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SYNTAXIS APROVAÇÃO S/C LTDA 
VIVO: 99678-0863 CLARO 99444-0674 
facebook.com/syntaxisaprovacao 
WHATSAPP: 99692-5514 
syntaxiscurso@uol.com.br 
syntaxisaprovacao@uol.com.br 
www.cursosyntaxisaprovacao.com.br 
 
 
 
 
 
 
 
PREFEITURA DE SÃO PAULO – 2022 
 
LINGUA PORTUGUESA 
ESPECÍFICO 
 
PARTE 2 
 
 
 
1-BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 
 
2-BUNZEN, Clécio; MENDONÇA, Márcia (orgs.) Português no Ensino Médio e Formação do 
Professor. São Paulo: Editora Parábola, 2006. 
 
3-CRISTOVÃO, Vera Lúcia L; LOUSADA, Eliane (orgs.). Gêneros de texto/discurso: novas práticas e 
desafios. Campinas, São Paulo:Pontes, 2019. 
 
4- DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado 
de Letras, 2004. 
 
5-MARCUSCHI, L. A. Produção Textual Análise de Gêneros e Compreensão. São Paulo: Parábola, 
2008. 
 
6- POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas/SP: Mercado das Letras, 1996. 
 
 
 
 
mailto:syntaxiscurso@uol.com.br
mailto:syntaxisaprovacao@uol.com.br
_______________________________CURSO SYNTAXIS APROVAÇÃO____________________________ 
________________________________________________________________________________________________ 
syntaxisaprovacao@uol.com.br 
2 
1-BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 
 
Os gêneros do discurso 
 
Nos estudos de gêneros do discurso realizados no Brasil, Bakhtin é um dos autores mais citados. O que se 
observa, entretanto, é uma grande diversidade conceitual e terminológica em pesquisas alicerçadas por sua 
análise dos gêneros. Este fato é decorrente de uma concepção não hegemônica de tal conceito, oriunda de 
correntes teóricas diversas. Existe ainda, a questão das diferentes interpretações e apropriação desta noção 
pelos estudiosos do assunto. Também há de ser considerado o enfoque do estudo, por exemplo, os lingüistas 
e os antropólogos possuem motivações divergentes em relação às pesquisas que envolvem a temática2 . Esta 
resenha refere-se ao texto – os gêneros do discurso – de Bakhtin (2003). 
 
Para Bakhtin, os gêneros do discurso resultam em formas-padrão “relativamente estáveis” de um enunciado, 
determinadas sócio-historicamente. O autor refere que só nos comunicamos, falamos e escrevemos, através 
de gêneros do discurso. Os sujeitos têm um infindável repertório de gêneros e, muitas vezes, nem se dão conta 
disso. Até na conversa mais informal, o discurso é moldado pelo gênero em uso. Tais gêneros nos são dados, 
conforme Bakhtin (2003, p.282), “quase da mesma forma com que nos é nos é dada a língua materna, a qual 
dominamos livremente até começarmos o estudo da gramática”. 
 
Antes de adentrarmos na discussão a respeito do conceito de enunciado (fundamental para entendermos o 
conceito dos gêneros), faz-se importante uma breve explanação a respeito de outros conceitos, a saber: o 
conceito de oração e palavra (unidades da língua). 
 
A palavra, como também a oração pura e simples, não requer ato comunicativo, não suscita uma atitude de 
resposta por parte do outro, pode ser retirada do contexto, possui uma conclusibilidade abstrata e, por isso, 
pode não ser precisa; é o término do elemento e não do todo. A oração em si não tem autoria e só a partir do 
momento em que se torna um enunciado, em uma situação discursiva, é que passa a representar a intenção do 
falante. A palavra, do mesmo modo, pode ser um verdadeiro enunciado. Assim, quando olhamos para um 
desenho mostrado por alguém e dizemos: – lindo!, estamos carregando a palavra de sentido, e provocando 
nesse alguém alguma atitude, tornando-a, a palavra, um enunciado concreto (Bakhtin, 2003). 
 
Ainda com relação à palavra, o autor afirma que escolhemos as palavras de acordo com as especificidades do 
gênero discursivo utilizado no momento. Já que o gênero é uma forma típica do enunciado, no gênero a palavra 
incorpora esta tipicidade. Ao atentarmos para o exemplo: “Neste momento, qualquer alegria é apenas 
amargura para mim” (p.293), a palavra “alegria” remete à tristeza, significa que esta palavra está refletindo o 
seu sentido através do gênero, sendo interpretada pelo contexto discursivo. Esta expressividade típica não é 
da palavra, como unidade da língua, já que “alegria” remeteria à felicidade, mas sim é o resultado do 
funcionamento da palavra dentro do discurso. Bakhtin considera que a palavra não é dotada apenas de 
expressão típica, mas também de expressão individual, já que nos comunicamos por meio de enunciações 
individuais. E que as palavras são incorporadas ao nosso discurso a partir de enunciados de outras pessoas. 
“Essas palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, o seu tom valorativo que assimilamos, 
reelaboramos, e reacentuamos” (p.295). À diferença do enunciado, palavra e oração, são desprovidas de 
“endereçamento”; não são ditas para alguém, não pertencem e nem se referem a ninguém, carecem de qualquer 
tipo de relação com o dizer do outro. 
 
Já o enunciado, que pode ser falado ou escrito, pressupõe um ato de comunicação social, é a unidade real do 
discurso. Neste processo, existe uma interatividade entre sujeitos falantes. O receptor não é um ser passivo, 
ao contrário, ao ouvir e compreender um enunciado adota para consigo uma atitude responsiva, quer dizer, ele 
pode concordar ou não, pode completar, discutir, ampliar, direcionar, enfim, atuar de forma ativa no ato 
enunciativo. Aliás, o locutor não deseja uma reação passiva, mas um retorno, uma vez que age no sentido de 
provocar uma resposta, atua sobre o outro buscando convencê-lo, influenciá-lo. Bakhtin refere que esta atitude 
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é a principal característica do enunciado. Salienta também, que o enunciado é único, não pode ser repetido 
(apenas citado), já que advém de discursos proferidos no exato momento da interação social. 
 
Interessante salientar que Bakhtin considera o enunciado como resultante de uma “memória discursiva”, ou 
seja, repleta de enunciados que já foram proferidos em outras épocas, em outras situações interacionais, nas 
quais o locutor inconscientemente toma como base para realizar a enunciação do momento, para formular seu 
discurso. A enunciação caracteriza-se então pela alternância de atos de fala, numa relação dialógica. Esta 
alternância é uma das peculiaridades do enunciado. A outra é a sua conclusibilidade específica, ou seja, um 
falante termina o seu turno para dar lugar à fala do outro e é isto que permite a possibilidade de resposta 
(posição responsiva). 
 
São três os fatores desta conclusibilidade específica: o tratamento do tema, o intuito discursivo e as formas do 
gênero do acabamento. O primeiro elemento diverge em relação aos diversos campos de atividade humana, 
por exemplo, nos campos cujos gêneros refletem uma natureza padronizada, o acabamento é praticamente 
pleno, ao passo que nos gêneros que permitem a expressão da criatividade, pode-se falar só em um acabamento 
mínimo. O segundo relaciona-se à vontade de dizer do sujeito e é através dessa intenção verbalizada que é 
possível medir a conclusibilidade do enunciado, ou seja, somos capazes de perceber quando o outro finalizou 
seu turno, para que possamos tomar o nosso. O terceiro fator, o mais importante dos três para Bakhtin, está 
relacionado à escolha do gênero discursivo pelo sujeito, advinda de sua intenção comunicativa. Esta escolha 
é determinada em relação à esfera pela qual o discurso transitará, por seu conteúdo temático, pelas condições 
de produção e pela composição dos participantes. 
 
Para Bakhtin, cada ato de enunciação é composto por diversas “vozes”. Assim, cada ato de fala é repleto de 
assimilações e reestruturações destas diversasvozes, ou seja, cada discurso é composto de vários discursos. 
Isto é o que o autor denomina de polifonia. Estas vozes “dialogam” dentro do discurso, não se trata apenas de 
uma retomada. Este diálogo polifônico é construído histórica e socialmente. A partir deste diálogo se dá a 
construção da consciência individual do falante. O autor vai mais adiante referindo que só pensamos graças a 
um contato permanente com os pensamentos alheios, pensamento este expresso no enunciado. Dessa forma, 
a consciência individual é resultante de um diálogo interconsciências. 
 
Um outro traço constitutivo do enunciado é o fato dele ser produzido para alguém. Assim, todo enunciado tem 
um destinatário. Bakhtin (2003) salienta que o outro – “receptor” do discurso - não é necessariamente alguém 
totalmente definido, como acontece “em toda sorte de enunciados monológicos de tipo emocional” (p.301). 
O autor comenta ainda que o estilo do discurso é definido a partir de concepções que o locutor tem a respeito 
do destinatário. Assim, alguns aspectos são considerados na elaboração do enunciado, como as convicções, 
os preconceitos do destinatário, seu grau de letramento, seu conhecimento do assunto a ser tratado, suas 
convicções, suas simpatias e antipatias. Fatores estes que determinarão a escolha do gênero mais adequado à 
situação comunicativa em questão. 
 
Ao compreendermos, conforme relatado acima, o enunciado como uma unidade discursiva estritamente social 
que provoca uma atitude responsiva por parte do sujeito, passaremos a supor, que todo e qualquer enunciado 
é produzido para alguém, com uma intenção comunicativa pré-definida. São estas intenções, como parte das 
condições de produção dos enunciados que, para o autor, determinam os usos linguísticos que originam os 
gêneros. Assim, o ato de fala possui formas diversificadas de acordo com o querer-dizer do locutor. Tais 
formas constituem os tipos “relativamente estáveis” de enunciados. Também, esta relativa estabilidade ao qual 
o autor alude é devido a sua marca histórica e social relacionada a contextos interacionais. 
 
Dessa maneira, os gêneros vão sofrendo modificações em conseqüência do momento histórico ao qual estão 
inseridos. Cada situação social origina um gênero, com suas características que lhe são peculiares. Ao 
pensarmos a infinidade de situações comunicativas e que cada uma delas só é possível graças à utilização da 
língua, podemos perceber que infinitos também serão os gêneros, existindo em número ilimitado. Bakhtin 
vincula a formação de novos gêneros ao aparecimento de novas esferas de atividade humana, com finalidades 
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discursivas específicas. Esta imensa heterogeneidade levou o autor a realizar uma “classificação”, dividindo-
os em primários e secundários. 
 
Os primários aludem a situações comunicativas cotidianas, espontâneas, não elaboradas, informais, que 
sugerem uma comunicação imediata. São exemplos de gêneros primários a carta, o bilhete, o diálogo 
cotidiano. Os gêneros secundários, normalmente mediados pela escrita, aparecem em situações comunicativas 
mais complexas e elaboradas, como no teatro, romance, tese científica, palestra, etc. Vale ressaltar que a 
essência dos gêneros é a mesma, ou seja, ambos são compostos por fenômenos de mesma natureza, os 
enunciados verbais. O que os diferencia, entretanto, é o nível de complexidade em que se apresentam. 
 
A diferença entre os tipos de gêneros – primários e secundários – é extremamente grande para Bakhtin. 
Segundo o autor, existe a necessidade de que se faça uma análise do enunciado para que se possa definir sua 
natureza. O estudo desta natureza e da diversidade dos gêneros é importante para as pesquisas em linguagem, 
pois através desta análise os pesquisadores poderão obter os dados de suas investigações levando em conta a 
historicidade da informação. Ao contrário, qualquer dado de pesquisa corre o risco de cair em um formalismo 
ou “abstração exagerada”. 
 
Bakhtin considera que os gêneros secundários são formados a partir de reelaborações dos primários. Assim, 
um diálogo cotidiano relatado em um romance perde seu caráter imediato e passa a incorporar em sua forma 
as características do universo narrativo – complexo – que lhe deu origem, ou seja, nesta situação, o diálogo 
transforma-se em um acontecimento literário e deixa de ser cotidiano. 
 
Para fins de classificação de um gênero discursivo, faz-se necessário que sejam considerados alguns aspectos 
definidos por Bakhtin, a saber: conteúdo temático (assunto), plano composicional (estrutura formal) e estilo 
(leva em conta a forma individual de escrever; vocabulário, composição frasal e gramatical). Estas 
características estão totalmente relacionadas entre si e são determinadas em função das especificidades de 
cada esfera de comunicação, principalmente devido a sua construção composicional. 
 
O autor discrimina o “estilo” como algo absolutamente ligado aos gêneros do discurso, ressalta que por ele a 
individualidade do falante/escritor pode ser refletida, no entanto, coloca que nem sempre é possível ao sujeito 
representar sua individualidade estilística, pois alguns gêneros requerem uma forma padronizada de 
linguagem, como em documentos oficiais, por exemplo. Observa também, que o estilo é um “epifenômeno” 
do enunciado, ou seja, não se planeja escrever com determinado estilo, o estilo acaba sendo o produto – 
conseqüência do escrito/fala. Apesar de o estilo estar indissoluvelmente atrelado ao enunciado, não significa, 
segundo o autor, que não possa ser estudado separadamente. A “estilística da língua”, então, é uma disciplina 
independente e autônoma. E, mais uma vez, Bakhtin refere que o estudo da estilística só seria relevante se 
fosse baseado na natureza dos gêneros do discurso. Aliás, o autor é perseverante ao afirmar que, em qualquer 
estudo que se faça a respeito da língua, fazse imprescindível abarcar o aprofundamento das modalidades dos 
gêneros, pois eles representam a língua viva, a linguagem em uso. O autor coloca que, até os dias atuais, os 
estudos têm desconsiderado as modalidades de gêneros do discurso, por isso, tais estudos são “pobres” e não 
diferenciados, inexistindo uma classificação de estilos de linguagem reconhecida de modo pleno. 
 
Há que se considerar que, a habilidade no uso dos gêneros está diretamente relacionada ao domínio que temos 
em relação a eles, ou seja, quanto maior for esse domínio, mais facilidade teremos em empregá-los de forma 
usual e adequada nas situações comunicativas em que estivermos inseridos. Bakhtin afirma que, grande 
número de pessoas que apresentam um amplo conhecimento em relação a uma determinada língua, sentem-
se pouco potentes em algumas situações por não dominarem os gêneros de dadas esferas. Para o autor, é a 
própria vivência em situações comunicativas e o contato com os diferentes gêneros do discurso que exercitam 
a competência lingüística do produtor de enunciados. É esta competência dos interlocutores que auxilia no 
que é ou não aceitável em determinada prática social, sugerindo que quanto mais experiente for o sujeito, mais 
hábil será na diferenciação dos gêneros e no reconhecimento do sentido e da estrutura que o compõe. 
 
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5 
2-BUNZEN, Clécio; MENDONÇA, Márcia (orgs.) Português no Ensino Médio e 
Formação do Professor. São Paulo: Editora Parábola, 2006. 
 
O livro Português no Ensino Médio e formação do professor está organizado em 
 vários artigos, voltados ao tema da educação na sala de aula e formação do professor. Discute-secom professores e pesquisadores o ensino da língua materna no Ensino Médio. 
 
Além de pôr em discussão questões sobre o ensino de leitura, escrita, literatura, produção de texto, análise 
linguística e avaliação, são propostas atividades de reflexão, sistematização, problematização ao professor 
em formação. Ao final de cada capítulo, são apresentadas ao leitor propostas de atividades ao professor. 
 
O livro defende a importância de se pensar a escola como um espaço de vivência e de compartilhamento de 
um projeto nacional de educação, relacionando atividades de leitura e escrita às práticas sociais, de modo 
que os alunos participem e estejam cada vez mais engajados a elas. 
 
 Os gêneros do discurso ganham destaque na proposta do livro, representando um meio pelo qual a 
fragmentação de textos apresentados aos alunos pelos autores nos livros didáticos pode ser desfeita, por 
intermédio de articulações entre o estudo das dimensões linguística, textual — na leitura, na escrita ou na 
reflexão sobre a língua 217 Educação: Teoria e Prática – Vol. 21, n. 36, Período jan/jun-2011. e a 
linguagem. Ou seja, o professor, trabalhando com textos completos em sala de aula, permite ao aluno refletir 
sobre o texto em seu aspecto integral, mostrando-lhe a proposta do autor ao escrever tal texto e desenvolver 
sua capacidade leitora e interpretativa. 
 
As práticas sociais de leitura, escrita, fala e escuta, de análise linguística e literária são divididas em eixos, 
pelos quais se pode: 
 a) propor uma progressão dialética de objetos de estudo (argumentar, dialogar, caminhando a uma 
concepção de transformação da realidade, a partir do plano das ideias); 
b) avançar na construção da consciência linguística do aluno-agente e,consequentemente; 
c) viabilizar sua inserção transformadora em diferentes práticas letradas. 
 
 A obra traz uma reflexão tanto sobre formação de professores, documentos de parametrização do ensino, 
livros didáticos em uso nas salas de aula, quanto sobre planejamento, implantação e avaliação do processo 
de ensino e de aprendizagem do português como língua materna. 
 
 Para desenvolver as questões mencionadas acima, os autores focalizam, ao longo da obra, de forma ampla, 
a realidade do Ensino Médio. Questiona-se a questão da fragmentação do saber no Ensino Médio em 
diversas disciplinas, a falta de comunicação entre disciplina Língua Portuguesa e as demais deste nível de 
ensino. Discute a compartimentação1 desta disciplina em aulas de gramática, redação e literatura e a 
inexistência de uma proposta interdisciplinar, trabalhando temas transversais. 
 
 Menciona-se que uma proposta de ensino e de aprendizagem é fruto de opções políticas, pelas quais se 
delimitam tanto o objeto de estudo quanto as abordagens, procedimentos e estratégias em sala de aula. 
Pressupondo que as práticas, especificamente desenvolvidas em sala de aula, estabelecem um intercâmbio 
contínuo com as demais práticas sociais, historicamente delimitadas, os autores assumem que a organização 
de conteúdos, o planejamento e a implantação das atividades, a escolha de material e dos recursos didáticos, 
assim como a avaliação do ensino e da aprendizagem são resultantes das concepções dos agentes engajados 
no processo de ensino e das escolhas que delas decorrem. 
 
Não ignorando as dificuldades frequentemente apontadas por professores deste nível de ensino, os autores 
não se deixam levar por obstáculos existentes na esfera escolar ao defenderem uma escola eficaz. Ao longo 
dos textos, vê-se a perspectiva dos que ainda creem na escola como um treino para a vida, confrontando-se 
com a daqueles que fazem, como os autores, emergir uma nova visão: a de que a escola é vida. 
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6 
 
 É assim que, na leitura dos diferentes capítulos do livro, o leitor pode perceber e se deparar com a realidade 
da escola brasileira em seu estágio atual, mas pode ainda, vislumbrar a escola que se deseja, que se desenha 
com uma atuação cada vez mais consciente de seus agentes. 
 
 Dessa forma, o leitor poderá visualizar a escola que pulsa na sala de aula, nos corredores e nos pátios e 
também terá contato com a escola almejada por diferentes agentes que se engajam para contribuir com a 
formação e atuação do professor. Além de demonstrar o quanto se avançou nesses últimos anos em relação à 
reflexão sobre as particularidades do Ensino Médio, a obra deixa ainda outra lição: no sentido de estabelecer 
um diálogo entre os documentos dos Parâmetros Curriculares e as recentes políticas públicas de formação e 
de avaliação da atuação do professor. 
 Os autores deste livro atuantes em diferentes instituições brasileiras, não ignoram a diversidade das e nas 
práticas regionais de uso da linguagem das comunidades nas quais se encontram nossos alunos, mas 
defendem a construção de objetivos comuns para o Ensino Médio nos diferentes estados e regiões do país, 
assim como a delimitação de um perfil claro para o estudante que se pretende formar nessa etapa de ensino. 
 
Na reflexão desenvolvida pelos autores, estes incorporam os avanços nos estudos da linguagem para re-
significá-los, tanto em relação à educação básica inicial, quanto em relação ao Ensino Médio. 
 
Afirma-se que é preciso, portanto, implantar com eficácia políticas públicas de formação continuada de 
professores, e também multiplicar cada vez mais publicações como esta a professores em formação e 
profissionais atuantes na área da educação 
 
3-CRISTOVÃO, Vera Lúcia L; LOUSADA, Eliane (orgs.). Gêneros de texto/discurso: 
novas práticas e desafios. Campinas, São Paulo:Pontes, 2019. 
 
A problemática dos Gêneros Textuais/Discursivos e sua relação com o ensino, a formação de professores, os 
letramentos, a literatura, a descrição/análise linguística e tantas outras temáticas vem crescendo desde a última 
década do século XX entre pesquisadores no Brasil e no mundo em diferentes perspectivas teórico-
metodológicas. Tais aportes têm se intensificado na grande área da Linguística e Literatura, cujo espaço de 
representação e atuação relevante e expressivo se dá também na Associação Nacional de Pós graduação e 
Pesquisa em Letras e Linguística (ANPOLL) por meio dos grupos de trabalho (GT), por exemplo. Assim, o 
dossiê temático n. 52 da Revista da ANPOLL aborda questões que envolvem a temática de Gêneros 
Textuais/Discursivos, por meio de pesquisas desenvolvidas no âmbito do GT de Gêneros Textuais/Discursivos 
da ANPOLL, por exemplo, em eventos como o SIGET, mas, também, por outros pesquisadores do Brasil e 
de outros países que desenvolvem pesquisas nessa área. 
 
O Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais (SIGET) foi criado em 2003, na Universidade 
Estadual de Londrina (UEL), Paraná, por iniciativa das pesquisadoras Vera Lúcia Lopes Cristovão e Elvira 
Lopes Nascimento, com o título de I Simpósio Internacional de Linguística Contrastiva e gêneros textuais. Na 
primeira edição, foi abordada a pesquisa sobre gêneros textuais no Brasil, tema também tratado em sua 
segunda edição, realizada em 2004, em União da Vitória, Paraná, sob a coordenação de Acir Mário Karwoski. 
Em 2005, o SIGET saiu do Paraná, tendo sido realizado em Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil, na 
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), sob a coordenação de Désirée Motta-Roth. Essa terceira edição 
do SIGET destacou a importância de uma agenda político-pedagógica relacionada a questões de gêneros 
textuais, bem como de sua relação com as políticas governamentais. 
 
Em 2007, em sua quarta edição, o SIGET foi para Tubarão, Santa Catarina, sob a coordenação de Adair 
Bonini, Débora de Carvalho Figueiredo e Fábio José Rauen. Nessa edição, as várias correntes de estudos de 
gêneros textuais/discursivosforam problematizadas, além de ter iniciado o processo de internacionalização 
do evento, com vários convidados internacionais. 
 
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7 
Em sua quinta edição, em 2009, sob a coordenação de Marcos Baltar, o SIGET voltou ao Rio Grande do Sul, 
priorizando questões sobre o ensino de idiomas, tendo como unidade de ensino os gêneros textuais e apontando 
as relações entre os gêneros textuais e a alfabetização. Nessa edição, foi mantido o processo de 
internacionalização do evento. 
 
A sexta edição do SIGET, em 2011, com o mesmo tema de 2009, mudou radicalmente de região, pois foi 
sediado em Natal, Rio Grande do Norte, Brasil, sob a liderança de Maria do Socorro Oliveira e sua equipe. 
 
Em 2013, já em sua sétima edição, sob a coordenação de Antônia Dilamar Araújo e Júlio Araújo, o SIGET 
continuou no nordeste brasileiro. Foi realizado em Fortaleza, Ceará, Brasil e promoveu a discussão sobre a 
operação de gêneros textuais/discursivos nas múltiplas esferas de atividade humana. 
 
Em sua oitava edição, o SIGET foi realizado, pela primeira vez, no Sudeste, na cidade de São Paulo. Em 2015, 
ele foi sediado na Universidade de São Paulo (USP), com coordenação de Eliane Gouvêa Lousada, em 
conjunto com Unicamp (Roxane Rojo), Unesp (Lília Santos Abreu-Tardelli e Solange Aranha) e Universidade 
São Francisco (Luzia Bueno). O evento procurou discutir a seguinte questão, que tem estado no palco dos 
debates sobre gêneros textuais/discursivos na segunda década do século XX: Os diálogos estão ocorrendo no 
Brasil relacionados aos estudos de gênero constituem uma escola brasileira para o estudo de gêneros? Nessa 
edição, como desde 2007, a proposta de internacionalização foi mantida e inúmeros pesquisadores vindos de 
outros países, tanto como convidados quanto como apresentadores ou participantes, fizeram parte do evento. 
 
Em 2017, em sua nona edição, o SIGET foi realizado novamente em uma região diferente: Mato Grosso do 
Sul. O evento em Campo Grande foi coordenado por Adair Vieira Gonçalves e sua equipe, e convidou 
pesquisadores em geral para discutir a questão da pesquisa e ensino de gêneros textuais/discursivos ligados à 
participação social em uma sociedade que reivindica pesquisas de natureza inter/transdisciplinar, além de 
exigir dos pesquisadores estudos com foco não apenas no texto escrito e verbal, mas também nas múltiplas 
línguas, mídias e culturas que compõem a produção de sentidos na atualidade. 
 
