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1 UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO – UMESP PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO ORLANDO CESAR ZAMBELLI O LÚDICO NA EDUCAÇÃO: A RUPTURA DA LUDICIDADE NOS PRIMEIROS ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL SÃO BERNARDO DO CAMPO – SP 2014 2 ORLANDO CESAR ZAMBELLI O LÚDICO NA EDUCAÇÃO: A RUPTURA DA LUDICIDADE NOS PRIMEIROS ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL Dissertação apresentada ao programa de Pós – Graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação, sob orientação da Profª Drª Zeila de Brito Fabri Demartini. Linha de Pesquisa: Formação de Educadores SÃO BERNARDO DO CAMPO – SP 2014 3 A dissertação de mestrado sob o título: O LÚDICO NA EDUCAÇÃO: A RUPTURA DA LUDICIDADE NOS PRIMEIROS ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL elaborada por ORLANDO CESAR ZAMBELLI foi apresentada e aprovada em 27 de Março de 2014, perante banca examinadora composta por: Profª. Drª. Zeila de Brito Fabri Demartini (Presidente/UMESP), Prof. Dr. Roger Marchesini de Quadros Souza (Titular/UMESP) e Profª. Drª. Arlete Assumpção Monteiro (Titular/PUC). __________________________________________ Profª. Drª. Zeila de Brito Fabri Demartini Orientador/a e Presidente da Banca Examinadora __________________________________________ Profª. Drª. Roseli Fischmann Coordenador/a do Programa de Pós-Graduação Programa: Pós-Graduação em Educação Área de Concentração: Educação Linha de Pesquisa: Formação de Educadores 4 AGRADECIMENTOS A Deus, por dar-me forças e saúde para seguir o caminho da luz mesmo nos momentos mais difíceis. À minha orientadora, Profª Drª Zeila de Brito Fabri Demartini, pela orientação dedicada e equilibrada durante todo tempo do curso. Ao colegiado do programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Metodista pelos conhecimentos transmitidos. À minha família, por entender e apoiar em todos os momentos de dificuldade e falta de tempo para lhes dar atenção. À minha irmã Genimari Zambelli pela importante ajuda, sugestões e revisão. Aos professores que participaram da pesquisa de campo, pela disponibilidade e compreensão. À CAPES, pela bolsa de estudo concedida durante todo o curso. Aos colegas, pela agradável convivência. 5 RESUMO A presente dissertação de Mestrado teve como foco analisar a suposta ruptura da ludicidade nos primeiros anos do Ensino Fundamental. O objetivo é refletir sobre as atividades lúdicas como ferramenta pedagógica e sua colaboração para o aprendizado nesta fase escolar considerando a transição da criança da educação infantil para o ensino fundamental e suas particularidades distintas. A pesquisa de cunho qualitativo compreende um trabalho bibliográfico com base em renomados autores sobre a temática, documentos oficiais e entrevistas com professores atuantes nessas séries e especialista no tema. A análise dos dados coletados possibilitou considerações mais precisas sobre o uso da ludicidade como ferramenta pedagógica nos primeiros anos do ensino fundamental, além de trazer elementos para compreensão de sua importância nesse universo. Palavras chave: ludicidade, ensino fundamental, brincar, ensino aprendizagem 6 ABSTRACT This Master's thesis is focused on analyzing the possible rupture of playfulness in the early years of elementary school. The aim is to reflect on the play activities as a pedagogical tool and their collaboration for learning in this school phase considering the child's transition from early childhood education to the elementary school and its distinct peculiarities. The qualitative research comprises a literature work based on renowned authors on the subject, official documents and interviews with teachers working in these series, and expert in the field. The analysis of collected data allowed more precise considerations on the use of playfulness as a pedagogical tool in the early years of elementary school, as well as provide elements for understanding of its importance in this universe. Keywords: playfulness, elementary school, playing, teaching and learning 7 SUMÁRIO Introdução........................................................................................................11 Capítulo 1 – O lúdico e a educação 1.1 – A perspectiva histórica do lúdico..............................................................16 1.2 – A ludicidade e a criança...........................................................................20 1.2.1 – O desenvolvimento da criança por meio das atividades lúdicas.....22 1.3 – O lúdico na escola....................................................................................26 1.3.1 – Brincar para aprender, aprender brincando ou aprender sem brincar.......................................................................................27 Capítulo 2 – Legislação, Educação Brasileira e o Lúdico 2.1 – Estudo da legislação da educação brasileira sobre o lúdico....................30 2.2 - A ruptura do lúdico entre a ed. Infantil e ensino fundamental..................33 Capítulo 3 – O percurso da pesquisa 3.1 – A base inicial............................................................................................38 3.2 - Procedimentos metodológicos..................................................................39 3.3 – A escolha dos entrevistados....................................................................39 3.3.1 – Informação – Contexto político-social de formação dos entrevistados....................................................................................39 3.4 – Estruturação das entrevistas....................................................................40 3.4.1 – Entrevistas e observação..................................................................42 Capítulo 4 – Contraponto Legislação, Espaços Escolares, Conteúdo 4.1 – O ponto de partida....................................................................................45 4.2 – Procedimentos de análise........................................................................45 4.3 – Análises comparativas.............................................................................46 4.3.1 – Perfil e Formação para o lúdico........................................................46 4.3.2 – Pontos e contrapontos entre legislação, o conteúdo 8 pedagógico, espaço físico da escola e a ludicidade na prática pedagógica......................................................................48 4.3.3 – Considerações dos entrevistados a respeito das suas concepções de criança, escola e professor.....................................51 4.4 – Considerações finais................................................................................56 Referências bibliográficas..............................................................................59 Anexos Anexo I – Entrevista com a Profª. Drª. Marta Regina Paulo da Silva..........63 Anexo II – Entrevistas com os professores..................................................68 Professor A........................................................................................................68 Professor B........................................................................................................69 Professor C........................................................................................................73 Professor D........................................................................................................74 Professor E........................................................................................................75Professor F........................................................................................................75 Professor G........................................................................................................77 Professor H........................................................................................................79 Professor I.........................................................................................................80 Anexo III - Roteiro de entrevista.....................................................................82 Anexo IV - Atividades realizadas pelos professores...................................83 Atividade 1.........................................................................................................83 Atividade 2.........................................................................................................84 Atividade 3.........................................................................................................87 Atividade 4.........................................................................................................88 Atividade 5.........................................................................................................89 Atividade 6.........................................................................................................90 Atividade 7.........................................................................................................91 9 Quadros Quadro 1 – Nomenclatura e divisão do ensino fundamental de 9 anos..........31 Tabelas TABELA 1 – Caracterização dos professores entrevistados............................46 TABELA 2 – Comparação do conteúdo pedagógico, os espaços escolares e a ludicidade na prática pedagógica..........................48 TABELA 3 – Concepção de criança, escola e professor..................................51 10 “O jogo