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0 Enquanto o futuro não vem (cap 8 sobre crescimento, maturidade )

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ISBN 85-85458-lQ -4 
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" "'11u. °"' * 1 l ) (\ li 
Quando um bebê apresenta 
problemas do desenvolvi-
mento ou constituição psí-
quica, a preocupação com 
seu futuro torna-se inevitável 
para os pais. 
Surge também uma. urgência 
pela intervenção, dado que 
os primeiros anos de vida são 
fundamentais para a 
constituição psíquica, assim 
como para as aquisições de 
linguagem, psicomotricidade 
e processos do pensamento. 
Mas, diante do afã de "fazer 
de tudo o quanto antes", os 
bebês são freqüentemente 
submetidos a múltiplos 
tratamentos que, ao deter-se 
nas funções que fracassam, 
perdem de vista a consti-
tuição do sujeito que poderia 
vir a apropriar-se delas. 
A clínica interdisciplinar em 
estimulação precoce 
atravessada pela psicanálise 
implica o trabalho em equipe 
das disciplinas necessárias ao 
acompanhamento da 
primeira infância. Deste 
modo, prioriza a sustentação 
do exercício das funções 
parentals e a apropriaÇão, 
por parte do bebê. de seu 
corpo e de suas 
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clínica interdlscipllnar 'C o 
l~ com bebês Julieta Jerusalinsky 
ISBN 85-85458-19-4 
Enquanto 
o futuro 
não vem 
A Psicanálise na 
clínica interdisciplinar 
com bebês 
Julieta Jerusalinsky 
/' - n. . J-;:) 
© da autora, 2002 
© Ágalma, 2002 
1' edição: agosto de 2002 
Projeto gráfico da capa e primeiras páginas 
Homem de Melo & Troia Design 
Editores 
Angela Baptista do Rio Teixeira 
Marcus do Rio Teixeira 
Ana Paula Piano Simões 
j SbG Direção desta coleção 
Daniele de Brito Wanderll!J' 
~ -~. k 
.! ' - .; --µ . ;.,." ) ~· . 
Com a colaboração de 
Marie-Christine LaZf1ik 
Revisão 
a cargo dos editores 
Depósito legal 
Impresso no Brasil/ Printed in Bra'{jl 
Todos os direitos reservados 
á3dlmd 
Ágalma Psicanálise Editora Ltda 
Rua Agnelo de Brito, 18 7 
Centro üdontomédico Henri Dunant, sala 309 
40.170-100 Salvador - Bahia, .Brasil 
Tel: (Oxx) 71 332-8776 Telefax: (Oxx)71 245-7883 
e-mail: agalma@agal111a.com.br 
site: www.agahna.com.br 
CIP-BRASIL CATALOGAÇAO-NA-FONTE 
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ. 
J54e 
J erusalinsky, Julieta, 1971 - . , . , . 
Enquanto o futuro não vem : a ps1canalise na clínica 
interdisciplinar com bebês 
/ Julieta Jerusalinsky. - Salvador, BA : Ágalma, 2002 
. - (Calças curtas ; 3) 
Inclui bibliografia 
ISBN 85-85458-19-4 
1. Lactentes - Psicologia. 2. Psicanálise infantil. 3. 
Psicoterapia infantil. . . . 
1. Título. II. Título: A psicanálise na clínica interdisciplinar 
com bebês. III. Série. 
02-1191. CDD 618.928917 
CDU 159.964.2-053.3 
A Daniel Bramatti, 
por seu amor, por seu humor. 
AGRADECIMENTOS 
Aos colegas do Serviço de Estimulação Precoce do Hospital Durand de 
Buenos Aires, especialmente a Jorge Garbarz, Mirtha Kuperman, Mari Aranda 
e Sylvia Fendrick, pelas acaloradas discussões em que a clínica sempre tem algo 
mais a ensinar-nos. 
Ao Centro 4Jldia Coriatde Porto Alegre e ao Centro Dra. Lydia Coriatde 
Buenos Aires, por transmitir, cada um a seu estilo, o trabalho em equipe 
interdisciplinar. 
A Fernando Maciel, por sua interlocução durante a elaboração do 
texto; a Elsa Coriat, Silvia Molina e Alfredo J erusalinsky por terem, após a 
leitura, incentivado a publicação. 
A todos os professores da FEPI e a sua diretora Stella Paez, pelo 
apoio à produção . 
À Associação Psicanalítica de Porto Alegre - .APPOA - e ao Percurso 
Psicanalítico de Brasília, por uma transmissão em que a psicanálise pode ousar 
na interlocução com outras disciplinas, levando-nos a interrogar 
permanentemente os limites e possibilidades em sua extensão a diferentes 
campos clínicos. 
Aos colegas da equipe interdisciplinar do CEPAGIA, Brasília, com os 
quais compartilhei diversas experiências decisivas para a produção deste escrito. 
SUMÁRIO 
Prefácio - Sohre o tempo, estímulo e estrutura, 11 
Aogela Vorcaro 
--h 1. Situando a clínica com hehês, ;p 
A infância, os bebês e o surgimento da estimulação precoce, 27 
2 Impasses do "estímulo" na clínica com hehês- da exercitação repetitiva ao _ 
-;;li> , . J }' - 46 exerctczo ua unçao materna, 
QQ.es.tímulo sensorial à rede significante materna,.52 
O lugar do"'estímulo" na clinica com bebês a partit do corte epistemológico 
da psicanálise,
1 
58 
3 Estimulação precoce?. Educação precoce? Intervenção precoce? - problemas 
epistemológicos na nomeação de uma especificidade clínica, 66 
!' 4 Temporalidade na clínica com hehês, 79 
A articulação dos três registros do tempo na clínica com bebês, 83 
5 Entre dois nomes, a certeza de um diagnóstico (caso clínico), 96 
Da universalidade da síndrome à singularidade de seus efeitos na fantasia 
materna, 101 
O sintoma parental e o lugar do bebê, 104 
Do que se escuta no discurso parental e do que se lê na produção do bebê, 105 
Intervenção em ato na clínica com bebês, 11 O 
Sustentando a singularidade do bebê, uma e outra vez, 111 
6 A demanda de tratamento na clínica com hehês - quando o futuro fica em 
xeque, 114 
Quando a pergunta pelo futuro apresenta uma duplicação, 116 
Reconhecimento, filiação e diagnóstico, 119 
Um pequeno rei com o futuro em xeque é trazido a tratamento, 122 
O saber do clínico face ao futuro do bebê, 126 
7 A interven Eg_do clínico no marco da estimulação precoce,\ 132 
A "loucura necessária" do clínico na intervenção com bebês, 132 
O circuito de desejo e demanda, 136 
L 
Quando o circuito de desejo e demanda encontra uma fratura, 139 
Articulando as vicissitudes pulsionais do bebê ao circuito de desejo e 
demanda do Outro, 140 
A intervenção como o estiramento da corda pulsional do bebê, 145 
r;· j . 8 fremporalidade e desenvolvimento, 149 
Crescimento, maturação e desenvolvimento, 150 
Limites impostos pela passagem do tempo cronológico ao 
desenvolvimento, 152 
O que a passagem do tempo cronológico não resolve quanto ao 
desenvolvimento, 154 
Organismo e marcas simbólicas, 156 
1 
Parcialidade da pulsão e sujeito do inconsciente, 157 
Da parcialidade pulsional à antecipação de uma imagem do corpo, 159 
Da antecipação do Outro encarnado à precipitação de uma realização do 
bebê, 160 
Função paterna e constituição na infância (recorte clínico), 163 
Sobre os diferentes momentos lógicos implicados na constituição do 
sujeito, 165 
Desenvolvimento como linha imaginária construída a posteriori, 167 
A autoria de uma aquisição instrumental e a subversão do desejo, 171 
9 (.)_bebê e o sintoma,_174 
Diferenciando o mal-estar dos pais de efetivos problemas na constituição 
do bebê (recorte clínico), 175 
Quando o bebê apresenta um sintoma que torna necessária a intervenção 
clínica, 181 i 
._ Sintoma do bebê ou no bebê?, 185 
1 O Pedro e o escorregador- o que deslizri quando bnncamos- (caso clínico), 194 
Do quadro orgânico à leitura clínica do sintoma, 195 
Do encaminhamento médico à formulação de uma demanda parental, 199 
Intervindo com o sintoma de Pedro e com sua articulação ao sintoma 
parental., 201 
O tratamento como abertura de um lugar e um tempo para as produções 
de Pedro, 204 
Da posição de impotência à delimitação do impossível, 207 
Realização psicomotora, reconhecimento e surgimento do sujeito, 210 
Realização instrumental como precipitação do sujeito e como ato simbólico, 216 
·~A repetição própria do brincar e o acesso ao simbólico, 219 
A mudança na primazia de zona erógena, 220 
Deslizamento significante e estiramento da corda pulsional, 223 
11 É possível prevenir ou só resta remediar?, 224 
- Prevenção secundária na clínica com bebês, 225 
Prevenção primária na clínica com bebês, 235 
Critérios para detecção precoce de problemas no desenvolvimento e na 
constituição psíquica, 245 
Diferentes modalidadesde intervenção para a detecção precoce, 256 
~i)Clínica com bebês: da estrutura ao nascimento do sujeito, 258 
/ · O bebê e a estrutura edípica, 260 
Considerações acerca do conceito de estrutura em psicanálise, 266 
• A estrutura psíquica e suas temporalidades, 276 
A temporalidade implicada na constituição de um bebê como sujeito face 
à estrutura, 283 
"Vamos brincar enquanto o futuro não vem, 294 
Bernardo
Realce
PREFÁCIO 
SOBRE O TEMPO, ESTÍMULO E ESTRUTURA 
Angela Vorcaro 
O texto que agora se dá a ler é profundamente instigante. 
Com sua honestidade intelectual, Julieta Jerusalinsky se permite a 
capacidade de interrogar o aparentemente óbvio porque já instituído, 
fazendo vigorar o fato de que as graves psicopatologias infantis nos 
convoquem a problematizar a teoria psicanalítica levando-a a avançar 
a partir do que, na clínica, nos interroga. 
Estas constatações tornam impossível ficar alheio à articulação 
entre tempo, estímulo e estrutura elaborados pela autora. E nos 
levam a interrogar a presença desses termos em nossas próprias 
hipóteses de trabalho, e no que há de imaginário em nossos 
operadores clínicos. 
Além disso, os leitores que se dispuserem a enfrentar essas 
questões encontrarão nesses escritos o prazer da leitura agradável e 
provocativa que problematiza a capacidade operatória da teoria 
psicanalítica nos confins da clínica com bebês, evidenciando a trilha 
que amarra suas hipóteses, o crivo de sua crítica e a clareza de sua 
competência clínica. Assim, além de nos oferecer um exemplo de 
autoria, tal leitura nos proporciona também a vontade de distinguir 
nossas próprias modalidades de engajamento à teoria e à clínica. 
