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86 Unidade III Unidade III 7 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS RELACIONADAS À ÁREA DE CONHECIMENTO 7.1 Práticas pedagógicas relacionadas à literatura Há uma relevante discussão entre os estudiosos e pesquisadores do ensino da língua portuguesa a respeito do ensino da literatura. O aspecto mais controverso reside no fato de a língua, a escrita e a literatura serem trabalhadas como áreas separadas umas das outras. Oliveira (2010), por exemplo, acredita que textos literários e atividades de leitura e de linguagem de modo geral deveriam ser tratados em uma mesma disciplina, evitando‑se a fragmentação dos conteúdos. Afinal, não se faz análise de contos, romances, poemas, todas elas com base na natureza dialógica e interativa da linguagem? Para o autor, o problema maior dessa divisão é que o componente curricular língua portuguesa acaba sendo visto como aquele que se dedica apenas ao ensino da gramática e da leitura, esta última, ainda, como um ensino ocasional, apenas para resolver problemas da primeira (OLIVEIRA, 2010). O que fica evidente em toda essa discussão pode ser discutido quando procuramos resposta para a pergunta proposta por Oliveira: “os alunos devem estudar a literatura ou usar a literatura?” A separação tão nítida entre as disciplinas língua, literatura e produção de texto parece responder a essa pergunta: “literatura tem sido abordada na escola como um objeto de estudo, mas não tem sido vista como um meio para desenvolver a capacidade do estudante usar a língua” (2010, p. 173). Estudar literatura é o que ocorre nos cursos de Letras, por exemplo, quando em sua grade curricular aparecem disciplinas como literatura brasileira, literatura portuguesa, teoria da literatura, entre outras. Mas em outros seguimentos do ensino, o foco deveria ser o discutido anteriormente: usar a literatura para desenvolver competências relacionadas à linguagem como meio de interação. Fortalecendo essa discussão, Leite (2006) também afirma que, embora em seu tempo de estudo a disciplina escolar fosse chamada de português, e tudo fosse ensinado nela, por um único professor, também os conteúdos eram isolados uns dos outros, pois havia o dia da literatura, o dia da língua e o dia da redação. Muitas mudanças foram acontecendo nos currículos escolares, mas todas elas parecem ter reforçado a fragmentação. Por exemplo: uma disciplina denominada comunicação e expressão, inserida no currículo do Ensino Fundamental, não se dedicava ao estudo da literatura. Em outro momento, uma disciplina chamada produção de textos, também no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, descartava a literatura e a análise da língua, para dedicar‑se absolutamente ao escrever. 87 DIDÁTICA ESPECIFICA - LETRAS Exemplo de aplicação Tudo isso faz sentido para você? Seria possível, por exemplo, alguém escrever sem que para isso tivesse dedicado parte de seu tempo a compreender o funcionamento discursivo da língua? E mais: uma disciplina dedicava‑se à leitura dos chamados paradidáticos, muitas vezes considerando que esses livros fossem parte de um componente maior, denominado estudos transversais. Você percebe a confusão entre os significados? Afinal, estudos transversais não é uma disciplina ou um conteúdo a ser tratado em uma disciplina. Por isso mesmo seu nome, transversal, ou seja, conteúdos que devem atravessar todos os componentes curriculares. O que queremos dizer com isso é que muitas vezes o uso de paradidáticos no ensino toma o lugar da leitura moralista, cujo objetivo é “fazer melhorar a vida do aluno e daqueles com quem convive” ou “mostrar a ele as mazelas do mundo”; adotamos paradidáticos que ensinam algum valor moral a ser seguido pelo aluno. Seria mesmo esse o objetivo de se ler um paradidático? Todos os pesquisadores que têm dedicado seu tempo às pesquisas em sala de aula, relacionadas ao ensino da língua portuguesa, afirmam que a tendência tem sido ensinar a gramática nas aulas de língua, focalizando‑a abstratamente, isolada dos contextos de uso. Até hoje vemos atividades que utilizam textos literários ou