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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO GRUPO DE ESTUDOS DA COMPLEXIDADE MARTA PERNAMBUCO para o cultivo de uma educação política e afetiva MANOEL HONORIO ROMÃO MARTA PERNAMBUCO para o cultivo de uma educação política e afetiva MANOEL HONORIO ROMÃO MARTA PERNAMBUCO para o cultivo de uma educação política e afetiva Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação e ao Grupo de Estudos da Comple- xidade da Universidade Federal do Rio Gran- de do Norte como exigência parcial para ob- tenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Maria da Conceição Xavier de Almeida NATAL 2021 Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. Romão, Manoel Honorio. Marta Pernambuco: para o cultivo de uma educação política e afetiva / Manoel Honorio Romão. - Natal, 2021. 121 f.: il. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Maria da Conceição Xavier de Almeida. 1. Marta Pernambuco - Dissertação. 2. GEPEM - Dissertação. 3. Ensino de Ciências - Dissertação. 4. Pedagogia Freireana - Dissertação. I. Almeida, Maria da Conceição Xavier de. II. Título. RN/UF/BS/CE CDU 37.012 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Moacyr de Góes - CE Elaborado por Rita de Cássia Pereira de Araújo - CRB-804/15 Revisão Fagner Torres de França Capa e design editorial Waldelino Duarte Ribeiro Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educa- ção do Centro de Educação e ao Grupo de Estudos da Complexidade da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. MARTA PERNAMBUCO para o cultivo de uma educação política e afetiva Aprovada em: 30/04/2021. BANCA EXAMINADORA Profa. Dra. Maria da Conceição Xavier de Almeida – Orientadora Universidade Federal do Rio Grande do Norte Prof. Dr. Carlos Aldemir Farias da Silva – Examinador Externo Universidade Federal do Pará Profa. Dra. Josineide Silveira de Oliveira – Examinador Interno Universidade Federal do Rio Grande do Norte Prof. Dr. Iran Abreu Mendes – Examinador Suplente Externo Universidade Federal do Pará Profa. Dra. Maria Carmem Freire Diogenes Rêgo – Examinador Suplente Interno Universidade Federal do Rio Grande do Norte Para meu Povo que acredita em uma educa- ção que possibilite a transformação da triste rea- lidade social brasileira. PALAVRAS DE RECONHECIMENTO Um momento de reconhecer a importância dos seres vivos, não-vivos, inanimados e animados, que foram por muitas vezes os meus alimentos, as minhas luzes e o meu solo durante toda minha pesquisa e a construção desta dissertação. Agradeço, portanto, A Esperança e a Coragem que, corporificadas em flores de lírio e ao alcance das minhas mãos, se concentram no meu eu, esculpindo meu pen- samento e minha vida. A minha orientadora, minha borboleta dos sonhos, Maria da Concei- ção de Almeida, por ser minha cúmplice na vida e nas ideias, seja como uma razão apaixonada ou como palavras úmidas que sempre invadem meu ser. Ao meu pai, Honorio Manoel Romão (In Memoriam), pelo ensinamento maior: “a herança mais valiosa que posso deixar para você é a educação”. A minha mãe, Maria Janete de Sousa, pelo afeto e cuidado maior des- de os primeiros momentos de minha vida em seu útero e até agora. Aos meus amigos Marcos Antônio de Carvalho Lopes e Marcos Saian- de Casado, pelos laços fraternos de amizade sincera (Três M’s) que injetam pulsão de vida em meu ser. A minha mestra, Marta Maria Castanho Almeida Pernambuco (In Me- moriam), pelos ensinamentos de uma educação política e afetiva. Aos meus pensadores, Paulo Freire e Edgar Morin, por incendiarem meus pensamentos. Aos meus educadores, que passaram por minha vida e me marcaram para sempre com seus ensinamentos. A Josineide Silveira de Oliveira, pelos ensinamentos sobre fraternidade que regaram a escrita desta dissertação. A minha cacheada, Eugênia Maria Dantas, pelo acolhimento em sua sala de aula, que muito contribuiu para minha formação como docente e pesquisador. A Carlos Aldemir Farias da Silva, pelo companheirismo acadêmico du- rante toda a pesquisa. A meu extraordinário Fagner Torres de França, pela amizade, pela par- ceria no projeto “Palavras e Pixels” e pelo cuidado com minhas palavras. A Wani Fernandes que, como Borges, me ensinou o amor pelos livros. A Margarida Knobbe que, como Tolkien, me mostrou os caminhos da metáfora. Aos meus greconianos Louize de Souza, Mônica Reis, Luan Gomes, Carlos Eduardo de Araújo (Cadu Xamã), Umberto de Araújo, Helry Cos- ta, Tatiana Laptiz, Felinto Gadêlha Segundo, Gustavo Figueiredo, Maria José Ribeiro de Sá, Tallison Ferreira, Izabella Alves, pelo fogo vivo que incendiava nossos dias de estudos na sala do GRECOM. Em especial, aos meus greconianos que se transformaram em meus três mosqueteiros: Paulo Raposo, Artemisa de Andrade e Jeane Lopes, que foram várias ve- zes minhas mãos e meus ouvidos, principalmente durante minhas crises de tendinites. Ao meu GEPEM, Irene Alves Paiva e Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo, por manterem vivo esse grupo de pesquisa que tanto me acolheu. Esse acolhimento foi, em grande parte, feito por Minha Ameixa Negra, Aria- ne Rochelle Mendonça, que me ensinou uma pedagogia pautada pela generosidade. A Izabel Pernambuco Nicodemo, sobrinha querida de Marta Pernam- buco que, por diversas vezes, me ouviu e completou meu pensamento com novas informações sobre sua tia. As minhas amigas super poderosas Andresa Karla Silva Carvalho (Do- cinho) e Amanda Medeiros de Araújo Costa (Florzinha) que, pela via da amizade, sempre me ensinaram a não desistir. Aos meus cariocas Alexandre Aguiar da Silva e Marisa Narcizo Sam- paio que, por via da cultura e da luta pelo povo, me ensinaram a ver o mundo por outras lentes. A minha magrela, Alynne da Silva Praxedes que, com seus olhos ver- des, sempre me mostrou que tenho uma amiga fiel para o resto da vida. A minha pessoa, Pérola Soares Combes, pelo apoio incondicional, pela sua comida maravilhosa e pela parceria na sala de aula e na vida desde o nosso encontro na graduação até os dias de hoje. As minhas firulas, Louise Carla Siqueira da Silva e Marilia do Vale, que sempre ajudaram nos momentos de dores e alegrias, com um encanta- mento musical e artístico, durante a construção desta dissertação. Ao meu JP Social, João Pedro Araújo de Sousa, pelas conversas super- ficiais e profundas que arejarão meus pensamentos e por seguir comigo durante a escrita dessa dissertação. Ao meu refúgio, Liliane L. de Medeiros Gomes e Diego Araújo Lemos, por compartilharem momentos de alegrias e devaneios e por me protege- rem em tempos difíceis. As minhas amigas do dia a dia, Marcela Rafaela Silva Rodrigues e An- gélica Ferreira da Fonseca, pela amizade e por estarem sempre disponíveis aos meus pedidos e minhas escassezes mentais e físicas. Ao Boy Dany, Da- nielson Diogo Farias Dantas, pelos momentos de fraternidade. Ao meu povo do café, Jecine Fernandes e Jucilene Faustino, por se- rem escudeiras fiéis durante os dias e durante as noites no Centro de Edu- cação da UFRN. A minha secretaria do PPGED, Letissandra da Silva, Lucas Regnier, Ro- que Chianca, Elida Cassandra, Lilian Raquel, pela paciência e comprome- timento com o serviço público de qualidade. Em especial, para o meu pro- fessor Milton Câmara, que me ensinou a arte da administração pública. A minha coordenação do PPGED, Alda Duarte e Luzia Guacira (2014- 2015), Marta Pernambuco e André Ferrer (2016-2017), Rita Magalhãese Claudianny Noronha (2018-2019) e Claudianny Noronha e Luciane Terra (2020-2021), por me oportunizar aprendizados em torno da gestão de um programa de pós-graduação. Aos Docentes do PPGED, em especial Marta Maria de Araújo, pelos ensinamentos sobre a Educação Brasileira. Ao meu Centro de Educação da UFRN, que foi minha casa antes e durante a maior parte desta pesquisa. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que fomentou minha pesquisa durante quatorze meses. Sem essa base material, esta dissertação não seria possível. Ao meu governo Lula, por ampliar uma Educação de qualidade para o meu povo, principalmente pela expansão das Instituições de Educação Superior do nosso Brasil. Ao meu governo Dilma, por sustentar os investimentos na Educação para o meu povo. Mesmo com as grandes manobras golpistas, até o último momento foi guerreira da pátria brasileira. Ao meu Povo, que mesmo em um cenário de morte e de fome, conti- nua resistindo às desigualdades socais e sustentam, com sangue e suor, esta e outras pesquisas nas universidades do Brasil. Se hoje estou onde estou, foi por esse povo de luta e coragem, por minha gente que acredita em uma educação que alimente a justiça social e reduza as desigualdades sociais do nosso país. Cada um é o ponto de partida de outras bifurcações. Jorge Luis Borges Existem muito mais rascunhos e maquetes do que obras; o volume do que é descartado excede imensamente o de tudo que é mantido e realizado. George Steiner Marta se tornou hábil em lapidar o espírito e afetos de seus alunos; em retirar de dentro deles seus conhecimentos pré- vios e metamorfoseá-los numa cultura científica útil para cada um enfrentar, em espaços distintos, os desafios da vida pessoal, social e política de nosso tempo. Maria da Conceição de Almeida RESUMO A presente dissertação destaca momentos importantes que constituíram vida e obra da educadora e militante política Marta Maria Castanho Al- meida Pernambuco (1952-2018). Durante toda a vida lutou incansavelmen- te contra as desigualdades sociais e fez da práxis educativa possibilidade de inclusão. Nesta pesquisa escolhemos consultar as fontes documentais disponibilizadas nos arquivos do Grupo de Estudos de Práticas Educativas em Movimento (GEPEM) e do Grupo de Estudos da Complexidade (GRE- COM), ambos da UFRN, leitura das correspondências