Mas o que se mostra mais surpreendente é que aquilo que 
aqui comparece como escrito repete o que se revela na interlocução 
11 
ENQUANTO O FUTURO NAO VEM 
direta com a autora, com a mesma generosidade com que ela acolhe 
e discute cada hipótese teórica, cada acontecimento clínico ou 
institucional. 
Localizando tempo, estímulo e estrutura, distinguidos e 
articulados pela autora num mesmo gesto, e ainda, ao recolher, do 
texto non-sense cifrado por bebês, o testemunho de haver ali linguagem 
posta em funcionamento, Julieta Jerusalinsky me oferece aqui a 
possibilidade de resgatar alguns apontamentos sobre a homologia 
entre a escansão temporal e a instalação da estrutura significante no 
organismo, dos quais situo meu testemunho: 
Há alguns anos, lidando com crianças fora da função da fala 
que, a despeito de ferirem-se, batiam-se incessantemente, não podia 
desconsiderar as questões: que espécie de usufruto da vida é este, 
que insiste em reproduzir o afeto de dor no corpo, como se apenas 
assim, com esse gozo, a singularidade da sua vida fosse comemorada? 
Como é possível que a criança insista em machucar-se, mesmo diante 
de todas as outras ofertas que ela recusa? Trata-se de um exercício 
subjetivo nessa recusa às palavras e nessa incidência do afeto de dor 
ou de uma alienação plena? 
Lacan nos lembra que nada sabemos sobre o gozo do 
organismo porque, sem a mediação significante, 
1 
vivo e gozo se 
equivalem. Por isso, a noção de instinto nos é tão cara. Afinal, com o 
termo instinto, podemos nos referir a um saber do qual não se é capaz 
de dizer o que isso que1~ mas que se presume que tenha como resultado que a vida 
subsista. 
O bebê humano é guiado pela intervenção da alteridade que 
significa o organismo e assim desfalca o instinto vital de sua plenitude. 
Afinal, conduzido unicamente por seu fluxo , a condição de 
insuficiência do organismo o mataria. A alteridade opera a perda 
do gozo instintual inserindo-o no campo da linguagem. Seus 
cuidados são interpretações em atos simbólicos, cujos sentidos são 
imperativos por arbitrarem valor, constringindo a pureza do gozo 
da vida, ao acolhê-lo, emoldurando e decidindo sua significação. 
Por isso, o desempenho da função materna depende de a mulher, 
12 
PREFÁCIO 
na condição de mãe, ser desejante. Diante desse desejo, uma criança 
não é indiferente, pois ele autoriza a máscara da repetição do gozo 1 • 
Portanto, a alteridade, na condição de mãe, incita e franqueia 
o gozo na criança. Mas, já que sua condição de ser falante impede 
reproduzi-lo, ela convida a criança a simulá-lo, com a linguagem, na 
repetição que é, sempre, máscara do que teria havido. E nfim, nessas 
relações primárias, a mãe age sobre seu filho de modo a, num só 
tempo, inseri-lo na linguagem e permitir ao gozo ousar a máscara 
da repetição. Fazendo-se de órgão extra-corpóreo da criança, ela 
·reconhece as urgências vitais e simula a equivalência destas à decisão 
que toma quanto a significação que teriam. A mãe faz, de si mesma, 
o instrumento da vivência de satisfação do filho, na medida em que 
ela se prende ao que a própria natureza orgânica da criança oferece 
como suportes dispostos em oposição. A natureza, diz Lacan,jornece significantes 
que estruturam e modelam a organização inaugural das relações humanas. O 
jogo operatório do significante inclui o sei~ e age de maneira pré-suhjetiva 2 • 
É com a materialidade oferecida por sua própria natureza 
que o organismo sofre os efeitos de sua desnaturalização desde 
que a ordem simbólica implantada pela mãe passe a regular sua 
economia. O organismo tomado pela mãe como ser passa a 
obedecer a uma univocidade de signos, pressupostos por sua mãe 
como partilhados com seu filho, numa linguagem capaz de realizar 
uma fusão com ele. Tal linguagem sígnica assegura imaginariamente 
a comunicação exata com seu filho 3 . Nessa perspectiva é que 
Melman4 afirma que o termo Outro-erotismo poderia ser o nome do 
auto-erotismo, na medida em que a criança goza do corpo que, 
entretanto, é território dti Outro. O Outro é o corpo infinito 
representado na origem pela mãe, corpo que a criança não pode 
1 Jacques Lacan, O Semi11á1io, livro XVIL O avesso da psicanálise, J.Z.E., RJ, p.73-4. 
2 J.Lacan (1964), O Seminá1io, Livro X I, Os q11atro co11càtosji111damentais da psicanálise, 
J.Z.E. , RJ , p. 25. 
·
1 Charles Melman, Que;tions de clinique PSJ'Cha11alytiq11P, Séminaire de l'année 1985-
6, 10 de outubro de 1985, AFI, Paris. 
+Charles Melman, opus cit, 12 e 19 de dezembro de 1985, AFI, Paris. 
13 
ENQUANTO O FUTURO NÃO VEM 
conter ou apreender, mas, ao contrário, a contém. O corpo próprio 
é, portanto, de início, lugar propício ao gozo do Outro, gozo privado 
que se oferece à criança como Dom. 
Ao permitir que o filho estabeleça com ela uma condição 
parasitária, a mãe franqueia ao gozo a ousadia da máscara da 
repetição: lendo como significantes e estabelecendo o sentido do 
texto orgânico do filho, ela o ultrapassa, antecipando um sujeito, ao 
mesmo tempo que estende, instala e atribui à criança a posição 
indeterminável de um sujeito do gozo5 . 
Por isso, os objetos de satisfação oferecidos à criança alojam-
na em uma posição de alienação plena, onde se inscreve somente o 
registro de uma diferença entre dois estados que se recobrem. A 
possibilidade do apaziguamento permitir a cessação do estímulo 
adverso que provoca tensão faz funcionar a alienação numa 
alternância de reciprocidades que se opõem ao mesmo tempo em 
que se anulam, e portanto, se equivalem. Não há descontinuidade 
nessa circularidade. A relação de mera oposição alternante sobrepõe-
s e em continuidade recíproca. A diferença posta em jogo de 
alternância é renovação em que a possibilidade da ausência é segurança 
da presença. Por não implicar existência positiva, apenas reenvia à 
relação entre termos quaisquer, logicamente anteriores às 
propriedades dos termos presença e ausência que não,têm nenhum 
valor determinado, nenhuma significação, mas que se determinam 
reciprocamente na relação diferencial em que se reenviam um ao 
outro. A manutenção dessa alternância recíproca pela mãe permite 
a relação com a presença sohre o.fundo de ausência e com a ausência na medida 
em que esta constitui a presença 6 . 
Agenciando a máscara da repetição do gozo, a maternagem 7dá suporte a esse tempo mítico só posicionável retroativamente, 
após sua falta. Este funcionamento simbólico acéfalo do organismo 
é o leito estrutural necessário em que se situa a cadeia significante 
5
]. Lacan, Seminário X, A Angústia, inédito, aula de 13/03/63. 
6 J. Lacan(l 956-7), Seminário IV, A refação de objeto, J.Z.E., p.186. 
7 Cf. J. Lacan: Semináiio ·vn (A Ética da Psicanálise) e Sm1i11á1io XX ( Mai,~ ainda ). 
14 
PREFÁCIO 
que comanda a presentificação do assujeitamento do ser, o lado desse 
vi'vo chamado à suijetivação 8 que dispõe do funcionamento sincopado 
antes de engajar-se na linguagem ou de aí localizar um semelhante9. 
Qualquer determinação de'st!feito depende do discurso. Há um 
discurso tecido na prática de articulação significante, tramada pelo 
saber daquele que agencia a função materna diante de um organismo. 
Assim, o organismo é dito ser pelo agente materno, ou seja, ser que 
não sabe dizer, de seu próprio lugar <<eu sou>>, mas que é dito 
de outro lugar: <<ele é>>. Desse lugar, inicialmente, todos os 
. significantes se equivalem,_ jogando apenas com a diferença de cada 
um com todos os outros (não sendo, cada um, o que os outros 
são). Mas uma modalidade de ligação significante se distinguirá 
completamente e instalar-se-á aleatoriamente, pelo uso específico 
de um significante qualquer tomado dessa articulação já presente. 
Como a mãe é um ser falante, o próprio funcionamento 
ritmado da alternância, operada por ela, acaba por realizar uma 
defasagem que se inscreve entre os termos diferenciais, fazendo 
incidir lacuna, alteridade real, na relação rítmica em que um termo 
anulava o outro alternadamente. Afinal, diferentemente da criança, 
ainda infans, a mãe está totalmente submetida à língua, ou seja, 
funciona sob a lei do significante, que não equivale a nenhum outro 
significante, nem a si mesmo. 
O desencontro entre os termos alternantes marcará a exclusão 
de um destes, cortado pelo adiamento ou pela precipitação da 
alternância, introduzindo a equivocidade entre mãe e criança. Diante 
desse oco da defasagem temporal, o iefans ocupará a posição vazia 
por meio do grito, substituindo o termo sustentador da alternância, 
que não compareceu em seu lugar, onde já podia, pelo 
funcionamento alternante, ser esperado. 
A relação de oposição presença-ausência, sustentadora da 
alternância que articulava os termos é rompida. A hiância acidental 
na sustentação dessa primeira estrutura simbólica, em que falta o 
8 J. Lacan (1964), Seminário XI, op. cit., p.194. 
' Idem, Ibidem. 
15 
ENQUANTO O FUTURO NÃO VEM 
que ainda não está representado, pontua o encontro faltoso, fisgando 
o ser antes que ele possa figurar o que escapa a sua apreensão. Instaura-
s e a situação de privação10 , antes de o sujeito ser subjetividade, 
primeiro passo e ponto mais central da estrutura da identificação do s1geito 11 • 
Na condição de privação, algo falta em seu lugar, <<há um nada 
ali>>. 
A falta, portanto, só é apreensível por intermédio do já 
estruturado (do simbólico), onde algo inominado falta na posição 
esperada. O grito que se faz apelo ao retorno da coisa alternante é 
corpo que se oferece ao que falta na alternância simbólica. Assim, 
na dupla de termos alternantes, a incidência de uma falta localizará 
a impossível sustentação da automaticidade tensão-apaziguamento. 
A articulação da criança no registro do apelo a situa entre a noção de 
um agente que participa da ordem simbólica e o primeiro elemento 
de uma ordem simbólica - o par de termos opostos em cadeia. 
O apelo, assumindo função antes de ser percebido como tal 
e antes de se distinguir um eu e um não-eu, é atualização, na 
experiência, da estrutura mínima do significante, que agora incidirá 
no infans como real, traçando o recalque originário. 