trechos da literatura como pretexto para o exercício mecânico de destacar elementos da gramática. O que tem sido considerado como relevante em relação ao ensino de língua e literatura é que romper com a dicotomia que domina esse ensino pode contribuir para o desenvolvimento da competência crítica do aluno frente às ações discursivas das quais participa. Vejamos alguns significados da palavra literatura, destacados por Robert Escarpit (apud LEITE, 2006, p. 21): • instituição nacional, patrimônio cultural; • sistema de obras, autores e público; • disciplina escolar que se confunde com a história literária; • conjunto de textos consagrados pela crítica; • qualquer texto, consagrado ou não, com intenção literária, visível num trabalho da linguagem e da imaginação, ou simplesmente esse trabalho enquanto tal. Para Leite (2006), as três primeiras acepções da palavra literatura são utilizadas na escola, o que nos leva a pensar que essa área do conhecimento está na escola com o objetivo ideológico de reprodução dos valores dominantes. O grande desafio é, na verdade, pensar a prática pedagógica da literatura não 88 Unidade III como pretexto para a aprendizagem de outros conteúdos, mas como espaço para análise e interpretação das obras literárias que dialogam com as práticas sociais e culturais. Nesse sentido, vale a pena pensar sobre o papel do professor quando trabalha com literatura em sala de aula de Ensino Fundamental ou de Ensino Médio. De que recursos ele lança mão para despertar a motivação de seus alunos? Em outras palavras, “como se estabelece a relação entre o aluno‑leitor e o texto literário?” (MARTINS, 2006, p. 83). Beach e Marshall, discutindo literatura, apontam que: A leitura da literatura está relacionada à compreensão do texto, à experiência literária vivenciada pelo leitor no ato da leitura, ao passo que o ensino da literatura configura‑se como o estudo da obra literária, tendo em vista a sua organização estética. Na verdade, esses dois níveis estão imbricados, na medida em que, ao experienciar o texto, por meio da leitura literária, o aluno também deveria ser instrumentalizado, a fim de reconhecer a literatura como objeto esteticamente organizado. No entanto, a escola parece dissociar esses dois níveis, desvinculando o prazer de ler o texto literário (produzido pela leitura da literatura) do reconhecimento das singularidades estéticas da obra (proporcionado pelo estudo/ensino da literatura) (BEACH; MARSHALL, 1991, p. 38). Os autores discutem ainda a necessidade de os professores reconhecerem que há dois níveis de leitura: aquela realizada pelos alunos que entram em contato com o texto pela primeira vez e, a partir dessa leitura, experimentam o exercício de interpretá‑lo; e a leitura do próprio professor, na maioria das vezes a quarta, quinta leitura, respaldada por um saber linguístico amadurecido, por conhecimentos contextuais e por teorias e críticas literárias às quais os alunos ainda não tiveram acesso. Nesse sentido, caberia ao professor preparar atividades sobre as obras literárias para que os alunos conhecessem mais sobre as relações entre literatura e contexto sociocultural, literatura e crítica literária. Em resumo, atividades que mostrassem aos alunos que o sentido não está no texto, mas se constrói pelo leitor na interação com o texto. Pensando nesse jovem leitor, que inicia sua caminhada na literatura sem a almejada maturidade literária, Riolfi et al. (2010) nos apresentam um aspecto de extrema relevância em relação ao ensino da literatura nas escolas ao comentar sobre como jovens estudantes registram “o lugar nenhum” da literatura em sua aprendizagem. Em entrevistas realizadas com adolescentes de 6o ano do Ensino Fundamental e de 3o ano do Ensino Médio, fica claro que o trabalho com literatura em sala de aula tem merecido do professor pouca atenção e pouco tem colaborado na formação do aluno‑leitor. O foco das atividadesainda está fortemente atrelado à avaliação e os textos literários são explorados superficialmente em sala de aula. Em aulas de língua estrangeira isso também ocorre e vemos atividades que sugerem investigar o texto para aprender estruturas da língua. 