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2 O PROPÓSITO PRINCIPAL DA HUMANIDADE A primeira pergunta do Breve Catecismo de Westminster é: Qual é o fim principal do homem? A resposta diz: o fim principal do homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre. Esse é o principal propósito da humanidade. Foi para isso que Deus nos criou. Entretanto, em Gênesis 3 lemos que Eva e Adão foram seduzidos pela Serpente e desobedeceram a Palavra de Deus. O pecado de Adão e Eva no Jardim do Éden é chamado de Queda. Essa Queda não foi um mero tropeção. Deus havia dito: “Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2:17). O resultado do pecado seria a morte. Mas como podemos entender essa morte já que Adão não morreu no dia em que comeu da árvore do conhecimento do bem e do mal? O pecado trouxe uma morte gradativa para a humanidade. A morte imediata não foi uma morte física, mas sim espiritual. A morte espiritual significa a separação entre Deus e o homem, visto que Deus é nossa fonte de vida. Morte espiritual é ser escravo do pecado e, consequentemente, ser filho da ira. Para que o homem não perpetuasse sua miséria no pecado, ele foi expulso do Éden, pois assim ele não comeria da árvore da vida. Isso acarretaria o segundo tipo de morte: a morte física. Dessa forma, entendemos que no mesmo dia que Adão pecou ele morreu espiritualmente, pois agora ele buscava um esconderijo longe de Deus. Todavia, sua morte física não foi no mesmo dia, mas alguns anos depois de seu pecado: “E foram todos os dias que Adão viveu, novecentos e trinta anos, e morreu” (Gn 5:5). Caso o homem seja deixado em seu curso de rebelião, sem possibilidade de salvação, seu destino é a morte final, chamada de segunda morte: a morte eterna. Em resumo, o pecado no Éden introduziu a morte no mundo. Essa morte pode ser entendida de três formas, sendo: 1) morte espiritual; 2) morte física; 3) morte eterna. Iremos explorar mais detalhadamente as consequências da morte espiritual. A morte espiritual afeta toda humanidade. Desde o ventre materno, o pecado já está presente no infante. Percebendo isso, Davi escreveu: “Eis que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe” (Salmos 51:5). Também lemos no livro de Jó 14:4: “Quem do imundo tirará o puro? Ninguém”. Adão representou cada ser humano no Éden, de modo que o pecado dele nos afeta a todos. Paulo escreveu acerca disso à Igreja em Roma: “Porque, como pela desobediência de um só homem, https://www.bibliaonline.com.br/acf/gn/2/17 https://www.bibliaonline.com.br/acf/gn/5/5 https://www.bibliaonline.com.br/acf/sl/51/5 3 muitos foram feitos pecadores, assim pela obediência de um muitos serão feitos justos” (Rm 5:19). A ofensa de Adão recai sobre todos, de sorte que toda humanidade está espiritualmente morta. Novamente, podemos ler: “Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo” (1 Co 15:22). Observe que “todos” morrem em Adão. A morte espiritual afeta cada ser humano. Muitos outros textos das Escrituras poderiam ser citados para demonstrar a universalidade da morte espiritual, mas cremos que esses estabelecem o ponto defendido. Sendo assim, passamos a tratar mais especificamente da natureza dessa morte. Conforme vimos, a morte espiritual afeta toda a raça humana. Essa morte espiritual pode ser melhor descrita como o ato de rebelião no qual o homem tenta destronar Deus e entronizar a si mesmo. O estado pecaminoso do homem é caracterizado pela Vida-Centrada- em-Si. Isso desvirtua o propósito da Criação, pois antes da Queda nosso estado era caracterizado pela Vida-Centrada-em-Deus. A Vida-Centrada-em-Si recebe seu impulso básico do orgulho. Enquanto o orgulho reina em nosso coração, queremos ser senhores cercados de servos. Tudo e todos devem nos servir, inclusive Deus. É aqui que nasce a diferença entre a religião bíblica e não bíblica. A religião não bíblica deve satisfazer o impulso básico da Vida- Centrada-em-Si. Qualquer religião contrária a esse impulso básico é odiada pelo homem natural: “As pessoas que não têm o Espírito não aceitam as verdades que vêm do Espírito de Deus, pois lhes parecem absurdas; e não são capazes de compreendê-las, porquanto elas são discernidas espiritualmente” (1Co 2:14). Uma religião nos moldes descritos acima é a religião das obras. A religião das obras não ofende o ego do homem caído. O que essa religião ensina, basicamente, é que o homem é basicamente bom e capaz de fazer o bem. Mesmo quando a religião das obras reconhece que o homem não é bom por natureza, ela minimiza o impacto da Queda afirmando a capacidade que o homem tem de escolher o bem. Esse era o esquema religioso que prevalecia no catolicismo romano. Apesar de afirmar o pecado original, o romanismo negava seus efeitos sobre a vontade e sobre o intelecto humano. O pecado, de acordo com o romanismo, não retira do homem a capacidade de praticar obras de caridade quando o homem é impulsionado pela graça infusa. Veremos adiante como tal esquema ofusca a glória de Deus. https://www.bibliaonline.com.br/acf/1co/15/22 4 CALVINO E SADOLETO Talvez nenhum reformador tenha conseguido enfatizar mais a glória de Deus em todos os aspectos da vida do que João Calvino. Nascido em Noyon, na França, em 10 de julho de 1509, Calvino era católico romano, mas veio a se tornar mais tarde um dos principais nome da Reforma Protestante. O clima religioso e político na Europa estava fervilhando. Alguns cartazes foram espalhados pelas cidades criticando a missa e Calvino, devido a perseguições, se viu obrigado a abandonar sua cidade natal. Por volta de 1536 Calvino planejava ir para Estrasburgo, mas