A estrutura se diferencia, assim, num ponto singular, em que 
a diferenciação significante estrutural é uma intervenção (adia e 
precipita) temporal que desnaturaliza o Outro. 
Essa condição de falta demarca um lugar, introduzindo um 
traço. No momento em que a criança encontra a falta num dos 
termos da estrutura simbólica constituída por alternância do casal 
primitivo de articulação significante, a coisa desconecta-se de seu 
grito, elevando-o à função de demanda no grito-significante-da-
coisa. O grito enlaçado pelo pequeno como apelo de urgência diante 
da falta opera a primeira substituição do infans: a falta faz deslizar o 
tu A tríade Privação-Frustração-Castração refere-se às modalizações da falta de 
objeto. A privação é a falta real de um objeto simbólico, a frustração é o dano 
imaginário de um objeto real e a castração é a falta simbólica de um objeto imaginário. 
11 J. Lacan (1961 -2), Semi11á1io IX, L'1de11tiftcation, aula de 07 /03/62, inédito. 
16 
PREFÁCIO 
grito de apelo com o que preencheria o oco. Isto que se desprende 
como grito, que se separa do infans passando por um orifício do 
corpo, ultrapassa a função fonatória do organismo, é referência 
invocante, resquício de um objeto indizível, que faz dessa emissão o 
que não pode se dizer. Assim, o sujeito aparece no que lhe faz 
alteridade: no que o primeiro significante - o grito - incide como 
sentido, significante unário que, por só poder se prestar a intimar 
uma recuperação, não se faz equivaler a ela, apenas traça sua falta. 
Esse uso específico de um significante estrutura o suporte 
n1.ítico ultra-reduzido em que o ser sustenta-se, equivalendo-se a 
esse significante, que toma como si mesmo. 
Tal saber mítico não subjetivo de ser idêntico a seu próprio 
significante é, para Lacan, fato definível, em estrutura. Afinal, a partir 
da separação de um significante-mestre, esse significante se define no 
organismo perdido pelo indivíduo biológico, para orientar a 
constituição do corpo onde se inscreverão todos os outros 
significantes. Por isso, para Lacan, Urverdrâng quer dizer que há, na 
estrutura, uma ligação significante completamente radical: o elemento 
de impossibilidade como fato de estrutura. Esse impossível é o 
real, que surge como o escolho lógico daquilo que, do simbólico, 
se enuncia como impossível. 
É nesse ponto da primeira ligação - do S1 ao S2 - que 
abre-se a falha chamada sujeito, falha onde os efeitos da ligação 
significante operam. Produz-se uma cadeia que induz e determina 
essa posição de sujeito. 
Assim, um significante qualquer vem em posição de significante-
mestre, com a função eventual de representar um sujeito para todo 
outro significante. Este significante único, o significante-mestre, opera 
por sua relação com os significantes presentes já articulados ali, 
articulando-se a eles ao ordená-los. Entretanto, o sujeito que ele 
representa não e unívoco. Está e também não está representado: 
algo fica oculto em relação a esse mesmo significante, pois a 
linguagem deixa as coisas nessa hiância. Pode-se denominar essa 
17 
ENQUANTO O FUTURO NÃO VEM 
híância de real efeito de linguagem, e o termo pai real 12 a qualifica 
melhor, considerando o que Freud13 aponta da identificação ao pai 
como sendo absolutamente primordial. O pai preside a essa 
primeiríssima identificação14 , em que não se trata do Um unificante, 
mas da identificação pivô, ou seja, o traço unário, o ser marcado como 
um. 
A criação repetitiva inaugural parte da impotência original da 
criança, onde o significante-mestre se produz de qualquer significante. 
Ali, alguma coisa falta - e é justamente isso que, de saída, caracteriza 
o sujeito. Basta dar ao traço unário, 51, a companhia de um outro 
traço, S2, para que, sendo significante também lícito, o traço da falta 
situe o sentido do sujeito e sua inserção no Outro. 
Na medida do funcionamento da linguagem, ela se 
demonstra pelos seus efeitos que são sempre retroativos. Assim, ela 
manifesta que ela é falta a ser. a linguagem é demanda que fracassa; não é seu 
ê:xito, mas sua repetição, que engendra a dimensão da perda. 
Não se trata, portanto, do filtramento de sensações de 
aparelhos e órgãos vitais.Certamente os órgãos filtram e nos 
servimos deles, mas é na articulação significante que entram em 
jogo os termos de soletração, termos elementares que enlaçam um 
significante a outro significante, e que já produzem efeitos, posto 
que esse significante só é manipulável em sua definição por~ue tem 
um sentido, ou seja, ele representa, para outro significante, um sujeito, 
e nada mais. 
12 O pai real difere do pai da realidade imaginado como o privador. A posição 
estrutural do pai real como impossível tem como efeito que o pai seja imaginado 
necessariamente como privador. Sua imaginarização deve-se ao que escapa: o pai 
real. 
13 Em Psicologia das Massas e Análise do E11 (1921) . 
14 O pai é aquele que merece o amor, pois a identificação primária não é aquela que 
liga a criança à mãe, como querem muitos analistas. Essa discordância é, segundo 
Lacan, construída pela confusão causada por esses analistas não se referirem a 
configurações primordiais do discurso. Para Lacan, a configuração subjetiva tem, 
pela configuração significante, uma objetividade perfeitamente localizável, que 
funda a possibilidade da interpretação. Cf. Sem. XVII, O Avesso da Psicanálise. 
18 
PREFÁCIO 
O significante, então, se articula por representar um sujeito 
junto a outro significante. Essa definição permite dar sentido à 
repetição inaugural na medida em que ela é repetição que visa o gozo. Ela 
não é um efeito de memória biológica, mas relaciona-se ao limite 
do saber, que quer dizer gozo. 
Essa perspectiva permite retomar a pequena interrogação 
clínica que apresentei, relativa à comemoração da dor, e que Lacan 
se refere ao falar da fantasia de flagelação 15 . Esse estado de gozo 
diferido do gozo narcísico mostra que a relação de objeto antecede 
o. narcisismo. Afinal, identifrcada ao oijeto de gozo, a criança porta a 
glória da marca, antes de sua constituição narcísica. O gozar assume aí 
a ambigüidade da equivalência entre o gesto do Outro que marca e o 
corpo tomado romo objeto de gozo: Gozo de quem porta a glória da 
marca, gozo do Outro. A consistência da imagem especular na qual 
o narcisismo se edifica é sustentada por esse objeto perdido, que ele 
apenas veste, por onde o gozo se introduz na dimensão do ser do 
sujeito. É apenas por um acidente que o gozo entra em ação. 
Mas interessa notar que já é referido a uma estrutura matricial 
significante mínima, ou seja, temporalizada numa escansão ritmada 
que articula e alterna dois termos, que ele se distingue e se produz, 
mesmo que visando a máscara da repetição plena. E é desse lugar 
que é possível ao clínico criar uma extensão, uma outra inscrição 
significante que mediatize e diferencie um corpo, no limite entre 
gozo e organismo. 
O texto de Julieta Jerusalinsky nos apresenta os modos 
temporais de diferentes registros, em ciclos que reciclam um resíduo 
onde reside o que, do sujeito, comparece. Distinguir essa condição 
é fundamental para que o sujeito se aparelhe com a linguagem, 
ultrapassando o gozo acéfalo que permite manifestar-se no campo 
simbólico. É com tal distinção que a intervenção psicanalítica, na 
clínica com bebês, pode incidir para acolher a produção de outros 
ciclos. Mais ainda, esta intervenção, feita do movimento provocado 
IS J · Lacan, Seminário XVII, opus cit. 
19 
ENQUANTO O FUTURO NÃO VEM 
pelo texto no campo psicanalítico, me convidou a dar aqui meu 
testemunho ao leitor, certa de que, a partir da leitura, ele poderá 
também oferecer o seu. 
São Paulo, Julho de 2002 
20 
SITUANDO A CLÍNICA COM BEBÊS 
- O quê? O senhor submeteu criancinhas à análise? Crianças com menos 
de seis anos? Isso pode serfeito? E não é muito arriscado para as crianças?
1 
A interpelação acima, dirigida a Freud, data de 1926. Se, mais 
de sete décadas depois, já não causa tanta surpresa o tratamento de 
crianças em idade escolar, ainda há certo sobressalto quando se fala 
em intervenção com pequenas crianças e bebês.2 
- Estimulação precoce? O que isso quer dizer? É uma pergunta 
escutada inúmeras vezes por aqueles que se dedicam a tal intervenção 
clínica. 
~- definir_ o marco da estimulação precoce como a clínica 
~-b-~~§~ p_equenas crianças que apresentam problemas dç: 
~~~tuição psíquica e de des~nvolyimento - relativos às aquisiç§_es 
de psicomotricidade, linguagem e aprendizagem :-• constatamos 
~e:no mterlocutor interessado, tal esclarecimento costuma despertar 
outras interrogações: 
1 Sigmund Freud (1926), A questão da análise leiga, E.S.B., vol. XX, Rio de 
Janeiro, Imago, p. 244. 
2 Fiz referência a esta questão no artigo O pé esquerdo do academicismo - sobre 
bebês, psicanálise e estimulação precoce, Psicanálise, outros lugares para uma escuta, 
Correio da APPOA, nº 83, Associação Psicanalítica de Porto Alegre, 2000 
(N. da A.). 
21 
-
ENQUANTO O FUTURO NÃO VEM 
- Mas os bebês têm problemas? Quei- dizer .. . desculpe, não me entenda 
mal, mas é possível ter problemas tão cedo na vida? E, afinal, o que um clínico 
pode Jàzer com um bebê? 
É curiosa a insistência com que tais questões continuam a 
comparecer desde o social, principalmente se levarmos em conta a 
atual explosão editorial dedicada à puericultura e desenvolvimento, 
assim como a proliferação de técnicas e atividades dirigidas a bebês. 
kJ Hoje em dia parecem não bastar a formação e os cuidados 
que um bebê recebe ao conviver com as pessoas de sua família ou 
ao freqüentar uma creche até o tempo em que se tornará uma 
pequena criança e começará a ter uma educação formalizada sob o 
modo de currículo escolar. Cada vez mais cedo e em maior número, 
atividades dirigidas vêm superlotar a agenda dos bebês, fazendo 
deles uma espécie de pequenos executivos sem tempo a perder 
quanto ao "aprimoramento de suas aptidões"3 . Ao entrar em uma 
loja de brÍnquedos resulta praticamente impossível - ou no mínimo 
soa como uma pretensão anacrônica - comprar algum com a simples 
ilusão de que um bebê possa vir a se divertir com ele, pois para 
cada mínimo chocalho, cordel ou cubo de espuma encontramos na 
embalagem uma lista de recomendações acerca do seu úso e da 
suposta aprendizagem que tal objeto propiciaria ao bebê. 