89 DIDÁTICA ESPECIFICA - LETRAS Em relação à forma como as escolas devem organizar os estudos de literatura, o pesquisador William Roberto Cereja apresenta algumas possibilidades, sintetizadas no quadro a seguir. Quadro 12 – Opções metodológicas de ensino de literatura Organização do curso Características metodológicas/dificuldades/vantagens Foco em unidades temáticas – Característica: a partir de cada unidade temática, selecionar leituras, confrontando autores e gêneros – Dificuldades: falta de domínio, por parte dos alunos, dos autores e das correntes literárias – Vantagens: forma convencional, que parte das origens para chegar à contemporaneidade, portanto, seguindo o movimento natural das tradições literárias Foco nos gêneros literários – Característica: perspectiva evolutiva dos gêneros da literatura, em relação ao contexto social e cultural de cada um – Dificuldades: uso de textos de diferentes épocas, com linguagem pouco acessível e temas pouco interessantes aos alunos – Vantagens: parte da contemporaneidade para chegar às origens, portanto, inicia‑se com textos cuja linguagem é familiar aos alunos Foco na historiografia literária acadêmica e escolar (impasses entre sincronia e diacronia) – Característica: aproximação entre textos e autores de diferentes épocas; possibilidade de ampliar a visão diacrônica da literatura – Vantagens: a metodologia que mais se aproxima daquilo que os professores procuram para seu ensino, pois considera a formação dos professores e suas experiências com a abordagem histórica Adaptado de: Cereja (2005, p. 162‑167). Na mesma direção dos estudos de Cereja (2005), apresentamos uma proposta adaptada de Martins (2006), pautada nas noções de intertextualidade, interdisciplinaridade, transversalidade e intersemiose. Inserimos nesse quadro possibilidades de atividades para aulas de literatura. 90 Unidade III Quadro 13 – Articulação e não fragmentação dos conteúdos da literatura Conceito Proposta de atividade Intertextualidade: “todo texto remete sempre a outro ou a outros, constituindo‑se como uma ‘resposta’ ao que foi dito ou, em termos de potencialidade, ao que ainda será dito, considerando que a intertextualidade encontra‑se na base de constituição de todo e qualquer dizer” (KOCH; ELIAS, 2009, p. 101) Segundo Cereja (2005), a leitura literária é, por natureza, intertextual, assim como outras práticas de leitura – Intertextualidade heteroautoral baseia‑se nas relações entre textos produzidos por diferentes autores – Intertextualidade exoliterária baseia‑se nas relações entre textos literários e não literários Atividade envolvendo leitura e discussão dos textos “Quadrilha” (Carlos Drummond de Andrade) e “Quadrilha da sujeira” (Ricardo Azevedo). Uma das etapas da atividade pode, por exemplo, investigar os contextos de produção dos textos para que o aluno conheça os diferentes momentos históricos em que foram escritos; em outra etapa da atividade, os alunos podem investigar a organização dos textos e sua relação com as correntes literárias; outra etapa pode contemplar a investigação sobre como se deu o processo de absorção e transformação de um texto no outro Interdisciplinaridade: “um ensino pautado na prática interdisciplinar pretende formar alunos com uma visão global de mundo, aptos para articular, religar, contextualizar, situar‑se num contexto e, se possível, globalizar, reunir os conhecimentos adquiridos” (MORIN, 2002, p. 29); “a interdisciplinaridade, de que tanto se fala, não está em confrontar disciplinas já constituídas (das quais, na realidade, nenhuma consente em abandonar‑se). Para se fazer interdisciplinaridade, não basta tomar um ‘assunto’ (um tema) e convocar em torno duas ou três ciências. A interdisciplinaridade consiste em criar um objeto novo que não pertença a ninguém. O Texto é, creio eu, um desses objetos” (BARTHES, 2004, p. 102) Atividade envolvendo a obra Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, analisada à luz da sociologia, em busca de compreender a identidade do brasileiro Atividade envolvendo a leitura da obra modernista Macunaíma, de Mário de Andrade, e