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Resenha do filme “Ceddo” Discente: Adriana Lima Docente: Fanny Longa Romero A análise da resenha feita pela aluna Adriana Lima – é baseada na visão de acordo com filme “O Cinema Africano de Osmane Sembène e Djibril Diop Mambéty” de Angela Aparecida Teles e “Ceddo: uma narrativa em profundidade” de Rita de Cássia Nascimento dos Santos. A palavra Ceddo tem origem no dialeto senegalês pulaar, cujo significado é “povo da resistência”, porém isso não os designa como grupo étnico*. Segundo o próprio diretor, Ousmane Sembène, os Ceddo são aqueles que de alguma maneira lutaram contra à escravidão e conservaram a tradição. *Grupo étnico: região especifica, traços culturais e físicos, origem própria, língua ou dialeto específico e identidade cultural específico – não necessariamente juntando todos estes aspectos, mas mesclando alguns deles de formas particulares. O filme Ceddo mostra uma crítica à obrigatoriedade da conversão a alguma religião, fato comentado pelo diretor, em uma entrevista; na qual ele se mostra um forte defensor do estado laico por ter medo da direita usar a religião para interferir na política. Em uma mescla de questões antigas e atuais envolvendo disputas de poder político e religioso, seu filme trata dessas questões em um arraial africano que viria a se tornar o Senegal, em determinado argumento no qual os europeus comerciantes de presos (escravos) conviviam com uma elite recentemente adepta do islamismo e parcela da população que resistia a mudança de religião – os Ceddo. Sua intenção básica nesse filme é demonstrar a essência/existência de 03 (três) alentos/forças externas: o islamismo, a religião católica e os comerciantes. Sendo assim, o Senegal é metaforizado numa trama atemporal, que não só consegue capturar as mazelas do passado e do presente, como, em seu desfecho, colocar uma esperança para o futuro. Usando a ancestralidade africana como base, é necessário destacar que a mesma é fundamentada em ciclos e na oralidade. Acredita-se, nesta cultura, que a oralidade é a base para todo conhecimento que se pode obter na vida. Um exemplo disso, é que eles não possuíam escolas, porque a vida em si era uma escola. Existiam depositários de herança oral que são chamados “tradicionalistas”, e estes valorizavam as questões mundanas de seu cotidiano, tirando lições disso e passando ORALMENTE para os outros. A fala era algo tão sério, que os tradicionalistas – também chamados de domas – tinham conhecimento de como a mentira pode afetar uma estrutura familiar, tendo em mente que a família tinha uma composição diferente da ocidental que conhecemos. Hampate Ba, em Tradição Viva, conta casos em que os domas mentiram, inclusive para o bem, e todos se entregaram aos seus superiores e renunciando a todo o conhecimento adquirido em sua vida. Diante do exposto perceber que, para a ancestralidade africana, a oralidade é a história viva, vivida e divina. Mesclando estas questões à análise do filme, podemos discutir como a oralidade do filme nos dá indícios da principal crítica do diretor em relação ao neoimperialismo e, pensando em uma macro história, da experiência da religião com a política no decorrer dos séculos. O intitulado enredo do filme traz a questão da generalização; Ceddo pode se tratar tanto do povo étnico-linguístico tradicionalista presente no filme que reage ao islamismo perante aqueles que afrontaram a uma imposição, uma doutrinação. Para tanto, a importância da oralidade está presente de forma explícita na quantidade de saberes e lições que são faladas durante o filme em forma de provérbios. A própria opção de utilizar-se do woolof, a língua mais popular do país, chama a atenção para a crítica da identidade tradicional africana: a plateia escutaria seu idioma, oposto da língua estrangeira. Em seu artigo "Ousmane Sembène, entre literatura e cine", Lobna Mestaoui diz que "Ao conceder um lugar inédito às representações discursivas e estéticas de sua terra natal, ele escolhe uma escrita e uma representação de si livre da dominação ocidental? importância inédita para as representações discursivas e estéticas de sua pátria, ele opta por uma escrita e representação de si mesmo - ou seja, de seu povo - livre da dominação ocidental, o que fica claramente demonstrado no filme). Deixando as paisagens africanas de lado, Ousmane foca no homem e nos dilemas de sua vida. Como o próprio personagem fala: nenhuma religião vale a vida de um homem. E também vemos as simbologias constantes que remetem a ancestralidade e a valorização