lúdico é o mais alto grau do desenvolvimento da criança entre 6 e 9 anos, pois é a manifestação livre e espontânea do interior exigido pelo próprio interior.” Fröebel “Brincar com a criança não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados, tolhidos e enfileirados em uma sala de aula sem ar, com atividades mecanizadas, exercícios estéreis, sem valor para a formação de homens críticos e transformadores de uma sociedade.” Carlos Drummond de Andrade 11 INTRODUÇÃO A pesquisa que apresento, investiga a ruptura do lúdico na passagem da educação infantil para o ensino fundamental, por meio das concepções de professores das séries iniciais do ensino fundamental. O interesse pela temática surgiu a partir de experiências pessoais e profissionais adquiridas ao longo de meus 20 anos de atuação, em diversos segmentos do Lazer, da Recreação e da Educação, porém, a força motriz maior foi presenciar minha filha Íris, hoje com 9 anos, enfrentar essa passagem da educação infantil para o primeiro ano do ensino fundamental de forma não prazerosa, por vezes bastante impactante, uma vez que ela tinha muito gosto pela escola e ao ingressar no primeiro ano do ensino fundamental isso mudou bastante. Dizia ela: -“É chato ir pra escola, não pode brincar, não pode conversar, não tem dia de levar brinquedo... é só lição, lição... minha mão fica doendo... é chato”. Minha carreira profissional iniciou-se em 1991 como monitor de programas de lazer e recreação no segmento turístico-hoteleiro, em programas especializados de lazer em parques temáticos, locais de áreas naturais, excursões, festas, empresas e meios de hospedagem. No decorrer dos anos trabalhando nessa área de lazer e recreação, pude perceber que eu estava desenvolvendo minhas funções com conceitos não muito sólidos no que diz respeito ao desenvolvimento físico, motor e cognitivo das crianças com as quais eu trabalhava. Continuei a atuar na área do lazer e recreação, porém procurei me aperfeiçoar fazendo um curso de graduação. Optei por pedagogia nas 12 Faculdades Integradas Senador Fláquer. Durante o curso, percebia minha pratica profissional mais direcionada à educação e não ao brincar por brincar. Eu propunha atividades embasadas no desenvolvimento da criança de acordo com sua faixa etária. Surgia ali, em meados de 1998/1999 um recreador educador, e ou, educador recreador. Algum tempo depois, como coordenador de lazer de um resort de significativa referência na área, no interior de São Paulo, além das responsabilidades pelos programas oferecidos e gestão da equipe, eu tinha a função de treinar e capacitar novos profissionais. Com isso comecei a ser chamado para ministrar cursos, proferir palestras, dar workshops sobre lazer, recreação, músicas e brincadeiras cantadas e atividades lúdicas diversas. Após formado no curso de pedagogia no ano de 2003, ingressei no curso latu sensu em Lazer e Animação Sociocultural do SENAC SP buscando me aperfeiçoar. Durante o curso, as disciplinas me apresentaram novos horizontes sobre o lazer e a ludicidade. Recordo-me do Profº. Dr. Luiz Octávio de Lima Camargo provocando os alunos à repensar a temática do Lazer e as áreas de atuação, apresentando as diversas concepções, pelo olhar de diferentes autores o que despertou em mim o desejo de tornar-me professor do ensino superior e socializar o conhecimento prático acumulado e toda teoria adquirida. Após muitos cursos livres ministrados sobre ludicidade e recreação, no ano de 2007, entrei como professor da disciplina de recreação no Curso de Educação Física na Universidade Nove de Julho – UNINOVE. Percebia que os alunos se encantavam com os conteúdos transmitidos e 13 traziam histórias de resultados positivos com o uso do lúdico em suas atividades. Já em 2010, ingressei como docente da disciplina educação e ludicidade, entre outras, no Curso de Pedagogia da Universidade Ibirapuera. Ali percebi a carência das alunas em conhecimentos e habilidades para trabalhar com a ludicidade, jogos e brincadeiras e no decorrer das aulas elas traziam devolutivas, pois a maioria já trabalhava com a educação, que suas crianças adoravam as atividades que eu havia ensinado que suas coordenadoras pediam para que elas ensinassem às outras professoras, pais relatando que seus filhos cantavam, falavam sobre o que tinham aprendido em brincadeiras que a professora fez na escola. Com base nestas experiências, fui amadurecendo a ideia de cursar o mestrado e quando me deparei com as observações de minha filha Íris sobre não brincar mais no primeiro ano do ensino fundamental, que a escola se tornara ‘chata’, percebi a importância de realizar um estudo propondo verificar se há essa ruptura do lúdico na transição entre a educação infantil e os primeiros anos do ensino fundamental. Minha experiência mostra que a criança dos primeiros anos do ensino fundamental fixa a aprendizagem sem material escrito ou atividades sistematizadas. Durante as brincadeiras e jogos desenvolvidos para determinado tema, a criança assimila questões escritas, matemáticas, soluciona problemas, consegue dialogar com os colegas na tomada decisões, se localiza, e consequentemente acumula uma gama de conteúdo, muitas vezes impossível de ser aprendido durante as atividades meramente escritas ou explanadas durante uma aula. 14 Historicamente, a passagem da criança da Educação Infantil para o Ensino Fundamental acontece de forma retesada devido ao modo distinto nas práticas de ensino, desde a disposição dos utensílios e móveis escolares até a postura e prática pedagógica dos professores. Enquanto a educação infantil trabalha as questões lúdicas na construção do conhecimento e o respeito àcriança, o ensino fundamental foca principalmente atividades sistematizadas de cálculo, alfabetização e letramento. Nessa perspectiva, busquei entender qual o motivo que leva a maioria dos professores das séries iniciais do ensino fundamental a lançar mão de atividades maçantes e cópias da lousa e da apostila, apesar de, algumas vezes, utilizar material lúdico pedagógico. Porque a brincadeira e a ludicidade ficam realmente em segundo plano ou para o horário de relaxamento como os intervalos ou aula de educação física ou ainda, para as excursões em que os alunos se divertem com os jogos e músicas propostas por monitores que acompanham as crianças durante o passeio. Para refletir sobre essas questões busquei, por meio de pesquisas bibliográficas, entender a importância do brincar através da história e principalmente, como o Brasil dispõe nos documentos oficiais a ludicidade nos primeiros anos do ensino fundamental. Para complementar o estudo, a pesquisa de campo foi realizada através de entrevistas com professores que estão atuando no ensino fundamental em escolas municipais da cidade de Santo André. O trabalho segue estruturado da seguinte forma: no capítulo 1 trago o lúdico através dos tempos e de que forma ocorre no Brasil baseado em pesquisas de autores consagrados que defendem em seus estudos a 15 ludicidade na aprendizagem; no capítulo 2 faço um estudo da legislação educacional brasileira e analise sobre a ruptura do lúdico entre a educação infantil e o ensino fundamental; no capitulo 3 apresento a pesquisa de campo com a metodologia e procedimentos, análise comparativa dos dados apurados nas entrevistas; no capítulo 4 faço uma análise considerando o contexto político-social, formação, história e concepções dos entrevistados buscando entender à importância do lúdico nos primeiros anos do ensino fundamental. Finalmente as considerações finais em que buscarei demonstrar a tendência seguida pelos professores que participaram da pesquisa de campo. 16 CAPÍTULO 1 O LÚDICO E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA DA EDUCAÇÃO 1.1 A perspectiva histórica do lúdico O jogo lúdico pode concorrer para o sucesso da educação à medida que se opõe ao trabalho que está presente no âmbito escolar. Para poder trabalhar, já dizia Aristóteles, precisamos relaxar, reconstituir nossas forças. O jogo lúdico, notadamente sob suas formas motoras, é um dos meios para isso.Também, captar o interesse da criança para o jogo significa colocá-lo a serviço da educação, pois a criança aprende brincando. Gilles Brougère (2003, p. 201) A brincadeira infantil faz parte da história da humanidade desde a Antiguidade, marcando épocas conforme a concepção que a sociedade tem de criança, de educação e de brincadeira. O lúdico tem sua origem na palavra latina "ludus" que quer dizer "jogo”. Caso se achasse confinado a sua origem, o termo lúdico estaria se referindo apenas ao jogar, ao brincar, ao movimento espontâneo. Almeida (2006), afirma que o lúdico passou a ser reconhecido como traço essencial de psicofisiologia do comportamento humano. De modo que a definição deixou de ser o simples sinônimo de jogo. As implicações da necessidade lúdica extrapolaram as demarcações do brincar espontâneo. Segundo Brougère (1998), o modo como a brincadeira infantil é tratada depende da concepção filosófica de cada período, oscilando a visão de brincadeira, ora como recreação, ora como distração, ora como centro da educação da criança pequena e ora como espaço cultural, de inovação, de criação, de aprendizagem e desenvolvimento infantil. 