Podemos vislumbrar nisso um novo sintoma social no que 
tange à infância: os pais correm atrás das mais diversas possibilidades 
para "superequipar" o quanto antes seus pequenos filhos na esperança 
de melhor prepará-los para o futuro. Enquanto isso, proliferam 
técnicas que se propõem a favorecer a potencialização de talentos e 
a acelerar as aquisições dos rebentos. 
~ Evidentemente, o laço pais-filhos está permeado pelo sintoma 
social de cada época ._-S.~a.mo na nossa, a promessa do quando VOJê 
/!.!!!.er .. . fica conjugada à ameaça de um não há lugarpara todos, parece 
não restar tempo a perder na preparação de um bebê para uma 
inserção social cada vez mais calcada na corrida do triunfo individual. 
'Abordei esta questão no artigo Bebês ou pequenos executivos, Boletú11 do CEPAGIA, 
n. 2, Brasília, CEPAGlA, 1998 (N. da A.). 
22 
j 
SITUANDO A CLÍNICA COM BEBÊS 
Então há algo de paradoxal quando nossos diversos 
· tcrlocutores leigos interrogam atônitos se é possível que um bebê 
10 . . 
tenha problemas. f ois ao mesmo tempo err: que prolif~ram técruc:1s 
e pLtblicações dedicadas a adequar o bebe como objeto de gozo 
do social, continua a despertar desconcerto que se reconheça -:-
porque, _ e_y_icl_çntemept~~ .. taf!tO_ menqs se q~er saber disso - que e 
possível, sim, ter problemas tão cedo na vida e que tais ~roblemas 
não se restringem a questões orgânicas de base, mas tambem podem 
. ser relativos à constituição psíquica do bebê e ao modo como tal 
~onstituição incide no funcionamento das suas funções orgânicasJ 
, ~ Como nos indica F~eud, se os. be~ês são depositários d~s 
1 esperanças de transcendênoa e reahzaçao parental, tan~o mais 
1
1 doloroso resulta, pelo narcisismo neles depositado, que se1am eles 
( 
os atingidos por um problema, que se1am eles os que padeçam de 
uma dificuldade. 
_ Mas quandoe como um hebê é encaminhado a tratamento? 
;{- Os bebês são trazidos a tratamento quando, em algum 
ponto, falham em relação ao que deles era esperado, quando .º 
) nascimento do bebê, o comu~cado do diagnóstico da pat~logia 
(
que ele apresenta, ou o exerc1cio da materrudade ou pater.rudade 
com ele, produzem um sintoma, um obstáculo, um. padecimento 
neste circuito de realização de ideais sociais e parentais. 
Assim a clínica com bebês fica situada justamente no avesso 
desses best-seUe~ d;aco-;;~elhamentos a pais ~"técnicas estimulantes 
de aptidões do bebê", não só porque ocorre a partir.do. pont~ em 
que os ideais sobre a maternidade, a paternidade e a primeira mfanc1;i 
encontram um fracasso em sua realização, mas porque o trabalho 
clínico diante de tal fracasso opera pela escuta, sustentação e 
intervencão dos interrogantes pelos quais cada pai e mãe ficam . . . d 
singularmente implicados c~m o seu filho, em lugar de partir 0 
aconselhamento anônimo. \ 
. ~ .. e.O encaminhamento de um bebê para avaliação ou trata:nento 
/'\ d profissionais que em estimulação precoce ocorre quan o os 
23 
ENQUANTO O FUTURO NÃO VEM 
J 
co_rriqueiramente .lid_am ~om a infância - pediatras, neurologistas, 
onentadores educac10na1s, entre outros - alertarn__que há algo que 
~ ~-ª!!.~ª-b~_!l2_ com o bebê ~ que o problema por ele ap.~ 
'f" } ex~eds9 âmbito d9 acompanhamento médico e educacio~e 
i, rottna 
Às ve~e~,_!ª1_~g~~rpá~af!!g:i1Q_oc9_rre após o diagnóstic.oAe 
um problema orgânico no bc::~ê; Q_~tras \Tezi:s ss: deve à pre~~-nsa de-
sf~os clínicos que se m~nifest:_am ~a produção espontânea de~t;;- ~ 
qu~- esc_aptlm aos parâmetros _tomados como referê~e 
r:or~~dade em nossa cultura, ainda que não _ç_onstitµam _diagnósticos 
-~~finidos de quadros patológicos plenamente configurado_s) 
Assim, chegam até nós pacientes com indicações de 
tratamento por causas bastante amplas: ''._síndrome genét;ka"~ ~'.ksã~ 
Q~1:'.:9l<)gica", '~malformação coºgên,ita",__'. ' c!_eªs;~ncia sensorial", 
"~ç_iência física", "atraso global do desenvolvimenJQ", 
"i_~_!Uridade generalizada", '.'aJraso ,:;em causa.s orgânicas defjnidas", 
-j:.> '\90.du.tas atípica( f:_ "problemas na relação mãe-bebê" são alg~iis 
dos mais recorrentes. Também chegam bebês e pequenas crianças 
t
que apresentam sintomas aparentemente restritos a um determinado 
aspecto da vida, pelo qual o funcionamento de uma função específica 
passa a ocorrer de modo patológico - por exemplo, nos distúrbios 
do sono, da alimentação, da deglutição, do controle esfincteriano~ 
da respiração, entre outros. 
É inegável que as práticas interdisciplinares favore_ceram-e. 
fa_vor~-q~e, ~ada vez mais,-- aqueles profission_<l_~~que 
_normalmente intervêm com a infância possam detectar nos bebês 
e pequenas crianças os primeiros sinais que apontam riscos quanto 
ao seu desenvolvimento e constituição psíquica. À medida em __g~ 
clínicos especialistas em estimulação precoce passaram a intervir no 
,âmbito da Saúde r- junto a pediatras, enfermeiros, neonatolo~as; 
obstetras -~f .no â~bito _da _Educaçãg - junto a professores e 
psicopedagogos, ~o realizar o trabalho de inclusão ou 
L acompanhamento de crianças pequenas com problemas de ~esenvolvimento no ensino - foi possível ir inscrevendo a 
24 
SITUANDO A CLÍNICA COM BEBÊS 
f importância clínica de, diante de um problema do desenvolvimento 
l ou de constituição psíquica, não deixar o tempo passar para intervir. 
No entanto, a implantação de serviços clínicos 
interdisciplinares de estimulação precoce foi e ainda vem sendo 
realizada desde a iniciativa isolada de algumas equipes dedicadas à 
intervenção com bebês4 , uma v.:z que tal prática ainda não se 
constituiu como uma diretriz governamental de saúde pública 
preventiva. 
Em diferentes países da América Latina, lamentavelmente, 
ainda há muito a ser feito -no sentido de uma política de saúde e 
educação ~riyjJ.ç:gi~ . .a._i_n.tei:vençª-_o _e .~etecção precoce de 
~ble~~s 12ª c(_)nsti~~ção psíquica e desenvolvim~~-tci"5) Atualmente 
é bastante grande o contigente de crianças que, com uma idade que 
varia entre os seis e nove anos, é encaminhado a tratamento por 
orientadores educacionais. Ao recolhermos a história clínica de tais 
crianças logo se percebe que, em muitos casos, os problemas por 
elas apresentados vinham se instalando e agravando há tempo. 
-3* Porém, é somente com a entrada na escola que se estabelece um 
momento decisivo quanto ao olhar que o social dirige à criança que, 
até então, fica, nesses países, quase que exclusivamente sob a 
responsabilidade do núcleo familiar. 
4 Podemos citar, neste sentido, a experiência realizada em Buenos Aires, Argentina, 
desde 1993, pela Red Interhospita/aria de Esti11111!ación Temprana, que consiste na 
implantação de serviços de estimulação precoce em diversos hospitais públicos. 
Ver: M. Terzagui e M. Pedemonte (1996). Clínica da estimulação precoce no 
hospital público, Esctitos da Criança, Porto Alegre, Centro Lydia Coriat de Porto 
Alegre (N. da A.). 
5 No Brasil, somente em 1997 entrou em vigor uma legislação de educação na qual, 
pela primeira vez, são contempladas as crianças menores de três anos. Em alguns 
organismos estatais ou fundações realizam-se intervenções denominadas como 
"Educação Precoce" e "Estimulação Precoce", mas não há ainda uma política 
pública que torne efetivamente ampla e generalizada, desde a Saúde ou Educação, 
a precoce detecção e intervenção com bebês que apresentam problemas do 
desenvolvimento e constituição psíquica. Na Argentina, se bem que tal prática 
ocorra publicamente pela intervenção realizada desde o âmbito da Educação nos 
"Gabinetes materno-infantiles", ainda não está regulamentada desde a área da 
Saúde (N. da A.). 
25 
,.) 
ENQUANTO O FUTURO NÃO VEM 
- l' :> _ . .J O problema da detecção precoce e do encaminhamento para 
· · tJ!atamento em estimulação precoce se dá, então, em dois níveis: 
- D primeiro relativo à falta de circulação, nos locais onde_o_s 
peb_ês §ão normalmente acompanhados (em çreches e serviços de 
pe.diatria, por ex~mplo).J. d_e.. alguns conhecimentos clínico-teóricos 
_5~~9_a_11:_1en!a~s para a detec_ção precoce de problemas de constit~. 
r_síquica e des~nv_ohjp1ent9. \ 
Ocorre que tais conhecimentos clínico-teóricos não se 
restringem aos oferecidos pelas diferentes formações acadêmicas 
de base intervindo de modo isolado, sejam elas pediatria, pedagogia, 
fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia, entre outras. 'ó,Q..tratar-se/ 
da intervenção com a infância, e ainda mais com bebês, torna-se/ 
necessária uma prática clínif a interdi~_c;_ir::ilinaJ _,) 
-tç· J\,çlínic.a interdisciplinar em estimulação precoce, nos lugares 
onde ela ocorre, tem se revelado extremamente favorecedora da 
circulação de tais conhecimentos. ) A especificidade desta praxis 
permitiu estabelecer um olhar e uma escuta clínica cada vez mais 
1 apurada na detecção dos primeiros sinais que despertam alerta quanto 
li a possíveis problemas de um bebê. Possibilita, deste modo, uma 
; mudança , no eixo do acompanhamento da infância, que passa a 
, ficar mais c~ntrado em propiciar a um bebê com problemas as l condições para sua constituição, c:;m lugar de intervir apena..s Qi~_te 
_de um quadro pat9lógic_o plenamente configurado. \ 
\ 
.v:. ~ 
, 
'-
- p segundo nível do problema diz respeito a que, ainda. 
qu,ando os médicos detectam p1~oblemas d.e desenvolvirn~ntc;:> no 
Q.ebê que exigiriam uma intervenção específica em estimulação 
pre coce, tropeça-se com a carência de serviços públicos 
especializados no atendimento ao bebê e crianças pequenas aos quais 
seja possível realizar encaminhamentos.6 
6 Como nos demonstra a expe1iência de intervenção em postos de saúde, UTI pediátrica 
e neonatal e como também pudemos constatar nos pilotos da pesquisa para 
estabelecimento de Indicadow para a detecção p1uoce de riscos no desenvo/i!imento infantil 
realizados no Posto de Saúde Butantã, em São Paulo, no ano 2000, e no HUB de 
Brasília, em2001, com a colaboração dos profissionais de tais serviços pediátricos e de 
um extenso grupo de pesquisadores coordenados por J osenilda Caldeira Brant e Maria 
C1istina Kupfer, junto ao Mi1ústério da Saúde do Governo Federal (N. da A.). 
