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1 FACULDADE ÚNICA DE IPATINGA 2 Natasha Ribeiro de Oliveira Natasha Ribeiro de Oliveira é mestre e doutoranda em Linguística e Língua Portuguesa pela Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara – (FCLAr/UNESP). Possui graduação em Letras, com habilitação em Português e Francês pela Faculdade de Ciências e Letras de Assis (FCLAs/UNESP). Desenvolve, atualmente, estudo com referencial teórico- metodológico do Círculo de Bakhtin, com o apoio da CAPES, intitulado "Arte, mídia e política: uma análise bakhtiniana de "bolsominions" e "petralhas". Desenvolveu, em nível de mestrado e iniciação científica, pesquisas na mesma área da análise do discurso, todas sob a orientação da Profa. Dra. Luciane de Paula, com ênfase na verbivocovisualidade da linguagem. Membro-pesquisadora e secretariado GED - Grupo de Estudos Discursivos desde 2015. É desse lugar de fala que a autora acredita na possibilidade de contribuir com a sua aprendizagem, por meio dos conhecimentos linguísticos aqui apresentados. LINGUÍSTICA GERAL 1ª edição Ipatinga – MG 2022 3 4 FACULDADE ÚNICA EDITORIAL Diretor Geral: Valdir Henrique Valério Diretor Executivo: William José Ferreira Ger. do Núcleo de Educação a Distância: Cristiane Lelis dos Santos Coord. Pedag. da Equipe Multidisciplinar: Gilvânia Barcelos Dias Teixeira Revisão Gramatical e Ortográfica: Izabel Cristina da Costa Revisão/Diagramação/Estruturação: Bruna Luiza Mendes Leite Fernanda Cristine Barbosa Guilherme Prado Salles Lívia Batista Rodrigues Design: Bárbara Carla Amorim O. Silva Élen Cristina Teixeira Oliveira Maria Eliza Perboyre Campos © 2021, Faculdade Única. Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem Autorização escrita do Editor. Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Melina Lacerda Vaz CRB – 6/2920. NEaD – Núcleo de Educação a Distância FACULDADE ÚNICA Rua Salermo, 299 Anexo 03 – Bairro Bethânia – CEP: 35164-779 – Ipatinga/MG Tel (31) 2109 -2300 – 0800 724 2300 www.faculdadeunica.com.br http://www.faculdadeunica.com.br/ 5 Menu de Ícones Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do conteúdo aplicado ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones ao lado dos textos. Eles são para chamar a sua atenção para determinado trecho do conteúdo, cada um com uma função específica, mostradas a seguir: São sugestões de links para vídeos, documentos científicos (artigos, monografias, dissertações e teses), sites ou links das Bibliotecas Virtuais (Minha Biblioteca e Biblioteca Pearson) relacionados com o conteúdo abordado. Trata-se dos conceitos, definições ou afirmações importantes nas quais você deve ter um maior grau de atenção! São exercícios de fixação do conteúdo abordado em cada unidade do livro. São para o esclarecimento do significado de determinados termos/palavras mostradas ao longo do livro. Este espaço é destinado para a reflexão sobre questões citadas em cada unidade, associando-o a suas ações, seja no ambiente profissional ou em seu cotidiano. 6 SUMÁRIO UMA BREVE REFLEXÃO LINGUÍSTICA ........................................................ 9 1.1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 9 1.2 A LÍNGUA(GEM): ALGUMAS REFLEXÕES ............................................................. 10 1.3 LINGUÍSTICA OU GRAMÁTICA? ........................................................................... 12 FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 16 OS PRIMEIROS ESTUDOS LINGUÍSTICOS.................................................. 21 2.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 21 2.2 A GRAMÁTICA DE PANINI.................................................................................... 23 2.3 OS FILÓSOFOS NA GRÉCIA ANTIGA ................................................................... 24 2.4 ROMA E A LÍNGUA LATINA .................................................................................. 27 2.5 O INTERESSE RELIGIOSO DA IDADE MÉDIA ......................................................... 29 2.6 IDEIAS RENASCENTISTAS ...................................................................................... 30 2.7 O CONTATO EUROPEU COM O SÂNSCRITO ....................................................... 32 FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 35 OS ESTUDOS HISTÓRICO-COMPARATIVOS NO SÉCULO XIX ................ 40 3.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 40 3.2 BREVE HISTÓRICO E PRINCIPAIS ESTUDIOSOS .................................................... 41 3.3 O MÉTODO HISTÓRICO-COMPARATIVO ............................................................ 45 FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 49 OS ESTUDOS PRÉ-SAUSSURE: O SÉCULO XIX .......................................... 53 4.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 53 4.2 O ESTUDO COMPLETO DA FONÉTICA .................................................................. 54 4.3 NEOGRAMÁTICOS ................................................................................................ 55 4.4 OS PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA DA INTERAÇÃO .................................................. 57 FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 61 A LÍNGUA COMO OBJETO DA LINGUÍSTICA: O SÉCULO XX ................. 65 5.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 65 5.2 O ESTRUTURALISMO E SUAS PRINCIPAIS IDEIAS .................................................. 65 5.3 FERDINAND DE SAUSSURE E O CORTE EPISTEMOLÓGICO .................................. 66 5.4 O SIGNO LINGUÍSTICO E AS DICOTOMIAS SAUSSURIANAS .............................. 70 FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 75 A LINGUÍSTICA MODERNA PARA ALÉM DE SAUSSURE........................... 80 6.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 80 6.2 LEONARD BLOOMFIELD ........................................................................................ 81 6.3 CHARLES BALLY ..................................................................................................... 83 6.4 LOUIS HJELMSLEV .................................................................................................. 84 6.5 ROMAN JAKOBSON ............................................................................................. 85 6.6 ANDRÉ MARTINET .................................................................................................. 86 FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 89 UNIDADE 01 UNIDADE 02 UNIDADE 03 UNIDADE 04 UNIDADE 05 UNIDADE 06 7 RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO ............................................... 93 REFERÊNCIAS ...........................................................................................94 8 CONFIRA NO LIVRO Em “Uma breve reflexão linguística”, a concepção de língua/linguagem é abordada, em contraponto à noção de gramática tradicional. Em “Os primeiros estudos linguísticos”, a primeira gramática, os filósofos gregos e romanos e os pensadores da Idade Média e do Renascimento são apresentados. Em “Os estudos histórico-comparativos no século XIX”, o contato europeu com o sânscrito é abordado como uma perspectiva que buscou a origem das línguas (protolíngua). Em “Os estudos pré-Saussure: o século XIX”, outras perspectivas de como a língua era estudada são apresentadas, com a fonética e os neogramáticos. Em “A língua como objeto da linguística: o século XX”, o corte epistemológico de Saussure é abordado para mostrar as contribuições do fundador da linguística como ciência. Em “A linguística moderna para além de Saussure”, autores importantes para o estruturalismo linguístico são apresentados, como os que integraram os movimentos do formalismo e o funcionalismo. 9 UMA BREVE REFLEXÃO LINGUÍSTICA 1.1 INTRODUÇÃO Petter (2006) diz que o desenvolvimento dos estudos linguísticos levou muitos estudiosos a proporem diferentes definições do que é a “linguagem”, sendo elas muito próximas em alguns pontos, mas também muito diferentes em outros. Isso significa dizer que não há como “fechar” uma definição ou uma conceituação sobre o que é a linguagem, pois, automaticamente, perguntas como “para quem?”, “em qual época?”, “sob qual perspectiva?” surgem à medida que se avança nos estudos. Tampouco há a pretensão de se fazer uma definição fechada sobre a linguagem. Ao contrário, a ideia principal deste material é a de proporcionar diferentes visões, em diferentes momentos históricos, de maneira introdutória, sobre como os fatos linguísticos foram percebidos pela humanidade. Por isso, o pensamento linguístico de hoje é baseado e formado a partir de diferentes princípios metodológicos de décadas e séculos atrás, que já se preocupavam com essa questão, mesmo que não da mesma forma que atualmente – afinal, as preocupações também eram outras, por isso os estudos tiveram outros objetivos. Contudo, reforça-se que os estudos linguísticos atuais, ainda que derivem parcialmente dos antigos, não dão conta de serem explicados e totalmente relacionados com a antiguidade, pois não há dados científicos suficientes para comprovar uma estreita ligação e relação de dependência entre povos geográfica e temporalmente distintos. Logo, todos os períodos e fatos históricos relacionados aos estudos linguísticos devem ser compreendidos como momentos da história do pensamento linguístico, não necessariamente como uma linha do