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1 POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS . Unidade 1 1 POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS – UNIDADE I Em um país onde as ações do poder público são centralizadas, pouco transparentes e muitas vezes interpretadas como paliativas, é fundamental que se compreenda a formulação das políticas públicas, para entendermos como funciona o planejamento no setor público brasileiro. As políticas públicas afetam a todos os cidadãos, de todas as escolaridades, independente de sexo, raça, religião ou nível social. Com o aprofundamento e a expansão da democracia, as responsabilidades dos representantes populares se diversificaram. Atualmente é comum dizermos que sua função é promover o bem-estar da sociedade. O bem-estar da sociedade está relacionado a ações bem desenvolvidas e à sua execução em áreas como saúde, educação, meio ambiente, habitação, assistência social, lazer, transporte e segurança, ou seja, deve-se contemplar a qualidade de vida como um todo. Conceitualmente, políticas públicas são conjuntos de programas, ações e decisões tomadas pelos governos com a participação, direta ou indireta, de entes públicos ou privados que visam assegurar determinados direitos de cidadania para vários grupos da sociedade ou para determinado segmento social, cultural, étnico ou econômico, representam direitos assegurados na Constituição. https://www.politize.com.br/politicas-publicas-quem-faz/ https://www.politize.com.br/democracia-o-que-e/ https://www.youtube.com/watch?v=fZV2yC3jSr8 https://www.politize.com.br/constituicao-de-1988/ 2 ÍNDICE TÓPICOS PÁGINA 1. GOVERNANÇA E GESTÃO MUNICIPAL 3 1.1 Funções de Governança e Gestão 6 1.2 A Gestão Municipal 7 1.3 Questão Social 11 1.4 Políticas Públicas e Sustentabilidade 12 1.5 O Ciclo das Políticas Públicas 13 1.6 Sustentabilidade 15 2. QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS 18 3. MARCO LEGAL DAS POLÍTICAS SETORIAIS E DE DEFESAS DE DIREITOS 27 3.1 Declaração Universal Dos Direitos Humanos - 1948 28 3.2 Constituição Federal De 1988 29 3.3 Participação Social, Democracia E Gestão 30 3.4 Conselhos De Direitos Na Participação Social E No Controle Das Políticas Sociais - De 1964 A 1993. 35 3.5 As Atribuições Legais Dos Conselhos Na Área Social 37 3.6 Estatuto Da Criança E Do Adolescente - 1990 38 3.7 Estatuto Do Idoso - Lei 10741/03 | Lei Nº 10.741, DE 1º De Outubro de 2003 41 3.8 Lei Maria Da Penha - Lei 11340/06 | Lei Nº 11.340, De 7 De Agosto De 2006. 43 3.9 Estatuto Da Igualdade Racial - Lei Nº 12.288, De 20 De Julho De 2010. 45 3.10 Estatuto Da Pessoa Com Deficiência - Lei Nº 13.146, De 6 De Julho De 2015. 47 4 PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO 51 4.1 Mas afinal, o que é um Planejamento Estratégico? 53 4.2 Princípios do Planejamento Estratégico 55 4.3 Etapas do Planejamento Estratégico 56 4.4 Estrutura Básica do Planejamento Estratégico 56 4.5 Benefícios Esperados do Planejamento Estratégico 57 5. GESTÃO ESTRATÉGICA DA INFORMAÇÃO 59 5.1 Gestão Digital Estratégica 65 6. BIBLIOGRAFIA 67 3 1. GOVERNANÇA E GESTÃO MUNICIPAL No que se refere ao setor público, a governança começou a ser discutida com a crise fiscal dos anos 1980 que exigiu um novo arranjo político e econômico com a intenção de tornar o Estado mais eficiente. Nesse contexto oportunizou o debate sobre a governança na esfera pública e resultou no estabelecimento de princípios básicos que norteiam as práticas de governança nas organizações públicas nas esferas federal, estadual e municipal: transparência, integridade e prestação de contas (IFAC, 2001). Com o passar dos anos uma série de estudos internacionais sobre a boa governança no setor público foram publicados que reafirmaram os três princípios inicialmente preconizados pelo International Federation of Accountants (IFAC) e acrescentaram outros três: liderança, compromisso e integração. Já o Decreto Nº. 9.203, de 22 de novembro de 2017, define em seu Art. º os seguintes princípios da governança pública: I. capacidade de resposta; II. integridade; III. confiabilidade; IV. melhoria regulatória; V. prestação de contas e responsabilidade; VI. transparência Ainda, para melhor atender aos interesses da sociedade é fundamental garantir um comportamento ético, responsável, comprometido e transparente de liderança; reprimir a corrupção; implementar efetivamente um código de conduta e de valores éticos, garantir a adesão das organizações às regulamentações, normas e padrões; garantir a transparência, equilibrar interesses e envolver cada vez mais os stakeholders (cidadãos, usuários dos serviços, iniciativa privada). Assim, podemos entender que uma boa governança no setor público permite: Garantir a entrega de benefícios econômicos, sociais e ambientais para os cidadãos; Garantir que a organização tenha credibilidade e responsabilidade para com os cidadãos; Ter clareza de quais são os serviços prestados para cidadãos e usuários; Proporcionar transparência, mantendo a sociedade informada acerca das decisões tomadas e dos problemas envolvidos; Dispor e utilizar informações de qualidade e mecanismos sólidos de apoio a tomada de decisões; 4 Dialogar, compartilhar e prestar contas à sociedade; Garantir a qualidade e continuidade dos serviços públicos prestados; Promover o desenvolvimento contínuo dos líderes e dos colaboradores; Definir claramente os processos, responsabilidades, limites de poder e de autoridade; Selecionar a liderança tendo por base critérios como conhecimento, habilidades, competências e atitudes individuais; Avaliar o desempenho da organização, da liderança e dos colaboradores; Garantir a existência de uma gestão de riscos concreta; Utilizar-se de controles internos para manter a gestão adequada; Controlar as finanças de forma responsável; Fornecer aos cidadãos dados e informações confiáveis, tempestivas, relevantes e compreensíveis. AMPLIANDO SEU CONHECIMENTO http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/XIVCongresso/078.pdf No Brasil, diversas leis e decretos foram publicados para institucionalizar direta ou indiretamente condições de governança. A Constituição Federal de 1988 estabelece, no caput do art. 1º, que “a República Federativa do Brasil […] constitui-se em Estado Democrático de Direito”. Em relação a governança, isso quer dizer que o cidadão tem poder para escolher seus representantes e que o poder emana do povo e por isso, não está concentrado apenas no governo. Ainda na Constituição de 1988 em seus Art. 5º foi fixado direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, com vistas a criar as condições básicas necessárias à governança do Estado. A Assembleia Nacional Constituinte de 1988 também organizou político administrativamente a República Federativa do Brasil, que compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos. Além da Constituição de 1988, outros instrumentos surgiram para fortalecer a governança pública. Podemos destacar: o Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal (Decreto 1.171, de 22 de junho de 1994), a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101, de 04 de maio de 2000), o Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização (GesPública) instituído em 2005 e revisado em 2009 e em 2013. A Lei 12.813, de 16 de maio de 2013, que dispõe sobre o conflito de interesse no exercício de cargo ou emprego do Poder Executivo Federal; os instrumentos de http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/XIVCongresso/078.pdf 5 transparência, como a Lei de Acesso à informação (Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011), que asseguram o direito fundamental de acesso à informação e facilitam o monitoramento e controle de atos e condutasda administração pública e o recente e já citado Decreto 9.203, de 22 de novembro de 2017 que dispõe sobre a política de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Apesar do avanço que esses instrumentos significam para a melhoria da capacidade de governança do setor público e gestão do Estado brasileiro, é preciso reconhecer que para atender a constantes demandas econômicas, sociais e ambientais é necessário fortalecer ainda mais os mecanismos de governança como forma de reduzir o distanciamento entre o Estado e os cidadãos. A sociedade deve exercer seu papel de principal interessado nos resultados do Estado, monitorando e propondo ações de interesses coletivos e, demandando novas estruturas de governança que possibilitem cada vez mais aprimorar isso de forma profissional, buscando o atendimento das expectativas da sociedade. Diante do exposto e como base em vários referenciais como artigos científicos, códigos, programas e guias de diversos países, podemos conceituar governança no setor público como sendo: Mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a atuação da gestão, visando a condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse e necessidades da sociedade. A governança assegura que os interesses dos administradores estejam alinhados aos interesses da comunidade. Ela garante que os processos e as estratégias estão sendo corretamente seguidos, além de promover uma cultura de prestação de contas e de controle. 