26 
SITUANDO A CLÍNICA COM BEBÊS 
Assim, entre o nascimento no hospital e a entrada na escola, 
freqüentemente, deixa-se passar ~~lllPº que é deci~~v:o para ª· 
constituição psíquica ~d_esenvolvimento de bebês e pequenas crianças 
que, na maior parte dos casos, só vêm a ser aten'didos quando os 
Problemas apresentados encontram-se muito mais cristalizados e 1 ' 
estruturalmente, mLÚto menos sensíveis a possíveis modificações pela 
intervenção. 
A infância, os bebês e o surgimento da estimulação precoce 
Por mais evidente-que possa resultar-nos atualmente a diferença 
que existe entre um adulto constituído e uma criança em constituição, 
sabemos que nem sempi;e o "sentimento da infância'\ a sua 
representação foi a mesma. Daí que seja preciso situar o bebê e o 
surgimento da estimulação precoce enquanto disciplina dentro de 
uma dimensão histórica. 
Hoje em dia, espera-se desde o ideal social que o nascimento 
de um bebê -"sua majestade o bebê'', como situa FreucF -
comporte um grande investimento narcísico por parte dos pais em 
relação a este bebê recém-chegado ao mundo. As famílias costumam 
depositar no nascimento de um bebê a possibilidade de 
transcendência da morte pela transmissão dos ideais ao filho, zelando 
assim pela saúde, educação, formação e constituição desse pequeno 
bebê. 
Mas esse modo do laço de pais e filhos é bastante recente. 
Foi _somente na passagem da sociedade medieval à sociedade 
tl1oderna que ocorreu a organização do núcleo familiar em torno 
da criação e educação das crianças. Na sociedade medieval, a duração 
da infância era reduzida ao seu período mais frágil, enquanto o 
filhote do homem não conseguia bastar-se. Mal a criança adquiria 
desembaraço físico, era logo misturada aos adultos e partilhava de 
seus trabalhos e jogos. De criancinha pequena era transformada 
imediatamente em homem jovem.8 
? Sigmund Freud (191 4), Introducción ai narcisismo, O.C, vol. XIV, Buenos 
Aires, Amorrortu, p. 88. A citação completa é retomada na nota 2 do capítulo 
Temporalidade e clínica com bebês (N. da A.). 
' Philippe Arries (1973) , A Histó1ia Social da Família e da C1iança, segunda edição, 
füo de Janeiro, Guanabara, p. 10. 
27 
ENQUANTO O FUTURO NÃO VEM 
"Se a arte medieval representa a criança como um homem 
em escala reduzida ( ... ) a criança era portanto diferente do homem, 
mas apenas no tamanho e na força, quanto às outras características 
permanecia igLtal ( ... ) a criança era um anão, mas um anão seguro 
de que não permanecerá anão, salvo em caso de feitiçaria."9 
Quando a criança sobrevivia aos primeiros anos, 
freqüentemente passava e viver em outra casa que não a de sua 
familia de origem. A familia tinha por missão a sobrevivência que 
individualmente era impossível, praticava um ofício comum, assim 
como ajuda e proteção mútua da vida e honra. Ali o amor não era 
necessán·o à existência nem ao equilíbrio da família; se existisse, tanto melhor.10 
"um sentimento superficial da criança - "paparicação" -
era reservado à criancinha em seus primeiros anos de vida enquanto 
ela ainda era uma coisinha engraçadinha. As pessoas se divertiam 
com a criança pequena como com um animalzinho, um 
macaquinho impudico. Se ela morresse então, como muitas vezes 
acontecia, alguns podiam ficar desolados, mas a regra geral era não 
fazer muito caso, pois uma outra criança logo a substituiria. A 
criança não chegava a sair de uma espécie de anonimato." 11 
Se nas civilizações antigas havia uma educação formal dirigida , 
aos jovens, na Idade Média, mais do que educação dirigida a formar 
as crianças, havia um convívio indiferenciado destas com os adultos, 
que assim lhes comunicavam seu savoirfaire e o savoir-vivre. 12 
À medida em que a infância começou a ser representada 
como uma etapa diferente da vida adulta, também foi se criando 
uma resposta que, desde o social, viesse a dar conta dessa diferença. 
Surgiu assim, a partir do final do século XVII, a escola. Tal instituição 
passou por diversas modificações, mas manteve o seu caráter inicial 
de "formar moralmente indivíduos que ainda não estavam prontos 
9 Idem , p. 14 e 15. 
w Idem, p. 11, 17, 18 e19. 
11 Idem, p. 10. 
12 idem, p. 16. 
28 
SITUANDO A CLÍNICA COM BEBÊS 
· para serem cidadãos". Ao mesmo tempo em que a familia foi se 
nucleando como um lugar de afeição necessária entre cônjuges e 
entre pais e filhos, passou-se a atribuir importância cada vez maior 
à educação. Os pais passaram a interessar-se pelos estudos de seus 
filhos e a acompanhá-los com uma solicitude habitual nos séculos 
XIX e XX13 • Cada criança foi se tornando, assim, única e 
insubstituível. 
Ao mesmo tempo em que a familia passa a nuclear-se em 
torno de uma aposta narcísica de transcendência de sua realização 
na criança, desde o social também passa a se fazer da formação da 
criança uma aposta por "um mundo futuro melhor". Assim, a partir 
do início do século XX, tratamentos passam a ser aplicados às 
crianças quando algo neste circuito de realização fracassa. 
Desde a ciência, i!S diferentes disciplinas, tomando como cerne 
de investigação seus respectivos objetos cienúficos, começaram a 
interrogar-se sobre as peculiaridades que estes assumiam na infância, 
uma etapa da vida que, desde o aspecto anátomo-fisiológico, se 
caracteriza por funções que ainda não estão constituídas, mas em 
um tempo de constituição. Começa então a ser estabelecido um 
conhecimento sobre o processo de desenvolvimento e a serem 
configuradas diferentes modalidades de fntervenção diante dos 
problemas apresentados na infância. 
É interessante notar que as primeiras técnicas de intervenções 
terapêuticas são inicialmente estabelecidas tomando como ponto 
de referência a experiência com a perda de determinadas funções 
em adultos e a sua reeducação. Parte-se da suposição de que o processo 
de reaquisição no adulto que havia perdido uma função seria 
semelhante ao da aquisição na infância. É somente num segundo 
momento que se estabelece o estudo e conhecimento acerca das 
características próprias da infância, sendo considerada a diferença 
entre intervir com um adulto e com uma criança, pois, ao intervir 
com crianças, passa a ser necessário saber da legalidade que rege as 
aquisições durante o desenvolvimento. 
13 Idem, p. 12. 
29 
ENQUANTO O FUTURO NÃO VEM 
O modo pelo qual se deu conta da diferença entre crianças e 
adultos implicou no surgimento de diversas escalas que passaram a 
estabelecer a correspondência entre determinadas idades e 
determinadas aquisições. A partir delas, foram desenvolvidos testes 
e técnicas com o objetivo de avaliar o desempenho da criança e -
ao compará-lo com tais escalas estabelecidas - indicar se estaria 
situado do lado da "normalidade" ou da "patologia". 
Em outras palavras, poderia se dizer que tais técnicas vêm 
~valiar até que ponto uma criança se adequa ao que dela se espera. 
E uma tentativa de tornar mensurável, através de testes aplicados, a 
medida dessa "adequação" ou "inadequação'', aplicando, a partir 
daí, técnicas reeducativas com o objetivo de sanar o dijicit apresentado. 14 
Mais adiante encontramos a possibilidade de situar a produção 
de um bebê ou de uma criança desde estágios de desenvolvimento, ou 
seja, desde os passos que fazem parte de seu processo de aquisição. 
Isto permite que a intervenção passe a proceder não mais desde 
um modelo reeducativo (de adequação e inadequação, de certo e 
errado), mas a partir de uma leitura que permite situar a produção 
e o problema da criança, assim como as ofertas que podem vir a 
favorecer suas conquistas, dentro de um processo de aquisição cada 
vez mais complexo. Este é um efeito clínico propiciado, por exemplo, ... 
pela Epistemologia Genética de Jean Piaget. 15 
Situamos ainda um terceiro marcono que diz respeito ao 
tratamento e intervenção com crianças com problemas no 
desenvolvimento: trata-se do corte epistemológico operado pela psicanálise, 
desde o qual constatamos que o processo das aquisições instrumentais 
que constituem o desenvolvimento não é independente da 
constituição psíquica. O desenvolvimento não ocorre por 
automatismos desencadeados pela mera passagem do tempo e seus 
efeitos na maturação no organismo. Tampouco é pelo mero encontro 
com o real que se desencadeiam estruturas epistêmicas de progressiva 
14 Zulema G. Yanez (1990), Desde o verbo de Nicolás, Escritos da cn'ança, nQ 3, 
Porto Alegre, Centro Lydia Coriat de Porto Alegre. 
15 
Jean Piaget (1972), E! nacimiento de la inteligencia en e! nino, Madrid, Aguilar. 
30 
SITUANDO A CLÍNICA COM BEBf:<:S 
·coordenação nas ações de um bebê. 16 O desenvolvimento está 
atrelado à constituição psíquica e, portanto, ao laço que um bebê 
ou criança estabelecem com o Outro. 17 
Percebe-se, deste modo, que há diferentes modos de conceber 
0 processo de devir adulto de uma criança. Tais diferenças têm 
efeito no que se propõe como tratamento e intervenção diante de 
um problema que se apresenta na infância. 
Certamente um grande passo científico foi dado ao diferenciar 
um adulto constituído de uma criança em constituição. Foi justamente 
0 reconhecimento dessa diferença que deu lugar ao surgimento de 
especialidades dedicadas à infância, tais como pediatria, 
neuropediatria ou psicanálise de crianças. Mas há outra diferenciação 
que, apesar de bastante mais sutil, é de grande importância clínica: 
trata-se do reconhecimento das características próprias da primeira 
infância, ou seja, do que situa a diferença entre um bebê e uma 
criança. 