para evitar a guerra entre as forças de Francisco I e Carlos V, houve um desvio na rota e ele teve que passar por Genebra. A cidade suíça carecia de trabalhadores para implementar a reforma. Calvino, que pretendia achar um lugar calmo para estudar, foi logo confrontado por Guilherme Farel. Farel pediu que Calvino ajudasse a causa da reforma na cidade genebrina, mas Calvino titubeou. Farel então disse: “Deus amaldiçoe teu descanso e a tranquilidade que buscas para estudar, se diante de uma necessidade tão grande te retiras e te negas a prestar socorro e ajuda”. Diante de tal maldição, Calvino foi convencido a ficar em Genebra, até ser expulso em 1538. Com a expulsão do reformador, um cardeal católico, chamado Jacopo Sadoleto, escreveu uma carta aos genebrinos para que eles voltassem para a Igreja Católica Romana. Nessa carta, Sadoleto ataca o movimento da Reforma. A resposta a Sadoleto veio da pena de João Calvino. Publicada no Brasil pelo Projeto Castelo Forte, essa carta de João Calvino a Sadoleto teve uma breve apresentação escrita pelo pastor batista e calvinista John Piper. Piper resume o teor da resposta escrita por Calvino: A resposta de Calvino a Sadoleto é importante, pois revela a raiz da disputa de Calvino com Roma, que definiria toda a sua vida. O assunto prioritário não era algum dos pontos característicos e bem conhecidos da Reforma: justificação, abuso sacerdotal, transubstanciação, oração aos santos e autoridade papal; todos esses itens eram discutidos em seus devidos lugares. Mas, sob todos estes, o assunto fundamental para João Calvino, desde o começo até o fim da sua vida, era a centralidade, a supremacia e a majestade da glória de Deus. 1 Nessa carta Calvino demonstra que as acusações de Sadoleto não são baseadas na realidade. Sadoleto acusou os reformadores de promoverem sua causa baseados em torpe ganância. Calvino, todavia, mostra como ele e os demais reformadores apontavam 1 CALVINO, J. Uma Defesa da Reforma: de Calvino ao Cardeal Sadoleto: Projeto Castelo Forte, 2017, disponível em: http://projetocasteloforte.com.br/de-calvino-ao-cardeal-sadoleto-uma-defesa-da-reforma/. http://projetocasteloforte.com.br/de-calvino-ao-cardeal-sadoleto-uma-defesa-da-reforma/ http://projetocasteloforte.com.br/de-calvino-ao-cardeal-sadoleto-uma-defesa-da-reforma/ 5 como o papa e os demais líderes da igreja católica é que exploravam a fé do povo para viverem de forma luxuosa. E denunciando isso os reformadores não poderiam almejar gozar da mesma vida de ostentação. Além disso, Sadoleto gasta algumas páginas meditando acerca da vida eterna. E aqui é que fica mais claro que a visão do reformador de Genebra era muito superior à do Cardeal de Roma. Enquanto tece comentários sobre a vida eterna, Sadoleto se concentra naquilo que o homem poderá obter. Calvino, todavia, aponta que o alvo da vida eterna é muito maior do que a bem-aventurança do homem. O alvo da vida eterna é a glória de Deus! Ele escreve a Sadoleto: “entretanto, não creio seja próprio de um autêntico teólogo procurar que o homem volte-se para si mesmo, em vez de mostrar-lhe e ensiná-lo que o começo da boa reforma em sua vida consiste em enfatizar a glória do Senhor, já que nascemos, principalmente, para Deus e não para nós mesmos”. 2 Dessa forma, o propósito principal da humanidade é buscar a glória de Deus. O trabalho, a educação, a arte, o casamento, a política, enfim, tudo deve servir a esse propósito maior que é santificar o nome de Deus. E isso é mais enfatizado ainda no que diz respeito à salvação. O homem não é salvo em virtude dele mesmo. Deus não nos chamou das trevas para luz porque viu em nós algo digno ou especial. Quando Deus olha para nós o que Ele vê é toda sujeira e corrupção do pecado. Quando Ele sonda nossos caminhos Ele vê toda espécie de imundície e malignidade que habita em nosso coração: “O Senhor olhou desde os céus para os filhos dos homens, para ver se havia algum que tivesse entendimento e buscasse a Deus. Desviaram-se todos e juntamente se fizeram imundos: não há quem faça o bem, não há sequer um” (Sl 14:2,3). Não há nada em nossa vida que não seja misturado com o veneno do pecado. Então mesmo nossas boas obras são ofensivas aos olhos de Deus: “Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças como trapo da imundícia; e todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniquidades como um vento nos arrebatam” (Is 64:6). Assim, o homem não é salvo por causa dele mesmo, mas apesar dele. Em outras palavras, Deus nos salva em virtude da Sua glória! É por isso que somos salvos, para que o nome do Senhor seja glorificado. 2 CALVINO, J. Uma Defesa da Reforma: de Calvino ao Cardeal Sadoleto. Projeto Castelo Forte, 2017, disponível em: http://projetocasteloforte.com.br/de-calvino-ao-cardeal- sadoleto-uma-defesa-da-reforma/ . https://www.bibliaonline.com.br/acf/sl/14/2%2C3 https://www.bibliaonline.com.br/acf/is/64/6 http://projetocasteloforte.com.br/de-calvino-ao-cardeal-sadoleto-uma-defesa-da-reforma/ http://projetocasteloforte.com.br/de-calvino-ao-cardeal-sadoleto-uma-defesa-da-reforma/ 6 QUATRO SOLAS E A GLÓRIA DE DEUS A humanidade caída carece da glória de Deus. Não há qualquer esperança em suas boas obras, em suas boas intenções e em sentimentos bondosos. Com toda a justiça que o homem conquistar com sua própria força ele permanecerá condenado diante do Tribunal de Deus. Ele pode ter gastado todas as energias de sua vida para fazer o bem, mas o estado de tal homem, sem Cristo, é como o estado daquele que gastou todas as energias de sua vida para fazer o mal. Ambos permanecem com a sentença de