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Questões Atuais em Criminologia

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Questões Atuais em Criminologia
Article · December 2003
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Tulio Kahn
Fundação Espaço Democrático, Brazil, São Paulo
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Questões Atuais em 
Criminologia 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Tulio Kahn 
 
APRESENTAÇÃO...............................................................................................3 
CRIME E DESEMPREGO.....................................................................................4 
CRIMINALIDADE E MEIOS DE COMUNICAÇÃO..................................................8 
A VIOLÊNCIA BRASILEIRA.............................................................................16 
OS CUSTOS DA VIOLÊNCIA ............................................................................21 
A EXPANSÃO DA SEGURANÇA PRIVADA NO BRASIL: ALGUMAS IMPLICAÇÕES 
TEÓRICAS E PRÁTICAS. ...................................................................................34 
POLICIAMENTO COMUNITÁRIO NO BRASIL: UMA EXPECTATIVA REALISTA DE 
SEU PAPEL......................................................................................................41 
ARMAS DE FOGO: ARGUMENTOS PARA O DEBATE ..........................................49 
ANEXO...........................................................................................................80 
VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS ..............................................................................82 
BIBLIOGRAFIA ...............................................................................................88 
 
 
 
 
 
 2
Questões Atuais em Criminologia 
Apresentação 
 
Os seis primeiros artigos deste volume - "Crime e Desemprego", 
"Criminalidade e Meios de Comunicação", "A Violência Brasileira", "Os 
Custos da Violência", "A Expansão da Segurança Privada no Brasil" e 
"Policiamento Comunitário no Brasil" - foram originalmente escritos para 
o boletim Conjuntura Criminal (http://sites.uol.com.br/concrim) entre os 
anos de 1997 e 1999. São artigos de cunho mais jornalístico do que 
propriamente acadêmico pois foram escritos para serem lidos na 
internet, onde não é possível aprofundar temas sem cansar o leitor. 
 
Diversamente, os artigos sete e oito - "Armas de Fogo" e "Prestação de 
Serviço Comunitário" - são o resultado de pesquisas feitas pelo Ilanud 
e por isso são um pouco maiores e, quiçá, mais profundos do que os 
demais. "Crime e Desemprego" foi previamente publicado nos jornais 
Notícias Populares e O Dia; "Custos da Violência" na revista 
Perspectiva, da Fundação Seade e "Prestação de Serviço Comunitário" 
na revista do IBCcrim. Os demais textos foram parcialmente tratados 
em artigos na imprensa, mas podem ser considerados inéditos. Em 
conjunto, os artigos dão uma noção atualizada dos temas e métodos da 
criminologia moderna, baseada em dados empíricos e em pesquisa 
comparada. 
 
O desemprego e os meios de comunicação, em sua relação com a 
violência, são tratados nos dois primeiros artigos deste volume, que 
tratam de desmistificar algumas suposições correntes sobre tais 
questões. O terceiro artigo procura analisar a violência brasileira no 
contexto sul-americano e o quarto e o quinto o fenômeno crescente da 
"indústria da segurança" e sua expansão no país, em conexão com o 
aumento dos custos da violência. O texto sobre policiamento 
Comunitário no Brasil é uma reflexão que serviu de base para um 
projeto de avaliação destas experiências, proposto pelo Ilanud à 
Fapesp e Fundação Ford. O texto sobre armas foi escrito para um 
Workshop organizado pelo Ilanud em Junho de 99 e apresenta uma 
reflexão sobre os possíveis efeitos da proposta governamental de 
proibir o comércio e o porte de armas no pais. O último artigo analisa 
dados de uma pesquisa exploratória feita com condenados à prestação 
de serviços comunitários no Estado de São Paulo, avaliando o perfil 
dos prestadores em comparação com o perfil dos condenados às penas 
privativas de liberdade. 
 3
Crime e Desemprego 
 
Nestes tempos difíceis onde taxas de desemprego e índices de 
criminalidade apresentam tendências de crescimento, parece razoável 
supor que os dois fenômenos estejam intimamente relacionados. Não é 
preciso fazer nenhuma pesquisa sofisticada para perceber que uma 
taxa elevada e constante de desemprego que se mantenha durante 
muito tempo tenderá a levar para o mundo do crime pessoas – 
principalmente jovens – que de outro modo estariam participando do 
mercado de trabalho. 
 
É preciso todavia que se façam algumas considerações gerais sobre 
como desemprego e criminalidade se relacionam, para desfazer certos 
equívocos, como pretender que exista uma relação direta e imediata 
entre ambos. 
 
Pesquisa feita em 1991 pelo instituto Datafolha com 645 presos da 
Casa de Detenção da Capital revelou que, no momento do crime, 27 % 
dos criminosos não estava trabalhando. Com os jovens infratores 
investigados em 1996 pelo Movimento Nacional de Meninos e Meninas 
de Rua observou-se algo semelhante: 53% não trabalhava e 44% 
trabalhavam informalmente na ocasião da infração. O primeiro ponto 
que nos chama a atenção sobre estes dados é de que a maior parte 
dos infratores adultos e boa parte dos jovens estava trabalhando no 
momento do crime. Estar trabalhando é assim um elemento inibidor 
mas não constitui nenhuma garantia contra o cometimento do crime. 
Num país como o Brasil onde os salários são freqüentemente aviltantes 
e a qualidade do trabalho precária (trabalho informal, subemprego, 
ausência de garantias trabalhistas, etc.), o universo dos criminosos se 
confunde parcialmente com o universo dos trabalhadores. Enquanto no 
passado a maior parte das novas vagas abertas estavam no mercado 
formal, atualmente, não só ocorreu uma diminuição de vagas como 
uma deterioração qualitativa: a maior parte das novas vagas localiza-se 
hoje no setor informal da economia. Este tipo de trabalhador informal, 
em especial, faz parte do que a elite denominaria por "classes 
perigosas", porque do "bico" para o mundo do crime é um passo não 
muito longo a ser dado, diversamente do que ocorre com o trabalhador 
do setor formal da economia - onde a estabilidade e qualificação inibem 
o envolvimento com a ilegalidade. 
 
Nos dois estudos realizados pelo ILANUD sobre a questão do 
desemprego e criminalidade na Grande São Paulo– um tomando por 
 4
Questões Atuais em Criminologia 
base 60 meses entre 1985 e 1989 e outro utilizando 13 anos de 
evolução de ambos os fenômenos entre 1985 e 1997 – a constatação 
geral foi de que a correlação entre os dois fenômenos existe, porém é 
fraca, condicional e relativa. Entre as sugestões que puderam ser 
extraídas estão as seguintes: 
 
Em primeiro lugar, caberia lembrar que os efeitos do desemprego sobre 
a criminalidade não são imediatos. Ninguém normal perde o emprego 
num dia e torna-se assaltante de bancos no outro. O recém 
desempregado tentará obter uma nova colocação no mercado de 
trabalho durante certo tempo. No caso de não obtê-la tentará recorrer a 
um subemprego, às economias pessoais, ao salário desemprego, à 
ajuda de parentes e amigos, etc. Somente após repetidas tentativas 
frustradas de se colocar novamente no mercado ou quando todas as 
demais estratégias de sobrevivência tiverem se esgotado é que o crime 
passa a ser uma alternativa levada em consideração. Este processo,desnecessário dizer, pode levar meses ou mesmo anos, dependendo 
do indivíduo. O desemprego de hoje talvez só venha a se refletir nas 
taxas de criminalidade de daqui há muito tempo e a criminalidade atual 
é o fruto do desemprego de períodos passados. 
 
Não só a relação não é imediata como também não se manifesta em 
todo e qualquer tipo de criminalidade. Pesquisas realizadas em outros 
países e replicadas em São Paulo pelo ILANUD sugerem que o efeito 
do desemprego é maior sobre os crimes contra o patrimônio e dentre 
estes particularmente sobre o furto. Em outras palavras, existe uma, 
digamos assim, “carreira” criminosa que começa com os delitos 
menores e que só depois envereda para os crimes mais violentos. 
Novamente, é mais provável imaginarmos um desempregado furtando 
algum objeto de uma loja, ou passando cheques sem fundo do que 
efetuando um roubo a mão armada ou um seqüestro. 
 
 De 1981 a 1983 o país atravessou uma forte recessão, com 
crescimentos negativos no PIB e desemprego elevado por 3 anos. De 
1984 a 1986 a economia reage, observando-se uma recuperação do 
nível de emprego e taxa positivas de crescimento do produto. Seguindo 
o mesmo movimento, os furtos, que vinham aumentando entre 1981 e 
1983, caem por três anos consecutivos entre 1984 e 1986. Quando em 
1986, no auge do Plano Cruzado, a taxa de desemprego total na 
Grande São Paulo diminuiu de 12,2% para 9,6%, a taxa de furtos, 
também na Grande São Paulo caiu em cerca de 14%. Não por acaso, 
este também foi o ano de maior crescimento do PIB na década. Com o 
 5
fracasso do Plano Cruzado em 1987, os furtos e os crimes em geral 
retomam a tendência de crescimento. Encontramos um exemplo 
inverso ao de 1986 em 1992, quando a recessão reduz o mercado de 
trabalho e a quantidade de furtos aumenta em cerca de 7%. Estes 
efeitos são mais perceptíveis em anos como estes citados, quando 
ocorrem mudanças abruptas – para melhor ou para pior – nas taxas de 
desemprego ou nos anos que marcam a inversão de tendências. Nos 
anos em que as mudanças são pequenas em magnitude ou que estão 
compreendidos dentro de um ciclo de recessão ou prosperidade, os 
efeitos não são tão identificáveis. 
 
Caberia lembrar ainda o problema que os economistas chamam de 
“inflexibilidade” quando analisam o efeito dos preços sobre a oferta e 
procura de certas mercadorias. O aumento do preço do cigarro não 
altera tanto o consumo do produto porque os fumantes tendem a ser 
“inflexíveis”, isto é, continuaram fumando independentemente do preço 
do produto. O aumento do preço do macarrão, por outro lado, tenderá a 
produzir uma restrição na demanda pelo produto. 
 