as pinturas Samba e Baile popular, de Di Cavalcanti; Operários e negra, de Tarsila do Amaral; Os retirantes e O centenário de Cândido, de Cândido Portinari, para levantamento do contexto de produção das obras e da relação entre arte e literatura a partir das características das obras Transversalidade: segundo os PCN (BRASIL, 1998), os temas transversais constituem um conjunto de temas que devem ser incorporados às áreas do conhecimento já existentes e ao trabalho educativo nas escolas. Os PCN sugerem como temas transversais ética, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde e orientação sexual Atividade com o “Poema tirado de uma notícia de jornal”, de Manuel Bandeira. Na análise do poema de Bandeira, podem ser enfatizados os seguintes temas transversais (MARTINS, 2006, p. 88‑89): – ética: o suicídio de João Gostoso envolve princípios éticos e religiosos que podem ser abordados pelo professor na interação com os alunos – saúde: condições de vida do habitante da periferia; debate sobre bebida e drogas – meio ambiente: degradação do espaço socioambiental – trabalho e consumo: condição de vida de João Gostoso, tipo de trabalho Intersemiose: conceito que envolve as relações entre diferentes linguagens, que utilizam diferentes signos semióticos, uns em relação com os outros, em produções que envolvem arte Atividade com foco no diálogo entre literatura e música, reconhecendo a diversidade de linguagens e códigos. Observar a convergência temática e os diferentes signos utilizados em “Quadrilha”, de Carlos Drummond de Andrade; “Flor da idade”, de Chico Buarque de Holanda; “Belo belo”, de Manuel Bandeira; “Bandeira”, de Zeca Baleiro Adaptado de: Martins (2006, p. 88‑89). 91 DIDÁTICA ESPECIFICA - LETRAS Saiba mais As obras mencionadas anteriormente podem ser acessadas a partir dos links a seguir. AZEVEDO, R. Quadrilha da sujeira, 24 mar. 2010. Disponível em: https://bit.ly/2LrMVzJ. Acesso em: 18 ago. 2022. BALEIRO, Z. Bandeira. Intérprete: Zeca Baleiro. In: BALEIRO, Z. Por onde andará Stephen Fry. Rio de Janeiro: MZA Music, 1997. Faixa 2. Disponível em: https://spoti.fi/3CSRmxe. Acesso em: 18 ago. 2022. BANDEIRA, M. Belo belo, 6 out. 2019. Disponível em: https://bit.ly/3TBKAky. Acesso em: 19 out. 2022. BANDEIRA, M. Poema tirado de uma notícia de jornal, 2 abr. 2016. Disponível em: https://bit.ly/3CSBtXB. Acesso em: 18 ago. 2022. BUARQUE, C. Flor da idade. Intérprete: Chico Buarque. In: BUARQUE, C. Chico Buarque e Maria Bethânia ao vivo. Rio de Janeiro: Philips Records, 1975. Faixa 12. Disponível em: https://spoti.fi/3Rv3DvZ. Acesso em: 18 ago. 2022. DI CAVALCANTI, E. Baile popular. 1972. Óleo sobre tela. 89 cm x 116 cm. Disponível em: https://bit.ly/3Bb14Kp. Acesso em: 18 ago. 2022. DI CAVALCANTI, E. Samba. 1928. Óleo sobre tela. 154 cm x 177 cm. Disponível em: https://bit.ly/3Bb14Kp. Acesso em: 18 ago. 2022. DO AMARAL, T. Operários. 1933. Óleo sobre tela, 150 cm x 230 cm. Disponível em: https://bit.ly/3Rw9Jwd. Acesso em: 18 ago. 2022. DO AMARAL, T. Negra. 1923. Óleo sobre tela, 100 cm x 80 cm. Disponível em: https://bit.ly/3Rg5Zzk. Acesso em: 18 ago. 2022. DRUMMOND DE ANDRADE, C. Quadrilha. Disponível em: https://bit.ly/3B9f8nw. Acesso em: 18 ago. 2022. PORTINARI, C. Os retirantes. 1944. Óleo sobre tela. 190 cm x 180 cm. Disponível em: https://bit.ly/3QgiFES. Acesso em: 18 ago. 2022. Para concluir esta seção, apresentamos a você algumas reflexões destacadas por Martins (2006): • desmistificar a concepção escolarizada da literatura (vista como fenômeno que ajuda o aluno a escrever bem); 92Unidade III • incentivar o trabalho com todo tipo de texto, desde autores clássicos àqueles não tão considerados, mas cuja produção se mostre relevante; • reavaliar os enfoques que orientam os trabalhos com literatura em sala de aula; • evitar o trabalho com textos fragmentados e descontextualizados; • considerar as produções dos alunos em contextos não escolarizados, valorizando sua significação textual; • diversificar o trabalho com textos, incentivando o aluno ao uso de diferentes formas de apresentar suas leituras; • desenvolver análises comparativas entre