17 Entende-se então, que ao longo da história a brincadeira está presente na vida da criança de maneira diferente, conforme a época: restrita à vida intrafamiliar; estendendo-se à vida cultural de toda uma sociedade; ou integrando a vida escolar como elemento de aprendizagem e desenvolvimento infantil. Segundo Brougère (1998), as crianças da Antiguidade, por exemplo, participavam dos mesmos jogos, divertimentos, festas e brincadeiras dos adultos de modo recíproco dividindo os mesmos brinquedos inclusive. Jogos e brincadeiras que hoje são reservados geralmente, às crianças. Kishimoto (1994) relata-nos o aparecimento do jogo educativo no século XVI, sendo que os primeiros jogos tenham surgido na Roma e Grécia antigas. Platão defende a importância do aprender brincando em contraposição à utilização da violência e da repressão. Para Aristóteles o jogo possibilita a educação de crianças pequenas preparando-as para a vida futura, através de brincadeiras que imitem ocupações adultas e atividades sérias. Com o advento do Cristianismo, decresce o interesse pelo jogo, considerado delituoso em função da educação disciplinadora e moralizante. Durante a Idade Média, permanece a concepção do jogo como algo que não era sério, como futilidade, por sua associação ao jogo de azar. Até esse período, a brincadeira era considerada sem importância, em oposição à seriedade. O jogo era visto como recreação, como distração, relaxamento após as atividades que exigem esforço físico, em função da imagem desvalorizada de criança, pois o brincar originava-se da própria criança, de seu comportamento espontâneo. (BRUGÈRE, 1998 p.44) É no Renascimento que o jogo é incorporado ao cotidiano escolar devido ao surgimento de novas concepções de aprendizagem. A brincadeira, nessa época, é vista “... como conduta livre que favorece o desenvolvimento da inteligência e facilita o estudo...” (KISHIMOTO, 1999, 18 p.28), tornando-se um recurso importante à aprendizagem dos conteúdos escolares. Kishimoto (1994) afirma que a partir do Renascimento, ocorre uma expansão contínua dos jogos didáticos ou educativos como os jogos de corpo, de cartas, de leitura, de tabuleiro, de trilha, de seleção além dos jogos tradicionais, dando ênfase ao jogo educativo que compreende a importância dos jogos de exercício para a formação do ser humano, utilizando-os como recurso auxiliar de ensino. Conforme Brougère (1998), antes da revolução romântica, três concepções estabeleciam as relações entre a brincadeira e a educação: o uso do brincar como mera recreação, como recurso para favorecer o ensino de conteúdos escolares e como recurso para ajustar o ensino às necessidades infantis. Tais concepções estavam relacionadas com a percepção de criança que começou a constituir-se no Renascimento e que se fixou no Romantismo: a criança dotada de valor positivo que se expressa por meio da brincadeira. Friedrich Fröebel, segundo Brugère (1998), foi o primeiro a sistematizar o ensino pré- escolar, reconhecendo o valor do jogo no processo de desenvolvimento cerebral e na formação do caráter. Ele foi o precursor de uma pedagogia infantil ativa e lúdica, concebendo os jardins de infância, cujo programa principal baseava-se na brincadeira livre, imaginativa e nos jogos orientados. Fröebel criou os dons, brinquedos simbólicos que permitiriam às crianças vivenciar um processo de autoinstrução e desenvolvimento autônomo, tendo o adulto como o auxiliar e mediador das atividades. De acordo com Kishimoto (1994), há uma expansão dos jogos educacionais no século XIX devido ao aumento de instituições do ensino 19 infantil e pela discussão entre o jogo e a educação. Há um investimento em brinquedos educativos como jogos científicos, mecânicos, jogos magnéticos, puzzles, bazar alfabético, poliglota, assim como uma preocupação com a qualidade, com as normas de segurança e orientações sobre a adequação destes às diversasfaixas etárias. O jogo educativo tornou-se um recurso de ensino para o educador e instrumento recreativo para a criança que só deseja brincar. As ideias de Fröebel dominaram até o advento do pragmatismo, quando Dewey concebe em sua obra The School and Society ( "A Escola e a Sociedade", 1899) a aprendizagem infantil de modo espontâneo por meio do jogo livre, nas diversas situações do cotidiano. Paralelamente, Montessori divulga sua obra The Montessori Method (1912) enfocando a importância de materiais pedagógicos explorados livremente, enquanto Decroly, no 1º Congresso Internacional de 1921, explana a noção de jogos educativos usados na sua escola “L’École de l’Hermitage”. Jean Piaget lança seus primeiros escritos sobre a psicogênese a partir de 1921 e em 1932 lança “jugement moral chez l’enfant” que trata principalmente do jogo de regras nas condutas lúdicas da criança (BROUGÈRE, 2003 p. 66-84) Diversos autores, aqui já citados, referem-se ao jogo como facilitador do desenvolvimento. No entanto, utilizam princípios epistemológicos diferentes, dependendo da concepção de desenvolvimento humano que cada um defende. Estudiosos da linha científica biológica como Sigmund Freud (médico neurologista criador da psicanálise no início do séc XX) por exemplo, consideram o jogo de origem biológica. Outros que defendem a linha social como Lev Vygotsky (Advogado e pensador russo do início do séc XX), entendem o jogo como de origem social. Alguns como Jean Piaget (epistemologista e psicólogo do início do século XX) e Henri Wallon (Filósofo, médico e psicólogo do início do séc XX) defendem que o conteúdo dos jogos varia segundo o meio físico e social da criança. 20 Essas teorias, além de outras, têm marcado as discussões em torno do jogo infantil durante o século XX, e atualmente, nos estudos recentemente publicados na obra da psicóloga espanhola especialista na evolução humana Goraigordobil (2003), “o jogo contribui no desenvolvimento integral da criança e focaliza a atividade lúdica como recurso pedagógico indispensável”. Diversos autores vêm se dedicando à reflexão sobre as relações entre infância e contemporaneidade, denunciando, entre outros aspectos: (...) a diminuição dos espaços internos e externos, a maximização do isolamento dos sujeitos em detrimento das relações comunitárias e familiares; a não veiculação de brincadeiras coletivas; a erotização precoce pela mídia cada vez mais globalizada; e a consequente exposição a todo tipo de informação e a cultura do consumismo mediando as relações entre os sujeitos. (ARRIBAS, 2004 p. 67). Sendo assim, a atual realidade infantil não contempla jogos e brincadeiras que envolvam relações diretas entre as crianças fora do contexto escolar. Contudo, os esforços de vários estudiosos nos faz refletir sobre a formação do professor em relação ao resgate da ludicidade nos primeiros anos do ensino fundamental. Com essa breve síntese histórica, é possível perceber a existência de estreitas relações entre a brincadeira infantil, o processo de aprendizagem e o desenvolvimento da criança. 1.2 A ludicidade e a criança Segundo Vygotsky ( 1984), não podemos compreender a criança fora de suas relações com a sociedade em que vive e desvinculada de suas interações com os sujeitos e com a cultura do grupo social no qual está 21 inserida. Tais relações constituem sua subjetividade, isto é, sua forma de sentir, pensar e agir sobre o mundo. Florestan Fernandes (1979), referindo-se à forma que se constituem as culturas infantis e suas relações sociais, afirma: ...há entre crianças (até 7 ou 8 anos entre os meninos e até mais entre as meninas) cujo os motivos são aspectos da vida do indivíduo adulto, tais como “fazer comidinhas”, “brincar de casinha”, etc. (...) nos brinquedos, a criança não imita seu pai ou sua mãe. Pai e mãe são entes gerais, representam uma função social. As crianças abstraem das pessoas A, B ou C para falar pai e mãe de modo genérico, desempenhando nos folguedos as suas funções. (FERNANDES, 1979 P.387) É importante ressaltar ainda que, conforme Florestan Fernandes (1979), “(...)podemos estudar a educação das crianças como um processo de seus próprios grupos através de atualizações da cultura infantil (...)”. Interessando ao autor os elementos “(...) padronizados pelo grupo social, correspondendo aos usos e costumes das pessoas adultas”, demonstrando assim uma antecipação à vida do adulto. (FERNANDES, 1979 p. 387-9) Congruente ao sentido dos pensamentos, é notável a descrição sobre educação, cultura e infância abordada na obra “As trocinhas do Bom Retiro” 1979, apesar do enfoque estar direcionado às culturas infantis, há um material imenso relatado sobre as brincadeiras e brinquedos utilizados pelas crianças que viviam nesse bairro naquela época. No entanto, nos cursos de formação atuais, não é citado, quiçá faz parte das referências básicas dos cursos formadores de professores que atuarão nos primeiros anos do ensino fundamental ou na educação infantil. Não devemos imaginar que seja possível a existência de um modelo único, adequado a todas as crianças e realidades, pois isso será contrário a tudo o que sabemos sobre as diferenças que constituem as culturas na sociedade. Podemos e devemos, entretanto, pensar em alguns eixos orientadores da construção de práticas pedagógicas, segundo os Referenciais 22 Curriculares Nacionais para Educação Infantil (1999), que priorizam e garantem às crianças a possibilidade de construírem seus conhecimentos de forma lúdica desenvolvendo a crítica, a criatividade e a consciência espontaneamente e não acirradamente. No Ensino Fundamental, conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (1999), a ludicidade fica implícita nas atividades extraclasse, integradas ao currículo (por meio de excursões e visitas de estudo do meio), manifestações artístico-culturais diversas, pesquisas e grupos de estudo, participação em eventos sociocomunitários, utilização dos laboratórios de ciências em atividades que busquem o conhecimento e estimulem o interesse e a pesquisa científica, entre outras ações desenvolvidas pela unidade escolar desde que contextualizadas ao currículo. 