Pois bem, fazendo uma analogia com a economia, poderíamos dizer 
que existem criminosos flexíveis e inflexíveis. O criminoso profissional é 
de certo modo inflexível com relação às variações no mercado de 
trabalho. Mesmo que estejam sobrando postos de trabalho, eles não 
abandonarão a carreira criminosa. Portanto, as variações no mercado 
de trabalho só tenderão a afetar aqueles indivíduos que poderíamos 
qualificar de criminosos “esporádicos” ou “episódicos”, que se alternam 
entre o mundo do crime e o mercado de trabalho conforme a 
disponibilidade de empregos no mercado. 
 
Caberia lembrar também dois outros aspectos da relação entre 
desemprego e criminalidade. O problema do desemprego hoje é o do 
que os economistas chamam de desemprego estrutural. Não é mais um 
desemprego cíclico, que inclui e exclui temporariamente o "exército 
industrial de reserva" no mercado de trabalho. Existe todo um 
contigente desta reserva que jamais entrou ou entrará no mercado de 
trabalho, o que tenderá a acentuar a relação entre desemprego e 
criminalidade. Outro aspecto é o preconceito com relação aos egressos 
do sistema criminal: se para um trabalhador com "ficha limpa" já é difícil 
arrumar emprego, tanto mais para aquele com passagem pelo sistema 
criminal. Isto explica em parte que as taxas de reincidência criminal em 
São Paulo estejam em torno de 47%. 
 
 6
Questões Atuais em Criminologia 
Uma vez tendo ingressado na carreira criminal, fica muito mais 
complicado voltar ao mercado de trabalho, independentemente da 
qualificação anterior. 
 
Mais do que o trabalhador que perde seu emprego a certa altura de sua 
vida profissional, o contingente anual de criminosos é engrossado pela 
massa de jovens que jamais ocuparam uma vaga no mercado formal de 
trabalho. É aí que o desemprego revela sua face mais perversa. Para 
estes é que é preciso pensar numa alternativa ao crime, como por 
exemplo um salário-social, cursos de aperfeiçoamento profissional ou 
um programa de primeiro emprego, para jovens desempregados das 
periferias das grandes cidades. Caso contrário, num futuro não muito 
distante, este contingente de desempregados virá cobrar da sociedade 
aquilo que lhes foi negado, de uma forma ou de outra. 
 
 7
Criminalidade e Meios de Comunicação 
 
As noções das pessoas sobre criminalidade nem sempre correspondem 
à realidade pois são, em grande parte, influenciadas pela forma como 
os meios de comunicação tratam o tema. Os meios de comunicação 
acabam muitas vezes selecionando os tipos de violência e 
criminalidade relevantes, selecionando vítimas, autores ou situações 
específicas e direcionando o modo como devem ser solucionados. 
(Sacco, 1995) 
 
Existe portanto uma distorção na percepção da população sobre 
criminosos e criminalidade causada, em parte, pela ênfase da mídia em 
certos tipos de crimes de interesse jornalístico, aliada a outros fatores 
como o preconceito social, o contato da população com filmes e livros 
de ficção sobre o tema ou ainda pela exploração política do tema da 
segurança pública. 
 
Estes e outros fatores fazem com que a percepção popular do crime 
guarde freqüentemente pouca relação com a realidade. Alguns 
exemplos corriqueiros de distorções: negros e migrantes são 
superestimados na população carcerária e entre os grupos criminosos; 
crimes violentos e contra a pessoa são superestimados com relação ao 
seu montante; os “índices de criminalidade” são sempre percebidos 
numa espiral ascendente e jamais descendente; porcentagem de 
“menores” envolvidos nos crimes é superestimada; porcentagem de 
crimes cometidos sob a influência de drogas é superestimada; violência 
doméstica é subestimada, etc. 
 
A lista é longa e tais distorções, desnecessário dizer, não são 
acidentais. A questão fica mais clara quando observamos não só a 
magnitude mas também o “sentido” da distorção, isto é, se ela é 
subestimada ou superestimada. Não é casual que os grupos de status 
negativamente privilegiados - negros, migrantes, desempregados, 
viciados - tenham sua participação nos crimes, invariavelmente, 
superestimada. Os crimes domésticos são camuflados e os cometidos 
por pessoas "de fora" são evidenciados porque vão contra a noção 
corrente de que o perigo vem dos outros e não de nós mesmos. É difícil 
aceitar que nossos familiares correm muitas vezes mais perigo em casa 
do que na rua. Os meios de comunicação não estão imunes a tais 
distorções, convertendo-se involuntariamente em fator de reforço. 
 
 8
Questões Atuais em Criminologia 
Analisando o conteúdo da mídia dedicada a cobertura criminal, 
percebe-se que ela fornece ao público uma mapa do mundo do crime 
que difere em muitas maneiras daquele fornecido pelas estatísticas 
oficiais. 
 
Entre outras distorções caberia destacar as seguintes: 
 
1) as variações no volume de notícias sobre um tipo de crime guarda 
pouca relação com as variações reais observadas naquele crime, tanto 
com respeito a localização espacial quanto a variações no tempo 
2) embora a maioria dos crimes seja não violento, a cobertura da 
imprensa sugere o contrário 
3) tanto as vítimas quanto os agressores que aparecem na mídia são 
mais velhos do que sugerem as estatísticascriminais 
4) as reportagens tendem a sobre-representar grupos minoritários ou 
impopulares entre os agressores 
5) o retrato da atividade policial é dramatizado e parece mais eficaz e 
emocionante do que é na realidade 
6) ignora-se os diferentes riscos de vitimização dos diversos grupos 
7) há uma ausência generalizada sobre o contexto social e histórico da 
informação apresentada 
8) existe uma concentração da atenção sobre crimes de rua, cometidos 
por pobres, e uma desconsideração com relação aos crimes de 
colarinho branco 
9) dados enganosos são apresentados aos leitores, como os que 
reportam aumentos no número de crimes sem levar em conta aumentos 
no tamanho da população. A sazonalidade existente em certos crimes 
tampouco é considerada. Porcentagens são calculadas sob números 
absolutos insignificantes ( Schneider ;Sacco, 1995; Barkan, 1997). 
 
Sacco obeserva não sem certa ironia que, na prática, o único ponto 
convergente entre cobertura de mídia e estatísticas oficiais é o da 
apresentação do crime enquanto uma atividade predominantemente 
masculina. (Sacco, 1995) 
 
Vejamos alguns exemplos práticos do que estamos falando, utilizando 
para isso cobertura brasileira dos eventos criminais. 
 
Comparando a forma como o crime é representado na imprensa com 
os dados coletados pelos órgãos oficiais, é possível revelar a 
magnitude e o sentido de algumas distorções, que terminam por 
influenciar a imagem da sociedade sobre a criminalidade. Para 
 9
averiguar o destaque dado à cobertura dos crimes pela imprensa, 
utilizamos a "análise automática de discurso - AAD". Imaginado por M. 
Pêcheux, o procedimento procura, a partir da análise dos "efeitos de 
superfície", fazer inferências sobre uma "estrutura profunda". 
Colocando de modo mais simples, a técnica consiste em contar - 
independentemente do contexto em que surge - a ocorrência da palavra 
ou expressão num texto. 
 
A suposição subjacente é a de que a quantidade de vezes que uma 
determinada palavra ou expressão surge no texto fornece uma 
dimensão da importância relativa que ela assume no discurso. Assim, 
na análise de um programa partidário de cunho liberal a palavra 
"mercado" deve aparecer com relativa freqüência, sendo mais raras as 
referências à palavra "igualdade". Num programa mais "socialista", em 
contrapartida, espera-se que estas proporções sejam inversas, 
refletindo a importância do conceito dentro dos discursos "liberais" ou 
"socialistas". 
 
Para saber que tipo de crime e com que intensidade os meios de 
comunicação retratam, pesquisamos por palavras-chave a ocorrência 
de sete delitos em dois jornais de circulação nacional - um de São 
Paulo e outro do Rio de Janeiro. Com isso foi possível obter uma idéia 
da importância relativa com que os vários delitos são tratados pela 
imprensa. Em seguida, comparamos as porcentagens com que os 
crimes aparecem nos jornais com a porcentagem de crimes 
computados pelos órgãos oficiais de segurança pública, no intuito de 
verificar as diferenças entre os tipo de fontes. 
 
Conforme antecipado, a correspondência entre os crimes registrados 
na polícia e os crimes noticiados pela imprensa é bastante tênue para 
certos tipos de crimes. Isto tem algumas conseqüências importantes, 
pois a população forma parte de sua visão da criminalidade pela leitura 
dos jornais, uma vez que poucos têm acesso ou interesse pelos 
relatórios oficiais dos departamentos de estatística. 
 
Os pequenos furtos e as lesões corporais (agressões) são, de longe, os 
delitos mais freqüentes nas estatísticas oficiais de criminalidade. Mas 
quem se interessa em ler nos jornais sobre batedores de carteira ou 
brigas de marido e mulher ? Estes delitos tendem a comparecer no 
noticiário somente quando existe algo de pitoresco e anedótico 
relacionado a eles. Uma carteira furtada passa a ser motivo de 
interesse jornalístico se a vítima é uma autoridade pública ou artista 
 10
Questões Atuais em Criminologia 
conhecido. Caso contrário, estes eventos continuarão esquecidos nos 
arquivos das repartições públicas. Regra geral, o interesse dos meios 
de comunicação é direcionado pelo "potencial dramático" da história, 
dramaticidade que é aumentada, segundo Sacco, quando a vítima ou o 
agressor são uma celebridade, quando o incidente é especialmente 
sério ou quando as circunstâncias são atípicas. Como se diz no meio 
jornalístico, a notícia existe quando o homem morde o cachorro e não 
quando o cachorro morde o homem. 
 
Se os eventos corriqueiros e estatisticamente freqüentes são 
esquecidos pela cobertura jornalística, na outra ponta, temos os 
assassinatos, chacinas, os estupros, seqüestros e ações de traficantes 
de drogas, todos eles cobertos numa proporção bastante superior à sua 
participação no mundo do crime1. Curiosamente, apenas os roubos e 
assaltos compareceram no noticiário jornalístico numa proporção 
realista em relação ao seu significado. Isto ocorre, precisamente, pela 
posição intermediária dos roubos em termos de gravidade para a 
sociedade. 
 