e oitiva de testemu- nhos concedidos por colegas, amigos, ex-alunos, familiares e professores que em algum momento desfrutaram da convivência com a pesquisa. Por interlocutores teóricos tomamos Paulo Freire, Edgar Morin, Maria da Concei- ção de Almeida, Michel Serres e Jean-Philippe Pierron. A lição aprendida é de que a vida é um movimento constante, uma oportunidade permanente de regar a esperança. Palavras-chaves: Marta Pernambuco; GEPEM; Ensino de Ciências; Pedago- gia Freireana. ABSTRACT This work wants to highlight important moments that constituted the life and work of the educator and political activist Marta Maria Castanho Almeida Pernambuco (1952-2018). Throughout her life she has fought tirelessly against social inequalities and made educational praxis the possibility of inclusion. In this research we chose to consult the documentary sources made available in the archives of the Group for the Study of Educational Practices in Move- ment - GEPEM and the Group for the Study of Complexity - GRECOM, read- ing the correspondences and listening to testimonies given by colleagues, friends, students, family members and teachers who at some point they en- joyed living with the research. For theoretical interlocutors we take Paulo Freire, Edgar Morin, Maria da Conceição de Almeida, Michel Serres and Jean-Philippe Pierron. The lesson learned is that life is a constant movement, a permanent opportunity to shower hope. Keywords: Marta Pernambuco; GEPEM; Science teaching; Paulo Freire’s Pe- dagogy. LISTA DE SIGLAS ABC Academia Brasileira de Ciências AI-5 Ato Institucional nº 5 CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CCSA Centro de Ciências Sociais Aplicadas CEFET/RN Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte CERIS Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Comperve/UFRN Núcleo Permanente de Concursos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte CONDICAP Conselho Nacional dos Dirigentes das Escolas de Educação Básica das Instituições Federais de Ensino Superior DEPED Departamento de Educação DF/FURRN Departamento de Física da Fundação Universidade Regional do Rio Grande do Norte DFTE Departamento de Física ECPC Ensino de Ciências a partir da Problemática da Comunidade FHC Fernando Henrique Cardoso FORPRED Fórum de Coordenadores de Programas de Pós- Graduação em Educação FUNBEC Fundação Brasileira para o Ensino de Ciências GEEP Grupo de Estudos do Ensino Problematizador em Ciências GELMIT Grupo de Estudos em Linguagem, Memória, Identidade e Território GEPEM Grupo de Estudos de Práticas Educativas em Movimento GRECOM Grupo de Estudos da Complexidade IC Iniciação Científica IFRN Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte MEB Movimento de Educação de Base MEC Ministério da Educação MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetização MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra NEI Núcleo de Educação da Infância da Universidade Federal do Rio Grande do Norte PADCT Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico PDC Partido Democrata Cristão PES Programa de Educação Comunitária para a Saúde PIBID Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência PJMP Pastoral da Juventude do Meio Popular PPGED Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte PREMEN Projeto Nacional para Melhoria do Ensino de Ciências PROBASICA Programa de Qualificação Profissional para a Educação Básica PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária PUCRS Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul RN Rio Grande do Norte SAR Serviço de Assistência Rural SAU-5 Serviço de Atendimento ao Usuário SBF Sociedade Brasileira de Física SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência SEDIS Secretaria de Educação à Distância da Universidade Federal do Rio Grande do Norte SEEC Secretaria Estadual de Educação e Cultura do Rio Grande do Norte SME/Natal Secretaria Municipal de Educação de Natal SME/SP Secretaria Municipal de Educação de São Paulo SPEC Subprojeto de Ensino de Ciências SPP São Paulo do Potengi UFPA Universidade Federal do Pará UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFSC Universidade Federal de Santa Catarina UFSCar Universidade Federal de São Carlos UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura USP Universidade de São Paulo LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Marta Pernambuco na infância ...........................................................................................................................28 Figura 2 – Marta Pernambuco com os pais e os irmãos .................................................................................28 Figura 3 – Marta Pernambuco com os sobrinhos ......................................................................................................30 Figura 4 – Marta Pernambuco no escotismo .....................................................................................................................32 Figura 5 - Marta Pernambuco, Cristina Dal Pian e Monsenhor Expedito .................................39 Figura 6 - Dedicatória de Monsenhor Expedito para Marta Pernambuco...........................45 Figura 7 - Trabalhos de Nísia Floresta. ............................................................................................................................................46 Figura 8 - Roteirosobre Método de Ensino usado em São Paulo do Potengi ..................49 Figura 9 - Plano de Divulgação..............................................................................................................................................................52 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Principais Escritos ..................................................................................................................................................................105 Quadro 2 - Relação dos alunos e títulos dos trabalhos orientados ..............................................110 SUMÁRIO AO ADMIRAR UM JARDIM ..............................................................................................................................................................................19 SEMENTES DE INQUIETAÇÃO, CULTIVO DE TRANSFORMAÇÃO.....................................................................26 Aprendizados da Infância e Juventude ..........................................................................................................................27 Lições do Escotismo – coisa da terra ....................................................................................................................................31 As primeiras letras ...............................................................................................................................................................................................32 Arar a terra: tempo de graduação (1970-1972) ..................................................................................................34 REGANDO O PENSAMENTO CRÍTICO ..............................................................................................................................................37 Consolidando o Mestrado (1975-1982): adubo da Teologia da Libertação ......................40 Estratégia de trabalho ................................................................................................................................................................................50 A itinerância inquietante .........................................................................................................................................................................55 Do interior para a capital .......................................................................................................................................................................57 Doutorado em Educação: laboratório expandido, enxerto de ideias .............................58 LAVRANDO O SOLO DA CORAGEM..................................................................................................................................................60 Grupo de Estudos de Práticas Educativas em Movimento (GEPEM) ....................................61 TESTEMUNHOS ..................................................................................................................................................................................................................64 Pós-doutorado: em busca de novos grãos .............................................................................................................104 Da colheita de uma vida ou muitos frutos a serem compartilhados ...............................105 PARA CONCLUIR: O CONSTANTE PLANTIO DA ESPERANÇA ........................................................................112 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................................................................................115 AO ADMIRAR UM JARDIM Fonte: Wikipédia. Canto do jardim de Montgeron, de Claude Monet (1877). 