Em sua décima edição, o SIGET deu mais um passo de extrema importância para a internacionalização: ele 
foi realizado, pela primeira vez, em outro país, a Argentina. Sob a coordenação de Richard Brunel Matias e 
equipe, o SIGET ocorreu na Universidade Nacional de Córdoba (UNC), berço da Reforma Universitária de 
1918, tendo a Faculdade de Línguas como sede de seu primeiro passo para concretizar, ainda mais, a 
internacionalização. A temática do diálogo, lançada em 2015, foi retomada, mas, desta vez, colocando vozes 
do sul em debate. Com inúmeros participantes do Brasil, da Argentina, do Chile, do Uruguai, da Colômbia, 
dos Estados Unidos, do Canadá, de Portugal e da Grécia, o X SIGET ampliou os debates “brasileiros”, 
propondo diálogos sobre gêneros textuais/discursivos com pesquisadores da América do Sul. 
 
Assim, após 10 edições e 17 anos de existência, o SIGET se mostrou um evento consolidado, coeso, instigante 
e capaz de impulsionar os estudos sobre gêneros textuais/discursivos e não apenas no contexto brasileiro. 
Como aponta Dolz (2016, p. 16), na apresentação do ebook do SIGET-2015, os estudos realizados no Brasil 
são importantes também para pesquisadores estrangeiros: “aceito entrar nos diálogos brasileiros porque a 
alteridade, o olhar externo e a compreensão do pensamento dos diferentes autores que constituem o meu 
campo de pesquisa é também fundamental para o meu próprio progresso”. Isso confirma a vocação do SIGET 
para ser um espaço de divulgação das mais recentes pesquisas brasileiras relacionadas aos gêneros 
textuais/discursivos. Como afirma, ainda, Dolz (2016, p. 20), os estudos brasileiros [...] merecem ser 
conhecidos fora do Brasil. São trabalhos que permitem o avanço das minhas próprias pesquisas e das diferentes 
correntes mencionadas. Certamente eles precisam ser mais conhecidos no exterior. Coletivamente podemos 
contribuir com o desenvolvimento de uma teoria geral sobre os gêneros textuais/discursivos. O diálogo aberto 
é necessário e não deve ser somente entre os brasileiros (DOLZ, 2016, p. 20). 
 
Vemos que, já em 2016, Dolz apontava a necessidade de que os estudos brasileiros extrapolassem as fronteiras 
do país, para se tornarem conhecidos no exterior. Essa afirmação encontra respaldo em Bawarshi e Reiff 
(2010, p. 77) ao indicarem que há, no Brasil, uma síntese de pesquisas sobre gêneros que colocam várias 
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tradições como compatíveis e interconectadas, o que contribui para esclarecer o funcionamento dos gêneros 
e de seu ensino, em diferentes níveis. 
 
Portanto, estes foram os objetivos mais amplos do X SIGET, realizado em Córdoba, Argentina: intensificar a 
internacionalização do evento, realizando-o em outro país; divulgar as pesquisas brasileiras para fora do país; 
dar voz a pesquisadores do Sul, que tanto têm contribuído para os estudos sobre gêneros textuais/discursivos; 
propor debates sobre o funcionamento dos gêneros e seu ensino. 
 
A partir da retomada do percurso (processo histórico de criação e consolidação) do SIGET, este número da 
Revista da ANPOLL resgata os objetivos principais do X SIGET, pois oferece a oportunidade aos leitores de 
entrar em contato com algumas das apresentações e simpósios mais significativos do evento, de modo a 
fomentar o diálogo entre pesquisadores de diversas nacionalidades e abordagens teóricas em torno dos gêneros 
textuais/discursivos. Estão representados, assim, estudos realizados no Brasil, Canadá e Argentina. 
 
Ancorados na Análise Dialógica do Discurso (ADD – de Bakhtin e Círculo), Adail Sobral e Karina Giacomelli 
discutem o gênero discursivo como instrumento para práticas sociais e como objeto didático. Nessa relevante 
questão, os pesquisadores tratam das implicações do uso do gênero na escola tanto no estudo da língua 
enquanto sistema como da linguagem enquanto ação para argumentarem que a recepção e produção de textos 
dependem do contexto da enunciação. Portanto, a transposição de textos de gêneros diversos para o ambiente 
escolar imprime necessariamente uma mudança nos elementos contextuais da atividade discursiva com esses 
textos. A discussão rica e provocativa dos pesquisadores trata de uma questão pertinente e significativa sobre 
os gêneros no ensino que é também desenvolvida por Bezerra neste volume. 
 
No artigo de Jacquie Ballantine e Natasha Artemeva, da Universidade de Carleton, em Ottawa, no Canadá, as 
pesquisadoras discutem letramentos acadêmicos de estudantes universitários autistas a partir de suas visões 
sobre interações com outros autistas e não autistas. O estudo investigou dados de entrevistas de doze alunos 
autistas, de duas universidades canadenses, de diferentes áreas do conhecimento, à luz dos Estudos Retóricos 
de Gêneros (ERG). As autoras defendem que a compreensão dessas interações pode ser um ponto de partida 
relevante para o desenvolvimento de recursos profícuos voltados aos letramentos acadêmicos de estudantes 
autistas em contextos universitários hegemonicamente não autistas. O artigo é uma contribuição pertinente 
para uma área ainda escassa de estudoscom uma descrição clara do desenho metodológico da pesquisa, 
discussão dos dados com base nas lentes da Sociorretórica (ERG) para a compreensão dos movimentos 
retóricos realizados e os desempenhos genéricos construídos por autistas em suas interações. 
 
No instigante texto de Dora Riestra, o contexto sócio-histórico ideológico é mobilizado na articulação de fatos 
e referências que vão sendo usadas para a construção de lentes teóricometodológicas do Interacionismo 
Sociodiscursivo (ISD). A autora aborda a questão dos conteúdos tanto de língua quanto de literatura serem 
objetos de ensino pela perspectiva de gêneros já que são eles os instrumentos para práticas linguageiras de 
leitura, escrita e oralidade. Tendo em vista a inequívoca relevância dos gêneros para o ensino, Riestra explica, 
com base no ISD, o papel do modelo didático de gênero como um saber necessário para o agir com a linguagem 
em situações sociais. Esse saber é didatizado pela proposta de sequências didáticas que propõem atividades 
para o desenvolvimento de capacidade de linguagem, bem como para se ocupar de reflexões metalinguísticas. 
Neste ensaio teórico, fundamentada em conceitos dos autores revisitados, a prestigiosa pesquisadora argentina 
defende a premissa de que o ensino não seja aplicacionismo, mas um trajeto didático que articule o estudo da 
língua com a construção de sentidos. 
 
Benedito Gomes Bezerra, renomado especialista brasileiro nos estudos de gênero, aborda uma questão 
imprescindível sobre a problemática do gênero ser um simulacro no Ensino, desenvolvendo a noção do gênero 
como ação social quando seu uso na esfera escolar subentende sua recontextualização em relação à situação 
de produção, circulação e recepção. Para isso, o autor faz uma breve menção a três diferentes abordagens para 
o ensino de gênero, a Linguística Sistêmico Funcional, o Inglês para Fins Específicos, o Interacionismo 
Sociodiscursivo para então desenvolver a proposta dos Estudos Retóricos de Gênero (ERG) para essa 
problemática. A fim de ilustrar a perspectiva dos ERG, pesquisas desenvolvidas no Programa de Mestrado 
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Profissional em Letras (PROFLETRAS) são trazidas, confirmando uma possibilidade produtiva em termos 
de experiências pedagógicas com gêneros. 
 
O artigo de Tânia Magalhães aborda a questão da oralidade, ausente, durante muitos anos, nos estudos sobre 
ensino de língua materna. Como salientam diversos autores (DOLZ, SCHNEUWLY, 2009; DOLZ; 
SCHNEUWLY, 2009; BUENO; COSTA-HÜBES, 2015), o foco principal na escrita trouxe como 
consequência que o trabalho com gêneros orais foi pouco estudado, pesquisado e divulgado. Nesse sentido, o 
capítulo, intitulado “Oralidade nas dissertações do Mestrado Profissional em Letras: formação docente para 
possibilidades de inovação na escola básica” procura preencher essa lacuna, ao considerar a oralidade como 
prática social e a fala como modalidade de uso da língua. Para tanto, a autora propôs uma análise de 59 
dissertações do Mestrado Profissional em Letras, de 2015 a 2018, procurando identificar a abordagem da 
oralidade adotada em cada uma delas. O interesse de tal tipo de pesquisa é o de mapear e compreender de que 
forma a oralidade pode entrar na escola, já que o mestrado profissional é um importante local de relações entre 
estudos acadêmicos e educação básica. Dessa forma, o capítulo traz grande contribuição para compreender o 
papel da oralidade na educação básica em contexto brasileiro. 
 
Já Rodrigo Acosta Pereira e Elisabeth Brait nos apresentam uma análise de enunciados do gênero notícia, 
publicados em revistas online brasileiras voltadas para as mulheres. Para tanto, tomam por embasamento geral 
a teoria de Bakhtin e do Círculo, intitulada Análise Dialógica do Discurso (ADD). Ao abordarem o gênero 
notícia direcionado para mulheres, os autores tocam em uma questão bastante atual e pertinente, sobre a qual 
muitas outras pesquisas na área da Linguística Aplicada se debruçam na atualidade: os textos e discursos 
produzidos por ou para mulheres, como podemos ver em Costa (2020) ou Contieri (2015) e em muitos outros 
estudos. Pereira e Brait trazem uma importante contribuição para os estudos discursivos, pois exploram a 
questão da valoração no campo dos estudos discursivos, concluindo que esta é um índice social avaliativo-
expressivoaxiológico do enunciado. 
 
No artigo intitulado “Do trabalho com gêneros de texto/discurso no ensino de língua materna: um percurso de 
continuidades, mudanças e possibilidades”, Ana Maria de Mattos Guimarães e Anderson Carnin nos 
apresentam uma (meta)análise do percurso de ambos enquanto professores e formadores de professores língua 
materna (português) em relação ao trabalho com gêneros de texto/discurso em contexto escolar. Os autores 
propõem, assim, uma reflexão crítica sobre desafios vivenciados no trabalho com gêneros de texto/discurso 
no percurso entre a formação (acadêmica) e a prática (de sala de aula) e, nesse sentido, dialogam com outros 
estudos realizados com base no quadro teórico-metodológico do Interacionismo Sociodiscursivo, como as de 
Machado (2004), Lousada (2006, 2017, 2020), Medrado e Costa (2020), Leurquin e Araújo (2017), entre 
outros. A proposta de reflexão crítica e, de certa forma, síntese do que tem sido feito pelos autores nas últimas 
duas décadas é original e traz contribuições importantes para a área de formação de professores. 
 
De autoria de Maria do Socorro da Silva, o artigo “Aprendendo a ler para escrever: o gênero textual resumo 
científico e letramento acadêmico” explora uma experiência pedagógica centrada na leitura crítico-analítica 
de resumos científicos produzidos no domínio específico da área de Letras, com vistas ao processo de ensino-
aprendizagem da leitura e da escrita na universidade. Com base na Nova Retórica e nos estudos sobre o 
Letramento Acadêmico, o artigo expõe análises de dados gerados na disciplina Linguístic a IV do Curso de 
Letras, especificamente sobre o gênero resumo científico. Nessa perspectiva, o artigo dialoga com muitos 
outros que têm abordado o vasto campo do Letramento Acadêmico, para o qual têm se voltado inúmeros 
estudos na América Latina (PEREIRA, 2019) e no Brasil (PEREIRA; BASÍLIO, 2014; FERREIRA; 
LOUSADA, 2016). O artigo ressalta as possibilidades de promover, na universidade, o acesso à cultura 
letrada, mostrando, através de uma abordagem etnográfica, como é possível contribuir para a aprendizagem 
das práticas de leitura e escrita através do currículo, à semelhança do que desenvolvem outros autores 
anglófonos, como BAZERMAN (2005, 2006), na perspectiva do WAC (Writing Across the Curriculum). 
 
Francisco Alves Filho e Carolina Aurea Cunha Rio Lima apresentam, em seu artigo, uma análise dos passos 
retóricos em projetos de pesquisa escritos por pesquisadores experientes da área de Química, buscando 
compreender sua relação com o estabelecimento da relevância da pesquisa. Intitulado “Estratégias 
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sociorretóricas para proposição de pesquisa na cultura disciplinar de química: uma análise de projetos de 
pesquisa de experts”, o artigo mostra que o passo retórico “relatar a pesquisa prévia” é importante para 
contextualizar o projeto dentro das discussões e dos procedimentos já realizados, evidenciando lacunas e 
insuficiência de pesquisas anteriores, o que pode cooperar para reforçar a argumentação em favor do projeto. 
Ao focalizar uma área, a de Química, os autores contribuem sobremaneira para os estudos sobre os impactos 
da culturadisciplinar na escrita acadêmica, dialogando, assim, com estudos como os de Pereira (2020), 
Lousada, Dezutter e Blaser (2019), Alava e Romainville (2001) e Connor (2011). Por fim, os autores apontam 
que os projetos se preocupam em estabelecer ligações das pesquisas com o mundo real, procurando resolver 
problemas práticos do mundo, aliando o mundo acadêmico ao mundo social, temática muito relevante nos 
tempos atuais. 
 
Em “Agir social e a dimensão (inter)cultural: desafios à proposta de produção de sequências didáticas”, 
Marileuza Ascencio Miquelante, Vera Lúcia Lopes Cristovão e Cláudia Lopes Pontara informam os resultados 
da análise das atividades de uma das sequências didáticas de um conjunto de dezesseis sequências produzidas 
para o ensino de línguas no Centro de Línguas Estrangeiras Modernas do estado do Paraná. Buscam descrever 
em que medida a sequência didática em questão potencializa tanto o desenvolvimento de conhecimentos 
(inter)culturais quanto das capacidades de linguagem. Os resultados indicam que as atividades da SD 
contemplam as categorias (inter)culturais e seus conhecimentos, oportunizando ao/a professor/a e aos/as 
estudantes um ensino e aprendizagem que tenha o agir social como eixo organizador. 
 
Antônia Dilamar Araújo, Paulo Henrique Moura Lopes e Maria Áurea Albuquerque Sousa analisam de que 
forma a multimodalidade está presente em uma webaula tanto pelo viés da Semiótica Social como pelo campo 
da Psicologia Educacional. Em “A webaula sob a perspectiva da multimodalidade: uma análise de uma aula 
digital de espanhol para ensino a distância”, as autoras se debruçam sobre uma webaula produzida para um 
curso de Licenciatura em Língua Espanhola na modalidade à distância, tendo como resultados de sua análise 
a predominância do modo verbal sobre os demais modos semióticos mesmo com os affordances do suporte 
em que está disponibilizado, não integrando ao material as potencialidades dos recursos semióticos que podem 
promover uma aprendizagem mais significativa em situação de educação a distância ou mesmo presencial. 
 
Aline Nardes dos Santos e Rove Chishman realizam a análise de uma reportagem proveniente de uma das 
publicações especializadas da Revista Nova Escola. O artigo se titula “Representações do trabalho do 
professor na revista Nova Escola: um estudo de caso a partir do gênero reportagem”. Ancorados nos 
pressupostos do Interacionismo Sociodiscursivo, os autores analisam como o agir docente é representado. Os 
resultados mostram que o professor é predominantemente configurado como profissional desvinculado dos 
conflitos e das prescrições que permeiam o seu métier, cujas iniciativas individuais – centradas na busca por 
cursos, capacitações e materiais de apoio – seriam suficientes para garantir o êxito de seu trabalho. 
 
Situados numa proposta teórico-metodológica que focaliza a análise discursiva do poema-slam intitulado 
“Século XXI”, do slammer carioca Weslley Jesus (WJ), disponível no YouTube, no artigo titulado “O gênero 
poetry slam: reexistência e construção da identidade negra como um grito das vozes do sul”, Natália Barreto 
Felix, Talita de Oliveira, Fabio Sampaio de Almeida e Maria Cristina Giorgi objetivam compreender o poetry 
slam como gênero discursivo contemporâneo de reexistência que ecoa vozes de sujeitos subalternizados 
sóciohistoricamente – especialmente jovens negros das periferias – nossas vozes do sul. Os resultados apontam 
posicionamentos de resistência aos discursos hegemônicos que legitimam a necropolítica voltada para jovens 
negros das periferias brasileiras, cujas vozes, ao se apropriarem da linguagem como instrumento estético-
político-ideológico, produzem resistência ao racismo e a outras formas de opressão. O trabalho abre as portas 
a novos estudos sobre poetry slam e reivindica aprofundar as análises sobre esse gênero de reexistência, 
trazendo, para o centro do debate, vozes e demandas de sujeitos apartados da produção de conhecimento. 
 
José Maria de Aguiar Sarinha Júnior e Fábio Alexandre Silva Bezerra, em “Investigando representações 
identitárias em charges no contexto de sala de aula: multimodalidade, leitura crítica e interseccionalidade”, 
discutem representações identitárias construídas por meio do texto multimodal charge no contexto de sala de 
aula na educação básica. A discussão se aprofunda a partir de estudos identitários desde uma perspectiva 
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decolonial. Os resultados apontam para a necessidade do desenvolvimento de práticas de leitura e de escrita 
baseadas em uma abordagem crítica e interseccional, que integrem múltiplas linguagens e semioses em sala 
de aula, além de incluir discussões sobre questões sociais complexas, como as identitárias, em um país com 
características tão diversas em face a frequentes mudanças na vida sociocultural, histórica e política. 
 
Para fechar nosso dossiê, o cativante artigo de Eliane Gouvêa Lousada discute os gêneros de texto usados no 
contexto do trabalho docente com potencial para o desenvolvimento humano e profissional. Com base em 
conceitos do Interacionismo Sociodiscursivo, da Clínica da Atividade e da Ergonomia da Atividade, a autora 
apresenta resultados de análise de uma entrevista de auto-confrontação e discute o potencial desse 
procedimento para o desenvolvimento e para a formação de professores. Nessa discussão, o papel da 
linguagem como atividade simbólica permite compreender o papel dos gêneros no trabalho bem como seu 
potencial de transformação do próprio trabalho (docente, neste caso). 
 
Os artigos reunidos neste número propõem importantes reflexões e trazem grandes contribuições para os 
estudos dos gêneros textuais/discursivos na atualidade. Ao abordar temáticas instigantes, indo de propostas de 
uso de gêneros para o ensino, passando pela interculturalidade, pelas tecnologias, pelo letramento acadêmico, 
até chegar às questões ligadas à formação de professores para o trabalho com gêneros em sala de aula, o 
número enriquece os estudos da área e constitui uma positiva contribuição do X SIGET para os estudos dos 
gêneros textuais/discursivos no mundo contemporâneo. 
 
REFERÊNCIAS 
 
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Setor de Publicações do IEL-Unicamp, 2020. 
 
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aprendizagem de língua portuguesa. In: ARANHA, M.; ARAÚJO, N. S.; ALMEIDA, S. (Orgs.). Discursos 
linguísticos e literários: investigações em Letras. 1. ed. São Luiz: EDUFMA, 2017, v. 1, p. 09-30. 
 
LOUSADA, E. G. Entre o trabalho prescrito e o realizado: um espaço para a emergência do trabalho real do 
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Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006. 
 
LOUSADA, E. G. Intervenção, pesquisa e formação: aprendizagem do trabalho educacional e 
desenvolvimento de professores. Horizontes, v. 35, n. 3, p. 94-104, 2017. 
 
LOUSADA, E. G. O papel das vozes enunciativas nas verbalizações de professores iniciantes sobre seu 
trabalho: reflexões sobre tomada de consciência e desenvolvimento. In: GUIMARÃES, A. M.; CARNIN, A.; 
LOUSADA, E. G. (Orgs.). O Interacionismo Sociodiscursivo em foco: reflexões sobre uma teoria em contínua 
construção e uma práxis em movimento. 1. ed. Araraquara: Letraria, 2020, v. 1, p. 93-116. 
 
LOUSADA, E. G.; DEZUTTER, O.; BLASER, C. A formação de futuros professores pesquisadores: o 
letramento acadêmico em foco em experiências didáticas com os gêneros resenha e artigo científico. In: 
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Pessoa: UFPB, 2019, v. 1, p. 207-238. 
 
MACHADO, A. R. O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: EDUEL, 2004. 
 
MEDRADO, B. P.; COSTA, W. P. A. O Programa de Residência Pedagógica: refletindo sobre a formação 
dos coletivos de trabalho. In: GUIMARÃES, A. M.; CARNIN, A.; LOUSADA, E. G. (Orgs.). O 
Interacionismo Sociodiscursivo em foco: reflexões sobre uma teoria em contínua construção e uma práxis em 
movimento. 1. ed. Araraquara: Letraria, 2020, v. 1, p. 141-162. 
 
PEREIRA, R. C. M. (Org.). Escrita na universidade: panoramas e desafios na América Latina. 1. ed. João 
Pessoa: UFPB, 2019, v. 1. 
 
PEREIRA, R. C. M. A escrita na iniciação científica: da materialidade textual à influência da cultura 
disciplinar. In: GUIMARÃES, A. M.; CARNIN, A.; LOUSADA, E. G. (Orgs.). O Interacionismo 
Sociodiscursivo em foco: reflexões sobre uma teoria em contínua construção e uma práxis em movimento. 1. 
ed. Araraquara: Letraria, 2020, v. 1, p. 309- 330. 
 
PEREIRA, R. C. M.; BASÍLIO, R. A didatização da resenha acadêmica em contexto universitário. In: 
NASCIMENTO, E. L.; ROJO, R. H. R. (Orgs.). Gêneros de Texto/Discurso e os desafios da 
contemporaneidade. 1. ed. Campinas-SP: Pontes, 2014, v. 1, p. 229-246. 
 
4- DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard. Gêneros orais e escritos na escola. 
Campinas: Mercado de Letras, 2004. 
 