Tabela 1. Incidência de crimes na mídia impressa e nos dados oficiais 
Delito % Folha 
97 
% Folha 
98* 
% JB 
97 
% JB 
98* 
% de 
Crimes em 
São Paulo 
-1º trim. 
1998 
Furto 2,7 4,8 3,0 2,9 45,6 
Lesão 
corporal/espanca
mento 
3,9 2,7 4,6 2,3 27,3 
Roubo/assalto 24,7 27,6 27,3 31,5 23,7 
Assassinato/homi
cídio/latrocínio 
41,5 38,1 41,5 43,9 1,7 
Tráfico de 
drogas 
9,5 10,5 14,3 13,1 1,0 
Estupro 6,4 5,3 6,2 3,5 0,4 
Seqüestro 10,6 10,5 2,5 2,2 0,0001 
 
Total 7727 3437 4279 2180 247446 
Fontes: Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil e Secretaria da Segurança Pública do Estado 
de São Paulo. * até julho de 1998. 
 
 
1 Num estudo de 1980 realizado por Doris Graber com artigos sobre crimes, a 
autora revelou que o Chicago Tribune dedicava 26% de suas matérias a casos 
de homicídios, embora os homicídios somassem apenas 0.2% de todos os 
casos registrados pela polícia de Chicago. Sobre o tema, ver Barkan, 1997, 
p.29. 
 11
Observe-se a regularidade com que os crimes são apresentados de um 
ano para outro e a semelhança de cobertura entre os jornais das duas 
metrópoles. As semelhanças de cobertura são notáveis, exceto pelo 
destaque proporcionalmente maior dado aos seqüestros pela Folha de 
S. Paulo, tanto em 1997 quanto em 1998. A questão do tráfico de 
drogas - como esperado em função do tipo de organização encontrado 
no Rio de Janeiro - recebeu por seu lado uma cobertura mais extensa 
por parte do Jornal do Brasil. Embora não exista uma pesquisa 
exaustiva sobre outros meios de comunicação, é bastante provável que 
a televisão e o rádio reproduzam estes mesmos padrões de cobertura 
criminal. 
 
Uma análise preliminar de como os crimes são tratados pelos 
noticiários de televisão sugere a existência das mesmas distorções 
encontradas na mídia escrita. O Ilanud gravou durante uma semana, 
entre 2 e 8 de agosto de 1998, a programação de 27 telejornais 
exibidos pelas 7 emissoras de canal aberto existentes no país. No total 
assistiu-se a 1211 cenas de crimes nestes noticiários, assim 
distribuídos: 
 
Tabela 2. Incidência de crimes na televisão e nos dados oficiais 
 
Delito Freqüência Porcentagem % de Crimes em 
São Paulo -1º 
trim. 1998 
Furto 5 0,4 45,6 
Lesão 
corporal/espancamento 
153 12,6 27,3 
Roubo/assalto 75 6,2 23,7 
Assassinato/homicídio/la
trocínio 
714 59,0 1,7 
Tráfico de drogas 30 2,5 1,0 
Estupro 141 11,6 0,4 
Seqüestro 10 0,8 0,0001 
Outros (latrocínio, 
atentado violento ao 
pudor, uso de 
entorpecente, fraude, 
dano em carro) 
83 6,8 
Total 1211 100 247.446 
Fonte: Ilanud e Secretaria da Segurança Pública do Estado de São 
Paulo 
 
 
 
Em que pese a influência de casos específicos durante o período - 
naquela semana os destaquesforam os casos do Maníaco do Parque, 
 12
Questões Atuais em Criminologia 
do policial "Rambo" e a ação de um policial carioca que matara dois 
assaltantes de banco numa motocicleta - a tabela mostra com nitidez a 
preferência dos noticiários de televisão pelos crimes violentos contra a 
pessoa e das ações espetaculares, como seqüestros, em detrimentos 
dos crimes contra o patrimônio, como o furto. 
 
Estas distorções, no sentido de superestimar os crimes violentos e 
organizados, certo tipo de criminosos ou circunstâncias do crime, são 
compartilhadas também por políticos e membros das forças policiais e, 
não raramente, acabam se refletindo em políticas públicas igualmente 
destorcidas: orientações para tratar com maior rigor os negros e 
migrantes, criação de grupos especiais anti-seqüestro, leis mais 
repressivas contra drogados ou contra crianças e adolescente etc., 
quando, na realidade, a sociedade está mais carente de instituições 
para lidar com a violência doméstica ou com batedores de carteira. Em 
suma, a forma com a mídia retrata a criminalidade, autores e vítimas, 
tem influência na realidade social, na administração da justiça e na 
legislação penal, influência em geral mais poderosa do têm as 
pesquisas de criminologia. (Schneider) 
 
É preciso adequar as políticas públicas à realidade do crime. Propostas 
como as que deram origem aos "crimes hediondos", que desrespeitam 
garantias e direitos clássicos dos envolvidos, surgiram, quase sempre, 
após um surto de exposição de casos ou incidentes simbólicos 
relatados pela mídia, surtos por vezes imaginários, ao invés de 
surgirem da reflexão sobre tendências reais da criminalidade. 
Propostas de introdução da pena de morte, redução da maioridade 
legal, e outras medidas repressivas, surgem no bojo destas "ondas de 
criminalidade"2. Talvez o caso recente mais pitoresco seja o de alguns 
acidentes ocorridos em poços de elevadores, que deve ter vitimado no 
máximo uma dezena de pessoas nas últimas décadas, mas que, 
destacados nos meios de comunicação, deram origem a um lei 
obrigando a colocar um aviso, em todas as portas de todos os 
elevadores do Estado, alertando as pessoas para verificar se existe 
realmente um elevador antes de tentarem tomar algum ... 
 
 
2 Estes surtos imaginários de criminalidade são muito comuns nos Estados 
Unidos, onde vários exemplos foram estudados. O mais famoso é o dos 
"ataques contra idosos", mas há também os casos dos "serial killers", das 
"crianças desaparecidas" ou ainda o dos "doçes de Hallowenn envenenados". 
Todos estes casos, quando confrontados com as estatísticas oficiais, 
revelaram-se claramente exagerados. 
 13
 
É compreensível que, diante da pressão pública, as autoridades 
procurem soluções emergenciais para tais problemas, pois mesmo que 
o "surto" exista somente na cabeça de alguns responsáveis pelas 
pautas dos meios de comunicação, o temor da população diante do 
fenômeno é bastante real. 
 
Diversas pesquisas, entre elas a pesquisa de vitimização realizada pelo 
Ilanud em 1997, que o medo do crime e da violência não tem relação 
com as reais probabilidades de vitimização: embora os jovens corram 
riscos maiores de vitimização, o sentimento de insegurança entre eles é 
menor do que o manifestado pelos mais velhos, cujo risco de 
vitimização é menor.3 Outras pesquisas captaram o mesmo fenômeno: 
mulheres e pessoas idosas temem mais serem vítimas de crimes 
violentos cometidos por desconhecidos, embora o risco de vitimização 
destes grupos sejam inferiores à média. (Schneider, ???) 
 
Embora as pessoas não recebam acriticamente as informações 
passadas pelos meios de comunicação sobre a criminalidade - e filtrem 
estas informações de acordo com sua própria experiência com o crime, 
com a percepção de credibilidade no meio de comunicação ou segundo 
a preocupação prévia sobre sua segurança pessoal - diversos analistas 
trabalham com a hipótese de que existe uma relação entre exposição 
de crimes na mídia, especialmente homicídios, e medo do crime. 
(Barkan, 1997) 
 
Por isso é importante que os meios de comunicação que se dedicam a 
cobertura de violência e criminalidade façam a coleta e análise 
sistemática e periódica de dados sobre estas questões, para que 
possam dar a sua audiência uma imagem fidedigna do que está 
acontecendo na realidade, sem exagerar a relevância do evento 
apresentado. Aumentos explosivos de criminalidade e "surtos" de 
crimes específicos são fenômenos mais raros do que aparentam ser. 
Não há dúvida de que existe o fenômeno do "contágio" ou "efeito 
dominó", onde a aparição de uma modalidade ou forma diferente de 
praticar um crime induz a imitação por parte de outros, provocando 
assim uma "onda". Mas quando se analisa friamente a evolução dos 
crimes no tempo, percebe-se, ao contrário, que as taxas de 
 
3 Uma hipótese plausível para este fenômeno é a de que o sentimento de 
insegurança está mais relacionado à fragilidade da vítima - sua incapacidade de 
se defender da violência - do que com a experiência concreta de vitimização. 
 14
Questões Atuais em Criminologia 
criminalidade são na verdade bastante estáveis. A realidade do crime, 
ao menos aqui no Brasil, já é ruim o bastante por si só, sem que 
precisemos contribuir para isso. 
 
Sempre que possível, mesmo com as limitações do meio, deve-se 
procurar fazer uma apresentação contextualizada dos eventos 
criminais. Este tipo de apresentação pode sem dúvida tirar um pouco 
da dramaticidade do fato, mas é a única forma de ajudar a recolocar a 
discussão sobre as políticas públicas para lidar com o crime nos seus 
devidos eixos, sem provocar o pânico na sociedade ou favorecer as 
"saídas mágicas", tão ao gosto aos legisladores brasileiros. 
 15
A Violência Brasileira 
 
Os brasileiros, principalmente habitantes das grandes cidades, sentem 
que vivem numa sociedade e numa época violentas. Esta sensação é 
confirmada pelas histórias contadas pelos mais velhos, dos tempos em 
que não se precisava trancar a porta de casa e podia-se ir a noite para 
qualquer lugar, sem medo de ser assaltado. 
 
Qualquer um que tenha mais de 30 anos lembra também por 
experiência própria que morar no Brasil já foi algo mais tranqüilo. 
Existe assim uma referência temporal que toma por base o passado 
como exemplo de sociedade que mantinha padrões toleráveis de 
violência. Em algum momento na década de 80 a situação parece ter 
fugido ao controle. 
 