20 Em 2016, na sua volta de uma viagem a Paris, e dois anos antes de sua morte, recebo de presente de Marta Pernambuco um caderno de ano- tações cuja ilustração é um dos quadros da Série das Nymphéas ou Nenú- fares de Claude Monet: Caro Manoel, como um quadro de Monet a vida de perto pode parecer um borrão impreciso. Às vezes, só olhando de longe percebemos a luz, a transparência e a beleza de um todo. Assim também na vida, olhar envolve uma aproxima- ção e um distanciamento que nos desafiam a buscar cami- nhos significativos. Essas palavras de Marta Pernambuco representam bem a imagem que guardo e é uma das mais importantes lições que aprendi com ela: “a vida”, quando olhada de perto e durante o seu fluxo permanente “parece um borrão impreciso”, mas é também algo que nos desafia a encontrar sentidos, “caminhos e significados”. Como em um caderno de anotações, traçamos linhas que poderão ser transformadas em possibilidades capazes de desenhar modos de viver que podem ser conformistas ou audaciosos, a depender do desenhista. Ao mesmo tempo, a vida não existe como um borrão, porque o que ela dese- nha e o que nela se inscreve não se apaga. Com propriedade, o grupo de rock natalense Mad Dogs canta: viver é desenhar sem a borracha. Esse é um desafio do pensamento lançado a mim por Marta. Olhando de perto, talvez sejamos incapazes de compreender a vida enquanto obra de arte. Mas, exercitando as aproximações e distanciamentos dos fatos e atitudes podemos colocar nossa própria vida em perspectiva, criar o novo, bifurcações político-afetivas, no sentido de afetar, com nossa força, o mun- do que nos cerca. Ter consciência da vida como força criadora é saber produzir uma vida como obra de arte. 21 Marta Maria Castanho Almeida Pernambuco (1952-2018), desenhou com as tintas da própria vida o cenário de uma educação transformado- ra. Para quem a conheceu de longe (distanciamento), era uma pessoa aparentemente de poucos amigos, quando na verdade tinha uma dezena de amigos espalhados pelo Brasil. Certamente, no entanto, poucos sabem como, na verdade, doou sua vida ao outro (aproximação). Fez de sua pró- pria vida uma obra de arte e, da transformação do mundo, seu sacerdócio. O cenário narrado aqui, onde cabem de Marta a Monet, passando por Paulo Freire, Edgar Morin e Conceição Almeida, entre outros, por diver- sas vezes tomará forma de um jardim ou dos quadros que, nos moldes de um jardim projetado pelo pintor impressionista Claude Monet, expressam contornos de uma vida intelectual que soube marcar presença para além dos espaços formais de ensino e fazer-se semente capaz de vivificar trans- formações em movimentos sociais. Como as sombras delineadas por Monet que expressam sua percep- ção sobre o real a partir de um jogo de luz formando contornos que ao mes- mo tempo se desfazem, em parte, Marta Pernambuco com as pesquisas em torno das “práticas educativas em movimento”, constrói pressupostos de uma pedagogia coletiva pautada no estudo da realidade local, também dinâmica e flutuante. Monet pinta os reflexos das flores na água e as ramas se espalhando na beira do rio; Marta concebe nas práticas educativas as possibilidades de libertação do sujeito que se disseminam pela sociedade. Monet libera a pintura de suas formas canônicas e academicistas; Marta libera as forças transformadoras da educação e dos movimentos sociais. No processo da construção da pintura de um jardim (Monet) e das práticas educativas em movimento (Marta), mobilizaram ideias construídas e apresentadas de formas diferentes, mas, em sua essência, igualmente jar- dins para se apreciar, multiplicar e conservar. Construíram igualmente obras de arte, cada um em sua vereda. Multiplicar um movimento na arte ou na educação requer habilidade e competência, coragem e ousadia. É como que conservar um jardim pe- las ideias, palavras e ações. Melhor dizendo, é como liberar as ideias, pala- vras e ações de suas clausuras epistêmicas, lançando-as em outros circuitos de produções afetivas. Como Monet, que pelo jogo de sombra e luz faz desabrochar flores e fluir lagos, Marta ousou disseminar, plantar e ver crescer sonhos, ideias elutas pela construção de uma sociedade onde a igualdade e justiça social pudessem florir e proliferar. 22 A escolha de Marta Pernambuco para sujeito de minha pesquisa é algo maior que um entusiasmo intelectual, embora também o contenha. Diz respeito as ideias que me arrebata não apenas por sua força, mas pela força daqueles que as pronunciam. Portanto, trata-se de um exercício de admiração (CIORAN, 2011), admiração a uma das pessoas mais genero- sas e fiéis que conheci na vida e que me acolheu de braços abertos após minha chegada a Natal e na iniciação científica durante meu curso de Biologia. Uma pessoa assim, tão generosa, com um coração imenso, só po- dia ser possuidora de uma mensagem poderosa, que me conquistou quase imediatamente. Sua forma de ensinar, sua preocupação com o outro, seu compromis- so com a educação não apenas na academia, mas sobretudo fora dela, são características que me seduziram. Tentei manter certa objetividade na escrita da dissertação, mas a própria escolha do tema denuncia minha cumplicidade com as ideias de Marta Pernambuco. Portanto, é um texto movido mais pelo afeto do que pela propalada neutralidade axiológica da escrita acadêmica. Acredito, também, que seja mais do que necessário manter viva sua memória, por ser uma memória de luta capaz de inspirar a arte de viver para as futuras gerações. Em suma, minha escolha deu-se, so- bretudo, por me aproximar das ideias de uma educadora não-conformista por natureza, ou por obstinação. Marta Pernambuco fez da Universidade Federal do Rio Grande do Nor- te seu jardim. Desde março de 1976, quando chega ao estado, aos vinte e três anos, viveu apaixonadamente a missão de educar. Durante 42 anos de sua vida, dedicou-se a semeadura e cultivo de uma educação para liber- dade. Soube enxergar o aqui e agora sem perder a perspectiva de novos horizontes possíveis. Uma característica dos artistas, sejam da pintura, da palavra, do pensamento ou da ação é captar as forças de conjunção que se formam em determinado sentido, ou mesmo fazê-las emergir. Havia em Marta uma inquietude capaz de conjugar muitos outros sonhadores de um mundo movido por menos agressão e desigualdade. Durante algum tempo, antes de sua morte precoce, tive o privilégio de privar de sua amizade e de seus preciosos ensinamentos. Eu era tão cola- do a Marta, que as vezes me sentia sua sombra. Por isso, como material de pesquisa primário utilizei-me de consulta ao acervo das fontes documentais disponíveis no Grupo de Estudos de Práticas Educativas em Movimento (GE- PEM), fundado por Marta Pernambuco. Em um segundo momento, recolhi 23 testemunhos de pessoas ligadas a Marta Pernambuco (familiares, professo- res, amigos, alunos). Fiz a seleção para a pós-graduação sonhando ter Marta como orien- tadora. Após a partida inesperada dela, por ocasião da minha aprovação no Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN, fi- liei-me ao Grupo de Estudos da Complexidade (GRECOM), fundado por Conceição Almeida, parceira na vida e nas ideias de Marta, que passou a ser minha orientadora. Entre o GEPEM e o GRECOM sempre houve um fluxo de ideias que corria livremente. Agradeço ao GRECOM pelo caloroso aco- lhimento e pela disponibilização do seu acervo. Por isso, para construção do presente trabalho, utilizei-me também, além do referencial teórico das produções do GEPEM, do material do GRECOM. Nesse último grupo, pude aprender que a ciência é uma construção coletiva. Por isso consultei teses, pesquisas e dissertações construídas no GRECOM. Me senti estimulado por pesquisa que se atém ao que se chama itinerários biográficos ou trajetó- rias intelectuais, como a tese de doutorado de Leilane Assunção, intitulada Clara Nunes como obra de arte: a epistemologia das ciências humanas a partir da cultura musical; a tese de Louize Gabriela Silva de Souza, com o título Teresa Vergani: nomadismo, insubordinação, complexidade; a tese de Jair Moisés de Sousa, Sobre a construção das ideias científicas ou Darwin e seus demônios; a tese de Juliana Rocha de Azevedo, A história como tes- temunho - “eu estava lá” e finalmente a tese de Mônica Karina Santos Reis: Reinventar a universidade: um ensaio sobre o Grupo de Estudos da Comple- xidade (GRECOM/UFRN). É praxe acadêmica não falar, no corpo do texto, sobre os problemas enfrentados pelos pós-graduandos na escrita de uma dissertação de mes- trado ou tese de doutorado. Abrirei este único parágrafo para este propó- sito por motivos que são óbvios. A escrita deste texto foi marcada, primeiro pela saudade de Marta Pernambuco que partiu repentinamente para ou- tra dimensão, e, segundo pelos transtornos com a chegada da pandemia da Covid-19 no Brasil e no mundo; a falta das longas orientações com Cei- ça, os momentos de dores, perdas, fechamento da Universidade e isola- mento social certamente estão circunscritos nas lacunas e carências ora reveladas, ora silenciadas, mas nunca dissimuladas. A dissertação se desdobra em três capítulos: Sementes de inquieta- ção, cultivo de transformação; Regando o pensamento crítico; lavrando o solo da coragem e, por fim, para concluir: O constante plantio da esperan- 24 ça. No primeiro tratarei de fragmentos da vida de Marta, como o convívio familiar da sua infância, sua formação escolar, sua inserção no movimen- to da igreja Católica, no escotismo e sua graduação. Tento deixar claro como certas ideias obsessivas foram semeadas nela durante esse período e a acompanharam por toda a vida. É a fase do enraizamento. No segundo e terceiro capítulos retomarei o processo de consolidação de aspectos importantes que envolvem a formação de Marta no mestrado em Ensino de Ciências na USP e de sua vinda para a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (campus Natal). Tais acontecimentos possibilitaram o desenvolvimento do projeto Ensino de Ciências a partir da Problemática da Comunidade (ECPC). Seu Doutorado em Educação na USP, orientado pelo professor Luis Carlos de Menezes, um físico renomado que foi um dos semeadores das ideias de Paulo Freire na área de Educação em Ciências. Por seu reconhecimento, Menezes foi convidado por Paulo Freire, então Se- cretário de Educação da cidade de São Paulo na administração de Luiza Erundina (1989-1993) para atuar no espaço da educação. Foi, nesse perío- do, que o professor Menezes convida Marta a acompanhá-lo. No terceiro capítulo em especial, tratarei da fundação do GEPEM, mais precisamente da militância educativa de Marta dentro e fora da UFRN. Para tanto recorrerei a testemunhos de orientandos, amigos, professores e parceiros de trabalhos. Marta fez germinar em um jardim de esperanças e, com as sementes dessa esperança, semeou coragem em novas pessoas para que sejam capazes de construir novos jardins. Pincelarei também al- guns aspectos de seu pós-doutoramento na Pontifícia Universidade Católi- ca do Rio Grande do Sul (PUCRS). Este texto está marcado pela consciência do inacabamento, da par- cialidade e da incerteza, princípios caros ao pensamento complexo em permanente reconstrução por Edgar Morin e lição maior que tenho apren- dido no interior do GRECOM. Minha permanência intensa nesse grupo de pesquisa faz da sala Edgar Morin, minha morada física, afetiva e, sobretudo, um lugar de experimentação de uma ciência pintada com cores da amiza- de, da razão apaixonada, da politização do pensamento. Como se fosse pouco ficar de segunda a sexta-feira (onde almoçava e jantava) na sala Edgar Morin, tomei a iniciativa de propor aos colegas mestrandos e doutorandos nos encontrarmos aos sábados na atividade chamada grupo de Estudo, onde passamos a ler e discutir sistematicamen- te parte dos volumes de O Método de Edgar Morin. 