O desenvolvimento lingüístico dos sujeitos se dá por um processo de continuidade e ruptura através dos usos 
de gêneros primários e secundários (categorias utilizadas por Bakhtin), ou seja, através de discursos que se 
originam de situações espontâneas (primários) ou de comunicações culturais (secundárias). A primeira se 
caracteriza, essencialmente, por discursos orais e o segundo por escritos envolvendo produção artística, 
científica e sociopolítica. Os gêneros primários constituem-se no nível real de desenvolvimento lingüístico 
das crianças (zona de desenvolvimento real) que, a partir deles, é possível desenvolverem os gêneros 
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secundários através de intervenção sistemática (zona de desenvolvimento proximal). Por isso afirma-se, no 
texto, que “os gêneros primários são os instrumentos de criação dos gêneros secundários”. 
Após esse percurso de análise, Schneuwly defende a tese de que a diversidade de tipos de textos aos quais as 
crianças são expostas possibilita a passagem dos gêneros primários para os secundários, constituindo-se, 
assim, “construções necessárias para gerar uma maior heterogeneidade nos gêneros, para oferecer 
possibilidades de escolha, para garantir um domínio consciente dos gêneros, em especial daqueles que jogam 
com a heterogeneidade.” 
um currículo para o ensino da expressão deveria fornecer aos professores, para cada um dos níveis de ensino, 
informações concretas sobre os objetivos visados pelo ensino, sobre as práticas de linguagem que devem ser 
abordadas, sobre os saberes e habilidades implicados em sua apropriação.” Na elaboração de uma proposta 
curricular para a linguagem oral e escrita deve-se levar em conta, também, a progressão, ou seja, a ordem 
temporal que deve seguir o processo de aprendizagem. Há uma tripla ordem temporal: a que se define em 
função dos objetivos propostos para cada série escolar, a que se destina às finalidades de cada ciclo e, ainda, 
à referente a cada unidade de ensino. A elaboração do currículo progressivo deve fundamentar-se na premissa 
vigotskiana de que a aprendizagem alavanca o processo de desenvolvimento das funções superiores dos 
sujeitos, incluindo, aqui, a linguagem.Para a organização do trabalho, os professores devem levar devem partir 
de três fatores: “as especificidades das práticas de linguagem que são objeto de aprendizagem, as capacidades 
de linguagem dos aprendizes e as estratégias de ensino propostas pela sequência didática”. 
As sequências didáticas referem-se aos módulos de ensino dispostos sequencialmente a fim de levar o aluno 
a alcançar, ao final do processo, os objetivos propostos no planejamento pedagógico.O desenvolvimento das 
capacidades lingüísticas das crianças se constitui, em parte, por um processo de reprodução de modelos 
socialmente legitimados. Estratégias sistemáticas e intencionais do processo de ensino-aprendizagem são 
necessárias para garantir o domínio desses instrumentos sociais por parte dos aprendizes. Cabe, portanto, à 
escola, e aos professores, essa tarefa. Que critérios utilizar para a elaboração e desenvolvimento do processo 
de ensino-aprendizagem das expressões orais e escritas, na escola? “Nesse processo, o critério a privilegiar 
para tomar decisões é o da validade didática: as possibilidades efetivas de gestão do ensino proposto, a 
coerência dos conteúdos ensinados, assim como os ganhos de aprendizagem.” 
O gênero é (...) utilizado como meio de articulação entre as práticas sociais e os objetos escolares, mais 
particularmente no domínio do ensino da produção de textos orais e escritos”.As práticas sociais se dão nas 
relações que os sujeitos estabelecem ente si (relações sociais) de diferentes formas, sendo a linguagem uma 
delas. As diferentes expressões orais e escritas, suas formas, estilos, funções emergem das práticas sociais e 
se materializam em diferentes tipos de textos ou, em palavras mais técnicas, gêneros lingüísticos. É na escola 
que as expressões lingüísticas usadas nas práticas sociais são apropriadas pelas crianças. Esse processo de 
apropriações ocorre através dos diferentes gêneros lingüísticos. Ao ser transposto ao ambiente escolar, o 
gênero é, além meio de comunicação, objeto de ensino-aprendizagem, transformando-se, portanto, em gênero 
escolar. O autor destaca três vertentes de práticas pedagógicas que enfocam um dos aspectos constitutivos do 
processo de apropriação da linguagem: a) desaparecimento da comunicação que resulta da redução dos 
gêneros em objetos de ensino esvaziados de suas funções sociais; b) a escola como lugar de comunicação, 
vertente na qual a própria instituição é tida como lugar de comunicação e, portanto, como espaço e finalidadeda produção e uso de textos; c) negação da escola como lugar específico de comunicação, abordagem que 
nega a escola como parte da prática social geral buscando, assim, transpor, de forma direta, as expressões orais 
e escritas utilizadas na sociedade para o interior da escola.Contrapondo-se a essas correntes que geram práticas 
limitadoras de ensino-aprendizagem da linguagem, o autor defende que os gêneros são “objeto e instrumento 
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de trabalho para o desenvolvimento da linguagem” . É apontada a necessidade de construir modelos 
didáticos de gêneros a partir dos quais seja possível elaborar sequências didáticas que possibilitem a 
apropriação dos gêneros pelas crianças sendo necessário o estudo das dimensões passíveis de serem ensinadas 
a respeito de cada gênero lingüístico. Para tanto, o autor propõe três princípios orientadores da elaboração 
desses modelos: a) legitimidade: que consiste em analisar os conhecimentos produzidos pelos especialistas 
sobre os gêneros; b) pertinência: refere-se “às capacidades dos alunos, às finalidades e aos objetivos da escola, 
aos processos de ensino-aprendizagem” ; c) solidarização: tornando “coerentes os saberes em função dos 
objetivos visados” . 
Dolz e Schneuwly, propõem a sequência didática como uma estratégia adequada para elaboração do processo 
de ensino-aprendizagem, compreendendo “um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira 
sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” . É sugerido um modelo de sequência didática 
contendo quadro momentos distintos mas articulados e interdependentes que serão apresentados a seguir. 
1. Apresentação da situação: essa etapa é crucial pois é aqui que serão definidos o contexto, a forma e conteúdo 
do gênero a ser estudado e produzido envolvendo duas ações. A primeira refere-se a situação de comunicação 
e a escolha do gênero e a segunda diz respeito aos conteúdos a serem trabalhados. Para ajudar na preparação 
da primeira ação, são apresentadas 4 questões que devem necessariamente, serem respondidas: “Qual é o 
gênero que será abordado? A quem se dirige a produção? Que forma assumirá a produção? Quem participará 
da produção?” . A segunda dimensão refere-se ao tema e possíveis subtemas que serão abordados. 
2. Primeira produção: Os alunos farão uma produção oral ou escrita dependendo do gênero que será 
trabalhado. Essa produção tem uma dupla importância: para os alunos será o momento de compreender o 
quanto sabem do gênero e do assunto a serem estudados e, ainda, se entenderam a situação de comunicação à 
qual terão de responder; para os professores tem o papel de analisar o que os alunos já sabem, identificar os 
problemas lingüísticos do gênero que deverão ser enfocados e definir a sequência didática. 
3. Módulos: A quantidade e conteúdo dos módulos de ensino devem ser definidos de acordo com as 
informações colhidas pelo professor da primeira produção dos alunos. Cada módulo deve contemplar 
problemas específicos do gênero em questão a fim de garantir melhora dos alunos na compreensão e uso da 
expressão oral ou escrita estudada. 
4. Produção final: Após o processo os alunos deverão realizar uma produção que demonstrará o domínio 
adquirido ao longo da aprendizagem acerca do gênero e do tema propostos e permitirá ao professor avaliar o 
trabalho desenvolvido.Os autores esclarecem, contudo, ao final do texto, que “as sequências devem funcionar 
como exemplos à disposição dos professores. Elas assumirão seu papel pleno se os conduzirem, através de 
formação inicial ou contínua, a elaborar, por conta própria, outras sequências.” 
Schneuwly propõe que o trabalho da linguagem oral assuma uma outra dimensão na instituição escolar 
objetivando levar os alunos de uma oralidade espontânea a uma expressão oral gestada, ou seja, pensada e 
planejada intencionalmente pelos sujeitos em interlocução. Essa mudança do rumo que adquire a oralidade 
pressupõe uma certa ficcionalização, ou seja, uma elaboração abstrata de situações envolvendo quatro 
parâmetros: “enunciador, destinatário, finalidade ou objetivo, lugar social” . 
Dolz e Schneuwly têm o intuito de constituir a expressão oral em objeto de ensino em função da centralidade 
que ele ocupa nas práticas sociais desde a mais tenra idade até a fase adulta. Para tanto, é imprescindível 
definir, clara e objetivamente, quais são as características da linguagem oral que devem ser ensinadas. A partir 
da sua definição é possível traçar estratégias de ensino mais adequadas para o desenvolvimento das habilidades 
orais dos alunos.A primeira dimensão do oral é de que ele consiste numa linguagem falada com entonação, 
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acentuação e ritmos próprios envolvendo um aparelho fonador interligado com o aparelho respiratório, 
através dos quais se emitem sons articulados em fonemas (vogais e consoantes) combinados de modo a 
formarem sílabas. O oral pode ir do espontâneo que consiste numa fala improvisada diante de uma situação 
imediata vivenciada à escrita oralizada referente à vocalização de um texto escrito através da leitura ou do 
recital. A oralidade tem como marca, também, a linguagem corporal, através de mímicas, gestos, expressões 
faciais. 
Outra questão a considerar é da relação entre oral e escrita. A linguagem, para os autores é um sistema global 
que envolve tanto a oralidade e a escrita. O que define qual expressão será usada (oral ou escrita) é a situação 
comunicacional na qual se está inserido. Assim, tomar o oral como objeto de ensino pressupõe que se conheça 
e compreenda as práticas orais e os saberes e linguísticos nelas implicados. Toda relação comunicacional 
produz um texto entendido como “uma unidade de produção verbal que veicula uma mensagem organizada 
linguisticamente e que tende a produzir um efeito de coerência sobre seu destinatário.” Selecionar diferentes 
textos (orais) utilizados socialmente tornará o ensino mais significativo para os alunos e professores. Além da 
expressão oral propriamente dita, os autores consideram que a outra dimensão dessa expressão lingüística – a 
oralização da escrita – também é importante na apropriação por parte dos alunos das práticas e atividades 
lingüísticas socialmente construídas e legitimadas pela sociedade. Sugere-se, assim, também o trabalho com 
recitação, teatro e leitura para os outros. 
O papel da escola, para os autores, é o de instruir mais do que de educar a escolha dos textos deve-se recair, 
sobretudo, nos de caráter público formal, ou seja, aqueles frutos (e utilizados) de situações públicas formais 
(conferência, debate, entrevista jornalística, entre outros). Além disso, as expressões orais utilizadas nas 
situações públicas convencionais são mais complexas e requerem uma intervenção didática intencional para 
que seja possível sua apropriação e uso consciente e intencionalmente.Cabe ao professor, portanto, conhecer 
os gêneros orais oriundos de situações públicas formais e fim de transformá-los em objetos de ensino através 
de sequências didáticas 
Os autores propõem a construção de narrativas de enigma (narrativa de um crime e seu processo de 
investigação). A escolha desse gênero fundamenta-se no fato de que, para escrever um texto desse tipo é 
necessário buscar compreender como ele se estrutura a fim de seguir seu “modelo” objetivando construir a 
narrativa 
Partindo da constatação de que a exposição oral, sobretudo o seminário, é muito utilizada nas salas de aula, 
os autores, com base em pesquisas realizadas, afirmam que, contudo, ele não se configuracomo objeto de 
ensino. Assim, não há um trabalho sistemático e intencional cujo objetivo seja possibilitar aos alunos a 
apropriação das características próprias desse gênero oral a fim de melhorar seu desempenho nas exposições 
orais.Diante desse diagnóstico, os autores defendem que as exposições orais sejam utilizadas, na escola, como 
meio de comunicação e, também, como objeto de ensino. 
A exposição oral é um texto de caráter público e formal onde um sujeito transmitirá, de forma estruturada, 
informações acerca de um tema que domina a uma platéia com pré-disposição para aprender. O ensino desse 
gênero oral deve levar em consideração dimensões inerentes a ele: capacidade de comunicação, conteúdo 
específico e procedimentos linguísticos e discursivos. A situação de comunicação deve ser objeto de análise: 
qual o tema, quais as problemáticas serão abordadas na exposição, quem são os interlocutores, o que eles já 
sabem sobre o tema, quais as conclusões as quais deve-se chegar.O estudo do conteúdo a ser exposto também 
deve ser alvo de discussão. 
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Os alunos devem procurar diversas fontes e utilizar, caso necessário, de gráficos, tabelas, enfim, do 
repertório de fontes como apoio à exposição do tema.Após, passe-se à organização interna da exposição 
também considerando sete fases: abertura, introdução ao tema, apresentação do plano da exposição, 
desenvolvimento e encadeamento dos temas, recapitulação e síntese, conclusão e encerramento. 
Uma outra proposta é o debate público 
Os autores apresentam três tipos de debate que se pode trabalhar: 
1.de opiniões: aqui as crianças são levadas a colocar sua opinião e justificá-la a respeito de um tema sem, 
contudo, seja necessário chegar a uma conclusão; 
2. deliberativo: aqui o que direciona o debate e a argumentação é a necessidade de se tomar uma decisão; 
3.para resolução de problemas: a discussão do problema e suas possíveis soluções é o centro do trabalho.Após 
a definição do tipo de debate a ser estudado, parte-se para a escolha do tema que deve levar em conta: os 
interesses dos alunos, a complexidade e saberes dos alunos sobre o tema, a relevância social, capacidade 
didática.Enfim, chega-se à questão das formas de se tratar o conteúdo do debate. Nessa fase, sugere-se que 
sejam trabalhados temas cujos argumentos podem ser buscados no conteúdo das disciplinas que estão sendo 
desenvolvidos e buscar outras fontes, preferencialmente orais, de aumentar o repertório dos alunos acerca do 
assunto. Deve-se atentar, também, para questões de ordem prática que envolvem o ensino da oralidade na 
escola: duração da sequência didática e de seu conteúdo em função do nível de desenvolvimento que os alunos 
estão; inserir, no projeto de classe, trabalhos com oralidade; buscar formas para registrar esses trabalhos 
(gravação: só da fala ou com imagens); proporcionar aos alunos contato com modelos de expressões orais de 
caráter público formal.No ensino das expressões orais, na escola, o papel do professor é primordial visto que, 
ao mesmo tempo, ele precisa gerenciar duas dimensões articuladamente: criar uma situação de comunicação 
motivadora e enriquecedora e desenvolver, nos alunos, suas capacidades argumentativas. Ao longo e ao final 
do processo é necessário, ainda, que o professor avalie tanto seu próprio trabalho como gestor do ensino bem 
como os trabalhos realizados pelos alunos que expressam o grau de desenvolvimento por eles alcançado. 
 
5-MARCUSCHI, L. A. Produção Textual Análise de Gêneros e Compreensão. São Paulo: 
Parábola, 2008. 
 
 
 
6- POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas/SP: Mercado das 
Letras, 1996. 
 
Este livro tem basicamente duas origens, ambas um pouco antigas, e sua estrutura as reflete ainda. Ele vem de 
dois textos menores que, por sua vez, resultaram de pequenos desafios propostos a mim por outros 
pesquisadores. Os dois desafios têm mais ou menos a mesma data, ou, é o que importa, a mesma datação 
intelectual e ideológica. Não há, entre um e outro, mudança de posição de minha parte, no que se refere aos 
temas em questão. Aliás, minha posição em relação a esses temas é mais ou menos a mesma há quinze anos, 
e é exatamente por isso que decidi transformar aqueles dois textos em livro. 
 
Acho que foi em 1982. No Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, como decorrência da criação do 
curso de Letras, isto é, do ingresso de alunos que seriam por hipótese professores de Português nas escolas de 
primeiro e/ou segundo graus (até então só funcionava no Departamento que deu origem ao Instituto um 
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bacharelado em linguística), veio à baiIa a questão da necessidade ou não de haver, no currículo de letras, 
disciplinas de ensino de gramática normativa. Até então, no bacharelado em linguística, e no currículo qne o 
curso de letras herdava daquele bacharelado, elas não existiam. Supunhase, por um lado, que os alunos já 
tinham estudado suficientemente as gramáticas tradicionais, e era chegada a hora de eles aprenderem a analisar 
fatos de língua segundo outras teorias, mais sofisticadas. Por outro lado, muitos dos professores do 
Departamento de Linguística estávamos convencidos, já, de que ensinar língua e ensinar gramática são duas 
coisas diferentes. E achávamos que nosso trabalho era formar professores que ensinassem língua, e não 
professores de gramática. Além disso, achávamos que ensinar mais gramática tradicional era de certa forma 
inútil, dado que até nossos privilegiados alunos ainda achavam que deviam ter aulas da matéria, após cerca de 
dez anos de estudos! Alguns alunos entendiam a questão da mesma forma. Outros insistiam que não sabiam 
gramática e que deveriam aprendê-la para poder ensiná-la nas escolas. Por essas duas razões, tal conteúdo 
deveria ser contemplado no currículo. Houve seminários sobre a questão, com alunos e professores 
participando de discussões (às vezes, bate-bocas) bastante animadas. 
 
Um dia, num encontro casual, o professor Roberto Schwartz me perguntou em que tipo de discussão estávamos 
metidos, afinal, no caso do ensino de gramática. Queria saber como os linguistas viam essa história do padrão 
linguístico e da gramática, inclusive porque, a seu ver, percebia-se a falta de um conhecimento mínimo de tais 
questões nos trabalhos que os alunos escreviam sobre textos literários. Tentei dizer-lhe, em poucas palavras, 
o que alguns de nós pensávamos e dizíamos, entre nós e nos seminários. Ele me propôs, então, que escrevesse 
um texto "inteligente" sobre a questão. Sugeriu-me até o título, "Gramática e política". Disse-me que, se o 
texto ficasse bom, ele tentaria fazê-lo passar no Conselho Editorial da revista Novos Estudos Cebrap. Suponho 
que ele tenha gostado, pois o texto saiu naquela revista, no volume 2, n° 3, de 1983. Cerca de um ano depois, 
ao organizar seu livro O texio na sala de aula, J. W. Geraldi incluiu "Gramática e política". 
 
Passado mais um ano, em reuniões com a equipe da CENP (um órgão ligado à Secretaria de Educação do 
Estado de São Paulo) para negociar a participação de alguns professores do Departamento de Linguística do 
Instituto de Estudos da Linguagem no Projeto IPÊ, um membro daquela equipe declarou que o texto sobre 
gramática poderia ser algo como o meu "Gramática e política", mas numa linguagem um pouco mais acessível 
aos professores da rede. Rodolfo Ilari e eu, então, escrevemos essa nova versão, que foi publicada pela 
secretaria da Educação do Estado de São Paulo, com o título de Português e ensino de gramática,em 1985. 
 
Acho que foi em I984, quem sabe em 1983. Um dia, o professor Mercer, do Departamento de Letras da 
Universidade Federal do Paraná, convidou-me para participar de um ciclo de palestras que ele coordenava, 
em Curitiba, sobre linguística e ensino de português. Disse-me ao telefone que, em primeiro lugar, esperava 
que eu aceitasse e, em segundo, que eu fosse a Curitiba para dizer que não havia nenhuma relação entre as 
duas coisas. Eu lhe disse que aceitava e que ia a Curitiba para dizer que havia uma relação importante entre 
as duas coisas, mas, de qualquer forma, eu esperava surpreendê-lo com meu discurso. É que eu imaginava, já, 
como resultado de algumas leituras e muitas conversas com colegas, como consequência de debates 
relativamente numerosos com professores de segundo grau e de faculdades do interior, e também, relevante 
mente, de uma posição política clara (modestamente, ainda penso isso) em relação à questão, que as principais 
contribuições da linguística para o ensino da língua não têm muito a ver com a introdução de gramáticas 
melhores na escola (embora isso seja eventualmente de enorme interesse), mas, fundamentalmente, com a 
colocação em cena de atitudes diversas dos professores em relação ao que sejam uma língua e seu processo 
de aprendizado (ou aquisição). Basicamente, tratava-se de eliminar preconceitos e de redizer algumas coisas 
óbvias sobre o funcionamento real da linguagem na vida real dos falantes, insinuando que esse uso real é o 
que deve ser priorizado na sala de aula. Não sei se consegui surpreender o professor Mercer ou qualquer outra 
pessoa. O que fiz foi extrair das principais correntes de estudos de linguagem, que eu conhecia de algum modo, 
um conjunto de enunciados resumidores (quase slogans) e atitudes pedagógicas correspondentes. Um ano 
depois, mais ou menos, fui convidado a participar de uma mesa redonda num Seminário do Grupo de Estudos 
Linguisticos do Estado de São Paulo (GEL), e, para a ocasião, escrevi um texto que chamei de "Para um novo 
perfil do professor de português". Nesse texto, eu falava de cinco princípios indispensáveis para que o ensino 
de língua materna fosse bem sucedido. Na verdade, eu queria dizer que eram coisas que todos os alunos de 
letras deveriam aprender nas universidades, e que isso era bastante fácil de fazer. Bastava ler uns dez artigos 
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bem escolhidos. Falei muito sobre isso, nos anos subsequentes, para plateias diversas, e os cinco princípios 
acabaram se transformando em dez. Uma espécie de decálogo do professor de português, que, aliás, Giraldi 
incluiu em sua nova versão de O texto na sala de aula (São Paulo, Ática). 
 
Pois bem, esse é o desenvolvimento desses dois textos antigos, apresentados na ordem inversa da apresentação 
feita aqui de sua história. Tal desenvolvimento se deve crn grande parte ao fato de que fui arranjando 
argumentos para defender tais princípios em numerosas apresentações e discussões que já fiz em vários lugares 
e para variadas plateias. Eu precisava convencer os outros e, às vezes, me defender deles. 
 
Fica implícito, assim, que este livro não trata de problemas de ordem textual. Mas, de fato, acho que é nesse 
"nível", o do texto, que residem os principais problemas escolares, na disciplina dedicada ao ensino de língua 
materna. Aqui, minha contribuição ao desenvolvimento das capacidades de domínio do texto por parte dos 
alunos é apenas indireta: se diminuir na escola o espaço da gramática, poderá aumentar automaticamente o do 
texto. Além do mais, parece que no "nível" da textualidade as regras são menos claras ou gerais; pelo menos, 
seu estudo está ainda menos desenvolvido, embora já tenhamos boa e numerosa produção sobre o tema. Mas, 
não o tomarei aqui como objeto. 
 
 Na primeira parte, aquelas dez teses básicas são apresentadas e relativamente justificadas. Na segunda parte, 
estão expostos os conceitos de gramática relevantes para uma proposta de ensino, e seu lugar na escola é, 
tentativamente, desenhado. Quem conhece o texto como Ilari e eu o publicamos pela CENP verificará que 
algumas passagens permaneceram praticamente como estavam. Espero que ele ainda acredite no que 
escrevemos há dez anos. 
 
Qualquer leitor poderá ver que se trata de um livro de divulgação. Como disse acima, trata-se de coisas velhas, 
óbvias, elementares. Sinto-me à vontade para publicá-las apenas porque percebo, quando falo sobre esses 
temas, que, para muitos pessoas, o que aqui se poderá ler é, ao mesmo tempo, de alguma forma, novo e, além 
disso, de interesse. 
PRIMEIRA PARTE 
INTRODUÇÃO 
 
A primeira parte deste livro apresenta um conjunto de teses correntes em linguística, seguidas de pequenas 
justificativas. Não se trata de aumentar o conhecimento técnico de ninguém a respeito do português. Trata-se 
de um conjunto de princípios, um tanto díspares entre si (as tarefas de ensino exigem que se compatibilizem 
conhecimentos díspares), destinado mais a provocar reflexão do que a aumentar o estoque de saberes. Tenho 
a convicção de que, se o conhecimento técnico de um campo é fundamental na maior parte das especialidades, 
talvez o mesmo não valha (pelo menos da mesma forma) para o professor de língua materna. Mais que o saber 
técnico, um conjunto de atitudes derivadas dos saberes acumulados talvez resulte em benefícios maiores, por 
razões que, espero, ficarão claras abaixo. Inclusive porque, a rigor, sem estas atitudes, sequer seria possível 
um conhecimento de tipo científico, isto é, um aumento de saber técnico, quando se trata de linguagem. É que 
este conhecimento também exige rupturas com princípios que fundamentam o tipo de saber anteriormente 
aceito. 
 
Uma decisão que considero importante, no domínio do ensino de língua materna, é que não se façam 
experiências. Sou absolutamente contrário a transformar alunos em objeto de experimentos com teorias novas. 
É que, se o experimento fracassa, não se de desperdiçam amostras de materiais, mas de pedaços de vidas, 
pates de projetos dos alunos, às vezes vidas e projetos inteiros. Por isso, as teses que exporei aqui são todas 
óbvias. Nenhuma delas é recente, inclusive. Trata-se de aquisições bastante sólidas da linguística deste século 
(até do anterior, às vezes). Se elas ainda precisam ser ditas é porque, por razões que seria interessante 
explicitar, elas não são difundidas. De fato, não há, por exemplo, divulgação de descobertas "científicas" no 
domínio das línguas. Ou se divulgam curiosidades anedóticas ou se repetem sempre apenas as teses 
conservadoras e normativas. 
 
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Frequentemente, pesquisadores são chamados para falar a professores, na esperança de que aqueles 
apresentem a estes um programa de ensino que funcione. Em certas circunstâncias, espera-se que tal programa 
funcione sem qualquer outra mudança na escola e nos professores. Espera-se que os especialistas tragam 
propostas "práticas". Em geral, um pesquisador não fornece tais programas. Nem adiantaria fazê-lo. É que, 
para que o ensino mude, não basta remendar alguns aspectos. É necessário uma revolução. No caso específico 
do ensino de português, nada será resolvido se não mudar a concepção de língua e de ensino de língua na 
escola (o que já acontece em muitos lugares, embora às vezes haja discursos novos e uma prática antiga). 
 
Seguem-se, pois, teses básicas em relação ao problema do ensino de língua materna. Se as teses fossem 
transformadas em práticas, muitas das atividades atuais seriam substituídas. Se as teses expressarem verdades,sua aplicação resultará em considerável melhoria do ensino. 
 
O PAPEL DA ESCOLA É ENSINAR LÍNGUA PADRÃO 
 
É importante que este tópico fique claro, e esteja na memória do leitor, quando estiver eventualmente achando 
estranha alguma das teses seguintes. Talvez deva repetir que adoto sem qualquer dúvida o princípio (quase 
evidente) de que o objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou, talvez mais exatameme, o de criar 
condições para que ele seja aprendido. Qualquer outra hipótese é um equívoco político e pedagógico. A tese 
de que não se deve ensinar ou exigir o domínio do dialeto padrão dos alunos que conhecem e usam dialetos 
não padrões baseia-se em parte no preconceito segundo o qual seria difícil aprender o padrão. Isto é falso, 
tanto do ponto de vista da capacidade dos falantes quanto do grau de complexidade de um dialeto padrão. As 
razões pelas quais não se aprende, ou se aprende mas não se usa um dialeto padrão, são de outra ordem, e têm 
a ver em grande parte com os valores sociais dominantes e um pouco com estratégias escolares discutíveis. 
Vou expandir um pouco e justificar as afirmações acima. Antes, preciso dizer que considero que estamos todos 
de acordo sobre um ponto: que o problema do ensino do padrão só se põe de forma grave quando se trata do 
ensino do padrão a quem não o fala usualmente, isto é, a questão é particularmente grave em especial para 
alunos das classes populares, por mais que também haja alguns problemas decorrentes das diferenças entre 
fala e escrita, qualquer que seja o dialeto (mas, insisto sobre a hipótese de que, provavelmente, tais problemas 
sejam mais de tipo textual do que de tipo gramatical). 
 
Como toda a boa tese, a que estou defendendo aqui é afirmada contra alguma outra, real ou hipotética, às 
vezes atribuída aos linguistas. Dentre as que defenderiam que a função da escola é ensinar português padrão, 
aquelas que vale a pena comentar são basicamente duas. Uma é de natureza político-cultural. Outra, de 
natureza cognitiva. 
 
A tese de natureza político-cultural diz basicamente que é uma violência, ou uma injustiça, impor a um grupo 
social os valores de outro grupo. Ela valeria tanto para guiar as relações entre brancos e índios quanto para 
guiar as relações entre — para simplificar um pouco — pobres e ricos, privilegiados e "descamisados". Dado 
que a chamada língua padrão é de fato o dialeto dos grupos sociais mais favorecidos, tornar seu ensino 
obrigatório para os grupos sociais menos favorecidos, como se fosse o único dialeto válido, seria uma violência 
cultural. Isso porque, juntamente com as formas linguísticas (com a sintaxe, a morfologia, a pronúncia, a 
escrita), também seriam impostos os valores culturais ligados às formas ditas cultas de falar e escrever, o que 
implicaria em destruir ou diminuir valores popu1ares. O equívoco, aqui, parece-me, é o de não perceber que 
os menos favorecidos socialmente só têm a ganhar com o domínio de outra forma de falar e escrever. Desde 
que se aceite que a mesma língua possa servir a mais de uma ideologia, a mais de uma função, o que parece 
hoje evidente. 
 