6 1.1 FUNÇÕES DE GOVERNANÇA E GESTÃO Agora que já conhecemos o conceito de governança e como ela se aplica no setor público é importante sabermos diferencia-la do conceito e das funções da gestão. Governança associa-se com o processo de comunicação, análise e avaliação, liderança, tomada de decisão e direção, controle, monitoramento e prestação de contas, a Gestão, de forma complementar, refere-se ao funcionamento do dia a dia de programas e de ações no contexto de estratégias, políticas, processos e procedimentos que foram determinados pelo órgão, preocupando –se com a eficácia (cumprir ações priorizadas) e a eficiência (realizar as ações da melhor forma possível e com menos custos). A principal diferença entre os conceitos é que enquanto a governança provê direcionamento, monitora, supervisiona e avalia a atuação da gestão com vistas ao atendimento das necessidades e expectativas dos cidadãos, a gestão e demais stakeholders, a gestão é incorporada aos processos organizacionais, sendo responsável pelo planejamento, execução, controle, ação, enfim, pela execução dos recursos e poderes colocados à disposição para o alcance de seus objetivos. A gestão parte da premissa de que já existe um encaminhamento superior e que os mesmos devem ser executados da melhor forma possível em termos de eficiência. O quadro a seguir apresenta as principais funções da governança e da gestão: FUNÇÕES DA GOVERNANÇA FUNÇÕES DA GESTÃO Definir o planejamento estratégico Implementar programas; Supervisionar a gestão Garantir a conformidade com as regulamentações Envolver os stakeholders Revisar e reportar o progresso das ações Gerenciar riscos estratégicos Garantir a eficiência administrativa Gerenciar conflitos internos Manter a comunicação com os stakeholders Auditar e avaliar o sistema de gestão e controle Avaliar o desempenho e aprender Promover o accountability (prestação de contas e responsabilidade e a transparência) DESTAQUE: Diferente de Governança, Governabilidade é o conjunto de condições necessárias ao exercício do poder. Compreende a forma de governo, suas relações entre os poderes e o sistema partidário. Diz respeito a capacidade política de decidir e expressa a possibilidade em abstrato de realizar políticas públicas. 7 1.2 A GESTÃO MUNICIPAL A palavra município é derivada do francês municipalité e do latim municipium, antiga denominação romana. Significa um território dotado de personalidade jurídica, autônoma, constituída por órgãos políticos e administrativos e que podem se diferenciar em três tipos: urbanos – que são os municípios constituídos por território urbanizado; rurais – são os constituídos, por vários núcleos populacionais de pequenas dimensões e por território não urbanizado e, misto – municípios que compreendem quantidades tanto de território urbano como de território rural. No nosso país, o município é a menor unidade político-administrativa existente. Todo o território nacional é dividido em municípios, menos o Distrito Federal e o arquipélago de Fernando de Noronha, que é um distrito do estado de Pernambuco. Os municípios são formados pelo poder executivo (Prefeitura) e pelo poder legislativo (Câmara Municipal). A partir da Constituição de 1934, os municípios começaram a ter alguma autonomia, naquilo que respeitasse ao seu interesse peculiar, falou-se pela primeira vez em autonomia política, ou seja, eleições para Prefeitos e Vereadores; autonomia financeira (impostos, taxas e outras rendas) e autonomia administrativa (organização dos serviços públicos). Surgia assim a Gestão Municipal. Porém foi a partir do início da década de 90, que se ampliaram os estudos e a atenção sobre os municípios, notadamente no que se refere à gestão municipal. Com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, os municípios adquiriram status de 'entes federativos' além de terem estendidas suas competências e estabelecidos os processos de descentralização de ações e do poder decisório. A descentralização possibilitou, aos municípios, acesso a maiores parcelas de recursos públicos, mas, ao mesmo tempo, a atuação direta foi expandida a áreas que antes eram de responsabilidade do governo estadual ou federal. Com as novas responsabilidades e atribuições específicas assumidas pelos municípios, aumentaram tanto as exigências de profissionalização da gestão municipal quanto a necessidade de instituição de controles democrático-populares da ação pública (CAIADO, 2003). Na administração pública municipal, mais do que no governo federal ou estadual, é que se tem influência direta no dia a dia das pessoas, as quais exigem mudanças constantes, e reivindicam o 8 aumento da qualidade dos serviços públicos oferecidos, como transporte urbano, coleta de lixo, manutenção de áreas públicas, saúde, educação, segurança, transparência, entre outros. Pode-se assim, entender que, essa exigência pelo aumento da qualidade de vida individual e coletiva, obriga os gestores a repensar os seus modelos e processos de gestão, a fim de aumentar a efetividade dos serviços públicos prestados. Observa-se também, a ampliação, o compartilhamento e a transferência para o âmbito do governo municipal de responsabilidades que antes estavam restritas a outras esferas de governo (REZENDE; CASTOR, 2006). A gestão de municípios é uma tarefa desafiadora. Vai além da necessidade de se conciliar os mais diversos interesses e de atingir resultados com grande complexidade de mensuração; implica na busca pelas melhores informações em tempo ágil e a utilização dessas informações de forma efetiva, alinhando-as, por fim, aos anseios dos cidadãos e aos processos controlados e efetivos (CASTELLS, 2000; PFEIFFER, 2000; REZENDE, 2005). O Município detém competências legislativas em três níveis: 1) exclusiva, a ser exercida na fórmula do “interesse local”, (art. 30, I, da CF); 2) suplementar, na forma de suprir os vazios e indeterminações da legislação federal e estadual no que couber, ou seja, naquilo que for compatível, o que significa dizer naquilo que a norma superior não regulou, sobretudo nos aspectos ligados às condições locais (art. 30, II, da CF); e 3) comum, na forma prevista na Constituição, que se pode realizar também por meio de cooperação técnica, nostermos de lei complementar federal (art. 23). Como já foi dito, a parcela de competência que cabe ao Município, na distribuição feita pela Constituição, está consubstanciada nos atributos de sua autonomia e de sua condição como pessoa de direito público interno. No que diz respeito ao seu Governo, cabe aos eleitores eleger os seus responsáveis, ou seja, o Prefeito, o Vice-Prefeito e os Vereadores. De forma geral podemos dizer que aos Municípios compete, enfim, prover a tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse e ao bem estar da sua população, cabendo-lhe, entre outras, as seguintes atribuições: I - elaborar o seu orçamento anual, o plano plurianual de investimentos e a lei de diretrizes orçamentárias, no que observará a Lei Complementar nº 101/2000 e os prazos; II - instituir e arrecadar tributos; III - fixar, fiscalizar e cobrar preços; IV - dispor sobre a organização, a administração e a execução de seus serviços; V - organizar os quadros de servidores e instituir o regime jurídico; 9 VI - dispor sobre a administração e a utilização dos serviços públicos locais; VII - planejar o uso e a ocupação do solo em seu território, especialmente em sua zona urbana; VIII - estabelecer normas de construção, de loteamento, de arruamento e de zoneamento urbano, bem como as limitações urbanísticas convenientes à ordenação do seu território, respeitadas a legislação federal e estadual pertinentes, especialmente a Lei nº 10.257, de 10/07/01, conhecida como Estatuto da Cidade; IX - conceder licença para localização e funcionamento de estabelecimentos industriais, comerciais, prestadores de serviços e quaisquer outros, renovar a licença concedida e determinar o fechamento de estabelecimentos que funcionem irregularmente; X - estabelecer servidões administrativas necessárias aos seus serviços, inclusive aos dos seus concessionários; XI - regulamentar a utilização dos logradouros públicos e determinar o itinerário e os pontos de parada dos transportes coletivos; XII - fixar os locais de estacionamento de táxis e demais veículos; XIII - regulamentar, conceder, permitir ou autorizar os serviços de transporte coletivo e de táxis, fixando as respectivas tarifas; XIV - fixar e sinalizar as zonas de silêncio e de trânsito e tráfego em condições especiais; XV - disciplinar os serviços de carga e descarga e fixar a tonelagem máxima permitida a veículos que circulam em vias públicas municipais; XVI - tornar obrigatória a utilização da estação rodoviária, quando houver; XVII - sinalizar as vias urbanas e as estradas municipais, bem como regulamentar e fiscalizar sua utilização; XVIII - realizar, direta ou indiretamente, a limpeza de vias e logradouros públicos, a remoção e o destino do lixo domiciliar e de outros resíduos de qualquer natureza; XIX - ordenar as atividades urbanas, fixando condições e horários para funcionamento de estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços, observadas as normas federais pertinentes; XX - dispor sobre os serviços funerários e de cemitérios; XXI - regulamentar, licenciar, permitir, autorizar e fiscalizar a afixação de cartazes e anúncios, bem como a utilização de quaisquer outros meios de publicidade e propaganda, exercendo o seu poder de polícia administrativa; 10 XXII - cassar a licença que houver concedido, quanto a estabelecimento que se tornar prejudicial à saúde, à higiene, ao sossego, à segurança ou aos bons costumes, fazendo cessar a atividade ou determinando o fechamento do estabelecimento; XXIII - organizar e manter os serviços de fiscalização necessários ao exercício do seu poder de polícia administrativa; XXIV - dispor sobre o depósito e a venda de animais e mercadorias apreendidos em decorrência de transgressão de legislação municipal; XXV - estabelecer e impor penalidades por infração de suas leis e regulamentos; XXVI - promover, entre outros, os seguintes serviços: a) mercados, feiras e matadouros; b) construção e conservação de estradas e caminhos municipais; c) transportes coletivos estritamente municipais; d) iluminação pública; XXVII - assegurar a expedição de certidões requeridas às repartições administrativas municipais, para defesa de direitos e esclarecimento de situações, estabelecendo os prazos de atendimento; XXVIII - instituir a Guarda Municipal destinada à proteção de seus bens, serviços e instalações. A gestão municipal, tem se voltado para as questões relacionadas ao desenvolvimento local, contudo, cabe ainda aos agentes municipais, a gestão de outros temas complexos e importantes que versão sobre a sociedade: desenvolvimento econômico, desenvolvimento social, desenvolvimento urbano, desenvolvimento sustentável, gestão democrática, participação popular e controle social, gestão dos serviços públicos, entre outros. É importante, no entanto, que as ações municipais não sejam pensadas de forma isolada, e sim através de programa que contemple medidas para superar os diversos entraves existentes no âmbito local. 