textos de diferentes autores e contextos, enfatizando a intertextualidade; • dissociar a leitura de textos literários de análises com foco na estrutura da língua; • incentivar a leitura de textos contemporâneos, promovendo debates, entrevistas etc.; • considerar as escolhas pessoais dos alunos, desvinculando‑as das práticas escolares do tipo avaliação; • considerar a diversidade de textos no que tange aos gêneros e épocas; • comparar diferentes portadores de textos literários (texto impresso, texto na web); • promover o diálogo entre literatura e outras áreas do conhecimento; • valorizar as histórias de leitura dos alunos. 7.2 Práticas pedagógicas relacionadas à análise e reflexão sobre a língua Nesta seção discutiremos a importância de se destacar, nas aulas de língua portuguesa e de línguas estrangeiras, atividades de análise e reflexão sobre a língua. Tais atividades têm por objetivo preparar o aluno para que circule nas diferentes esferas sociais e, portanto, em diferentes comunidades linguísticas. Analisar a língua e refletir sobre ela diz respeito a todos os momentos, em sala de aula, em que o professor solicita e considera a voz do aluno, suas opiniões, conflitos e incertezas sobre a língua. É exatamente quando questionado e nos momentos em que expõe argumentos sobre um dado texto ou situação de comunicação, que o aluno está desenvolvendo formas críticas de pensar. 93 DIDÁTICA ESPECIFICA - LETRAS A esse respeito, os PCN (BRASIL, 1998) consideram significativas as atividades que possibilitam aos alunos discutir não somente regras e estruturas da língua, mas os diferentes gêneros, a organização textual neles envolvida, os recursos léxicos e coesivos, as regularidades da língua oral e da língua escrita. Em suma, dois fatores são relevantes quanto à análise e reflexão sobre a língua: • a capacidade humana de refletir, analisar, pensar sobre os fatos e os fenômenos da linguagem; • a propriedade que a linguagem tem de poder referir‑se a si mesma, de falar sobre a própria linguagem. Exemplo de aplicação O que significa para você análise sobre a língua? O que você já fez nesse sentido? Esse tipo de trabalho com a língua/linguagem modificou o que em você, em relação à língua? Veja como Geraldi se refere à análise linguística: prefiro a expressão “análise linguística”, distinguindo no interior dela atividades epilinguísticas de atividades metalinguísticas através de outro critério: as primeiras refletem sobre a linguagem, e a direção desta reflexão tem por objetivos o uso destes recursos expressivos em função das atividades linguísticas em que está engajado. [...] as atividades metalinguísticas como uma reflexão analítica sobre os recursos expressivos, que levam à construção de noções com as quais se torna possível categorizar tais recursos (GERALDI, 2003, p. 190). De modo claro, os PCN explicam o que são atividades epilinguísticas: quando alguém, no meio de uma conversa, pergunta “O que você quis dizer com isso?”, por exemplo, está realizando uma atividade epilinguística. Franchi define atividade epilinguística do seguinte modo: Chamamos de atividade epilinguística a essa prática que opera sobre a própria linguagem, compara as expressões, transforma‑as, experimenta novos modos de construção canônicos ou não, brinca com a linguagem, investe as formas linguísticas de novas significações (FRANCHI, 1991, p. 36). O que é, pois, a análise da língua? Podemos afirmar, depois de tudo o que já vimos, que a análise da língua passa pela possibilidade de descobrir como o evento linguístico se organiza, como está orientado tematicamente, se apresenta um propósito comunicativo explícito ou não. Para descobrir esses aspectos, é preciso, primeiramente, desconstruir o evento linguístico para entender quais suas partes constituintes, que funções têm essas partes, como estão relacionadas e que característica de interdependência possuem, quais efeitos de sentido causam nos interlocutores e em decorrência de quais léxicos e recursos sintáticos esses sentidos são atribuídos. Cabe ainda 94 Unidade III destacar que esse análise linguística procura regularidades que expliquem o