1.2.1 O desenvolvimento da criança por meio de atividades lúdicas Diante das questões colocadas até aqui, dois grandes eixos devem ser considerados: a brincadeira e a mediação. A brincadeira, que está presente desde o início do desenvolvimento da criança como atividade cultural e que deve ser incorporada ao currículo, dando margem a imaginação e a reinvenção da realidade durante o processo de ensino-aprendizagem. A mediação, que está no papel mediador do professor e na ideia da construção do conhecimento em rede como orientadora do planejamento pedagógico. Tais eixos já são muito bem explorados na Educação Infantil, no entanto, no Ensino Fundamental a brincadeira fica a parte, como se não 23 pertencesse ao currículo ou como se a criança está ali apenas para adquirir o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo além de compreender o meio ambiente natural, político, tecnológico, artístico e a formação de atitudes e valores que constam na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 93/94 (1996). De acordo com Vygotsky (1989), o início da vida da criança é determinado pela sua ação sobre o mundo, pelo contexto de percepções e pelos objetos nele contidos. Entretanto, ao iniciarem os jogos de faz de conta, a criança entra no processo de imaginação, que lhe permite desligar-se das limitações impostas pelo ambiente imediato. A criança é agora capaz de modificar o significado dos objetos, transformando uma coisa em outra. Assim, o campo de significado se impõe sobre o campo perceptual aumentando a flexibilidade do uso dosobjetos atribuindo-lhes novos significados pelo processo imaginativo. Para as crianças, um simples montinho de areia com um graveto espetado no topo pode transformar-se em um bolo de morango com vela acesa e imagina a festa inteira e todos os complementos a partir de um punhado de pedrinhas distribuídos aqui e acolá representando lanchinhos e docinhos, uma toalha de banho transforma-os em heróis de capa e que voam pelo espaço afora salvando o mundo dos vilões. Ao criar suas histórias de faz de conta, combina elementos tirados da sua experiência real com a fantasia produzindo algo novo. Essa capacidade de compor e combinar o antigo com o novo é a base da atividade criadora do homem. A constituição do processo do brincar está contida no que a criança conhece e vivencia, pois é a partir dessa experiência que a criança reelabora situações de sua vida cotidiana, criando novas realidades, 24 desempenhando papéis que vivencia (criança), papéis que ainda não pode desempenhar (mãe, pai, motorista, professora, etc.), papéis que aspira ser (cantora, bombeiro etc.) e papéis marginalizados ( homem do saco, bêbado, etc.). É dessa forma, segundo Vygotsky (1984), que a criança toma consciência de si e do mundo, construindo significados sobre a realidade. Na atividade criadora, imaginação e realidade constituem uma nova e única simbologia, possibilitando a expansão e a transformação da experiência sensível do homem na sua relação com o mundo. Conforme Vygotsky (1989), quanto mais ricas forem as experiências que as crianças vivenciam, mais possibilidades têm de desenvolver a imaginação e a criatividade em suas atividades, especialmente através de suas brincadeiras. E, quanto mais possibilidades tiverem de desenvolver sua imaginação até os 10 ou 11 anos, mais criativas serão nas suas ações/interações com a realidade e consequentemente na vida adulta. Embora o jogo de faz de conta possa ser caracterizado pela dimensão imaginária, é preciso, segundo Vygotsky (1984), argumentar que ao lado do desprendimento possibilitado pela imaginação, encontra-se a subordinação às regras impostas pela realidade. A brincadeira com regras também tem importante valor no desenvolvimento da criança. De acordo com Brougère (2003), as regras delimitam um campo de ação a ser seguido, com base no qual as crianças regulam seu comportamento. Além das regras implícitas nos jogos de faz de conta, é importante que a criança aprenda a brincar com regras explícitas. Nesse sentido, temos as brincadeiras de roda, a amarelinha, os jogos com bola, jogos de circuito, os diferentes piques, os jogos de linguagem (adivinhas, 25 trava-línguas, parlendas), os jogos tradicionais como rodar pião, bola de gude, saltar elástico, empinar pipa, os jogos de tabuleiro como dama, xadrez, dominó, loto, trilha e muitos outros jogos construídos nas diferentes culturas ou modificados/criados a partir dos já conhecidos, inclusive mediados pelo professor, que contribuem para o desenvolvimento e treinamento para a vida futura amadurecendo as diversas funções a serem utilizadas nas soluções dos problemas ou na agilidade para exercer determinada função ou ainda, na socialização com o outro. A mediação, segundo Vygotsky (1989), deve ser feita observando o brincar das crianças respeitando o conhecimento de mundo que ela aplica nas brincadeiras. O educador deve, durante sua observação, compartilhar deste brincar fornecendo tudo que for necessário (materiais apropriados, por exemplo) e auxiliar quando for quando solicitado. No entanto, para haver uma boa intervenção, o educador deve conhecer o jogo da criança, do que e como brincam, a cultura que está inserida além de seus jogos simbólicos. Muitas vezes, o educador é convidado a participar da brincadeira e a desempenhar um papel. Essa participação deve ser orientada pela observação e pela escuta cuidadosa das crianças e de como decidem o desenrolar da situação imaginária. É preciso que o educador não imponha seus desejos e vontades, do contrário ele poderá destruir a brincadeira das crianças. Através do respeito às decisões e escolhas das crianças, o educador poderá ser um participante (não um orientador) que busca enriquecer a brincadeira trazendo novas indicações e relações que poderão ser estabelecidas. (VYGOTSKY,1989 p.81). Segundo Helm (2005), a construção do conhecimento deve acontecer de forma lúdica, dentro desta perspectiva, deve encontrar-se vinculada a projetos curriculares que tenham, como tema gerador ou aglutinador, acontecimentos sociais que as crianças estejam vivenciando no momento, ou eventos culturais que estejam previstos na programação da 26 escola (como a visita a exposições, excursões de estudo do meio, entre outras) ou que sejam decididos e planejados pelas crianças e/ou pelos professores. 1.3 O lúdico na escola As práticas de Educação Infantil estão calcadas na visão do brincar e encaram a brincadeira como atividade recreativa formadora que permite que as crianças, além de relaxar e liberar energias, construam o conhecimento de forma significativa. No Ensino Fundamental dos primeiros anos, temos uma diminuição, e muitas vezes, o impedimento do brincar no espaço escolar, pois é considerado frívolo na situação de aprendizagem. As oportunidades de brincar limitam-se à hora do recreio e, quando possível, nos momentos de chegada e de saída da instituição. Outra tendência, talvez a mais comum, é a utilização da brincadeira como instrumento didático. O brincar, nessa perspectiva, é concebido como preparação para a escolaridade futura, através da sua transformação em exercícios e treinamentos. Garcia (2001), afirma que o educador usa a brincadeira para ensinar noções e habilidades como cores, formas, partes do corpo, numerais, entre outras durante a educação infantil. E nos primeiros anos do ensino fundamental a brincadeira é usada como forma de sedução e treinamento para a aprendizagem. Alguns jogos são observados apenas durante os recreios do Ensino Fundamental dos primeiros anos a título de relaxamento e sem a mediação do professor. Não são usados como forma de aprendizagem lúdica como uma atividade curricular histórico cultural, por exemplo, que agrega habilidades fundamentais para a construção do indivíduo, ao invés disso os alunos apenas passam o tempo durante o recreio como forma de diversão e estreitamento de relações. 