muitos países. Desse modo, torna-se centralem compreender esse fenômeno, sobretudo a sua relação com os direitos humanos e os impactos na cidadania. Além disso, compreender essa relação se torna fundamental para ex- plicar a busca do ser humano por um lugar e vida dignos, mantendo o seu direito de, participação plena na sociedade, o que, em grande medida, explicita seu direito de cidadania. No entanto, quando refletimos sobre, as noções de direitos humanos e de direitos de cidadania parecem ter co- notações contraditórias, não é mesmo? Na realidade, as duas tendem a de- sempenhar um papel de complementar o desenvolvimento e o bem-estar do ser humano na era da globalização. Esta unidade, portanto, procura fornecer uma reflexão sobre cidadania e direitos humanos, e como essa relação se tornou uma questão central para a política contemporânea. Desse modo, iniciamos nossos estudos com uma breve visão geral das teorias dos direitos humanos e da desigualdade, antes de abordarmos dois tópicos cruciais para essa relação: o direito hu- mano à cidadania e o direito humano à democracia e participação social. U N ID A D E 2 36 1 DESIGUALDADES E SUA RELAÇÃO com os direitos humanos Olá aluno(a), seja muito bem vindo(a) à segunda etapa de nossa discussão. Neste momento, avançamos na compreensão de todo o arcabouço que contempla a discussão geral sobre direitos humanos e cidadania, com discussões de temas transversais ao conceito, como desigualdade, cidadania e movimentos sociais. Por desigualdade entendemos um estado de não igualdade, especialmente em status, direitos e oportunidades. Existem muitas discussões acerca dessas duas colocações, igualdade e desigualdade, à medida que tendem a significar coisas diferentes para diferentes pessoas. Muitos autores definem a desigualdade econô- mica como sinônimo principalmente renda e desigualdade monetária ou, mais amplamente, de desigualdade em condições de vida. Outros distinguem ainda mais os direitos baseados em abordagem legalista da desigualdade – desigualda- de de direitos e obrigações associadas (por exemplo, quando as pessoas não são iguais perante a lei ou quando têm poder político desigual). No que tange à desigualdade econômica, grande parte da discussão pode resu- mir-se em duas. A primeira é mais preocupada com a desigualdade de resultados nas dimensões materiais do bem-estar e isso pode ser o resultado de circunstâncias além do controle (etnia, antecedentes familiares, gênero e assim por diante) bem como talentos e esforço. Já a segunda diz respeito à desigualdade de oportunidades, ou seja, concentra-se apenas nas circunstâncias, além de um controle que afeta os resultados possíveis. Esta é uma perspectiva que considera o potencial de realização. U N IC ES U M A R 37 De acordo com o relatório da ONG Oxfam, divulgado em 2017, que utilizou como base levantamentos sobre bilionários da revista “Forbes” e dados sobre a riqueza no mundo de um relatório do banco Credit Suisse, no mundo, apenas oito bilionários acumulam a mesma quantidade de dinheiro que a metade mais pobre da população do planeta, ou seja, 3,6 bilhões de pessoas juntas. No Brasil, seis homens concentram a mesma riqueza que toda a metade mais pobre da população do país, ou seja, mais de 100 milhões de brasileiros. Fonte: OXFAM (2017). explorando Ideias No entanto, sobretudo, no Brasil, facilmente encontramos ambas as desigual- dades: econômica e de oportunidade. Amartya Sen (1999) propôs que o bem-estar deve ser definido e medido em termos dos seres e dos feitos valorizados pelas pes- soas (funcionamentos) e da liberdade de escolher e agir (capacidades). Essa abor- dagem enfatiza a liberdade de escolher um tipo de vida em detrimento de outro. Neste quadro, a equalização do rendimento não deve ser o objetivo, porque nem todas as pessoas convertem renda em bem-estar e liberdade da mesma ma- neira. Além disso, esse relacionamento parece altamente dependente de “circuns- tâncias contingentes, pessoal e social” (SEN, 1999, p. 70), que incluem idade, sexo, antecedentes familiares e incapacidade. Não só, mas também depende de condi- ções climáticas, sociais (cuidados de saúde, sistemas de educação, prevalência do crime, relações com a comunidade) e convenção entre outros fatores. Portanto, o que deveria ser equalizado não é o meio de viver, mas