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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS – REG. CATALÃO DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA DISCIPLINA: ESTÁGIO CURRICULAR OBR. – PROCESSOS CLÍNICOS E SAÚDE II DOCENTE: TIAGO RIBEIRO NUNES DISCENTE: JOANA DARC DA SILVA DIAS Freud, Sigmund, 1856-1939. Obras completas, volume 2: estudos sobre a histeria (1893- 1895) em coautoria com Josef Breuer / Sigmund Freud; tradução Laura Barreto; revisão da tradução Paulo César de Souza — 1ª ed. — São Paulo: Companhia das Letras, 2016. Miss Lucy R. 30 anos O Caso Miss Lucy R. foi encaminhado no fim de 1892 para Freud, por um amigo médico que vinha tratando a paciente de uma rinite supurativa cronicamente recorrente. Quando o médico percebeu que a paciente começara a relatar sintomas novos que ele não sabia como tratar, resolveu então encaminha-la para Freud, afim de que o mesmo pudesse lidar com ela. A paciente havia perdido o olfato completamente, e era constantemente perseguida por uma ou duas sensações olfativas subjetivas, além de perda de apetite, cansaço e perda de energia. Miss Lucy trabalhava como governanta na casa do diretor-gerente de uma fábrica nos arredores de Viena. Na casa haviam duas crianças e o pai. A mãe já havia falecido. Miss Lucy conhecia a família desde antes da morte da mãe das crianças e em seu leito de morte prometeu cuidar de seus filhos. Era uma jovem delicada de trinta anos que desfrutava de boa saúde, exceto por sua afecção nasal. Assim que falou com Freud, ele pode confirmar o que seu amigo lhe dissera. A jovem sofria de depressão e fadiga e era atormentada por cheiros específicos. Apesar de ter perdido praticamente todo o seu olfato, relatava que havia um odor particular de pudim queimado que lhe afligia. Inicialmente, Freud classificou as sensações objetivas de olfato que Lucy tinha como alucinações recorrentes que se transformariam em sintomas histéricos permanente. Freud acreditava que em algum momento da vida de Miss Lucy ela teria sentido o odor de pudim queimado e tal episódio estaria diretamente ligado a uma experiencia traumática. Isso tornaria o que o autor acreditava ser subjetivo em algo objetivo. O autor usou o odor como ponto de partida para a análise. Apesar das tentativas para conseguir êxito, demorou mais do que as expectativas de Freud e o tratamento estendeu-se muito mais do que esperado, principalmente devido a disponibilidade do analista e da analisada. Quando Freud tentava hipnotizá-la percebeu que a paciente não entrava em estado de sonambulismo, e por isso resolveu que não usaria esse método. Passou a utilizar o método associação livre que até então não era usado. Tal método consistia em Lucy se deitar, ficar quieta, fechar os olhos e se concentrar até atingir um estado de consciência que seria capaz de se comunicar com as lembranças e atingir memórias que até então não seriam possíveis de recordar em seu estado normal. Freud acreditava que a paciente sabia exatamente a causa de sentir o odor. Em determinada sessão, Freud questionou a paciente em qual ocasião sentiu pela primeira vez o cheiro de pudim queimado e a mesma revelou que havia sido a dois meses, dois dias antes de seu aniversário, quando estava cuidando das crianças. Relatou que havia chegado uma carta de sua mãe e quando ia abri-la para a ler, as meninas a pegaram, afim de guardá-la até seu aniversário, achando que eram felicitações. Enquanto isso, surgiu o cheiro forte. Havia se esquecido do pudim que estava assando. O pudim se queimou e o cheiro perseguia Lucy desde então. Lucy, após Freud continuar os questionamentos, admitiu que estava pretendendo voltar para a casa de sua mãe e que pensar em deixar as crianças a fazia ficar infeliz. Disse que sua situação na casa já estava insustentável, as outras empregadas implicavam com ela, queixando-se de que Lucy se considerava superior a elas e quando