Buscar

entrevista-daniel-vieira-da-silva_compress

Prévia do material em texto

Recém-licenciado avisa que “o jornalismo não é um emprego, é 
um trabalho” 
Daniel Vieira da Silva, jovem licenciado em Ciências da Comunicação e actualmente 
ocupado com a RUM e o jornal Académico, reflecte sobre a profissão de jornalista e 
avisa que este é um mundo para o qual se tem de entrar “a pés juntos” 
 
 
 
O que é que o levou a optar pela licenciatura em Ciências da Comunicação, quando 
concluiu o Ensino Secundário? 
O que me levou a ingressar nesta licenciatura foi uma experiência familiar, que me deu 
alguma bagagem e o bichinho pelo jornalismo. Tenho um irmão mais velho na família 
que é jornalista há muitos anos, e sempre segui o seu percurso. Ele deu-me uma 
percepção de como era o mercado de trabalho e de como seria o meu estilo de vida, 
caso optasse por esta profissão. O gosto pelo jornalismo também foi ficando mais forte 
com algumas experiências que fui tendo. Depois, a relação muito próxima que tens 
com as pessoas, o facto de estares sempre em contacto com novas vivências e a 
importância que o jornalismo assume, nos dias de hoje, também levaram a este desejo 
que tinha de ser um elemento activo na sociedade. 
 
Acha que a licenciatura o preparou bem para a profissão? 
A nível teórico, a Universidade do Minho (UM) tem uma valência muito forte: tem 
excelentes investigadores na área, excelentes teóricos na matéria e é certo que isso, 
reflectido nas aulas, acaba por nos preparar de uma certa forma para esta profissão. 
Mas, a questão é que um jornalista que tem sucesso não pode ser só um jornalista da 
teoria. Tem de ser um jornalista de campo também. Parece-me que isso é algo que 
direcção de curso já analisou, pois tenho verificado que o curso está com uma vertente 
cada vez mais prática. Grande parte do jornalista que hoje sou devo-o ao que aqui 
aprendi, embora ache que uma vertente mais prática fosse importante. 
 
Como surgiu a hipótese de estagiar n’O Jogo? 
Enquanto estudava, tive a necessidade de escolher o local onde iria estagiar. Acabei 
por ir para Lisboa, o centro do jornalismo feito em Portugal, onde surgiu a hipótese de 
estagiar no jornal O Jogo. Fui seleccionado e integrei o estágio durante três meses. 
Infelizmente, precisamente uma semana antes de acabar o meu estágio, surgiu aquela 
notícia de que a Controlinveste, proprietária d’O Jogo, iria despedir 140 colaboradores, 
o que criou um quadro de contratação impossível para quem lá estava. Fizeram-me 
uma proposta para lá continuar, mas não satisfazia as minhas necessidades. O que me 
ofereciam não chegava para pagar a casa onde vivia, por exemplo. 
 
Descreve a sua passagem pel’O Jogo como uma experiência positiva? 
Sim, bastante positiva. Fiz trabalhos muito interessantes e fui lançado às feras logo na 
primeira semana, o que fez com que me apercebesse logo de como a profissão poderia 
ser dura. Fui enviado para cobrir um jogo da primeira divisão nacional de futebol e 
lembro-me de não saber como é que se fazia, de não ter experiência nenhuma de 
estar num estádio de futebol, nem de fazer avaliações individuais aos jogadores, ou de 
ir para as cabines no final do jogo e assistir a uma conferência de imprensa com os 
treinadores. Mas lembro-me que foi um trabalho que me aliciou e ajudou bastante a 
ganhar calo jornalístico. Lembro-me também de algumas horas de sono perdidas e de 
pestanas queimadas, mas consegui ganhar uma experiência no terreno que só me foi 
possível pela passagem pel’O Jogo. 
 
Qual foi a principal diferença que encontrou entre a licenciatura e a profissão em si? 
Encontrou algo de que não estava, de todo, à espera? 
O trabalho de redacção ou fechar um jornal são realidades que passam um pouco ao 
lado da maioria das pessoas na licenciatura. Saber exactamente o que escrever num 
jornal, conhecer os programas de edição de texto que se utilizam, saber os timmings, 
ter um título com x letras, e ter cem títulos que vêm à cabeça e não haver espaço para 
nenhum deles porque o jornal já está graficamente montado e só se tem de inserir os 
conteúdos, ou ter mil coisas para dizer e uma caixa de texto pequeníssima no fundo da 
página para preencher… Tudo isso são coisas que se aprendem no terreno. Para além 
disso, dividir tarefas, falar com colegas, tentar pesquisar assuntos, arranjar fontes 
credíveis e que te levem a algumas notícias que resultem em exclusivos, são coisas que 
não se aprendem nas aulas, daí que a experiência que tive n’O Jogo tenha sido tão 
enriquecedora. 
 