condenação. Existe alguma solução para o problema do homem? Se sim, onde encontrar a resposta? Então os reformadores ensinaram que somente a Escritura pode conduzir a mente do homem ao conhecimento da verdade. Somente a Escritura possui autoridade para direcionar os passos do homem. O grito de guerra da Reforma, quanto ao depósito da fé e da verdade, foi “Sola Scriptura”. A Escritura aponta a solução. Ela diz que o homem pecador só tem uma única esperança: Cristo! Somente Cristo é suficiente para a salvação completa do homem. A obra de Cristo é totalmente eficaz, de tal modo que o homem não deve acrescentar nada ao sacrifício de Cristo. A salvação não é a soma de Cristo mais boas obras, Cristo mais jejuns, Cristo mais ofertas e dízimos. Somente a obra de Cristo é suficiente para nos salvar completamente! O Seu Nome é poderoso e todo aquele que invocar o Nome do Senhor será salvo. Portanto, o grito de guerra da Reforma foi: “Solus Christus”. Mas como o homem pode receber os benefícios da obra de Cristo? O que ele precisa fazer? Subir a escadaria de joelhos? Passar madrugadas frias no monte? Comprar o passaporte para o céu? Como se apropriar da justiça de Cristo? A única coisa necessária é crer! Somente pela fé o homem é justificado. Isso parece bom demais para ser verdade? Pois os reformadores diriam: é bom demais e é verdade! E então os reformadores bradaram: “Sola Fide”. Em nenhum momento os méritos do homem são considerados. Os méritos do homem só apontam para uma recompensa: condenação eterna! É somente o inferno que o homem pecador, destituído da glória de Deus, merece. No entanto, mesmo merecendo o inferno, Deus envia o Seu Filho para resgatar a humanidade caída. A salvação não é proveniente dos méritos do homem, mas é somente pela graça! Assim, o grito de guerra da Reforma foi: “Sola Gratia”. 7 Esse caminho imerecido para a salvação, pavimentado pela graça de Deus, redunda em glória ao Nome do Senhor! Em Efésios 1 Paulo fala que Deus no escolheu antes da fundação do mundo. Antes que houvéssemos nascido, o amor de Deus já repousava sobre nós. Nesse amor eterno, Deus nos predestinou para sermos filhos adotados em Sua família. E por que Deus amou e escolheu pessoas pecadoras como nós? Paulo responde: “Para louvor da glória de sua graça, pela qual nos fez agradáveis a si no Amado” (Ef 1:6). Deus planejou desde a eternidade a salvação para o “louvor da glória da sua graça”! É a glória de Deus o alvo final. GLÓRIA INTRÍNSECA E GLÓRIA ATRIBUÍDA O Ser de Deus é glorioso. As Escrituras nos permitem antever o Ser de Deus em seus atributos. Sua justiça, sua bondade, sua santidade, onipotência, onipresença, onisciência, enfim, todos esses atributos apontam para um Deus perfeito, sem mancha, sem mácula. Desde a eternidade, quando não havia nenhuma criatura, anjos, Deus é glorioso. A essa glória chamamos glória intrínseca. É em razão dessa glória intrínseca que toda a criação deve glórias ao Senhor. Não deveríamos glorificar um deus imperfeito. Um deus que não é santo não é digno de glória. Mas nosso Deus é perfeito e, por isso, digno de toda honra e de toda glória. A glória que nós e o restante da criação damos a Deus chamamos glória atribuída. Quando atribuímos glórias a Deus não estamos lhe dando algo que não lhe pertence. Antes, estamos reconhecendo que Seu Ser é glorioso. Assim, devemos dar glórias a Deus por aquilo que Ele é e por aquilo que Ele faz. Tudo que Deus faz está de acordo com Sua sabedoria, justiça e santidade. Portanto, é plenamente justo que Deus escolha aqueles a quem quer salvar, como também é plenamente justo que Ele rejeite aqueles que não são suas ovelhas. A salvação, disse o profeta, pertence ao Senhor (Jn 2:9). O Oleiro tem direito de moldar o barro de acordo com Sua vontade e tanto a salvação quanto a condenação redundarão em sua glória. Se colocássemos todas as coisas do universo criado (anjos, família, dinheiro, amigos, planetas, animais, etc.) em uma balança que pesa a honra e do outro lado colocássemos o Deus trino, então o primeiro lado da balança seria considerado como nada. Mas o lado do nosso Senhor receberia seu tremendo peso de honra. https://www.bibliaonline.com.br/acf/ef/1/6 8 Universo criado Deus trino De fato, a palavra hebraica traduzida por “glória” é kabod e o sentido dessa palavraé peso. No Novo Testamento, que foi escrito em grego, a palavra doxa carrega o mesmo sentido. É da palavra doxa que vem o termo doxologia, o qual expressa nosso louvor a Deus. A carta escrita por Judas, por exemplo, é encerrada com uma doxologia: “Ao único Deus sábio, Salvador nosso, seja glória e majestade, domínio e poder, agora, e para todo o sempre. Amém” (Jd versículo 25). O livro de Apocalipse é extremamente doxológico – isto é, Apocalipse está repleto de louvores a Deus. O peso do nosso Deus é tremendo. Ou seja, sua importância, sua honra é de grande peso. Em comparação ao nosso Deus, nada somos: “Todos os povos da terra são como nada diante dele. Ele age como bem lhe apraz com os exércitos dos anjos e com os habitantes da terra. Ninguém é capaz de se opor à sua vontade ou questioná-lo, dizendo: “Explica-te! Por que ages assim?” (Dn 4:35). O profeta Isaías registrou o peso das nações da terra: “Eis que as nações são consideradas por ele como a gota de um balde, e como o pó miúdo das balanças; eis que ele levanta as ilhas como a uma coisa pequeníssima” (Is 40:15). Nada somos, nada temos, exceto pela graça do Senhor! No Antigo Testamento a maneira de ofertar a Deus era baseada no contexto rural. Não havia o dinheiro real ou dólar. É por isso que Abel trouxe os primogênitos de suas