25 Eu que tomo como metáfora e iluminação dos quadros de jardins de Monet para falar de Marta, escolhi meus pinceis e minhas cores e estou a construir, por fragmentos da trajetóriade Marta, a história de uma educa- dora que merece ser imitada. SEMENTES DE INQUIETAÇÃO, CULTIVO DE TRANSFORMAÇÃO Fonte: Wikipédia. Jardim de Monet em Vétheuil, de Claude Monet (1880). 27 Reencontro-a, como sempre a conheci, nas suas cartas, in- quieta, insatisfeita, mas ao mesmo tempo ativa e lutando. (Carta do Frei Reginaldo, padrinho de Marta, em 7 de outu- bro de 1983) Aventuro-me até a lhe dizer que a insatisfação faz parte da sua personalidade e que você está sempre procurando, mesmo depois de ter encontrado (Carta do Frei Reginaldo, padrinho de Marta, em 9 de novembro de 1985) Aprendizados da Infância e Juventude As epígrafes acima, extraídas da correspondência entre Marta e o Frei Reginaldo, seu padrinho de batismo, revelam indícios de inconformismo diante das situações de desigualdades e opressões sociais. A sensibilidade do frei Reginaldo era aguçada pelas atitudes dela na itinerância do viver. Marta Maria Castanho Almeida Pernambuco nasceu em São Paulo, numa família de classe média, aos oito dias do mês de abril de 1952. Fi- lha de Marcello de Almeida Pernambuco, um dentista que sempre se en- volveu em atendimentos populares sem fins lucrativos e Myriam Castanho de Almeida Pernambuco, uma dona de casa voluntária no catecismo da Paróquia Nossa Senhora do Brasil na capital paulista. Myriam e Marcello Pernambuco tiveram nove filhos, que foram criados influenciados por uma educação com base no desenvolvimento do jovem e na luta contra as desigualdades sociais. O ambiente familiar tatuou em Marta, portanto, um imprinting cultural progressista e solidário. Frutos dessa concepção de educação, os filhos crescidos ocuparam os seguintes postos: Marcelo Pernambuco tornou-se padre; Marta Pernam- buco, formada em física, tornou-se educadora. Paulo Pernambuco, dese- nhista industrial, tornou-se administrador de empresas. Maurício Pernam- buco tornou-se psiquiatra; Lucia Pernambuco, artista plástica, tornou-se administradora de empresas; Luiz Pernambuco, psicólogo e matemático, 28 mas também se dedicou ao empresariado. Ana Pernambuco, tornou-se educadora física; por último, André Pernambuco, médico geriatra. Figura 1 – Marta Pernambuco na infância Fonte: Acervo do GEPEM Figura 2 – Marta Pernambuco com os pais e os irmãos Fonte: Acervo do GEPEM. Uma família da cidade de São Paulo bastante envolvida no desenvol- vimento principalmente político do município. Os pais e seus avós mater- 29 nos, Ottoni de Almeida Castanho e Ary Cortez Castanho, eram militantes da Ação Católica Brasileira, movimento organizado pelos leigos no seio da Igreja Católica visando agir na sociedade conforme os princípios do Evan- gelho cristão. A Ação Católica foi um grande movimento no Brasil que se propagou a partir de 1935, com o objetivo de ampliar a participação dos leigos, es- pecialmente jovens, a fim de fazê-los apóstolos da Igreja diante das exigên- cias do mundo moderno. Leigos investidos do papel evangelizador atuam pelo resplandecer de uma Igreja comprometida com as questões da vida cotidiana. Os fiéis comprometidos com os trabalhos da Ação Católica en- tendiam bem a importância da participação política e por isso lutavam pela concretude do bem comum e da cidadania para todos os homens e mulheres. Marta e seus irmãos participavam das reuniões sobre os assuntos reli- giosos organizadas por seus pais e outras famílias e compreendiam desde cedo a importância da participação política nos destinos da sociedade. A Ação Católica foi semente fértil na infância e adolescência de Marta Per- nambuco e viria a brotar mais à frente na sua história. A aproximação dos universos da fé e da política transformou-se num legado da família e constitui-se em aprendizagem para vida. Ottoni de Al- meida Castanho e Ary Cortez Castanho, os avós maternos de Marta, foram colaboradores na fundação do Partido Democrata Cristão (PDC) em 1945, por iniciativa do professor da USP Antônio Ferreira Cesarino Júnior. O PDC se funda sob os princípios de uma democracia cristã, que traz fundamentos do primeiro-ministro italiano Alcide De Gasperi. Esse partido, classificado como conversador moderado fazia oposição ao getulismo de base populista e centralizadora. Figuras do cenário políti- co, como por exemplo o ex-presidente Jânio Quadros, foi filiado ao PDC, extinto em 1965, durante a Ditadura Militar. Por todas essas vivências a me- nina Marta logo aprendeu que fé e política são paralelos que se encontram na semeadura da cidadania. O gosto de Marta pelas discussões políticas e o despontar da capaci- dade de liderança logo começam a vir à tona. Mesmo não sendo a filha mais velha, muitas vezes era ela a responsável por dar a última palavra nas decisões sobre os assuntos familiares. Esse perfil de liderança e autodetermi- nação foi construído inicialmente entre seus pais e irmãos, mas transbordou para seus sobrinhos. Quinze. 30 Marta, apesar de viver “longe”, estava sempre presente nos principais momentos da família. Aliás, para a gente, o mo- mento da família ganhava o status de “principal” somente com a presença dela. Era tipo a segunda mãe de todo mun- do. Era a atitude personificada da mulher que ela representa- va. Lutadora, conquistadora, independente, amorosa, dura, direta, complexa, intensa. Mais que tudo, intensa. (Texto en- viado pela família para o Tributo em homenagem a Marta Pernambuco em 21 de maio de 2018). Figura 3 – Marta Pernambuco com os sobrinhos Fonte: Acervo do GEPEM. A líder amorosa é também a intelectual que estuda o seu próprio tem- po para tomar decisões cabíveis às emergências do seu contexto social e atuar nele. Essa observação da realidade é marcante em toda sua trajetó- ria, sinal de uma liderança capaz de agir com sensibilidade e firmeza diante das circunstâncias políticas. Como se analisasse os grânulos da terra, no sentido de encontrar o melhor local para que a água escoe e alimente o solo, delimitando o terreno a ser cultivado. 31 Lições do Escotismo – coisa da terra Um outro momento que consolidou a subjetividade política da educa- dora Marta Pernambuco foi sua participação no Movimento de Escoteiros durante quase 10 anos. Certamente, nele desenvolveu o gosto pela organi- zação do coletivo e o hábito pela disciplina e cooperação. Esse movimen- to, fundado em 1907 por Baden-Powell, investe no ensinamento dos princí- pios da cooperação e da responsabilidade do jovem para que ele assuma o trabalho em equipe, importante em uma sociedade que encontrou no individualismo exacerbado sua forma privilegiada de existência. No escotismo o espírito de fraternidade, lealdade, disciplina e com- panheirismo são fundamentais para sustentação do grupo. Por demonstrar aderência a tal espírito, Marta tornou-se Akella – a chefe de Lobinhos – coor- denadora do grupo de escoteiros mirim. Mais tarde, passou para o Grupo de Bandeirantes, no qual exerceu a função de guia. São os primeiros traços que deverão compor mais à frente um quadro de vida como arte e ação. Michel Serres, referindo-se ao esporte de rendimento, nos ajuda a com- preender a práxis democrática nascente na vida de Marta, o espírito de equipe é construído quando se domina o ardor da competição e se respeitam as decisões do árbitro: em conjunto e juridicamente, os esportes coletivos nos ensinam a lutar contra nossa agressividade e dos nossos adversários (SERRES, 2004, p. 36). Trata-se, portanto, de um importante momento de socialização na vida de nossa personagem. O espírito cooperativo de equipe será caracte- rística da professora-pesquisadora Marta, forjado desde muito cedo na ex- periência intensa do escotismo. Foram ali suas primeiras experiências com grupos de leituras e estudos, com aulas particulares e com o ensino dos mais novos. Com o lema do compromisso, do trabalho em equipe, fraternidade e lealdade, Marta toma esses pilares do movimento de escoteiros para ela em sua carreira de intelectual militante, aprendendoe ensinando que o pensamento é uma ação coletiva. 