11 Após conhecer um pouco sobre a gestão municipal, é importante entender sobre a importância da necessidade do fortalecimento institucional dos Municípios na esfera Federal Brasileira, pois isso pode ser interpretado como facilitador das ações da gestão em favor da democratização, fortalecimento da cidadania e melhor qualidade de vida. A primeira cidade organizada do Brasil foi São Vicente, localizada no Litoral Sul de São Paulo. Ela foi fundada pelo militar português Martim Afonso de Souza em 22 de janeiro de 1532 e foi a capital dos paulistas por 177 anos. SAIBA MAIS: http://www.ibam.org.br/media/arquivos/estudos/manual_prefeito15ed2017_2.pdf 1.3 QUESTÃO SOCIAL De forma geral, Questão Social é o conjunto de expressões de definem as desigualdades da sociedade e os fenômenos que ressaltam a diferença entre trabalhadores e capitalistas, no que concerne ao acesso de bens socialmente produzidos como direitos sociais e condições apropriadas de vida. São consideradas expressões da questão social fenômenos como o desemprego, a pobreza, a violência, o analfabetismo, a falta de serviços de saúde, a falta de moradia, entre outras. A Questão Social surgiu na Europa, no século XX com o objetivo de exigir a formulação e implementação de políticas sociais em prol da classe operária que estava em crescente fenômeno de pobreza. Esse fenômeno de pobreza teve sua origem principalmente com o processo de urbanização e industrialização, que conscientizou a classe operária das suas reais condições de trabalho, onde a questão social acabou atingindo contornos problemáticos para outras classes, em especial para a burguesia que viu-se obrigada e implementar políticas sociais. http://www.ibam.org.br/media/arquivos/estudos/manual_prefeito15ed2017_2.pdf 12 Como podemos perceber a questão social é muito vinculada a desigualdade social e nesse contexto foi surgindo o Terceiro Setor na sociedade, a fim de elaborar programas e projetos para amparar os necessitados e também auxiliar nos assuntos referentes a política. A questão social é o tema primário e central para o profissional de Serviço Social, cuja essência é a ciência social aplicada com foco na integração dos cidadãos à sociedade. Já na esfera da gestão das cidades ou municípios, as mudanças políticas e institucionais sobre o tema se tornaram visíveis, também, a partir da promulgação da Constituição de 1988, que apesar de todos os seus limites, avançou nas definições e extensões de direitos sociais e políticos. Mais tarde em 2010, o Estatuto da Cidade, reafirmou a função social da cidade, da propriedade urbana e do interesse público. O princípio da função social da cidade assegura a atuação do poder público para o atendimento das necessidades de todos os cidadãos quanto a qualidade de vida, a justiça sociale ao desenvolvimento das atividades econômicas, não deixando de observar as exigências fundamentais da ordenação da cidade. Pensar na questão social é reconhecer a necessidade de se respeitar o ser humano, para que este possa respeitar o território em que vive, pois ele próprio é a parte mais importante do meio ambiente. 1.4 POLÍTICAS PÚBLICAS E SUSTENTABILIDADE Com o aprofundamento e expansão da democracia, as responsabilidades dos representantes populares e dos governos se diversificaram. É comum dizer que a principal função do Estado é promover e melhorar a qualidade de vida do cidadão. A qualidade de vida da população de uma cidade está relacionada ao atendimento de suas necessidades em áreas como saúde, educação, habitação, transporte, meio ambiente, assistência social, segurança. A partir desse contexto e, para oferecer produtos e serviços públicos que contemplem as diferentes áreas, os governos (federal, estadual e municipal) se utilizam das políticas públicas. 13 Podemos conceituar políticas públicas como um conjunto de programas, ações e decisões tomadas pelos governos (nacional, estadual ou municipal) com a participação direta ou indireta da população e de entes públicos ou privados, que objetivam atender determinado direito ou demanda da sociedade ou de determinado segmento social, cultural, étnico ou econômico, diminuindo a desigualdade social. Os programas, ações e decisões precisam ser estruturados de modo funcional e sequencial para que possam ser colocados em prática. Esse processo é chamado de Ciclo das políticas públicas. 1.5 CICLO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS Também chamado de processo de formulação das políticas públicas, o ciclo das políticas públicas é composto de diversas fases. A primeira fase é a formação da agenda que caracteriza-se pelo planejamento, que consiste em reconhecer o problema público que merece maior atenção no cenário real em que a população se encontra. Nessa fase são analisados: custo benefício; cenário local e suas necessidades; recursos disponíveis, urgência do problema; necessidade política. A segunda fase é a formulação da política propriamente dita, é a apresentação de soluções ou alternativas, caracterizada pelo detalhamento das alternativas definidas na agenda. Nesse momento organizam-se as ideias, alocam-se os recursos e consideram-se a opinião de especialistas na definição de objetivos e resultados que se pretende alcançar com as estratégias que são definidas. Os atores estabelecem suas propostas e as defendem. 14 A terceira fase é a fase do processo de tomada de decisão. Nesse ponto é definido qual será o curso da ação que será colocado em prática, são definidos recursos e prazos para a ação da política. A quarta fase é chamada implementação da política, é o momento em que o planejamento e as escolhas são transformados em atos, ou seja, o planejamento é transformado em ação, por meio dos disponibilizados recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos disponibilizados para a executar a política pública. A avaliação é a quinta fase, ela deve ser realizada em todas as fases do ciclo, de forma a contribuir com possíveis correções de falhas e variações cabíveis para o sucesso da ação e de melhores resultados. Veja exemplos de políticas públicas na área de Educação: http://www.fnde.gov.br/portal/arquivos/category/45- projetosarquitetonicos?download=10373:quadra-coberta-vestiario-modelo-2- pdf-projetoeletrico&start=20 De acordo com o nível de sucesso ou insucesso da política, o poder público decide se reinicia o ciclo das políticas públicas com as alterações cabíveis, se o projeto é mantido da mesma forma ou se simplesmente é extinto. http://www.fnde.gov.br/portal/arquivos/category/45-projetosarquitetonicos?download=10373:quadra-coberta-vestiario-modelo-2-pdf-projetoeletrico&start=20 http://www.fnde.gov.br/portal/arquivos/category/45-projetosarquitetonicos?download=10373:quadra-coberta-vestiario-modelo-2-pdf-projetoeletrico&start=20 http://www.fnde.gov.br/portal/arquivos/category/45-projetosarquitetonicos?download=10373:quadra-coberta-vestiario-modelo-2-pdf-projetoeletrico&start=20 15 A política pública é considerada boa, quando cumprir, ao menos, as seguintes funções: promover e melhorar a colaboração entre os atores; constituir-se em um programa implementável. 1.6 SUSTENTABILIDADE Voltando a citar o documento Estatuto da Cidade, sobre o qual já comentamos no tema questão social, é importante destacar que ele estabelece, ainda, outras diretrizes sobre a política urbana para o alcance do desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade. Uma delas é a garantia do direito a cidades sustentáveis, ou seja, o direito de todo o cidadão à terra urbana, à moradia, ao saneamento básico, a infraestrutura, ao transporte, ao lazer e a outros serviços públicos, não só para as gerações atuais, como também para as futuras. Sobre o tema, o Estatuto da Cidade apresenta caminhos e estabelece objetivos em sintonia com acordos decorrentes de Conferências Mundiais de Desenvolvimento e Meio Ambiente. Orienta que a adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana, devem ser compatíveis com os limites de sustentabilidade ambiental. Mas o que é sustentabilidade? Sustentabilidade é um conceito relacionado ao desenvolvimento sustentável, formado por um conjunto de ideias, estratégias e demais atitudes ecologicamente corretas, economicamente viáveis, socialmente justas e culturalmente diversas. Serve como alternativa para garantir a sobrevivência dos recursos naturais do planeta, ao mesmo tempo que permite aos seres humanos e sociedades soluções ecológicas de desenvolvimento. 