as oportunidades reais de viver que dão às pessoas a liberdade de perseguir uma vida de escolha própria. Já Stewart (2005) defende a ideia de ir além do foco em indivíduos e examinar, também, as desigualdades que surgem entre indivíduos, devido ao(s) grupo(s) com o(s) qual(is) se identificam (cultural, gênero, idade etc.) e que podem ser a causa do preconceito, da discriminação, da marginalização ou vantagem – um fenômeno que o estudioso denominou como desigualdades horizontais. Para concluir, pode-se afirmar que uma sociedade oferece oportunidades iguais quando as circunstâncias não determinam as diferenças na vida (FER- REIRA et al., 2000). Na prática, a igualdade de oportunidades existe quando as políticas compensam os indivíduos que enfrentam circunstâncias desvantajosas. A desigualdade econômica diz respeito ao modo como as variáveis econômicas são distribuídas – entre indivíduos em um grupo, entre grupos em uma população ou entre países. A teoria do desenvolvimento tem-se preocupado, com as, desigual- dades nos padrões de vida, como as desigualdades em renda/riqueza, educação, saúde e nutrição. U N ID A D E 2 38 Trabalho e renda: • A PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua de 2017 mostra que há forte desigualdade na renda média do trabalho: R$ 1.570 para negros, R$ 1.606 para pardos e R$ 2.814 para brancos. • O desemprego também é fator de desigualdade: a PNAD Contínua do 3º trimestre de 2018 registrou um desempregomais alto entre pardos (13,8%) e pretos (14,6%) do que na média da população (11,9%). • Dados também da PNAD só que mais antigos, de 2015, mostram que apesar dos negros e pardos representam 54% da população na época, a sua participação no grupo dos 10% mais pobres era muito maior: 75%. • Já no grupo do 1% mais rico da população, a porcentagem de negros e pardos era de apenas 17,8%. Fonte: Portal da Câmara dos Deputados (2018, on-line)4. explorando Ideias Muito dessa discussão se resumiu a um debate entre duas perspectivas: a primei- ra se preocupa principalmente com a desigualdade de oportunidades, como o acesso desigual ao emprego ou à educação. Já a segunda, com a desigualdade de resultados em várias dimensões materiais do bem-estar humano, como o nível de renda, a realização educacional, o estado de saúde e assim por diante. A igualdade de oportunidades existe quando os resultados da vida dependem so- mente de fatores pelos quais as pessoas podem ser consideradas responsáveis, e não de atributos desvantajosos fora de seu controle, tais como gênero, etnia, antecedentes familiares etc. Em termos práticos, a igualdade de oportunidade existe quando os indivíduos são compensados de alguma forma por suas circunstâncias desvantajosas. A falta de oportunidade é uma realidade marcante na sociedade brasileira. Uma grande camada da população encontra-se em situação de desvantagem de oportunidade. De acordo com os dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2017, em todos os aspectos pesquisados, os negros encontram-se em desvantagens, em relação: ao branco na sociedade. U N IC ES U M A R 39 Educação • A taxa de analfabetismo é mais que o dobro entre pretos e pardos (9,9%) do que entre brancos (4,2%), de acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua de 2016. • Quando se fala em acesso ao Ensino Superior, os dados se invertem: de acordo com a PNAD Contínua de 2017, a porcentagem de brancos com 25 anos ou mais que possuem Ensino Superior completo é de 22,9%. É mais que o dobro da porcentagem de pretos e pardos com diploma: 9,3%. • Já a média de anos de estudo para pessoas de 15 anos ou mais é de 8,7 anos para pretos e pardos e de 10,3 anos para brancos. Fonte: Exame (2018, on-line)5. explorando Ideias O que se percebe, no Brasil, é que a estrutura formal não garante a democratiza- ção dos recursos, bens de direito e acesso a serviços básicos proporcionados pelo Estado. Desse modo, democracia e direitos humanos andam de mãos dadas. Isso significa que todo ser humano tem direito humano à democracia. Os direitos humanos também podem ser realizados em um sistema políti- co e jurídico que não é democrático? Não, os direitos humanos não podem ser totalmente implementados se o sistema político e jurídico não for democrático, pois a participação de todos os seres humanos nos processos de construção