tempo em que um fato sucede o outro. Assim, é possível compreender como esse tema sempre esteve presente na vida dos seres humanos, de uma maneira ou de outra, sem que haja a necessidade de “esgotá-lo” como se só existisse essa possibilidade de olhar para os fatos da língua. UNIDADE 01 10 1.2 A LÍNGUA(GEM): ALGUMAS REFLEXÕES Como será discutido, a Linguística não era considerada uma área autônoma, pois carecia de cientificidade, método e objeto próprios. Por isso, se apoiava em outras áreas de estudo, como a lógica, a filosofia e a retórica para trazer a base científica para suas contribuições. Contudo, o que sempre houve nesses estudos, apoiados ou não em outras áreas, foi a preocupação em definir o que é a linguagem, tema este que não recai só sobre a linguagem humana, mas também sobre a linguagem animal, como demonstra o estudo de Karl von Frisch, em 1959, sobre o sistema de comunicação utilizado pelas abelhas. Ou seja, não só um tipo de linguagem, mas quando o tema se volta aos seres humanos e ao sistema de comunicação por eles utilizado, geralmente, a noção de “língua” está estritamente vinculada. Com base em Cunha, Costa e Martelotta (2011), identifica-se que a linguagem é um termo polissêmico, isto é, apresenta mais de um sentido, uma vez que é possível utilizá-lo para referir-se a qualquer processo de comunicação. Por isso, existe a linguagem dos animais, a linguagem corporal, a linguagem das artes, a linguagem da sinalização, a linguagem escrita, dentre outras, como aponta os autores. A língua falada por um grupo de pessoas, dessa forma, é uma forma de linguagem. Nesse sentido, para os autores, a linguagem é uma habilidade, ao passo que a língua é um sistema de signos utilizados entre os membros de um grupo. Quando falamos, então, que os linguistas estudam a linguagem, queremos dizer que, embora observem a estrutura das línguas naturais, eles não estão interessados apenas na estrutura particular dessas línguas, mas nos processos que estão na base da sua utilização como instrumentos de comunicação. Em outras palavras, o linguista[...] [é] um estudioso dos processos através dos quais essas várias línguas refletem, em sua estrutura, aspectos universais essencialmente humanos (CUNHA; COSTA; MARTELOTTA, 2011, p. 15). Como é possível observar, a partir da reflexão trazida pelos autores, há diversos tipos de linguagens e diversas manifestações, uma delas é a língua (verbal/oral), tão estudada pela Linguística desde antes de haver uma área consolidada. A língua é um uso específico da linguagem (algo mais geral), ou seja, é uma das formas de conceber o que é a linguagem, mais complexo e amplo. E é sobre esse tipo de expressão que os linguistas, por meio dos estudos linguísticos, na e pela humanidade, se dedicaram. 11 A língua(gem) é algo que exerceu e continua a exercer interesse nos homens, seja pelo seu caráter de evolução, seja pelo seu caráter de comunicação. Petter pontua que a linguagem “[...] permite não só nomear/criar/transformar o universo real, mas também possibilita trocar experiências, falar sobre o que existiu, poderá vir a existir, e até mesmo imaginar o que não precisa nem pode existir” (2006, p. 12). Ou seja, a possiblidade que a língua(gem) tem de transmitir o mundo é o que a faz única, do ponto de vista de um artefato cultural, pois utilizado por diversas culturas, em diferentes épocas. Assim como não há sociedade sem linguagem, não há sociedade sem comunicação. Tudo o que se produz como linguagem ocorre em sociedade, para ser comunicado, e, como tal, constitui uma realidade material que se relaciona com o que lhe é exterior, com o que existe independentemente da linguagem. Como realidade material – organização de sons, palavras, frases – a linguagem é relativamente autônoma; como expressão de emoções, ideias, propósitos, no entanto, ela é orientada pela visão de mundo, pelas injunções da realidade social, histórica e cultural de seu falante (PETTER, 2006, p. 12). De acordo com a autora, a linguagem verbal (língua) é uma forma de comunicação básica entre os seres humanos e, por isso, desperta e sempre despertou diversos estudos, movidos, muitas vezes, pela curiosidade (fascínio) de compreender o mundo e as formas de ser e de estar nele. Dessa curiosidade, portanto, resultam as diversas formas de estudos, frutos da tentativa de compreender e apreender melhor o que é esse instrumento de comunicação e como se ele comporta diferentemente em cada sociedade. Assim como os próprios estudos linguísticos sofreram alterações e variações ao longo dos tempos, o mesmo ocorre com a língua, por isso é possível pensar em uma variação linguística no que tange à história, mas também dentro de uma mesma sociedade. Por isso, essa capacidade da língua de mudar e de se adaptar, por ser um processo natural de evolução que ocorre por meio das interações entre os falantes, sendo elas de sentido (semântica), de grafia (léxico), dentre outras. Essas variações linguísticas podemocorrer por fator histórico, regional, social ou até mesmo de estilo do falante. 12 Cunha, Costa e Martelotta (2011) ressaltam que há diferentes formas de compreender o fenômeno da linguagem, por isso, é possível apreendê-la como (1) uma técnica articulatória complexa, relacionada aos sons que produzem a fala; (2) uma base neurobiológica composta de centros nervosos que são utilizados na comunicação verbal, em que o funcionamento da linguagem está relacionado a uma estrutura biológica que o veicula; (3) uma base cognitiva, que rege as relações entre o homem e o mundo biossocial e que representa esse mundo em termos linguísticos; (4) uma base sociocultural que atribui à linguagem humana os aspectos variáveis no tempo e no espaço; e (5)uma base comunicativa que fornece os dados que regulam a interação entre os falantes. Nota-se que dentro dessas 5 (cinco) possibilidades, há muitos e diferentes estudos e pesquisas que foram e podem ser desenvolvidos. Ou seja, tratar da (língua)gem não é uma tarefa simples nem que pode ser esgotada, por isso há muito feito, mas também há muito a se fazer em relação aos fatos linguísticos. 1.3 LINGUÍSTICA OU GRAMÁTICA? Como apontado por Cunha, Costa e Martelotta (2011), as pessoas confundem a Linguística com a Gramática, que é normalmente ensinada nas escolas. Entretanto, é importante que uma distinção seja feita, pois a forma de olhar para a língua(gem) muda a depender de qual perspectiva for enfatizada. Como se percebe, é possível conceber a linguagem e a língua em uso de diferentes formas e a partir de múltiplos https://bit.ly/3NF45Xf https://bit.ly/3mmg3IY 13 objetivos. Uma boa definição do que seria um estudo nesta perspectiva e o papel de quem a estuda, seria o de que Os estudos linguísticos não se confundem com o aprendizado de muitas línguas: o linguista deve estar apto a falar “sobre” uma ou mais línguas, conhecer seus princípios de funcionamento, suas semelhanças e diferenças. A Linguística não se compara ao estudo tradicional da gramática; ao observar a língua em uso o linguista procura descrever e explicar os fatos: os padrões sonoros, gramaticais e lexicais que estão sendo usados, sem avaliar aquele uso em termos de um outro padrão: moral, estético ou crítico (PETTER, 2006, p. 17). Importante pensar sobre essa distinção entre o trabalho realizado pela linguística e pela gramática, pois não é só o objeto que muda (linguagem/língua), mas a forma de refletir sobre eles. Um estudo linguístico considera qualquer expressão como possível e passível de ser analisada, sem que juízos de valor, como certo ou errado, sejam tidos como objetivo principal, uma vez que a descrição e interpretação dentro de um escopo científico são seus principais objetivos. Por outro lado, há estudos que se voltam ao modo “certo” ou “bonito” de falar e escrever, o que configura, nesse sentido, não um trabalho expressamente linguístico, mas sim normativo e prescritivo, pois desconsidera as diferentes realidades da variação linguística, que fazem com que um falante cometa um ou outro desvio linguístico, mas que não o torna menos falante. Cunha, Costa e Martelotta fazem uma distinção entre a linguística e a gramática tradicional, com o objetivo de elucidar o que cabe (ou não) à cada uma delas. Primeiro, dizem os autores, a gramática tradicional foi desenvolvida pelos filósofos gregos como forma de sistematizar, por meio da observação das formas linguísticas, as leis de elaboração do raciocínio. Ressaltam que essa tendência perdurou até o século XIX, quando uma nova ciência, a Linguística surgiu. Outro fato importante sobre a Gramática é a sua instituição de um uso correto da língua, 14 considerado o mais adequado, por isso, pode ser caracterizada como normativa. Por sua vez, a Linguística analisa e descreve o funcionamento da língua, sem se preocupar com regras de uso. A segunda diferença importante apontada pelos autores é a de que os linguistas, diferente do que se concebe na gramática tradicional, consideram a língua falada como primária, não escrita. Eles afirmam que “qualquer atividade de escrita representa um processo mais sofisticado e adquirido mais tardiamente”, pois eles afirmam que “[...] começamos a falar antes de aprender a escrever, falamos mais do que escrevemos em nossa rotina diária, todas as línguas naturais foram faladas antes de serem escritas” (CUNHA; COSTA; MARTELOTTA, 2011, p. 26). Compreende-se, então, que ambas as abordagens se assemelham por trazerem a linguagem, de uma maneira ou de outra, para seu interior, mas se distinguem de maneira bem clara com o que fazem a partir deste tema: prescrever o bom uso da língua, como um gramático tradicional o faz, está em uma situação diferente da descrição da língua, como um linguista o faz. Reforça-se, então, que essas distinções existem e, sobre elas, algumas reflexões são feitas, a fim de que cada área de estudo tenha as condições ideais para realizar seus objetivos acerca da (língua)gem. Por fim, há de ressaltar que o trabalho proposto por uma gramática, seja de qual caráter for, não deve ser ignorado tampouco desvalorizado. É preciso reconhecer o lugar e a contribuição que este tipo de estudo tem para os estudos linguísticos, principalmente quando falamos de tempos mais antigos e de povos mais distantes, que não possuíam o mesmo tipo de objeto nem conhecimento científico do qual se dispõe os dias atuais. A ressalva do que é o trabalho de um(a) linguista é 15 uma forma de mostrar como esse profissional atua e pode continuar atuando na sociedade, contribuindo com o fazer científico ético e de qualidade, sem desvalorizar, contudo, o trabalho de um(a) gramático(a), que muito tem a contribuir também com esse fazer científico, dentro das suas especificidades. 