 O que o levou a regressar à UM? 
Voltei para acabar o mestrado porque, para ter direito a um estágio, teria de acabar a 
minha tese. Sempre tive muitas relações aqui na universidade. Durante alguns anos, 
fui dirigente da AAUM, no Departamento de Comunicação e Imagem. Fiz muitos 
amigos por cá, tive uma experiência muito enriquecedora, fruto das tais actividades 
extracurriculares em que me envolvi e foi precisamente por isso que me surgiu a 
hipótese de colaborar em alguns projectos ligados à UM, apesar de a minha inicial não 
ter sido essa. 
 
A que tipo de projectos se refere em concreto? 
Integrei a equipa da Rádio Universitária do Minho (RUM). A RUM é uma rádio 
profissional, feita exclusivamente por profissionais. É a rádio de cariz local mais ouvida 
em Braga e é também um meio que tem vindo a ganhar alguma importância no 
universo noticioso. Integrar um projecto desta envergadura foi uma aventura aliciante, 
até porque ser jornalista de rádio foi algo que nunca tinha pensado fazer. Assumi 
também o projecto do jornal Académico. Apresentaram-me uma proposta para ser 
editor executivo do jornal que acabei por aceitar, pois já tinha sido colaborador e 
contribuído na sua edição, antes de estagiar em Lisboa. Neste momento, sou editor 
executivo do Académico e jornalista de rádio ao mesmo tempo. 
 
Esta experiência profissional na RUM só surgiu depois de ter voltado para Braga? 
Sim. Enquanto estava na AAUM, ainda antes do estágio, fiz umas brincadeiras na rádio. 
Existia um programa quinzenal que era uma espécie de noticiário acerca do que se 
passava aqui na UM. Como é lógico, pessoas que nunca tinham feito rádio assumirem 
um programa destes fez com que não fosse muito rico em conteúdo ou agradável aos 
ouvintes. Ainda assim, essa brincadeira foi o meu primeiro contacto com a rádio. 
Depois, desviei-me completamente da AAUM quando fui para Lisboa e só quando cá 
voltei é que surgiu a proposta para ingressar na RUM. 
 
Imagina-se a fazer rádio no futuro, fora da RUM? 
Sim, porque tenho a noção e o feedback de que houve uma evolução meteórica entre 
o que fiz antes de ir para Lisboa e o que faço hoje, em rádio. Na altura, não tinha uma 
voz preparada, não sabia fazer colocação, nem conhecia os tiques que eram precisos 
em rádio. Apesar de ainda não ter o bichinho, vejo-me hoje mais jornalista de rádio do 
que há uns tempos atrás porque, com as minhas experiências, também descobri que 
este é um meio viciante. 
 
Como é gerir o jornal Académico? 
Ser jornalista é uma coisa, mas fazer a edição de um jornal é outra completamente 
diferente. É uma tarefa aliciante, mas confesso que o dia-a-dia é um pouco 
complicado: mal fecho o jornal da semana estou, no minuto seguinte, a pensar na 
agenda para a próxima semana. Há também o facto de os redactores serem 
estudantes, ou seja, jornalistas voluntários que olham para este projecto como uma 
actividade extracurricular, razão pela qual todas as semanas tenho que saber gerir a 
sua disponibilidade. Há algumas semanas em que tenho pouquíssimos colaboradores 
para um jornal de 24 páginas, algo que se torna um pouco cansativo e complicado, 
sem deixar, ao mesmo tempo, de ser aliciante. Para além disso, há também o orgulho 
de sermos o único semanário académico do país. Temos universidades com séculos de 
História e depois temos a UM, que é mais recente, e que é a única a ter um jornal 
semanal feito por estudantes. Até as universidades estrangeirasficaram admiradas 
com o que acontecia por cá, quando falei do jornal Académico, numa viagem que fiz 
recentemente à Letónia, por causa de um projecto que a RUM estava envolvida. 
 
Acha o jornal Académico tem ajudado os estudantes a melhorar as suas 
competências jornalísticas? 
Sim. O Académico é um projecto extracurricular e sou da opinião que tudo o que os 
estudantes façam fora das aulas pode contribuir para aprenderem mais. Seja num 
jornal, seja a trabalhar numa rádio ou televisão, seja a fazer parte num grupo cultural 
ou num organismo como a AAUM, penso que tudo isso é importante. E, se os alunos 
querem seguir o ramo do jornalismo e têm possibilidade de o ir exercendo, com uma 
pessoa que os pode coordenar e dar indicações quando o trabalho está a ser mal feito, 
acho que devem aproveitar. Penso, por isso, que o Académico é uma mais-valia para 
quem quer que o integre. 
 
Quando planeia concluir o mestrado? 
Queria acreditar que vou entregar a tese daqui a alguns meses, mas confesso que tal 
não será fácil. Quando voltei para cá tive reuniões com o meu orientador, o professor 
Manuel Pinto, e tinha o meu tema definido. Só que a rádio acabou por ocupar-me 
demasiado tempo. 
 