27 1.3.1 Brincar para aprender, aprender brincando ou aprender sem brincar. Conforme documento da Secretaria de Educação do Distrito Federal (2008), não se pode deixar de considerar que é durante os primeiros anos de escolarização que o aluno tem a oportunidade de vivenciar experiências significativas de aprendizagem. O aluno adquire experiências e amplia sua estrutura mental e emocional, apropria-se de maneiras novas de pensar e agrega valor ao seu estilo de resolver problemas e compartilhar a afetividade. Além disso, aprende a utilizar estratégias metacognitivas e desenvolve habilidades cada vez mais refinadas ao longo do percurso escolar. Winnicott (1975), afirma que é nessa fase que o aluno se prepara para exercer sua autonomia em direção a tarefas sociais e afetivas que o conduzirão à juventude bem-sucedida e à vida adulta de sucesso. Durante o percurso no Ensino Fundamental, o aluno tem a oportunidade de conhecer a si e ao outro em espaços de socialização próprios dessa fase de desenvolvimento, de fazer escolhas, fortalecer sua autoestima e sua subjetividade, além de manifestar seus desejos e de alcançá-los através da conquista própria do conhecimento adquirido. Vygotsky (1989), afirma que “o que o aluno constrói e de que forma é feita essa construção, durante os primeiros anos de escolarização formal (6 a 9 anos de idade), será a expressão de seu talento, de sua criatividade e de sua capacidade de realização na vida.”Neves (2006), afirma que o lúdico está presente em todas as fases da vida humana agregando valores específicos para o conhecimento. A criança e mesmo o jovem mantém uma resistência à escola e ao ensino, porque acima de tudo ela não é lúdica, não é prazerosa, assim o ensinar 28 ludicamente transforma a aprendizagem divertida e consequentemente mais significativa. Segundo Piaget (1997), o desenvolvimento da criança acontece através do lúdico. Ela precisa brincar para crescer, precisa do jogo como forma de equilibração com o mundo. De acordo com Nunes (2004), a ludicidade é uma atividade que tem valor educacional intrínseco, mas além desse valor, utilizada como recurso pedagógico, pode contribuir para expansão da aprendizagem fazendo com que o aluno acomode e assimile o conteúdo de forma prazerosa e com facilidade. Segundo Teixeira 1995 (apud NUNES, 2004), os educadores devem recorrer às atividades lúdicas como recurso de ensino-aprendizagem pelas seguintes razões: • correspondem a um impulso natural da criança, pois o ser humano apresenta uma tendência lúdica; • são consideradas prazerosas, devido a sua capacidade de absorver o indivíduo de forma intensa e total, criando um clima de entusiasmo que canaliza as energias no sentido de um esforço total para atingir seu objetivo; • Por ser uma atividade física e mental, a ludicidade aciona e ativa as funções psico-neurológicas e as operações mentais, estimulando o pensamento. Portanto, Nunes (2004) afirma que o jogo como recurso pedagógico provoca aprendizagem significativa, estimula a construção de conhecimentos novos e principalmente desenvolve a capacidade cognitiva e 29 apreciativa específica facilitando a conexão entre fenômenos sociais, culturais e educativos. 30 CAPÍTULO 2 LEGISLAÇÃO, EDUCAÇÃO BRASILEIRA E O LÚDICO 2.1 Estudo da legislação da educação brasileira sobre o lúdico “O momento atual da educação brasileira e, sobretudo do Ensino Fundamental, remete às grandes transformações sociais e tecnológicas, o que ocasiona mudanças na prática educativa, em virtude da necessidade de se oferecer aos alunos uma formação compatível com as demandas do mundo moderno, valorizando habilidades, competências pessoais, conhecimentos e valores para além da aquisição de quantidade de informações. Esse paradigma fortalece a autonomia do aluno e favorece o desenvolvimento de uma postura empreendedora que dará conta das exigências do mundo globalizado.” (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DF, 2008 P.38) A LDB, em seu Art. 32, com a redação dada pela Lei nº. 11.274/2006, afirma que o Ensino Fundamental obrigatório, com duração de 9 anos, gratuito na instituição educacional pública, iniciando-se aos 6 anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: I O desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II A compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III O desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; IV O fortalecimento dos vínculos da família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social. O entendimento das questões relativas ao acesso à instituição educacional, ao fluxo institucional e à qualidade de ensino ganha relevância quando se enfoca o Ensino Fundamental, considerando que a legislação determina que a oferta dessa etapa de ensino, pelo Estado, é obrigatória. O Ministério da Educação ao propor o Ensino Fundamental de 9 anos sugere a nomenclatura de organização e divisão dessa etapa de ensino, conforme quadro a seguir: 31 Quadro 1 – Nomenclatura e divisão do ensino fundamental de 9 anos ENSINO FUNDAMENTAL ANOS INICIAIS ANOS FINAIS 1º ano 2º ano 3º ano 4º ano 5º ano 6º ano 7º ano 8º ano 9º ano Bloco Inicial de Alfabetização Fonte: elaborado pelo autor Os três primeiros anos do Ensino Fundamental de 9 Anos integram o Bloco Inicial de Alfabetização, de forma que correspondem, respectivamente, à Etapa I, à Etapa II e à Etapa III do referido bloco. Com duração mínima de nove anos, em regime de bloco para o período da alfabetização (do 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental de 9 Anos – Etapas I, II e III do Bloco Inicial de Alfabetização), pretende-se que essa etapa de ensino possibilite ao aluno ampliar sua capacidade de aprender, tendo em vista a aquisição de conhecimentos, competências e habilidades, e a formação de atitudes e valores. O Bloco Inicial de Alfabetização (BIA) além de promover a progressão continuada do processo de ensino aprendizagem, possibilita a criança permanecer por mais tempo na escola para desenvolver as competências que precisa construir. Para que isso aconteça, é necessário adotar estratégias que favoreçam o alcance de tais objetivos, pois somente a implantação do BIA não garante a qualidade do processo de alfabetização. O objetivo principal do BIA é reestruturar o Ensino Fundamental de 9 Anos, visando garantir à criança, a partir dos 6 anos de idade, a aquisição da alfabetização/letramento na perspectiva da ludicidade e do seu desenvolvimento global. 32 Nesse sentido, as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Básica propõe: “[...] a escola pode contribuir para que as crianças construam identidades plurais, menos fechadas em círculos restritos de referência e para a formação de sujeitos mais compreensivos e solidários. Do ponto de vista da abordagem, reafirma-se a importância do lúdico na vida escolar, não se restringindo sua presença apenas à Arte e à Educação Física. Hoje se sabe que no processo de aprendizagem a área cognitiva está inseparavelmente ligada à afetiva e à emocional. Pode-se dizer que tanto o prazer como a fantasia e o desejo estão imbricados em tudo o que fazemos.” DCNEB -MEC,2013 p.116) “ grifo meu” Partindo da abordagem de que o aluno é o principal personagem de sua aprendizagem, deve ser estimulado ao questionamento, expor suas ideias e opiniões, enunciar conceitos e descobertas, sanar dúvidas, fazer associações e escolhas, pesquisar, concluir, entre outras atitudes positivas, para construir o conhecimento desenvolvendo o pensamento crítico e o fortalecimento da autonomia e da solidariedade. Segundo o documento Ensino Fundamental de nove anos – orientações gerais, afirma ainda que: “[...] com base em pesquisas e experiências práticas, construiu-se uma representação envolvendo algumas das características das crianças de seis anos que as distinguem de outras faixas etárias, sobretudo pela imaginação, a curiosidade, o movimento e o desejo de aprender aliados à sua forma privilegiada de conhecer o mundo por meio do brincar [...]”. (MEC, 2004 p.19) Cabe ao professor encontrar estratégias para oferecer atividades lúdicas para desenrolar a alfabetização de forma prazerosa para o aluno. Ainda no documento do Ensino Fundamental de nove anos – orientações gerais, os jogos com regras devem estar presentes durante o processo de alfabetização. Para isso, os educadores necessitam estar cientes: “[...] nessa faixa etária a criança já apresenta grandes possibilidades de simbolizar e conhecer o mundo, estruturando seu pensamento e fazendo uso de múltiplas linguagens. Esse desenvolvimento possibilita elas participar de jogos que envolvem regras e se apropriar de conhecimentos, valores e práticas sociais construídos na cultura [...]”. (MEC, 2004 p.19) 33 Portanto, o educador deve buscar práticas pedagógicas bem estruturadas que motivem os alunos a alfabetizarem-se conhecendo a funçãoda escrita e apropriem-se dela significativamente e não apenas de forma mecânica. O documento do Ensino Fundamental de nove anos – orientações gerais, aponta ainda as questões sobre o espaço físico e sua importância para acolher alunos de seis anos: [...] as escolas que irão incluir a criança de seis anos no ensino fundamental, para recebê-las, precisa reorganizar a sua estrutura, as formas de gestão, os ambientes, os espaços, os tempos, os materiais, os conteúdos, as metodologias, os objetivos, o planejamento e a avaliação, de sorte que as crianças se sintam inseridas e acolhidas num ambiente prazeroso e propício para a aprendizagem. É necessário assegurar que a transição da Educação Infantil para o ensino fundamental ocorra da forma mais natural possível, não provocando nas crianças rupturas e impactos negativos no seu processo de escolarização. (MEC, 2004 p.22) Diante de tais apontamentos, conclui-se que para atender os alunos de seis anos com educação de qualidade é necessário modificar currículo, estrutura e também proporcionar formação continuada aos educadores a fim de entender o que é infância, como a criança se desenvolve e o motivo de incluir o brincar no processo de ensino-aprendizagem. 