16 FIXANDO O CONTEÚDO 1. Na Linguística, o trabalho do linguista deve ser corretamente identificado com: a) O estabelecimento de métodos históricos e comparativistas para a descoberta da etimologia das palavras. b) A definição de quais línguas são superiores e quais são inferiores. c) Intuições e percepções subjetivas sobre a linguagem a fim de relacioná-las com uma teoria filosófica. d) O estabelecimento de teoria linguística e criação de métodos rigorosos para a descrição das línguas. e) A elaboração de uma gramática normativa ou prescritiva a fim de estabelecer a correção gramatical. 2. Não podemos analisar a língua simplesmente como uma quantidade de palavras que comunicam, pois a língua faz parte da maneira de ser do indivíduo como um todo. Podemos refletir, então, que: a) A língua, além de um organismo vivo, mutante, é uma instituição social. Numa mesma comunidade todos necessitam conhecer e dominar a mesma estrutura linguística, porém, há variações. b) As línguas obedecem a uma estrutura e jamais mudam. c) As línguas só mudam nas camadas mais privilegiadas da população. d) A língua não é uma instituição social. Em uma mesma comunidade nem todos necessitam conhecer e dominar a mesma estrutura linguística. e) A língua é uma instituição política e só muda quando são alteradas as leis de Estado. 3. “Dada nossa tradição escolar, há uma tendência em se identificar o estudo da linguagem com o estudar da gramática. A __________, no entanto, distingue-se da gramática tradicional, normativa. Ela não tem, como esta gramática, o objetivo de prescrever normas ou ditar regras de correção para o uso da linguagem. Para essa ciência, tudo o que faz parte da língua interessa e é matéria de reflexão. (p. 10)" 17 Adaptado de ORLANDI, Eni. O que é linguística. São Paulo: Brasiliense, 1999. Qual dasalternativas a seguir preenche corretamente a lacuna? a) Gramática Prescritiva. b) Gramática Descritiva. c) Gramática Internalizada. d) Linguística. e) Gramática Comparada. 4. Analise as seguintes sentenças: I. Não se faz distinção entre língua e linguagem na Linguística, pois a língua não é uma forma de linguagem. II. É possível distinguir língua e linguagem, pois a primeira é um tipo de manifestação da segunda. III. Quando se fala de linguagem, só é possível pensar na língua verbal e escrita. Está correto o que se afirma em: a) I. b) II. c) III. d) I e II. e) Todas as sentenças estão corretas. 5. Sobre a Linguística, pode-se afirmar que: a) Corresponde aos estudos gramaticais, filológicos ou etimológicos realizados desde a Grécia Antiga e estendendo-se até os dias atuais, com ênfase na investigação empírica da linguagem. b) Consiste numa disciplina que trata da linguagem de uma forma normativa, procurando estabelecer as regras e normas do uso padrão da língua. c) Consiste numa disciplina que se detém na investigação científica da linguagem. d) Corresponde aos estudos sobre a linguagem a partir de Ferdinand Saussure, em que os estudos gramaticais e etimológicos são o cerne da investigação científica. 18 e) Consiste numa abordagem científica de todos os tipos de linguagem utilizadas pelos seres humanos, desde as primeiras gramáticas até os autores modernos do Império Romano que influenciam diversos idiomas por conta do latim. 6. (ENEM 2016) “O acervo do Museu da Língua Portuguesa é o nosso idioma, um “patrimônio imaterial” que não pode ser, por isso, guardado e exposto em uma redoma de vidro. Assim, o museu, dedicado à valorização e difusão da língua portuguesa, reconhecidamente importante para a preservação de nossa identidade cultural, apresenta uma forma expositiva diferenciada das demais instituições museológicas do país e do mundo, usando tecnologia de ponta e recursos interativos para a apresentação de seus conteúdos. Disponível em: www.museulinguaportuguesa.org.br. Acesso em: 16 ago. 2012 [adaptado] De acordo com o texto, embora a língua portuguesa seja um “patrimônio imaterial”, pode ser exposta em um museu. A relevância desse tipo de iniciativa está pautada no pressuposto de que: a) A língua é um importante instrumento de constituição social de seus usuários. b) O modo de falar o português padrão deve ser divulgado ao grande público. c) A escola precisa de parceiros na tarefa de valorização da língua portuguesa. d) O contato do público com a norma-padrão solicita o uso de tecnologia de última geração. e) As atividades lúdicas dos falantes com sua própria língua melhoram com o uso de recursos tecnológicos. 19 7. (UNICENTRO 2017 - adaptada) Leia o texto a seguir para responder à questão: Disponível em http://www.chargeonline.com.br. Acesso em 23 set. 2017 Com base na leitura da charge supracitada, bem como de seus conhecimentos, avalie as proposições a seguir: I. A língua é entidade imutável, homogênea, cabendo aos falantes atender à norma padrão culta. II. Toda língua é um conjunto diversificado, porque as sociedades humanas têm experiências históricas, sociais, culturais e políticas diferentes e essas experiências se refletirão no comportamento linguístico de seus membros. III. As variações (sintáticas e lexicais) são inerentes à fala e à escrita de pessoas pouco escolarizadas. A partir da análise é correto considerar que: a) Somente a alternativa I está correta. b) Somente a alternativa II está correta. c) Somente a alternativa III está correta. d) As alternativas I e II estão corretas. e) Todas as alternativas estão corretas. 8. (UEG 2018) Observe a imagem a seguir, referente ao anúncio do primeiro espetáculo da Semana de Arte Moderna de 1922. https://www.qconcursos.com/questoes-de-vestibular/provas/unicentro-2017-unicentro-vestibular-pac-3-etapa http://www.chargeonline.com.br/ 20 Disponível em: https://ifhistoria.wordpress.com/2014/05/18/a-semana-de-arte-moderna/. Acesso em: 01 out. 2018. Em termos de linguagem, verifica-se que há no anúncio a presença de formas linguísticas que comprovam que: a) A língua sofre variação no decorrer do tempo, passando por mudanças históricas tanto em seus aspectos semânticos quanto em sua forma ortográfica. b) Há ocasiões em que os falantes mudam seu jeito de falar para se adequarem à formalidade da situação, o que se chama de variação situacional. c) Há variações que são devidas ao gênero dos falantes, pois homens e mulheres falam de modo diferente. d) A origem geográfica do falante determina seu modo de falar, sendo o que se chama de variação regional. e) A idade dos falantes é fator importante no modo de falar das pessoas, como é o caso das gírias. https://ifhistoria.wordpress.com/2014/05/18/a-semana-de-arte-moderna/ 21 OS PRIMEIROS ESTUDOS LINGUÍSTICOS 2.1 INTRODUÇÃO No início dos tempos, não havia uma Linguística como nós temos hoje, com seu objeto e métodos próprios e bem definidos. Mas os estudos sobre a linguagem humana existem muito antes da fundação da Linguística como uma ciência, no fim do século XIX e início do século XX, pelo estudioso genebrino Ferdinand de Saussure. Os seres humanos, com a necessidade básica da comunicação, sempre fizeram uso da linguagem (em suas mais diferentes formas, verbal, sonora ou visual). Por isso, os estudos acerca da linguagem acompanham toda a evolução humana, mesmo que sem o rigor científico que hoje temos na área da Linguística, até pelo fato de não ser uma preocupação de outras épocas. O caminho percorrido pela Linguística para ganhar seu status científico e seu objeto e métodos bem definidos é relativamente atual, em comparação com outras áreas da ciência humana. Contudo, o interesse pela linguagem sempre existiu, mesmo que uma disciplina que se preocupasse especificamente só com isso ainda não existisse. Um exemplo de quão antigo é o interesse pela linguagem está no século IV a. C., quando a preocupação dos povos hindus era a de fazer uma manutenção da Gramática com propósitos religiosos, baseados no princípio de ler e escrever corretamente. Mais à frente, já no século I a. C., os latinos tentaram implementar a gramática grega no seu idioma (língua latina), pois acreditavam que, assim, a interpretação literária (leitura e produção de poemas) seria melhor para todo o povo. Percebe-se que a humanidade possui um