O modo como os pais ficam implicados na vida de um 
bebê, a forma com que se fazem presentes os padecimentos e as 
manifestações patológicas de um ser que ainda não fala, são 
peculiaridades que exigem que um bebê e uma criança sejam situados 
de modo diferenciado desde o enquadramento clínico. Pois, ainda 
que o tempo de ser bebê faça parte da infância como um todo, as 
características desse primeiro tempo da constituição exigem uma 
intervenção que contemple clinicamente a especificidade apresentada 
pelos bebês. 
Foi diante da necessidade de dar esse passo que nasceu a 
clínica interdisciplinar em estimulação precoce, fortemente vinculada à 
importância que a detecção e intervenção precoces têm na evolução 
clínica de um bebê que apresenta problemas em seu 
desenvolvimento e constituição psíquica. 
16 É aí que reside a fundamental diferença entre o paradigma da epistemologia 
genética e da psicanálise em relação ao desenvolvimento. Ver: Alfredo Jerusalinsky 
(1988), Psicanálise e desenvolvimento infantil, cap. 2, primeira edição, Porto Alegre, 
Artes Médicas (N da A.). 
17 Este aspecto é retomado e mais amplamente discutido no capítulo Temporalidade 
e desenvolvimento (N. da A.) . 
31 
ENQUANTO O FUTURO NÃO VEM 
A estimulação precoce surgiu como especialidade clínica há 
aproximadamente 30 anos, ao longo dos quais vem inscrevendo os 
efeitos de seu trabalho no campo da intervenção com problemas 
do desenvolvimento infantil. Seu surgimento se dá em um lugar 
fronteiriço com o de várias outras disciplinas, com as quais se faz 
necessária uma permanente interlocução, dado que seus 
conhecimentos são fundamentais para o trabalho com bebês 18 • Tal 
é o caso da neurologia e da genética em relação ao processo de 
maturação no início da vida, da lingüística e da fonoaudiologia para 
compreender a aquisição da linguagem, da psicopedagogia e da 
epistemologia para compreender o processo de aprendizagem e 
construção do pensamento, da fisioterapia e da psicomotricidade 
para conhecer a legalidade e estabelecimento dos movimentos do 
corpo, e da pediatria com seu saber sobre a puericultura. 
Mas, ao mesmo tempo em que todas estas disciplinas 
dispunham e dispõem de conhecimentos fundamentais para a 
intervenção com bebês, foi na lacuna deixada entre suas praxis que 
se fundou tal especialidade, situando o bebê no cerne da intervenção 
clínica. 
Com o avanço científico, não só propiciado por 
conhecimentos que foram possibilitando a realização de diagnósticos 
clínicos mais acurados, como também pela importância decisiva 
que o progresso tecnológico foi ganhando nesse processo, foi sendo 
possível realizar cada vez mais cedo a precoce detecção de patologias 
orgânicas. Mas, uma vez que os médicos e os pais passaram a ter 
acesso a diagnósticos orgânicos precoces, encontraram-se com um 
vazio quanto à possibilidade de uma intervenção clínica que 
contemplasse a especificidade apresentada por um bebê com 
problemas de desenvolvimento. 
Esse foi o caso de bebês que, no final da década de 60, 
tinham finalmente diagnosticada geneticamente a trissornia no par 
21 como causa da síndrome de Down. Naquele momento, além 
18 Elsa Coriat (1997), Psicanálise e clínica com bebês, Porto Alegre, Artes e Ofícios. 
32 
\ 
SITUANDO A CLÍNICA COM BEBÊS 
da realização diagnóstica, pouco mais havia para se oferecer além 
dos controles médicos de rotina. 19 
Foi a clínica que impôs a necessidade de estabelecer uma 
intervenção específica que sustentasse, junto ao bebê e à sua família, 
as condições que possibilitam a constituição psíquica e o 
desenvolvimento. Por isso, apesar de que inicialmente foram recebidos 
bebês com síndrome de Down, logo começaram a chegar a 
tratamento em estimulação precoce bebês acometidos por diversos 
outros problemas, com ou sem quadros orgânicos de base, que 
tampouco eram contemplados desde as praxis de outras disciplinas. zo 
Deste modo, o surgimento e a sustentação de uma prática 
clínica interdisczplinar em estimulação precoce se deu a partir da possibilidade 
de reconhecer que a intervenção de um bebê com problemas e sua 
família implicava uma especificidade da qual não havia como dar 
conta de modo isolado desde os diferentes campos teórico-clínicos 
!á estab~lecidos, e de que a questão tampouco se resolvia por uma 
justaposição multidisciplinar dos mesmos. 
- Para que tratar se o problema apresentado não tem cura? 
- Como intervir se o diagnóstico orgânico ou o quadro patológico do bebé 
não estão plenamente configurados? 
- Que tratamento indicar quando um bebé tem diflmldades em ván.as 
áreas do desenvolvimento? 
Estes são questionamentos que se repetem uma e outra vez 
prov~nientes do ambiente médico, do social e do parental, e~ 
relaçao a bebês que apresentam problemas de desenvolvimento. 
19c 
omo traz o seguinte testemunho: Assim que o co1po médico soube que em algum luuar 
estudava-se a síndro d D · " me e 0111n, os pacientes compareceram em massa, porque os profissionais 
encontra~am-se desvalidos diante da afecção de seus pacientes ou fiamiliares. (. .. ) Nem a 
reeduca !.' · . d fª.º e asszca, nem as medicações habituais evitavam a profunda deterioração da maioiia 
estas cnanças. (Lydia Coriat, 1970). Citado por Elsa Coriat (1997) obra citada 
~~~~~. ' ' 
20 UNICEF (1978) E ti , ., -r · . d . _ ' s mu1acton L emprana - tmportancta dei ambiente para e/ desa1Tollo 
eJ nzno, Santiago de Chile. Ver também: Elsa Coriat, obra citada, p. 64 (N. da A.). 
33 
ENQUANTO O FUTURO NÃO VEM 
t Justamente por isso, eles estão situados no cerne da clínica 
interdisciplinar em estimulação precoce. Tal clínica surge da 
possibilidade de escuta destas questões e sua praxis e cotpus teórico 
se fundam pela formulação e reformulação de respostas a estas 
questões que insistem no dia-a-dia da vida de um bebê com 
problemas e sua família. 
1- Quando se detecta a presença de um quadro orgamco 
inexorável - como é o caso de quadros sindrômicos, 
lesionais ou de malformações congênitas - a intervenção 
terapêutica pode ficar questionada, uma vez que ela não 
conduzirá à cura da patologia. Para que tratar se não tem 
cura? O que vai ser tratado, se não há como resolver o problema? 
Concebemos que, diante de tal interrogação, a intervenção 
com o bebê e suafamília tem uma importante função clínica ao 
conduzir uma direção da cura do que não se cura 21 para que os efeitos 
fantasísticos - as fantasias inconscientes - engendrados nos pais pelo 
diagnóstico orgânico não terminem produzindo uma série de 
obstáculos para o bebê tanto mais graves que as limitações impostas 
pela patologia orgânica em si. 
Como aponta Maud Mannoni - psicanalista pioneira ha 
intervenção com crianças acometidas de graves problemas orgânicos: 
"Quando um fator orgânico está em jogo, esta criança não tem só 
que fazer face a uma dificuldade constitucional, mas ainda à 
maneira pela qual a mãe utiliza esse defeito em um mundo 
fantasmático que acaba por ser comum aos dois. 
A realidade da doença não é, em momento algum, subestimada 
em uma psicanálise, mas o que se procura evidenciar é como a 
situação real é vivida pela criança e pela sua farrúlia. O que adquire, 
então, um sentido é o valor simbólico que o sujeito atribui a essa 
situação em ressonância a uma certa história familiar."22 
21 
Como aponta Alfredo Jerusalinsky, obra citada, cap. 4 (N. da A.) . Por razões de 
padronização na tradução dos conceitos, os editores optaram por fantasia e tratamento, 
ao invés de fantasma e cura, apesar da autora por vezes utilizar estes últimos (vide a 
justificativa desta opção em "Posfácio - Sobre a tradução", in Dicionário de Psicanálise 
- Freud & Lacan, vol I, 2a edição, Ágalma, Salvador, 1997) ( N. dos E.). 
22 
Maud Mannoni, A criança, sua "doença" e os outros, São Paulo, V ia Lettera, 1999, p. 59. 
34 
SITUANDO A CLÍNICA COM BEBÊS 
2- A tradição médica toma como modelo para sua 
intervenção o diagnóstico realizado desde quadros 
patológicos fechados. Parte, assim, para o estabelecimento 
de sua nosografia, de um modelo adultomorfo, ou seja, 
.de patologias plenamente configuradas que se apresentam 
com seus diversos sintomas estabelecidos.23 Então, como 
situar aí um bebê? Como indicar um tratamento e como intervir 
se o diagnóstico orgânico ou o quadro patológico do bebê não estão 
plenamente configurados? 
Dado que a clínica da estimulação precoce intervém nos 
tempos primordiais, muitas vezes recebemos pacientes que, mesmo 
diante da suspeita de um quadro orgânico, ainda não foram 
submetidos a todos os exames necessários para chegar a um 
diagnóstico, pois não têm sequer o tempo de vida suficiente p.ara 
isso. Por isso, ao tratar-se de bebês, o estabelecimento do rea/24, mwtas 
vezes, vai ocorrendo ao longo do tratamento. 
O ponto é que a vida não pode ficar em suspenso enquanto 
0 diagnóstico orgânico não se define, pois a intervenç~o é com o 
bebê que apresenta um problema e não com a patologia. 
Há, nesse sentido, uma série de operações clínicas que apontam 
a organizar o marco que faz possível a constituição psíquica e .º 
desenvolvimento de um bebê, independentemente da patologia 
orgânica que esteja em jogo, e também a que os pais possam exercer 
as funções materna e paterna com o seu filho em lugar de ficarem 
tomados pela _incerteza que comporta o tempo de espera de uma 
definição diagnóstica. 
Intervir no tempo de indefinição diagnóstica, tempo em que 
a filiação de um bebê pode ficar em suspenso à espera do parecer 
23 A respeito dos modelos psicopatológicos ver: Jean Jacques Rassial (1996), Psicose 
na adolescência, Escritos da Criança, n.4, Porto Alegre, Centro Lyd1a Conat de 
Porto Alegre (N. da A.). 
24 Como aponta Alfredo Jerusalinsky, o estabelecimento do real é um passo necessário 
para a direção do tratamento na intervenção com problemas.do de~envolv1men~~ 
infantil. Tal passo permlte estabelecer até que ponto uma ltm1taçao presente 
produção da cnança tem causas orgârucas. Obra citada, cap. 4 (N. da A.). 