Isso poderia parecer óbvio, mas é aqui que começa a funcionar o outro equívoco, o de natureza cognitiva. Ele 
consiste em imaginar que cada falante ou cada grupo de falantes só pode aprender e falar um dialeto (ou uma 
língua). Dito de outra maneira: a defesa dos valores "populares" suporia que o povo só fala formas populares, 
e que elas são totalmente distintas das formas utilizadas pelos grupos dominantes. O que vale para formas 
linguísticas valeria para outras formas de manifestação cultural. A hipótese supõe também que o aprendizado 
de uma língua ou de um dialeto é uma tarefa difícil, ou, pelo menos, difícil para certos grupos ou para certas 
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pessoas. Ora, todas as evidências vão no sentido contrário. Qualquer pessoa, principalmente se for criança, 
aprende com velocidade muito grande outras formas de falar, sejam elas outros dialetos ou outras línguas, 
desde que expostas consistentemente a elas. Em resumo, aprender outro dialeto é relativamente fácil. Portanto, 
nenhuma das razões para não ensinar o dialeto padrão na escola têm alguma base razoável. 
 
Em que consistiria o domínio do português padrão? Do ponto de vista da escola, trata-se em especial (embora 
não só) da aquisição de determinado grau de domínio da escrita e da leitura. É evidentemente difícil fixar os 
limites mínimos satisfatórios que os alunos deveriam poder atingir. Mas, parece razoável imaginar, como 
projeto, que a escola se proponha como objetivo que os alunos, aos 15 anos de vida e 8 de escola, escrevam, 
sem traumas, diversos tipos de texto (narrativas, textos argumentativos, textos informativos, atas, cartas de 
vários tipos etc.; pode-se excluir a produção de textos literários dos objetivos da escola, já que literatos 
certamente não se fazem nos bancos escolares; o máximo que se pode esperar é que eles aí não se percam) e 
leiam produtivamente textos também variados: textos jornalísticos, como colunas de economia, política, 
educação, textos de divulgação científica em vários campos, textos técnicos (aí incluído o manual de 
declaração do imposto de renda, por exemplo) e, obviamente, e com muito destaque, literatura. No final do 
segundo grau, deveriam conhecer a literatura contemporânea e os principais clássicos da língua. Seria bom 
que conhecessem também, nesse nível de formação escolar, pelo menos alguns dos principais clássicos da 
literatura universal, pelo menos nas edições condensadas. 
 
Para que as posições aqui defendidas façam sentido, é preciso antes ler claro que tal objetivo certamente não 
é atingido atuaImente, como regra, São relativamente poucos os alunos egressos do segundo grau que 
executam esses dois tipos de atividade com frequência e naturalidade. Mas, gostaria de deixar claro que não 
se está propondo um projeto inexequível, nem novo. É apenas o óbvio. O que proponho é que o óbvio seja 
efetivamente realizado. Uma das medidas para que esse grau de utilização efetiva da língua escrita possa ser 
atingido é escrever e ler constantemente, inclusive nas próprias aulas de português. Ler e escrever não são 
tarefas extras que possam ser sugeridas aos alunos como lição de casa e atitude de vida, mas atividades 
essenciais ao ensino da língua. Portanto, seu lugar privilegiado, embora não exclusivo, é a própria sala de aula. 
 
As razões pelas quais — às vezes — a escola fracassa na consecução desse objetivo são variadas. Como disse 
acima, as razões podem ser de ordem metodológica (pedagógica) ou decorrentes de valores sociais complexos. 
Alguns desses empecilhos podem ser destruídos na própria escola. 20 Outros, não. Alguns dos problemas que 
levam ao fracasso têm a ver com a forma como se concebem a função e as estratégias do ensino de língua. A 
única opção de uma escola comprometida com melhoria da qualidade do ensino está entre ensinar ou deixar 
aprender... Qualquer outra implica em conformar-se com o fracasso ou, pior, em atribuí-lo exclusivamente 
aos alunos. 
DAMOS AULAS DE QUE A QUEM? 
 
Pode-se discutir o grau de clareza necessário para a execução de projetos. Por exemplo, é certamente possível 
trabalhar bem em certos pontos de uma "linha de produção" sem conhecer o projeto global ou mesmo o 
produto final. Mas, é duvidoso que isso possa ser feito adequadamente quando se trata de escola e de alunos. 
Para que um projeto de ensino de língua seja bem sucedido, uma condição deve necessariamente ser 
preenchida, e com urgência: que haja uma concepção clara do que seja uma língua e do que seja uma criança 
(na verdade, um ser humano, de maneira geral). A melhor maneira de obter tal concepção sem ter que passarpor uma vasta literatura de linguística e de psicologia é ler meia dúzia de textos escolhidos. Se bem escolhidos 
e bem lidos, eles podem tomar-nos bons observadores dos fatos, em especial do que as crianças fazem 
diariamente ao nosso redor. Poderemos pensar o que quisermos das crianças, mas provavelmente não 
estaremos autorizados a dizer que elas, mesmo as menos dotadas do ponto de vista das condições materiais, 
são incapazes de aprender línguas. Todos podemos ver diariamente que as crianças são bem sucedidas no 
aprendizado das regras necessárias para falar. A maior evidência disso é que falam. Se as línguas são sistemas 
complexos e as crianças as aprendem, de uma coisa podemos ter certeza: elas não são incapazes. Podemos 
duvidar que as línguas sejam sistemas complexos? Quem tiver tal dúvida, que tente estudar qualquer uma 
delas, e verá como qualquer idéia contrária desaparecerá. Enquanto estes dois pontos não ficarem claros, 
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continuaremos reprovando na escola exatamente aqueles que a sociedade já reprovou, enchendo as salas 
especiais e curtindo o fracasso dos nossos projetos. 
 
Podemos utilizar alguns testes para saber que tipo de concepção temos do que seja uma língua. Por exemplo, 
quando o ex-ministro Magri produziu a forma "imexível", que se tornou conhecida e foi muito comentada, o 
que é que nós pensamos? Que ele era um ignorante porque disse uma palavra que não está no dicionário? Ou 
que pelo menos em uma coisa ele era bom? Convenhamos, ele errou muito nas suas funções de ministro. Na 
verdade, só mostrou virtudes no campo da derivação morfológica... De fato, a palavra "imexível" se deriva de 
"mexer" pelos mesmos caminhos pelos quais "intocável" se deriva de "tocar", por exemplo. Ora, sendo 
"intocável" indiscutivelmente uma palavra, deve-se concluir que a façanha de Magri consistia em seguir 
regras, e não em violá-las. Se uma palavra não está no dicionário, podemos pensar duas coisas: que a palavra 
não existe na língua ou que o dicionário tem deficiências. O fato de desconfiarmos de um dicionário revela, 
em princípio, uma visão mais adequada de língua do que o fato de desconfiarmos de (ou não percebermos) 
um processo gramatical produtivo. Se nossas perguntas são sempre sobre o que é certo ou errado, e se nossas 
respostas a essas perguntas são sempre e apenas baseadas em dicionários e gramáticas, isso pode revelar uma 
concepção problemática do que seja realmente uma língua, tal como ela existe no mundo real, isto é, na 
sociedade complexa em que é falada. Os dicionários e as gramáticas são bons lugares para conhecer aspectos 
da língua, mas não são os únicos e podem ate não ser os melhores. (Nos próximos capítulos, comentarei 
aspectos relevantes para uma concepção adequada de língua, tanto do ponto de vista de critérios mais 
científicos quanto do seu ensino.) 
 
A outra questão importante é a concepção do que seja um humano. Claro que se poderiam formular muitas 
perguntas sobre numerosos aspectos ou características do seres humanos. Mas, do ponto de vista do ensino (e 
do aprendizado) é apenas uma a questão verdadeiramente importante: como nós pensamos que os homens 
aprendem? Como os animais, ou de maneira diferente e específica? Uma forma mais sofisticada de formular 
esta questão talvez seja supor que nem tudo se aprende da mesma forma. Então, a pergunta seria: será que 
tudo o que os seres humanos aprendem é resultado das mesmas estratégias? Por exemplo, os processos 
utilizados para transformar alguém num bom goleiro, num bom cobrador de lances livres no basquete, ou para 
aprender a comer com faca e garfo sem atrapalhar-se são os meamos processos pelos quais aprendemos 
matemática e, principalmente, línguas? É provavelmente verdade que é necessário repetir exaustivamente 
certos movimentos para criar reflexos apurados num goleiro ou para ser um bom datilógrafo. Ou seja, há tipos 
de comportamentos que os seres humanos certamente adquirem de formas semelhantes às utilizadas pelos 
animais para adquirir certos comportamentos condicionados (realizar certas evoluções num circo, por 
exemplo). Mas há tipos de "comportamento" que os seres humanos adquirem de forma que poderíamos chamar 
de criativa, isto é, que não dependem de repetições numerosas, mas de hipóteses constantemente propostas e 
testadas pelo próprio aprendiz. 
 
Ter uma concepção clara sobre os processos de aprendizagem pode ditar o comportamento diário do professor 
de língua em sala de aula. Por exemplo, se ele dá aos alunos exercícios repetitivos (longas cópias, exercícios 
estruturais, preenchimento de espaços vazios etc.), é porque está seguindo (saiba ou não — daí a importância 
de ter ideias claras!) uma concepção de aquisição de conhecimento segundo a qual não há diferenças 
significativas entre os homens e os animais em nenhum domínio de aprendizagem ou de comportamento. 
 
Certamente, esta é a concepção dominante no Brasil. Mas, há fortes evidências de que é mais correto, o que 
seria também mais produtivo para a escola, aceitar que os homens aprendem certos tipos de coisas — em 
especial, línguas — sem treinamento. O que não quer dizer sem condições adequadas, dentre as quais, 
eventualmente, muito esforço e trabalho. Pense-se, por exemplo, na velocidade com que uma criança de três 
anos que tenha ido morar em um país estrangeiro aprende a língua local, apenas em contato com outras 
crianças, sem sequer ter tempo para ser treinada. 
 
Disse acima que basta observar cuidadosamente o quer as crianças fazem ao nosso redor para nos 
convencermos de que são criativas. Por exemplo: se realmente as ouvíssemos, jamais imaginaríamos que é 
necessário ensinar uma criança a fazer frases, porque veríamos que já sabem fazê-las, e muito menos 
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pensaríamos que só podemos lhes apresentar frases bem "simples", por que as ouviríamos produzindo 
numerosas frases bem mais complexas do que as que lhes oferecemos nos primeiros anos de escola, nos 
primeiros livros e nos primeiros exercícios. 
 
 
 
NÃO HÁ LÍNGUAS FÁCEIS OU DIFÍCEIS 
 
Uma das mais interessantes descobertas, do ponto de vista europeu, produzida pelas análises de numerosas 
línguas indígenas, isto é, línguas faladas nos continentes que os europeus "descobriram", é que não é verdade 
que existem línguas simplificadas, ou, para utilizar um termo mais corrente, primitivas. Era um lugar comum 
(pode ser que o seja ainda hoje, para muitos, por desinformaçao) imaginar que a civilização européia constituía 
progresso, melhoria, desenvolvimento, avanço. O ponto máximo até então atingido pela humanidade. Mesmo 
no século XIX, muito depois, portanto, do Iluminismo [no interior do qual se gestou essa ideia de progresso), 
ainda se imaginava, por influência das teorias correntes sobre a evolução, que as civilizações e as sociedades 
estavam submetidas a uma evolução similar à das espécies (talvez isso seja mais lamarckismo, mas, deixemos 
os detalhes de lado, por enquanto). Parecia óbvio pensar o seguinte: há povos atrasados, que mal conhecem o 
fogo e o tacape, que nem agricultores são. Parecia lógico pensar que, se são primitivos no que se refere a sua 
sobrevivência e a suas artes, deve ser porque ainda não desenvolveram "totalmente" as capacidades típicas 
dos seres humanos, vale dizer, a razão, a inteligência. Logo, devem falar uma língua primitiva, mais próxima 
dos grunhidos dos gorilas do que da sofisticação de uma língua como o gregos o latim, o inglês, o francês, o 
alemão. Ora, esse raciocínio só foi possível como decorrênciado desconhecimento das estruturas internas 
dessas línguas. Quando os próprios europeus analisaram as línguas indígenas, isto é, quando missionários e 
linguistas descreveram as gramáticas de tais línguas, fizeram descobertas surpreendentes (para os 
preconceituosos). Descobriram que línguas consideradas primitivas podem ser classificadas ao lado de línguas 
ditas civilizadas (segundo Mattoso Câmara, Hill afirma a existência de semelhanças estruturais entre o latim 
e o esquimó, Nida mostra que os processos morfológicos tornam "aparentadas" línguas como o latim, o 
sânscrito e o grego com o nwátal, do México e o haussá, da África, por exemplo). 
 
Afirmar que há línguas primitivas é um equívoco equivalente a afirmar que a Lua é um planeta, que o Sol gira 
ao redor dia Terra, que as estrelas estão fixas em uma abóbada. Tais equívocos foram correntes, mas hoje há 
um argumenlo forte contra eles: o conhecimento científico. Da mesma maneira, hoje sabemos que todas as 
línguas são estruturas de igual complexidade. Isto significa que não há línguas simples e línguas complexas, 
primitivas e desenvolvidas. O que há são línguas diferentes. Uma análise de qualquer aspecto de qualquer das 
línguas consideradas primitivas revelará que as razões que levam a este tipo de juízo não passam de 
preconceito e/ou de ignorância. Não é decente, neste domínio, basear-se no preconceito ou no "ouvi dizer". 
Hoje, a bibliografia sobre línguas do mundo á abundante: qualquer pessoa interessada pode descobrir que, há 
muito tempo, os estudiosos mostraram que é ridícula a ideia de que há línguas primitivas, só porque são faladas 
por povos pouco cultos, segundo nossos critérios — por exemplo, nào escrevem, não moram em prédios de 
apartamemos, não têm armas sofisticadas... De certa forma, essa revolução copernicana, no domínio das 
línguas, ainda não se tornou conhecida do grande público... 
 
A tese que rejeita a oposição primitivo versus civilizado é forte também em antropologia. Os estudiosos das 
chamadas comunidades primitivas mostraram convincentemente que elas são frequentemente diferentes das 
nossas, o que é mais ou menos óbvio, mas que é impossível mostrar que sejam simples, qualquer que seja o 
sentido dessa palavra. Isto é, o conjunto de leis e regras que governam seu funcionamento está longa de ser 
banal. Nada mais falso do que imaginar que sociedades "primitivas" têm organização mais semelhante ao de 
uma comunidade de animais que ao de uma sociedade civilizada. Mas, esta ainda é uma visão que perdura. 
 
A tese de que nao há línguas primitivas e civilizadas, ou seja, línguas simples e línguas complexas, tem uma 
aplicação didática imediata. É comum que alunos e ex-alunos justifiquem seu mau desempenho escolar no 
domínio da língua com uma desculpa do tipo: "Também, que língua difícil o português! Como tem regras! E 
as exceções, então!" Ora, esse tipo de afirmação é equivocada. Não resiste à menor análise. Nenhuma língua 
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tem um número de regras substancialmente diverso do de outra. O português é uma língua tão fácil que 
qualquer criança que nasce no Brasil (e em alguns outros lugares) a aprende em dois ou três anos. E é tão 
difícil que os gramáticos e linguistas não conseguem explicá-la na sua totalidade. E o mesmo vale para o 
chinês, o guarani, o alemão, o bantu, o japonês etc. A questão é exatamente igual em cada país ou para cada 
língua. (Não se deve confundir capacidade ou dificuldade de aprender uma língua com a de aprender a escrever 
segundo determinado sistema de escrita...) 
 
A ideia de que não há línguas piores do que outras pode talvez ser aceita com relativa facilidade, até porque 
não nos afeta diretamente. Ou, pelo menos, não nos afeta gravemente, exceto pela afirmação corrente sobre 
as dificuldades escolares que oferece. O mais problemático é analisar os dialetos da mesma forma. Mas, na 
verdade, o que vale na comparação entre línguas vale na comparação entre dialetos de uma mesma língua. 
Dialetos populares e dialeios padrões (ou cultos) se distinguem em vários aspectos, mas não pela 
complexidade das respectivas gramáticas. Ou seja, não há dialetos mais simples do que outros. O que há, 
também neste caso, são diferenças (aliás, nem tantas quanto às vezes se pensa). As diferenças mais importantes 
entre os dialetos estão menos ligadas à variação dos recursos gramaticais e mais à avaliação social que uma 
sociedade faz dos dialetos. Tal avaliação passa, em geral, pelo valor atribuído pela sociedade aos usuários 
típicos de cada dialeto. Ou seja: quanto menos valor (isto é, prestígio) têm os falantes na escala social, menos 
valor tem o dialeto que falam. 
 
Se não há línguas mais simples do que outras, se não há dialetos mais complexos nem mais simplificados do 
que outros, as conclusões óbvias são: a) não é mais difícil aprender um dialeto do que aprender outro; b) quem 
conhece um dialeto não é nem mais capaz nem mais incapaz do que quem conhece outro. Quem não acredita 
nessas conclusões poderia tentar: a) estudar um dos dialetos chamados simples, para verificar se redmente ele 
o é; b) analisar sem preconceito o desempenho de pessoas diferentes, cada uma em seu dialeto, para verificar 
se é verdade que há quem não saiba falar direito. 
 
TODOS OS QUE FALAM SABEM FALAR 
 
Pode ser que seja verdade que os sentidos nos enganam. Esta é uma antiga questão filosófica. O exemplo mais 
invocado para mostrar como o que vemos pode não estar acontecendo é a velha história de o Sol girar ao redor 
da Terra. É o que vemos, mas não é o que acontece. Nosso posto de observação é ruim, e assim nos enganamos. 
Se pudéssemos ver de fora, provavelmente não nos enganaríamos. Mas, se, em relação ao Sol e à Terra, 
acreditamos durante muito tempo que o que víamos era verdade, em relação às línguas nunca acreditamos 
muito no que ouvimos. Os grupos que falam uma língua ou um dialeto em geral julgam a fala dos outros a 
partir da sua e acabam considerando que a diferença é um defeito ou um erro. Daí pensarmos, em geral, que 
os outros não sabem falar. Ou, ainda mais gravemente, acabarmos convencidos de que nós também não 
sabemos falar, se falamos de forma um pouco diferente daqueles que são para nós os modelos de 
comportamento linguístico. O preconceito é mais grave e profundo no que se refere a variedades de uma 
mesma língua do que na comparação de uma língua com outras. As razões são históricas, culturais e sociais. 
Aceitamos que os outros (os que falam outra língua) falem diferente. Mas, não aceitamos pacificamente que 
os que falam ou deveriam falar a mesma língua falem de maneira diferente. 
 
Ora, se abríssemos os ouvidos, se encarássemos os fatos, eles nos mostrariam uma coisa óbvia: que todos os 
que falam sabem falar. Pode ser que falem de formas um pouco peculiares, que certas características do seu 
modo de falar nos pareçam desagradáveis ou engraçadas. Mas isso não impede que seja verdade que sabem 
falar. As crianças, a partir dos três anos (arredondemos, para simplificar), falam durante muitas horas por dia. 
Ora, não poderiam fazer isso se não soubessem fazê-lo. As crianças brasileiras falam o dia todo em português 
(e não em chinês, alemão etc.). Logo, sabem português. Os brasileiros cuja situação social e econômica não 
lhes permitiu que estudassem muitos anos (às vezes, nenhum) falam o tempo todo. É claro, falarão como se 
fala nos lugares em que eles nascem e vivem, e não como se fala em outros lugares ou entre outro tipo de 
gente. Logo, falam seus dialetos. Logo, sabem falar. 
 
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Qualquer um poderia objetar que todos falam, mas errado. Por ora, diria que a definição de erro é um 
problema complexo, e não apenas uma questão de norma gramatical da língua escrita. Para antecipar um pouco 
uma reflexão que deverá ser feita adiante, diria que os erros que condenamos só são erros se o critério de 
avaliação for externo à língua ou ao dialeto, ou seja, se o critério for social. Mas, se adotássemos esse critério 
para todos os casos, deveríamos também concluir que são erros todos os modos diferentes de falar, mesmo os 
que são típicos de outras línguas. 
 
Saber falar significa saber uma língua. Saber uma língua significa saber uma gramática. (Oportunamente, 
esclareceremos melhor alguns conceitos de gramática). Saber uma gramática não significa saber de cor 
algumas negras que se aprendem na escola, ou saber fazer algumas análises morfológicas e sintáticas. Mais 
profundo do que esse conhecimento é o conhecimento (intuitivo ou inconsciente) necessário para falar 
efetivamente a língua. As crianças, por exemplo, não estudam sintaxe de colocação antes de ir à escola, mas, 
sempre que falam sequências que envolvem, digamos, um artigo e um nome, dizem o artigo antes e o nome 
depois (isto é, nunca se ouve uma criança dizer "casa a", mas sempre se ouvem crianças dizerem "a casa" 
(pode ser até que elas digam "as casa", dependendo do dialeto que falam; pode ser que não gostemos disso; 
mas, temos que reconhecer que, mesmo nesse dialeto do qual eventualmente não gostamos, nunca se dirá nem 
"casa as", nem "a casas", o que não é pouca coisa). 
 
Resumidamente, poda-se dizer que saber uma gramática é saber dizer e saber entender frases. Quem diz e 
entende frases faz isso porque tem um domínio da estrutura da língua. Mesmo diante de uma frase 
"incompleta", por exemplo, o falante é capaz de fazer hipóteses de interpretação. 
 
Considere-se o seguinte exemplo, uma piada de um programa de TV: Uma personagem diz: — "Sua mãe está 
aí. Você não vai receber?" A outra responde: — "Receber por quê? Por acaso ela me deve alguma coisa?" 
 
Certamente, os falantes de português (mesmo aqueles alunos que tiram notas baixas) interpretam a primeira 
ocorrência de "receber" como se esse verbo fosse completado por "sua mãe" (ou "ela", "a", dependendo do 
dialeto). Isto é, interpretam a pergunta como se ela fosse: "Você não vai receber sua mãe?" Depois da fala da 
segunda personagem, quem ouve esta piada se dá conta de que o complemento de "receber" não é "a mãe", 
mas alguma coisa vaga, algo como "dívida", "dinheiro" etc. E também se dá conta de que se trata, então, de 
dois sentidos do verbo "receber" ('recepcionar', na primeira fala, e 'ter de volta', 'ganhar', 'ser pago', na segunda 
fala). Ora, esse tipo de saber é muito complexo e todos os falantes o possuem. Se ocorrer que alguns falhem 
na interpretação dessa piada, isso não significa que falharão em outros casos. O que pode mostrar que nem 
todos sabem tudo, mas todos sabem muito. 
 
Se entendermos dessa forma o que seja saber uma língua, podemos dizer, com absoluta consciência de 
estarmos dizendo a maior das verdades, que a escola de fato não ensina língua materna a nenhum aluno (pode 
ensinar uma língua estrangeira, dependendo da metodologia escolhida). A escola recebe alunos que já falam 
(e como falam, em especial durante nossas aulas!...). Se as línguas e dialetos são complexos — vimos esse 
tópico no capítulo anterior — e se os falantes os conhecem, já que os falam, então os falantes, inclusive os 
alunos em início de escolarização, têm conhecimento de uma estrutura complexa. Portanto, qualquer avaliação 
da inteligência do aluno com base na desvalorização de seu dialeto (isto é, medida apenas pelo domínio do 
padrão e/ou da escrita padrão) é cientificamente falha. A consequência a tirar é que os alunos que falam 
dialelos desvalorizados são tão capazes quanto os que falam dialetos valorizados, embora as instituições não 
pensem assim. 
 
 Não se conclua do que se disse acima que as escolas não teriam mais o que fazer, segundo este ponto de vista. 
A quem concluísse isso, relembraria a primeira tese defendida aqui: a função da escola é ensinar o padrão, em 
especial o escrito (relembre-se que foi dito acima que, na verdade, os grandes problemas escolares estão no 
domínio do texto, não no da gramática). Até porque, quando a escola ensina, o que ela ensina mesmo é a 
modalidade escrita dessa língua, mas não propriamente a língua. Inclusive, para ensinar a modalidade escrita, 
deve pressupor — e pressupõe de fato — um enorme conhecimento da modalidade oral. Ora, mesmo para 
ensinar "só" a escrita padrão, a escola tem tarefas imensas. Mas, deve-se reconhecer que são bem menores do 
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que seriam se os alunos não soubessem nem falar! No dia em que as escolas se dessem conta de que estão 
ensinando aos alunos o que eles já sabem, e que é em grande parte por isso que falta tempo para ensinar o que 
não sabem, poderia ocorrer uma verdadeira revolução. Para verificar o quanto ensinamos coisas que os alunos 
já sabem, poderíamos fazer o seguinte teste: ouvir o que os alunos do primeiro ano dizem nos recreios (ou 
durante nossas aulas), para verificar se já sabem ou não fazer frases completas (e então não precisaríamos 
fazer exercícios de completar), se já dizem ou não períodos compostos (e não precisaríamos mais imaginar 
que temos que começar a ensiná- los a ler apenas com frases curtas e idiotas), se eles sabem brincar na língua 
do "pê" (talvez então não seja necessário fazer tantos exercícios de divisão silábica), se já fazem perguntas, 
afirmações, negações e exclamações (então, não precisamos mais ensinar isso a eles), e assim quase ao infinito. 
Sobrariam apenas coisas inteligentes para fazer na aula, como ler e escrever, discutir e reescrever, reler e 
reescrever mais, para escrever e ler de forma sempre mais sofisticada etc. 
NÃO EXISTEM LÍNGUAS UNIFORMES 
 
Alguém que estivesse desanimado pelo fato de que parece que as coisas não dão certo no BrasiI e que isso se 
deve ao "povinho" que habita esse país (conhecem a piada?) poderia talvez achar que tem um argumento 
definitivo, quando observa que "até mesmo para falar somos um povo desleixado". Esse modo de encarar os 
fatos de linguagem é bastante comum, infelizmente. Faz parte da visão de mundo que as pessoas têm a respeito 
dos campos nos quais não são especialistas. Em outras palavras, é uma avaliação falsa. Mas, como existe, e 
como também é um fato social associado à linguagem, deve ser levado em conta. Por isso, para quem pretende 
ter uma visão mais adequada do fenômeno da linguagem, especialmente para os profissionais, dois fatos são 
importantes: a) todas as línguas variam, isto é, não existe nenhuma sociedade ou comunidade na qual todos 
falem da mesma forma; b) a variedade linguistica é o reflexo da variedade social e, como em todas as 
sociedades existe alguma diferença de status ou de papel entre indivíduos ou grupos, estas diferenças se 
refletem na língua. Ou seja: a primeira verdade que devemos encarar de frente é relativa ao fato de que em 
todos os países (ou em todas as "comunidades de falantes") existe variedade de língua. E não apenas no Brasil, 
porque seríamos um povo descuidado, relapso, que não respeita nem mesmo sua rica língua. A segunda 
verdade é que as diferenças que existem numa língua não são casuais. Ao contrário, os fatores que permitem 
ou influenciam na variação podem ser detectados através de uma análise mais cuidadosa e menos anedótica. 
 