16 O desenvolvimento sustentável é aquele capaz de suprir as necessidades da geração atual, sem colocar em risco a capacidade de atender as gerações futuras. Por isso, a definição está vinculada aos termos “legado” e “continuidade”. Desenvolver-se de forma sustentável, seja em pequena esfera (no contexto de uma empresa, por exemplo), ou em larga esfera (no contexto de um país), pressupõe possibilitar às pessoas, agora e futuramente, atingir um nível satisfatório de desenvolvimento socioeconômico e cultural, fazendo uso razoável dos recursos naturais de forma a não esgotá-los para as próximas gerações. Etimologicamente, a palavra sustentável tem origem no latim sustentare, que significa "sustentar", "apoiar" e "conservar". Existem alguns tipos de sustentabilidade, entre os mais significativos, podemos destacar: a) Sustentabilidade Ambiental e Ecológica: é a manutenção do meio ambiente do planeta, mantendo a qualidade de vida e os ecossistemas em harmonia. Em ações práticas, significa não poluir as águas, separar o lixo, evitar desastres ecológicos como queimadas e desmatamentos, entre outras ações; b) Sustentabilidade Social: é o conjunto de medidas estabelecidas para promover o equilíbrio e o bem estar da sociedade, por meio de diversas iniciativas que devem ter o objetivo de contribuir para os membros da sociedade que enfrentam condições desfavoráveis. Como exemplos práticos estão o incentivo aos programas de inclusão social, investimento em saneamento básico, incentivo a projetos de qualificação profissional, incentivo a programas culturais gratuitos e de educação pública de qualidade para pessoas com baixa ou sem renda, entre outras; c) Sustentabilidade Econômica: é procurar garantir o desenvolvimento econômico considerando estratégias que não provoquem impactos ambientais ou que prejudiquem a qualidade de vidas das pessoas. Entre algumas das ações que são consideradas economicamente sustentáveis, merecem destaque a utilização de energias renováveis, fiscalização ampla e constante para evitar abusos e arbitrariedades, bem como, para evitar que empresas ou pessoas cometam crimes ambientais.17 O tripé da sustentabilidade também é conhecido como Triple Bottom Line ou People, Planet, Profit: DIMENSÃO ECOLÓGICA DIMENSÃO SOCIAL DIMENSÃO ECONÔMICA Educação ambiental Valorização Direitos Humanos Competitividade de mercado Conservação dos recursos naturais Envolvimento comunitário Transparência Redução do desperdício Valorização do bem-estar social Prosperidade econômica Uso de energia limpa e renovável Bases éticas Criar laços de respeito com funcionários, fornecedores e sociedade Biodiversidade Investimento em políticas públicas e de inclusão social Estratégias de crescimento com base na preservação ambiental e bem-estar social Eliminar impactos ambientais Dada a importância da questão ambiental, também a Constituição Federal, definiu no art. 225, a definição de meio ambiente exprime o conceito central do desenvolvimento sustentável ao firmar o direito comum de todos de usufruir de ambiente ecologicamente equilibrado e ao conferir ao Poder Público e a coletividade o dever de defende-lo para as gerações futuras. No art. 23 fica definido como competência comum à União, Distrito Federal e Municípios a proteção e o combate a poluição em todas as suas formas. Assim, de modo a evitar e corrigir distorções do crescimento urbano e da gestão da cidade e seus negativos efeitos sobre o meio ambiente, deve existir e ser respeitada uma cooperação entre os governos federal, estadual e municipal, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização e no atendimento do interesse social. IMPORTANTE: As Nações Unidas definiram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) como parte de uma nova agenda de desenvolvimento sustentável, onde os Estados-membros e a sociedade civil negociam suas atribuições. Conheça mais sobre os ODS: https://nacoesunidas.org/pos2015/ https://nacoesunidas.org/pos2015/ 18 2. QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS Não há como pensar a realidade brasileira, hoje sem a interferência das políticas públicas. Tendo seu marco legal em 2005, elas, as políticas vieram para alterar um cenário de extrema pobreza e da precariedade de um número significativo de nossa população. A questão social sempre foi ponto de muita angustia, e atualmente é condição de muito trabalho. Ainda hoje no século XXI, existe a contradição de que, a produção capitalista fica estabelecida assim, coletivamente: os trabalhadores produzem a riqueza e os capitalistas se apropriam dela. Desta forma, ainda hoje, o trabalhador não usufrui das riquezas por ele produzidas. Quando nos referimos a categoria questão social, estamos realizando uma análise na perspectiva crítica, pois a de luta de classes e, estabelece a relação antagônica, entre o trabalho e o capital; e neste âmbito temos a ampliação de outras questões como o acesso aos direitos e a possibilidade de condições de vida minimamente mais coerentes. Para projetarmos este universo das desigualdades de uma melhor maneira é necessário, tentar conhecê-lo. E aqui fica claro que, é um universo amplo, que ecoa tanto nas subjetividades individuais bem como na sociedade. A Questão Social é a nossa realidade cotidiana, são suas expressões: o desemprego, o analfabetismo, a fome, a miséria, a falta de leitos em hospitais, a violência, dentre outros, e, de forma central, a pobreza e a desigualdade (NETTO 2007; CARVALHO e IAMAMOTO 1983, SANTOS 2012; MONTAÑO 2012). Para explicar e compreender a pobreza e a desigualdade é necessário não perder seus fundamentos socioeconômicos, pois quando esses fundamentos são esquecidos, o resultado é a naturalização ou a culturalização daquelas; esta naturalização da pobreza é que vivemos de maneira pontual no Brasil; mudam-se as nomenclaturas, mas não as realidades. Nas realidades em que vivemos, pobreza e desigualdade estão intimamente vinculadas à dinâmica econômica do modo de produção capitalista; e aqui não há como utilizar uma outra afirmativa. Os padrões de desigualdade e de pobreza não são meras determinações econômicas: porque é necessária à acumulação capitalista, ou seja, à produção capitalista, operar, de forma simultânea, 19 produzindo riqueza e pobreza de forma polarizada. Esta polarização acaba 5 produzindo discursos esvaziados na ação e na mudança do posto. Se pensarmos em todos os movimentos feitos até hoje, considerando prioritariamente a busca de direitos pela classe trabalhadora, podemos afirmar utilizado Behring e Boschetti (2006), que a generalização dos direitos políticos é resultado da luta da classe trabalhadora e, se não conseguiu instituir uma nova ordem social, contribuiu significativamente para ampliar os direitos sociais, para tencionar, questionar e mudar o papel do Estado no âmbito do capitalismo, a partir do final do século XIX e início do século XX. Considerando as autoras, pontuamos que o surgimento das políticas sociais se dão como forma de enfrentamento da questão social; este enfrentamento foi gradativo e diferenciado entre os países, com base nos movimentos e organizações reivindicatórias da classe trabalhadora e na correlação de forças no âmbito do Estado. Estas transformações afetam as relações de trabalho e o cotidiano do trabalhador, em seus direitos como a educação, a saúde, a habitação, o lazer, a vida privada. Contudo, os chamados “Anos de Ouro” do capitalismo “regulado” e do WelfareState começam a entrar em decadência no final dos anos 1960. Há toda uma transformação do Estado, tanto nas taxações como na atuação deste. As dívidas públicas e privadas cresceram grandemente. A primeira grande recessão – catalisada pela alta dos preços do petróleo em 1973/1974 – foram os sinais marcantes de que o sonho do pleno emprego e da cidadania, relacionada à proteção social, estava abalado no capitalismo central e comprometido na periferia do capital, onde não se realizou efetivamente. As elites político-econômicas, então, começaram a questionar e responsabilizar pela crise a atuação regulatória do Estado de Bem- Estar Social, especialmente naqueles setores que não revertiam diretamente em favor de seus interesses. E aí se incluíam as políticas sociais (BEHRING, 2009). No final dos anos de 1970 e 1980 o neoliberalismo espraiou-se na década de 1990 em todo o mundo, foi uma reação teórica e política ao keynesianismo e ao WelfareState. A tese neoliberal atribui a crise ao poder excessivo dos sindicatos, com sua pressão sobre os salários e os gastos sociais do Estado, ou seja, segundo o neoliberalismo a crise é um resultado do keynesianismo e do WelfareState. A concepção neoliberal para sair da crise pode ser resumida nas seguintes proposições: Um Estado forte para controlar e/ou destruir o poder dos sindicatos e controlar a moeda; Um Estado fraco para os gastos sociais e regulamentações econômicas; Contenção dos gastos sociais e restauração de uma taxa natural de desemprego, ou seja, a manutenção de trabalhadores desempregados, “exército industrial de reserva” - que com sua 20 fragilidade de sobrevivência permite que o capitalismo faça pressões sobre os salários e os 6 direitos, com o objetivo de elevar as taxas de mais-valia e de lucro para capital. (BEHRING, 2009). Na América Latina, o neoliberalismo expandiu-se no final dos anos de 1980. Na Europa Ocidental, durante o período pós-guerra, foi construído um Estado de Bem-Estar-Social, que promovia um sistema universal de provisão social, incorporando subalternamente alguns interesses dos trabalhadores, na América Latina isso não foi uma realidade. O capitalismo tardio e dependente no continente não encontrou nas medidas adotadas pelos dirigentes do Estado um direcionamento que garantisse a construção