ovelhas para ofertar a Deus. A oferta de Abel agradou o Senhor, pois foi uma oferta feita com fé (Hb 11:4) e sabemos que sem fé é impossível agradar a Deus. Agora é necessário entendermos que quando ofertamos não estamos dando algo ao Senhor. Não existe nada que não seja Dele. A oferta feita com fé reconhece que tudo o que possui foi recebido do Senhor. A saúde, o ar que respiramos, a terra em que vivemos. Tudo pertence a Ele. Porque meu é todo animal da selva, e o gado sobre milhares de montanhas. Conheço todas as aves dos montes; e minhas são todas as feras do campo. Se eu tivesse fome, não to diria, pois meu é o mundo e toda a sua plenitude. Comerei eu carne de touros? ou beberei sangue de bodes? Oferece a Deus sacrifício de louvor, e paga ao Altíssimo os teus votos (Salmos 50:10-14). https://www.bibliaonline.com.br/acf/is/40/15 https://www.bibliaonline.com.br/acf/sl/50/10-14 9 Lemos nesse Salmo sobre “sacrifício de louvor”. Ou seja, nossa oferta não é algo que vai acrescentar ao patrimônio de Deus. Antes, é apenas uma forma de louvá-Lo com os bens que Ele mesmo nos deu. Quando ofertamos reconhecendo que tudo vem da mão do Senhor, até mesmo o mal, como na vida de Jó, nós louvamos a Deus e oferecemos uma oferta de fé. Portanto, tudo em nossa vida deve ser para a glória e para o louvor do Senhor. A criação, também a sua maneira, tributa honra ao Senhor: “Os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos” (Sl 19:1). O suco de laranja ou de maracujá que tomamos; a pizza que comemos; o churrasco, o arroz com gordura de porco, tudo isso é para a glória de Deus: “Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus” (1 Co 10:31). Paulo escreve acerca de alguns líderes que estavam ordenando a abstinência de alimentos. Então Paulo explica com que propósito Deus criou os alimentos: “São líderes que proíbem o casamento e ordenam a abstinência de alimentos que Deus criou para serem recebidos com ações de graças pelos que são fiéis e estão bem firmados na verdade. Pois tudo o que Deus criou é bom, e, nada deve ser rejeitado, se puder ser recebido com ações de graças” (1Tm 4:3-4). Em 2018 teremos novas eleições. Não devemos votar em nosso candidato favorito. Não devemos votar no candidato favorito de nossos parentes, amigos, a menos que nosso candidato favorito ou o candidato favorito de nosso parente ou amigo tenha sido escolhido com base glória de Deus. Essa será uma escolha difícil. Mas por isso devemos estar bem informados sobre o partido dos nossos candidatos, a intenção de sua campanha e entender aquilo que a Bíblia diz sobre política. Sim, a Bíblia discute política: “Quando o governo é honesto, o país tem segurança; mas, quando o governo cobra impostos demais, a nação acaba em desgraça!” (Pv 29:4). Há vários outros textos das Escrituras que falam sobre o governo, a política, a justiça. Portanto, não devemos ir às urnas pensando em nosso próprio umbigo. Antes, exerçamos o voto para a glória de Deus. O voto pode até ser secreto, mas Deus vê! Assim também em nosso casamento, em nosso trabalho e na criação de filhos. Mais do que nunca os filhos estão sendo atacados com falsas ideias. Essas ideias têm sido forjadas por mentes diabólicas. E muitos pais têm negligenciado o ensino e a https://www.bibliaonline.com.br/acf/1co/10/31 10 educação de seus filhos. Eles mandam os filhos para a escola e não se preocupam em saber o que os filhos estão aprendendo. E muitas crianças estão sendo treinadas por pessoas que odeiam Cristo e Sua Palavra. Os pais são os responsáveis por aquilo que a criança aprende. Os filhos são dádivas de Deus para os pais. Assim, devemos criar nossos filhos visando à glória de Deus. Em resumo, toda a nossa vida, em todos os seus aspectos, devem se dobrar e confessar que Jesus Cristo é o Senhor. Vivamos nossa caminhada cristã buscando a glória de Deus somente. Honremos a Deus por termos recebido tão grande salvação. A salvação pertence ao Senhor (Ap 7:10). Glórias a Deus somente! QUESTIONÁRIO 1) De acordo com o Breve Catecismo de Westminster, qual é o fim principal do homem? 2) A morte espiritual é resultado da Queda no Éden. Marque a opção correta: a) ( ) A morte espiritual afeta apenas os adultos. b) ( ) A morte espiritual não afeta as criancinhas. c) ( ) A morte espiritual afeta toda humanidade, inclusive as crianças. 3) Considerando a Queda da humanidade, marque abaixo o que todos merecem: a) ( ) As pessoas boas e que fazem boas obras merecem o céu. b) ( ) Todas as pessoas, mesmo aquelas que fazem boas obras, merecem a condenação eterna. c) ( ) Os méritos de Cristo só são suficientes para aqueles que se esforçam para obtê-los. d) ( ) Ninguém merece ir para o inferno. 4) As palavras kabod e doxa traduzem a ideia de peso. Descreva abaixo qual é o peso de Deus e qual é o peso do universo: 5) Descreva abaixo qual foi o propósito de Deus ao criar os alimentos: SOLI DEO GLORIA: UMA INTRODUÇÃO À COSMOVISÃO CRISTÃ A primeira pergunta do Breve Catecismo de Westminster é: Qual é o fim principal do homem? A resposta é bem conhecida: o fim principal do homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre. Essa breve pergunta e resposta rejeitam várias cosmovisões. Para mencionar algumas: o materialismo, o ateísmo, o egocentrismo. A finalidade do homem não é determinada e nem circunscrita à matéria. Quando o homem tem em mente essa finalidade ele não se deixa levar pelas paixões, consumismo e trivialidades. O Breve Catecismo rejeita também o ateísmo como uma cosmovisão que deturpa a humanidade e que rebaixa o ser humano a um amontoado de átomos e reações químicas. E, embora o Breve