de opinião e tomada de decisão é protegida pelos direitos humanos. Em nível global, outros fatores, tais como as crises econômicas, conflitos arma- dos, emergências de saúde pública, insegurança alimentar e mudanças climáticas têm ameaçado a realização dos direitos humanos. Dentro desses fatores, a alarmante desigualdade de renda e riqueza emergiu como outra área de crescente preocupa- ção. O quadro de direitos humanos oferece orientação parcial sobre as implicações de nossas sociedades cada vez mais polarizadas, mas as lacunas permanecem. Dado o forte aumento da desigualdade nas últimas décadas, é fundamen- tal compreender melhor as conexões entre a realização dos direitos humanos e a desigualdade – como pensamos e medimos a desigualdade, até que ponto a desigualdade crescente ameaça os direitos básicos, e o que é humano e o que a estrutura de direitos diz e não diz sobre desigualdade. U N ID A D E 2 40 As pessoas experimentam desigualdades em várias dimensões, como no nível educacional, na saúde e na distribuição de poder, por exemplo. O tempo livre que homens e mulheres têm distribui-se desigualmente, uma vez que as demandas por trabalho remunerado e não remunerado são levadas em consideração. As desigualdades também são medidas entre indivíduos, famílias, grupos sociais (por exemplo, raça, gênero e etnia) e entre países. Na definição da desigualdade, uma distinção importante é entre a desigualdade horizontal e a vertical. A desigualdade horizontal ocorre entre grupos culturalmente definidos ou socialmente construídos, como as diferenças de gênero, raça, etnia, religião, casta e sexualidade. Já a desigualdade vertical ocorre entre indivíduos ou entre famílias, como a renda geral ou a distribuição de riqueza de uma economia. A distinção entre desigualdade horizontal e vertical é grande no âmbito dos direitos humanos, uma vez que as questões de desigualdade horizontal são mais fortemente incorporadas. Basta refletir, por exemplo, nos princípios de direitos humanos de não-discriminação e igualdade, que afirmam que a realização de direitos não deve diferir entre os indivíduos com base em gênero, raça, etnia, nacionalidade ou grupos sociais semelhantes. As pessoas devem ter oportunidades iguais para reivindicar seus direitos e os prin- cípios de direitos humanos se aplicam a todas as indivíduos igualmente. No entanto, pelo fato de que as implicações para a desigualdade vertical são menos claras, isso não implica necessariamente uma distribuição perfeitamente igual de renda e riqueza. A desigualdade de renda está frequentemente associada aos resultados mais desfavoráveis em relação à saúde, educação e outros direitos econômicos e sociais. Não é de surpreender que as famílias mais ricas desfrutem de melhores resulta- dos do que as mais pobres. Contudo, a própria desigualdade pode levar a piores resultados, independentemente do nível de renda. Por exemplo, famílias de baixa renda, em uma sociedade muito desigual, podem ser piores do que famílias com renda idêntica em uma sociedade mais igualitária. No quadro dos direitos humanos, o Estado tem a obrigação primária de respeitar, proteger e cumprir os direitos, mas isso depende de um Estado em funcionamento, com plena participação democrática e transparência. No en- tanto, a desigualdade na renda e na riqueza afeta os processos políticos formais e informais, de modo a determinar o acesso das pessoas à educação, à saúde, ao emprego e à previdência social. Alguns cientistas políticos argumentam que um processo democrático é ca- paz de compensar o impacto das desigualdades na renda e na riqueza e pressões U N IC ES U M A R 41 para a redistribuição em sociedades desiguais, desde que exista uma democracia que funcione bem. Isso ocorre, porque a maioria da população – aqueles que estão no meio da distribuição de renda e abaixo dela – votará pela redistribuição quando a renda e a riqueza estiverem concentradas em poucas mãos. Entretanto, essa abordagem faz suposições muito fortes: que as pessoas são capazes de reivindicar seus direitos, que o Estado é democraticamente responsável, que as políticas apoiadas pela maioria não prejudicam os direitos de outros grupos, que a integração global não limita as escolhas políticas e que os interesses econômi- cos da elite não devem influenciar de modo negativo o