Um dos tipos de fatores que produzem diferenças na fala de pessoas são externos à língua. Os principais são 
os fatores geográficos, de classe, de idade, de sexo, de etnia, de profissão etc. Ou seja: pessoasque moram em 
lugares diferentes acabam caracterizando-se por falar de algum modo de maneira diferente em relação a outro 
grupo. Pessoas que pertencem a classes sociais diferentes, do mesmo modo (e, de cena forma, pela mesma 
razão, a distância — só que esta é social) acabam caracterizando sua fala por traços diversos em relação aos 
de outra classe. O mesmo vale para diferentes sexos, idades, etnias, profissões. De uma forma um pouco 
simplificada: assim como certos grupos se caracterizam através de alguma marca (digamos, por utilizarem 
certos trajes, por terem determinados hábitos etc.), também podem caracterizar-se por traços linguísticos. Para 
exemplificar: podemos dizer que fulano é velho porque tem tal hábito (fuma cigarro sem filtro, por exemplo), 
ou porque fala "Brasil" com um "l" no final (ao invés de falar "Brasiu", com uma semivogal, como em geral 
ocorre com os mais jovens). Ou seja, as línguas fornecem meios também para a identificação social. Por isso, 
é frequentemente estranho, quando não ridículo, um velho falar como uma criança, uma autoridade falar como 
uma pessoa simples etc. Por exemplo, muitos meninos não podam ou não querem usar a chamada linguagem 
correta na escola, sob pena de serem objeto de gozação por parte dos colegas, porque em nossa sociedade a 
correção é considerada uma marca feminina. 
 
Também há fatores internos à língua que condicionam a variação. Ou seja, a variação é de alguma forma 
regrada por uma gramática interior da língua. Por isso, não é preciso estudar uma língua para não "errar" em 
certos casos. Em outras palavras, há "erros" que ninguém comete, porque a língua não permite. Por exemplo, 
ouvem-se pronúncias alternativas de palavras como caixa, peixe, outro: a pronúncia padrão incluiria a semi 
vogal, a pronúncia não padrão a eliminaria (caxa, pexe, otro). Mas nunca se ouve alguém dizer peto ou jeto 
ao invés de peito e jeito. Por que será que os mesmos falantes ora eliminam e ora mantém a semi vogal? 
Alguém pode explicar por que o i cai antea de certas consoantes e não diante de outras? Alguém pode explicar 
por que o u cai antes de t (otro) e o i não cai no mesmo contexto (peito, jeito)? Certamente, então, o tipo de 
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semivogal (i ou u) e a consoante seguinte são parte dos fatores internos relevantes para explicar esse fato 
que, de alguma forma, todo falante conhece. 
 
Outro exemplo: podem-se ouvir várias pronúncias, em vários lugares do país, do som que se escreve com a 
letra l em palavras como alguma: alguma, auguma, arguma. A variação também existirá em palavras como 
planta: planta ou pranta (mas nunca ouviremos puanta). Mai, o l será sempre um l em palavras coma lata. Ou 
seja: no fim da sílaba, ele varia; no meio, também (embora não com o mesmo número de variantes). Mas, no 
início, nunca. E isso vale para falantes cultos e incultos. 
 
Mais exemplos: poderemos ouvir "os boi", "dois cara", "Comédia dos Erro", mas nunca "o bois", "um caras" 
ou "Comédia do erros". Ouviremos muitas vezes "nós vai", mas nunca "eu vamo(s)". Assim, as variações 
linguísticas são condicionadas por fatores intemos à língua ou por fatores sociais, ou por ambos ao mesmo 
tempo. 
 
Alguns sonham com uma língua uniforme. Só pode ser por mania repressiva ou medo da variedade, que é uma 
das melhores coisas que a humanidade inventou. E a variedade linguística está entre variedades as mais 
funcionais que existem. Podemos pensar na variação como fonte de recursos alternativos: quanto mais 
numerosos forem, mais expressiva pode ser a linguagem humana. Numa língua uniforme talvez fosse possível 
pensar, dar ordens e instruções. Mas, e a poesia? E o humor? E como os falantes fariam para demonstrar 
atitudes diferentes? Teriam que avisar (dizer, por exemplo, "estou irritado", "estou à vontade", "vou tratá-lo 
formalmente")? 
 
E como produzir a uniformidade, se a variedade linguística é fruto da variedade social? Esta é uma questão 
sem dúvida interessante. Pesquisas feitas em vários países mostram que há uma diferença na fala de homens 
e de mulheres, por exemplo. A fala das mulheres é mais semelhante à norma culta do que a dos homens. Isso 
seria resultado de um comportamento linguístico mais "correto" por parte das mulheres, comportamento que 
resulta de valores que fazem com que esperemos comportamentos diferentes por parte de homens e de 
mulheres, sendo que esperamos comportamentos mais corretos (o que quer que sejam) por parte das mulheres. 
Comportar-se como homem, era nossa sociedade inclui ser menos correto do que uma mulher (menos gentiI, 
menos educado, mais descuidado). O resultado de tais valores é que, para um homem, falar corretamente é 
mais ou menos como usar uma saia, segundo ilustrativa comparação do sociolinguista inglês Peter Trudgill. 
 
O que fazer para uniformizar a linguagem de homens e mulheres? Não é necessário imaginar uma solução 
radical, como eliminar um dos sexos. Mas, poder-se-ia questionar seriamente os valores machistas que 
produzem esta diferença. Nesse sentido, uma discussão sobre valores sociais pode ser uma aula de português 
mais valiosa e frutífera do que uma aula com exercícios para eliminar gírias, regionalismos e solecismos. 
 
NÃO EXISTEM LÍNGUAS IMUTÁVEIS 
 
Uma das coisas que aprendemos na escola é que o português veio do latim. Ou seja, que o português é uma 
língua que não foi sempre o português, não foi sempre como é. Se estudássemos um pouco mais esse tipo de 
assunto, aprenderíamos que também o latim é uma língua que veio de outras línguas, e que o latim 
provavelmenie não foi a língua falada pelos primeiros seres humanos. Isto é: a) o latim não é uma língua 
totalmente pura; b) o latim também é uma língua que não permaneceu sempre igual a si mesma, qualquer que 
seja o estágio escolhido para análise; c) as coisas não terminam com um exemplo em latim. 
 
Os fatos, grosseiramente, são da seguinte ordem: 1) o latim nem sempre foi o latim de Cícero, César, Virgílio 
etc. Antes de sê-lo, foi uma língua "pouco cultivada". Em primeiro lugar, apenas falada; em segundo, falada 
principalmente por pessoas não cultas, pois não havia "no início" do latim tais pessoas cultas, como ocorreu 
mais tarde; 2) depois de ter sido língua de César, Cícero etc., o latim mudou tanto que, entre outras coisas, 
veio a ser o francês, o italiano, o espanhol, o português etc. 
 
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Ora, o que ocorreu com o latim não ocorreu por castigo ou por azar. Ocorreu com outras línguas, como o 
alemão, o inglês, o grego, o português. Na verdade, com todas as línguas. E continua ocorrendo. Não há língua 
que permaneça uniforme. Todas as línguas mudam. Esta é uma das poucas verdades indiscutíveis em relação 
às línguas, sobre a qual não pode haver nenhuma dúvida. 
 
Suponhamos que esta verdade fosse divulgada, que se soubesse desta característica das línguas como se sabe 
que a Terra gira ao redor do Sol, ou como se sabe que existem microorganismos que não vemos, mas que 
atuam, tanto que são responsáveis por doenças, ou pela fermentação. Sem eles não teríamos, por exemplo, 
paralisia infantil, aids (o que seria bom) e cerveja e champanhe (o que seria mau). Conhecida, esta verdade 
poderia, então, ter consequências, tanto no que se refere ao que pensamos sobre as línguas no dia-a-dia quanto 
em relação aos princípios adotados no seu ensino. Por exemplo, não há razão de ordem científica para exigir 
que alunos — ou outras pessoas — conheçam formas arcaicas, que nunca ouvem e que são raras mesmo nos 
textos escritos mais correntes.Dito de outro modo: se temos claro que as línguas mudam, fica claro também 
por que os falantes não conhecem certas formas linguísticas: é que elas não são mais usadas na época em que 
os falantes se tornam falantes. Se não são usadas, não são ouvidas. Se não são ouvidas (e ouvidas muitas 
vezes), não podem ser aprendidas. 
 
Nós nos acostumamos a pensar que há formas da língua que não são mais usadas, que só os dicionários 
registram e, por isso, são chamadas de arcaísmos. Mas, nos acostumamos também a pensar que os arcaísmos 
são sempre formas realmente antigas. Ora, isso é um engano. Há arcaísmos mais arcaicos do que outros. Há 
muitas formas que nós eventualmente pensamos que ainda são vivas, porque são ensinadas na escola e por 
isso são utilizadas eventualmente, mas, na verdade, já estão mortas, ou quase, porque não são mais usadas 
regularmente. Por exemplo, quem é que encontra falantes reais que utilizam sempre as regências de verbos 
como assistir, visar, preferir etc. como as gramáticãs mandam? O que estou sugerindo é que, de fato, devemos 
considerar formas como "assistir ao jogo" como arcaísmos e, consequentemente, formas como assistir o jogo 
como padrões, "corretas". Simplesmente por uma razão: no português de hoje, 'ser espectador de' se diz 
assistir, e não assistir a. E quem é que ouve falantes dizendo que lerão, dormirão, comerão? Se tais formas 
ocorrerem, ocorrerão [olha aí!) raramente, de preferência na escrita, e como consequência de um ensino 
explícito, quase como se se tratasse de formas de uma língua estrangeira. Ou seja, tais formas são a rigor 
arcaísmos, não se usam mais. Todos estão dizendo que "vão ler, vão dormir, vão comer". Por quê? Porque o 
português de hoje é assim, aprendemos a falar assim porque todos falam assim. Mesmo as pessoas cultas. É 
só ouvir suas entrevistas e discursos. 
 
A questão não é, entretanto, saber se há ou não alguém com autoridade (um gramático, por exemplo) dizendo 
que agora se pode dizer assim ou assado. Que agora falar assim ou assado está certo. O argumento interessante 
é de outra natureza, não o de autoridade. O que estou afirmando é que os fatos linguísticos são esses. E que 
contra tais fatos, não adianta espernear. Se nós espernearmos contra esses fatos, deveríamos espernear contra 
todas as formas de mudança, inclusive as que ocorreram nos séculos III, X, XII, XVII etc. Porque só os fatos 
de hoje são ruins e devem ser desprezados? E tem mais: tais fatos podem ser explicados. Além de poderem 
ser explicados, eles explicam, por sua vez, porque nossos alunos (ou nossos vizinhos) falam como falam. 
Além de, evidentemente, explicarem também porque nós mesmos falamos assim... Ou seja, explicam porque 
falar assim não é errado, mas é simplesmente falar segundo as regras da língua de hoje, do português vivo. Se 
pensássemos dessa forma em relação às línguas, sem defender, explícita ou implicitamente, que as formas 
antigas são as únicas corretas ou, pelo menos, que são melhores que as atuais, nossa pedagogia das línguas 
mudaria. Por exemplo, todos perceberíamos que gastar um tempo enorme com regências e colocações 
inusitadas é, a rigor, inútil. A prova é que a maioria dos que as estudam não aprende tais formas, ou, pelo 
menos, não as usa. 
 
Há boas justificativas para defender a hipótese de que o ensino de formas raras e arcaicas não deveria ser 
importante na escola. Mas, que fique claro: não se trata agora de incentivar um preconceito contra o domínio 
dessas formas "escorreitas". Não se trata de achar agora que aqueles que utilizam formas mais antigas é que 
estão errados. Traia-se apenas de não haver preconceito contra o domínio e a utilização das formas linguís 
ticas mais recentes, ou que mais recentemente se tomaram, de fato, o novo padrão. Ou, melhor dizendo, trata-
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se de aceitar que se utilizem também nos textos escritos formas linguísticas mais informais (o que não quer 
dizer aceitar todas), que em geral consideramos aceitáveis apenas na fala. A razão é que estas formas, na 
verdade, são hoje as corretas, são elas que constituem a língua padrão, porque já são faladas e escritas pelas 
pessoas cultas do país — coisa de que elas, eventualmente, não se dão conta. 
 
Haveria certamente muitas vantagens no ensino de português se a escola propusesse como padrão ideal de 
língua a ser atingido pelos alunos a escrita dos jornais ou dos textos científicos, ao invés de ter como modelo 
a literatura antiga. Falo em literatura antiga porque, na moderna, se nós a lêssemos, encontraríamos muitas 
formas condenadas pelas gramáticas. Seria certamente ridículo que condenássemos alunos por não utilizarem 
corretamente o verbo haver, e depois lêssemos na aula o célebre poema de Drummond que começa assim: 
"No meio do caminho tinha uma pedra/ tinha uma pedra, no meio do caminho...". Ou, mesmo que o prestígio 
literário do autor não seja igual ao de Drummond, seria estranho condenar um aluno por escrever (ou falar) 
como Chico Buarque: "Tem dias que a gente se sente/ como quem partiu ou morreu...". 
 
FALAMOS MAIS CORRETAMENTE DO QUE PENSAMOS 
 
Uma das frases mais correntes sobre alunos ou outros cidadãos pouco cultos é que falam tudo errado. Ela tem 
sido empregada tanto em relação a alunos quanto em relação a pessoas de certas classes sociais, ou de outras 
regiões do país. Não há nada mais errado do que pensar que aqueles de quem se diz que falam errado falam 
tudo errado. Nós já sabemos que a ideia segundo a qual se fala errado (quando não se fala como falamos ou 
como gostaríamos que se falasse) é uma ideia cientificamente problemática, para dizer o mínimo. Já vimos 
quanto preconceito há embutido nela. Mas, mesmo que admitíssemos que falar diferente seja falar errado, 
deveríamos, pelo menos, analisar os fatos para sermos objetivos na avaliação dos erros. Quais são mesmo os 
erros e quantos são? Qual é o percentual de formas erradas numa página escrita ou em quinze minutos de fala? 
A resposta só pode vir depois de uma análise. Fora disso, é preconceito, ou pura impressão. Equivocada, em 
geral. 
 
Quando ouvimos a fala de alguém, principalmente se se trata de alguém diferente de nós (mais pobre, mais 
ignorante, de outra região do país), certamente percebemos em sua fala algumas características que nos 
chamam a atenção. A algumas dessas características estamos acostumados a chamar de erros. A tentação será 
dizermos que Fulano fala tudo errado. Ou que fala de forma esquisita. O que acontece, de fato, é que tal pessoa, 
na maior parte do tempo, fala exatamente como nós. Mas, as características diferentes, mesmo que sejam 
pouco numerosas, chamam muito a nossa atenção. Por isso, caracterizamos a fala do outro como se ela 
contivesse apenas formas "erradas". Para se ter uma ideia de quanto isso é verdade, basta dizer que Labov, o 
sociolinguista mais conhecido, percebeu que as aparentemente numerosas diferenças de pronúncia entre os 
diversos grupos de falantes de Nova York poderiam ser resumidas, na verdade, a sua pronúncia de cinco sons: 
a ocorrência ou não do r pós-vocálico, a pronúncia do th surdo, do th sonoro, e o grau de abertura das vogais 
e e o. Não é que nâo haja outras diferenças. É que estas chamam a atenção, diferenciam falantes, enquanto 
que outras diferenças não sâo consideradas pelos ouvintes. Ou seja, se um falante de Nova York disser the 
boy, ele será classificado pelo ouvinte como bom ou mau falante, como mais ou menos culto etc., a depender 
da pronúncia adotada para o primeiro som do artigo "the" e da vogal da palavra "boy". Isso quer dizer que não 
se presta atenção à pronúncia do "e" de "the", nem à pronúncia do "b" e do "y" de "boy". 
 
Transponhamos o problema para o português: se alguém diz vô saí(sem o ditongo de "vou" e sem o "r" de 
"sair"), nós praticamente não percebemos que houve um "erro". Mas, se alguém disser "nós foi", esse "erro" 
é percebido. É que uma dessas formas já não distingue falantes, já que falantes de todos os grupos sociais a 
utilizam. A outra forma distingue falantes, porque certos grupos a utilizam e outros, não. 
 
Esse é um lado da questão. Repetindo: há "erros" que chocam e "erros" que não chocam mais. Mas, o mais 
importante é dar-nos conta de que não é verdade que aqueles que "erram" erram tudo. De fato, se utilizarmos 
bons critérios para contar os "erros" e os acertos, concluiremos logo que é relativamente pequena a diferença 
entre o que um aluno (ou outro cidadão qualquer) já sabe da sua língua e o que lhe falta saber para dominar a 
língua padrão. Uma comparação bem feita entre o que é igual e o que é diferente na fala de pessoas diferentes 
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de um país como o Brasil mostra que as semelhanças são muito maiores que as diferenças. Isso, aliás, é 
verdadeiro tanto para o português do Brasil quanto para o inglês dos Estados Unidos. Para concluir isso, pode-
se mesmo dispensar uma análise em profundidade, que demandaria tempo e muito dinheiro para ser feita. Uma 
análise de um conjunto signific tivo de textos escritos ou de falas gravadas de nossos alunos revelaria que isso 
é sem dúvida verdadeiro. Análises um pouco cuidadosas mostram: a) que alunos acertam mais do que erram; 
b) que os erros são em geral hipóteses significativas (se a comunidade de falantes não as aceita, elas são 
frequentemente abandonadas); c) que os erros são sempre os mesmos; d) que o número de erros é bem maior 
do que os tipos de erros, o que provavelmente significa que a substituição de uma hipótese por outra que 
elimine um tipo de erro elimina muitos erros. 
 
Esclareçamos melhor, à custa de alguma repetição, duas coisas: a) como contar os erros; b) há mesmo mais 
acertos do que erros? 
 
Há duas maneiras de contar erros: uma é contar os erros individualmente, sem classificá-los: a outra é contar 
tipos de erros, isto é, contar erros classificando-os. Se, ao invés de contar os erros, contarmos os tipos de erros, 
a impressão de que eles são pouco numerosos fica mais forte. Suponhamos que encontremos quem diga "os 
livro", "as casa", "os amigo". Três erros? Depende do modo de contar. Eu diria que não. Que só há um erro 
(na comparação entre esta forma de falar e a forma considerada padrão, "gramatical", bem entendido). Se um 
aluno tem esse tipo de problema na disciplina de português, o professor não terá que trabalhar para eliminar 
três problemas, mas só um: para simplificar, trata-se de trocar uma regra de concordância por outra. Ou de 
aprender também outra regra. Quando o aluno vier a dizer "os livros", terá aprendido uma regra alternativa e 
estará em condições de dizer, igualmente, "as casas" e "os amigos". Portanto, numa contagem inteligente, esse 
aluno teria cometido um erro, não três, porque essa é a contagem relevante para a aprendizagem, já que 
aprendemos por regras, não por casos individuais. Imaginemos um aluno que diga (ou escreva) "As casa tão 
boa". Alguns ficam aterrorizados com tais ocorrências. Certamente, se se tratar de um aluno de colegial e ele 
escrever de tal forma por não conhecer outra, isso será um sério problema (da escola...). Mas, imaginemos que 
queiramos comparar formas linguísticas, mais do que avaliar alunos. Comparemos esta forma com a forma 
dita correta, padrão. Os "erros" seriam de concordância de número, e a forma do verbo "estar" (tão). Mas, 
vejamos o que há de correto, de igual ao padrão: a concordância de gênero está perfeita (isto é, não há formas 
como "Os casa", "As casa tão bom"); a sintaxe de colocação é a mesma do português padrão, isto é, esse 
falante não está dizendo, por exemplo, "Casas as boa tão", "As tão boa casas"," As boa tão casa" etc. Ou seja, 
para uma dezena de erros possíveis, nosso mau aluno hipotético cometeu só dois! 
 
Professores desesperados poderiam verificar duas coisas nos textos de seus alunos que cometem erros de 
ortografia: classificar os tipos de erros (os que dependem da pronúncia local, os que se devem a incoerências 
do sistema ortográfico etc.) e, em seguida, fazer contagens do seguinte tipo: para cada tipo de erro possível, 
quantas vezes os alunos acertam e quantas vezes erram. Minha experiência é que os acertos são sempre mais 
numerosos do que os erros. Na hora de avaliar, os professores aceitariam tirar um ponto para cada erro e dar 
um ponto para cada acerto? 
 
LÍNGUA NÃO SE ENSINA, APRENDE-SE 
 
Um dos ainda numerosos "mistérios" em relação ao ser humano diz respeito ao fato de que todos os indivíduos 
da espécie — salvo por algum problema muito grave — aprendem a falar com uma rapidez espantosa, se 
considerarmos a complexidade do objeto aprendido, uma língua. Poder-se-ia objetar que alguns aprendem 
porque falam de forma simplificada, ou porque sua língua é um tanto primitiva etc. Já vimos que afirmações 
como essa refletem apenas preconceitos, desconhecimento da verdadeira natureza das línguas, que são muito 
complexas, mesmo no caso daquelas que pensamos que são simples e mesmo no caso dos dialetos que 
pensamos que são os mais simples das línguas que acreditamos serem as mais simples. 
 
O que é ainda mais espantoso é que todos aprendem com velocidade espantosa um objeto complexo, e sem 
ser ensinados. De fato, os pais, ou adultos em geral, não ensinam as línguas às crianças. Não, pelo menos, se 
entendermos por ensino aquele conjunto de atividades que se dão, tipicamente, numa escola. Alguns, um 
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pouco mais maldosos — mas talvez não muito distantes da verdade — talvez venham a pensar que as 
crianças do mundo todo, de todas as épocas, aprendem suas línguas exatamente porque não são ensinadas — 
exatamente porque pais não agem com elas como se houvesse necessariamente fases, métodos, exercícios... 
 
Pode ser que esta opinião não esteja muito longe da verdade. Disse acima que a questão da aquisição da 
linguagem é um tanto misteriosa. De fato, ninguém sabe muito bem o que se passa na mente humana, ou, 
mesmo, o que há nela eventualmente de inato, de herança biológica. O fato observável é que todos falam, e 
muito, e bem, a partir dos três anos de idade. E, por mais que seja efetiva e constante a presença dos adultos 
junto às crianças, por mais que haja entre eles atividades linguísticas, não há nada que se assemelhe a urn 
ensino formal de uma disciplina, e, muito menos, algo que se assemelhe a. exercícios. 
 
Isso não significa que se aprenda facilmente. Na verdade, o trabalho dos adultos e das crianças é contínuo e, 
às vezes, difícil. Principalmente, é constante. Ou, mais fundamental ainda — é uma atividade significativa. 
Esta parece ser a questão principal e crucial. Qualquer que seja a teoria que adotemos sobre o que seja uma 
criança — já falamos disso mais acima —, isto é, quer sejamos inatistas, interacionistas ou 
camportamentalistas, com todas as variações que esses rótulos permitem, de qualquer forma temos que 
reconhecer que os adultos não propõem exercícios de linguagem às crianças na vida cotidiana. Deixados de 
lado detalhes (às vezes certamente importantes), o que podemos observar é que ocorre um uso efetivo da 
linguagem, um uso sempre contextualizado, uma tentativa forte de dar sentido ao que o outro diz etc. E, 
certamente, nenhum de nós faria, nem conhece quem faça, coisas como as seguintes: propor a uma criança de 
dois anos (ou menos)que faça tarefas como completar, procurar palavras de um certo tipo num texto, construir 
uma frase com palavras dispersas, separar sílabas, fazer frases interrogativas, afirmativas, negativas, dar 
diminutivos, aumentativos, dizer alguma coisa vinte ou cem vezes, copiar, repetir, decorar conjugações 
verbais etc. Tudo isso são exemplos de exercícios. Tudo isso se faz nas escolas, em maior ou menor 
quantidade. Nada disso se faz na vida real, porque nada disso ajuda ninguém a aprender uma língua. Em 
resumo, poderíamos enunciar uma espécie de lei, que seria: não se aprende por exercícios, mas por práticas 
significativas. Observemos como esta afirmação fica quase óbvia se pensarmos em como uma criança aprende 
a falar com os adultos com quem convive e com seus colegas de brinquedo e de interação em geral. O domínio 
de uma língua, repito, é o resultado de práticas efetivas, significativas, contextualizadas. A escola poderia 
aprender muito com os procedimentos "pedagógicos" de mães, babás e mesmo de crianças. O fato do que as 
crianças não façam exercícios, não repitam formas fora de um contexto significativo não significa que não 
sejam expostas suficientemente às línguas. É que pode não parecer, mas falamos tanto e as regras são 
relativamente tão poucas que acabamos por aprender. Por isso, crianças com alguns anos de idade utilizam o 
tempo todo formas que sequer imaginamos, mas que veríamos claramente que conhecem, se examinássemos 
sua fala com cuidado. Perguntam, afirmam, exclamam, negam, produzem períodos complexos e consideram 
significativamente o contexto sempre que lhes parecer relevante ou tiverem oportunidade. Como aprenderam? 
Ouvindo, dizendo e sendo corrigidas quando utilizam formas que os adultos nao aceitam. Sendo corrigidas: 
isto é importante. No processo de aquisição fora da escola existe correção. Mas não existe reprovação, 
humilhação, castigo, exercícios de fixação e de recuperação etc. 
 