Catecismo não seja anti-felicidade, ele coloca Deus e não o próprio homem como fim último. Temos aí um conflito de cosmovisões. A DEFINIÇÃO DE COSMOVISÃO O termo alemão Weltanschauung foi usado na filosofia para especificar uma percepção de mundo que envolve aspectos cognitivos, valores, postulados e ética, assumidos pela pessoa de modo consciente ou não. As respostas para questões últimas são invariavelmente afetadas pela cosmovisão adotada, seja de modo consistente ou inconsistente. O autor cristão mais reconhecido pela acomodação do conceito ao cristianismo é James Orr. Mas na filosofia reformada esse conceito ganhou novos contornos. A definição mais refinada podeser encontrada em James W. Sire: Uma cosmovisão é um compromisso, uma orientação fundamental do coração, que pode ser expresso como uma estória ou como um conjunto de pressuposições (suposições que podem ser verdadeiras, parcialmente verdadeiras ou totalmente falsas) que sustentamos (consciente ou subconscientemente, consistente ou inconsistentemente) sobre a constituição básica da realidade, e que fornece o fundamento sobre o qual nós vivemos, nos movemos e existimos. 3 Nessa definição encontramos muitos tópicos a serem investigados, mas pretendemos ser mais objetivos aqui, pois se trata apenas de uma introdução ao assunto. O ponto a ser destacado é que a cosmovisão é fundamental a todo e qualquer ser humano, e essa visão de mundo pode ser consistente ou inconsistente, verdadeira, parcialmente verdadeira ou totalmente falsa, conforme Sire. O teste negativo para a manutenção ou não de uma cosmovisão é a consistência interna de seus teoremas deduzidos de um axioma 3 SIRE, J. W. Dando Nome ao Elefante. Brasília: Monergismo, 2012, p. 179. previamente estabelecido. Isso significa que uma cosmovisão contraditória deve ser descartada. O cristianismo é uma cosmovisão consistente que detém o monopólio sistemático da verdade. EPISTEMOLOGIA: O AXIOMA DA REVELAÇÃO O capítulo de abertura da Confissão de Fé de Westminster estabelece que: Ainda que a luz da natureza e as obras da criação e da providência de tal modo manifestem a bondade, a sabedoria e o poder de Deus, que os homens ficam inescusáveis, contudo não são suficientes para dar aquele conhecimento de Deus e da sua vontade necessário para a salvação; por isso foi o Senhor servido, em diversos tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar à sua Igreja aquela sua vontade; e depois, para melhor preservação e propagação da verdade, para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra a corrupção da carne e malícia de Satanás e do mundo, foi igualmente servido fazê-la escrever toda. Isto torna indispensável a Escritura Sagrada, tendo cessado aqueles antigos modos de revelar Deus a sua vontade ao seu povo. O filósofo cristão Gordon Haddon Clark propôs, em conformidade com Confissão, a revelação especial como axioma da epistemologia cristã. Um axioma é um ponto de partida que não admite provas. Um sistema deve começar em algum lugar. O empirismo estabelece seu ponto de partida na experiência. O racionalismo parte das leis da lógica. O sistema de vida cristão tem seu fundamento na revelação. No entanto, a revelação geral, conforme diz a Confissão, não é suficiente “para dar aquele conhecimento de Deus e da sua vontade necessário para a salvação”. Isso torna necessária a revelação especial, que nos é dada, por um ato de livre graça, no Antigo e no Novo Testamento. Mas como alguém pode aceitar que a Bíblia é a Palavra de Deus? A Confissão de Fé de Westminster diz: “A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade) que é o seu autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a palavra de Deus”. É da natureza de um axioma ser recebido por fé. Não há provas empíricas para o empirismo. Tampouco o racionalismo pode provar as leis da lógica. Todo sistema deve começar em algum lugar e esse ponto de partida é aceito por fé. A Confissão acrescenta: Pelo testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e reverente apreço da Escritura Sagrada; a suprema excelência do seu conteúdo, e eficácia da sua doutrina, a majestade do seu estilo, a harmonia de todas as suas partes, o escopo do seu todo (que é dar a Deus toda a glória), a plena revelação que faz do único meio de salvar-se o homem, as suas muitas outras excelências incomparáveis e completa perfeição, são argumentos pelos quais abundantemente se evidencia ser ela a palavra de Deus; contudo, a nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna do Espírito Santo, que pela palavra e com a palavra testifica em nossos corações. Queremos realçar o seguinte ponto: “contudo, a nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna do Espírito Santo, que pela palavra e com a palavra testifica em nossos corações”. Em outras palavras, a aceitação das Escrituras como Palavra de Deus não depende de testemunhos externos, mas da iluminação graciosa do Espírito Santo. Assim como dependemos da graça para obtermos a salvação dependemos dela para chegar ao conhecimento da verdade (Ef 1:16-19). Esboçaremos em seguida uma breve estrutura da epistemologia cristã. Um resumo como esse é frustrante, pois não mostra o passo a passo seguido para chegar às conclusões propostas. Mas o assunto é grandioso demais para uma análise profunda em um curso de Escola Bíblica Dominical. Talvez possamos explorar mais esse tema em outra oportunidade. Gordon Clark definiu conhecimento como a posse da verdade por uma mente. 