acesso aos direitos sociais. Na realidade, as desigualdades de renda e riqueza produzem desigualdades na distribuição de poder. Quando o poder político das elites se expande à medida que a distribuição de renda e riqueza se torna mais polarizada, isso compromete toda a gama de direitos humanos. Estudos que analisam as variações de desigualdade dos países mostraram que a maior desigualdade está associada aos gastos governamentais redistributivos, medidos pelos gastos com seguridade social e assistência social como parcela do PIB. No Brasil, as duas das principais políticas públicas de ajuda aos mais pobres, como o Programa Bolsa Família e o Benefíciode Prestação Continuada (BPC), juntos, representaram um investimento apenas de 1,21% do PIB brasileiro. É por meio da transferência de renda que é possível fazer que milhares de famílias deixem a pobreza extrema e passem a ter condições de vida mais dignas (TRI- SOTTO, 2018, on-line)6. Vale destacar que as elites econômicas tendem a resistir às formas progressi- vas de tributação mais justa, o que limita a capacidade do governo de mobilizar recursos para o cumprimento de direitos. Os direitos humanos fornecem orientações parciais sobre as implicações do aumento das desigualdades na obtenção de direitos. No entanto, o quadro de direitos humanos não chega a declarar uma distribuição particular de renda ou riqueza como justa ou não justa. Isso se deve, em parte, porque os direitos huma- nos focam sobre os resultados realizados, que moldam as escolhas e as liberdades das pessoas. Portanto, uma distribuição justa de renda é aquela que permite a mais plena realização dos direitos possíveis, consistente com os princípios de não discriminação e igualdade. O Art. 28 da Declaração Universal dos Direitos Humanos declara que “todos têm direito a uma ordem social e internacional na qual os direitos e liberdades esta- belecidos nesta Declaração possam ser plenamente realizados” (DUDH, 1948, p.6 ). U N ID A D E 2 42 2 CIDADANIA E OS DIREITOS humanos A distribuição de renda e riqueza e a dinâmica política representam uma dimensão importante dessa ordem social e internacional. Existe uma obrigação dentro da estrutura de direitos humanos para os estados considerarem o im- pacto da desigualdade nos direitos e, quando necessário, tomar medidas para uma distribuição mais justa da renda. A desigualdade não é apenas uma ameaça aos direitos econômicos e sociais: ela ameaça a realização de todas as formas de direitos em todos os lugares. O conceito de cidadania, como entendemos hoje, nem sempre foi o mesmo. Aristóteles, em seu livro Política, afirmou que o homem é um animal social e, para o desenvolvimento de sua personalidade, ele precisa participar dos assuntos da polis. Com isso, o estudioso apontou para a necessidade de cidadania do homem. Depois de Aristóteles, várias definições surgiram sobre o conceito de cidadania. Os gregos compreendiam a cidadania como o gozo do direito de compar- tilhar e participar da vida política e judicial. A cidadania dos romanos garantiu o direito de votar, a elegibilidade para cargos públicos, de casamento etc. Bodin (1967) entendia a cidadania como a obrigação mútua entre sujeito e soberano de obedecer e proteger. Já nos períodos posteriores, a cidadania foi discutida U N IC ES U M A R 43 por pensadores, tais como Mill, Bentham, que se concentrou principalmente na liberdade individual, na participação política e nos direitos de propriedade, com foco no critério de ter uma vida boa e bem-estar social. Um “cidadão” é um membro de uma comunidade política, definida por um conjunto de direitos e deveres. “A cidadania representa, portanto, uma relação entre o indivíduo e o estado, no qual os dois estão unidos por relações recíprocas direitos e obrigações” (HEYWOOD, 1994, p. 155). Cidadania é um status legal e uma identidade. Assim, existe uma dimensão da cidadania, a qual compõe direitos e obrigações específicos com os quais um Estado investe em seus membros e em uma dimensão subjetiva, um senso de lealdade e pertencimento. Contudo, a cidadania objetiva, por si só, não garante a existência de cidadania subjetiva, porque “membros de grupos que se sentem alienados de seu estado, talvez por causa de desvantagem social ou discriminação racial, não pode ser pensado adequadamente como ‘cidadãos