O modo de conseguir na escola a eficácia obtida nas casas e nas ruas é "imitar" da forma mais próxima possível 
as atividades linguísticas da vida. Na vida, na rua, nas casas, o que se faz é falar e ouvir. Na escola, as práticas 
mais relevantes serão, portanto, escrever e ler. Claro que se falará às pampas na escola, e, portanto, se ouvirá, 
na mesma proporção (um pouco menos, um pouco mais...). Mas, dado o projeto da escola, ter e escrever são 
as atividades importantes. Como aprendemos a falar? Falando e ouvindo. Como aprenderemos a escrever? 
Escrevendo e lendo, e sendo corrigidos, e reescrevendo, e tendo nossos textos lidos e comentados muitas 
vezes, com uma frequência semelhante à frequência da fala e das correções da fala. É claro que o aprendizado 
não será muito eficiente se tais atividades forem apenas excepcionais. Mas, se forem constantes, com as 
cabeças que temos — seja lá o que for que tenhamos dentro delas ou associado ao que temos dentro delas — 
certamente seremos leitores e "escrevinhadores" sem traumas e mesmo com prazer, em pouco tempo. Só não 
conseguiremos se nos atrapalharem, se nos entupirem de exercícios sem sentido. 
 
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Falar é um trabalho (certamente menos cansativo que outros). Ler e escrever são trabalhos. A escola é um 
lugar de trabalho. Ler e escrever são trabalhos essenciais no processo de aprendizagem. Mas, não sâo 
exercícios. Se não passarem de exercícios eventuais, apenas para avaliação, certamente sua contribuição para 
o domínio da escrita será praticamente nula. Para se ter uma ideia do que significaria escrever como trabalho, 
ou significativamente, ou como se escreve de fato "na vida", basta que verifiquemos como escrevem os que 
escrevem: escritores, jornalistas. Eles não fazem redações. Eles pesquisam, vão à rua, ouvem os outros, lêem 
arquivos, lêem outros livros. Só depois escrevem, e lêem e relêem e depois reescrevem, e mostram para 
colegas ou chefes, ouvem suas opiniões, e depois reescrevem de novo. A escola pode muito bem agir dessa 
forma... desde que não pense só em listas de conteúdos e em avaliação ''objetiva". 
 
SABEMOS O QUE OS ALUNOS AINDA NÃO SABEM? 
 
De uma certa forma, tudo o que foi dito anteriormente são apenas coisas óbvias, de bom senso. Mas, talvez o 
que se vai ver agora seja ainda mais óbvio. Nélson Rodrigues diria que se trata do óbvio ululante. De todas as 
teses sobre língua e seu ensino que estou defendendo aqui, a que se segue é a mais evidente de todas e, talvez, 
a menos praticada. Em relação às outras, bem ou mal, as atitudes, em geral, são um pouco heterogêneas. Mas, 
em relação aos conteúdos de ensino, parece-me que a atitude dos profissionais dos diversos escalões, desde 
os das Secretarias de Educação até os professores, passando por coordenadores e diretores, é de "seriedade" e 
cerimônia tamanha que merece ser desmistificada. 
 
Nos cursos de didática que fazemos nas faculdades ou nos cursos de magistério, aprendemos a elaborar planos 
de cursos, com objetivos, estratégias e quejandos. Nã minha opinião, trata-se de trabalho e papelada inúteis. 
Por isso, vou fornecer aqui uma "receita" óbvia para estipular programas de ensino para língua materna nos 
diversos anos escolares (com a ressalva de que jamais me refiro à alfabetização, pelo menos nos estágios 
iniciais — refiro-me, portanto, a programas de português para alunos que já lêem e escrevem minimamente). 
O princípio é o mais elementar possível. O que já é sabido não precisa ser ensinado. 
 
Seguindo esse princípio, os programas anuais poderiam basear-se num levantamento bem feito do 
conhecimento prático de leitura e escrita que os alunos já atingiram e, por comparação com o projeto da escola, 
uma avaliação do que ainda lhes falta aprender Nada de consultar manuais e guias para saber o que se deve 
ensinar, por exemplo, numa sexta série. Nada, portanto, desses programas pré-fabricados para ir do simples 
ao complexo, presos a uma tradição que não se justifica a não ser por ser tradição. Por exemplo: para descobrir 
o que os alunos de uma próxima sexta série já sabem e o que ainda não sabem, basta analisar os cadernos e 
demais materiais dos alunos que acabaram de concluir a quinta série na mesma escola, com um professor 
conhecido na escola e com quem se pode discutir alternativas. Adotando esse critério para todas as séries, 
saberemos o que os alunos já dominam realmente e o que lhes falta ainda, em relação ao português padrão 
(escrito, principalmente). Descobriremos que livros já leram, como escrevem, quais os principais problemas 
que ainda têm (se ainda os houver), após determinado número de anos na escola. Com base em tal 
levantamento, organizaremos os "problemas" em séries, segundo sua especificidade e eventual dificuldade, 
definida com base também na psicologia de aprendizagem que adolamas na escola. Assim, alguns dos 
problemas serão postos como prioritários, exatamente aqueles que achamos que alunos típicos de determinada 
série podem eliminar. Outros, poderão ser deixados para séries mais avançadas (ou, peIo menos, não serão os 
prioritários numa determinada série). Não se pode esquecer, além disso, que o passar do tempo é um fator 
importante de aprendizado linguístico, porque, na nossa sociedade, como em outras, o aumento da idade dos 
jovens implica numa diversificação e sofisticação da interação social, o que acarreta uma multiplicação dos 
recursos de linguagem que eles aprendem a manipular, além de descobrir o valor social associado a tais 
recursos — isto é, aprendem a distinguir estilos diversos e avaliá-los. Além disso, se a escola tiver um projeto 
de ensino interessante, através da leitura esse aluno terá tido cada vez mais contato com a língua escrita, na 
qual se usam as formas padrões que a escola quer que ele aprenda.Se fizermos este tipo de levantamento de 
forma adequada por vários anos, cada escola acabará por saber com bastante clareza o que lhe cabe no ensino 
do padrão e o que os alunos aprendem fora da escola. 
 
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Assim, por exemplo, provavelmente concluiremos que não é necessário estudar gênero, número, 
concordância etc., a nâo ser quando os alunos efetivamente erram e naqueles casos em que erram. Ou seja: há 
uma grande probabilidade de que, na maioria absoluta dos casos em que a estrutura da língua prevê a 
ocorrência do fenômeno da concordância, os erros sejam pouco numerosos. Provavelmente haverá mais casos 
problemáticos de concordância verbal do que de concordância nominal. Neste último caso, haverá problemas 
apenas nos lugares de sempre: palavras com "gênero duvidoso" (ou seja, com variação de gênero), casos de 
sujeitos compostos com elementos masculino e feminino e alguns outros casos raros. Diria que estes casos 
não são do tipo em que é melhor prevenir do que remediar. Se ocorrerem problemas, que se trabalhe sobre 
eles. Se não ocorrerem, não há porque trabalhar com eles. O mesmo vale para numerosas outras lições de 
gramática normativa. Por exemplo: é provavelmente uma enorme perda de tempo ensinara alunos de primeiro 
grau que existem diminutivos e aumentativos, para, em seguida, solicitar que efetuem exercícios do tipo "dê 
o diminutivo de", "dê o aumentativo de". Só vale a pena trabalhar sobre tais questões para chamar a atenção 
para os valores de tais formas, para o fato de que há formas peculiares (como "copázio" e "corpúsculo", por 
exemplo). Mesmo nesses casos, é necessário estar atento ao uso e ao sentido reais de tais palavras, para que 
não ocorra que se ensine que "corpúsculo" é o diminutivo de "corpo" em qualquer contexto; para isso, basta 
dar-se conta de que é em circunstâncias e com sentidos diferentes que dizemos "que corpinho!" e " há 
corpúsculos visíveis apenas com instrumentos como os microscópios". 
 
Em resumo, parece razoável ensinar apenas quando os alunos erram, exatamente como fazem os adultos com 
as crianças. Se os alunos utilizam estruturas como "os livro", que essas estruturas sejam objeto de trabalho; 
mas se nunca dizem "vaca preto", para que insistir em estudar o gênero de "vaca"? 
 
Vou fazer uma comparação com o ensino de outra língua para que as coisas fiquem bem claras, para que se 
possa perceber claramente qual é o espírito que preside o ensino de língua materna para alunos que já falam. 
Em geral, a tradição é tão forte que não conseguimos ver o que de fato fazemos quando ensinamos uma língua 
que os alunos conhecem fazendo de conta que eles não a conhecem. Tentemos colocar-nos em outra posição, 
para efeito de raciocínio: pensemos o que seria ensinar inglês, no Brasil, para crianças que, por alguma razão, 
aparecessem nas nossas escolas falando em inglês. Certamente, nâo lhes ensinaríamos o que lhes ensinamos, 
isto é, uma língua "desde o início". Por que temos que "começar do começo" nas aulas de inglês? Porque 
nossos alunos nâo falam inglês. Mas, por que fazemos coisas semelhantes nas aulas de português, se os alunos 
falam português o tempo todo? Não seria melhor ensinar-lhes apenas o que não sabem? 
 
ENSINAR LÍNGUA OU ENSINAR GRAMÁTICA ? 
 
Todas as sugestões feitas nos textos anteriores só farão sentido se os professores estiverem convencidos —ou 
puderem ser convencidos — de que o domínio efetivo e ativo de uma língua dispensa o domínio de uma 
metalinguagem técnica. 
 
Em outras palavras, se ficar claro que conhecer uma língua é uma coisa e conhecer sua gramática é outra. Que 
saber uma língua é uma coisa e saber analisá-la é outra. Que saber usar suas regras é uma coisa e saber 
explicitamente quais são as regras é outra. Que se pode falar e escrever numa língua sem saber nada "sobre" 
ela, por um lado, e que, por outro lado, é perfeitamente possível saber muito "sobre" uma língua sem saber 
dizer uma frase nessa língua em situações reais. Para dar um exemplo óbvio, sabe evidentemente mais inglês 
uma criança de três anos que fala inglês usualmente com os adultos e outras crianças para pedir coisas, chingar, 
reclamar ou brincar, do que alguém que tenha estudado a gramática do inglês durante anos, mas não tem 
condições de guiar um turista americano para passear numa cidade brasileira. 
 
Não vale a pena recolocar a discussão pró ou contra a gramática, mas é preciso distinguir seu papel do papel 
da escola — que é ensinar língua padrão, isto é, criar condições para seu uso efetivo. É perfeitamente possível 
aprender uma língua sem conhecer os termos técnicos com os quais ela é analisada. A maior prova disso é que 
em muitos lugares do mundo se fala sem que haja gramáticas codificadas, e sem as quais evidentemente não 
pode haver aulas de gramática como as que conhecemos. Espero que ninguém diga que não sabem sua língua 
os falantes de sociedades ágrafas, isto é, nas quais não há escrita e muito menos gramáticas, no sentido de 
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listas de regras ou procedimentos de análise. Mas, não é só entre os que poderiam ser chamados 
preconceituosamente de primitivos que isso ocorre. Tentemos responder a seguinte pergunta: que gramática 
do grego consultaram Ésquilo e Platão? Ora, não existiam gramáticas gregas (a não ser na cabeça dos falantes, 
isto é, eles sabiam grego). As primeiras obras que poderiam ser chamadas de gramáticas (mas, mesmo assim, 
eram bastante diferentes das nossas), surgem no segundo século antes de Cristo apenas, e não surgem para 
que possam ser aprendidas pelos falantes, mas para orgenizar certos princípios de leitura que permitissem ler 
textos antigos, exatamente porque o grego ia mudando e, sem poder aprender o grego antigo, como poderiam 
os novos falantes entender textos antigos? 
 
Ou seja, os gregos escreveram muito ames de existir a primeira gramática grega, o mesmo valendo, 
evidentemente, para os escritores latinos, portugueses, espanhóis etc. Seria interessante que ficasse claro que 
são os gramáticos que consultam os escritores para verificar quais são as regras que eles seguem, e não os 
escritores que consultam os gramáticos para saber que regras devem seguir. Por isso, não faz sentido ensinar 
nomenclaturas a quem não chegou a dominar habilidades de utilização corrente e não traumática da língua. 
 
Quando se discute ensino de língua e se sugere que as aulas de gramática sejam abolidas, ou abolidas nas 
séries iniciais ou, pelo menos, que não sejam as únicas aulas existentes na escola, logo se levantam objeções 
baseadas nos vestibulares e outros testes, como os concursos públicos, nos quais seria impossível ser aprovado 
sem saber gramática. Claro que este fato deve ser considerado. Mas, adequadamente. Se verificássemos os 
fatos e não nossa representação deles (fora o achismo!), veríamos que o conhecimento explícito de gramática 
não é tão relevante nessas circunstâncias. Por várias razões: a) quem elabora provas de português são, em 
geral, professores de português — basta, portanto, que os especialistas mudem de estratégia de avaliação; b) 
em muitos vestibulares e outras provas, há questões de gramática, é verdade. Mas há também questões de 
literatura e de interpretação de textos. Por que, então, damos tanta ênfase è gramática, ao invés de invertermos 
ou pelo menos equilibrarmos os critérios de importância, dando mais espaço em nossas aulas à literatura e à 
interpretação de textos? c) em muitos testes, vestibulares incluídos, a redação é eliminatória. Portanto, não é 
verdade quecrucial para a aprovação é a gramática; d) admitindo que a gramática fosse importante, então, 
deveríamos estar formando alunos que teriam notas próximas de dez em provas de gramática. Mas, o que se 
vê são alunos que, depois de uma década de aulas de gramática, tiram notas mais próximas de um do que de 
dez. Ou será que não é porque não sabem gramática que têm notas baixas? Se for, só há uma explicação: é 
que as provas não sao compostas apenas de questões de gramática. Mas, então... 
 
Falar contra a "gramatiquice" não significa propor que a escola só seja "prática", não reflita sobre questões de 
língua. Seria contraditório propor esta atitude, principalmente porque se sabe que refletir sobre a língua é uma 
das atividades usuais dos falantes e não há razão para reprimi-la na escola. Trata-se apenas de reorganizar a 
discussão, de alterar prioridades (discutir os preconceitos é certamente mais importante do que fazer análise 
sintática —eu disse mais importante, o que significa que a análise sintática é importante, mas é menos...). 
Além do mais, se se quiser analisar fatos de língua, já há condições de fazê-lo segundo critérios bem melhores 
do que muitos dos utilizados atualmente pelas gramáticas e manuais indicados nas escolas. 
 
Por último, para coroar uma série de obviedades, uma última: as únicas pessoas em condições de encarar um 
trabalho de modificação das escolas são os professores. Qualquer projeto que não considere como ingrediente 
prioritário os professores — desde que estes, por sua vez, façam o mesmo com os alunos— certamente 
fracassará. 
 
SEGUNDA PARTE 
INTRODUÇÃO 
 Na primeira parte, apresentei um conjunto de argumentos que, penso, poderiam convencer os leitores de que 
é completamente desnecessário ensinar gramática na escola, se o objetivo for dominar a variedade padrão de 
uma língua e tornar os alunos hábeis leitores e autores pelo menos razoáveis. Mas, sei muito bem que há outros 
fatores atuando na escola, além dos critérios de ordem intelectual. Há, por exemplo, a pressão da tradição — 
que é ruim, mas cujo peso é grande e seria pouco inteligente desconhecer. 
 
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No que se refere à análise linguística, assim como é muito diferente nâo ser estruturalista depois de tê-lo 
sido e não estruturalista sem jamais tê-lo sido, acredito que é completamente diferente trabalhar com gramática 
na escoIa depois de estar convencido de que ela não é indispensável para o ensino e, principalmente, depois 
de estar convencido de que uma coisa é o estudo da gramática e outra é o domínio ativo da língua. A diferença 
é ainda maior se ficar claro que há vários tipos de gramática e até mesmo vários tipos de gramaticas escolares, 
tradicionais. Por isso, nesta segunda parte, vou apresentar vários conceitos de gramática, comentar alguns 
outros conceitos estreitamente relacionados com o ensino e, em seguida, fornecer, em grandes linhas, uma 
perspectiva de ensino de gramática destinado especificamente a quem tem como utopia alunos que escrevam 
e leiam, mesmo em situações relativamente precárias, isto é, antes da alteração das condições sociais atuais. 
 
Para muitas pessoas das mais variadas extrações intelectuais e sociais, ensinar língua é a mesma coisa que 
ensinar gramática. Ou, o que é diferente, embora pareça mera inversão, para muitos, ensinar gramática é a 
mesma coisa que ensinar língua. Além disso, por ensino de gramática entende-se, frequentemente, a soma de 
duas atividades, que, eventualmente, se interrelacionam, mas não sempre, nem obrigatoriamente. 
 
As duas atividades são: 
 a) estudo de regras mais ou menos explícitas de construção de estruturas (palavras ou frases). Um exemplo 
dessa primeira atividade é o estudo de regras ortográficas, regras de concordância e de regência, regras de 
colocação dos pronomes oblíquos etc. 
 b) a análise mais ou menos explícita de determinadas construções. Exemplos da segunda atividade são 
critérios para a distinção entre vogais e consoantes, critérios de descoberta das partes da palavra (radical, tema, 
afixos), análise sintática da oração e do período, especialmente se isso se faz com a utilização de 
metalinguagem. 
 
As duas atividades podem não estar relacionadas porque, em princípio, pode-se realizar a primeira sem 
socorrer-se da segunda. Por exemplo, pode-se ensinar uma forma padrão da língua sem recorrer às razões 
explícitas que justificam tal forma. É o caso de quando se ensina que o correto é dizer "prefiro x a y" e não 
"prefiro x do que y", pura e simplesmente, sem justificar a regra com uma análise do conteúdo semântico de 
"preferir". Atividades como essa são correntes (ou deveriam sê-Io). Mas, podem-se realizar atividades do 
primeiro tipo também com o auxílio da metalinguagem sem a qual não se podem realizar atividades do 
segundo tipo. É o caso, por exemplo, de quando se ensina que o verbo concorda com o sujeito (ao invés de 
ensinar apenas, por exemplo, que a forma correta é "os livros são" e não "os livros é"). Num caso, utilizam-se 
termos metalinguísticos (verbo, concorda e sujeito); no outro, apenas se propõe a substituição de uma forma 
por outra. 
 
Do ponto de vista do ensino de língua padrão, parece evidente que o primeiro tipo de atividade, cuja finalidade, 
de fato, é tentar consolidar o uso de uma variedade de prestígio, é mais relevante do que o segundo, que só se 
justifica por critérios independentes do ensino da língua. (Em sua Gramática descritiva da língua portuguesa 
(Ática), Perini justifica o ensino de gramática na escola por razões culturais. Assim como se estudam tópicos 
sobre agricultura chinesa e os desertos africanos, sem nenhuma perspectiva de aplicação prática, é de interesse 
aprender coisas sobre como se estruturam as línguas. Justificar o ensino da gramática por razões culturais 
significa, entre outras coisas, admitir que o ensino da gramática pode não ter nada a ver com o ensino da língua 
— no que concordo com Perini, como deve ter ficado muito claro na primeira parte desse livro.) 
 
Como já se viu no parágrafo acima, que destacou apenas um aspecto da questão do ensino da gramática, pode 
ocorrer que quando duas pessoas falam de gramática, ou de ensino de gramática, não estejam falando da 
mesma coisa. Uma pode estar falando de formas padrões por oposição a formas populares, e outra, de como 
certos aspectos de uma língua se estruturam. É talvez pelo fato de não estar sempre claro para todos que esta 
questão é complexa, que, muito frequentemente, discussões sobre o tema não prosperam. Os contendores 
podem achar que discordam quando concordam, e podem achar que concordam quando, de fato, estão 
discordando. Talvez isso explique, em parte, entre outras razões, a distância entre os projetos de ensino e sua 
execução. 
 
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Por isso, nesta segunda parte, vou ocupar-me exclusivamente de uma discussão relativa a conceitos de 
gramática. Penso que esta deve ser uma discussão prévia à discussão sobre a introdução da gramática na 
escola. É melhor saber o que se está de fato propondo que os alunos aprendam e qual a relação entre a 
disciplina escolar e os objetivos de ensino de língua. 
 
Sabe-se que a questão do ensino da gramática na escola tem sido longamente discutida. A discussão continua 
atual, seja porque o professor precisa decidir, caso haja ensino de gramática na escola, qual proporção do 
tempo destinado ao ensino da língua deve ser dedicado a cada uma das estratégias (leitura, redação, gramática 
etc.), além do fato de que a decisão pode variar conformeo nível de ensino e o tipo de classe, ou, até mesmo, 
o tipo de escola. Outra razão é que esta discussão revela diferentes orientações didáticas (ensinar a partir do 
uso observado ou ensinar a partir de regras), diferentes concepções do papel da língua numa sociedade cheia 
de contrastes como é a nossa (serve para a comunicação ou abre acesso a oportunidades de emprego) e 
diferentes objetivos atribuídos à escola de primeiro e segundo graus (preparar para a vida ou preparar para o 
vestibular, dois objetivos que só coincidem para um número extremamente limitado de alunos). 
 
Fundamentalmente, a discussão continua atual porque, embora tenha havido muita mudança de discurso, a 
prática escolar continua basicamente a mesma, exceto em poucos enclaves muito particulares. 
 
CONCEITOS DE GRAMÁTICA 
 
Comecemos pelo óbvio: se não para ensinar gramática, pelo menos para defender tal ensino, é preciso — ou 
parece decente que assim seja — saber o que é gramática. Acontece que a noção de gramática é controvertida: 
nem todos os que se dedicam ao estudo desse aspecto das línguas a definem da mesma maneira. No que segue, 
proponho que se aceite, para efeito de argumentação, que a palavra gramática significa "conjunto de regras". 
Não é uma definição muito precisa, mas não é equivocada. Serve bem como guarda-chuva. Mas, acrescente-
se logo que a expressão "conjunto de regras" também pode ser entendida de várias maneiras. E é trabalhando 
sobre essa expressão que distinguirei vários tipos de gramática. 
 
Como o que interessa é formular pontos de reflexão e argumentos especialmente para professores de primeiro 
e segundo graus, destacarei três maneiras de entender "conjunto de regras", aquelas que parecem diretamente 
pertinentes às questões do ensino, no que é relevante atualmente, em decorrência de determinada tradição (que 
exclui, por exemplo, gramáticas funcionais). Assim, tal expressão pode ser entendida como: 
 
1) conjunto de regras que devem ser seguidas; 
2) conjunto de regras que são seguidas; 
3) conjunto de regras que o falante da língua domina. 
 
As duas primeiras maneiras de definir "conjunto de regras" dizem respeito ao comportamento oral ou escrito 
dos membros de uma comunidade linguística, no sentido de que as regras em questão se referem à organização 
das expressões que eles utilizam. Ver-se-á mais adiante a diferença entre as duas. A terceira maneira de definir 
a expressão refere-se a hipóteses sobre aspectos da realidade mental dos mesmos falantes. Vou detalhar um 
pouco essas três noções, de modo a caracterizar três tipos de gramáticas, ou três sentidos um pouco mais 
precisos para a palavra "gramática". 
 
GRAMÁTICAS NORMATIVAS 
 
A primeira definição de gramática — conjunro de regras que devem ser seguidas — é a mais conhecida do 
professor de primeiro e segundo graus, porque é em geral a definição que se adota nas gramáticas pedagógicas 
e nos livros didáticos. Com efeito, como se pode ler com bastante frequência nas apresentações feitas por seus 
autores, esses compêndios se destinam a fazer com que seus leitores aprendam a "falar e escrever 
corretamente". Para tanto, apresentam um conjunto de regras, relativamente explícitas e relativamente 
coerentes, que, se dominadas, poderão produzir como efeito o emprego da variedade padrão (escrita e/ou oral). 
Um exemplo de regra deste tipo é a que diz que o verbo deve concordar com o sujeito, por um lado, e, por 
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outro, que existe uma forma determinada e única para cada tempo, modo e pessoa do verbo: a forma de 
"pôr" que concorda com "eles" no pretérito perfeito do indicativo é "puseram", e não "pusero", "pôs", 
"ponharam", "ponharo" ou "ponhou". Gramáticas desse tipo são conhecidas como normativas ou prescritivas. 
Na suposição de que este tipo de gramática é suficientemente conhecido, não explicitarei mais suas 
características. 
 