interesse pelo tema “linguagem” desde a antiguidade, ainda que cada povo possuísse traços de interesses distintos. Portanto, contextualizar a linguagem como ciência é um trabalho anterior ao fim do século XIX e início do século XX. Logo, para entender o que Saussure fez (um marco histórico para a área), é preciso entender também o que veio antes dele e o que os povos estudavam e buscavam a partir da temática da “linguagem”. UNIDADE 02 22 Traçar uma linha do tempo, linear, que dê conta de destacar todos os fatos, cronologicamente, sobre os acontecimentos acerca dos estudos linguísticos é uma tarefa difícil, uma vez que o seu desenvolvimento não ocorreu dessa forma. Como diz Weedwood (2002): No plano geográfico, é vão tentar ligar todas as tradições lingüísticas numa única seqüência cronológica, saltando da Índia à China, à Grécia e a Roma, aos povos semíticos e de volta ao Ocidente. Cada tradição tem sua própria história e só pode ser explicada à luz de sua própria cultura e de seus modos de pensamento. Cada uma tem sua contribuição particular a dar à percepção humana da linguagem (WEEDWOOD, 2002, p. 22). Com base no que é dito pela autora, pode-se perceberque o interesse pela linguagem é muito antigo, de modo que há acesso a mitos, lendas, cantos, rituais e trabalhos eruditos que refletiam sobre e buscavam entender essa capacidade humana, como também diz Petter (2006) O crescente interesse dos povos pela linguagem, não é de se estranhar que diferentes e variadas culturas, em diferentes e variados tempos, tenham se dedicado a essa questão que está presente na vida cotidiana de todos os seres humanos, de maneira mais sistematizada ou não. Há de se considerar, nesse momento de primeiros estudos linguísticos, que eles foram desenvolvidos de maneira isoladas, em cada cultura, mas que também, em alguns momentos, o desenvolvimento ocorre numa relação de certa dependência. A lingüística grega e a romana formam um continuum com a medieval: os romanos se basearam nas iniciativas dos gregos (e, de maneira limitada, desenvolveram-nas), enquanto os pensadores medievais estudaram, digeriram e transformaram a versão romana da tradição lingüística antiga. Alguns aspectos do pensamento pré- renascentista, sobretudo a etimologia e a teoria da littera, são mais facilmente apreendidos se as idéias antigas e medievais forem consideradas em conjunto; para outros temas, uma discussão 23 cronológica oferecerá um arcabouço adequado (WEEDWOOD, 2002, p. 23 – destaques da autora). Como é possível observar, existe uma continuidade em alguns estudos linguísticos, principalmente os ocidentais. O que não se pode levar para todos os outros, como os primeiros textos religiosos escritos em sânscrito, uma vez que não há relação direta entre eles com outros estudos que eram feitos em outras partes do mundo, por outras sociedades. Por isso, a ideia de “linha do tempo” é falha para se pensar esse momento dos estudos linguísticos, de modo que adiante, alguns momentos importantes para esses estudos são elencados, com o objetivo de compreender como a preocupação dos povos antigos se voltava, de uma forma ou de outra, à linguagem, sem que, necessariamente, elas ocorressem de maneira dependente entre si, ainda que tivessem o mesmo tema em comum. 2.2 A GRAMÁTICA DE PANINI Um primeiro nome importante para compreender os estudos linguísticos pela e na humanidade é o de Panini que, no século IV a.C., compilou, com o devido rigor científico para a época, uma gramática para o sânscrito, uma língua antiga indiana, originado, assim, a Gramática de Panini. O estudioso observou e descreveu os processos que ocorriam na língua, de modo que complementou o trabalho de vários outros sábios estudiosos que o antecederam. Os estudos tiveram como objetivo principal preservar diversos textos sagrados, que eram passados de geração a geração por tradição oral, com especial cuidado em cada som e em cada palavra. Por isso, o trabalho realizado por Panini é considerado válido pela sua base filosófica, de modo que mostrou ter um padrão elevado comparado ao das gramáticas tradicionais ocidentais. Nele, são compilados mais de 4000 (quatro mil) regras em sutras que descrevem a línguas com detalhes minuciosos e precisos. Uma grande contribuição da gramática dessa época é a de que as palavras são formadas por raízes e afixos que, juntos, modificam o significado de diversas palavras. A limitação desses estudos residia em ser uma descrição e classificação do que observavam a partir dos fatos da língua, sem que nenhuma explicação ou análise fosse feita. Por muito tempo, esses estudos ficaram limitados geograficamente ao próprio povo hindu, de modo que a sua descoberta, tempos depois, no século XVIII, consistiu 24 em um momento importante para os estudos linguísticos, um século antes da sistematização feita por Saussure na área da Linguística, em 1916. 2.3 OS FILÓSOFOS NA GRÉCIA ANTIGA Considera-se que a língua grega foi bastante estudada ao que tange aos procedimentos de estilo e de adequação da linguagem ao pensamento. No contexto da cultura ocidental, a Grécia Antiga voltou sua atenção aos aspectos linguísticos a partir de estudos com base lógica e natureza filosófica, de modo que Câmara Jr. (2011) afirma que a principal abordagem, na Grécia, aos estudos linguísticos foi por meio da filosofia, o que significa que quase todas as preocupações e as investigações incluíram a linguagem como um de seus objetos de investigação. A preocupação inicial era a de estabelecer um paralelo entre o pensamento e a palavra. Para eles, o problema filosófico relativo à linguagem era a definição entre a noção e a palavra que a designa. Para isso, esse tema era observado a partir das questões da naturalidade e da arbitrariedade da linguagem, o que significa que os fatos linguísticos eram observados pela natureza ou pela convenção na língua grega, de modo que muito se especulava a respeito disso. Durante vários séculos, esse tipo de preocupação dominou todos os estudos sobre a origem da língua, com ênfase na relação entre as palavras e o seu significado. Weedwood (2002) diz que, com isso, duas escolas opostas surgiram na época: anomalistas e analogistas. A primeira considerava que a linguagem era irregular, justamente por refletir a própria irregularidade da natureza. A questão equivalia a dizer que tinha sua origem em princípios eternos e imutáveis fora do próprio homem. Já os analogistas pensavam na regularidade básica da linguagem, baseados na convenção. A questão significava dizer que ela era o resultado de algum acordo tácito, um tipo de contrato social entre os membros da comunidade. Ressalta-se, com isso, que ambas as visões eram importantes para a época e foram responsáveis pela sistematização da gramática grega, ou seja, não havia, para a época, um lado “certo” ou “errado”, mas visões que se complementavam e contribuíam para ao avanço dos estudos sobre a língua. Outras contribuições foram feitas por Protágoras, no século V a. C., ao estabelecer a distinção de três gêneros. Já Platão fez a importante distinção de “substantivos” e “verbos”, ao passo que Aristóteles, seu discípulo, acrescentou 25 também as “conjunções”. Contudo, como aponta Camara Jr. (2011), seus principais trabalhos se voltam ao diálogo de Crátilo (um filósofo seguidor de Heráclito) e Hermógenes (seguidor de Demócrito). Segundo o autor, Platão se identificava com Heráclito e, Aristóteles, com Demócrito: Platão, no seu diálogo do Crátilo, discutiu principalmente a questão relacionada com o seguinte: a linguagem é imposta aos homens por uma necessidade da natureza ou se origina do poder de julgamento dos homens. Pessoalmente parece ele participar da primeira dessas opiniões, a qual está de acordo com a metafísica das ideias que regem, de fora, a mente humana. Aristóteles, por outro lado, crê que a linguagem surgiu por convenção ou acordo entre os homens mas faz uma distinção entre a linguagem propriamente como um produto de convenção, e o conteúdo da linguagem que está de conformidade com as coisas e assim o é (CAMARA JR, 2011, p. 24). São os chamados estóicos, com uma base de estudo anomalista, que mais se dedicaram à questão da língua, dentre todas as escolas. Eles consideravam a língua fundamental, principalmente em termos de lógica, além de terem sido os responsáveis pela distinção entre forma e significado (o que será chamado de significante e significado por Saussure). Por sua vez, os gramáticos da Escola de Alexandria, que eram analogistas, deram continuidade aos estudos feitos pelos estóicos e, nesse momento, a “gramática grega”, de fato, foi convencionada. A perspectiva era mais filológica e os textos estudados eram de antigos poetas, originado um movimento de estudar os textos literários como fonte de um bom e correto uso da língua. No final do século II a.C., a gramática de Dionísio Trácio acrescentou algumas questões àsjá tratadas pelos estóicos, como o advérbio, o pronome, a preposição e o particípio. Já Apolônio Díscolo, no século II, tratou da gramática com ênfase na sintaxe, em que ele propõe a análise linguística como composto da análise, que compreende a definição das partes da oração, e a síntese, que corresponde à sua disposição em um todo coerente. 