4 O cristianismo, embora não se confunda com o fundacionalismo clássico, pode acomodar perfeitamente a definição de conhecimento como a crença verdadeira justificada. O problema de Gettier e as objeções de Alvin Plantinga ao fundacionalismo clássico não são relevantes para o sistema cristão, pois o método de aquisição de conhecimento do cristianismo é infalível. A epistemologia cristã não promete 4 CLARK, G. Uma Visão Cristã dos Homens e do Mundo. Brasília: Monergismo, 2013, p. 305. onisciência. Mas os outros métodos fracassam em garantir o conhecimento, terminando em ceticismo absoluto. Dessa forma, somos gratos por ter acesso à verdade, ainda que nosso conhecimento não seja exaustivo. Enquanto os sistemas hegeliano e platônico requerem que se conheça algo na sua relação com o todo, a Bíblia nos diz que podemos conhecer algumas verdades ainda que não conheçamos outras: “As coisas encobertas pertencem ao Senhor nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem a nós e a nossos filhos para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei” (Dt 29:29). O cristianismo não promete onisciência ao homem, mas ele dá respostas coerentes a muitas questões importantes. Não temos, então, no sentido técnico, uma prova para o axioma da Revelação, mas podemos ter razões para rejeitar algumas opções. Um teste negativo é a coerência lógica. Somente uma pessoa cuja sanidade mental está prejudicada https://www.bibliaonline.com.br/acf/dt/29/29 https://www.bibliaonline.com.br/acf/dt/29/29 pode abraçar um sistema autocontraditório. As inconsistências do relativismo e do ceticismo são percebidas mais facilmente. O relativismo alega que não existe verdade absoluta. Mas sua alegação é feita de modo absoluto, demolindo assim sua alegação inicial. O ceticismo alega que não podemos conhecer a verdade. A pergunta que surge é: “é verdade que não podemos conhecer a verdade?”. Qualquer que seja a resposta ela demolirá a afirmação central do sistema cético. 5 Em oposição aos sistemas mundanos, que fracassam na justificação do conhecimento, o cristianismo possui uma revelação proposicional. A verdade tem caráter proposicional. Isso não é uma definição de verdade, mas um atributo das proposições. Apenas proposições podem ser verdadeiras ou 5 Para mais sobre questões autorreferenciais, veja: KOUKL, G. Argumentos que se autorrefutam. Tu Porém. Disponivel em: <http://tuporem.org.br/argumentos-que-se- autorrefutam/>. Acesso em: 9 setembro2017. falsas. Quando Jesus disse “Eu sou a verdade” ele não estava propondo uma teoria existencialista ininteligível que afirma que a verdade é pessoal. Essa teoria da dupla verdade – verdade pessoal em oposição à verdade proposicional – é incompatível com a fé cristã histórica. Jesus também disse “Eu sou a porta”, mas isso não significa que Jesus tenha trincos e ferrolhos, ou que portas tenham cordas vocais. A ideia de “verdade” pode ser aplicada figurativamente ou literalmente. Então, concluir que a verdade é “pessoal” ao invés de “proposicional” é fazer má exegese e declarar algo sem sentido. Tendo afirmado o caráter proposicional da revelação, precisamos entender a relação da fé cristã com os paradoxos. O paradoxo é uma contradição aparente. Dito de modo sucinto, a lei da não- contradição reza que um “A” não pode ser “A” e “não-A” ao mesmo tempo e no mesmo sentido. Uma sentença que afirma e nega algo ao mesmo tempo e no mesmo sentido é uma contradição real. O exemplo de uma contradição real é uma bola quadrada. Essa contradição só pode existir na linguagem, mas é impossível na realidade. Contradições reais são insolúveis. A contradição aparente, por outro lado, pode ser solucionada a partir de um exame mais cuidadoso. Isso significa que nas Escrituras não há paradoxos. A Bíblia é a Palavra de Deus e Deus não se revela de modo aparentemente contraditório, pois não há paradoxos na mente de Deus. Os paradoxos são sempre problemas na mente do estudioso das Escrituras. A doutrina da Trindade não é paradoxal. Historicamente, é afirmado que Deus é um em essência e três em pessoas. Em linguagem artificial, diz-se que Deus é 1-A e 3-B. Não é afirmado que Deus é 1-A e 3-A ou 1-B e 3-B. O mesmo vale para a doutrina histórica da Encarnação. A afirmação é de que ocorre a união de duas naturezas em uma subsistência (pessoa). O teólogo Robert L. Reymond expressou bem a incompatibilidade do paradoxo com a fé cristã: Ora, se alguém já aquiesceu a que a Bíblia mesma pode e de fato ensina que verdades possam vir ao existente humano em termos paradoxais, incorre- se em petição de princípio responder a isso insistindo que se deve simplesmente acreditar no que ela diz acerca dessas outras reivindicações de verdade e rejeitar aquelas que a contradigam. Por que uma das duas proposições da contradição “declarada” deve ser preferida à outra ao se aplicar a Escritura a uma contraditória reivindicação de verdade? Por que simplesmente não convivemos com mais uma antítese não resolvida? A única solução é negar ao paradoxo, se entendido como contradições irreconciliáveis, um lugar lícito em uma teoria cristã da verdade, reconhecendo-o pelo que ele é – o fruto de uma era irracional. Se é para haver ofensa nas alegações de verdade do cristianismo, que sejam as implicações éticas da cruz de Cristo e não a irracionalidade das contradições proclamadas aos homens como sendo ambas verdadeiras. 6 ÉTICA: QUEM DEFINE O CERTO E O ERRADO? Em Alice no País das Maravilhas Lewis Carrol narra o diálogo entre uma garotinha e um gato risonho. Alice pergunta ao gato: “Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para sair daqui?”