Sente que é prioritário para um pessoa que terminou a licenciatura partir logo para o 
mestrado em Comunicação? Ou acha que deve haver um interregno para se ganhar 
alguma experiência prática? 
Se no final de três anos tiveres uma proposta de emprego na tua área, acho que não te 
podes dar ao luxo de dizer que não a queres porque vais fazer primeiro um mestrado 
ou uma pós-graduação. Se essa oportunidade surgisse, acho que deverias agarrar, pois 
ganhas bastante experiência e podes sempre voltar à universidade a qualquer altura, 
para acabares o teu ciclo de estudos. Ainda assim, e apesar de ver que o curso de 
Ciências da Comunicação está a ficar cada vez mais pratico, parece-me que as pessoas 
não saem tão bem preparadas como dantes, por causa do processo de Bolonha. A 
verdade é que em três anos não se aprende tanto como em cinco. Por isso, e tendo em 
conta que o jornalismo hoje em dia não oferece grandes lugares à disposição, acho 
que vale sempre a pena tentares aperfeiçoar as competências e aprenderes um 
bocadinho mais, através do mestrado. 
 
Quais as expectativas que tem para a sua carreira, tendo em conta a actual 
conjuntura? 
Infelizmente, não são boas. Conheço alguns colegas meus que estavam em órgãos de 
comunicação bastante estáveis e que agora estão à procura de emprego. Isto é um 
panorama que assusta, e que tem de assustar, a toda a gente no meio, e ao qual 
nenhuma pessoa está imune. Há, no entanto, uma atitude a tomar – não podemos 
desesperar, nem ficar sentados à espera que as coisas nos caiam nas mãos. Acho que é 
preciso que as pessoas se mexam. Tenho a certeza de que, se me continuar a mexer e 
a entregar-me com paixão, talvez daqui a uns anos olhem para mim e me vejam como 
uma mais-valia num posto de trabalho. Pode ser que surjam também novos projectos 
e daqui a quatro ou cinco anos o jornalismo ganhe um novo fôlego, razão pela qual me 
parece importante não desistir. 
 
Na sua opinião, o que define um bom jornalista? 
Acho que um bom jornalista tem que ter uma mente muito aberta, porque a ideia de 
um jornalismo fechado, de tratar os assuntos sempre da mesma forma, recorrendo às 
mesmas fontes e falando sempre com as mesmas pessoas, é algo que já ninguém quer 
saber. Também é importante ter o dom de saber comunicar com as pessoas, porque o 
saber comunicar e o saber filtrar a informação são das coisas mais importantes. Para 
além disso, um bom jornalista tem de saber como abordar uma questão delicada. Se 
fazes, por exemplo, uma pergunta a um político e sabes que ele não vai querer 
responder, tens de puxar por ti, ter imaginação, e tentar que ele vá de encontro a ela. 
O bom jornalista desenrasca-se. Também acho que ele deve sair sempre da cadeira e 
tentar evitar o trabalho de secretária, porque o trabalho de campo é a fonte para tudo 
o que o jornalismo deve ser, e é no campo que encontramos tudo. 
 
Qual foi, para si, o momento mais marcante nesta profissão? 
Provavelmente, as experiências que tive lá em baixo, n’O Jogo. Trabalhar num jornal 
nacional que é lido por uma enorme quantidade de pessoas, e ver lá duas páginas 
escritas por mim, enquanto acompanhava centenas de comentários sobre uma notícia 
minha na página online, são coisas que marcam. Até porque são um sinal de que não 
estou a trabalhar para o boneco e que estou a ser um elo de comunicação. Dei-te, há 
bocado, o exemplo de ser lançado às feras. Lembro-me do stresse, da pressão, do 
medo de falhar, de tudo isto junto e de, no fim, ver o meu trabalho lido por pessoas de 
todo o país. Naquela altura, foi um momento muito importante para mim e que me 
elevou o ânimo. 
 
Que conselho daria às pessoas que estão actualmente a tirar a licenciatura em 
jornalismo, ou a todas as pessoas que querem ser jornalistas? 
O jornalismo não é um emprego, é um trabalho. A pessoa que quer ir para esta área 
tem que ir de mente aberta e com a percepção de que vai perder muito do que hoje 
tem, porque o jornalismo é algo que exige muito de ti - tens de ser empenhado - só 
que, para darmos o nosso melhor, as nossas vidas pessoal e familiar acabam por sofrer 
um pouco com tudo isto. Uma pessoa que vai para esta área também tem de deixar 
para trás tudo o que são complexos e tem de ser capaz de ultrapassar os obstáculos 
que lhe aparecem. Tem de entrar a pés juntos nesta profissão e dar tudo o que puder, 
e o que não puder também, pois só assim será um bom profissional. 
 
 
José Miguel Lopes – A57558 
Junho de 2011

Continue navegando