Se existem referências razoavelmente seguras para inferirmos que a 
sociedade brasileira tornou-se violenta com o tempo - e diversos 
indicadores apontam neste sentido - existem todavia poucas 
comparações com outros países para que tenhamos uma noção 
precisa do quão violenta ela é. A exiguidade de comparações 
internacionais se deve principalmente a dois fatores: falta de uma 
definição precisa para o termo "violência" e carência e imprecisão de 
dados. Como saber se somos mais ou menos violentos que outros 
países ? Com quais países estabelecer a comparação ? Quais os 
indicadores adequados para mensurar o conceito de violência ? Onde 
encontrá-los, calculados da mesma forma e para os mesmos períodos? 
 
Na ausência de um indicador mais preciso, convencionou-se utilizar 
como medida de violência a taxa de homicídios dolosos por 100 mil 
habitantes. Embora a correlação não seja estritamente verdadeira, 
aceita-se que a taxa de homicídios seja uma medida resumo da 
violência existente no país e que uma sociedade onde morrem muitas 
pessoas é também uma onde ocorrem outros tipos de crimes. A 
escolha da taxa de homicídios dolosos por 100 mil habitantes, se não é 
perfeita, tem alguns méritos: os homicídios não sofrem tanto com o 
problema da subnotificação quanto os outros crimes e nãoexiste 
praticamente sociedade que não tenha um registro sobre as causas de 
mortalidade de seus habitantes. Do mesmo modo, se existem 
divergências sobre o que é uma agressão sexual ou um assalto de uma 
legislação para outra, existem poucas sobre o que é um assassinato. 
 
 16
Questões Atuais em Criminologia 
Para efeitos de comparação internacional, portanto, trata-se do melhor 
indicador possível de "violência", ao lado das pesquisas internacionais 
de vitimização. 
 
Aceitando-se com algumas ressalvas que a taxa de homicídios dolosos 
por 100 mil habitantes seja um indicador de violência, resta o problema 
de onde encontrar dados abundantes e confiáveis. Os organismos 
internacionais, principalmente os vinculados as Nações Unidas, 
constituem o maior manancial para este tipo de informação. No que se 
refere a taxa de homicídios, localizamos quatro diferentes estudos 
recentes (anos 90), dois deles com informações relativas ao Brasil: são 
eles United Nations Survey on Firearm Regulation (UNSFR, 1997, 36 
países), o estudo patrocinado pelo U.S Center for Disease Control 
(CDC, 35 países) , o United Nations Surveys of Crime Trends and 
Operations of Criminal Justice System (TRENDS, 1990-1994, 59 
países) e o International Crime Statistics (ICS, 1994, 84 países), 
elaborado pela Interpol. No total, foi possível coletar informações sobre 
taxas de homicídio para 108 países. Quando a informação para um 
país existia em mais de uma fonte, extraiu-se uma média dos dados. 
 
Uma vez escolhido o indicador a partir do qual analisar quão violento é 
o Brasil em comparação a outros países e encontradas as fontes, resta 
ainda uma questão crucial para a análise: violento comparado a quem ? 
Entre os países pesquisados existem nações ricas e pobres, 
socialmente igualitárias e desiguais, culturalmente tradicionalistas e 
modernas, urbanizadas e rurais, super e sub povoadas, religiosas e 
laicas, politicamente repressivas ou liberais, entre outras variedades. 
Todas estas diferenças implicam em diferentes graus de violência (e 
violências de natureza diferente) e só faz sentido comparamos países 
que tenham algum grau de semelhança entre si. 
 
A taxa média de homicídios para os 108 países investigados foi de 8,5 
por 100 mil habitantes, o que eqüivale a cerca de um terço da taxa 
brasileira, estimada em 24,1 por 100 mil. Quando separamos os países 
pelo grau de desenvolvimento industrial, observamos que uma taxa 
elevada de homicídios é característica das nações em 
desenvolvimento, sendo mais baixa tanto nos países menos 
desenvolvidos quanto nos países industrializados. 
 
 
 
 
 17
 
Tabela 1. Taxa de homicídios por grupo de países 
Grupo Homicídios 
por 100 mil 
N° de 
Países 
Menos desenvol. 4,2 14 
Em desenvol.. 12,7 52 
Industrializados 4,7 42 
 8,5 108 
Fontes: United Nations Survey on Firearm Regulation / U.S Center for Disease Control / 
United Nations Surveys of Crime Trends and Operations of Criminal Justice System / 
International Crime Statistics. 
 
Resultados semelhantes são obtidos quando dividimos os países pelo 
seu nível de desenvolvimento humano ou ainda pelo PIB per capta: os 
níveis intermediários de desenvolvimento são sempre mais violentos do 
que os níveis muito baixos ou muito altos. Neste sentido, a evolução do 
fenômeno da violência parece seguir a forma de sino e não uma forma 
linear: ultrapassado certo limiar de desenvolvimento a violência emerge, 
voltando a cair novamente quando o país ingressa no grupo das nações 
desenvolvidas. 
 
Mesmo quando comparado com o grupo de países em 
desenvolvimento a violência brasileira chama a atenção, pois apresenta 
quase o dobro da taxa destes países, estimada em 12,7 por 100 mil. 
Muitos países em desenvolvimento estão localizados no mundo árabe 
ou no continente asiático, países onde a cultura e o sistema político e 
religioso constituem-se em fatores de inibição da violência. 
 
Tabela 2. Taxas de homicídios por regiões 
Regiões Homicídios 
por 100 mil 
N° de 
Países 
África Sub-Saariana 13,0 17 
estados Árabes 1,7 12 
Este da Ásia 5,5 4 
Sudeste Asiático 5,6 9 
Sul da Ásia 2,2 7 
América Latina e Caribe 19,8 20 
América do Norte 6,1 2 
Europa Oriental 8,6 16 
Europa Ocidental e do 
Sul 
1,9 18 
 8,7 105 
Fontes: United Nations Survey on Firearm Regulation / U.S Center for Disease 
Control / United Nations Surveys of Crime Trends and Operations of Criminal 
Justice System / International Crime Statistics. 
 
 
 18
Questões Atuais em Criminologia 
Quando separamos os países por regiões, percebem-se as enormes 
diferenças inter-regionais, com a América Latina sobressaindo-se como 
uma das áreas mais violentas do planeta, seguida pela África Sub-
Saariana e pela Europa Oriental. Com quase 20 homicídios por 100 mil 
habitantes, a média latino-americana é bastante próxima da brasileira, o 
que sugere que não somos uma caso tão desviante de violência 
quando nos comparamos apenas com a média dos países da região. 
 
Analisando separadamente os países da região, o Brasil aparece como 
o quarto mais violento, superado apenas por Colômbia, Honduras e 
Jamaica. Nem mesmo países que passaram recentemente por guerras 
civis ou que convivem com a guerrilha política - como Venezuela, Peru 
e Nicarágua - apresentam taxas tão elevadas. Tendo em conta que o 
Brasil é o país mais populoso do grupo, em termos absolutos somos os 
líderes em mortes por homicídio. 
Sendo correta a estimativa de 24 homicídios por 100 mil, numa 
população de cerca de 154 milhões de habitantes em 1994, isto 
representa algo em torno de 37.000 assassinatos todos os anos. Vendo 
de outro modo, o Brasil concentraria nada menos que 38,5% de todos 
os homicídios ocorridos na América Latina e Caribe. 
 
Tabela 3. Taxas de homicídios por país 
Países Homicídios por 
100 mil 
N.º de mortos 
(estimativa) 
Colômbia 78,44 27077 
Honduras 63,58 3624 
Jamaica 28,96 722 
Brasil 24,10 37047 
Venezuela 22,14 4826 
Guiana 19,85 163 
Nicarágua 19,02 837 
Bahamas 18,98 52 
México 17,58 16350 
Paraguai 15,61 780 
Panamá 13,97 360 
Chile 11,04 1544 
Trinidad Tobago 10,57 137 
Equador 10,31 1156 
Granada 7,78 7 
Barbados 6,83 20 
Costa Rica 5,72 175 
Argentina 2,87 993 
Peru 1,41 325 
Fontes: United Nations Survey on Firearm Regulation / U.S Center for Disease 
Control / United Nations Surveys of Crime Trends and Operations of Criminal 
Justice System / International Crime Statistics. 
 
 19
 
Chamamos a atenção finalmente para o fato de que as médias 
nacionais encobrem diferenças internas elevadas. O problema da 
violência concentra-se principalmente nos grandes centros urbanos 
destes países: tomadas isoladamente, cidades como Rio de Janeiro 
(74,2:100 mil) ou São Paulo (44,3:100 mil) apresentam taxas muito 
mais elevadas. A taxa média brasileira cai para 24 porque as taxas nas 
cidades menores são bem mais baixas. 
 
A explicação para a violência generalizada na região é complexa e vai 
além da pobreza, como vimos. O passado "autoritário" do país 
tampouco é condição suficiente para explicar adequadamente a 
violência atual uma vez que ex-ditaduras como Peru (1963-1980), 
Equador (1968-1979) e Argentina (1976-1983) estão entre os países 
com violência mais baixa do continente. Uma combinação explosiva de 
modernização e urbanização aceleradas, desigualdade social, padrões 
de consumo de primeiro mundo, liberdade política e ausência de freios 
morais e religiosos parecem ser os maiores responsáveis pelo 
fenômeno da violência latino-americana, sem mencionar a produção de 
drogas e a economia estagnada em vários países. O Brasil, neste 
sentido, ao lado da Colômbia e do México, seria apenas um dos casos 
onde estas variáveis se apresentam de modo mais extremo. 
 20
Questões Atuais em Criminologia 
Os Custos da Violência 
 
Quantose gasta ou deixa de ganhar por causa do crime no Estado de São Paulo 4
Uma combinação explosiva de modernização e urbanização 
aceleradas, desigualdade social, padrões de consumo de primeiro 
mundo, liberdade política e ausência de freios morais e religiosos 
parecem ser os maiores responsáveis pelo fenômeno da violência 
crescente na América Latina, ao lado da produção de drogas e da 
economia estagnada em vários países. O Brasil, ao lado da Colômbia e 
do México, é um dos casos onde estas variáveis se apresentam de 
modo mais extremo e portanto onde a violência tem mais crescido nas 
últimas décadas. Este aumento da violência tem um impacto não 
desprezível sobre a economia do país. Neste artigo procuramos avaliar 
os custos da violência tomando como base o estado de São Paulo, 
onde a questão da criminalidade se apresenta de maneira aguda. 
 