26 Figura 1: Representação moderna do interior da Biblioteca de Alexandria Fonte: Disponível em https://bit.ly/3NZP3uz. Acesso em: 20 jan. 2022. A contribuição da gramática grega aos estudos linguísticos foi de finalidades práticas, uma vez que se voltava para a ação (fazer), o uso da língua. Com isso, o próprio campo filosófico foi importante na construção da gramática da língua grega. Os estudos sobre essas questões levantadas pelos gregos foram também estudadas pelos romanos, tempos depois, de modo que se encarregaram de transmitir os estudos adiante, com as suas contribuições, de modo que conseguiram impulsionar o progresso da gramática no Ocidente. https://bit.ly/3NZP3uz 27 2.4 ROMA E A LÍNGUA LATINA Como dito, os estudos linguísticos em Roma tiveram forte influência dos gregos, de modo que a sua gramática serviu de modelo, uma vez que, segundo Lyons (1979), as duas línguas eram bastante semelhantes em sua estrutura geral, o que os levou a pensar que as categorias gramaticais, elaboradas pelos gregos, eram universais. Neste momento, [...] Em que a gramática grega começou a influenciar a cultura latina, o latim não era ainda uma língua fixada e os hábitos linguísticos das classes rurais estavam em conflito com a “urbanitas”, isto é, o estabelecimento de uma norma oficial para as classes superiores da cidade. À medida que o Estado crescia através de suas conquistas, crescia também, assim, a necessidade de uma língua única tendo sob seu domínio todo o Império Romano (CAMARA JR., 2011, p. 28). Como é possível observar, o avanço dos estudos linguísticos está relacionado com as conquistas e expansões territoriais, ou seja, a necessidade de pesquisas e investigações da e na língua, foram surgindo à medida em que a própria configuração daquela sociedade mudou. Contudo, neste primeiro momento, a língua latina, estudada pelos romanos, tinha uma perspectiva mais normativa, o objetivo principal era o “Estudo do Certo e Errado”. Também havia a tentativa de manter o latim clássico em uso, no lugar da fala plebeia e provinciana utilizada por populações heterogêneas, algo semelhante também ocorreu com a língua grega, por iniciativa dos estóicos. Um outro ponto em comum entre romanos e gregos foi continuar com o embate entre analogistas e anomalistas. Nesse sentido, os estudos gramaticais continuaram, de modo que se chegou a um modelo básico de gramática latina dividida em 3 (três) seções, dentre elas: (1) a “gramática” ou a arte de falar e compreender bem os poetas; (2) as “partes do discurso” e suas variações de gênero, tempo, número etc.; (3) o “estilo”, com o objetivo de evitar erros. O último período da gramática latina foi na “idade do classicismo”, que compreende o período de 400 d.C., com Donato, e Prisciano, em 500 d. C., com o objetivo didático de descrever a língua dos melhores escritores da época, como Cícero e Virgílio, ao passo que desprezavam a língua utilizada pelos homens comuns. Camara Jr. (2011) pontua que, neste momento, há um esforço para manter a norma do latim clássico diante da língua popular do Império, o que se manteve até a Idade Média, em um esforço de conservar a língua latina como universal. 28 Dentre os estudiosos da língua no Império Romano, pode-se destacar Marcos Terêncio Varrão, no século II a. C., autor dos 25(vinte e cinco) originais do compêndio intitulado “De Língua Latina”, que apresentava forte influência dos estóicos. Também dividiu os estudos linguísticos em etimológicos, morfológicos e sintáticos. Por sua vez, o retórico Marco Fábio Quintiliano, no século I d. C., contribuiu com temas educacionais na sua obra “Instituto Oratória”, ao passo que Élio Donato, por volta do século IV d.C., escreveu sua gramática “Arte Menor” que, por muitos anos, permaneceu como o modelo mais autorizado de gramática expositiva, além de fazer uma descrição minuciosa das letras, o que contribuiu em termos fonéticos, e um compilado dos traços estilísticos de autores clássicos. Entretanto, os estudos sobre a língua latina não se mantiveram da mesma maneira por muito tempo, de modo que, após a grande aceitação dos estudos gramaticais com paralelos literários, abriram-se os estudos linguísticos com fins propriamente gramaticais, inclusive, com mudança de objeto de estudo, não mais os textos literários, mas os próprios textos gramaticais. Weedwood relata que À medida que a educação romana foi gradualmente estreitando seu escopo, o foco de atenção se transferiu para as gramáticas em si mesmas, abandonando os textos literários que elas supostamente deviam acompanhar. Gramáticos do final do século IV em diante (Sérvio, Sérgio, Cledônio, Pompeu) passaram a escrever comentários sobre a Ars maior de Donato, em vez de sobre a Eneida de Virgílio, 29 uma tendência que foi prosseguida na Idade Média por estudiosos que exerciam a exegese bíblica (WEEDWOOD, 2002, p. 40). Por fim, segundo Lyons (1979), o latim não era só uma língua utilizada com fins religiosos, mas também era considerada a língua universal da diplomacia, da cultura e da erudição. Daí surgirem vários manuais de língua latina, pois era uma língua estrangeira que deveria ser aprendida nas escolas por diversos outros povos. Contudo, tomavam especial cuidado com essa língua, pois valorizavam o seu aspecto intocável, que buscava sempre ser preservado à medida em que outros povos começavam a falá-la e, assim, davam sentidos linguísticos diferentes a ela. 2.5 O INTERESSE RELIGIOSO DA IDADE MÉDIA A língua latina continua a ter sua importância durante anos, de modo que chega até à Idade Média como a mais estudada e expandida, em particular, por ser o idioma oficial da igreja ocidental. Camara Jr. (2011) diz que a mais completa expressão da gramática normativa na Idade Média foi a “Doctrinale Puerorum”, de Alexandre de Villedieu, no século XII. O caráter pedagógico deu lugar ao tom filosófico, com base na gramática de Prisciano. Quando os escolásticos ganharam espaço na sociedade, a abordagem filosófica da língua voltou a se desenvolver também, com influência dos ensinamentos de Aristóteles, a partir da ideia de que a gramática era “auxiliar da lógica”. Na Idade Média, então, desenvolveu-se um estudo lógico da linguagem, que até os dias atuais possui a sua relevância, tamanho foi o impacto não só no período, mas também nos séculos posteriores. Também nesse período a disputa entre analogistas e anomalistas se mantém presente, agora com outro nome (realistas e nominalistas) e com uma abordagem filosófica da linguagem, com ênfase ao papel do gramático. Segundo Camara Jr. (2011), é também parte do pensamento medieval a ideia de que existe uma estrutura gramatical comum a todas as línguas, sendo mais evidente no latim: “[...] encontramos aqui a ideia de uma gramática geral que tem dominado o pensamento dos homens, acerca da linguagem, por muitos séculos” (CAMARA JR., 2011, p. 31). Os estudos gramaticais latinos continuaram avançando no período medieval, mas disputaram “forças” com as línguas faladas que, neste momento, começaram a despertar certo interesse e curiosidade, devido à expansão do cristianismo. E, 30 justamente pelo avanço dos motivos religiosos, a necessidade de comunicação para evangelizar outros povos com a doutrina cristã tornou-se um ponto a ser explorado. Estudiososda área consideram este momento da história como o embrião dos estudos de línguas estrangeiras. Nesse sentido, o trabalho de Aelfric, um abade, no século XI, mostra o interesse entre o anglo-saxão e o latim, na obra “De Grammatica Latino-Saxonica”, seguida de um “Glossarium”. Exemplos de estudos nessa direção são sobre as línguas orientais e indígenas americanas, como os desenvolvidos por Victorinus, Caninius e Pizza, ao longo do século XVI. Ao mesmo tempo, também surgia um interesse crescente pelas línguas faladas no mundo que, segundo Camara Jr. (2011), era consequência da curiosidade do homem do Renascimento, diante de tudo que o circundava na natureza e na sociedade. Por fim, o período medieval é marcado por uma concepção de linguagem como um espelho, em que se deu importância ao significado (aspectos semânticos) da língua. Dessa forma, a partir do século XV, a tradição de gramáticas gregas e romanas começou a perder o seu valor, na medida em que estudos de outras naturezas começaram a ganhar relevância, como o de línguas vernáculas e exóticas. 2.6 IDEIAS RENASCENTISTAS Weedwood (2002) distingue duas abordagens diferentes da linguagem neste momento chamado Renascimento: a abordagem “particular”, com ênfase nos fenômenos físicos que diferenciam as línguas, e a abordagem “universal” que, concentra-se nos princípios subjacentes à linguagem, com preceitos filosóficos e lógicos. Segundo a autora, desde 1500, há uma alternância entre essas duas abordagens na pesquisa linguística. 