do tradicionalismo. No início do filme o primeiro quadro mostra um lago ou laguna com uma abóbora flutuando. A água reflete imagens, a imagem de nós mesmos, do outro um objeto e assim por diante. Segundo Ousmane, o que ele queria dizer com esse trabalho era que os senegaleses refletissem, imaginassem sobre suas vidas e seus papéis ou não. Os provérbios, a água a cabaça as casas, os cestos redondos que vemos no filme fazem-nos pensar nesse efeito, levá-lo para dentro, saber quem fui e quem sou. O próprio adágio é um espelho através do qual o ouvinte se vê e visualiza aproximadamente a situação. Hampate Ba nos fala que a influência do Islã não feriu a oralidade e a tradição africana, pelo contrário, se adaptou a ela pois não violava seus princípios fundamentais. A simbiose foi tão orgânica que quase não dá para distinguir o que pertence a uma ou a outra tradição. Um exemplo disso é que a maioria das crianças que saíam das escolas corânicas era capaz de recitar de cor o Corão inteiro, em árabe e no salmo desejado, sem entender o sentido do texto, o que demonstra a capacidade da memória africana. Em todas essas escolas, os princípios básicos da ancestralidade eram ensinados a luz da revelação corânica. Os dois possuem coisas em comum, como a preocupação em citar fontes e não modificar as palavras do mestre, respeito pela transmissão e o mesmo sistema de caminhos iniciatórios, além de que, toda nova forma de conhecimento era válida para os povos africanos, inclusive os assuntos islâmicos. Portanto, o colonialismo religioso aparece aqui como um problema relacionado à política e a influência europeia no país: “Há também o colonialismo religioso, na forma de um padre que concorda com os contrabandistas de armas e sonha com uma igreja negra. No entanto, esta ambição não se concretizou. Além disso, os ceddos foram ameaçados de serem vendidos como escravos aos europeus com seu próprio conhecimento. Eles trocam pessoas por qualquer coisa como vinho. Em meio a essa turbulência e em busca de uma solução uma guerreira decide sequestrar a filha do rei, a princesa Dior [...] Enquanto isso, o líder religioso, o imã, representante do colonialismo cultural e religioso, aproveita a posição para tomar o poder”. (Trecho retirado do artigo “Ceddo: uma narrativa em profundidade”, de Rita de Cássia Nascimento dos Santos.) A presença dos europeus traficantes de escravos – ditos comerciantes – é aparentemente inofensiva. Porém no Senegal moderno há ainda vestígios da presença e dominação desses estrangeiros, visto que Sembene estudou numa escola ministrada por franceses e, até pouco antes do início de sua carreira cinematográfica, não era permitido aos negros gravarem filmes ali. A sutileza com a qual essa questão é tratada se deve ao fato de que seu foco é outro: o governo local e sua relação com a religião. O islamismo é muito mais antigo na região do que pode parecer. De fato, a conversão das elites se deu primeiro, de forma que a nova religião pudesse ajudar a justificar sua soberania. O catolicismo foi deixado de lado nessa problemática porque, apesar da presença europeia, nunca se tornou a religião predominante. Isto fica evidente na figura do padre, que sonha com um Senegal católico, mas morre em meio ao conflito. Ele apoia os colonizadores (o padre e o comerciantese sentam lado a lado), mas não vai além disso. Em suma, a reflexão final do grupo sobre o filme é que o diretor propôs ao seu espectador que ele refletisse não apenas sobre uma má influência do Islã ou do catolicismo, não só do poder que se dá a um homem, mas quem está por trás disso, como rever as ações dos próprios senegaleses e, como a princesa Dior, entender, levantar e resistir. Em nossa interpretação, Dior é a materialização de uma identidade quase esquecida que ainda pode se levantar num último momento contra o impostor, contra o opressor. A última cena do filme mostra ela comandando um levante e, após isso, andando em direção a nós, de forma pesada e com a expressão dura, nos encarando como se fossemos nós a levar outro tiro ou juntar-se a ela. Concluo que, perante a análise imposta nessa resenha quero terminar a entrevista com uma passagem da narrativa de Ousmane Sembène, em que ele diz: “A liberação da África não seria feita sem mulheres. Mas isso não significa que a participação da mulher durante a revolução equivale a disparar um tiro e depois voltar à cozinha. A última cena do filme também mostra que, seja qual for o sistema ou o poder, as mulheres irão persistir.”
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