A violência custa caro, tanto para o país como individualmente. 
Custa caro porque "segurança" é um bem desejado por todos, mas 
cada vez mais escasso. Para garantir este bem, executamos todos os 
dias dezenas de atos de precaução e adquirimos outros tantos bens no 
mercado: seguros de toda espécie, cães de guarda, quinquilharias 
eletrônicas, travas, grades e cadeados de todo tamanho e função. 
 
A preocupação com a segurança afeta nossas decisões de 
uma maneira que já é quase imperceptível e autômata para os 
moradores dos grandes centros urbanos como São Paulo e Rio: sem 
que o percebamos, deixamos de viajar para determinadas cidades, de 
morar em certas vizinhanças, de estacionar o carro nesta ou naquela 
rua, de comprar carros conversíveis ou morar em casas. Em função da 
violência reordenamos parte de nossa vida e de nossos negócios. 
 
Para o poder público, segurança converteu-se também num 
dos maiores itens orçamentários e em objeto de preocupação 
prioritária. Pesquisas de opinião pública revelam que, ao lado do 
 
4 Diversas pessoas ajudaram a compilar os dados para este artigo, entre elas, 
principalmente, Cristina Barbosa, Flávia Piovesan, José Alves dos Reis, Rafael 
Rabinovici, Renato Sérgio de Lima e Tatiana Bicudo. Nenhum deles tem 
qualquer responsabilidade pela forma como os dados foram interpretados. 
 21
desemprego, a questão da violência aparece entre as maiores 
inquietações da população". Cada ano a população exige mais 
policiais, mais viaturas e armas, novos presídios, juízes, promotores, 
rádios comunicadores, computadores. 
 
O Estado vem investindo quantias significativas na área de 
Segurança Pública desde 1995. O efetivo da Polícia Militar aumentou 
em 12% desde janeiro de 1995, contando hoje com 82.021 policiais. Os 
pisos salariais para os soldados de 1° e 2º classes aumentaram em 
mais de 200% neste período. Por conta destes investimentos, os gastos 
com o pagamento do efetivo da Polícia Militar passaram de R$ 47 
milhões em abril de 1995 para R$ 91,7 milhões em fevereiro de 1998, 
representando um aumento de 95%. A Polícia Civil, por sua vez, 
nomeou cerca de 5 mil novos policiais entre 95 e 98. Foram adquiridas 
4.466 viaturas para aparelhar a polícia estadual, a um custo de R$ 94,9 
milhões. Outros R$ 18,7 milhões de reais foram utilizados na compra de 
14.849 coletes, 22.500 revólveres, 6.000 pistolas, 5.000 cacetetes, 
além de capacetes, escudos, munição e espingardas. Na área da 
administração penitenciária foram construídas 21 penitenciárias em 
regime fechado e 3 em regime semi-aberto, a um custo de R$ 230 
milhões de reais, para retirar os presos condenados mantidos 
ilegalmente nas delegacias de polícia. Mas, apesar de todos estes 
investimentos, sem dúvida necessários, a criminalidade está 
aumentando no estado de São Paulo. 
 
Se pegarmos como período base o 3º trimestre de 1995 e como 
período de comparação o último trimestre de 1998, veremos que, com 
exceção do estupro - que está sujeito a bruscas variações em função 
da baixa notificação - todos os crimes monitorados pelas estatísticas da 
Secretaria de Segurança Pública aumentaram nos últimos 4 anos. Os 
ritmos de crescimento variam de crime para crime: o destaque fica por 
conta dos roubos de carro, que cresceram nada menos do que 123%. 
Os homicídios culposos (13,8%) e o tráfico de entorpecentes (15,2%), 
por outro lado, foram os crimes que menos cresceram de 1995 para cá. 
Todas as taxas de crescimento de crimes são maiores do que a taxa de 
crescimento populacional no período, que ficou em torno de 5,8%. O 
Índice de Criminalidade - medida resumo que indica a média ponderada 
de 4 crimes selecionados, com base na população - apresentou um 
aumento de 63% desde 1995. 
 
 
 
 22
Questões Atuais em Criminologia 
Tabela 1. Taxas de Criminalidade em São Paulo (Estado) 
Variação da Criminalidade -
1995 a 1998, no Estado de 
São Paulo 
3º Trim. 
1995 
4ºTrim. 1998 Variação 
1995-1998 
Homicídio doloso 2302 2.953 28,28 
Homicídio culposo 1128 1.284 13,83 
Tentativa de homicídio 1496 2.347 56,89 
Lesão corporal 57687 75.081 30,15 
Latrocínio 101 148 46,53 
Estupro 1153 1079 -6,42 
Tráfico de entorpecentes 1911 2.202 15,23 
Roubo 25559 52.017 103,52 
Roubo de Veículo 9472 21.136 123,14 
Furto 69218 98.884 42,86 
Furto de Veículo 19787 28.309 43,07 
 
População do Estado 33427929 35367254 5,80 
hom.dol. Por 100 mil 6,89 8,38 21,74 
Lesão corporal por 100 mil 172,57 213,15 23,51 
roubo por 100 mil 76,46 147,67 93,14 
furto por 100 mil 207,07 280,73 35,57 
Índice de Criminalidade 1021,63 1664,13 62,89 
Fontes: Fundação SEADE: População / Secretaria da 
Segurança Pública: dados de criminalidade 
 
Qual é o preço que a sociedade paga por este crescimento dos 
índices de criminalidade ? Estes investimentos tem se revelado 
compensadores para a sociedade ? Haveriam outras formas de investir 
estes mesmos recursos mais eficazmente ? Foi para responder estas 
perguntas que se criaram diferentes fórmulas e metodologias para 
estimar os custos da violência. Não há consenso sobre a melhor 
fórmula, o que se deve incluir ou deixar de fora dos cálculos, qual o 
peso de cada fator. Os custos podem ser classificados em preventivos 
e curativos, diretos e indiretos, perdas materiais e perdas humanas, 
tangíveis e intangíveis, econômicos e financeiros, custos para a 
sociedade ou para o cidadão, de curto ou de longo prazo, perdas pelo 
que se gasta ou pelo que se deixa de ganhar e assim por diante. 
 
A variedade de métodos só não é maior do que a variedade de 
fontes utilizadas: estatísticas oficiais de criminalidade, pesquisas de 
vitimização, orçamentos governamentais, tabelas de seguradoras, 
pesquisas de opinião pública, estimativas feitas por especialistas no 
setor público e privado e toda uma série de meios formais e informais 
que possam servir como base para o cálculo. 
 
 23
Antes que alguém comece a levar demasiado a sério os 
cálculos aqui apresentados, é preciso dizer que por trás da aparente 
sofisticação metodológica das estimativas dos custos do crime existe 
uma boa dose de "adivinhação". Trata-se, todavia, de adivinhação bem 
informada e assume-se aqui ser melhor trabalhar com elas do que com 
nada. Trata-se de ter alguma estimativa, por precária que seja, para 
auxiliar no processo decisório na esfera da segurança pública, uma 
orientação que ajude na hora de optar por alternativas, como investir na 
repressão ou prevenção do crime.5 
 
Já existem algumas tentativas de mensuração de custos da 
violência feitas no Brasil. Um pesquisa feita pelo BID estimou que a 
violência custa 84 bilhões de dólares ao Brasil ou 10,5% do PIB 
nacional. O economista Ib Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas, 
calcula em 60 bilhões o valor gasto ou perdido, ou 8% do PIB. Somente 
no município do Rio de Janeiro, segundo o ISER, a violência custou 
aos cidadãos cerca de 2 milhões de dólares, ou5% do PIB municipal 
de 1995. O problema é que estas estimativas não são comparáveis 
porque usam metodologias, unidades geográficas e anos diferentes. 
Nenhuma é necessariamente certa ou errada. 
 
Para esta pesquisa, optamos por dividir os gastos em 3 diferentes 
categorias: 1) gastos feitos pelo cidadão indiretamente, através de 
impostos e que são alocados direta ou indiretamente no combate ao 
crime; 2) gastos feitos diretamente pelos indivíduos ou empresas para a 
compra do bem "segurança" ou perda de patrimônio direta em função 
do crime e 3) valores que deixam de ser produzidos ou ganhos pela 
sociedade em razão do medo da violência / outros custos intangíveis. 6
1) gastos feitos pelo cidadão indiretamente através de impostos e que 
são alocados no combate ao crime 
 
Tabela 2 . Gastos Indiretos com Violência 
Item Valor Porcent
 
5 Para tomar um exemplo concreto: o governo, através das Secretarias da 
Administração Penitenciária e do Trabalho, iniciou em 1997 um programa de 
prestação de serviços à comunidade, para aqueles que foram condenados a 
cumprir penas alternativas. Nesta modalidade de pena um prestador custa ao 
estado cerca de 50 reais mensais e trabalha gratuitamente 8 horas semanais. 
Se estivesse cumprindo pena em regime fechado, custaria R$ 620 mensais aos 
cofres públicos. 
6 A explicação detalhada das fontes e cálculos não cabem no limite deste 
artigo, mas podem ser obtidas no Ilanud, onde a pesquisa foi desenvolvida. 
 24
Questões Atuais em Criminologia 
. 
Secretaria da Segurança Pública - 1998 3.585.094.695 85,4 
Secretaria da Administração Penitenciária 
- 1998 
471.007.971 11,1 
Tribunal de Alçada Criminal - 1998 72.874.153 1,7 
Internação de crianças e adolescentes 
infratores - 1988 
38.390.760 0,9 
Tribunal de Justiça Militar -1998 14.617.586 0,3 
Ministério Público - 1998 
(somente gastos com salários, na capital) 
5.529.600 0,1 
Procuradoria Geral do Estado - 1998. 
(somente gastos em salários, na capital) 
3.060.000 0,05 
Guarda Civil Metropolitana 
(somente gastos com salários, na capital) 
2.700.000 0,06 
Pensões pagas para famílias de policiais, 
mortos em serviço. (Dados da Resolução 
168, publicados no Diário Oficial de 21-5-
98) 
2.175.800 0,05 
Internações hospitalares na rede pública : 
somente gastos com "homicídios e lesões 
provocadas intencionalmente por outras 
pessoas / outras violências" (DATASUS, 
1997) 
1.310.595 0,03 
Total 4.196.761.160 100 
Fontes: Diário Oficial / DATASUS / Serviço de Relações Públicas do 
Comando da Guarda Civil / COSESP 
 
Os gastos dos órgãos diretamente relacionados com o combate 
da criminalidade, como Secretarias de Segurança Pública e 
Administração Penitenciária, foram retirados do orçamento estadual de 
1998. Do orçamento da Secretaria de Segurança Pública deduzimos 
apenas os valores relativos ao Corpo de Bombeiros, cujas atividades 
não dizem respeito ao controle do crime (exceto no caso de incêndios 
provocados intencionalmente). Para outros órgãos públicos que só 
dedicam parte de seu orçamento ao problema do crime, cálculos 
diferentes foram necessários. Assim, por exemplo, o valor das 
internações dos menores infratores não eqüivale aos gastos integrais 
da Secretaria de Assistência e Bem Estar mas é o resultado da 
multiplicação de 3.485 internos em junho de 1998, ao custo unitário de 
R 918,00 por mês. 
 