31 Para Camara Jr. (2011), as principais manifestações da gramática filosófica no século XVI foram as obras “De Causis Linguae Latinae”, de Julius Caesar Scaliger, e “Minerva”, do espanhol Francisco Sanchez de las Brozas. Ambos buscaram desenvolver uma estrutura lógica que julgavam inerente a todas as línguas. A valorização da língua latina começou a perder sua força, ao passo em que as línguas estrangeiras ganharam espaço nos estudos linguísticos europeus, pois cada país começou a ter interesse e entusiasmo por sua própria língua, resultando nos louvores em francês, italiano etc., como pontua Camara Jr. (2011). Também crescem os estudos linguísticos com orientação lógica e preceitos do que é certo e errado, como as gramáticas francesas e castelhanas, que tinham como objetivo ensinar cada qual a sua língua para os estrangeiros. O autor também pontua que o aspecto oral da linguagem começou a ganhar espaço e uma teoria fonética, preocupada com os sons e com os órgãos envolvidos na fala, também começou a ser desenvolvida (estudos de cunho biológico), algo que não ocorreu com tamanha sistematização entre os gregos e romanos, tampouco na Idade Média. O ápice do século XVII foi a publicação da “Gramática de Port-Royal”, em 1660, dos autores Claude Lancelot e Antoine Arnauld. O trabalho é considerado pioneiro nos estudos da filosofia da linguagem e representou um corte epistemológico (mudança radical de pensamento) e uma ruptura com o modelo latino de conceber a linguagem. A ideia principal, difundida ao longo de todo o 32 estudo, é a de que a gramática é um conjunto de processos mentais e universais, logo, a gramática é universal. Chomsky, nos estudos modernos da Linguística, classifica este período como a “linguística cartesiana”, pela forte influência de René Descartes e do racionalismo francês. O caráter do estudo era racional e filosófico e entrava em embate com os estudos linguísticos da época, voltados ao bom uso da linguagem, que enfatizavam a parte estilística, sem se interessar pelas causas e fundamentos que estruturam a linguagem. Segundo Ranauro (2003), [...] surgem as tentativas de elaboração da gramática filosófica, a partir do princípio de que a língua é a expressão do pensamento e que o pensamento é governado pelas mesmas leis em todos os seres humanos, daí concluir-se que deveria a língua refletir essas mesmas leis, sendo possível, pois, a elaboração de uma gramática geral, comum a todas as línguas (RANAURO, 2003, s/p). Como se observa, a importância dessa gramática reside em ser uma base para a gramática tradicional, por sua apresentação e descrição dos fatos linguísticos, sendo de grande relevância também para as gramáticas filosóficas de Portugal e da Itália, como afirma Ranauro (2003). Por fim, neste período renascentista, segundo Camara Jr., “[...] a mais importante corrente no século XVII a respeito do estudo da linguagem foi o esforço de comparar as línguas e classificá-las de acordo com suas semelhanças” (2011, p. 34), considerando o hebraico como a língua original de toda a humanidade. Tais preocupações já preconizavam o que, alguns séculos mais tarde, seria desenvolvido com os estudos histórico-comparativistas, a partir do contato com o sânscrito, a língua utilizada pelo povo hindu. 2.7 O CONTATO EUROPEU COM O SÂNSCRITO O sânscrito é uma língua antiga de origem indiana, que possui aproximadamente 2200 elementos básicos (raízes), capaz de gerar milhões de palavras a partir deles. No sânscrito, as raízes são o ponto de partida para a formação de cada palavra derivada, além disso, o próprio radical já indica qual a natureza do objeto que tal palavra significa. A palavra “sânscrito” significa “aquilo que foi bem feito”, a partir da raiz ‘kr’ (fazer) e do prefixo ‘sam’ (bem), indicando uma língua bem elaborada. Por se tratar de uma língua antiga, a sua importância para os estudos linguísticos advém dos hinos védicos, que são considerados até mais antigos do que os primeiros textos gregos. 33 Considera-se o contato com o sânscrito um grande marco para os estudos linguísticos, principalmente no campo das pesquisas de cunho histórico- comparativista, pois foi graças a essa língua que os estudos comparativos entre uma língua e outra teve seu início. Estudiosos europeus tiveram contato com o sânscrito e com a cultura indiana e puderam perceber, a partir de reflexões, que essa língua possui graus de parentesco com o latim, o grego, o germânico e o persa. Uma língua distante, originária do dialeto penjabi no nordeste da Índia, foi a responsável por impulsionar diversas pesquisas acerca de sua origem e de suas relações genealógicas, como ser membro linguístico de uma família indo-européia. Por fim, o contato com o sânscrito é considerado um momento importante na história dos estudos linguísticos pela humanidade, pois foi a partir dele que chegaram à ideia de língua-mãe. A hipótese principal, percorrida pelos estudiosos, era a de que as línguas europeias eram a transformação natural dessa língua-mãe, o sânscrito, que representava um modelo bem próximo dessa “origem”. Foi desse modelo próximo da língua-mãe que boa parte das línguas ocidentais modernas foram derivadas. https://bit.ly/3GUwvK0 34 35 FIXANDO O CONTEÚDO 1. Observe a imagem: Fonte: Vydia Mandir Com base nos seus conhecimentos sobre os primeiros estudos linguísticos pela humanidade, é correto relacionar a imagem com: a) A Gramática de Panini e a língua indo-europeia, pois foram responsáveis por propagar os textos religiosos hindus e os sutras por toda a Europa. b) O contato com o sânscrito feito pelos povos europeus que tentaram reconstruir a língua-mãe, chegando até o indo-europeu a partir dos estudos histórico- comparativistas da Gramática de Panini. c) Os estudos de textos religiosos pelo povo hindu, que culminou nos estudos da Antiguidade Clássica a partir da Gramática de Panini. d) A Gramática de Panini, que descreveu os processos que ocorriam no sânscrito, uma língua antiga indiana que, tempos depois, foi um ponto de partida para os estudos histórico-comparativistas quando chegaram em solo europeu.e) O contato entre as línguas indo-europeias e a Gramática de Panini, que é uma compilação dos conhecimentos difundidos desde a Antiguidade Clássica na língua indiana antiga, o sânscrito. 2. Considere as seguintes afirmativas sobre os estudos da linguagem na Grécia Antiga: 36 I. Havia a preocupação em explicar a relação entre o conceito e a palavra utilizada para designá-lo. Uma questão importante era: havia alguma relação entre a palavra e seu significado? II. Ocorreu um embate entre Naturalistas e Convencionalistas, que discutiam se o processo da língua era algo “normal” ou obedecia a determinadas “convenções” estabelecidas pela sociedade. III. Platão e Aristóteles são dois pensadores que exemplificam os estudos paralinguísticos, tratando da linguagem a partir de uma análise filosófica. IV. Não houve discussões sobre os processos de funcionamento das línguas. Estão corretas somente as afirmativas: a) I, II e IV. b) I, II e III. c) I e III. d) I e II. e) I, III e IV. 3. Das definições abaixo, qual melhor descreve as tendências analogistas e anomalistas, que perduraram nos estudos linguísticos desde a Grécia Antiga até a Idade Média? a) Anomalistas (convenção): a linguagem é considerada regular, justamente por refletir a própria regularidade da natureza, sua origem está em princípios mutáveis que existem fora do próprio homem. Analogistas (natureza): consideram a irregularidade básica da linguagem como resultado de um tipo de “contrato” entre os membros da comunidade b) Anomalistas (natureza): a linguagem é considerada irregular, justamente por refletir a própria irregularidade da natureza, sua origem está em princípios eternos e imutáveis fora do próprio homem. Analogistas (convenção): consideram a regularidade básica da linguagem como resultado de um tipo de contrato social entre os membros da comunidade. c) Anomalistas (natureza): a linguagem é considerada irregular pois sua origem está em princípios eternos e imutáveis de um contrato social. Analogistas (convenção): consideram também a irregularidade básica da linguagem, mas como resultado de um contrato social entre os membros de comunidades linguísticas diferentes. 37 d) Anomalistas (convenção): a linguagem é o reflexo dos princípios eternos e mutáveis do homem. Analogistas (natureza): a regularidade básica da linguagem é resultado de um tipo de contrato social entre os membros da comunidade e a natureza. e) Anomalistas (natureza):sua origem está em princípios imutáveis dentro do próprio homem. Analogistas (convenção): sua origem é a linguagem como resultado da mistura dos membros de uma mesma comunidade. 4. Quais são os componentes básicos de uma gramática latina? a) A parte gramatical, com as normas linguísticas, as partes do discurso com suas variações de gênero, tempo, número etc. e a parte de estilo com os gêneros épico, lírico e romântico aplicados ao ensino de línguas. b) A parte gramatical, dedicada ao uso correto das palavras nos textos literários, as partes do discurso, que não admitia o uso incorreto dos gêneros literários e o estilo, relacionado aos poetas e às formas literárias. c) A parte gramatical, que trata das variações de gêneros literários, as partes do discurso, que trata do falar bem e compreender os poetas gregos, e aparte de estilo com variações de gênero, tempo e número. d) A parte gramatical, que se dedica a falar e compreender bem os poetas, as partes do discurso com suas variações de gênero, tempo, número etc. e a parte de estilo com indicações de precaução contra erros e empregos incorretos de palavras. e) A parte gramatical, dedicada ao uso correto dos gêneros, as partes do discurso, que não admitia o uso incorreto das palavras e o estilo, relacionado aos poetas e seus textos literários. 5. “Desenvolveu-se também intensamente a abordagem ______________ à medida que os ________________ ganharam terreno. Sob as influências dos ensinamentos de _____________, a gramática era vista como ‘auxiliar da lógica’” (CAMARA JR., Joaquim Mattoso. História da linguística. 7 ed. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 31). Dentre as alternativas abaixo, qual melhor preenche as lacunas sobre as influências gramaticais nos estudos linguísticos da Idade Média? a) Lógica / Escolásticos / Platão. b) Filosófica / Estoicos / Platão. 