de sociedades com menores índices de desigualdades sociais. O impacto provocado pelas políticas de ajuste Neoliberal contribuiu para o aprofundamento da concentração de renda,propriedade e poder no continente (DRAIBE, 1993). No Brasil, o neoliberalismo, surge tardiamente, relacionando-se com a força do processo de redemocratização e saída da ditadura militar. O conceito de Seguridade Social inscrito na Constituição de 1988 representa um ensaio do Brasil a uma política de bem-estar -estar social, está presente em seus princípios. Contudo, no país, logo após a constituinte de 1988, o neoliberalismo começou a sua expansão propositiva na década de 1990 (DRAIBE 1993). A fase neoliberal diverge com a implementação de políticas sociais universais, porque há a alocação de recursos do fundo público, que seriam destinados para a seguridade social e maior qualidade das políticas sociais (reprodução da força do trabalho), para a reprodução do capital com investimentos na indústria, comércio, agronegócio, faculdades particulares, fundações de direito privado, inovações tecnológicas em favor das empresas, entre outros. A contrarreforma brasileira exerce uma pressão para que a proposta constitucional não saia do papel por diversas formas (clientelismo, criação de políticas paralelas, desfinanciamento das políticas públicas, criação de uma cultura particularista e individualista) reproduzindo a cultura política brasileira de uma sociedade civil comportada e sob controle. Portanto, reconhecendo a importância dos espaços públicos, muitas vezes utilizam dos Conselhos para exercer uma ação moralizadora e controladora da população - segundo Behring e Boschetti (2006), muitas vezes os conselheiros são indicados pelo poder governamental. A trajetória das políticas sociais brasileiras está trilhando o caminho da privatização, focalização e de desresponsabilização do Estado. Esse perfil de política econômica e social tem impactos na sociedade brasileira, agravando as expressões da questão social, principalmente relacionados à pobreza, desigualdade social e violência, que tem seus recortes de cor e gênero, que se misturam para acentuar 21 as diferenças sociais, no acesso aos direitos à educação, saúde, moradia, trabalho, infraestrutura urbana básica, entre outros. As consequências da suposta falta de recursos do Estado, para a cobertura das políticas sociais, são sérias e duradouras e tem levado ao retorno do Estado policial. Segundo Netto (2007), na atual fase do capital, não estamos diante de uma “nova” questão social, mas sim compreendemos que estamos confrontados com novas expressões da questão social. A “velha” questão social ainda não foi resolvida e, então, com a complexidade da dinâmica capitalista, também temos novas problemáticas e complexificação de situações, que antes não eram socialmente reconhecidas como significativas (violência urbana, migrações involuntárias, conflitos étnicos e culturais, opressão/exploração nas relações de gênero etc). Portanto, esta questão social exponenciada comprova a permanência da pobreza e da desigualdade, permanência essa que tem desafiado todo o empenho de técnicos e profissionais que se comprometeram com políticas de erradicação da pobreza e redução das desigualdades. Se, de fato, o combate às desigualdades não faz parte do conjunto prático-ideológico do neoliberalismo, é seu elemento constitutivo um elenco de programas sociais voltados ao enfrentamento da pobreza. O combate à pobreza se estabelece como uma política específica que envolve a desresponsabilização do Estado e do setor público, concretizada em fundos reduzidos, corresponde à responsabilização abstrata da “sociedade civil” e da “família” pela ação assistencial; enorme relevo é concedido às organizações não-governamentais e ao chamado terceiro setor com a privatização/mercantilização dos serviços a que podem recorrer em conjunto com serviços públicos de baixa qualidade. Netto (2007) destaca que - considerando a orientação macroeconômica dos planos de ajuste econômico neoliberal, que não deixa destinar maiores recursos para investimentos em infraestrutura de saneamento, em serviços socioassistenciais, em equipamentos coletivos de saúde e em gastos sociais - o que se tem na América Latina neoliberal são ações mínimas no campo dos direitos sociais, para enfrentar uma “questão social” cada vez mais generalizada, tendo em vista que essas ações minimalistas não evitam ou não reduzem a pobreza. “O que transformou o mundo não foi a utopia. Foi a necessidade”. José Saramago 22 Temos como proposta apresentar algumas reflexões sobre o tema complexo, muito discutido, que são as políticas sociais. A análise das políticas sociais tem muitos caminhos a percorrer. Este estudo intenciona apresentar a dinâmica das políticas sociais, bem como suas características, organização e gestão no desenvolvimento do capitalismo e das lutas profissionais e sociais. Reforçamos aqui a articulação entre política e economia na sociedade capitalista. As políticas sociais no Brasil estão relacionadas diretamente às condições vivenciadas pelo País em níveis econômico, político e social. São vistas como mecanismos de manutenção da força de trabalho, em alguns momentos, em outros como conquistas dos trabalhadores, ou como doação das elites dominantes, e ainda como instrumento de garantia do aumento da riqueza ou dos direitos do cidadão (Faleiros, 1991, p.8). Não se pode precisar um período específico do surgimento das primeiras identificações chamadas políticas sociais, visto que, como processo social, elas se originam na confluência dos movimentos de ascensão do capitalismo como a Revolução Industrial, das lutas de classe e do desenvolvimento da intervenção estatal. Sua origem relaciona-se aos movimentos de massa socialmente democratas e à formação dos estados-nação na Europa Ocidental do final do século XIX, porém sua generalização situa- se na transição do capitalismo concorrência para o capitalismo monopolista, especialmente em sua fase tardia, após a Segunda Guerra Mundial (Behring & Boschetti, 2006, p.47). Historicamente, o estudo das políticas sociais deve ser marcado pela necessidade de pensar as políticas sociais como “concessões ou conquistas”, na perspectiva marxista (Pastorini, 1997, p.85), a partir de uma ótica da totalidade. Dessa forma, as políticas sociais são entendidas como fruto da dinâmica social, da inter-relação entre os diversos atores, em seus diferentes espaços e a partir dos diversos interesses e relações de força. Surgem como “[...] instrumentos de legitimação e consolidação hegemônica que, contraditoriamente, são permeadas por conquistas da classe trabalhadora” (Montaño, 2007, p.39). A política econômica e a política social estão relacionadas intrinsecamente com a evolução do capitalismo (conforme proposta de reflexão), fundamentando-se no desenvolvimento contraditório da história (Vieira E., 2007, p.136). Tais políticas vinculam-se à acumulação capitalista e verifica-se, a partir daí, se respondem às necessidades sociais ou não, ou se é mera ilusão. Segundo Vieira E. (1995, p.15), a acumulação é o “[...] sentido de concentração e de transferência da propriedade dos títulos 23 representativos de riqueza”. As transformações ocorridas nas revoluções industriais acarretaram uma sociedade com um vasto exército de proletários. A política social surge no capitalismo com as mobilizações operárias e a partir do século XIX com o surgimento desses movimentos populares, é que ela é compreendida como estratégia governamental. Com a Revolução Industrial na Inglaterra, do século XVIII a meados do século XIX, esta trouxe consequências como a urbanização exacerbada, o crescimento da taxa de natalidade, fecunda o germe da consciência política e social, organizações proletárias, sindicatos, cooperativas na busca de conquistar o acolhimento público e as primeiras. Organização e gestão das políticas sociais Conforme discutido anteriormente, as políticas sociais no Brasil emergem nofinal da República Velha, especialmente nos anos 20 (séc.XX), e começam a conquistar espaço no período getulista. Contudo, até a Constituição Federal de 1988, o País não tinha um aparato jurídico-político que apontasse para a formação mínima de padrões de um Estado de Bem-Estar Social. Na década de 1980, foram reorganizadas as políticas sociais contra a ditadura militar e têm sido, nos últimos anos, ocasião de debates no contexto das lutas pela democratização do Estado e da sociedade no Brasil. 