GRAMÁTICAS DESCRITIVAS 
 
A segunda definição de gramática — conjunto de regras que são seguidas — é a que orienta o trabalho dos 
linguistas, cuja preocupação é descrever e/ou explicar as línguas tais como elas são faladas. Neste tipo de 
trabalho, a preocupação central é tornar conhecidas, de forma explícita, as regras de fato utilizadas pelos 
falantes — daí a expressão "regras que são seguidas", (Ficou claro, espero, na primeira parte, que todos os que 
falam sabem falar, e que isso significa que seguem regras, já que grupos de falantes "erram" de maneira 
organizada, isto é, regrada. Adiante, falar-se-á um pouco sobre regras, e a questão deve ficar ainda mais clara.) 
Pode haver diferenças entre as regras que devem ser seguidas e as que são seguidas, em parte como 
consequência, do fato de que as línguas mudam e as gramáticas normativas podem continuar propondo regras 
que os falantes não seguem mais —ou regras que muito poucos fafantes ainda seguem, embora apenas 
raramente. Vejamos alguns exemplos de diferenças entre o que espera uma gramática normativa e o que nos 
revela uma gramática descritiva. 
 
Se observarmos as conjugações verbais, veremos que algumas formas não existem mais, ou só existem na 
escrita. Em especial: 
 a) as segundas pessoas do plural que encontramos nas gramáticas desapareceram (vós fostes, vós iríeis etc.). 
Na verdade, desapareceram tanto o pronome de segunda pessoa do plural "vós" quanto a forma verbal 
correspondente. Hoje, se diz "vocês foram", "vocês iriam" etc.; 
 b) os futuros sintéticos praticamente não se ouvem mais, embora, certamente, ainda se usem na escrita. Na 
modalidade oral, o futuro é expresso por uma locução (vou sair, vai dormir etc.), e não mais pela forma 
sintética (sairei, dormirá); 
c) o mesmo se pode dizer do mais que perfeito "simples"; ninguém mais fala "fora", "dormira" etc., mas apenas 
"tinha ido", "tinha dormido" etc.; 
d) a forma do infinitivo nao tem mais o "r" final. Ou seja, ninguém fala, de fato, "vou dormir", mas "vou 
dormi". 
 
Um outro domínio em que há algumas diferenças notáveis é o sistema pronominal. Certamente, qualquer 
observação mostrará que: 
a) como já vimos, não existe mais a forma "vós" (e sua correspondente em posição de objeto — "vos"); a 
forma usada para referir-se a mais de um interlocutor é "vocês"; 
 b) apenas em algumas "regiões ainda se usa a forma "tu"; na maior parte do país, o pronome de segunda 
pessoa é "você"; no entanto, a forma "te" é corrente para expressar a segunda pessoa em posição de objeto 
direto e indireto. A gramática normativa considera esse fato um problema. Para uma gramática descritiva, 
trata-se apenas de um fato, um fato regular, isto é, constante; 
c) as formas de terceira pessoa em posição de objeto direto "o/a/os/as" também não se ouvem mais; ocorrem 
eventualmente na escrita. As formas que ocorrem de fato em seu lugar são, variavelmente, "ele/ela/eles/elas", 
apesar de parecer um escândalo a certos ouvidos; e, cada vez mais, ocorre como objeto direto a forma "lhe(s)", 
alternando essa função com a de objeto indirelo — que, aliás, cada vez mais é cumprida pelas formas "a/para 
ele; a/para ela" etc.; 
d) no lugar de "nós", mais frequentemente do que supomos, usa-se a forma "a gente", tanto na posição de 
sujeito quanto na de complemento (a gente foi, ela viu a gente). 
 
Uma observação indispensável, quando se fala de pronomes, é que, no português do Brasil, as regras de 
colocação de pronomes átonos ainda encontráveis nas gramáticas e ensinadas na escola como desejáveis são 
evidentemente decorrência de uma visão equivocada da língua. Só é possível entender que ainda se suponha 
que aquelas regras funcionem ou, pelo menos, deveriam funcionar, por absoluto saudosismo e purismo. Em 
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Portugal, elas são relativamenie correntes — pode-se ouvir uma mesóclise de um analfabeto — mas, 
defender que sejam aceitas no Brasil equivale a propor que se volte a formas do português medieval. Purismo 
por purismo, porque não? 
 
Na verdade, as próprias gramáticas normativas comportam sempre partes bastante relevantes e extensas de 
descrição. Por exemplo, quando distribuem palavras em classes diferentes, quando distinguem partes da 
oração, ou quando segmentam as palavras em radical, vogal temática e desinência, as gramáticas normativas 
são descritivas. Mas, muito frequentemente, se não sempre, as passagens descritivas das gramáticas 
normativas referem-se sempre às formas "corretas", e por isso descrição e prescrição se confundem. O que 
caracteriza uma gramática puramente descritiva é que eIa não tem nenhuma pretensão prescritiva. Numa 
perspectiva descritiva, constata-se, por exemplo, que, no português de hoje, existem pelo menos três maneiras 
de dizer "eles puseram": eles puseram, eles pusero e eles pôs (sem contar, evidentemente, a forma um pouco 
mais rara e motivada por outros fatores eles poram e as formas decorrentes da suposição de que o infinitivo 
do verbo seja "ponhar"). Verifica-se, além disso, que as três formas comportam marcas suficientes para indicar 
pluralidade: em "eles puseram" e "eles pusero", a pluralidade é indicada redundantemente, uma vez pelo 
pronome sujeito e outra pelas desinências (am num caso e o no outro); em "eles pôs", a pluralidade é indicada 
só no pronome sujeito, não havendo a redundância observada nas duas outras formas. Mas, evidentemente, 
ninguém confunde, e muito menos considera idênticas ou interpreta da mesma maneira as sequências "eles 
pôs" e "ele pôs". No contraste entre "eles puseram", "eles pusero" e "eles pôs", o gramático descritivista não 
está preocupado em apontar erros, mas pode ir além da constatação de que essas formas existem, verificando, 
por exemplo, que elas são utilizadas por pessoas de diferentes grupos sociais ou, eventualmente, pelas mesmas 
pessoas em situações diferentes; constatará ainda que há uma resistência ou prevenção em relação a "eles 
pusero" e "eles pôs" porque não são formas utilizadas pelas pessoas cultas; percebe-se, assim, imediatamente, 
que o critério de correção não é linguístico, mas social. 
 
GRAMÁTICAS INTERNALIZADAS 
 
A terceira definição de gramática — conjunto de regras que o falante domina — refere-se a hipóteses sobre 
os conhecimentos que habilitam o falante a produzir frases ou sequências de palavras de maneira tal que essas 
frases e sequências são compreensíveis e reconhecidas como pertencendo a uma língua. Diante de frases como 
"Os meninos apanham as goiabas" ou "Os menino (a)panha as goiaba", qualquer um que fale português sabe 
que sáo frases do português (isto é, que não são frases do espanhol ou do inglês); isso tem a ver com aspectos 
observáveis das próprias frases, dentre os quais se podem enumerar desde características relativas aos sons 
(quais são e como se distribuem), até as relativas à forma das palavras e sua localização na sequência. Dada a 
maneira constante — isto é, que se repete — através da qual as pessoas identificam frases como pertencendo 
à sua língua, produzem e interpretam sequências sonoras com determinadas características, é lícito supor que 
há em sua mente conhecimentos de um tipo específico, que garantem esta estabilidade. 
 
Sem entrar em detalhes, pode-se dizer que tal conhecimento é fundamentalmente de dois tipos: lexical e 
sintático-semântico. O conhecimento lexical pode ser descrito simplificadamente como a capacidade de 
empregar as palavras adequadas (isto é, instituídas historicamente como as palavras da língua) às "coisas", aos 
"processos" etc. O conhecimento sintático-semântico tem a ver com a distribuição das palavras na sentença e 
o efeito que tal distribuição tem para o sentido. O léxico tem implicações na sintaxe-semântica, na medida em 
que as palavras têm exigências em relação ao outro nível. Por exemplo, para empregar a palavra "dizer" é 
necessário saber o que ela significa, por um lado, e, por outro, saber o que ela significa tem a ver também com 
exigir que esse verbo tenha um sujeito de tal tipo, complemento(s) de tal outro tipo etc. Como consequência 
desse saber, diante de uma sentença como "E a raposa disse para o corvo...", o falante tem duas alternativas: 
ou acha que a frase é estranha (sem sentido, de um certo ponto de vista, já que raposas não falam), ou tem que 
colocar-se num outro mundo (que é, certamente, a alternativa mais comum). Se ouvir alguém dizer "O meu 
mãe não gosta", o falante de português tem de novo que escolher: ou conclui que há um problema (uma regra 
violada, já que em português se diz "a minha mãe...") ou supõe que o falante é estrangeiro. De fato, este 
segundo fato seria uma explicação do primeiro — só um estrangeiro poderia produzir uma forma como essa. 
 
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Há dois tipos de fatos linguísticos que podem ser interpretados como dois fortes argumentos a favor da 
existência de gramáticas internalizadas, ou seja, na mente dos falantes, e que funcionam como a fonte das 
formas linguísticas produzidas. Como sempre, é no limite entre o aceitável e o não aceitável que estão os 
melhores materiais para ter acesso a supostas propriedades mentais. Os dados em questão provêm da fase de 
aquisição de uma língua e de fases de mudanças de dialetos por parte de adultos, especialmente, embora não 
exclusivamente. 
 
Uma versão sobre a aquisição do conhecimento, em particular do conhecimento gramatical, diz que 
aprendemos por repetição. Simplificando, falamos o que falamos porque ouvimos. Ora, crianças tipicamente 
produzem pelo menos algumas formas que nunca ouvem consistentemente — podem até ouvi-las 
esporadicamente de outras crianças. Tais formas são tipicamente regularizadoras de formas irregulares. Os 
exemplos mais típicos sâo formas verbais como "eu sabo", "eu cabo", "eu fazi", "ele iu" etc. É bom que se 
diga que fatos semelhantes ocorrem também com crianças de outras nacionalidades aprendendo outras línguas. 
E, ao contrário do que muitos pais e eventualmente professores poderiam pensar, quando crianças produzem 
essas formas "erradas" mostram que são normais. Problemático seria se não cometessem esses erros. Seria um 
sintoma de um cérebro pouco ativo, com problemas para uma aprendizagem autônoma. 
 
Uma suposição razoável que se pode fazer para explicar estas formas na fala infantil é a seguinte: as crianças 
aprenderam regras de conjugação verbal, e é aplicando essas regras que produzem tais formas. A rigor, esta 
afirmação valeria mesmo se se admitisse que o aprendizado de certas regras se faz pela repetição. Mesmo 
assim, haveria um estágio em que a produção das sequências seria ativa, e resultaria da aplicação de regras 
conhecidas, internalizadas. E é isso que é de fato relevante. 
 
 Outro exemplo do mesmo tipo são as conhecidas hiper-correções. Falantes do meio rural ou com pouca 
instrução produzem formas como "meu fio" (filho). Se, em algum momento, puderem aprender, em contato 
com falantes de outros grupos, que as palavras certas são ''filho", "palhaço", "telha" etc., poderá ocorrer que 
apliquem a regra que muda "fio" em "filho" etc. sempre que o contexto for o mesmo ou semelhante. E dirão, 
eventualmente, coisas como "telha de aranha" (teia), "a pilha do banheiro" (pia) etc. Ora, nitidamente tais 
falantes não ouviram essas formas dos grupos dos quais ouviram "telha" — que ouviram quando se falava de 
cobertura de casas e não quando se falava de aranhas. Senão as ouviram, então as produziram ativamente, por 
sua conta. 
 
Poder-se-ia comparar o que ocorre nesse caso com o que se dá com um dos comandos dos processadores de 
textos usados em microcomputadores. Se alguém quer, por exemplo, substituir uma palavra por outra num 
texto, ao invés de alterar uma ocorrência de cada vez, pode dar um comando ao computador, que substituirá 
todas as ocorrências de um elemento por outro. Podem, então, ocorrer problemas. Suponhamos que se queira 
substituir a forma "ele" pela forma "ela". O computador mudará todas as ocorrências de "ele" em "ela", todas 
as ocorrências de "aquele" em "aquela" (e pode ser que isso seja desejado pelo autor), mas mudará também 
sequências como "elemento" em "elamemo" (o que certamente é hipercorrigir...). O resultado não é bom, mas, 
pelo menos, descobrese que há um princípio no programa computacional e como ele funciona. Sem querer 
apegar-me à metáfora computacional para explicar o funcionamento do cérebro, espero que a comparação 
sirva para que a hipótese da gramática internalizada fique mais clara (e mais forte). 
 
A esses conhecimentos, e às hipóteses por meio das quais os linguistas têm tentado organizá-las, chama-se, 
num sentido moderno do termo, gramática. Naturalmente, existem relações estreitas entre descrever uma 
língua e descobrir a "gramática" que os falantes dessa língua dominam. De fato, a questão pode ser assim 
resumida: uma gramática descritiva é tanto melhor quanto mais ela for capaz de explicitar o que os falantes 
sabem. Em outras palavras, quanto mais a gramática descritiva for um retrato da internalizada, que, a rigor, é 
seu objeto. 
 
Assim como o conceito de gramática não é unívoco, assim também os conceitos de regra, de língua e de erro 
não o são. Por isso merecem um pequeno comentário. 
 
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REGRAS 
 
Há dois sentidos em que se pode falar de regras: um deles traz consigo a ideia de obrigação, aproximando-se 
da noção de lei em sentido jurídico: a regra é algo a que se obedece, sob pena de alguma sanção. É nesse 
sentido que se fala das regras de etiqueta e do "bom comportamento". Quem as transgride é apontado como 
grosseiro, marginal ou caipira, e pode ser reprovado: sua companhia pode não ser procurada, perderá 
oportunidades de jantar com as pessoas chiques etc. 
 
O outro sentido de regra traz consigo a ideia de regularidade e constância, aproximando-se da noção de lei no 
sentido de "leis da natureza". Por exemplo, a lei da gravidade sistematiza uma parte de nossas observações 
sobre os objetos que nos cercam. 
 
As regras de uma gramática normativa se assemelham às regras de etiqueta, expressando uma obrigação e 
uma avaliação do certo e do errado. Seguindo-as, os falantes são avaliados positivamente (na vida social e na 
escola). Violando-as, os falantes tornam-se objeto de reprovação (são considerados ignorantes e não dignos 
de passar à série seguinte na escola, por exemplo). As regras de uma gramática descritiva se assemelham às 
íeis da natureza, na medida em que organizam observações sobre fatos, sem qualquer conotação valorativa. 
Um botânico não critica plantas por apresentarem tais e tais características — descreve-as, classifica-as; um 
químico não critica um elemento da natureza por produzir odores insuportáveis — descreve-o. Pois bem, nas 
línguas há regras semelhantes — embora variáveis. Por exemplo, em português, artigos vêm antes de nomes; 
pode-se ouvir "nós vamos" ou "nós vai", mas não se ouve "eu vamos". Ou seja, há combinações possíveis e 
outras impossíveis... 
 
Pode-se falar em regras também em relação à terceira definição de gramática — a internalizada. As regras 
expressam, no caso, sem qualquer conotação valorativa, aspectos dos conhecimentos linguísticos dos falantes 
que têm propriedades sistemáticas. É importante que fique claro que seguir uma ou outra regra de uma 
gramática produz avaliações sociais do tipo "é culto", "é inculto". Mas, certamente, seguir uma ou outra regra 
não indica menor ou maior inteligência, maior ou menor sofisticação mental ou capacidade comunicativa. 
 
LÍNGUA 
 
A cada uma das definições de gramática apresentadas acima corresponde uma concepção diferente e 
compatível de língua. 
 
Para a gramática normativa, a língua corresponde às formas de expressão observadas produzidas por pessoas 
cultas, de prestígio. Nas sociedades que têm língua escrita, é principalmente esta modalidade que funciona 
como modelo, acabando por representar a própria língua. Eventualmente, a restrição é ainda maior, tornando-
se por representação da língua a expressão escrita elaborada literariamente. É a essa variante que se costuma 
chamar "norma culta" ou "variante padrão" ou "dialeto padrão". Na verdade, em casos mais extremos, mas 
não raros, chega-se a considerar que esta variante é a própria língua. 
 
A gramática normativa exclui de sua consideração todos os fatos que divergem da variante padrão, 
considerando-os "erros", "vícios de linguagem" ou "vulgarismos". Nos compêndios gramaticais que circulam, 
há sessões destinadas a classificar os "vícios" de linguagem. Certamente, a preocupação fundamental é com o 
padrão linguístico, mas, de fato, nessa sessão misturam-se frequentemente problemas diferentes. Sem 
pretender esmiuçar a variedade de problemas aí colocados num conjunto, sabe-se que eles materializam 
diversas preocupações: 
a) algumas têm a ver com "correção" gramatical, e aí estão, entre outros, os regionalismos e os solecismos; 
b) outras demonstram preocupação com a pureza da língua, sendo os exemplos de estrangeirismos —que 
deveriam ser evitados— o caso mais claro; 
c) outras mostram que os gramáticos têm também preocupação com regras de discurso — é o caso quando 
desaconselham os cacófatos, que, supostamente, serviriam para veicular temas ou falar de objetos censurados; 
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d) finalmente, há preocupação com as funções da linguagem, em especial com a expressão clara do 
pensamento — daí a condenação das ambiguidades, por exemplo. 
 
Para a gramática descritiva, nenhum dado é desqualificado como não pertencendo à língua. Ou seja, em 
princípio, nenhuma expressão é encarada como erro, o que equivaleria, num outro domínio, à anormalidade. 
Ao contrário, a gramática descritiva encara— considera um fato a ser descrito e explicado — a língua falada 
ou escrita como sendo um dado variável (isto é, não uniforme), e seu esforço é o de encontrar as regularidades 
que condicionam essa variação. Sabe-se hoje que a variação é condicionada tanto por fatores externos à própria 
língua quanto por fatores internos (falou-se deste aspecto na primeira parte, em "Não existem línguas 
uniformes"). São externos, entre outros, os fatores geográficos, os de faixa etária, os de classe social, de sexo, 
de grau de instrução, de profissão etc. Claramente, por exemplo, eles "puseram" é a forma preferida pelos 
falantes das classes sociais mais elevadas, mais instruídas, quando se expressam em situações formais. Dá-se 
o inverso com formas como "pusero", utilizadas por pessoas de menor instrução e qualificação social mais 
baixa, ou que se expressam em situações informais. 
 
Pesquisas mostram que as pessoas utilizam muito mais frequentemente do que imaginam as formas de 
expressão que consideram erradas. Este fato, aliás, tem uma forte influência na mudança linguística: as formas 
"erradas" que as pessoas cultas começam a empregar perdem sua conotação negativa e acabam por tornar-se 
"certas". Os sociolinguistas em geral defendem ahipótese de que as regras são de natureza variável, de forma 
que é muito difícil para qualquer pessoa falar durante um certo tempo sem passar inconscientemente de uma 
variedade a outra. 
 
Os condicionamentos internos estruturais da variação são também numerosos. Lembremos, a título de 
exemplo, a influência da preposição "para" na escolha das construções "para mim fazer" e "para mim ler". O 
Fundamento para a existência de expressões como "'para mim ler" não é simplesmente a ignorância, como a 
ignorância poderia fazer pensar. Há uma boa explicação interna à língua para esta forma variável. Em poucas 
palavras: todos os falantes do português sabem que o pronome de primeira pessoa do singular, quando regido 
por preposição, é "mim", como se vê em frases como " vá por mim". "isso veio de mim". "aquilo era para 
mim". Generalizando essa tendência a todos os empregos de "para" seguidos de pronome de primeira pessoa, 
chega-se naturalmente à construção "para mim faaer", "para mim ler". Isto é, o fator interno que explica o 
aparecimento da forma ''mim" nessa construção é a preposição "para". Uma evidência a mais de que é a 
preposição "para" que condiciona o aparecimento de "mim" é que jamais se ouviria de falantes que dizem 
"para mim ler" a frase "se mim for" (se você ouvir essa forma, pode apostar que o falante é estrangeiro — ou 
que se tenta imitar um). Isso porque a conjunção "se" não influi em nenhum contexto na forma do pronome. 
 
Como o dialeto padrão é apenas uma das variedades de uma língua, as gramáticas normativas dão conta apenas 
de um subconjunto dos fatos de uma língua. Não é surpresa que, em consequência dos privilégios que sempre 
recebeu por parte de escritores e gramáticos, e por causa de sua veemente e cara defesa, feita às vezes às custas 
da crítica a outras formas, essa variedade nos pareça "melhor", mais versátil e menos rude; entretanto, essa 
impressão não justifica a crença preconceituosa, infelizmente muito difundida na nossa sociedade, de que 
outras variedades são linguisticamente inferiores, erradas e incapazes de expressar o pensamento. 
 
Se os fatos linguísticos são por natureza variáveis, parece correto admitir que as regras que o falante 
implicitamente domina, e que o habilitam a utilizar de maneira regular sua variedade de língua e as variedades 
próximas, são também variáveis, no sentido de que incluem os condicionamentos externos e estruturais. 
Qualquer hipótese sobre o conhecimento linguístico dos falantes que não levasse em conta sua capacidade de 
adaptar-se às condições de fala e aos condicionamentos estruturais, por mais complexa que seja, não passa de 
uma simplificação grosseira e preconceitosa. Isso diz respeito a qualquer falante, inclusive, é evidente, aos 
falantes de grupos sacioeconomicamente desfavorecidos, que constituem hoje em dia a grande maioria dos 
alunos da escola pública. 
 
ERRO 
 
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Passemos agora ao conceito de erro, que, como se pode prever, será diferente para cada definição de 
gramática e de língua. 
 
A noção mais corrente de erro é a que decorre da gramática normativa: é erro tudo aquilo que foge à variedade 
que foi eleita como exemplo de boa linguagem. É importante, neste ponto, fazer duas considerações. A 
primeira é que "os exempIos de boa linguagem" são sempre em alguma medida ideais e são sempre buscados 
num passado mais ou menos distante, sendo, portanto, em boa parte arcaizantes, quando não já arcaicos. 
Certamente, embora em matéria de língua nada seja uniforme, os exemplos de boa linguagem utilizados pelas 
gramáticas são mais arcaizantes do que os encontrados em jornais e nos textos de muitos escritores vivos de 
qualidade reconhecida. 
 
A segunda observação é que, apesar dessa tendência arcaizante registrada nas gramáticas — e mesmo nos 
manuais de redação de jornais —, há mudanças de padrão através da história. Esta observação é crucial. Não 
só há variação entre formas linguísticas padrões e populares ou regionais, mas há variação também no interior 
do padrâo. Em primeiro lugar, variação histórica. Por mais que a autoridade de Camões continue viva, 
ninguém incentivaria hoje os alunos de primeiro e segundo graus a escrever "impostos que dos pobres 
contribuintes se pagam", por imitação a "mar que dos feos focas se navega". Se nada — nem mesmo a língua 
dos melhores escritores — avaliza a manutenção de uma norma imutável, por que não poderia a escola 
acompanhar mais de perto a norma culta real, tal como ela é utilizada, por exemplo, nos jornais, que, para 
ficar num exemplo, já abandonaram há tempo a regência indireta de "assistir" e utilizam correntemente 
expressões como "muitas pessoas já assistiram esse filme" e "o jogo foi assistido por cem mi! pessoas" ? 
 
Além disso, vale a pena observar que o padrão, mesmo o escrito, varia também na mesma época. Revistas 
para o grande público, revistas técnicas, crônias, reportagem etc. não são escritas exatamente segundo as 
mesmas regras. Uma observação razoável confirmará essa afirmação. 
 
Na perspectiva da gramática descritiva, só seria erro a ocorrência de formas ou construções que não fazem 
parte, de maneira sistemática, de nenhuma das variantes de uma língua. Uma sequência como "os menino", 
cuja pronúncia sabemos ser variável (uzmininu, ozminino, ozmenino etc.), que seria claramente um erro do 
ponto de vista da gramática normativa, por desrespeitar a regra de concordância, nao é um erro do ponto de 
vista da gramática descritiva, porque construções como essa ocorrem sistematicamente numa das variedades 
do português (nessa variedade, a marca de pluralidade ocorre sistematicamente só no primeiro elemento da 
sequência — compare-se com "esses menino", " dois menino" etc.). Seriam consideradas erros, ao contrário, 
sequências como "essas meninos", "uma menino", "o meninos", "tu vou", que só por engano ocorreriam com 
falantes nativos, ou então na fala de estrangeiros com conhecimento extremamente rudimentar da língua 
portuguesa. 
 
A adoção de um ponto de vista descritivo permite-nos traçar uma diferença que nos parece fundamental: a 
distinção entre diferença linguística e erro linguístico. Diferenças linguísticas não são erros, são apenas 
construções ou formas que divergem de um certo padrão. São erros aquelas construções que não se enquadram 
em qualquer das variedades de uma língua. 
 
Saber uma língua é, entre outras coisas, dispor de um conjunto articulado de hipóteses sobre as regras que a 
língua segue. De alguma maneira, estamos sempre incorporando e manipulando hipóteses desse tipo. Além 
disso, parece certo que nosso conhecimento de uma língua não é um rol de frases prontas, mas um conjunto 
de regras que acionamos conforme as circunstâncias. Acontece às vezes que os falantes formulam, 
interiorizam e acionam hipóteses equivocadas, principalmente no que se refere a forma das palavras ou à sua 
significação, ou estendem em excesso a aplicação de hipóteses corretas. Alguém que fale "desentupidor de 
pilha" por "desentupidor de pia", "vitror" por "vitrô", "solvete" por "sorvete", ou que escreva "poude" por 
"pôde" ou "poder-mos" por "podermos" estaria cometendo erros, por produzir expressões que não existem de 
forma sistemática em nenhuma variedade da 1íngua falada ou escrita. 
 