plenos’, mesmo que possam desfrutar de gama de direitos formais” (HEYWOOD, 1994, p. 156). O sociólogo britânico Thomas Humphrey Marshall tem sido um ponto de referência central da análise histórico-sociológica do desenvolvimento da cida- dania moderna. Para o estudioso: “ Cidadania é um status concedido àqueles que são membros de pleno direito de uma comunidade. Todos que possuírem o status são iguais em relação aos direitos e deveres com os quais o status é concedido. Não existe um princípio universal que determine quais serão esses direitos e deveres, mas as sociedades em que a cidadania é uma insti- tuição em desenvolvimento criam uma imagem de um ideal de cida- dania em relação ao qual a conquista pode ser medida e em relação ao qual a aspiração pode ser dirigida (MARSHALL, 2002, p. 17). Marshall (2002) compreendia a cidadania como partes diferentes e defendia que elas estavam todas interligadas. Em seu livro Cidadania e classe social, o referido autor destaca esses pontos e considera a cidadania como uma ideia dinâmica, como um status dado àqueles que são membros de uma comunidade. No entanto, não existe um princípio universal que determine quais são esses direitos e deveres. Além disso, Marshall (2002) divide a cidadania em três partes: uma civil, uma política e uma social. Esses três elementos da cidadania foram fundidos como resultado da fusão das instituições. Marshall (2002) prossegue traçando a história da cidadania estu- dando-a como um processo de fusão e separação, em que a fusão era geográfica e U N ID A D E 2 44 a separação funcional. Ele atribuiu o desenvolvimento de cada parte a um século: direitos civis ao século XVIII, político ao século XIX e social ao século XX. O elemento civil é composto pelos direitos necessários à liberdade individual, como liberdade pessoal, liberdade de expressão, direito à propriedade, liberda- de de pensamento etc. As instituições mais diretamente associadas aos direitos civis são os tribunais de justiça. Inclui, também, o direito ao trabalho, ou seja, o de seguir a ocupação da escolha de alguém, algo que foi negado pelos estatutos e costumes (MARSHALL, 2002). Os direitos civis foram os primeiros a aparecer, no século XVIII. Em seu período formativo, foi uma adição gradual de novos direitos a um status que já existia. Com cidadania civil, a lei e a igualdade foram garantidas para proteger a liberdade do povo, se era certo trabalhar, o direito de circular livremente etc. A cidadania civil abriu o caminho para a cidadania política (MARSHALL, 2002). O elemento político significa principalmente o direito de participar no exercício do poder político enquanto membro de um órgão investido de autoridade política ou como eleitor dos membros de tal órgão, em que as instituições correspon- dentes são o parlamento e os conselhos do governo local (MARSHALL, 2002). Já o elemento político surgiu no século XIX, quando os direitos civis ligados ao status de liberdade já estavam no centro de uma ideia geral de cidadania. A cidadania política visava conceder os antigos direitos às novas seções da socieda- de. O sufrágio universal marcou o início da cidadania política para os indivíduos, mas Marshall (2002) afirma que a política não era um dos direitos de cidadania: na verdade, era um privilégio da classe econômica limitada. O elemento social significa ser capaz de viver em uma sociedade como um ser civilizado, de acordo com os padrões vigentes na sociedade. Não só, mas de posse de bem-estar econômico e segurança, para o direito de compartilhar plenamente, no patrimônio social, as instituições do sistema educacional e os serviços sociais mais intimamente ligados a ele (MARSHALL, 2002). Os interesses variados de diferentes classes, gradualmente, levaram a um con- flito maior. Enquanto os industriais buscavam mais lucros e nenhuma tributação, o Estado de bem-estar social da cidadania precisava aumentar a taxação. A cidadania social garantiu o suprimento de necessidades básicas, como saúde e educação, de regras mínimas de salário, regras de horas máximas de trabalho, condições mínimas de trabalho, segurança ocupacional e indenização por acidentes de trabalho etc. Historicamente, a ideologia capitalista é baseada na desigualdade e na ex- ploração dos trabalhadores
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