38 c) Filosófica / Escolásticos / Aristóteles. d) Etimológica / Gramáticos / Aristóteles. e) Lógica / Gramáticos / Protágoras. 6. (UEL - Adaptado)O Renascimento, amplo movimento artístico, literário e científico, expandiu-se da Itália por quase toda a Europa, provocando transformações na sociedade. Sobre o tema, é correto afirmar que: a) O racionalismo renascentista reforçou o princípio da autoridade da ciência teológica e da tradição medieval, resultando na publicação da Gramática de Port-Royal. b) Houve o resgate, pelos intelectuais renascentistas, dos ideais medievais ligados ao uso da língua como fonte de inspiração divina, por isso buscavam fazer um bom uso, para fins de evangelização. c) Nesse período, reafirmou-se a ideia de homem cristão, que reforçou os sentimentos de identidade nacional e cultural ao entrarem em conflito com as ideias gramaticais da Grécia e Roma antigas d) O humanismo pregou a determinação das ações humanas pelo divino e negou que o homem tivesse a capacidade de agir sobre o mundo, transformando-o de acordo com sua vontade e interesse, o que está relacionado aos estudos linguísticos anomalistas e analogistas dos séculos anteriores. e) Os estudiosos do período buscaram apoio no método experimental e na reflexão racional, valorizando a natureza e o ser humano. Resultado disso é a Gramática de Port-Royal, que pensava em um conjunto de processos mentais e universais. 7. Quais foram as duas abordagens linguísticas mais expressivas no início do período renascentista? a) A abordagem “particular”, com ênfase nos fenômenos físicos que diferenciam as línguas, e a abordagem “universal” que, concentra-se nos princípios subjacentes à linguagem, com preceitos filosóficos e lógicos. b) A abordagem “anomalista”, com ênfase nos fenômenos físicos ligados à natureza, e a abordagem “universal”, ligada às expressões gramaticais que existem em todas as línguas. 39 c) A abordagem “particular”, com ênfase nos fenômenos gramaticais que diferenciam as línguas, e a abordagem “universal” que, concentra-se nos preceitos filosóficos e lógicos. d) A abordagem “universal”, com ênfase nos fenômenos físicos ligados à natureza, e a abordagem “anomalista”, ligada às expressões gramaticais que existem em todas as línguas. e) A abordagem “anomalista”, com ênfase nos fenômenos universais que diferenciam as gramáticas, e a abordagem “universal” que, concentra-se nos princípios particulares à linguagem, com preceitos filosóficos e lógicos. 8. Sobre o contato europeu com o sânscrito, é incorreto o que se afirma em: a) Por se tratar de uma língua antiga, a sua importância para os estudos linguísticos advém dos hinos védicos, que são considerados até mais antigos do que os primeiros textos gregos. b) O sânscrito permitiu inaugurar uma escola linguística europeia a partir dos estudos sobre a Gramática de Panini no século V a.C. c) Considera-se o contato com o sânscrito um grande marco para os estudos linguísticos, principalmente no campo das pesquisas de cunho histórico comparativista. d) Graças ao sânscrito, os estudos comparativos entre uma língua e outra teve início na Europa. e) Estudiosos europeus tiveram contato com o sânscrito e com a cultura indiana e puderam perceber que essa língua possui graus de parentesco com o latim, o grego, o germânico e o persa. 40 OS ESTUDOSHISTÓRICO- COMPARATIVOS NO SÉCULO XIX 3.1 INTRODUÇÃO Dentre diferentes momentos importantes para a constituição da Linguística enquanto uma área consolidada, destacam-se o dos estudos histórico-comparativos, no século XIX. Definido como o estudo da história das línguas, ou seja, o estudo ao longo do tempo (de maneira diacrônica, isto é, através do tempo), esse é o momento em que diferentes línguas (como o francês, alemão, inglês etc.) são comparadas com o objetivo de ver as relações de parentesco que podem ter umas com as outras. Sendo assim, famílias linguísticas podem ser identificadas entre as diferentes línguas existentes no mundo. Uma família linguística é, portanto, um grupo de línguas que possuem o mesmo ancestral comum que, na área, é chamado de protolíngua. Diante disso, a hipótese genealógica é assumida pelos estudos histórico-comparativos de que línguas podem ser classificadas em famílias e consideradas como organismos vivos, isto é, com possibilidade de mudança ao longo do tempo. Como hipótese principal desses estudiosos, estava o de que, ao longo do tempo, essas línguas passavam por mudanças, de progressos ou retrocessos. Segundo os estudiosos da gramática comparada, esses princípios estão presentes em todas as línguas. Para eles, a linguagem é regida por princípios gerais e racionais, de modo que as diferentes línguas são tratadas como casos particulares, isto é, formas específicas de uso desses princípios que se aplicam a todas as outras. O estudo de cunho comparativo situa-se na base da formação da linguística UNIDADE 03 41 moderna com o estudo das línguas indo-europeias e propunha a “gramática comparada”, que visava à reconstituição da “língua-mãe”. Orlandi (2009, p. 11) pontua que no início dos estudos, antes das investigações de cunho histórico-comparativista, a ênfase estava no racionalismo: “os pensadores da época concentram-se em estudar a linguagem enquanto representação do pensamento e procuram mostrar que as línguas obedecem a princípios racionais, lógicos”. Esse estudo lógico da linguagem buscou estabelecer a relação do pensamento com a linguagem, utilizando a filosofia e a linguística para tal finalidade. Já em um segundo momento, no século XIX, Orlandi (2009) diz que o ideal universal não possui a mesma credibilidade e validade dos séculos anteriores. O foco dos estudos se volta para o fato da linguagem se transformar com o passar do tempo. O que é preciso e exato não importa como antes e cede o lugar para que a mudança seja o principal aspecto nesses novos estudos. Como dito pela autora, nos estudos históricos “[...] se procura mostrar que a mudança das línguas não depende da vontade dos homens, mas segue uma necessidade da própria língua, e tem uma regularidade, isto é, não se faz de qualquer jeito” (ORLANDI, 2009, p. 13). Adiante, são apresentados o surgimento desses estudos histórico- comparativos, bem como os pressupostos teóricos e os principais autores desse movimento. Como pontuado anteriormente, tais estudos possuem relevância para a constituição da área da Linguística enquanto ciência. Deste modo, é importante olhar para esses momentos históricos dos estudos da linguagem como uma continuidade, não como uma ruptura entre um momento e outro. 3.2 BREVE HISTÓRICO E PRINCIPAIS ESTUDIOSOS O século XIX, na Europa, foi o cenário de desenvolvimento dos estudos histórico-comparativos. Em partes, pois havia um forte interesse pelas antigas línguas faladas no continente europeu, principalmente na Alemanha e pelas línguas germânicas. Neste primeiro momento do século XIX, o caráter “informal” desses estudos era evidente, de modo que a partir da segunda metade do século, foi-se abrindo espaço para desenvolvimentos teórico-metodológicos. Deste modo, os estudos linguísticos histórico-comparativos ganharam uma maior formalidade e se tornaram mais maduros e científicos pelo continente. Assim, os estudos da época foram se aperfeiçoando de maneira progressiva, com cada nova contribuição sendo de total importância para o devido reconhecimento da área de estudos. 42 A primeira notícia que se tem sobre o surgimento dos estudos histórico- comparativos é do final do século XVIII pela identificação das semelhanças lexicais entre o sânscrito e algumas línguas europeias, o que já havia sido observado e descrito, inclusive, por um italiano chamado Filippo Sassetti, no século XVI, ao comparar o sânscrito e o italiano. Pouco antes disso, um jesuíta inglês chamado Thomas Stephens, em 1583, escreveu sobre a existência de semelhanças entre o côncani, o grego e o latim. Em 1768, Gaston Coeurdoux, um jesuíta francês, também apresentou seus estudos comparativos sobre o sânscrito, o grego e o latim, apontando que as semelhanças derivavam de uma origem comum. Considera-se que William Jones, um estudioso de origem inglesa, foi o responsável por apontar as semelhanças entre o grego, o latim, o persa e o sânscrito e, assim, dar início aos estudos histórico-comparativos pelo continente, de maneira oficializada, no ano de 1786. Ele reconheceu a existência de uma relação (parentesco) entre essas línguas, de maneira que fez um estudo descritivo sobre, não evoluindo tal descrição para um sistema comparativo que explicasse as semelhanças e diferenças entre as línguas descritas. O seu objetivo não era abordar a questão da proximidade entre essas línguas, mas de demonstrar a antiguidade dos povos indianos, examinando as suas línguas, sua filosofia e religião, e, também suas artes, de modo que estendeu os estudos comparados também a estes outros aspectos da cultura desses povos. Após este apontamento de William Jones, um estudioso alemão, em 1808, chamado Friedrich von Schlegel, publicou a obra Über die Sprache und Weisheit der Indier (em português, “Sobre a linguagem e a sabedoria dos indianos”). Nela, o estudioso faz comparações sistemáticas e pontua critérios que auxiliam na classificação das e entre as línguas. Para ele, existem três tipos de línguas: (1) isolantes, sem flexões, (2) sintéticas, com