32 Figura 4 – Marta Pernambuco no escotismo Fonte: Acervo do GEPEM. As primeiras letras No contexto escolar, Marta teve experiência tanto em escolas públi- cas quanto privadas. Viveu de perto as exigências, as diversas diferenças, as desigualdades e os desafios que cada uma dessas instituições de ensino contém no Brasil. Passou no exame de admissão, prova feita no final do cur- so primário com objetivo de ingresso no curso ginasial onde ganhou bolsa para estudar no ginásio de orientação religiosa. Cursou o científico, que era uma das modalidades do ensino secundá- rio. Convivendo com professores que estimulavam e desafiavam os alunos, propondo novas interações e leituras de autores que ultrapassavam os livros didáticos das disciplinas, Marta Pernambuco ampliou seu interesse pela re- flexão sociopolítica. No conturbado período de domínio dos governos mi- litares, do cerceamento das liberdades individuais e das várias censuras, o investimento em uma educação que pudesse esclarecer as causas da desigualdade social do país passou a ser um grande desafio. No ano de 1967 cursando o primeiro ano científico, teve acesso às dis- cussões sobre o conceito de desenvolvimento e ganhou da professora de 33 História um livro de Celso Furtado1. Logo compreendeu que as causas do subdesenvolvimento eram profundamente sociais. A consciência dos males provenientes da desigualdade social aguçou seu espírito de justiça. A insa- tisfação diante das injustiças sociais transformou a educadora Marta em uma militante permanente em vista da transformação da realidade social. Juntando-se a isso seu amor pelas pessoas e sua inquietude natural, como atesta sua família, ultrapassava fronteiras políticas e desafia os poderes esta- belecidos ao percorrer alguns lugares do Brasil propugnando uma pedagogia libertadora. A militância de Marta se expressava em ações, palavras escritas e faladas a seus alunos no sentido de fazê-los enxergar a carga histórica das injustiças contra os despossuídos desta Terra. Para ela a educação deve estar adaptada, em seus métodos e programas, a per- mitir ao homem chegar a ser sujeito, construindo-se como pessoa, transformando o mundo, estabelecendo com outros homens relações de reciprocidade, fazendo cultura e fazen- do história (PERNAMBUCO, 1981, p. 17). no sentido de amadurecer uma política da existência por meio do plantio de um senso crítico aliado a um cuidado minucioso com o que di- ziam os teóricos para que suas ideias não fossem amenizadas, generaliza- das ou distorcidas. Não devemos esquecer da conjuntura política do momento, pois são anos pós Ato Institucional nº 5 (AI-5)2, o mais violento entre os atos institucio- nais publicados durante o período militar (1964-1985). O surgimento dessas entidades, as manifestações e toda essa mobilização, é uma onda que rebate o cerceamento das liberdades que acontecia no momento. Todas as repressões, censuras do direito de voz, ricocheteiam em um momento de fortalecimento das coletividades. Marta vive esse momento avidamente junto aos movimentos sociais, da igreja e da educação em ciências. As reuniões da Sociedade Brasileira 1 1920-2004. Um dos intelectuais brasileiros mais importantes do século XX, dedicando boa parte de sua obra para pensar o desenvolvimento econômico do Brasil. 2 O AI-5 faz parte do conjunto de dezessete grandes decretos publicados durante a ditadura mi- litar. Baixado em 13 de dezembro de 1968, durante o governo Artur da Costa e Silva, foi o mais duro dos decretos e inaugura o período mais sombrio durante o golpe militar no Brasil (1964-1985). Autorizavam entre outras medidas, o fechamento do Congresso, a cassação de mandatos e a decretação de Estado de Sítio por tempo indeterminado. 34 para o Progresso da Ciência (SBPC), entidade que investe na produção do conhecimento, mas também na luta contra os governos militares, jun- tamente com outras instituições da sociedade civil, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), sindicatos e movimentos sociais pre- param cenários de grandes mobilizações no país. Marta junta-se aos movi- mentos estudantis e aos sindicatos de professores para reivindicar políticas de formação docente. Arar a terra: tempo de graduação (1970-1972) Nos anos que nossa personagem da vida real adentra a universidade o Brasil experimentava o auge dos financiamentos de programas educacio- nais voltados para os países subdesenvolvidos, com a onda de uma escola- rização fundamental necessária para toda a sociedade. É dessa época a Lei de Diretrizes e Bases (Lei 5692/71), de 11 de agosto de 1971, que expan- diu o ensino secundário e incentivou a criação das licenciaturas curtas. Nesse contexto de alta valorização do conhecimento produzido nas Ciências Naturais (Química, Física, Biologia, Astronomia, Ciência da Terra), em conjunto com a formação de cientistas, Marta escolhe por prestar ves- tibular para Ciências Exatas e Engenharias e escolhe o curso de Física da Universidade de São Paulo (USP). Interessante observar que no ano de 1970, quando essa escolha ocorre, o mundo experimenta um fenômeno ambiva- lente no universo da ciência e educação: de um lado a expansão do papel da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultu- ra (UNESCO), de outro os resquícios sombrios da Guerra Fria (1947-1991) que aumenta a disputa tecnológica entres os países. Em 1975 inicia na USP o curso de Física. Na ocasião o currículo daquele curso reúne o Bacharelado e a Licenciatura nos dois primeiros anos e, de- pois disso, o estudante pode optar por uma das modalidades. Marta esco- lhe ficar na licenciatura. No ano de 1972 o Ministério da Educação havia criado o Projeto Na- cional para Melhoria do Ensino de Ciência, com a tarefa de produzir mate- rial didático. Marta colabora com a construção desses instrumentos peda- gógicos. Com todas essas inquietações à sua volta, Marta, mesmo antes de terminar a graduação, começou a trabalhar como professora de Química, Física e Matemática em várias escolas da cidade de São Paulo. Mantinha- -se envolvida nos movimentos de formação de professores sempre que pos- 35 sível. Esse é o período em que Marta começa a conviver com a classe de professores e conhece o chão da escola. Na universidade, ingressa no programa de Iniciação Científica do La- boratório de Estado Sólido e torna-se monitora nos laboratórios de Física Bá- sica. Durante a graduação Marta experimentou uma atmosfera de grande expansão da Educação e Ensino em Ciências. Várias entidades, como a Fundação Brasileira para o Ensino de Ciências (FUNBEC) emergiram nesse contexto de popularização das Ciências e o chamado era para a produ- ção de materiais didáticos para conseguir esse feito. Tais projetos são financiados e regulamentados pelo Projeto Nacional para Melhoria do Ensino de Ciências (PREMEN) do Ministério da Educação (MEC). A ideia era ofertar iniciação científica logo nos primeiros anos esco- lares. Para isso, além dos materiais didáticos, os “jovens cientistas” tinham contato com revistas de divulgação científica, que acompanhavam um pequeno laboratório (microscópio, lâminas, pinças etc.) como agente de formação no ensino de ciências. Nesse momento também acontece uma grande cooperação dos gru- pos de psicologia experimental e cognitiva com os grupos de ensino no desenvolvimento de metodologias de ensino-aprendizagem. Esses grupos reforçaram, na área de Educação, ainda mais o desenvolvimento dos cur- sos de Ciências Naturais e principalmente das licenciaturas. É um tempo de expansão de uma educação nunca vista em nosso país, e Marta acompa- nha muito atenta a esses acontecimentos. Já bastante engajada com a educação, não se afasta dos princípios de uma formação voltada para o rompimento com as desigualdades so- ciais, enxergando que uma alfabetização democrática é o melhor caminho paraque essa ação aconteça. Uma educação que possibilite aos sujeitos compreenderem essas situações contraditórias, e por isso consigam imagi- nar horizontes melhores. Nesse movimento, no ano de 1975, Marta ingressa no mestrado em Ensino de Ciências. O temperamento que o padrinho de Marta havia destacado anterior- mente em epígrafe, de uma pessoa inquieta, insatisfeita com o mundo ao redor, ativa e lutadora fizeram fervilhar informações, desassossegar corpos e mentes e por vezes desatar coragem. Dotada de um espírito inquieto diante da crueldade do mundo Marta Pernambuco respondeu com ousa- dia aos desafios do tempo e ao trabalho que lhe coube viver e desenvolver respectivamente. 36 Em O Método 6 – Ética (2005), Edgar Morin faz referência a uma ética tríplice que devemos cultivar para vivermos juntos da melhor maneira pos- sível: uma ética interior, voltada para si, para seu próprio desenvolvimento enquanto ser humano, estabelecendo uma riqueza de possibilidade para trocar com o mundo; uma ética exterior, voltada para o bem da socieda- de, ou seja, uma ética do altruísmo; e, por fim, uma ética anterior, dedicada à espécie, ou seja, uma ética planetária, com vistas a uma comunidade de destino. Marta cultivou as três éticas como uma asceta. Mas a dedicação ao outro, tão rara nos dias atuais, demonstração de pura resistência aos imperativos do capital, era o seu Ministério. Os testemunhos de seus colegas e alunos no Tributo em homenagem a Marta Pernambuco, em maio de 2018, revelam a imagem de mulher forte e lutadora que cultivou entre as pessoas dentro e fora da UFRN: A firmeza de suas convicções estava muito mais pautada em uma densa e criteriosa fundamentação científica de base filosófica, alicerçada em uma gentileza muito própria de sua personalidade e de seu caráter, contrário do que o imaginá- rio do coletivo, via de regra, nos alertava para uma dureza impassiva. (Willys Farkat) Marta era uma pessoa bastante antenada. Acompanhava as inovações de políticas públicas na área do ensino. Marta não era só uma pessoa na academia. Ela estava na socie- dade, estava no mundo. E por estar antenada, trouxe o PRO- NERA, em parceria com o MST para o Rio Grande do Norte. (Cesar Sanson) Defensora de uma prática libertadora, na proximidade com ela, com suas ideias, é fácil destacar elementos que per- meiam seu diálogo, como as questões essenciais a uma edu- cação como prática libertadora. (Ariane Rochelle) É difícil sequenciar fatos de uma vida tão rica e plena de aconteci- mentos, mas também com muitas bifurcações. Uma vida não linear, talvez se semelhante ao borrão pintado por Monet. O que faço nesta dissertação é traçar linhas na tentativa de contemplar, por sua relação com a educa- ção, o quadro de um ser humano complexo chamado Marta Pernambuco. REGANDO O PENSAMENTO CRÍTICO Fonte: Wikipédia. Camille Monet no Jardim de Argenteuil, de Monet. 