2.2 A ruptura do lúdico entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental O capítulo nove do documento das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Básico sugere: È desejável que as escolas estabeleçam um Ciclo de Alfabetização, no interior do qual não haja repetência, garantindo a todos os alunos o domínio da leitura e da escrita, instrumentos indispensáveis para o acesso a diferentes formas de conhecimento. (DCNEB MEC, 2013 p.26) “grifo meu” 34 Como vemos, apesar de contemplar o brincar nos primeiros anos do ensino fundamental, priorizam o conteúdo, principalmente a alfabetização/letramento, vista como elemento primordial para essa faixa etária. No entanto, estudos recentes a respeito da transição do aluno da educação infantil para o ensino fundamental realizado por Elaine Gesibel Teixeira Goes (2012) revelam que não deve haver uma ruptura entre uma fase da educação e outra, essa transição não deve ocorrer de qualquer maneira. Conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais: Outro desafio com que se depara o Ensino Fundamental diz respeito à sua articulação com a educação infantil e com o ensino médio, assim como é necessária uma integração maior entre os seus anos iniciais e finais. A falta de articulação entre as diferentes etapas da educação básica tem se constituído em barreiras que dificultam o percurso escolar dos alunos. Para a superação desses problemas é preciso que o ensino fundamental se fortaleça, passando a incorporar tanto algumas práticas que integram historicamente a educação infantil, como trazendo para o seu interior preocupações compartilhadas por grande parte dos professores do ensino médio, como a necessidade de sistematizar conhecimentos, de proporcionar oportunidades para a formação de conceitos e a preocupação com o desenvolvimento do raciocínio abstrato, dentre outras. (DCNEB, 2013 p.26) Ainda considerando as Diretrizes Curriculares Nacionais, é demonstrado um dos motivos que levam à ruptura do lúdico em detrimento da sistematização dos conteúdos causando uma transição conturbada: Para evitar que as crianças de seis anos se tornem reféns prematuros da cultura da repetência e que a continuidade dos processos educativos não seja indevidamente interrompida, levando à baixa autoestima do aluno e, sobretudo, para assegurar a todas as crianças uma educação de qualidade, estas diretrizes recomendam fortemente que os sistemas de ensino adotem nas suas redes de escolas a organização dos três primeiros anos do Ensino Fundamental – abrangendo crianças de seis, sete e oito anos de idade - como sendo o Ciclo da Infância, destinado à alfabetização. (DCNEB, 2013 p.28) “grifo meu” Conforme Saviani (2008) em Goes (2012 p. 46), “ a função da escola é transmitir o saber sistematizado, é mais do que ensinar os conteúdos elementares, é ensinar o homem a refletir”. Goes (2012) afirma que, o processo de transição da educação infantil para o ensino fundamental de 9 anos deve 35 respeitar e atender suas especificidades garantindo todas as condições para que isso ocorra. Afirma ainda que: [...] é preciso entender que as características das crianças de cinco e seis anos são diferentes de crianças de sete anos, por isso não é possível fazer apenas pequenas adequações nesse novo ensino fundamental de nove anos, são necessárias mudanças significativas. [...] As crianças de cinco e seis anos estão em uma fase na qual o brincar é importante para que as funções superiores se desenvolvam. Não se pode deixar que as crianças, ao chegarem ao ensino fundamental, percam esses momentos de brincar. Na educação infantil as crianças brincam e aprendem, pois brincadeira é aprendizado, então o ensino fundamental de nove anos deve estar repleto desses momentos de brincadeiras. (GOES, 2012 p.37) Pensando em um primeiro ano do ensino fundamental de qualidade, Kramer, Nunes e Corsino (2011) em Goes (2012 p.38) fazem importantes pontuações sobre essas questões: [...] é prioridade que instituições de educação infantil e ensino fundamental incluam no currículo estratégias de transição entre as duas etapas da educação básica que contribuam para assegurar que na educação infantil se produzam nas crianças o desejo de aprender, a confiança nas próprias possibilidades de se desenvolver de modo saudável, prazeroso, competente e que, no ensino fundamental, crianças e adultos (professores e gestores) leiam e escrevam. Ambas as etapas e estratégias de transição devem favorecer a aquisição/construção de conhecimento e a criação e imaginação de crianças e adultos. (KRAMER,NUNES E CORSINO, 2011 p.80) Conforme as autoras em Goes, a educação infantil e ensino fundamental, devem construir um currículo que considere as questões relativas à transição de uma etapa para outra da educação, visto que este processo influencia na aprendizagem das crianças. Segundo Arelaro, Jacomini e Klein (2011) em Goes (2012 p. 41), a última etapa da educação infantil deveria ser preparatória para o ensino fundamental objetivando principalmente: “[...] “Habituar” as crianças a sentar-se em carteiras e mesinhas, ter familiaridade com brinquedos pedagógicos com letras e números, ter disciplina, concentração e organização, enfim, preparar-se “culturalmente” para o início do trabalho alfabetizador [...]” (ARELARO; 36 JACOMINI; KLEIN, 2011, p. 38). Portanto, esta etapa de ensino é de suma importância no processo de ensino aprendizagem das crianças. Conforme Pansini e Marin (2011) em Goes (2012 p.42), é necessário que os professores se qualifiquem para receber, entender e respeitar as especificidades da nova criança do ensino fundamental pois: Com a entrada da criança aos 6 anos de idade na escola obrigatória, os professores precisam estar preparados para se relacionar com elas considerando a ludicidade, a brincadeira e o jogo como aspectos a serem privilegiados. Caso contrário, as medidas que visem superar os entraves no fluxo dos sistemas de ensino se restringirão a intervenções legais e normativas, provocando polêmicas e conflitos entre gestores, professores e responsáveis pelos órgãos centrais (PANSINI; MARIN, 2011, p. 93). “grifo meu” Congruente ao sentido dos pensamentos, o brincar deve fazer parte do processo de aprendizagem também no Ensino Fundamental, por isso os professores, dos primeiros anos, devem considerar a questão. No contexto, [...] levando em conta os novos conhecimentos sobre o processo de desenvolvimento das crianças [...] devemos deixar contaminar o ensino fundamental com atividades que julgamos típicas da educação infantil [...]. Falo das atividades de expressão como desenho, a pintura, a brincadeira de faz de conta,jogos com regras, a moldagem, a construção, a dança, a poesia e a própria fala, bases necessárias para a aquisição da escrita. [...] sem exercitar a expressão como um todo, o escrever fica cada vez mais mecânico [...] (MELLO, 2005 p. 30-31) Como vemos, os primeiros anos do ensino fundamental precisam das atividades lúdicas para se desenvolver, pois contribuem para a formação da identidade, da inteligência e da personalidade da criança. Goes (2012) afirma em seu estudo que além dos aspectos curriculares, devem-se repensar os aspectos concretos, como o espaço físico das salas de aulas, carteiras, armários, materiais lúdicos, pátio para socialização, entre outros. É fundamental que os espaços físicos que acolherão 37 as crianças, sejam organizados de maneira que tenham espaços suficientes para realizar todas as atividades necessárias ao seu desenvolvimento, respeitando seu tamanho, suas dificuldades e necessidades. No entanto na prática, segundo estudos aqui demonstrados, os primeiros anos do Ensino Fundamental prioriza a alfabetização de forma sistematizada e em espaços inapropriados para essa faixa etária e ainda deixando o lúdico para momentos soltos como recreios, entrada e saída, apesar das muitas pontuações nos documentos nacionais sobre essa ruptura e formas de inserir o brincar e de preparar o espaço físico. 38 CAPÍTULO 3 O PERCURSO DA PESQUISA 3.1 A base inicial Durante o percurso do estudo busquei nortear as abordagens qualitativas através de evidências teóricas e empíricas nas quais se destacam as entrevistas orais, mesmo não sendo um procedimento comum na metodologia qualitativa, é, segundo Neves (2006), uma técnica que expande o universo de questões fechadas buscando respostas mais profundas e com intervenções mínimas do entrevistador durante o questionamento, a fim de obter o máximo do contexto sócio cultural da trajetória de vida pessoal e profissional dos entrevistados. Ainda como pesquisa empírica pude contar com observação da prática pedagógica de alguns professores. 3.2 Procedimentos Metodológicos A presente pesquisa aborda de que forma acontece a ludicidade nos primeiros anos do ensino fundamental. Para realizar o trabalho utilizei pesquisa bibliográfica a estudos de autores consagrados trazendo preciosas contribuições para determinar o objeto de pesquisa que trata da dificuldade que os professores têm de aplicar atividades lúdicas nos primeiros anos do ensino fundamental. Para a pesquisa de campo utilizei uma abordagem qualitativa, pois foram utilizadas entrevistas orais dirigidas buscando contemplar o problema através de interpretação e entendimento do questionamento sobre o objeto desta pesquisa, sem uma coleta de dados previamente estruturada. As entrevistas foram feitas com professores dos primeiros anos do ensino 39 fundamental de escolas municipais de Santo André. Além das entrevistas, foram realizadas observações da aula de quatro dos nove professores para melhor entender de que forma é trabalhado o lúdico ou a ludicidade na prática de ensino. 3.3 A escolha dos entrevistados [...] é impossível obter informação de todos os indivíduos ou elementos que formam parte do grupo que se deseja estudar, seja porque o número de elementos é demasiadamente grande, os custos são muito elevados ou ainda porque o tempo pode atuar como agente de distorção. (RICHARDSON, 1999 p.157) Busquei selecionar professores obedecendo alguns critérios necessários para contemplar o objetivo da pesquisa. Tais critérios são: Ser pedagogo; Estar na rede municipal de ensino de Santo André no regime estatutário; Dar aula nos primeiros anos do Ensino Fundamental; Ter disponibilidade para realizar a pesquisa. Foram escolhidos nove professores do ensino fundamental dos primeiros anos. Todos seguem os critérios determinados estabelecendo amostra adequada aos objetos de investigação. 