Para estimar os custos no Ministério Público averiguamos que, 
somente na Capital, existem 256 promotores de Justiça com atribuições 
criminais e tomamos como salário base, no início de carreira, o valor de 
1.800 reais, tanto para promotores quanto para procuradores. O valor é 
sabidamente subestimado pois não leva em conta os promotores no 
interior, os gastos administrativos e os acréscimos salariais. O mesmo 
 25
é válido para a Procuradoria do Estado: somente parte do trabalho do 
órgão é despendido no trato de questões criminais. Na Capital atuam 
105 procuradores na área criminal, além de 65 espalhados pelo interior. 
Somente foram levados em conta os gastos com salários, minimizando 
os custos efetivos do Ministério Público e da Procuradoria. Na ausência 
de informações precisas, ao calcular os custos da violência é preferível 
pecar por falta do que por excesso. 
 
Na Guarda Municipal de São Paulo, segundo o serviço de 
relações públicas do Comando da Guarda Civil, trabalham 4.500 
policiais, com vencimentos brutos, na categoria base, em torno de 600 
reais mensais. O custo aqui é novamente subestimado pois só leva em 
conta os gastos com salários e no município de São Paulo. 
Além dos salários dos operadores do direito - policiais, 
carcereiros, juízes, promotores e procuradores - é preciso levar em 
conta o pagamento de seguros e indenizações públicas às vítimas da 
violência. Desde 1998, as famílias dos policiais que morrem em serviço 
recebem como indenização, em média, R$ 50.600 reais. Em 1997 
morreram em serviço 40 policiais militares e 3 policiais civis e é sobre 
esta base que computamos os gastos com seguro apresentados na 
tabela. Desde junho de 1996, quando este tipo de seguro foi criado, 151 
famílias receberam o equivalente a 7 milhões e 200 mil em 
indenizações da Cosesp, Companhia de Seguros do Estado. 
O INSS, por sua vez, pagou em São Paulo 449.933 pensões 
por invalidez e 908.880 pensões por morte em 1996, mas não 
soubemos avaliar quantos dos mortos por homicídio e inválidos no 
Estado receberam tais pensões, de modo que optamos por não incluir 
os gastos do INSS no cômputo. (INSS, 1996). Como a maior parte dos 
mortos pela violência são jovens, sub empregados e não raramente 
desempregados, é possível que boa parte das famílias não receba 
indenizações do INSS. Quanto aos gastos ambulatoriais com as 
vítimas da violência, (93% dos homicídios em São Paulo são 
cometidos por armas de fogo) finalmente, estimamos que São Paulo 
representa 46,4% dos gastos nacionais no quesito "internações 
hospitalares por violência na rede pública", tomando como base a 
proporção de gastos no Estado com atendimento específico em 
urgência e emergência. Faltaria acrescentar ainda os gastos em São 
Paulo da Polícia Federal, para completarmos o quadro, mas não foi 
possível obter tais informações. O efetivo da polícia federal é pequeno 
se comparado ao efetivos das polícias estaduais, de modo que o 
resultado final não está demasiado distante da realidade. 
 
 26
Questões Atuais em Criminologia 
Os gastos neste primeiro grupo de custos, que chamamos de 
indiretos, são sabidamente subestimados, mas mesmo assim perfazem 
4 bilhões e 200 milhões de reais, com o orçamento da Secretaria de 
Segurança Pública, como era previsível, representando o maior 
dispêndio proporcional nesta categoria. 
 
2) gastos feitos diretamente pelos indivíduos ou empresas para a 
compra do bem "segurança" ou perda de patrimônio direta em 
função do crime 
 
Tabela 3. Gastos e perdas diretas com Violência 
Item Valor Porcent
. 
Segurança Privada: 400.000 guardas no 
Estado (Sesvesp, somente salários) 
2.880.000.000 60,6 
Veículos furtados 839.772.000 17,6 
Seguros: automóveis 495.681.600 10,4 
Veículos roubados 340.404.000 7,1 
Cargas roubadas (DIVECAR, SETECESP, 1998) 116.472.180 2,4 
Perda de patrimônio em arrombamentos 
residenciais (excluindo o custo dos danos, 
somente Região Metropolitana de São Paulo) 
41.337.021 0,8 
Perda direta de bancos com roubos em 
agências (DEPATRI, 1998) 
30.000.000 0,6 
Outros roubos e furtos, excluindo 
veículos, bancos e cargas 
 
10.437.750 0,2 
Sepultamento das vítimas de homicídio 2.496.800 0,05 
Equipamentos de segurança para carros 692.300 0,01 
Total 4.757.293.651 100 
Fontes: SESVESP / Secretaria de Segurança Pública / DIVECAR / 
SETECESP / DEPATRI/ Serviço Funerário Municipal / ILANUD 
 
Os valores estimados para este segundo grupo de itens somam 
4 bilhões e 757 milhões de reais anuais entre gastos e perdas diretas 
da população. São quantias em dinheiro ou bens que mudaram de 
mãos, no caso dos crimes consumados, passando do setor legal para o 
ilegal da sociedade. Quantias, nos caso da prevenção, que os 
indivíduos certamente prefeririam estar investindo em outras coisas, 
como lazer, ao invés de usá-las para se precaver de perigos em 
potencial. Deste grupo, o item de maior peso é o investimento em 
vigilância privada, um dos únicos setores do país para o qual não existe 
crise. Depois dos gastos em vigilância privada aparecem em 
importância os gastos relativos a veículos: somados, os custos com 
roubos, furtos, seguros, equipamentos de proteção de veículos 
 27
representam no final um rombo considerável no orçamento dos 
indivíduos. 
 
Poderíamos agregar ainda a este grupo de custos os seguintes itens: 
 
• Custos e honorários advogatícios. 
• Perdas com os "crimes de colarinho branco". 
• Horas de trabalho perdidos: convalescência física e psicológica, 
registro de queixa policial; testemunho em processos criminais, etc. 
• Quebra de produtividade de funcionários vítimas de violência. 
• Tratamento médico e psicológico das vítimas na rede privada. 
• Investimento em equipamentos para segurança própria, 
empresarial ou residencial, como armas, grades, câmeras, alarmes, 
etc. 
 
Infelizmente, com relação a estes itens, só dispomos de alguns 
elementos para base de cálculo, de modo que não foram incluídos 
neste levantamento. Entre estes elementos, valeria mencionar: quanto 
aos custos advogatícios, o site da OAB na internet divulga uma 
pesquisa feita em escritórios de advocacia, com os seguintes preços 
mínimos: na fase do Inquérito Policial - diligências R$300; 
acompanhamento R$500 ; instauração R$700. Na fase da Ação Penal: 
defesa R$1.000; defesa em júri R$2.000; habeas corpus R$500, etc. Os 
custos com advogados aparecem geralmente no caso de crimes 
cometidos entre pessoas que se conhecem, ou nos casos de crimes 
financeiros ou de "colarinho branco", raramente aparecendo no caso 
dos crimes de rua, como roubos e assaltos. Note-se também que 
deixamos de fora - e todos os cálculos de custos da violência o fazem - 
as perdas para a sociedade com os crimes de "colarinho branco", como 
corrupção, falências fraudulentas, prevaricação, golpes na praça em 
geral. Em geral, as pesquisas sobre custos da violência preocupam-se 
exclusivamente com os crimes violentos, ou crimes de rua, deixando de 
lado os crimes não violentos cometidos pela classe média. Um só 
destes escândalos financeiros, porém, provocados por criminosos de 
classe média, pode implicar em prejuízos equivalentes a milhares de 
roubos e furtos, cometidos por ladrões pobres. 
 
Com relação a quebra de produtividade no trabalho das vítimas 
da violência, segundo a Brasiliano e Associados, o rendimento cai de 
20% a 35% nos dias posteriores ao crime. É preciso computar também 
as horas de trabalho perdidos pela vítima com a convalescência física e 
 28
Questões Atuais em Criminologia 
psicológica, registro de queixa policial, testemunho em processos 
criminais e outras atividades envolvidas na fase judicial. 
Finalmente, como relação aos investimentos em equipamentos 
de segurança residencial feitos pela população, sabemos, através de 
pesquisas de vitimização feitas na capital, que 8% das residências têm 
arma de fogo em casa; 27% fechaduras especiais para portas; 31% cão 
de guarda; 32% janelas e portas gradeadas e 36% grades altas. 
(Ilanud, 1997). Este tipo de investimento se faz uma só vez, sendo 
difícil calcular o custo em base anual. Especificamente em relação aos 
automóveis, sabemos que 28% dos carros da capital têm alarme e 23% 
trava de direção ou câmbio, e que 27% têm algum mecanismo de corte 
de combustível ou corrente elétrica. (Ilanud, 1997). Uma vez que a frota 
no Estado era de 7.937.980 veículos em 1997, isto significa que foram 
comprados para a proteção da frota atual cerca de 2.222.634 alarmes, 
2.143.254 corta correntes ou de combustível e 1.825.735 travas. Os 
valores mencionados na tabela acima com "equipamentos de 
segurança para carros" foram estimados com base no incremento anual 
da frota. 
 