1876 38 [...] achamos de fundamental importância a presença de pessoas que acreditam, que o saber universitário deve ser ins- trumento de transformação e que para isso as universidades precisam estarem organizadas. (Carta enviada a Marta por Nerize Laurentino Ramos, coordenadora do MCU/NE, em 15 de novembro de 1985). Marta Pernambuco é oriunda de uma família abastada do centro eco- nômico do Brasil, São Paulo, e teve acesso à formação na mais tradicional universidade brasileira, mas isso não era remédio para suas inquietações. O intelectual, diz Morin em O Método 4 – As ideias (2008), pode estabelecer uma autonomia crítica em relação à sua classe de origem. O intelectual, diz Morin, é aquele que atua publicamente, sente-se implicado nas circunstân- cias, mesmo assim consegue pensar com elas e para além delas. É o caso de Marta. Abastecida com semente de discussões sobre desenvolvimento, desigualdade social e educação para a ciência, eis que deixa seu casulo para polinizar em outras paragens o desejo de um mundo onde prevaleces- se a distribuição equitativa das benesses do desenvolvimento. É na ocre e seca terra do Nordeste do país que Marta escolheu deixar-se fecundar. No fluir da vida, Marta compreende a importância de que, regando as pessoas com pensamento crítico, lhes oportuniza formas de lutar por uma vida mais justa. Da região Nordeste, o estado é o Rio Grande do Norte e, ainda que o local de referência seja a capital potiguar, estende-se por lu- gares que na ocasião clamavam por ajuda de todo tipo para combater o aparentemente eterno flagelo da seca que marca a vida do povo de for- ma natural e artificial ao mesmo tempo. Natural pela ausência de chuvas comum em regiões de semiárido e artificial porque, junto com a falta de água, abundava a corrupção e as relações de submissão e dependência da famigerada “indústria da seca” que ela já conhecia pela ótica de Celso Furtado. 39 Mas, talvez, conscientemente ou não, seguiu os passos de Paulo Freire, uma de suas paixões intelectuais, quando realizou, aqui no Rio Grande do Norte, no ano de 1961, sob o governo progressista de Djalma Maranhão, sua primeira experiência exitosa de alfabetização de jovens e adultos no município de Angicos. Um projeto hoje mundialmente conhecido chama- do 40 horas de Angicos, abruptamente abortado pela ditadura militar em 1964, que terminou por enviar Freire ao exílio. Marta prosseguiu seu destino em outras paragens. São Paulo do Po- tengi é um desses lugares. Localizado distante 70 km da capital do Estado e palco de importantes ações da Igreja Católica nos trabalhos da comu- nidade. É lá onde Marta vai encontrar-se com Monsenhor Expedito, padre católico que devotou sua existência a lutas que se coadunavam com as dela. Monsenhor Expedito contextualizou para Marta as muitas violências que o processo de desigualdade acarretava à vida dos despossuídos, que eram maioria à época e continuam sendo ainda hoje, não apenas em São Paulo do Potengi, mas no mundo inteiro. Figura 5 - Marta Pernambuco, Cristina Dal Pian e Monsenhor Expedito Fonte: Acervo do GEPEM. 40 Por algum tempo Marta fez-se companheira do Monsenhor Expedito, o “profeta das águas”, como ficou conhecido, por ter dedicado sua vida e missão na Igreja para trazer água potável para as populações mais vulnerá- veis e necessitadas da parte do Estado abarcada pelo chamado “polígono das secas”, termo que designa oito Estados da região Nordeste (Piauí, Cea- rá, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia) e parte do Sudeste (vale do Jequitinhonha em Minas Gerais) com baixa oferta de água durante longos períodos. Sua obstinação o aproximou de forças motrizes para fazer acontecer seu projeto, como políticos, engenheiros, professores e outras autoridades. Isso demonstra a capacidade política de Marta para articular em torno de si os diversos atores sociais capazes de fazer acontecer aquilo que ela ha- via projetado em mente. A improvável conjunção Igreja-UFRN fez emergir muitos frutos nas terras secas, embora não improdutivas, do sertão potiguar. Consolidando o Mestrado (1975-1982): adubo da Teologia da Libertação O mestrado em Ensino de Ciências, modalidade Física, foi criado na Faculdade de Educação e do Instituto de Física da USP em 1973. Nesse período, o panorama da Pós-Graduação no Brasil é enriquecido de inter- câmbios com universidades inglesas, francesas e norte-americanas. Nesses movimentos, a universidade reelabora uma nova formação que envolve o estudo dos Problemas Brasileiros, as informações mais técnicas vinculadas aos aspectos culturais e uma grande introdução da literatura, cinema e música como vias para a criatividade, como propulsores para as discussões sobre Ciências e a responsabilidade social dos cientistas. Era um cenário com grandes intelectuais, como Mário Schenberg, que sofreu uma aposen- tadoria compulsória durante o AI-5, Roberto Salmeron, Newton Bernardes, entre outros célebres físicos e pensadores brasileiros. Marta ingressou no mestrado para serorientanda do professor Ernest W. Hamburguer, importante Físico alemão que se dedicou à educação cien- tífica no Brasil e ocupou diversos postos acadêmicos importantes, como a Direção do Instituto de Física e da Estação Ciência da USP, além de ter sido Membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e condecorado com vários prêmios no universo da divulgação científica, como o Kalinga3, con- cedido pela UNESCO. 3 Trata-se do Prêmio Kalinga para a popularização da ciência, criado em 1952 pela UNESCO. 41 Dentre as experiências de Marta durante o processo do mestrado, des- tacamos a participação nas disciplinas de Mecânica Clássica e Mecânica Quântica com Erik Rudinger, um dos maiores organizadores da obra de Niels Bohr no mundo. A convivência com Rudinger gerou frutos em torno de uma compreensão fenomenológica e conceitual das teorias e os problemas en- contrados em seus limites. Nessa viva interação entre debates sobre aspectos mais filosóficos liga- dos à educação e ao ensino de ciências dá-se, em 1978, a publicação do artigo “Teaching relativity with a different phylosophy” no American Journal of Physics, junto com Rudinger, José André Angotti, Demétrio Delizoicov e Iberê Caldas. O artigo discute o ensino da relatividade com uma filosofia diferente. Esse é um dos ensaios que demonstram a importância que Mar- ta atribuía aos aspectos filosóficos e epistemológicos das ciências. Neste artigo, Marta disserta sobre estratégias filosóficas para ensinar a teoria da relatividade. Marta encontra na educação a possibilidade de relacionar Ensino de Física com descobertas na área da Psicologia Experimental, principalmente as inovações pedagógicas trazidas por Jean Piaget, desenvolvendo nela uma importante compreensão sobre a forma de aprender e ensinar. Foi atuando como monitora na graduação na disciplina de Física Básica nos cursos de Engenharias que ela se envolveu cada vez mais na discussão da didática de ensino, textos de apoio pedagógico e técnicas de pesquisa para o ensino de ciências. O caminho da pós-graduação deu para Marta a percepção prática do que é atuar de forma convergente entre Ensino, Pesquisa e Extensão. Ao mesmo tempo em que atuava como discente de mestrado e docente em formação no ensino, atualizava as inquietações e resoluções de pesquisa e transbordava nas atividades de extensão, pensando na popularização da ciência por meio do ensino desde os primeiros anos da aprendizagem escolar. Mais tarde ela levará essa percepção para a UFRN, e será um dos expoentes dessa formação pelas forças da conjunção entre Ensino, Pesqui- sa e Extensão. Outro fato importante na organização do seu pensamento foi a apro- ximação da literatura de Sociologia, História e Filosofia das Ciências. A co- municação entre o ensino e Humanidades e Física foi enriquecida pelas lei- turas sobre Célestin Freinet, Maria Tereza Nidelcoff e a Escola Barbiana, por intermédio do professor Luiz Felipe Serpa com a Pedagogia desenvolvida 42 por Paulo Freire. Essa aproximação foi feita pelos professores recém-che- gados das suas pós-graduações na Europa, Luís Carlos de Menezes e João Zanetic. Tais discussões, levantadas por Marta há décadas, são ainda hoje mais atuais do que nunca. Em sua obra Ciência com Consciência (2016), Edgar Morin fala da importância desta aproximação utilizando a metáfora dos moinhos movidos por água. É importante deixar que as observações empí- ricas alimentem o pensamento filosófico. Da mesma forma, os dados empí- ricos, retirados seja da sociologia, seja da história, devem ser combinados com uma ética filosófica da reflexão, que permite pensar filosoficamente as consequências dos fatos históricos, sociológicos e científicos. Em suma, Marta está praticando a irrigação dos vasos comunicantes entre diferentes ciências. Essas bases teóricas somadas às experiências educativas advindas das escolas paroquiais e sistemas educacionais em comunidades rurais encon- tram-se com aquelas inquietações que acompanham Marta desde a sua infância e adolescência. Essa inquietude, essa insatisfação com os proble- mas educacionais e a falta de resolução destes motivaram Marta a querer saber