3.3.1 Informação – Contexto político-social de formação dos entrevistados Por motivos éticos, não colocarei o nome dos professores. Profª A – 38 anos, Licenciada em Matemática e em Pedagogia. Professora atuante há 19 anos. Profª B – 49 anos, formada no Magistério e em Pedagogia, Pós- graduada em Psicopedagogia. É professora atuante há 31 anos. 40 Profª C – 35 anos, formada no Magistério e em Pedagogia, Pós- graduada em Psicopedagogia e em Educação Especial. Professora atuante há 17 anos. Profª D – 45 anos, graduada em Pedagogia e Pós-graduada em Psicopedagogia. Professora atuante há 10 anos. Profª E – 53 anos, formada no Magistério, em Pedagogia e Letras. Professora atuante há 18 anos. Profª F - 51 anos, formada no Magistério e em Pedagogia. Professora atuante há 12 anos. Pfrofª G – 26 anos, graduada em Pedagogia. Atua há menos de um ano Profº H – 50 anos, Licenciado em Música e graduado em Pedagogia. Professor atuante há 25 anos. Profª I - 56 anos, graduada em Educação Física e Pedagogia. É professora atuante há 34 anos. 3.4 Estruturação das entrevistas As entrevistas foram divididas em dois blocos. O primeiro com as questões principais e o segundo, a fim de aprofundar a colocação dos entrevistados (caso haja necessidade), foi elaborado com questões complementares. Os dois blocos são compostos de cinco questões sendo que o segundo, por ser complementar, é composto por cinco grupos de perguntas. No bloco introdutório, as questões têm o objetivo de verificar se o professor entrevistado utiliza ou não o lúdico na sua prática de ensino e sua trajetória de vida buscando analisar se estes professores desfrutaram de 41 brincadeiras na sua infância e se na sua formação houve disciplinas que contemplassem o lúdico. As questões são as seguintes: a. Descreva sua infância, como você brincava e com quem? b. Qual sua formação e há quantos anos você dá aula no ensino fundamental? c. Qual sua concepção de criança, escola e professor? d. Você considera importante a ludicidade na sua prática pedagógica? e. Como é disposta sua sala de aula e quais espaços da unidade escolar você utiliza para aplicar atividades lúdicas? O segundo bloco, apresenta questões que são feitas somente se o entrevistado for sucinto em suas respostas e não contemple o necessário para a análise do objeto de pesquisa. Estão divididas em cinco grupos seguindo a disposição do primeiro bloco: a. Morava em casa ou apartamento?/ Brincava na rua, com quem e de quê? Tinha irmãs(os), mais velhos ou mais novos? / Algum adulto participava das brincadeiras? b. Em que ano se formou? Quando você estudou, teve alguma disciplina que contemplava o lúdico? c. Como você vê a criança atualmente? O que você acha da escola, ela atende as especificidades da criança desta faixa etária? Você como professor busca atender o aluno em suas necessidades naturais desta idade? d. De que forma você utiliza o lúdico na sua prática? Dê exemplo de atividades lúdicas que você aplica. Posso observar como isso acontece durante sua aula? 42 e. Quais espaços a unidade escolar oferece para aplicar atividades lúdicas? Em que momentos você utiliza esses espaços? 3.4.1 Entrevistas e observações As entrevistas foram marcadas com antecedência e todas realizadas na unidade escolar, sendo todas as escolas da rede publica, uma hora antes do horário de entrada dos professores para a sala de aula. Ocorreram de forma individual e oral seguindo um roteiro de perguntas – citadas anteriormente - as quais eram respondidas de maneira informal e descontraidamente. A maioria dos professores não teve dificuldade em formular as respostas e quando, em algum momento, havia dúvidas questionavam-me imediatamente a fim de saná-las. Duraram, em média, cerca de trinta minutos. Durante as entrevistas, os professores relataram que utilizavam a ludicidade dentroda sala de aula, o que me provocou curiosidade. A fim de entender como era aplicada a ludicidade nessa prática, pedi para observar a aula dos professores. Somente quatro dos entrevistados me permitiram observar a aula. Cada observação durou o período completo de uma aula do início ao fim, passando inclusive pelo intervalo (que eles chamam de recreio). O início das aulas se dá as 13h, o primeiro intervalo acontece das 14h30 às 14h50, o segundo intervalo é das 16h às 16h10 e a saída é às 18h. É importante ressaltar que cada observação foi realizada em dias diferentes e com professores de duas escolas diferentes, sendo três professores de uma escola de periferia e um de uma escola central do município de Santo André. 43 As observações completas estão descritas no anexo como observação da aula dos professores B, E, H e I. No entanto, farei aqui um apanhado geral. Os quatro professores observados iniciam a aula com chamada, lembretes, correção da lição de casa e escrita e leitura do cabeçalho. Em seguida, dão início à matéria propriamente dita com aplicação de uma atividade – lúdica – para fixar ou iniciar um conteúdo específico. Aqui cabe um aparte: nas quatro observações, os professores aplicaram uma atividade de língua portuguesa no início da aula sendo que três eram atividades de fixação e um era de introdução de conteúdo. As atividades eram: Bingo de palavras (mostra a palavra e no bingo tem a figura ou vice-versa); Boquinha e lápis (exemplo anexo); caça palavras (encontrar palavras iniciadas com a letra da vez, exemplo anexo). O professor que iniciava o conteúdo aplicou um texto onde havia desenhos da palavra (iniciada pela letra do novo conteúdo –“R” - anexo) e a criança deveria escrever a palavra num traço abaixo do desenho. A palavra era escolhida numa lista ao lado do texto. Hora do primeiro recreio. Após a atividade do início da aula, os alunos dirigem-se para o intervalo que é destinado para o almoço e depois, conforme as crianças vão terminando a refeição, sentam-se no pátio obedecendo a fila pré-estabelecida para esperar todos terminarem, escovam os dentes, ainda obedecendo a fila, e retornam para a sala de aula. No segundo período, os professores aplicaram outra atividade de fixação dos conteúdos aplicados anteriormente utilizando o caderno de classe – duas turmas, de língua portuguesa e outras duas turmas, de matemática. Segundo recreio, as crianças descem para tomar o café. Acontece exatamente da mesma forma: as crianças tomam café e conforme 44 vão terminando, sentam-se em fila para esperar todos terminarem e retornam em fila para a sala de aula. O terceiro período diferenciou um pouco, pois cada professor utilizou este período para aplicar atividades diversificadas: o professor I levou os alunos para a sala de informática onde foram realizados jogos de alfabetização determinados pelo monitor de informática (decidido juntamente com o professor antecipadamente); o professor H aplicou uma atividade de música sobre a primavera (música – “O Canto de um Povo de um Lugar” Caetano Veloso – tocada e cantada por ele) as crianças ouviram, depois, no caderno de desenho, copiaram “23 de setembro – Dia da Primavera” na linha imaginária abaixo copiaram o nome da música e durante a segunda e terceira vez que ouviram a música os alunos desenharam o que esta música representava para eles. O restante da aula foi destinada para pintura do desenho, cópia da lição de casa para o dia seguinte e preparo para a saída; o professor E aplicou uma atividade de recorte e colagem sobre raiz, caule, folhas, flor e frutos – todos separados com seus respectivos nomes para colorir, recortar e colar no caderno de desenho (o professor explicou na lousa com desenhos e exemplos, pediu que as crianças falassem exemplos próprios e depois aplicou a atividade); O professor B utilizou o terceiro período para contar uma história sobre uma menina que se chamava Rita que era magrela e gritava muito (tirada do livro “Rita não grita” de Flávia Muniz), para deixar como gancho para atividade do dia seguinte. Após as atividades prepararam-se para a saída guardando todo o material, limpando e arrumando a sala “para deixar limpo para a próxima turma” – fala dos professores. 45 CAPÍTULO 4 CONTRAPONTO LEGISLAÇÃO, ESPAÇOS ESCOLARES, CONTEÚDO 4.1 O ponto de partida O objetivo deste estudo é verificar se há ou não a ruptura do lúdico nos primeiros anos do ensino fundamental; ainda, de que forma acontece a aprendizagem dessa faixa etária dentro da sala de aula, e como o professor encara o brincar da criança para a aprendizagem. Durante toda a pesquisa de campo foi possível perceber os principais pontos que determinam as respostas para os questionamentos realizados nesta pesquisa. 4.2 Procedimentos de análise As análises foram feitas através de tabelas contrapondo às leis e autores já citados anteriormente nesse estudo. As tabelas estão separadas da seguinte forma: Tabela 1 apresenta o perfil de cada participante da pesquisa de campo demonstrando a geração a que pertence, brincadeiras de infância sua formação e tempo de atuação na sala de aula; a Tabela 2 configura a disposição física do espaço escolar e de que forma é utilizada a brincadeira durante a aula; a Tabela 3 trata das concepções que cada professor tem de criança, escola e professor; se ele trabalha a ludicidade e se as brincadeiras da infância influenciam ou não na prática pedagógica. Cada tabela traz comentários baseados nos estudos realizados pontuando se há ou não a ruptura do lúdico nos primeiros anos do ensino fundamental. 