flexões, e (3) aglutinantes, sequências de unidades presas. Seguindo essa distinção de Schlegel, as línguas isolantes são o chinês, o tailandês e o vietnamita, pois não possuem fragmentos menores, como as línguas sintéticas. Estas, por sua vez, apresentam diferentes morfemas e são possíveis de serem flexionada, como o português e as línguas de base indo-europeia. Já as línguas aglutinantes são como o japonês, o turco e o húngaro, pois utilizam na formação de palavras muitos morfemas aglutinados (unidos). Em 1816, um estudioso alemão chamado Franz Bopp publicou a obra Über das 43 Conjugationssystem der Sanskritsprache in Vergleichung mit jener der griechischen, lateinischen, persischen, und germanischen Sprache (em português, “Sobre o sistema de conjugação da língua sânscrita em comparação com o das línguas grega, latina, persa e germânica”). Considerado o fundador da gramática comparada, nela, o autor conseguiu defender a hipótese de uma origem comum para as línguas, a partir de correspondências sistemáticas em sua estrutura gramatical, com análises baseadas em dados comparativos. Como apontado por Faraco: “Com isso, podemos [....] explicitar o parentesco entre línguas (isto é, dizer se uma língua pertence ou não a uma determinada família), [...] determinar, por inferência, características da língua ascendente comum de um certo conjunto de línguas. (2005, p. 134). Embora a visão ainda fosse considerada um pouco romântica e pouco científica, a contribuição de Bopp para os estudos comparativos é inegável e influenciou diversos outros trabalhos na área, direta ou indiretamente. Na sequência, em 1822, Jacob Grimm conduziu um trabalho de comparações sistemáticas de cognatosentre línguas indo-europeias na busca por correspondências fonéticas (sonoras). Com isso, a Primeira Lei de Grimm, publicada no mesmo ano, consistiu na observação de correspondências fonéticas entre aspectos de línguas germânicas com línguas indo-europeias. Um outro estudioso importante para o movimento histórico-comparativista, que tentou desemaranhar a natureza e o mecanismo da linguagem, é o alemão Wilhelm von Humboldt. Esse autor utilizou a classificação das línguas em isolantes, aglutinantes e flexionais em sua obra de 1836, Über die Verschiedenheit des menschlichen Sprachbaus und seinen Einfluss auf die geistige Entwicklung des Men- https://bit.ly/3aAVC8Q 44 schengeschlechts (em português, “Sobre a diversidade da estrutura da linguagem humana e sua influência sobre o desenvolvimento espiritual da humanidade”) para, dentre outras contribuições, identificar a linguagem humana como um sistema governado por regras e não um agrupamento de palavras e frases. Em seguida, o estudioso August von Schleicher publica, em 1861, a obra Compendium der vergleichenden Grammatik der indogermanischen Sprachen (em português, “Um compêndio da gramática comparativa das línguas indo-européias, sânscritas, gregas e latinas”). Nela, são apontadas as características comuns das línguas com a tentativa de reconstruir a língua original proto-indo-europeia. Sua hipótese era a de que a linguagem é um organismo vivo e, por isso, passa por períodos de desenvolvimento, maturidade e declínio. Para tanto, ele desenvolveu um sistema de classificação de linguagem próximo à taxonomia botânica, em que traçou grupos de línguas relacionadas e fez a organização em uma árvore genealógica. Seu modelo ficou conhecido como ostammbautheorie (em português, “teoria da árvore genealógica) e se transformou em uma grande contribuição para os estudos em linguística histórica. Segundo o modelo, há uma língua antepassada que, ao se modificar, gerou diversas ramificações. O autor teve influência dos estudos desenvolvidos na área das ciências biológicas, de modo que aproveitou e utilizou nos estudos linguísticos o que metodologicamente aparecia em pesquisas das ciências naturais, por isso, inclusive, alguns nomes são “emprestados” da biologia. Com isso, ele foi o responsável por aplicar o modelo da árvore filogenética (utilizada na biologia) para representar famílias linguísticas. Em 1870, a Lei das Palatais (creditada a diversos autores que observaram tal descoberta ao mesmo tempo) é um avanço importante em termos metodológicos para a área, pois colocou fim ao mito de que o sânscrito era uma língua perfeita, o que ajudava a solidificar alguns preconceitos, como o proferido no discurso de William Jones, em 1816. Com a maior ampliação dos objetivos da análise comparativa, foi possível estabelecer correspondência entre o grego e o latim e o sânscrito. Uma outra lei importante neste cenário de estudos linguísticos comparativo- históricos é a Lei de Verner, também de 1870. Nela, o estudioso dinamarquês Karl Verner, a partir da Lei de Grimm, conseguiu explicar algumas exceções apontadas pela Grimm e, assim, ampliou a comparação entre as línguas. 45 Como é de se observar, desde o início do século XIX até o seu fim, diversos estudos e descobertas aconteceram, o que ajudou no amadurecimento da área e na consolidação do método histórico-comparativo, que veremos adiante. Por fim, segundo Bossaglia (2019, p. 95)., “com os Neogramáticos, ao final do século XIX, a linguística histórico-comparada já pode ser considerada uma disciplina teórica e metodologicamente madura” Aqui, observa-se como uma tendência de estudos está diretamente relacionada à outra, seja para dialogar de maneira harmônica ou tensa. Mas é inegável as influências que ocorrem entre um grupo de estudiosos e outros, de modo que cada nova descoberta é uma contribuição que ajuda a consolidar os conceitos e métodos de uma disciplina/área de estudos. 3.3 O MÉTODO HISTÓRICO-COMPARATIVO Falar da estrutura de uma família linguística é pensar em uma representação que se dá no formato de uma árvore genealógica. Como já visto, o modelo foi proposto por August Scleicher no século XIX. Em uma árvore genealógica, como a da figura abaixo, cada nó (círculo) representa uma língua conforme explica Bossaglia (2019, p. 72). Logo, 25 línguas são identificadas como provenientes de uma mesma protolíngua, que no caso é P, a língua mais antiga: Figura 2: Exemplo de árvore filogenética de família linguística Fonte: Bossaglia (2019, p. 71) No caso dessa árvore genealógica, também chamada de filogenética, identifica-se P como a língua mais antiga e as línguas de 01 a 15 como as mais 46 recentes, pois estão mais distantes da língua representada pelo nó P. Os nós A, B e C também são protolínguas de cada grupo de língua que se ramifica a partir delas. Com isso, A, B e C são irmãs, ao mesmo tempo em que também são mães de cada uma das línguas derivadas delas (no caso, A é mãe das línguas a1, a2 e a3; B é mãe das línguas b1 e b2; c é mãe das línguas c1 e c2), como aponta Bossaglia (2019). Essa relação genética entre as línguas é importante, uma vez que, a partir dela, pode-se observar melhor o funcionamento do método histórico-comparativo. Há dois pressupostos que fundamentam esse momento dos estudos, segundo Bossaglia (2019): (1) a concepção de que as línguas que são diferentes se originam a partir de um processo de crescente diversificação tendo como ponto de partida uma mesma língua ancestral; (2) a ideia de que essa crescente progressão das línguas corresponde a uma progressiva perda do léxico compartilhado entre as línguas. Ainda segundo a autora, “[...] quanto maior for a distância genética entre duas ou mais línguas, menor será a quantidade de itens lexicais cognatos” (BOSSAGLIA, 2019, p. 73). Os cognatos são, palavras que nasceram juntas a partir de uma mesma palavra-mãe na língua ancestral (como é o caso da língua representada no nó P na imagem anterior). A respeito disso, Bossaglia diz que Os cognatos, portanto, são as únicas provas de existência de relação genética entre línguas diferentes. Sem conseguir identificar cognatos entre as línguas comparadas, não é possível afirmar que entre elas exista relação genética, pois faltariam provas (BOSSAGLIA, 2019, p. 73 – destaque da autora). Com isso, o objetivo da metodologia histórico-comparativa é comprovar que há uma relação genética entre as línguas analisadas, de modo que o linguista as seleciona por já haver observado um grau de semelhanças lexicais entre elas. Deste modo, há 4 passos importantes para que o método seja devidamente aplicado, de acordo com Bossaglia (2019): (1) seleção de conjunto de cognatos nas línguas a serem analisadas; (2) identificação das correspondências fonéticas (sonoras) dentro de cada conjunto; (3) reconstrução de protofonemas (fonemas da protolíngua); (4) reconstrução do léxico da protolíngua. Com o método histórico-comparativo, é possível chegar em desvios e, também, em correspondências entre as línguas comparadas, e são justamente essas correspondências que permitem reconstruir vários aspectos linguísticos da protolíngua (língua-mãe). Assim, o linguista que se aventura por esse caminho percorre o caminho do “fim” ao “início”, com o intuito de chegar até o estado inicial, 47 para observar os léxicos daquela língua-mãe. Só assim ele consegue comprovar a relação de parentesco entre as línguas, pois neste momento da história, já é aceitável a ideia de que as línguas evoluem e mudam com o passar do tempo. De acordo com Schleicher, de fato, as línguas deviam ser consideradas como organismos que evoluem de acordo com determinadas leis, passando por diferentes fases/estágios,
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