mais, e de uma forma múltipla e multidimensional, para agir diante das discrepâncias na distribuição das benesses sociais, entre elas as educa- cionais. Trata-se de um movimento que não fica apenas na compreensão do cenário educativo, mas o encaminha para práticas educativas. É como nos sugere Edgar Morin (2013) em sua “ética da compreensão”: “A com- preensão humana comporta o entendimento não só da complexidade do ser humano, mas também das condições em que são modeladas as men- talidades e praticadas as ações”. (p. 14). Morin chama a nossa atenção para aquilo que ele classifica como determinante para forjar o exercício da compreensão, que é a percepção acurada das situações para que sejamos capazes de ver as virtualidades ganhando forma. É essa a matriz de sua ideia-força de sujeito implicado na pesquisa. E Era esse o movimen- to que a educadora em formação Marta Pernambuco mirava os cenários, suas possibilidades e potências de vida e de morte e construía possíveis intervenções. A compreensão complexa comporta uma terrível dificulda- de. Ao levar em conta as bifurcações, as engrenagens que 43 levam ao pior ou ao melhor, e não raro a ambos, ela enfrenta constantemente o paradoxo da responsabilidade - irrespon- sabilidade humana (MORIN, 2013, p. 15). A ética da compreensão alerta para a diferença entre compreender e justificar, mas a ecologia dos saberes na qual está inserida a ação co- necta-se com o que Hannah Arendt (2007) chama de ética da promessa e ética do perdão. Sobre o improvável, só se pode prometer atuar sobre ele, sem o conhecimento prévio dos resultados. Caso os resultados estejam fora do esperado, resta-nos a ética do perdão. Cabe dizer que as três éticas, praticadas por Marta, estão hoje em franco declínio, fruto de uma socieda- de do individualismo exacerbado. Marta buscava compreender a origem das desigualdades, sobretudo na oferta da educação, e não se conformava em ser conivente com ela. Atuava por uma estética interventiva e transformadora de realidades. Era esse, para Marta, o papel do intelectual. Não apenas fazer o diagnóstico, mas atuar sobre ele, convocando as forças de conjunção, ou seja, os diver- sos atores sociais, pois sabia que sozinha nada seria possível. Nesse ponto do seu mestrado, um grupo de alunos, entres eles Marta e seus colegas Cristina Dal Pian, José André Angotti e Demétrio Delizoicov, fizeram um movimento de ampliação das pesquisas até então desenvolvidas apenas para os níveis de Ensino Médio e Ensino Superior e se dedicaram também às pesquisas no Ensino Fundamental, que nesta época era denominado de 1º grau e com- portava as séries de 1ª a 8ª. Esses mestrandos da USP compreendiam que esse nível de ensino no Brasil necessitava de mudanças. Partindo dessa perspectiva Marta Pernambuco e Cristina Dal Pian vie- ram para o Departamento de Física (DFTE) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em 1976 como professoras visitantes. A vinda delas para a UFRN faz parte de um momento histórico, que foi a recente inau- guração do campus Central da UFRN, em 1958, e um forte investimento na qualidade de ensino e na formação dos docentes da universidade. As novas pesquisadoras vão para a UFRN com o intuito de organizar os progra- mas e matérias de ensino em atinência aos desafios da região. Tentamos dar uma abordagem consistente para as disciplinas ministradas, organizando materiais de ensino e desenvolven- do programas que, além de atenderem os objetivos de cada 44 disciplina, levassem em conta a forma como a grade curricu- lar era implementada. Cristina, que estava trabalhando com programação de ensino, muda o foco da sua dissertação de mestrado para a proposição da disciplina ‘Física do Meio Ambiente’ (PERNAMBUCO,2010, p. 13) [grifos da autora]. Os subsídios didáticos a serem desenvolvidos pelos alunos de Licencia- tura em Física da UFRN, as ações de ensino e intervenções pedagógicas nas primeiras séries do 1º Grau deveriam chegar às escolas nas comunida- des para possibilitar o ensino a partir das exigências da realidade. Uma vez inserida no corpo docente da UFRN, com muito desejo de trabalhar, não demorou muito até que iniciasse uma experiência singular até o momento de assessoria pedagógica. Essa assessoria foi feita com as professoras do município de Nísia Floresta, Rio Grande do Norte. Contávamos com um grupo de 15 professoras de escolas lo- calizadas na sede e em 3 povoados próximos. As reuniões eram feitas no horário habitual para as professoras, nas ma- nhãs de sábado, durante 2 horas. Foram 3 sábados por mês, de agosto a dezembro de 1977, e em fevereiro e março de 1978 (PERNAMBUCO, 1981, p. 34). Esse estudo da realidade com as professoras permitiu reflexões sobre a prática de projetos pedagógicos do Ministério da Educação, como o pro- jeto LOGOS II do Ministério da Educação (MEC) que subsidiava formas de conferir o título à época chamado 2º Grau Magistério. Uma política pública que ajudou a formalizar a condição de vários professores do interior do Bra- sil que atuavam sem uma formação mínima. Imersa nesse universo, Marta começa a amadurecer ideias em torno de trabalhar os problemas da co- munidade no ensino de ciências. Importante ressaltar que essa assessoria teve um grande apoio da Paróquia de Nísia Floresta que, nesse período, era administrada pelo Monsenhor Expedito, grande parceiro de Marta nesse momento. O Monsenhor Expedito representa aqui o envolvimento da Igreja nos assuntos educacionais no estado do Rio Grande do Norte, que é fruto das campanhas da Arquidiocese de Natal do final dos anos 1950. Marta, fazen- 45 do referência à atuação de seus pais e avós cristãos comprometidos, sabe fazer essas alianças para acessar a matriz do povo com quem ela queria trabalhar nessa perspectiva libertadora e comprometida com os problemas da comunidade. Nesse processo investe na organização do cotidiano das escolas e no aprendizado da comunidade de Nísia Floresta (RN). O ensino de ciências direciona Marta para caminhos e pessoas que a ajudam nesse percurso. Refletir sobre esse processo nas reuniões da SBPC e SBF foi de máxima impor- tância durante o período de sua pesquisa, pois permitia um olhar tanto ma- croscópico do cenário geral quanto um olhar microscópico em suas proto- -ideias. Era nesses laboratórios vivos que suas ideias germinavam com vigor. Figura 6 - Dedicatória de Monsenhor Expedito para Marta Pernambuco Fonte: Acervo do GEPEM. Uma vez inserida na perspectiva local e sabendo que Nísia Floresta era um microcosmo de uma problemática que - bem-vistas todas as regionali- dades - se replicava pela região Nordeste e nos interiores de todo o Brasil, Marta aciona aquilo que Morin chama de “conhecimento pertinente”, que une o local e o global num movimento de transformação de realidades, e ao mesmo tempo busca inserir o intelectual no contexto de sua atuação. Sendo assim, além da Igreja, Marta alia-se a intelectuais e pensado- res da época e, em meio a essa sinergia, começa a pensar a comunida- de como parte de um todo maior. Marta e seus colegas articulam núcleos 46 de professores pelo Brasil, para pensar de forma universalizada o ensino de Ciências. Era preciso construir um material de divulgação que chegasse às realidades urbanas e rurais. No final do ano de 1977, após término do contrato como professora visitante do DFTE-UFRN, lhe parecia claro que a formação só teria conse- quências mobilizadoras de transformação social se fosse pensada a partir do elo entre ensino-pesquisa-extensão. Tal clareza conduz à compreensão de que era preciso mudar a temática de sua dissertação de mestrado para o ensino de ciências a partir da problemática da comunidade, sendo seu campo empírico o município de São Paulo do Potengi (RN). Figura 7 - Trabalhos de Nísia Floresta. Fonte: Dissertação de Mestrado de Marta - Acervo do GEPEM. O município de São Paulo do Potengi (SPP), assim como Nísia Floresta, foi palco para um dos maiores movimentos sociais e educacionais a partir do final dos anos de 1950. O Movimento de Natal, uma das bifurcações da Ação Católica no Brasil, que foi marcante para vários municípios do Rio 47 Grande do Norte, em especial São Paulo do Potengi. Sobre esse movimen- to, assim se expressa Dom Eugênio Sales, na época administrador apostóli- co da Arquidiocese de Natal: em 1948, uma pequena equipe de sacerdotes, juntamente com alguns militantes da ação católica e outros leigos de al- tíssimo nível intelectual ficaram preocupados com a situação geral. A gravidade dos problemas nas áreas rurais levou esse grupo a tentar resolvê-los junto com a igreja. Eles pesquisaram em várias regiões do estado a possibilidade de organizar um movimento de massas envolvendo em conjunto autoridades civis e religiosas, numa tentativa de chamar a atenção para os problemas (SALES, 2015, p. 63-64). A situação de pobreza e desassistência suscitou Programas de acom- panhamento como o Serviço de Assistência Rural (SAR) e o Movimento de Educação de Base (MEB), ambos irrigados por práticas educativas popu- lares. Nesse empreendimento ingressou a pesquisadora e professora Marta Pernambuco. Ciente da problemática da seca que assolava a região, ele- geu como um dos primeiros temas a serem tratados em sua práxis peda- gógica a importância da água, tendo como subtemas “água e saúde” e “água e agricultura”. Um grupo composto pelas professoras do então 1º Grau Julieta, Eu- nice, Davina e Raimunda desenvolveu ações didáticas unindo escola, comunidade e universidade. Nesse grupo de apoio para desenvolvimen- to da prática pedagógica dentro da pesquisa a professora Julieta ficou responsável pela turma onde a prática seria executada. A pesquisa vai sendo formada em meio às discussões e planejamentos. Marta vai se im- pregnando cada vez mais da realidade dos professores de uma cidade do interior do Brasil. Num contexto de falta de recursos para manutenção desse processo, a necessidade de criar uma bolsa de auxílio financeiro para as professoras era fundamental para o apoio ao grupo. O projeto voltado para o ensino de ciências recebeu incentivo financeiro da Financiadora de Estudos e Pro- jetos do Ministério da Ciência e Tecnologia. 