46 4.3 Análises comparativas Ao iniciar a análise das tabelas é importante ressaltar que todo o material aqui analisado encontra-se nas entrevistas transcritas na íntegra no anexo. 4.3.1 – Perfil e Formação para o lúdico TABELA 1 – Caracterização dos professores entrevistados Profº Idade Formação Formação para o lúdico Tempo de atuação Brincadeiras de infância A 38 Licenciada em Matemática e em Pedagogia Não teve formação para o lúdico 19 anos Pega-pega, queimada, esconde-esconde, clubinho, boneca, fazer roupinhas. B* 49 Magistério e Pedagogia, Pós- graduada em Psicopedagogia Teve formação para o lúdico no magistério e na pós-graduação 31 anos Jogos com bola, brincadeiras de roda, passa- passa três vezes, mão na mula, balança caixão , bicicleta, carrinho de rolimã, patins, pipa, charadas, trava línguas, descobrir palavras dentro da música, acrósticos orais, entre outras... C 35 Magistério, Pedagogia, Pós- graduada em Psicopedagogia e Educação Especial Teve formação para o lúdico no magistério e na pós-graduação 17 anos Motoca, bola,casinha e bonecas. Utilizava utensílios da cozinha para brincar. D 45 Pedagogia e Pós- graduada em Psicopedagogia Teve formação para o lúdico na pós- graduação 10 Anos Diversas brincadeiras com bola e brincadeiras de grupo com os amigos da rua. E* 53 Magistério, Pedagogia e Letras Teve formação para o lúdico no magistério 18 Anos Brincadeiras de roda, esconde-esconde, músicas, escolinha, cores, letras... F 51 Magistério e Pedagogia Teve formação para o lúdico no magistério 12 Anos Escritório, escolinha, casinha, cartas, jogos com bola, tabuleiro, pega-pega, esconde-esconde, rouba bandeira, mãe da rua, polícia e ladrão, entre outras... G 26 Pedagogia Teve uma disciplina para formação lúdica 3 meses Play graund, bonecas e vídeo- game. H* 50 Licenciado em Música e Pedagogia Não teve formação para o lúdico em nenhuma das graduações 25 anos Esconde-esconde, balança caixão, forte apache, autorama, bicicleta,mãe da rua, bastão e brincadeiras de músicas. I* 56 Educação Física e Pedagogia Teve formação para o lúdico na Educação física 34 anos Casinha, bonecas, cantigas de roda, bicicleta, pipa, jogos com bola, entre outras... *Professores que participaram da observação Fonte: elaborada pelo autor De acordo com a tabela, verifica-se que somente dois professores não tiveram nenhuma formação para o lúdico. Ainda, quatro professores possuem 47 magistério, três possuem pós-graduação em psicopedagogia e um em educação física. Tais cursos possuem disciplina específica para o lúdico. No magistério devido a especialização em pré-escola (atual educação infantil), na psicopedagogia para aplicar terapia lúdica no consultório e na Educação física tem a disciplina de recreação. Dois professores possuem graduação diferenciada Matemática e Música. A média da faixa etária dos professores é de 45 anos o que demonstra brincadeiras parecidas realizadas na infância, com exceção de uma que é bem mais nova e que já pertence à outra geração de brincadeiras. Os relatos mostram que a maioria morou em casa e que brincava com amigos ou parentes na rua ou tinha quintal espaçoso para brincar, também que as brincadeiras trouxeram aprendizagem significativa no tocante à experiência para a vida futura. Conforme Brougère (2003), as mais diversas brincadeiras realizadas durante a infância delimitam um campo de ação a ser seguido com base no qual regulam seu comportamento. Diante dessa afirmação, podemos perceber que os professores da amostragem confirmam os estudos de Brougère inclusive no relato dos tipos de brincadeiras que desfrutaram nas suas infâncias e o quanto contribuíram para seu desenvolvimento. È necessário apontar que a professora G, que brincou de videogame e boneca na sua infância e que morou em apartamento durante toda sua vida, descreve as brincadeiras aprendidas durante seu curso de Pedagogia, como deslumbrantes e divertidas, mas que não saberia fazer sem o monitoramento de outrem junto aos alunos. 48 4.3.2 Pontos e contrapontos entre legislação, o conteúdo pedagógico, espaço físico da escola e a ludicidade. A tabela a seguir irá apresentar as propostas referenciadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental dos primeiros anos e de que forma os professores entrevistados relatam que acontece nas suas unidades escolares e na sua prática pedagógica. Pensando ainda, no objeto da pesquisa que busca entender se há ou não a ruptura do lúdico nos primeiros anos do ensino fundamental, a tabela seguinte poderá esclarecer alguns pontos importantes para esta discussão: TABELA 2 – Comparação do conteúdo pedagógico, os espaços escolares e a ludicidade na prática pedagógica Legislação/ Professores Conteúdo Pedagógico Espaço Físico da Unidade Escolar Ludicidade na Pratica Pedagógica Documento Oficial: Diretrizes Curriculares Nacionais do Ens. Fundamental 1ºAnos [...]desenvolver a capacidade de representação,indispensável para a aprendizagem da leitura, dos conceitos matemáticos básicos e para a compreensão da realidade que a cerca.(MEC,2013p.110) A escola deve adotar formas de trabalho que proporcionem maior mobilidade às crianças na sala de aula, explorar com elas mais intensamente as diversas linguagens artísticas, utilizando espaços como quadra, parque, horta, entre outros. (MEC,2013 p.120). Na perspectiva da continuidade do processo educativo proporcionada pelo alargamento da Educação Básica, o Ensino Fundamental terá muito a ganhar se absorver da Educação Infantil a necessidade de recuperar o caráter lúdico da aprendizagem, particularmente entre as crianças de 6(seis) a 10 (dez) anos que frequentam as suas classes, tornando as aulas menos repetitivas, mais prazerosas e desafiadoras e levando à participação ativa dos alunos. (MEC,2013p.120) A Alfabetização utilizando letras, textos com atividades específicas e sequencias numéricas e atividades com número A sala possui mesas redondas com quatro cadeiras e uma sala multiuso que também é utilizada como biblioteca. A unidade não possui espaços para atividades lúdicas A aprendizagem deve acontecer de forma natural, assim procuro utilizar a ludicidade em minha prática pedagógica B De acordo com o projeto anual da escola, os primeiros anos devem priorizar a alfabetização/letramento e a matemática. Porém priorizo o aprendizado através da solução das situações problemas utilizando o questionamento e a mediação. As unidades não estão preparadas para receber as crianças dos primeiros anos do ensino fundamental, pois as carteiras são individuais, os espaços como quadra e pátio são utilizados para atividades específicas, não há material lúdico, não contempla a ludicidade. A minha prática pedagógica está calcada na ludicidade em todos os momentos através de trava-línguas, parlendas, charadas, jogos com regras, brincadeiras variadas, respeitando a política da unidade escolar. 49 C Enfatiza a alfabetização, o letramento e o cálculo conforme projeto político pedagógico além da sustentabilidade que é o projeto anual da escola. A sala é composta por carteiras individuais que eu disponho em duplas e as vezes em grupo, lousa e armários. Há um laboratório de informática e biblioteca. A quadra é utilizada apenas pelo professor de educação física. Falta muito para atender as crianças dessa faixa etária Utilizo muitas brincadeiras com letras, números e cores,jogos,músicas que falam do cotidiano das crianças, entre outras atividades lúdicas para fixar a aprendizagem. D O conteúdo está estipulado no planejamento anual, mas basicamente trata da alfabetização, letramento e matemática. Em ciências tratamos da reciclagem e da alimentação saudável A sala tem carteiras individuais dispostas em filas, laboratório de informática e biblioteca. Utilizo atividades como bingo, caça palavras, textos, alguns jogos. E Determinado pela unidade escolar através do projeto político pedagógico anual, que consiste para os primeiros anos alfabetização e letramento, além de matemática e projetos desenvolvidos pela classe com minha observação e direcionamento. Carteiras individuais que coloco em círculo para trabalhar melhor as rodas de conversa, cantinho da leitura na própria sala e laboratório de informática. Utilizo a ludicidade em todos os momentos da prática pedagógica através de bingos de letras e números, alfabeto móvel, cruzadinhas, parlendas, joguinhos variados e questionando a criança para dar oportunidade dela desenvolver suas habilidades F Basicamente alfabetização 1 e matemática especificados no planejamento anual. Esta turma é a mais nova de todos os primeiros anos o que dificulta atingir o conteúdo plenamente. A sala de aula está disposta em três colunas de carteira duplas para facilitar a socialização. Como espaços complementares temos o laboratório de informática e a biblioteca. Procuro aplicar atividades lúdicas variadas, utilizando pouco o caderno e mais a folha de sulfite, os jogos com regras e as brincadeiras fica por conta da professora de educação física na quadra. G O conteúdo está praticamente voltado para o término do livro do alfabeto, pois minha turma trocou muito de professora e quando assumi, estavam muito atrasados. Também tem o caderno de números que ainda está no 6 e não tem todas as cores, formas e as quantidade A sala tem a disposição antiga, fileiras e colunas de carteiras individuais Voltadas para a lousa e para a mesa da professora. Tem biblioteca, laboratório de informática e quadra, cada espaço com seus professores específicos e respeitando o calendário semanal. A ludicidade faz com que os alunos aprendam
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