. “Isso depende bastante de onde você quer chegar”, disse o Gato. “O lugar não importa muito…”, disse Alice. “Então não importa o caminho que você vai tomar”, disse o Gato. Sem um ponto de referência, qualquer caminho serve. Não importa se alguém é contra ou a favor do aborto; se diz a verdade ou profere mentiras. Nada, absolutamente, pode ser tido como certo ou errado. Mas conforme vimos, a Bíblia é a Palavra de Deus 6 REYMOND, R. L. Teologia sistemática: parte 1 e 2. Editora. [S.l.]: Monergismo. Edição do Kindle, Locais do Kindle 3048-3056. e detém o monopólio sistemático da verdade. Quando lemos o prólogo dos Dez Mandamentos encontramos o seguinte: “Então falou Deus todas estas palavras, dizendo: Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão” (Êx 20:1,2). Se o prólogo dos Dez Mandamentos não é verdade, então o roubo, o assassinato, a idolatria, são questões de foro íntimo. Se não há Deus, o lema dos abortistas é perfeito: “É contra o aborto? Não aborte, mas também não proíba”. Essa seria a lógica impecável se o mundo fosse produto do acaso, pois assim o valor da vida iria variar de pessoa para pessoa. Por detrás do relativismo moral está a premissa de que cada indivíduo é responsável para determinar o que é certo ou errado. Essa premissa é totalmente incompatível com o cristianismo. De acordo com Gordon Clark, A ética calvinista é baseada na revelação. A distinção entre certo e errado não se resolve https://www.bibliaonline.com.br/acf/ex/20/1,2 por meio de uma descoberta empírica da lei natural, como foi o caso de Aristóteles e de Tomás de Aquino, nem pelo formalismo lógico de Kant e, certamente, nem pelo cálculo impossível do utilitarismo do maior bem para maior número, mas pela revelação de Deus nos Dez Mandamentos. Essa revelação vem, primeiro, do ato de Deus de criar o homem à sua própria imagem e dos princípios morais básicos implantados no seu coração, mais tarde violados pelo pecado; segundo, das instruções específicas dadas a Adão e a Noé, que sem dúvida ultrapassavam e expandiam a doação inata; terceiro, da revelação mais compreensiva dada a Moisés; e mais, quarto, dos diversos preceitos subsidiários dados no restante da Bíblia. 7 Por estar baseada na Revelação, a ética calvinista também é conectada a dois conceitos-chave: a aliança e o reino. A 7 HENRY, Carl. F. H. (org.). Dicionário de Ética Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 231. Confissão de Fé de Westminster diz: Deus deu a Adão uma lei como um pacto de obras. Por este pacto Deus o obrigou, bem como toda sua posteridade, a uma obediência pessoal, inteira, exata e perpétua; prometeu-lhe a vida sob a condição dele cumprir com a lei e o ameaçou com a morte no caso dele violá- la; e dotou-o com o poder e capacidade de guardá-la. De acordo com a Confissão, a lei de Deus mantém um íntimo relacionamento com o pacto. Isso significa que o pacto inclui obrigações e não apenas benefícios. Essa lei não é vista como algo ruim, mas sim como “perfeita regra de justiça”, mesmo depois da Queda (CFW, Cap. XIX). Isso nos faz levantar a seguinte pergunta: qual a relação do cristão para com a lei? A visão dispensacionalista é bastante popular em meio aos evangélicos. A tendência de tal visão é criar uma descontinuidade entre Antigo e Novo Testamento, “pois estamos debaixo da graça e não da lei”. Apesar de popular, essa visão pode trazer consigo a falsa sugestão de que a Lei do Antigo Testamento caducou e o cristão não deve se preocupar mais com ela. Longe de estabelecer tal dicotomia entre Antigo e Novo Testamento, a Confissão assevera: A lei moral obriga para sempre a todos a prestar-lhe obediência, tanto as pessoas justificadas como as outras, e isto não somente quanto à matéria nela contida, mas também pelo respeito à autoridade de Deus, o Criador, que a deu. Cristo, no Evangelho, não desfaz de modo algum esta obrigação, antes a confirma. A lei moral é prescrita tanto para crentes quanto para incrédulos. Mas em virtude de Adão ter violado o pacto no Éden, todos nós nascemos com uma natureza corrupta, estando incapacitados de cumprir perfeitamente a lei. Dessa forma, embora a lei seja boa, ela pronuncia juízo e condenação aos pecadores que a descumprem. O fato de sermos incapazes de cumprir a lei, não nos desobriga de obedecê-la. Estando obrigados a cumprir a lei e tendoviolado constantemente as prescrições do pacto, somos merecedores de eterno castigo. Mas o fracasso ético da humanidade e sua condenação não é o veredito final. O evangelho traz uma solução tanto para condenação quanto para o fracasso moral. Em Cristo uma Nova Aliança foi estabelecida. Nessa Nova Aliança a lei é perfeitamente cumprida e o juízo moral de um Deus que não ignora o mal recai sobre Jesus Cristo. Pela fé temos acesso a essa grandiosa salvação, que não apenas nos garante um destino final na eternidade com Deus, mas que nos transforma aqui e agora, pois cada crente redimido é habitado pelo Espírito Santo. Uma das promessas da aliança é a habitação de Deus em meio ao Seu povo (Hb 8:10). Essa habitação do Espírito nos eleitos renova a mente e o coração, capacitando-os a uma vida de obediência. Essa obediência não visa obter a salvação, pois a salvação é somente pela fé e a fé é um dom gratuito de Deus. Os que creem são habilitados a viver uma vida de santidade. Porque, se viverdes segundo a carne, morrereis; mas, se pelo Espírito mortificardes as obras do corpo, vivereis. Porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus esses são filhos de Deus. Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes em temor, mas recebestes o Espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai. (Rm 8:13-15). Está inserido na Nova Aliança é uma realidade para o crente que implica benefícios inalcançáveis pelas obras e obrigações das quais não pode se esquivar. O conceito de Aliança, no entanto, impede a mecanização comportamental que pretende se adequar externamente às exigências da Lei. Tal postura é denominada legalismo e ela acorrenta a pessoa a padrões escravizadores. O legalista pode ter sua humanidade corroída pelo orgulho https://www.bibliaonline.com.br/acf/rm/8/13-15 ou ter sua vida paralisada pela culpa de nunca conseguir ser um perfeito cumpridor da Lei. Tanto o orgulho quanto a culpa tem características de desintegração, tornando doentia a comunidade que se pauta pela conformidade externa à Lei. Todavia, a aliança é o antídoto contra qualquer padrão escravizador. A premissa básica da aliança é que ela é um vínculo de amor pactual. Stanley J. Grenz assevera: “O Autor da aliança desejava estabelecer um relacionamento de pessoa para pessoa com o povo da aliança. A mera obediência às leis não podia mediar esse relacionamento”. 8 O legalista tende a ter uma visão distorcida de Deus. Para o legalista, Deus é o Legislador implacável sempre pronto a castigar os que lhe desobedecem. A graça é obliterada, pois o legalista divorcia a Lei do caráter de Deus. Mas a Lei deve ser vista no 8 GRENZ, S. J. A Busca da Moral. São Paulo: Vida, 2006, p. 124. contexto pactual, como as prescrições de um Pai gracioso que sabe o que é melhor para nós: “Se tu, Senhor, observares as iniquidades, Senhor, quem subsistirá? Mas contigo está o perdão, para que sejas temido” (Salmos 130:3,4). Além dessa conexão com a Aliança, a ética cristã está conectada com o Reino de Deus. Enquanto a Aliança destaca fortemente o caráter pessoal da ética cristã, o Reino estabelece mais claramente a autoridade e soberania absoluta de Deus. O Reino de Deus é cósmico. Isso significa que Deus não é Rei apenas da Igreja, mas de todo o universo criado. Seu domínio não se restringe aos crentes, mas Ele governa inclusive o reino parasita, isto é, o reino de Satanás e dos demônios. Deus é Rei desde a eternidade. Mas Seu reinado, de acordo com as Escrituras, tem uma natureza multiforme. No contexto da Queda, a humanidade se rebelou contra o governo de Deus. Essa rebelião teve https://www.bibliaonline.com.br/acf/sl/130/3,4 https://www.bibliaonline.com.br/acf/sl/130/3,4 proporções cósmicas, afetando não apenas o ser humano, mas também a natureza. Desastres naturais dão testemunho de que o pecado teve implicações no reino físico. Dessa forma, dentro do governo global de Deus surgiu um reino de oposição. Esse reino parasita não está fora do controle de Deus. Os pecadores rebeldes são súditos desse reino parasita. De certa forma então, podemos dizer que eles estão fora do Reino de Deus. Para não gerar confusão, é preciso diferenciar o Reino geral do Reino especial de Deus. Herman Ridderbos escreveu: Em primeiro lugar, o Antigo Testamento fala de um tipo geral e de um tipo particular da realeza do Senhor. O primeiro tipo tem a ver com o poder universal e o domínio de Deus sobre o mundo todo e sobre todas as nações e é fundamentado na criação dos céus e da terra. O segundo indica a relação especial entre o Senhor e Israel. 9 9 RIDDERBOS, H. A Vinda do Reino. São Paulo: De acordo com o Novo Testamento, Israel é o povo da Aliança. Nem todo o que nasce em Israel são “israelitas” (Rm 9:6). Ou seja, o povo da Aliança é formado por crentes, sejam judeus ou gentios. Esse relacionamento especial entre Deus e Seu povo foi finalmente restaurado pelo sacrifício de Cristo na cruz. Por isso Jesus pregava que o Reino dos Céus estava próximo. Ou seja, não é que Deus tenha deixado seu domínio, mas o Reino no sentido mais particular seria instaurado pela vinda do Messias. O acesso a esse Reino particular se dá mediante a fé e através do Novo Nascimento. Assim como a obra da Criação foi um ato do grande poder de Deus, o Novo Nascimento também é um ato de soberania: E tudo isso, com o propósito de que possais viver de modo digno do Senhor, agradando-lhe plenamente, frutificando em toda boa obra, crescendo no conhecimento de Deus, sendo Cultura Cristã, 2010, p. 26. fortalecidos com todo o poder, segundo a maravilhosa força da sua glória, para que, com alegria tenhais absoluta constância e firmeza de ânimo, dando graças ao Pai que nos tornou dignos de participar da herança dos santos no reino da luz. Ele nos resgatou do domínio das trevas e nos transportou para o reino do seu Filho amado, em quem temos a plena redenção por meio do seu sangue, isto é, o perdão de todos os pecados (Cl 1:10-14). De acordo com as Escrituras, os eleitos foram resgatados do domínio das trevas e foram transportados para o Reino do Filho de Deus. Isso transforma de maneira radical nossos valores e padrões morais. A fé é assentimento intelectual. Ela envolve o entendimento da verdade e sua aceitação. O Espírito nos dá esse entendimento e um coração disposto a aceitar as verdades da Palavra de Deus. Isso significa que devemos estar de acordo com a ética do Reino de Deus e pautar nossa vida nesses valores. O cristão não deveria está buscando primariamente bens materiais ou sua própria felicidade, mas o Reino de Deus e Sua justiça! Assim, ele deve mortificar o corpo (Rm 8:13), fugir da fornicação (1Co 6:18), se despir do velho homem e se revestir do novo homem (Ef 4:22- 24). A ética cristã requer compromisso da pessoa integral: “A ética do Reino exige a assistência aos necessitados. O desejo do Rei é que os que foram por ele abençoados com bens materiais usem essas dádivas em benefício dos outros”. 10 10 GRENZ, S. J. A Busca da Moral. São Paulo: Vida, 2006, p. 127.