3) valores que deixam de ser produzidos ou ganhos pela sociedade 
em razão do medo da violência / outros custos intangíveis 
 
Este último grupo de custos é o mais difícil de ser estimado, seja 
pela precariedade de dados, seja pela subjetividade de algumas 
categorias. Em termos relativos, sabe-se que a maior perda é 
representada pelas mortes prematuras e incapacitações permanentes. 
As vítimas da violência são em geral jovens enquanto a expectativa de 
vida no Estado é de 65 anos para os homens e 73 para as mulheres. 
São milhares de anos de vida potencialmente produtiva, de 11.000 
pessoas mortas todos os anos, que deixam de ser aproveitadas. O 
ISER avalia que tais custos econômicos por morte prematura e 
incapacidade representam de 83% a 91% dos custos da violência. Este 
e outros custos não estão sendo computados aqui, pois representam 
perdas potenciais. 
Apenas para dar uma dimensão do quanto se perde com mortes 
prematuras no Estado, podemos fazer um cálculo aproximado, levando 
em conta que 93% das vítimas são homens e os seguintes valores: 
 
 
 
 
 
 29
Tabela 4. Anos de vida perdidos por morte prematura 
Faixa Etária Homens Mulheres Anos perdidos 
Homens 
Anos Perdidos 
Mulheres 
46 a 100 (6,9) 708 53 - - 
39 a 45 (8,2) 840 63 16800 1764 
36 a 38 (4,4) 458 34 12366 1190 
33 a 35 (7,5) 773 58 23190 2204 
30 a 32 
(11,0) 
1131 85 37323 3485 
27 a 29 
(11,0) 
1131 85 40716 3740 
24 a 26 
(14,3) 
1469 110 57291 5170 
21 a 23 
(14,2) 
1452 109 60984 5450 
18 a 20 
(14,2) 
1452 109 65340 5777 
16-17 
(5,7) 
590 44 28230 2464 
0 a 15 
(2,0) 
212 16 10600 928 
N = 11.000 10.230 770 352.840 32.172 
Fonte: DHPP / SEADE - Porcentagens por sexo e idade baseadas 
nas 4145 vítimas de homicídios analisados pelo DHPP em 1997 e 
extrapoladas para as cerca de 11.000 vítimas no Estado. Os limites 
máximos de cada faixa foram utilizados para calcular a diferença entre 
a idade da morte e a expectativa de vida para cada sexo. 
 
Apenas para efeito de cálculo, se supusermos que estas pessoas 
ganhavam pelo menos um salário mínimo mensal (R$ 1.440 por ano) e 
que continuariam a ganhar o mesmo pelo resto de suas vidas, 
chegamos a uma perda por mortes prematuras no valor de R$ 
508.089.600 reais para os homens e de R$ 46.327.680 reais para as 
mulheres, totalizando R$ 554.417.280 reais, somente com as pessoas 
mortas por homicídio num único ano. 
 
Entre outros custos intangíveis por vezes computados em estudos 
sobre custos da violência valeria a pena mencionar: 
• Turismo nacional e internacional desviado para outros locais menos 
violentos. 
• Oportunidades empresariais perdidas: fábricas e lojas instaladas 
em outros locais. 
• Perda de qualidade de vida: estresse, medo. 
• Mudanças de estilo de vida: habitantes da cidade saem menos de 
casa, consomem menos em bares, cinemas, restaurantes, etc. 
 30
Questões Atuais em Criminologia 
Alunos que deixam de freqüentar cursos noturnos e empregados de 
trabalhar em turnos noturnos. 
 
Estes valores são os mais difíceis de estimar pois são quase 
sempre hipotéticos. Oferecemos aqui apenas alguns indícios e 
variáveis que deveriam ser levados em conta caso uma pesquisa 
completa conseguisse estimá-los: em relação ao turismo, o economista 
Ib Teixeira, da FGV do Rio, calcula que o Brasil deixou de ganhar 20 
bilhões de dólares entre 1988 e 1998, ou cerca de 2 bilhões de dólares 
por ano. Uma vez que se estima quecada 1000 dólares gastos por 
turistas no país gera de 2 a 3 empregos, o problema do desemprego no 
Brasil praticamente desapareceria nas regiões turísticas se este fluxo 
de visitantes fosse canalizado para cá. 
Sobre os aspectos subjetivos da violência e seus efeitos 
comportamentais, desnecessário apontar o quanto nossa rotina é 
alterada: somente a título de exemplificação, a pesquisa de vitimização 
do Ilanud levantou que, na Capital, 45% dos habitantes costuma evitar 
certas ruas, locais ou pessoas por questão de segurança; 49% 
sentem-se um pouco ou muito inseguros ao andar na vizinhança depois 
que fica escuro; 35% acha muito provável ou provável ser vítima de 
tentativa de arrombamento nos próximos 12 meses. Com relação a 
mudança de hábitos, 52% da população da capital costuma pedir a 
vizinho ou vigia para olhar a casa quando sai (Ilanud, 1997). 
 
Conclusões 
 
É preciso ficar atento para o fato de que estes gastos também 
implicam numa redução da criminalidade e que porque eles são feitos 
um grande número de crimes deixa de ocorrer . Nem todas estas 
rubricas - especialmente os gastos com polícia - podem ser 
considerados como "custos", se pensarmos no seu papel preventivo. 
Se os gastos feitos em segurança ajudam a prevenir crimes que de 
outro modo ocorreriam, trata-se na verdade de um bom investimento; 
se não ajudam, ou não tanto quanto deveriam, a questão muda de 
figura. Assim como no caso dos carros ou cargas roubadas 
descontamos os recuperados, um cálculo ideal deveria levar em conta - 
e subtrair dos gastos - estes crimes prevenidos. O problema é que este 
cálculo é impossível de ser feito, superestimando de certo modo os 
custos da violência. Tenha-se em mente também que, na maioria dos 
casos, dinheiro e bens roubados mudam de mãos, mas não 
desaparecem simplesmente da economia: o dinheiro gasto em salários 
 31
de policiais e vigilantes, por exemplo, entra de novo na economia 
quando estes consomem outros bens. 
 
O PIB nominal do estado de São Paulo foi de 241,58 bilhões de 
dólares ou de 292, 31 bilhões de reais, em valores de 1997, segundo o 
SEADE. Os custos da violência aqui levantados, em caráter provisório, 
atingem a cifra de 8 bilhões e 96 milhões de reais, ou cerca de 3% do 
PIB estadual. É difícil julgar se esta é uma proporção elevada ou não 
em comparação com outros estados ou países, mesmo porque não 
existe comparabilidade metodológica deste estudo com os demais. Mas 
é sem dúvida um gasto elevado quando comparamos com o que é 
investido em outros setores: representa, por exemplo, 2,7 vezes o 
gasto feito com a Secretaria da Saúde e 21,7 vezes o gasto com a 
Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social em 1998. 
 
Assim como em outros serviços prestados pelo Estado na área 
da educação e da saúde, também na área da segurança acaba 
ocorrendo uma espécie de "dupla-tributação" para aqueles que não 
querem depender somente dos serviços públicos. Tributação dupla 
porque, apesar de pagar através de impostos o custeio de escolas, 
hospitais e segurança pública, o cidadão que desejar ensino de boa 
qualidade, atendimento médico adequado ou melhor segurança, vai ter 
que pagar caro no mercado por estes produtos. Do mesmo modo como, 
em função da perda de qualidade, o ensino e a saúde públicos foram 
privatizados no país, a deterioração na qualidade do serviço de 
segurança pública está levando à privatização do setor. Escolas, 
hospitais e policiamento públicos serão, cada vez mais, serviços 
prestados a quem não pode pagar pelos serviços privados. Esta 
tendência deve ser ainda mais acelerada na área de segurança pois, 
diferentemente das demais, freqüentemente são as mesmas pessoas 
que atuam na segurança público e na privada: como trabalham com 
base em escalas, os policiais - treinados com recursos públicos - são 
aproveitados pelas empresas de segurança privada, boa parte das 
quais, diga-se de passagem, são de propriedade de policiais de altas 
patentes nas polícias Civil e Militar. 
 
Este custo da violência até agora tem sido "repartido" pelo 
Estado (cuja fonte são os impostos pagos pela sociedade), pelas 
vítimas da violência e por aquelas empresas ou indivíduos que 
pretendem diminuir seus riscos de vitimização. Existem, por outro lado, 
dois ramos industriais específicos que tem parcela indireta de 
responsabilidade pelos elevados custos da violência mas que não 
 32
Questões Atuais em Criminologia 
contribuem de maneira proporcional para custeá-los: estou me referindo 
especificamente à industria de armas e de bebidas alcoólicas. 
Obviamente não é a arma ou a bebida que causam isoladamente a 
violência, assim como não é o cigarro o único responsável pelo câncer 
em fumantes. Não há como negar, todavia, o impacto da 
disponibilidade de armas e do consumo de álcool sobre a criminalidade 
e seus custos, assim como não se pode mais negligenciar os efeitos 
indiretos do fumo sobre a incidência de câncer ou problemas cardíacos 
na população. Pesquisa realizada pelas Nações Unidas em 1995 
mostrou que no Brasil as armas de fogo são utilizadas em nada menos 
que 88% dos homicídios, colocando-nos como o país com maior 
proporção de homicídios por armas de fogo em todo o mundo. Os 
homicídios por armas de fogo transformaram-se, em outras palavras, 
num problema de saúde pública. No Rio de Janeiro, os médicos 
plantonistas já recebem treinamento dados aos médicos que cuidam de 
vítimas de guerras, em virtude na quantidade e qualidade dos 
ferimentos. Nos Estados Unidos, a indústria do fumo reconheceu sua 
parcela de culpa por uma série de doenças e está entrando em acordo 
com o governo para pagar parte dos gastos na área de saúde que o 
Estado tem por causa do cigarro. Como contrapartida, não seriam 
aceitas ações individuais por danos contra as indústrias ligadas ao 
fumo. Acordos semelhantes estão sendo estudados em algumas 
comunidades com relação aos fabricantes de armas. O princípio 
invocado é o mesmo: o ônus com o tratamento das vítimas da violência 
não deve caber apenas ao Estado ou as vítimas. Se o álcool e as 
armas de fogo tem parcela de responsabilidade pela violência e mesmo 
lucram com ela - como é o caso da indústria de armas - eles deveriam 
arcar de alguma forma com os seus custos. 
 