24 Novos interlocutores e sujeitos sociais surgiram no campo das políticas sociais por meio da participação de segmentos organizados da sociedade civil na formulação, implementação, gestão e controle social destas políticas. Esse fenômeno ocorre a partir da crise dos anos 80 (séc. XX), que se depara com realidades determinantes de ordem política, vinculada à crise da ditadura e à transição marcada pela democratização do Brasil, e de ordem econômica e social, decorrentes do processo de reorganização mundial do capitalismo. Situação essa consequente da crise do chamado Estado de Bem-Estar Social, em meados da década de 1970 e da derrocada do Leste Europeu, nos anos 80, que se abriram às propostas neoliberais, findando as concepções do Estado, enquanto instância mediadora da universalização dos direitos sociais. Neste cenário de redefinições das relações entre Estado e sociedade civil, acontecem muitas mobilizações de grupos e protagonistas sociais por meio de debates e propostas no enfrentamento da crise social, que desencadearam no processo constituinte resultando na reforma Constitucional em 1988. Neste contexto da chamada década perdida de 1980, em função da crise da ditadura, do agravamento da questão social, do aumento da pobreza e da miséria e da luta pela democratização do País, Estado e sociedade, intensificam-se as discussões sobre as políticas sociais de caráter público. É importante ressaltar que, embora seja um período intenso das desigualdades sociais, também é marcado dialeticamente por conquistas democráticas sem precedentes na história política brasileira. As políticas sociais no período de 1964 a 1988, eram políticas de controle, seletivas, fragmentadas, excludentes e setorizadas. Daí a necessidade de questionar esse padrão histórico das políticas sociais e propor a democratização dos processos decisórios na definição de prioridades, na elaboração, execução e gestão dessas políticas. Nesse sentido, a elaboração e a conquista das políticas sociais passam ainda por processos de pressões e negociações entre as forças políticas vigentes e uma relativa transparência das articulações (Faleiros, 1991, p.70). Nessa dinâmica, travou-se, a partir de 1985, com a Assembleia Constituinte, uma luta na sociedade em torno da definição de novos procedimentos e de regras políticas que regulassem as relações do Estado com a sociedade civil, objetivando criar um novo posicionamento democrático. 25 Dados históricos, segundo Raichelis (2000, p.62), revelam intensa participação da sociedade brasileira em função da Assembleia Constituinte, reuniram-se na Articulação Nacional de Entidades pela Mobilização Popular na Constituinte, cerca de 80 organizações, algumas de âmbito nacional, compostas por associações, sindicatos, movimentos sociais, partidos, comitês plenários populares, fóruns, instituições governamentais e privadas. Conheça mais! http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/aatr2/a_pdf/03_aatr_pp_papel.pdf No cenário das relações entre Estado e sociedade civil, surgiram neste período novos espaços em que forças sociais foram protagonistas na formulação de projetos societários para o enfrentamento da crise social que assolou o Brasil nos anos 80 e a disseminação da pobreza e da miséria, que colocou o País em alto nível de desigualdade social. A Constituição Federal de 1988 definiu instrumentos de participação da sociedade civil no controle da gestão das políticas sociais, estabeleceu mecanismos de participação e implementação destas políticas, apontou canais para o exercício da democracia participativa, por meio de decisões direta como o plebiscito, referendo e de projetos de iniciativa popular. Nesta perspectiva, a Carta Constitucional instituiu a criação de conselhos integrados por representantes dos diversos segmentos da sociedade civil para colaborar na implementação, execução e controle das políticas sociais. Hoje, esses conselhos, que expressam uma das principais inovações democráticas no campo das políticas sociais, organizam-se em diferentes setores destas políticas e assumem uma representatividade nas diferentes esferas governamentais. Possuem uma composição paritária entre http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/aatr2/a_pdf/03_aatr_pp_papel.pdf 26 representantes da sociedade civil e do governo e função deliberativa no que se refere à definição da política em cada setor e ao controle social sobre sua execução. Por meio dessa concepção dinâmica da sociedade, é possível acreditar que os espaços de representação social na organização e gestão das políticas sociais devem ser ampliados, buscando a participação de novos e diferentes sujeitos sociais, especialmente, os tradicionalmente excluídos do acesso às decisões do poder político. Várias são as experiências hoje, de organização dos conselhos, nas áreas da saúde, da criança e do adolescente, da educação, da assistência social e de outras; são novas formas de participação da sociedade civil na esfera pública com uma proposta de democratização. A Lei 12.846/2013, regulamentada pelo Decreto Federal 8.420/2015, conhecida com a Lei Anticorrupção, Lei da Empresa Limpa, trouxe consigo a palavra Compliance, que para fins do Brasil, recebeu uma palavra sinônima que é Integridade. 27 3. MARCO LEGAL DAS POLÍTICAS SETORIAIS E DE DEFESAS DE DIREITOS “A essência dos Direitos Humanos é o direito a ter direitos.” Hannah Arendt Vamos considerar que sem leis que subsidiem direitos, fica inviável toda e qualquer movimentação de atuação e de conquistas e melhorias, isto em âmbito geral e individual. Universalização dos Direitos… Assim, entendemos que entidades e organizações de assistência social de assessoramento, defesa e garantia de direitos são aquelas sem fins lucrativos, constituídas formal e autonomamente, com finalidade pública não estatal, voltadas, prioritariamente para a defesa, efetivação e universalização dos direitos estabelecidos e a construção de novos direitos, continuando, entidades e organizações de assistência social de assessoramento, defesa e garantia de direitos, promoção da cidadania, enfrentamento das desigualdades sociais, fortalecimento dos movimentos sociais, formação e capacitação de lideranças, dirigidos ao público da Política de Assistência Social, conforme definido na LOAS, PNAS e NOB–SUAS. Antes de considerarmos os Marcos pontuais na questão das defesas de direitos e das políticas vamos pensar em quais são alguns dos grandes desafios, para o Brasil do século XXI: Intensificar o ritmo de redução da pobreza e das desigualdades no contexto da crise; Fortalecer a institucionalidade das políticas sociais; Aprofundar a intersetorialidade; Aprofundar o diálogo com os agentes públicos e sociais envolvidos na Rede de Proteção e Promoção Social. Estes desafios são pertinentes a todos os cidadãos pois referem-se a todos nosso território e nas questões cotidianas de todos os brasileiros. Consideramos aqui os seguintes Marcos Legais: 28 3.1 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS - 1948 “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos; são dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” Em 1948, o mundo se reconstruía após o fim a2ª Guerra Mundial. Neste contexto, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou por unanimidade a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), buscando um compromisso internacional pela paz e direitos que protegessem a nação de tragédias como as promovidas pelo nazismo. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/declaracao/ A Declaração tem compromisso com os direitos individuais e sociais de liberdade, igualdade, justiça, participação nas estruturas públicas, proteção e acesso aos direitos básicos. A partir do compromisso internacional, ao longo dos anos, diversos tratados e convenções internacionais foram realizados trazendo avanços em pautas e direitos como as lutas contra o genocídio, promoção da igualdade racial e de gênero, direitos das crianças e dos adolescentes e pessoas com deficiência e de refugiados. Vamos desmistificar? Muitos são os mitos envolvendo o tema direitos humanos. No Brasil atualmente, é recorrente o uso da frase “Direitos Humanos defende bandido”. Mas o que realmente a Carta de Direitos Humanos defende? Confira abaixo: Carta Internacional de Direitos Humanos Artigo XI 1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. 2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso. https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/declaracao/ 29 3.2 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 A Constituição de 1988 instituiu o arcabouço jurídico que permitiu a consolidação do regime democrático no Brasil. Um conjunto de direitos sociais foi ali estabelecido como resultado de um longo e conflituoso processo de mobilizações sociais e políticas que marcaram os anos 1970 e 1980. Nessa trajetória, buscou-se ampliar o envolvimento dos atores sociais nos processos de decisão e implementação das políticas sociais, respondendo a demandas em torno da descentralização e da democratização do Estado brasileiro. A partir da nova Carta constitucional, os conselhos se institucionalizaram em praticamente todo o conjunto de políticas sociais no país, representando uma nova forma de expressão de interesses e de representação de demandas e atores junto ao Estado. Ao mesmo tempo, proliferam outras formas de participação social na prestação de serviços e na própria gestão do social, impulsionando um movimento que havia adquirido novo vigor desde ao menos o início da década de 1980. A participação social passou a representar, em suas diversas modalidades, um elemento estruturante do Sistema Brasileiro de Proteção Social (SBPS). Sua análise oferece elementos relevantes para o debate atual sobre políticas públicas, seja no que se refere à sua institucionalização e execução, seja quanto ao enfrentamento das questões sociais. Para efeitos deste trabalho, a participação social no campo das políticas sociais será analisada a partir de duas dimensões, ambas definidas pela Constituição de 1988. A primeira diz respeito à participação social nos espaços de debate, deliberação e controle das políticas, e se institucionaliza em nível federal nos conselhos nacionais das políticas sociais A segunda se refere à participação na execução destas políticas. Neste âmbito será focalizada, a partir do enfoque da participação social, a organização de parcerias entre gestores públicos e entidades privadas de fins não lucrativos. Dessa forma, este capítulo tem como objetivo abordar o processo de participação da sociedade no âmbito das políticas sociais no que tange à formulação, gestão, implementação e controle das políticas sociais, apontando características, potencialidades e tensões. O capítulo está dividido em quatro seções, além desta introdução. 