Miss Lucy delatou as colegas de trabalho para o patrão e para o avô das crianças, pouca providencia tomaram. Decidiu dizer ao pai das crianças que iria embora e o mesmo lhe pediu que pensasse mais sobre isso. Contou que naquela época estava mais uma vez com um resfriado nasal forte, que a impossibilitava de sentir qualquer cheiro, porém, acredita o autor, sua agitação naquele momento de conflito entre as lembranças de querer ir embora por já não se sentir bem naquela casa e a tristeza de deixar as crianças, além da ruptura de promessa feita a falecida patroa a fez sentir aquele cheiro queimado. Freud não ficou satisfeito com a analise feita e insistia em acreditar que havia mais. Haveria um motivo maior para que aquele momento tivesse a marcado tanto. Antes da histeria ser adquirida pela primeira vez, existe uma condição essencial que precisa ser preenchida: uma representação precisa ser intencionalmente recalcada da consciência. Freud então sugeriu que Miss Lucy estaria apaixonada por seu patrão, que afirmou, dizendo que insistia para não pensar nisso e que nem ela mesma tinha plena consciência disso, com a intenção de esquece-lo, já que acreditava não ter perspectivas e nem esperanças de ser correspondida. Após essa sessão esclarecedora, o odor do pudim queimado apesar de não ter desaparecido, se fez menos presente e mais fraco. Só aparecia quando Lucy se agitava muito. Com a evolução do tratamento o cheiro se dissipava cada vez mais até desaparecer totalmente. Apesar disso, Miss Lucy ainda estava triste e deprimida. Depois do Natal, Miss Lucy voltou queixando-se de outro cheiro que a incomodava. Esse cheiro estava presente antes, junto com o odor do pudim, mas agora o novo cheiro de fumaça de charuto aparecia sozinho. Freud não ficou satisfeito com o resultado do tratamento, relatando que apenas curou um sintoma para que outro pudesse ocupar seu lugar, o que sempre acontece com um tratamento sintomático. Quando tentou ir mais a fundo sobre o cheiro, a paciente disse que realmente não sabia se tinha um motivo especifico, já que todos os dias os homens da casa fumam. Usando novamente o método de associação livre, Miss Lucy se recorda de um jantar na casa em que o contador-chefe da fábrica os visita e tenta beijar as crianças afetuosamente. O patrão se exalta e trata o contador com violência. Lucy relata que esse episódio aconteceu antes do pudim queimado. Os homens estavam fumando charuto. Para Lucy, o patrão não deveria ter agido de forma tão bruta, o que a fez questionar como ele trataria ela, se ela chegasse um dia a ser sua mulher. A paciente se recordou de quando uma antiga amiga do patrão beijou as crianças na boca, naquele momento o homem tentou não se exaltar, porém quando a senhora foi embora, soltou toda sua fúria sobre ela. Continuou dizendo que se o patrão a tratava assim, com motivos tão supérfluos, poderia fazer muito pior se viesse a ser algo a mais para ele. Dois dias depois da ultima analise a paciente visitou Freud. Ela estava feliz, radiante, como Freud nunca havia a visto. Miss Lucy alegou que sempre fora feliz, apesar de ter ficado um bom tempo deprimida e se responsabilizava pelo clima ruim entre os funcionários, dizendo que estava muito sensibilizada e que talvez seu relacionamento com as colegas de trabalho possa melhorar, além de esclarecer que consegue guardar seus sentimentos e pensamentos sobre seu patrão. Freud examinou seu nariz e verificou que sua sensibilidade a dor e sua excitabilidade reflexa tinham melhorado quase totalmente. Ela também já conseguia distinguir odores caso fossem fortes. O autor deixa em aberto o questionamento de saber até que ponto seu distúrbio nasal teria influenciado a redução de seu olfato. O tratamento de Miss Lucy com Freud durou por nove semanas, e quatro meses depois a paciente afirmava que sua recuperação fora duradoura.
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