35 
ENQUANTO O FUTURO NÃO VEM 
médico, é tão importante quanto intervir diante da certeza de uma 
patologia que vem a fazer obstáculo a que os pais coloquem em 
cena seu saber inconsciente e consciente para exercer as funções 
materna e paterna com o bebê. 
A clínica da estimulação precoce não se limita a intervir com 
bebês que apresentam suspeita ou confirmação de problemas 
orgânicos. Muitas vezes recebemos bebês em relação aos quais os _ 
médicos percebem que "algo não está bem", ainda que, exame 
após exame, não se encontre neles nenhum comprometimento 
orgânico de base. Assim, por exemplo, chegam bebês com alterações 
funcionais específicas - no sono, na alimentação, no estabelecimento 
psicomotor etc. - e, mais freqüentemente, bebês que apresentam 
"atrasos generalizados no desenvolvimento'', ou ainda, bebês com 
"traços de desconexão" e pequenas crianças com "condutas 
estereotipadas" ou "atípicas" que apontam a incidência de problemas 
na constituição psíquica. 
São casos em relação aos quais, pela precoce detecção e 
intervenção, pode-se evitar a plena instalação da patologia e, em 
grande parte deles, dar lugar a uma reinscrição do modo de 
funcionamento da estrutura psíquica do bebê ou pequena criança. , 
Daí a importância de trabalhar junto àqueles profissionais 
que normalmente intervêm com a infância, tais como pedagogos e 
pediatras, já que a detecção precoce permite que possa ser realizada 
uma intervenção - às vezes mais curta e específica, outras implicando 
um tratamento - em lugar de se ficar esperando que o quadro 
clínico do bebê esteja absolutamente configurado em todas as suas 
manifestações patológicas, que corresponda ponto a ponto a todos 
os critérios nosográficos para fechar um diagnóstico e, portanto, 
que só se intervenha diante da patologia plenamente instalada. 
A clínica com bebês opera pela precoce detecção de traços 
que, a partir dos cuidados parentais e das produções do bebê, 
indicam a incidência de problemas no marco da constituição do 
bebê. Não é preciso esperar que o quadro patológico esteja 
plenamente instaurado para intervir, pois é possível ler os primeiros 
indicadores clínicos que levantam a suspeita de que a constituição 
36 
SITUANDO A CLÍNICA COM BEBÊS 
. do bebê não vai bem, em um tempo em que ainda estão sendo 
estabelecidas as primeiras inscrições do seu funcionamento pulsional, 
de sua constituição psíquica e, portanto, em um tempo em que 
estruturalmente há maior permeabilidade a inscrições e reinscrições.25 
3 - Como intervir quando o bebê apresenta dificuldades em várias áreas 
do desenvolvimento? 
Atualmente é comum que, ao ser detectado um quadro de 
"distúrbio global do desenvolvimento'', um bebê seja encaminhado 
a múltiplos tratamentos . Já quando o diagnóstico indica 
comprometimento orgânico de uma determinada função do bebê, 
muitas vezes se procede com uma "estimulação específica" da área 
afetada . Por exemplo, se há um déficit auditivo, indica-se 
"estimulação auditiva" em fonoaudiologia, ou se há paralisia cerebral 
se intervém desde métodos fisioterapêuticos, e assim por diante. 
Neste ponto é preciso recordar que, quando a estimulação 
precoce surgiu enquanto clínica dedicada a intervenção com bebês, 
diferentes disciplinas como fonoaudiologia, fisioterapia, terapia 
ocupacional, pedagogia, psicologia, entre tantas outras existentes, 
tinham um trabalho com a infância dirigido, principalmente, a crianças 
em idade escolar. Hoje em dia a situação é outra. As mais diversas 
disciplinas começam a focar sobre o bebê seus oijetos de estudo e a intervir 
com este a partir de um recorte de sua área de conhecimento. Ocorre, 
assim, uma transposição da aplicação do conhecimento de cada 
área, de suas técnicas já estabelecidas ou de novas técnicas de 
"estimulação específica", no bebê. 
O problema é que onde se vê a árvore não se vê a floresta. 
Quando o olhar fica centrado no déficit e na técnica a aplicar, o que 
se perde de vista é o bebê. Se a ciência veio se organizando pela 
subdivisão de seus objetos de estudo, permitindo ter conhecimento 
acerca da legalidade que rege a aquisição de cada área na infância, o 
que tende a ficar esquecido nesse processo é que uma aquisição 
instrumental, para que seja efetivamente uma aquisição, tem que serde alguém. 
2' Tal questão é abordada no capítulo É possível prevenir ou só resta remediar? (N. da A). 
37 
1 
1 
\ 
ENQUANTO O FUTURO NÃO VEM 
O estabelecimento do circuito pulsional26 que permite que 
uma função atue não ocorre de modo autônomo. É preciso que 
haja aí um desejo implicado - desejo que, para um bebê, é 
inicialmente sustentado por um Outro encarnado. Neste sentido, 
quando se procede a partir de múltiplas intervenções ou de 
intervenções que recortam o déficit, desconsiderando as condições 
constituintes de um bebê e lançando-o ao anonimato de várias 
técnicas, os efeitos podem ser iatrogênicos. 
Ignorar isto, ou intervir a partir da prática que pretende deixar 
a inscrição do sujeito do desejo "de fora", tem os seus efeitos, 
efeitos estes extremamente desorganizadores para crianças pequenas 
e tanto mais para um bebê (que ainda não tem estabelecido o Eu), 
seja porque tal bebê passa a padecer o super-investimento que se 
dirige justamente àquilo que no seu corpo fracassa, seja porque a 
multiplicidade de intervenções fragmenta sua possibilidade de 
reconhecimento. 
Deste modo, a experiência clínica apontou a importância de 
estabelecer um dispositivo que, contemplando os conhecimentos 
científicos de diversas áreas que são necessários a esta intervençã0, 
ao mesmo tempo, propiciasse um marco favorecedor para a 
constituição psíquica e para as aquisições instrumentais de um bebê. 
Foi a partir da consideração de tais questões clínicas que se configurou 
o dispositivo de um terapeuta único no marco de uma equipe interdisczplinar7 
na intervenção com a primeira infância. 
26 Questão trabalhada no capítulo Temporalidade e desenvolvimento (N. da A.). 
27 A modalidade de intervenção de um Terapeuta único em estimulação precoce 110 marco 
interdisciplinar é proposta e utilizada há mais de 25 anos pelas equipes do Centro 
Lydia Coriat de Porto Alegre e de Buenos Aires na intervenção com bebês e, a 
partir daí, por outras instituições que passaram também a tomar tal dispositivo 
como referência na intervenção com a primeira infância. A fundamentação teórica 
de tal dispositivo pode ser encontrada em diferentes produções científicas publicadas 
por essas instituições, tais como as revistas C11ademos dei Desarrol/o Infantil, Buenos 
Aires; Escritos dt1 C1iar1ça, Porto Alegre; Escritos de la Infancia, Buenos Aires; o livro 
de autoria de Alfredo Jerusalinsky Psicanálise e Problemas do Desenvolvimento Infantil, 
Porto Alegre, Artes e Ofícios; e o l.ivro de autoria de Elsa Coriat Psicanálise e clínita 
com hebês, Porto Alegre, Artes e Ofícios (N. da A.). 
38 
SITUANDO A CLÍNICA COM BEBÊS 
A interdisciplina possibilita aí a interlocução entre diversas 
áreas, o que é imprescindível ao tratar-se de bebês e crianças pequenas 
com problemas de desenvolvimento. E a intervenção de um 
terapeuta especializado no trabalho com bebês a cargo da direção 
do tratamento cumpre a importante função de possibilitar o 
estabelecimento de uma referência no tratamento. Deste modo, não 
são os pais e o bebê que têm de padecer efeitos desagregadores ao 
ficar deparados com os diversos discursos científicos ou efeitos de 
. redução do bebê ao déficit diante de uma intervenção que sublinha 
a função que fracassa. 
É fato que, desde o nascimento da estimulação precoce até 
hoje em dia, foram surgindo novas concepções clínicas - quanto ao 
modo e finalidade da intervenção, ao lugar do paciente e dos pais 
no tratamento e também quanto à função e o lugar do clínico. Assim, 
sob o mesmo nome de "estimulação precoce" hoje coexistem 
intervenções clínicas muito divergentes que se apoiam em diferentes 
cortes epistemológicos. O surgimento de tais práticas sempre se 
produz - quer elas dêem conta disso teoricamente ou não - como 
0 estabelecimento de respostas, desde uma ou outra inclinação ética, 
aos questionamentos centrais anteriormente citados que se 
apresentam na vida de bebês com problemas e suas famílias. 
• Entre algumas das explicações mais recorrentes que hoje 
em dia justificam as mais diversas intervenções com bebês podemos 
encontrar práticas fundadas em explicações tautológicas do 
"estimular porque é bom" e "quanto antes melhor" que auto-
explicam seus benefícios a partir da atribuição de uma imanência 
terapêutica de ce1tos oijetos - sejam eles a água, os animais, as cores, as 
formas, o movimento, etc. Acrescem ao nome de tais objetos a 
palavra "terapia" e, a partir dos supostos efeitos benéficos por eles 
propiciados, sugerem que a "experimentação" dos mesmos pelo 
bebê seria, por si só, propiciadora de desenvolvimento. 
São poucos os pais que situam todas as suas apostas de melhora 
do filho nesse tipo de intervenções, mas muitos deles as mantêm 
como "atividades complementares do tratamento propriamente 
39 
ENQUANTO O FUTURO NAO VEM 
dito'', pela justificativa do "mal não faz". Esta afirmação que 
comparece pela negativa do "mal não faz" revela o quanto, em tais 
modalidades de intervenção, a "ação", o "fazer", situa-se mais do 
lado do objeto "em seu poder de cura" do que numa aposta, numa 
expectativa pelo que o bebê poderia vir a fazer. 
É certo que, em qualquer experiência pela qual um bebê 
passar, vão estar em jogo suas reações de equilíbrio psicomotor, 
suas sensações proprioceptivas e exteroceptivas. Mas daí a estabelecer 
uma imanência terapêutica no objeto há uma grande diferença e 
uma diferença ainda maior em supor que isso, por si só, produziria 
desenvolvimento. 
• Outra vertente da intervenção com bebês consiste na 
aplicação de programas de estimulação ou técnicas reeducativas, com 
intervenções multidisciplinares ou intervenção sobre o dijiàt específico. 