30 A seção seguinte delimita a participação como objeto de análise e descreve o processo de redesenho do Estado que se desenrolou no período pós1988, visando à presença da sociedade em face das políticas sociais. Na terceira seção, aborda-se a dimensão da participação no processo decisório das políticas sociais. Identificam-se os conselhos em áreas selecionadas de políticas sociais e discute-se o papel dos espaços participativos na orientação e controle daquelas políticas. Busca-se, ainda, conceituar esta forma de participação, identificar os instrumentos que permitem sua realização, apresentar uma tipologia de suas formas de operacionalização e problematizar alguns tópicos. Na sequência, na seção 4, adota-se procedimento semelhante em relação à dimensão da participação na execução das ações pela via da institucionalização de parcerias entre o governo federal e as instituições sem fins lucrativos. Procura-se ainda realizar um cotejo entre o exercício das distintas formas de participação e o efetivo alcance de seus objetivos originais. Por fim, nas considerações finais, são apresentadas algumas questões para serem abordadas em pesquisas posteriores. 3.3 PARTICIPAÇÃO SOCIAL, DEMOCRACIA E GESTÃO O texto constitucional de 1988 é um marco na democratização e no reconhecimento dos direitos sociais. Articulada com tais princípios, a Constituição alargou o projeto de democracia, compatibilizando princípios da democracia representativa e da democracia participativa, e reconhecendo a participação social como um dos elementos-chave na organização das políticas públicas. De fato, com a Constituição de 1988 a participação social passa a ser valorizada não apenas quanto ao controle do Estado, mas também no processo de decisão das políticas sociais e na sua implementação, em caráter complementar à ação estatal. Desde então, a participação social tem sido reafirmada no Brasil como um fundamento dos mecanismos institucionais que visam garantir a efetiva proteção social contra riscos e vulnerabilidades, assim como a vigência dos direitos sociais. Com maior ou menor sucesso, esta foi uma das importantes inovações institucionais ocorridas no Brasil pós-Constituinte. A garantia de direitos sociais nos campos da educação, saúde, assistência social, previdência social e trabalho foi acompanhada da consolidação de uma nova institucionalidade objetivando assegurar a presença de múltiplos atores sociais, seja na formulação, na gestão, na implementação ou no controle 31 das políticas sociais. Três enunciados sintetizam os sentidos que passa a tomar a participação no que se refere aos direitos sociais, à proteção social e à democratização das instituições que lhes correspondem: a) a participação social promove transparência na deliberação e visibilidade das ações, democratizando o sistema decisório; b) a participação social permite maior expressão e visibilidade das demandas sociais, provocando um avanço na promoção da igualdade e da equidade nas políticas públicas; c) a sociedade, por meio de inúmeros movimentos e formas de associativismo, permeia as ações estatais na defesa e alargamento de direitos, demanda ações e é capaz de executá-las no interesse público. A participação social teria, pois, papel relevante tanto no que diz a respeito à expressão de demandas como em relação à democratização da gestão e da execução das políticas sociais. A consolidação desta participação, na última década, efetuou-se principalmente por meio dos diversos formatos de conselhos e dos diferentes mecanismos de parceria colocados em prática nas políticas sociais. A constituição de conselhos e parcerias no interior destas políticas responde a impulsos diversos que atuaram sobre sua criação e desenvolvimento. Os conselhosemergem, sobretudo, das demandas de democratização da sociedade em face do processo decisório que permeia as políticas sociais. As parcerias, por sua vez, inspiram-se em uma demanda de reorganização da intervenção do Estado no campo social, em busca de maior igualdade, equidade ou eficiência. 32 Estes impulsos, entretanto, longe de convergirem em torno de princípios comuns, tendem a se contradizer em diversos aspectos, consolidando importantes tensões tanto internas – tensões que se desenvolvem no interior de cada um destes espaços de participação – quanto externas – tensões que se estabelecem entre os dois espaços, conselhos e parcerias. No primeiro caso, a demanda de democratização implicou a reafirmação da ideia da democracia participativa, de representação social junto às instâncias do Poder Executivo, como também a ampliação desses espaços decisórios. A necessidade de representação da pluralidade de atores junto a uma determinada política pública, reduzindo o hiato entre aqueles que atuam nos diversos níveis de decisão e seus beneficiários, passou a ser amplamente reconhecida. A demanda pela participação social nos processos decisórios das políticas sociais consolidou-se, na Constituição, por meio da determinação da gestão democrática e participativa, e institucionalizou-se na esfera federal com a criação de conselhos nacionais. Estes colegiados, criados ou reorganizados durante a década de 1990, foram integrados por representantes do Estado e da sociedade, e ocupam um espaço, no interior do aparato estatal, de apresentação e processamento de demandas, expressão e articulação de interesses, concertação e negociação, de acompanhamento e controle da política e, em muitos casos, de decisão. Buscou-se, assim, por intermédio dos conselhos, oferecer canais para a participação da população nas decisões sobre os rumos das políticas sociais. Mas no processo de constituição de uma esfera pública democrática para o debate e a deliberação, os conselhos incorporaram, além dos movimentos sociais, vários outros grupos e interesses presentes no debate público setorial. Assim, a perspectiva de representação refere-se não apenas aos beneficiários, mas também ao conjunto de outros atores envolvidos na execução dessas políticas, tais como grupos profissionais, setores privados e especialistas, abrindo espaço para um leque bastante amplo e diferenciado de interesses que, em cada caso, transformarão o conselho não apenas em ator no campo das políticas sociais, mas também em arena onde atuam diversas forças e interesses. A participação da sociedade na execução das políticas sociais também sofreu uma grande alteração a partir dos anos 1980. Na conjuntura da luta pela democratização do país, consolidou-se no campo da atuação privada, até então dominada pelas entidades de cunho filantrópico, um novo elenco de atores sociais voltados à promoção da sociedade como protagonista de sua própria transformação. 33 Movimentos sociais e organizações não governamentais (ONGs) passam a atuar na implementação de projetos sociais de diversos conteúdos, visando dotar comunidades e grupos sociais de protagonismo social em um Estado autoritário e numa realidade social marcada pela exclusão, discriminação e pobreza. Estas experiências estavam fortemente associadas às “práticas de deliberação participativas” que, como afirma Paoli, “No Brasil estiveram desde seu início ligadas à visibilidade política dos ‘novos movimentos sociais’ e à redefinição das práticas do movimento operário, nas décadas de 1970 e 1980", e que buscavam ampliar a participação popular “nos processos políticos de distribuição de bens públicos e formulação das políticas sociais”. Já no contexto democrático, em especial durante os anos 1990, o campo da participação social na execução de políticas sociais foi reforçado a partir de um registro diverso de questões, cuja referência se deu em torno da chamada “crise do Estado”. Identificada em várias dimensões – redução, entre outros, da capacidade estatal de intervenção na economia, de formulação e implementação de políticas públicas, assim como redução da legitimidade do Estado, fruto da perda de vigor dos aparatos de representação política –, a “crise do Estado” fortaleceu um projeto de reforma do Estado que pleiteava uma outra forma de ação pública assentada na transferência para a sociedade da execução de um conjunto de ações sociais. Ancorada na ideia da gestão eficaz dos recursos sociais, sejam eles públicos ou privados, esta vertente passou a se constituir num projeto alternativo no qual se defende uma intervenção estatal limitada no espaço da proteção social. Dessa forma, a partir de diferentes experiências político-sociais e modalidades de atuação, parece ter-se estabelecido, durante as décadas de 1980 e 1990, um amplo consenso quanto à relevância da participação social nos processos de formulação, decisão, controle e implementação das políticas sociais. Porém, em especial na década de 1990, foi se fortalecendo um projeto de participação social ancorado menos na politização das demandas sociais e na ampliação de sua presença no espaço público de deliberação e mais no “ativismo civil voltado para a solidariedade social”. O projeto afirmou-se na proposta de reforma gerencial das políticas sociais implementada pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Como já identificou Nogueira (2004), neste horizonte, 34 “Participação e sociedade civil não mais serão vistas como expressão e veículo da predisposição coletiva para organizar novas formas de Estado e de comunidade política, de hegemonia e de distribuição do poder, mas sim como a tradução concreta da consciência benemérita dos cidadãos, dos grupos organizados, das empresas e das associações”. A participação social nas políticas públicas se apresentava assim, nesta perspectiva, não como ampliação do espaço político