A título de conclusão deste artigo, gostaria de reafirmar a 
precariedade dos dados aqui apresentados e de lembrar que a cifra de 
3% do PIB é uma estimativa conservadora para o custo da violência em 
São Paulo, uma vez que deixa de computar diversos itens importantes. 
E é acima de tudo uma estimativa que não leva em conta um valor 
incalculável, de uma bem que não tem preço: o valor da vida das 
vítimas da violência e suas famílias; da dor e do sofrimento humano 
que a violência representa. 
 33
 
A expansão da segurança privada no Brasil: algumas 
implicações teóricas e práticas. 
 
Teoricamente, segundo a clássica definição de Max Weber, o Estado é 
o detentor do monopólio da violência legítima dentro de um 
determinado território. Desde que os cidadãos abdicaram de seus 
"direitos naturais" em favor do Estado, somente ele tem o poder e o 
dever de zelar pela segurança externa e interna, policiando, julgando e 
punindo os infratores da lei. 
 
Julgar e punir criminosos ainda é monopólio estatal em quase todos os 
países civilizados, não obstante a freqüência das tentativas populares 
de fazer "justiça com as próprias mãos", quando avaliam que o estado 
atua ineficazmente. Mas linchamentos, vigilantismo, violência policial e 
esquadrões da morte, felizmente, são atividades ilegais em qualquer 
canto: existem na prática, contando não raramente com a aprovação 
popular quando as vítimas são "criminosos", mas ainda são 
competência exclusiva do poder público. 
 
O poder de polícia, por outro lado, deixou há várias décadas de ser um 
tipo de atividade monopolizadapelo Estado. Neste setor, como assinala 
Bayley, (Bayley, 1994) ocorreu uma erosão do monopólio público, 
provocada tanto pelas iniciativas comunitárias de autodefesa como 
principalmente pela expansão das atividades da indústria da segurança. 
Hoje a função de policiamento é repartida entre o Estado e a 
sociedade, e esta última vem adquirindo cada vez maior proeminência. 
Em diversos países do mundo, desde os anos 70, o número de 
vigilantes privados superou em quantidade o de policiais treinados e 
pagos pelo Estado: nos Estados Unidos existiam, em 1990, cerca de 
três vezes mais seguranças particulares (2 milhões) do que policias, 
estimados em 650 mil. A projeção norte-americana é de que nos anos 
90 os agentes de segurança particulares cresçam anualmente ao dobro 
da taxa dos policiais. Na Inglaterra e no Canadá a situação é a mesma: 
existem duas vezes mais seguranças particulares do que policiais e a 
taxa de crescimento do setor privado é mais rápida do que do setor 
público. Os dados existentes para São Paulo revelam uma tendência 
parecida. Em todo estado existem cerca de 400 mil vigilantes privados, 
em comparação com 120 mil policiais civis e militares, numa proporção 
de 3,3:1. 
 34
Questões Atuais em Criminologia 
 
As causas desta erosão do monopólio estatal sobre o policiamento ? 
Aumento do crime, do sentimento de insegurança e o reconhecimento 
de que o poder público - se pode prestar um serviço de segurança 
básico, não atende às necessidades específicas de segurança 
demandadas pelo mercado. Este mesmo processo, é preciso lembrar, 
ocorreu em outros setores típicos da atividade estatal, como saúde e 
educação. Em países, como o Brasil, onde os serviços médicos e 
educacionais públicos são precários, aqueles que podem procuram 
comprar estes serviços no setor privado. Com a exceção de algumas 
"ilhas de excelência", a qualidade da segurança, educação e saúde 
públicas no Brasil deixa muito a desejar, criando neste vácuo a 
oportunidade para lucros elevados no setor privado: as indústrias de 
saúde, educação e segurança privadas, não por acaso, estão entre os 
ramos mais lucrativos nas últimas décadas7. Ao pobre nada mais resta 
do que lutar pelas vagas nas escolas do município ou do estado, mofar 
na fila dos hospitais públicos e depender da escassa proteção policial, 
que simplesmente não pode estar em todos os lugares, o tempo todo. A 
classe média, em compensação, pode ser dar ao luxo de colocar seus 
filhos na escola particular, internar-se na rede privada de saúde e 
contratar porteiros e vigilantes para cuidarem de seus bens, mas na 
verdade acaba sendo duplamente tributada: já paga e caro, através dos 
impostos, por saúde, educação e segurança, mas quase nunca pode 
utilizá-los, sendo obrigada a comprar estes bens e serviços no mercado 
quando precisa de um atendimento de qualidade. 
 
O problema não é só o da qualidade do atendimento. Algumas 
empresas ou setores da sociedade desejam ter segurança 24 horas por 
dia e o estado não tem a obrigação nem o dever de atendê-los, pois 
isto significaria a privatização, em benefício de alguns, de um serviço 
que deve ser de todos. É o caso, por exemplo, dos espaços privados 
freqüentados por grande número de pessoas, como shopping centers , 
clubes, bancos, edifícios de escritórios, condomínios, etc. Não é 
possível nem desejável colocar um policial em cada um destes locais e 
por isso eles são quase que exclusivamente policiados por seguranças 
particulares, ainda que a jurisdição legal seja da polícia. 
 
 
7 0 salário médio de um vigilante foi estimado em R 600,00 mensais. O setor de 
vigilância privada movimentou 1 bilhão de reais no Estado de São Paulo, entre 
abril de 1996 e maio de 1997 (Sesvesp). Cerca de 29% da população da capital 
diz ter vigia ou guarda de segurança para olhar a casa (Ilanud, 1997) 
 35
A indústria da segurança prospera no Brasil, como em outros grandes 
centros urbanos, e a priori não há qualquer problema nisto. Existem 
todavia algumas características específicas na prestação deste serviço 
no Brasil que tornam a situação algo problemática. Em primeiro lugar, 
uma simbiose por vezes suspeita entre o setor público e o privado na 
área da segurança. Ainda que não seja legalmente permitido, é público 
e notório que muitos dos proprietários de empresas privadas de 
segurança pertencem aos quadros superiores das polícias: geralmente 
delegados de polícia civil ou oficiais superiores da polícia militar, 
embora as empresas estejam legalmente em nome de familiares, como 
esposas e filhos. O mesmo ocorre com relação aos empregados, 
geralmente policiais civis ou militares. Numa tese sobre a 
caracterização do policial militar no Estado de São Paulo, Álvaro da 
Silva Gullo (Gullo, 1992)encontra indícios claros desta simbiose: 
segundo dados levantados na ocasião, 33% dos policiais tinha algum 
trabalho remunerado fora da PM e a proporção era tanto maior quanto 
menor o posto ou graduação. Dos que tinham algum outro trabalho 
remunerado, cerca de 1% eram empregadores (obviamente os estratos 
superiores), 20% trabalhavam como autônomos e 12% como 
empregados assalariados. Este "bico", como revelou a pesquisa, 
garantia rendimentos iguais ou mesmo superiores aos auferidos na 
atividade policial. Em alguns casos a atividade policial se torna 
secundária em detrimento do bico. Não se sabe ao certo quantos 
destes 33% que possuem outro trabalho atuam na área de segurança 
privada, mas estima-se que seja a maior parte. 
 
A primeira vista não há problema em que um policial de rua, que 
trabalha com base numa escala, tenha outra atividade e que esta 
atividade se dê também na área da segurança. Segurança é o assunto 
que ele conhece, tem afinidade e para o qual foi treinado. Além disso, 
professores da rede pública também dão aulas particulares e médicos 
do serviço público mantém consultórios particulares, para ficarmos 
apenas nestas duas áreas básicas. A situação é mais complicada para 
os policiais que não estão na rua e portanto não trabalham com 
escalas, pois nestes casos só é possível exercer uma atividade paralela 
em detrimento do serviço público. Outra questão complicada: os 
policiais são treinados durante meses pelo Estado - defesa pessoal, 
tiro, legislação, investigação, etc - com o dinheiro público, e todo este 
treinamento é aproveitado pelas empresas particulares que utilizam 
esta mão-de-obra, sem que tenham que pagar nada por isso. Se, por 
um lado, isto significa uma qualidade superior no serviço de vigilância 
privada, por outro lado representa uma apropriação privada de um 
 36
Questões Atuais em Criminologia 
"bem" público. Há o problema do stress: os policiais, ao invés de 
estarem repousando de uma atividade estressante, estão na rua 
exercendo mais uma vez uma atividade perigosa, de modo que voltam 
ao trabalho tão ou mais exaustos que antes, prejudicando o trabalho 
policial. Existe também o problema das perversões, que são casos 
isolados, mas que levantam sérias dúvidas sobre a compatibilidade 
entre prestação pública e privada dos serviços de segurança: casos de 
policiais que deixam de policiar determinadas áreas da cidade para se 
aproveitar da insegurança e oferecer proteção particular; uso de 
armamento, viaturas e outros equipamentos públicos pelos policiais, 
durante a atividade particular; extorsão pura e simples de dinheiro de 
comerciantes em troca de "proteção"; prestação de serviços de 
segurança a pessoas envolvidas em atividades ilegais, como 
"banqueiros do bicho"; uso de "informações privilegiadas", como dados 
sobre criminalidade e operações policiais, para fins privados, etc. 
 
A solução para o problema da simbiose suspeita está talvez na 
oficialização do bico, mais do que na sua proibição, que é inútil, uma 
vez que os baixos salários levam os policiais

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