48 As dificuldades de 1979 revelaram-nos que a proposta feita representava uma sobrecarga de trabalho para as professo- ras e que precisaria ser tratada de forma profissional: ser re- munerada. Decidi, com ajuda dos meus orientadores, pagar as reuniões realizadas usando como base a hora-aula do 2º grau (CR$ 40,00 em fevereiro de 1980). Essas despesas foram pagas com algumas verbas do projeto da FINEP de pós-gra- duação e pesquisa do IFUSP (PERNAMBUCO, 1981, p. 49). Essa decisão denota uma ética da valorização do trabalho docente em sua totalidade e especificidade. Remunerar as professoras era um jeito de dizer que o trabalho docente carece de valorização que passa por for- mação e remuneração justa, uma luta travada pela categoria ainda hoje. O comprometimento com o povo sofrido da região do Potengi ficava cada vez mais explícito. Possibilitar ao povo, pela via da educação, reco- nhecer as diversas formas de opressão social passou a ser o norte de seu trabalho dissertativo ao mesmo tempo em que serviu de guia na assessoria dos professores. Como leitora da pedagogia proposta pelo educador Paulo Freire (1921-1997), a educadora inquieta desenvolve sua ação educativa com base nas inspirações de autonomia, libertação e esperança encontradas no pensamento freiriano, como podemos ler nos escritos de Marta: Para Paulo Freire o estudo inicial da comunidade é chamado de investigação temática. Consiste na busca de situações limiteque são vividas por um certo grupo populacional e de tal forma insustentáveis que geram atos que levam à sua su- peração, mudando qualitativamente a forma de vida desse grupo (PERNAMBUCO, 1981, p. 92). Estratégias de ensino capazes de possibilitar uma educação trans- formadora ou libertária, como postula Freire são relatadas no texto “So- bre o método de ensino ou como agir em sala de aula”, escrito por Mar- ta para tratar de um modelo de ensino que vá além da transmissão do conhecimento, mas sintonizado com uma postura política diante do ato de educar. 49 Em suma, Marta estava alinhada com as principais vertentes da edu- cação ainda hoje em discussão. Em outras palavras, é preciso conhecer o contexto dos alunos e alunas, seus problemas, dificuldades e potencialida- des a serem desenvolvidas, respeitando o ritmo, a capacidade e o talento de cada um/a. Não basta tratar os alunos e alunas como se todos iguais fossem, mas justamente agir sobre suas diferenças, suas histórias de vida. É a base de qualquer educação humanista que não seja vista apenas pela lógica do mercado e da competição. Figura 8 - Roteiro sobre Método de Ensino usado em São Paulo do Potengi Fonte: Dissertação de Mestrado de Marta - Acervo do GEPEM. 50 Além disso, como diz o documento acima, “Todas as pessoas têm sem- pre a necessidade de ser bem-sucedidas”. Embora o conceito de sucesso seja elástico, Marta pretende que todas as pessoas tenham o acesso aos instrumentos e possibilidades capazes de garantir seu sucesso, independen- te da qualificação que cada pessoa dê à categoria “sucesso”. O esforço é para que os alunos e demais pessoas observem a si mesmos e sejam capa- zes de enxergar as contradições sociais. Podemos deduzir que ela, como o pensador Edgar Morin, sentia uma insatisfação profunda diante de toda observação que não está em movimento e que não se observa a si mesma, todo pensamento que não enfrenta suas próprias contradi- ções, toda filosofia que se reduz a verdades absolutas e que não se questiona a si mesma (MORIN, 2013, p. 35). Estratégia de trabalho Os apelos que emergem das necessidades das escolas e as exigências para elaboração do texto da dissertação do mestrado fizeram Marta orga- nizar a pesquisa a partir dos seguintes movimentos/instituições: Escola Bar- biana, Serviço de Ensino Vocacional (SEV), MEB e Centro de Educação Po- pular Integrada, bem como dos pensadores Paulo Freire e Celestin Freinet. O trabalho cotidiano com professoras do primeiro grau de ensino manteve o reclame empírico. Com vistas ao atendimento da pesquisa do mestrado e ao acompanhamento do trabalho pedagógico das professoras elabora dois diários de pesquisa. Em um diário registra apontamentos que servirão ao trabalho disser- tativo e no outro o acompanhamento do trabalho das professoras, princi- palmente da Julieta na turma da 3ª série. As leituras de outros materiais de referência, como por exemplo Iniciação à Ciência livro de C. Andrade e J. Huxley, Apostilas de Saneamento do Meio da Universidade de São Paulo (USP) e do PES – Programa de Educação Comunitária para a Saúde do Mo- vimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) eram debatidos nas reuniões mensais do grupo, junto com a organização da sequência das atividades a serem desenvolvidas pela proposta pedagógica. A Proposta Pedagógica era composta com duas aulas semanais de ciências, nas quais a professora Julieta seguia as orientações de Marta e do grupo de apoio, do seguinte movimento: 1) Debate sobre as doenças mais comuns em São Paulo do Potengi, sendo os alunos protagonistas deste mo- 51 mento identificando as doenças provocadas pelo contágio por meio da água. A partir daí a escola encaminhava os alunos para hospitais, farmá- cias, cartório e paróquia, para pesquisarem sobre os óbitos ocorridos pelas doenças; 2) Tabulação dos dados encontrados pelos alunos e exposição oral feita por eles. Confronto dos dados e informações sobre as doenças ocorridas em SPP com a qualidade do abastecimento de água; Estudo so- bre as principais fontes de água da região e do material sobre Saúde Públi- ca e a contaminação da água; 3) Elaboração de um relatório simples da turma feito pela professora e exposição com cartazes feitos pelos alunos, com temas como: “Tipos de contaminação nas fontes de abastecimento de São Paulo do Potengi”, “As doenças relacionadas com a água”, “As fon- tes de abastecimento d’água para consumo humano em SPP”, “A água é indispensável à vida» e “Devemos filtrar ou ferver a água”. Em consequên- cia, foi feito um plano de divulgação para a comunidade em geral. Esses três movimentos foram temporalmente amplos e conjugaram maiores atividades e avaliações práticas que motivaram a aproximação da turma com a comunidade. A estrutura da escola que permitia a abertu- ra para comunidade e melhor relação dos professores, alunos e pais, con- ferindo condições materiais mínimas, foi algo que ficou em destaque na pesquisa. 52 Figura 9 - Plano de Divulgação Fonte: Dissertação de Mestrado de Marta - Acervo do GEPEM. 53 [...] uma grande dificuldade de atuar dentro de uma estru- tura de escola tradicional, onde não é previsto espaço para participação dos alunos e dos pais e onde o que vale é a autoridade final do professor e do diretor. Uma escola aberta com participação dos pais e dos alunos, com espaço físico planejado para desenvolver responsabilidade e garantir que os frutos dos trabalhos não serão perdidos, são condições mí- nimas que não são fáceis de conseguir (PERNAMBUCO, 1981, p. 132). Marta voltou para São Paulo no ano de 1978, mesmo durante todo o processo da pesquisa em São Paulo do Potengi, pois o contrato como professora substituta da UFRN tinha acabado. Em SPP, Marta teve o apoio fiel da professora Julieta, que criou relatórios, guardou seus planos de aula e fotos de toda a proposta. Essa parceria foi de fundamental importância para Marta, tanto para a construção de um argumento sobre as aproxima- ções afetivas durante a pesquisa, quanto por sua estadia em SSP apenas nos períodos de férias, entre 1978 e 1980. Em São Paulo ela não se desconectou do interior do Nordeste. Foi em busca de pesquisadores em Ciências Sociais para estruturar seus argumen- tos sobre a realidade social. O seu orientador e sua esposa, Ernst Wolfgang Hamburger e Amélia Hamburger foram grandes interlocutores durante esse processo. Envolveram Marta em palestras, encontros de grupos de ciências sociais e educação. Dessa forma, Marta passou a ter acesso a pesquisado- res como Octávio Ianni e Celso Beisiegel, expoentes do pensamento social brasileiro. Desses autores, ela conhece as bases dos movimentos sociais e da educação popular no Brasil. Marta inicia um processo de sistematização de conhecimentos nessas duas áreas citadas. Essa sistematização vai ao encontro da finalização da pesquisa em São Paulo do Potengi. Durante essa sua estadia na cidade de São Paulo, Marta começou a trabalhar na Faculdade de Engenharia Indus- trial em São Bernardo do Campo, berço do movimento operário brasileiro, como professora de Física das aulas práticas e teóricas em 1978. Também participou de um cursinho alternativo voltado para preparação dos jovens para o vestibular, que tinha a coordenação pedagógica de Nilde Mascel- lani4. 4 Educadora brasileira responsável pelo Serviço de Ensino Vocacional – SEV. 54 Em meio às idas e vindas de São Paulo para São Paulo do Potengi, Marta defende sua dissertação em 1982. Do trabalho dissertativo deduz a necessidade de mostrar: a) importância de uma relação recíproca e frater- na entre os pesquisadores e as pessoas envolvidas na pesquisa, para que se construa receptividade e confiança na proposta que será desenvolvida; b) criação de um grupo de apoio para além da proposta, que sirva tanto de amparo para pesquisa, quanto para debates sobre as problemáticas da comunidade; c) produção de materiais elaborados a partir dos problemas da comunidade,
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