" 
Assim, atualmente, muitos bebês passaram a ser tomados 
em tratamento em áreas específicas nas quais apresentam um dijicil 
e, quando seus sintomas se generalizam, vão se acrescentando ao 
tratamento inicial todos aqueles que correspondem às áreas dos 
novos problemas apresentados. Assim chega-se a ter tantos 
tratamentos quantas forem as áreas que comprometidas28 • Intervém-
se ali a partir da aplicação de técnicas, por exemplo, com estimulação 
psicomotora precoce, estimu.laçào auditiva precoce, estimulação visual precoce, 
estimulação multise1JJorial etc. Trabalha-se com o que está em "déficit 
no bebê", na aposta de que, quem sabe com a "estimulação a mais" 
propiciada a partir da intervenção, cada déficit específico possa vir 
a ser compensado. 
Certamente é fundamental saber, por exemplo, como evitar 
um padrão tônico ou favorecer uma mudança postural em um 
bebê que apresenta paralisia cerebral, como favorecer a acuidade 
28 
Ver, por exemplo, CORDE (1992), Estivltf!açJo precoce, org. Aidyl e Juan Pérez-
Ramos, São Paulo, Ministério da Ação Social, pág. 26, que situa a utilização da 
seguinte prática: ~s eqt1ipes multidisciplinares contam com 11ma variedade de profissionais 
qt1e vão sendo pa11/ati11amente incorporados ã medida q11e surgem as necessidades d11rante a 
evolução das oia11ças atendidas e de Slías respectivas famílias" (N. da A.). 
40 
SITUANDO A CLÍNICA COM BEBÊS 
de discriminação sonora de um bebê com perda auditiva ou como 
ropiciar a formação da imagem mental e a tridimensionalidade 
~o espaço em um bebê com grave deficiência visual. O ponto é 
que as problemáticas apresentadas pelos bebês e as questões ~~zi~as 
pelos pais não costumam obedecer a cronologia e sequencias 
previstas nos programas de estimulação. 
Apesar das recomendações que constam nos manuais de que 
0 reeducador "instrua" os pais sem "engajar-se em nenhuma 
psicologia profunda" 29 , as questõ~s dos pais ,e as produções_ do 
bebê irrompem para além do previsto pelo metodo. Quando isso 
ocorre, os profissionais ora colocam os pais para fora da sala, para 
que não "impeçam o andamento do programa c~m s~as _questões", 
ou para dentro da sala, para "dar-lhes onentaçoes tecrucas acerca 
de como proceder com o bebê"Jo. Os profissionais tentam, deste 
modo, encontrar soluções práticas acerca do lugarfísico de 
permanência dos pais quando o que está em jogo diz dos lugares 
simbólicos e da implicação dos pais em relação ao bebê no marco 
do tratamento. 
Outras vezes, é a produção do bebê que irrompe como 
obstáculo à aplicação da técnica. Na medida em que o trabalho fica 
dirigido a restabelecer por automatismos a função do órgão . que 
fracassa em seu funcionamento, a suposição do bebê como sujeito 
psíquico fica sem lugar na cena clínica. Então, quando compar:ce, 
se faz ver e escutar de modo irruptivo. Encontramos assim bebes e 
pequenas crianças que provocam vômito nas sessões de 
fonoaudiologia ou que choram incessantemente enquanto são 
realizadas em seu corpo manobras posturais. 
29 Como recomendam Herren e Herren (1986), Estimulação psicomotora precoce, 
Porto Alegre, Artes Médicas, p. 22 (N. da A.). 
30 Como afirmam Aidil e Juan Perez-Ramos acerca do lugar dos país em diversos 
nos programas de estimulação precoce: "Além da 01ientação individual_ a eles (pais) 
proporcionada (...) são utilizados cimos específicos de treinamento, nos q11azs se mcltte?ll, entre 
outros asrnntos, conhecimentos básicos sobre estimulação precoce e sobre a necessidade de 
aceitação da niança atípica pelos familiares, hem como a prática das atividades que devem 
realizar com a mesma." Obra citada, p. 27 (N. da A.). 
41 
ENQUANTO O FUTURO NÃO VEM 
A partir do corte epistemológico reeducativo o bebê é 
concebido como um "indivíduo" que, ainda que dependa dos outros 
para seus cuidados, já que no início não tem condições reais de 
sobreviver sozinho, teria um desenvolvimento produzido de modo 
autônomo. Pai, mãe ou outros "entes queridos" contribuiriam com 
uma dose de "afeto", configurando o "meio favorável" ao 
desenvolvimento do bebê. 31 Mas, dado que o desenvolvimento se 
produziria por um automatismo do encontro do organismo com 
o meio, decorrendo de sua experimentação ao longo do tempo, a 
intervenção aposta que, ao propiciar área por área uma melhora 
dos padrões das produções específicas, chegar-se-ia a produzir 
melhoras gerais no quadro do bebê - como se a soma das partes, 
área por área, pudesse produzir "o conjunto" do desenvolvimento. 
Quando os pais irrompem com suas questões ou quando o 
bebê, através das manifestações do seu corpo, resiste à aplicação do 
programa reeducativo, a técnica insiste até que tais irrupções se 
submetam ao método. Ou seja, até que o sujeito do desejo não 
insista mais em emergir. De fato, os bebês modificam seus 
comportamentos e, em grande parte dos casos, cumprem os 
padrões esperados e propostos pelas tabelas de evolução especiais 
para sua patologia. Afinal: 
"O sistema nervoso central do ser humano possui tanta 
flexibilidade (quando não está profunda e gravissimamente 
danificado) que resulta quase impossível introduzir uma 
estimulação sistemática e não obter algum resultado no 
comportamento. Porém medir o progresso de uma certa 
discriminação perceptiva, ou o aumento da velocidade e precisão 
de uma atividade de motricidade fina, nada nos diz acerca de 
como esses elementos estão ou não integrados no sistema de 
significação e, portanto, de articulação do desejo, que é o que 
constitui o núcleo fundamental desse sujeito."32 
31 Ver, por exemplo, Herren e Herren, obra citada, p. 21; e CORDE, obra citada, p. 
29 (N. da A.). 
32 Alfredo Jerusalinsky, obra citada, p. 67 (N. da A.). 
42 
SITUANDO A CLÍNICA COM BEBÊS 
Ainda dentro das modalidades de intervenção com bebês 
encontramos aquelas que se estabelecem como práticas intuitivas: "Leio 
várias coisas, ma.i~ na hora de intervir, plum! Me atiro no colchonete': argumenta 
uma "terapeuta de bebês". Ainda que esta resposta possa causar 
bastante desconcerto, ela talvez explicite uma posição muito comum 
na intervenção com a primeira infância. Mesmo nas origens da 
psicanálise de crianças, encontramos algumas concepções que 
propõem a intuição como modo de sustentar a prática clínica, por 
exemplo, ao sugerir que a mulher seria "naturalmente" aquela que 
· deveria vir a exercer a psicanálise de crianças. 
''A condição de mãe ter-lhe-ia conferido o lugar de onde 
desenvolveu sua abordagem analítica e refinou suas articulações. 
Nessa forma, a psicanálise de crianças ficara exposta a este risco de 
desvio do SeLt campo, já que a analista faria função de substituta 
do agente materno, numa expectativa de suplência propiciadora 
de uma relação mãe-criança ideal. 33 
A posição da criança, posição de equivalência simbólica ao 
falo na economia subjetiva do agente materno, permitiria o recurso 
de uma língua dual, privilegiada, reservada à relação mãe-criança, 
podendo situar as mulheres-analistas de crianças num laço 
particular e privado, cuja conseqüência seria a economia da passagem 
à articulação teórica, fazendo, muitas vezes, da "intuição" uma 
suficiência."34 
Afinal, poderia ser questionado: - Quem é que não sabe o que 
fazer com um bebê? 
Se levarmos em consideração a condição de sujeição de um 
recém-nascido, é certo que, a princípio, pode-se fazer de tudo com 
ele, ainda que isso tenha conseqüências para sua constituição. Tanto 
mais decisivo é então para o seu futuro o lugar que lhe é atribuído, 
33 A · firma Angela Vorcaro, apontando o problema das práticas intuitivas ao retomar as 
questões levantadas por Fendrik acerca das origens da psicanálise de crianças e das 
produções ele Melanie Klein e Anna Freud. A Ciia11ça 11a Clinica Psica11a!ítica, Rio de 
Janeiro, Companhia de Freud, 1997, p. 14. Ver também Silvia Fendrik (1988), 
Psicoanálisis para 11ifios:ficción de sus 01igenes, Buenos Aires, Amorrortu (N. da A.). 
34 • 
Angela Vorcaro, obra citada, p. 140. 
43 
ENQUANTO O FUTURO NÃO VEM 
não só a partir do parental, mas também pela condução do 
tratamento. 
As práticas que partem da aplicação de métodos reeducativos e 
técnicas de estimulação, muitas vezes, também se utilizam de intervenções 
intuitivas quando deparam com questões que não estão previstas 
pelo método. A questão é que disso não se fala, é como se tais 
intervenções ficassem "de fora" do "tratamento propriamente 
dito" sendo, portanto, geralmente suprimidas ou negligenciadas ao 
expor a "evolução do caso'', tanto quando surtem efeitos negativos, 
como quando são propiciadoras de melhoras para o bebê e sua 
familia, melhoras que então passam a ser atribuídas simplesmente à 
aplicação da técnica. 
Não se trata de que antes de cada sessão tudo tenha que estar 
pensado e planejado. Até porque, quando assim se pretende 
proceder por meio da aplicação de técnicas, não se dá lugar a que 
compareça o sujeito - e, quando este fugazmente irrompe, seja a 
partir das produções espontâneas do bebê ou a partir da fala parental, 
é prontamente silenciado para que se prossiga com o programa 
pré- estabelecido. Porém, quando o tratamento fica conduzido de 
um modo intuitivo, o bebê e sua família correm sérios riscos de 
ficarem situados como objetos das fantasias inconscientes do 
terapeuta. 
Neste sentido, consideramos fundamental o corte 
epistemológico que a psicanálise produz na clínica da estimulação 
precoce, diferenciando-a da postura reeducativa e da terapêutica intuitiva: 
Na clínica da estimulação precoce, a intervenção não se conduz 
por uma planificação pré-estabelecida em função da patologia do 
bebê. O clínico aponta a intervenção numa determinada direção -
que implica a produção de um sujeito no bebê e a possibilidade de 
que o mesmo possa vir a se apropriar de aquisições instrumentais -
e intervém a partir da leitura da produção de cada bebê e da escuta 
de seus pais. 
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SITUANDO A CLÍNICA COM BEBÊS 
Há, portanto uma direção do tratamento35, que vai s~~do 
Ul'da intervenção por intervenção. Apesar do calculo do clínico, constr ' . -
- h ' omo se ter de antemão certeza dos efeitos que serao nao a c . . D , 
d 'dos pela intervenção deles só se sabe a posterzorz. ai que pro uzi ' · 1 
· i·so que as intervenções realizadas e os efeitos que e as sep prec . 1 líni. 
d

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