do debate, mas de substituição da ação direta dos atores sociais baseada nos princípios da solidariedade e da responsabilidade social privada. No tocante à atuação do Estado, de cada uma dessas leituras também decorrem visões específicas. Enquanto mecanismo de ampliação da visibilidade das demandas sociais e exercício democrático, a participação social implica uma dupla expectativa de fortalecimento da capacidade de intervenção do Estado. De um lado, a participação em si mesma ocorre num espaço crescentemente politizado, onde a disputa pelo Estado e pela hegemonia se faz presente em permanência, ao mesmo tempo em que se exerce o esforço da concertação e da construção da mediação e da composição dos interesses sociais, autonomizados e mesmo antagonizados. De outro lado, a ampliação das demandas em prol de maior equidade e igualdade pressupõe uma ampliação da capacidade de intervenção do Estado, seja no que diz respeito ao planejamento, à coordenação, à gestão ou à implementação de políticas públicas, seja quanto à sua capacidade de interferir nos conflitos sociais. E justamente esta capacidade é negada pela segunda leitura. De um lado, a solução apontada é a de fortalecimento da própria sociedade na prestação de serviços e bens públicos de natureza social com base numa ampla visão negativa da ação e da regulação estatal. De outro lado, o esforço se dirige para a ampliação do processamento democrático e participativo nas diversas etapas de construção das políticas sociais, bem como da presença da sociedade civil no espaço público. Nesta perspectiva, o fortalecimento dos movimentos e organizações populares, das demandas sociais e das iniciativas autônomas da sociedade não estão em contradição com uma ampliação da ação do Estado. 35 3.4 CONSELHOS DE DIREITOS NA PARTICIPAÇÃO SOCIAL E NO CONTROLE DAS POLÍTICAS SOCIAIS - de 1964 a 1993. Os Conselhos de Direito tem uma história cuidadosa,deste de sua criação (1964) antes da instauração da ditadura, uma retomada em 1970 pelos movimentos femininos e sua efetivação após Constituição Federal em 1988, tendo uma real visibilidade em 1993. Relembrando: O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, de âmbito nacional foi criado através da Lei 4.319 e sancionada em 16 de março de 1964, numa conjuntura política crítica, anterior ao golpe militar de 31 de março de 1964. Com o processo ditatorial, desfavorável ao exercício dos direitos civis e políticos, o CDDPH figurou por muito tempo com funções legais de promoção e defesa dos direitos humanos impossíveis de efetuação, tais como: Dica: Leia o livro “Morte e Vida Severina” de João Cabral de Melo Neto. Aproveite para assistir a animação Morte e Vida Severina da TV Escola. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=clKnAG2Ygyw Intervir na promoção, defesa e divulgação dos direitos da pessoa humana (...) receber representações ou denúncias de violações de direitos humanos (...) determinar diligências (...) promover inquéritos e investigações em qualquer parte do país (...) tomar depoimentos de autoridades(...)inquirir testemunhas (...) requisitar às repartições públicas e os agentes públicos informações e documentos (...) transportar-se para lugares onde se fizer mister a sua presença. (ESPINOLA, 1996). Sua instalação só ocorreu em 24 de outubro de 1968, mas sua atuação foi muito restrita no período ditatorial, vez que as denúncias de violações eram prontamente arquivadas. Durante o período da “Nova República”, segundo Espínola, é que o CDDPH começou a receber as denúncias de violações de direitos humanos. Mas somente após a Constituição Federal, a partir de 1993, o conselho passou a ter um importante papel na articulação com a sociedade civil no sentido de avançar a legislação interna de proteção dos direitos humanos e os encaminhamentos de adesão aos mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos. https://www.youtube.com/watch?v=clKnAG2Ygyw 36 A partir de 1988, a construção ou reconstrução dos conselhos nacionais de políticas sociais baseou-se nas críticas ao padrão de relação predominante entre Estado e sociedade no Brasil, que seria marcado pela falta de democratização do processo decisório e à ineficiência da máquina pública. Assim, tais espaços seriam antídotos aos problemas da burocratização, do corporativismo, do patrimonialismo e da captura dos espaços públicos por interesses privados no âmbito das políticas sociais. Distintos arranjos de participação foram instituídos nas diversas áreas das políticas sociais, inserindo, no interior do Executivo, novos espaços institucionais que contam com a presença do governo e da sociedade civil, com atribuições que transitam entre a cogestão, a deliberação e a organização da agenda política. No Sistema Brasileiro de Proteção Social (SBPS), existem atualmente nove conselhos nacionais que contam com a participação da sociedade, cobrindo as seguintes políticas setoriais: educação, saúde, trabalho, previdência social, assistência social, segurança alimentar, cidades e desenvolvimento rural. De forma sintética, os conselhos são instâncias públicas, localizadas junto à administração federal, com competências definidas e podendo influenciar ou deliberar sobre a agenda setorial, sendo também capazes, em muitos casos, de estabelecer a normatividade pública e a alocação de recursos dos seus programas e ações. Podem ainda mobilizar atores, defender direitos, ou estabelecer concertações e consensos sobre as políticas públicas. Em qualquer dos casos, ou seja, em acordo com as linhas de ação do Estado ou em conflito com elas, contribuem para a legitimação das decisões públicas. A existência de conselhos no âmbito das políticas sociais não é uma inovação no SBPS. Essas instituições estavam presentes em muitas destas políticas, em alguns casos desde a sua constituição, como é o caso do Conselho Nacional de Educação, do Conselho Nacional de Assistência Social e do Conselho Nacional de Saúde. Contudo, como já afirmou Draibe, não se conheceu no passado nem sua presença sistemática entre as políticas sociais, tampouco o papel constitutivo que hoje adquiriram. De fato, a participação social nos processos de deliberação das políticas sociais vem evoluindo ao longo do tempo: entre os anos de 1930 e 1960, revestiam-se de caráter eminentemente consultivo e, como objetivos principais, a auscultação de especialistas e a inclusão de trabalhadores e empregadores no campo de algumas políticas sociais – em especial, da política de previdência social. Na década de 1980, os canais de participação se alargam para dar lugar a atores sociais até então ausentes destes espaços. É o período de proliferação de ONGs, associações profissionais, entidades de defesa de direitos humanos, de minorias, e de meio ambiente, entre outros. 37 A partir dos anos de 1990, amplia-se a defesa da participação social tanto na formulação como no controle das políticas sociais. Atualmente a legitimidade dos conselhos nacionais se dá pela capacidade de expressarem interesses e estabelecerem negociações, permitindo que o debate e, em certos casos, a tomada de decisões em torno das políticas setoriais sejam realizados não apenas no Legislativo, mas também num terreno múltiplo no qual diversos atores sociais organizados estejam representados. De fato, os conselhos permitem que grupos demandantes assim como os demais interesses organizados tenham representatividade própria na discussão e no processo decisório das políticas sociais. Esta forma de organização tem impactos nas políticas públicas, no sentido da ampliação da capacidade de articulação do Estado com atores sociais. Em seguida busca-se identificar as competências institucionais dos diversos conselhos de modo a avaliar em que medida refletem possibilidades substantivas de influenciar tais políticas. 3.5 AS ATRIBUIÇÕES LEGAIS DOS CONSELHOS NA ÁREA SOCIAL Os nove conselhos de políticas sociais aqui identificados – ou seja, conselhos nacionais que contam com a participação da sociedade – são os seguintes: Conselho Nacional de Educação (CNE), Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), Conselho Nacional da Saúde (CNS), Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS), Conselho das Cidades (CC), Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat), e Conselho Curador do FGTS. No tocante à natureza, os conselhos serão classificados entre deliberativos ou consultivos. 38 3.6 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - 1990 Em 1990 o pedagogo mineiro, referência no Brasil e em muitos países, no que tange a temática de crianças e adolescentes veio a Curitiba, para difundir e debater o Estatuto da Criança e do Adolescente. Neste ano se iniciava um novo marco referente a visibilidade de crianças e adolescentes; de universo polêmico na década de 90 hoje o ECA é nossa maior ferramenta referente a proteção dos infantes. O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90, de 13 de julho de 1990 – concretiza um notável avanço democrático ao regulamentar as conquistas relativas aos direitos de criança e adolescente consubstanciadas no Artigo 227 da Constituição Federal de 1988. O Estatuto da Criança e do Adolescente é o reflexo, no direito brasileiro, dos avanços obtidos na ordem internacional, em favor da infância e da juventude. Ele representa uma parte importante do esforço de uma Nação recém-saída de uma ditadura de duas décadas, para acertar o passo com a comunidade internacional em termos de direitos humanos. O ECA é a regulamentação num sentido amplo do art. 227 da Constituição, reconhecendo e garantindo os direitos das crianças
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