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Mas, esses erros têm sempre uma motivação forte. O caso de "pilha" por "pia" é próprio de falantes em cujo 
dialeto nativo o "lh" não é pronunciado. No momento em que entram em contato com a variedade padrão, 
tudo indica que esses falantes,ao mesmo tempo em que aprendem a pronunciar "filha" no lugar de "fia" ou 
"palha" no lugar de "paia", formulam a hipótese de que "lh" é o equivalente de "i" antes de vogal. Aplicando, 
embora equivocadamente, esta regra a todo "i" intervocálico, produzem o que se chama tecnicamente de 
hipercorreções. Explicações análogas dão conta de " vitror-vitrô", "solvetesorvete", "poude-pôde". O caso de 
"podermos" é típico da escrita, e pode ser explicado pela conjunção de dois fatores: de um lado, a sensação 
—- correta — de que "poder" é uma palavra completa em outros contextos; de outro, o uso de hífen, correto 
tom os pronomes átonos, por exemplo em "ver-nos", "dizer-nos" etc. A semelhança de "mos" (que não é uma 
palavra) com "nos" (que é uma palavra) favorece a confusão. 
 
 Na escola, seguramente, os erros de ortografia ocupam uma grande parte do tempo e das energias do 
professor. Há dois tipos de erros ortográficos, ambos fortemente motivados: os que decorrern da falta de 
correspondência entre sons e letras, mesmo para uma variante padrâo de uma mesma região, e os que decorrem 
da pronúncia variável em regiões ou grupos sociais diferentes. Os dois tipos de erros podem ser exemplifícados 
por duas dificuldades distintas na grafia da palavra "resolveu": a dificuldade de escolher entre s e z na segunda 
sílaba decorre da falta de correspondência exata entre sons e letras no sistema ortográfico vigente; s e z são, 
nessa palavra, duas grafias teoricamente possíveis para o mesmo som, e não é de admirar que sejam usadas 
uma pela outra; por outro lado, a dificuldade de escolher entre l e u no final da mesma sílaba tem a ver com 
variações geográficas ou sociais na pronúncia. Para a grande maioria dos brasileiros, não há qualquer diferença 
entre o som que se escreve com l no final da sílaba e o u de "pausa"; as palavras "alto" e "auto" não diferem 
na pronúncia. Pode-se, portanto, esperar que, na aquisição da escrita, sejam numerosas as trocas de l por u e, 
por hipercorreção, de u por l. Esse tipo de erro decorre provavelmente do fato de que o aluno espera — até 
como consequência dos métodos de alfabetização — que haja uma correspondência confiável entre som e 
letra, uma expectativa que leva às dificuldades exemplificadas com "resolveu", mas que pode levar a 
dificuldades muito mais dramáticas quando o aluno vem de um meio linguístico em que a pronúncia usual é 
"arve", "cuié" e "calipe" (por "árvore'', "colher" e ''eucalipto''). Nesses casos, a distância que o aluno precisa 
percorrer desde seus conhecimentos linguísticos reais até a grafia da variante padrão é maior do que o 
aprendizado de um código em que os sons se convertem em letras. Acrescente-se a dificuldade de aprender 
expressões que podem ser tão estranhas como as de uma língua estrangeira. 
 
ESBOÇO PRÁTICO 
 
Deveria ter ficado claro, até aqui, que, além de não ser necessário ensinar gramática na escola, pelo menos no 
sentido corrente desta palavra, também é necessário sofisticar um pouco a concepção do campo. No que segue, 
vou simular uma situação radical — embora não irreal. Para o caso de ser necessário ou obrigatório ensinar 
gramática, (digamos, por medida provisória), quero mostrar rapidamente alguma utilidade e operacionalidade 
do que até aqui foi dito sobre os vários conceitos de gramática (não só, mas também para não ser acusado de 
"teórico"). 
 
1. Gramática 
Na metodologia rapidamente sugerida, ensinar gramática pode continuar a ser um objetivo válido. Lembre-
se, porém, que há pelo menos três concepções de gramática. O que se sugere é que a prioridade a adotar na 
escola deveria ser a inversa da seguida na apresentação desses conceitos. O mais importante é que o aluno 
possa vir a dominar efetivamente o maior número possível de regras, isto é, que se torne capaz de expressar-
se nas mais divertas circunstâncias, segundo as exigências e convenções dessas circunstâncias. Nesse sentido, 
o papel da escola não é o de ensinar uma variedade no lugar da outra, mas de criar condições para que os 
alunos aprendam também as variedades que não conhecem, ou com as quais não têm familiaridade, aí incluída, 
claro, a que é peculiar de uma cultura mais "elaborada". É um direito elementar do aluno ter acesso aos bens 
culturais da sociedade, e é bom não esquecer que para muitos esse acesso só é possível através do que lhes for 
ensinado nos poucos anos de escola. 
 
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Por mais distante que a linguagem do aluno esteja da variedade padrão, ela é extremamente complexa, 
articulada, longe de ser um falar rudimentar e pobre (que o digam os linguístas que se dedicaram à tarefa de 
descrever variedades regionais e sociais, ou mesmo a linguagem infantil). Se a escola desconsiderar essa 
riqueza linguística que a criança traz — seu capital linguístico —, estará pecando pela base, desperdiçando 
material extremamente relevante (espero que isso tenha ficado claro em "Sabemos mais do que pensamos" e 
em "Sabemos o que os alunos ainda não sabem?"). Se atentarmos para o tipo de aprendizado que levou a 
criança ao domínio de sua variedade linguística, antes mesmo da experiência escolar, poderemos aceitar sem 
discussão de detalhes que esse aprendizado se deu pela exposição e participação na fala dos grupos com os 
quais conviveu. Essa é a metodologia bem-sucedida para o aprendizado de qualquer língua ou variedade: 
exposição aos dados. A aceitacão de que o objetivo prioritário da escola é permitir a aquisição da gramática 
internalizada compromete a escola com uma metodologia que passa pela exposição constante do aluno ao 
maior número possível de experiências linguísticas na variedade padrão. Trocando em miúdos, prioridade 
absoluta para a leitura, para a escrita, a narrativa oral, o debate e todas as formas de interpretação (resumo, 
paráfrase etc.). Essas é que são as boas estratégias de ensinar língua — e gramática. Pode parecer paradoxal, 
mas não se incluem entre elas as liçoes de nomenclatura e de análise sintática e morfológica, tão entranhadas 
na prática corrente. 
 
Não se trata de excluir das tarefas da escola a reflexão sobre a linguagem, isto é, a descrição de sua estrutura 
ou a explicitação de suas regras, tarefas essas que estariam incluídas nas definições normativa e descritiva de 
gramática. Trata-se apenas de estabelecer prioridades, deixando claro que não faz sentido, dado o objetivo da 
escola, descrever ou tentar sistematizar algo de que não se tenha o domínio efetivo. Pense-se no que aconteceu 
durante décadas no ensino de línguas estrangeiras: ensinavam-se as regras gramaticais dessas línguas e o 
resultado era invariavelmente a incapacidade dos alunos de as falarem. Não teria sido mais proveitoso ocorrer 
o inverso, isto é, que se aprendesse a falar essas línguas, ao invés de falar sobre elas? O mesmo vale para a 
variedade padrão do português: mais vale que ela seja dominada, ainda que não descrita, do que apenas 
descrita. 
 
2. Língua 
 
Defendendo a concepção de ensino de gramática exposta acima, seria incoerente concordar com formas de 
ensino que reduzem a língua a uma única variedade, mesmo que se trate da variedade socialmente prestigiada. 
Dentre as concepções de língua consideradas mais acima, o ensino deve dar prioridade à língua como 
conhecimento interiorizado, e isso leva a lembrar uma comparação instrutiva feita por Chomsky: a tarefa da 
criança que aprende a língua e a do linguísta que procura descobrir e explicar o seu funcionamento são em 
grande medida semelhantes. De fato, o processo é, em ambos os casos, de formulação, teste, aceitação ou 
recusa de hipóteses a respeito de dados. Em ambos os casos, é essencial uma vivência profunda, ainda que 
intuitiva, dos dados. Assim, fica de novo óbvia anecessidade de expor o aluno a experiências que o obriguem 
a viver a variedade que se quer que ele aprenda. Fica óbvia também a ideia de que, antes de descrever a sintaxe 
e a morfologia das expressões, o professor deve certificar-se de que o aluno sabe usá-las e entendêlas. Usar e 
entender não é apenas saber apontar expressões equivalentes, mas é também conhecer em que medida as 
expressões se adaptam a situações concretas. Todo falante — e as crianças são sob esse aspecto quase tão 
sagazes quanto qualquer adulto — sabe avaliar o valor social das expressões, perceber quando soam 
"estranhas", "gozadas", "malcriadas", ou quando identificam o falante como estrangeiro, ou como originário 
de outra região ou classe social. Nos momentos em que a escola toma a língua como assunto sobre o qual se 
fala, a reflexão sobre os valores sociais e situacionais das variantes linguísticas deveria, aliás, receber 
preferência sobre a análise da estrutura. Não se trata, é claro, de substituir os manuais de análise sintática por 
capítulos sobre variação linguística, e menos ainda por listas de expressões e modos de dizer próprios de ricos 
e pobres, nortistas e sulistas, situações formais e informais. Isto seria, de novo, levar para a sala de aula 
questões artificiais, ignorando que há, no próprio conhecimento do aluno e no confronto com a variedade 
padrão, material de trabalho mais do que suficiente. Acrescente-se que é no momento em que o aluno começa 
a reconhecer sua variedade linguística como uma variedade entre outras que ele ganha consciência de sua 
identidade linguística e se dispõe à observação das variedades que não domina. 
 
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3. Regra 
 
Costuma-se pensar o ensino da língua como ensino de gramática, e o ensino de gramática como ensino de 
regras. Pode até ser interessante manter esta fórmula dando-lhe, porém, um conteúdo novo. Ensinar gramática 
é ensinar a língua em toda sua variedade de usos, e ensinar regras é ensinar o domínio do uso. O outro sentido 
de "'ensinar regras", o das gramáticas tradicionais e da maioria dos manuais didáticos, é pedagógica e 
cientificamente suspeito. As gramáticas tradicionais nos dão uma impressão de exaustividade às custas de uma 
extrema superficialidade e vagueza. Por mais que isso possa parecer paradoxal, é o conhecimento da língua 
que faz com que compreendamos aquilo que os compêndios gramaticais dizem a seu respeito e é 
eventualmente a falta de domínio de determinada estrutura que faz com que os alunos apresentem dificuldades 
na análise. Na melhor das hipóteses, as regras gramaticais de um compêndio têm da língua uma visão 
estereotipada e artificialmente simples. 
 
4. Erro 
 
Sendo a língua uma realidade essencialmente variável, em princípio não há formas ou expressões 
intrinsecamente erradas. No entanto, na situação peculiar da escola, onde o aluno está para aprender uma 
variedade que não domina, ocorrem dois tipos de situação que poderiam ser caracterizados como "erros 
escolares": em primeiro lugar, pode ocorrer que o aluno utilize variantes não padrões em situações nas quais 
a variante padrão seria exigida (a escola é, em muitos momentos, um lugar de interaçâo formal, e a escrita, tal 
como a conhecemos, tem recursos apenas para registrar a variedade padrão). Para esse tipo de erros, 
ortográficos ou gramaticais em sentido mais amplo (concordância, regência etc.), é ingênuo supor que há 
correção imediata possível. Ainda mais ingênuo é supor que se eliminam por exercícios. Formas inadequadas 
desse tipo tenderão a desaparecer com o domínio progressivo da variedade padrão. Tratar esses usos 
inadequados como marcas de incompetência ou "burrice" produz como único resultado a resistência do aluno, 
que tenderá a achar-se "fraco" ou "sem capacidade" para aprender português, assumindo como real o papel 
que lhe é atribuído por preconceito. 
 
Um segundo tipo de "erro escolar" decorre de estar o aluno aprendendo uma variedade nova. Como as 
variedades novas só se aprendem pela formulação de hipóteses, é possível que algumas das hipóteses que o 
aluno formula sejam inadequadas. A correção desses erros pode ser feita pela simples apresentação da forma 
correta. Como no primeiro caso, não cabe encará-los como marcas de uma deficiência intelectual incurável. 
Eles revelam, ao contrário, que o aluno é sensível para analogias reais, um tipo de sensibilidade que o professor 
de português deveria ter todo o interesse em estimular e tomar como aliado. 
 
Sendo um pouco mais concreto e prático, penso que, levando em conta os três conceitos de gramática 
apresentados acima, poder-se-ia fazer uma proposta elementar do ensino de gramática na escola. Tal proposta, 
como ficou dito, consistiria em trabalhar na escola com essas três gramáticas, em ordem de prioridade inversa 
em relação à ordem de sua apresentação, isto é, privilegiando a gramática internalizada, em seguida, a 
descritiva e, por último, a normativa. Isso deveria ser entendido da seguinte maneira: quando o aluno chega à 
escola com seis ou sete anos, domina uma certa quantidade das possibilidades da língua, isto é, ele sabe muito, 
mas ainda não domina certos (muitos?] recursos, seja porque não são muito utilizados no ambiente social no 
qual ele vive e aprendeu o que conhece da língua, seja porque são recursos que não mais ocorrem na língua 
falada — se são recursos exclusivos da escrita, é óbvio que o aluno iniciante ainda não teve acesso a elas. Só 
o terá se vier a ler. Um exemplo que me ocorre são as formas do mais-queperfeito. Ninguém conhecerá formas 
como "fora, chegara, estivera" se não ler, porque, de fato, não são mais faladas. Ora, uma das funções da 
escola é possibilitar o domínio do padrão estrito. Portanto, a primeira tarefa da escola, do ponto de vista do 
ensino da gramática, é aumentar o domínio de recursos linguísticos por parte do aluno. Isso se faz expondo o 
aluno consistentemente a formas linguísticas que ele não conhece, mas deve conhecer para ser um usuário 
competente da língua escrita. Se tais formas não são faladas, só um bom programa de leitura pode produzir a 
exposição necessária ao aprendizado ativo. O aluno aprendeu o dialeto com o qual tomou contato falando e 
ouvindo ativamente, na maior parte na própria família, algumas coisas com outras crianças da sua idade, outras 
com os marmanjos que lhe ensinam alguns dos segredos da vida, outras assistindo a programas de televisão. 
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Seguindo o mesmo processo, vai aprender outras formas lendo, em especial aquelas que tipicamente estão 
apenas nos livros. 
 
Para o aprendizado da língua, tanto da modalidade oral por parte da criança, quanto da escrita na escola, não 
faz sentido pensar em fases: primeiro tal estrutura, depois outra, da mais simples à mais complexa. Aprende-
se tudo mais ou menos ao mesmo tempo. Assim, a escola deveria acreditar que a saída é ler muito, aumentar 
o repertório do aluno, suas possibilidades de contato com mundos linguísticos que ele ainda não conhece 
através dos livros. O extremo desse projeto, se a escola for bem-sucedida, será o aluno acabar aprendendo 
português arcaico, de tanto ler lextos antigos, depois de ler todos os mais recentes... 
 
Em segundo lugar, em termos de prioridade, entraria a gramática descritiva. Ensinar gramática descritiva não 
seria, evidentemente, ensinar linguística na escola. A proposta é a seguinte: diante do domínio linguístico 
efetivo da língua que o aluno revela na escrita, ou dos problemas que manifesta em suas atividades de escrita,deve-se aprender a comparar e/ou propor diversas possibilidades de construção. A proposta consiste em 
trabalhar os fatos da língua a partir da produção efetiva do aluno. Suponhamos que o aluno escreva numa de 
suas histórias uma frase simples do tipo "nós foi pescar". O que fazer? A partir das atitudes típicas de quem 
faz gramática descritiva, o trabalho em sala de aula implicaria em escrever essa sequência no quadro e discutir 
com os alunos quem a utiliza tipicamente, se, e em que condições, pode ser usada na escrita, se é ou não é 
adequada e, finalmente, quais são as maneiras alternativas de dizer "a mesma coisa". De uma discussão como 
essa, eu suponho, em primeiro lugar, que saiam pelo menos quatro construções: 
 a) nóis foi pescar; 
 b) a gente foi pescar; 
c) a gente fomos pescar; 
c) nós fomos pescar 
 
Isso significa dizer que, em português, há quatro maneiras de verbalizar ou narrar esse mesmo fato. Nenhuma 
dessas formas pode ser condenada, do ponto de vista descritivo, mas elas podem ser ordenadas do ponto de 
vista de sua aceitabilidade na escrita. E isso já seria introduzir os critérios da gramática normativa. A ordem 
de aceitabilidade das estruturas é, provavelmente, "nós fomos pescar", "a gente foi pescar", "a gente fomos 
pescar", "nós foi pescar". A primeira e a segunda forma são ambas do dialeto padrão, e a escolha entre uma 
delas depende do grau de formalidade do texto. A terceira forma pode parecer estranha, mas aparece em 
escritores, e pode até ser tratada como figura de linguagem — silepse de número (ou pode ser um exemplo de 
concordância ideológica, isto é, concordância com o conteúdo e não com a forma). Finalmente, a última forma 
só pode ser escrita para representar a fala de uma personagem que se queira caracterizar de forma "realista". 
O que exige que seja escolhida conscientemente para tal finalidade, e não que reflita apenas o estado de 
conhecimento da língua pelo aluno. 
 
Espero que se concorde que essa é uma aula de gramática, e é um tanto irrelevante se, para ministrá-la, usa-se 
ou não terminologia técnica. Eu sugeriria que se falasse normalmente em concordância, em verbo, em sujeito, 
em pronome, em plural etc., sem que a terminologia fosse cobrada, de forma que, eventualmente, ela passasse 
a ser dominada como decorrência de seu uso ativo, e não através de listas de definições. 
 
O que o aluno produz reflete o que ele sabe (gramática internalizada). A comparação sem preconceito das 
formas é uma tarefa da gramática descritiva. E a explicitação da aceitação ou rejeição social de tais formas é 
uma tarefa da gramática normativa. As três podem evidentemente conviver na escola. 
 
Em especial, pode-se ensinar o padrão sem estigmatizar e humilhar o usuário de formas populares como "nós 
vai". (Na verdade, a compararão entre tais formas pode ser enriquecida através de comparações com formas 
de outras línguas, o que implicaria na introdução informal — mas não inútil — de uma gramatiquinha 
comparativa.). 
 
Vou dar mais alguns exemplos rápidos do que seriam pequenas aulas de português (ou de gramática, nesse 
sentido). Outro exemplo de aula de português que equivale a uma aula de gramática seria partir de uma 
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construção e dizer "a mesma coisa" de todas as formas que se puder obter, alterando o ponto de vista, ou 
seja, alterando a estrutura da frase sem alterar radicalmente seu sentido. Veja-se essa atividade feita a partir 
de uma frase comum, "o telhado da casa foi derrubado por uma violenta tempestade". Pode-se tomar uma 
frase como essa e pedir que a classe rearranje esse mesmo evento de vários pontos de vista. Para exemplificar 
o procedimento, listo abaixo um certo número de alternativas, repetindo antes a forma original: 
 
a) O telhado da casa foi derrubado por uma violenta tempestade. 
b) A tempestade violenta derrubou o telhado da casa. 
c) O telhado da casa caiu por causa da tempestade violenta. 
d) Foi a violenta tempestade que derrubou o telhado da casa. 
e) O que derrubou o telhado da casa foi a tempestade violenta. 
f) A violência da tempestade foi tanta que derrubou o telhado da casa. 
g) Tamanha foi a violência da tempestade que derrubou o telhado da casa. 
h) A casa teve seu telhado derrubado pela violência da tempestade. 
i) A casa teve seu telhado derrubado por uma tempestade violenta. 
 
A esses exemplos poderia acrescentar mais um ou dois, introduzindo formas mais marcadas socialmente 
(formas tabus, mas que pertencem indiscutivelmente à língua): 
 
 j) Foi uma puta tempestade que arrancou a porra do telhado. 
l) A bosta do telhado caiu foi por causa de uma tempestade do caralho. 
 
Certamente, se eu consegui construir essas alternativas sozinho, uma sala com trinta alunos pode conseguir 
muito mais. O que se aprende com isso? Várias coisas: a primeira é o que gastaria de chamar de "lei Ibrahim 
Sued". 0 nome deriva da seguinte história: dizem que Ibrahim Sued, que era considerado ignorante em matéria 
de língua, pediu um dia a sua secretária que preenchesse um cheque de sessenta cruzeiros. Quando foi 
datilografar o cheque, a secretária teve uma dúvida, e perguntou: "— Doutor, "sessenta" é com c ou com ss?" 
Ele pensou um pouco e respondeu: "— Faça dois de trinta". Eu acho a lei Ibrahim Sued aplicada ao estilo 
fundamental no ensino de língua. Aprender uma língua é aprender a dizer a mesma coisa de muitas formas. 
Não se deveria imaginar que existe só uma forma de falar, isto é, que um cheque tem que ser sempre de 
sessenta. Isto é, a língua nos dá sempre várias alternativas, e saber uma língua ativamente e "utilizá-la" como 
sujeito é em boa parte saber dizer uma coisa de muitas maneiras — inclusive, saber as pequenos diferenças de 
sentido e de condições de uso que essas várias maneiras implicam e supõem. 
 
Meu último exemplo é baseado em um trecho de uma redação de aluno que um professor de cursinho criticou 
em um jornal. O aluno escreveu, entre outras coisas, a seguinte sequência: "... que acabam fazendo críticas 
destrutivas que não são construtivas, quando levam a pessoa a reagir assim, de tal forma". Eu diria, simulando 
estar numa aula em que se discutem textos produzidos por alunos, que o problema desse trecho, se é que se 
pode falar de problema, é que ele tem características tipicamente orais. Nós falamos assim. Nós falamos "assim 
desse jeito", "assim de tal forma" e ninguém vê problema nisso. É que frequentemente há redundâncias (aliás, 
há interessantes estudos sobre a redundância e a repetição na língua falada). Mas, dizer que falamos de forma 
semelhante não significa dizer que essa não é a única opção. Por isso, provavelmente, a primeira atividade 
que se poderia fazer com esse texto numa aula seria trabalhar para substituir as marcas de oralidade. A primeira 
medida seria tirar "assim". Veja-se que, retirando essa palavra, uma só palavra bem escolhida, o texto já parece 
"normal". O que ocorre é que, se o texto tem um traço que nos soa negativo, já nos parece que só contém 
problemas. Outra sequência que pode ser alterada é: "e acabam fazendo críticas destrutivas que não são 
construtivas". Muitos criticariam aqui a existência de uma redundância. Mas, veja-se o texto de outro ponto 
de vista, e pode-se encontrar não mais uma redundância, mas uma ênfase. Uma das formas de enfatizar é 
repetir, mudando alguma coisa, que é o que ocorre aqui (destrutivas, que não são construtivas). Do ponto de 
vista da aceitabilidade dessa construção, pode-se concluir, por exemplo, que, se se quer escrever um texto 
curto e enxuto — se temos pouco espaço, como num jornal — deve-se proceder a mudanças que eliminem os 
"excessos" (retirar "assim" e ainda escolher uma dentre as duas alternativas: ou "destrutivas"ou "que não são 
construtivas"). O texto ficaria, por exemplo: "e acabam fazendo críticas negativas quando levam a pessoa a 
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reagir de tal forma". Plenamente aceitável. Mas, suponha-se que se está escrevendo uma fala de personagem 
teatral, ou de novela, e que se quer produzir um efeito de informalidade. Para obter esse efeito, a versão mais 
"correta" e enxuta não é adequada. A melhor seria a original, aquela que parece ter problemas. 
 
A moral da história é que não existem propriamente textos errados e textos corretos (pelo menos, nem sempre), 
mas, fundamentalmente, textos mais ou menos adequados, ou mesmo inadequados a determinadas situações. 
 
Como se vê, não se está propondo um roteiro metodológico que só possa ser executado por pessoas altamente 
especializadas ou que trabalham em condições absolutamente excepcionais. Sua execução depende apenas de 
bom senso, um pouco de capacidade de observação e disposição para abrir mão de atitudes puristas em relação 
à língua. Se os professores observássemos mais nossa própria linguagem em situações, diversas, 
perceberíamos o quanto ela varia. Longe de revelar incompetência profissional, esse fato indica que somos 
falantes normais, capazes de nos adaptar às circunstâncias. 
 
É certo que não há, para esse roteiro, materiais didáticos prontos. Mas, a própria natureza desse tipo de roteiro 
coloca o material didático em plano secundário, já que o material prioritário do trabalho é a produção 
linguística do aluno, ao lado de uma pequena coleção de materiais de leitura. 
 
Deveria ter ficado claro nas entrelinhas que as sugestões se resumem a uma única grande ideia: fazer com que 
o ensino do português deixe de ser visto tomo a transmissão de conteúdos prontos, e passe a ser uma tarefa de 
construção de conhecimentos por parte dos alunos, uma tarefa em que o professor deixa de ser a única fonte 
autorizada de informações, motivações e sanções. O ensino deveria subordinar-se à aprendizagem. 
 
 
FIM 
 
 
 
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