gênero, sua forma, seu contexto de produção e de uso. Antunes (2010) diz que as regularidades que encontramos ao analisar um evento de linguagem são muito mais do que uma resposta à pergunta “o que diz o autor”, mas correspondem à explicação de como algo foi dito (recursos lexicais e estratégias discursivas utilizadas). A autora comenta ainda que as atividades de análise linguística em sala de aula costumam ser as de interpretação de texto, simplificadas, pois poucas vezes alcançam a complexidade e a profundidade necessárias para que, de fato, fosse feita uma análise linguística. Essas atividades apresentam exercícios de todo tipo, desde aqueles voltados à gramática do texto a questões cujas respostas encontram‑se no próprio texto, já organizadas sequencialmente. Nesse sentido, Antunes explica a necessidade de se entender, realmente, a finalidade da análise de textos. Para ela, essa análise deveria “promover o desenvolvimento de diferentes competências comunicativas” (2010, p. 51): propriedades dos textos, estratégias utilizadas pelo autor para sua elaboração, meios e recursos utilizados, regularidades da língua implicadas no texto. E mais: ao trabalhar a análise linguística dessa forma, o aluno passa a “entender melhor certos aspectos dos processos cognitivos linguísticos, textuais e pragmáticos envolvidos nas interações verbais” (2010, p. 51). Vale destacar, ainda, que em atividades de análise linguística com o objetivo já descrito, o que mais importa não são as respostas dadas pelos alunos, mas, sim, o quanto estes são capazes de perguntar ao texto. A “finalidade da análise é promover um estado de pergunta, de busca” (ANTUNES, 2010, p. 52) para desvendar a engrenagem de funcionamento da linguagem. Apresentamos a seguir uma atividade de língua inglesa elaborada por uma professora de escola privada para alunos de 3o ano do Ensino Médio, voltada à análise de um texto da revista Speak Up número 242. O texto escolhido pela professora foi a matéria enunciada na capa da revista: “Profile, Daniel Radcliffe”. Exemplo de aplicação Atividade: análise do artigo da revista Speak Up, número 242, considerando aspectos relacionados aos processos cognitivos linguísticos, textuais e pragmáticos. A classe será dividida em quatro grupos, cabendo a cada um deles alguns aspectos da análise linguística. Ao final de duas aulas, os grupos trocarão as informações e será aberta uma discussão sobre as descobertas. Objetivos: favorecer o desenvolvimento da competência para compreender o texto, as condições de produção do texto, as características discursivas e linguístico‑discursivas implicadas no texto. Os quatro grupos trabalharão com aspectos relacionados à dimensão global do texto e com aspectos relacionados à construção do texto. Dois princípios regem a análise desejada: o teórico e o prático‑aplicativo. Os tópicos selecionados para cada grupo correspondem aos apresentados por Antunes (2010, p. 56‑58). 95 DIDÁTICA ESPECIFICA - LETRAS Orientação para a realização da atividade: os alunos deverão ler o texto, observar todos os elementos que o compõem e procurar investigar os aspectos destinados ao grupo, discutindo e registrando suas reflexões. Ao final da investigação, deverão pensar em cinco perguntas quefariam para alguém que quisesse desvendar esse texto e descobrir mais sobre ele. Na apresentação, os grupos deverão explicar o porquê dessas perguntas. Deverão também exemplificar os itens discutidos no grupo. Investigação – Grupo A 1. Dimensão global do texto: a) o universo de referência para o qual o texto remete (real ou fictício); b) campo discursivo de origem e/ou de circulação (científico, didático, religioso, político, de informação, de entretenimento, literário etc.); c) tema e/ou ideia principal; d) função comunicativa predominante; e) propósito ou intenção específica. 2. Dimensão da construção do texto: a) aspectos relacionados à pontuação, ortografia e apresentação gráfica do texto, subordinados à coerência e à relevância; b) marcas de polidez convencionais na língua inglesa; c) sinais que indicam a distribuição das informações em itens; d) nível de formalidade utilizada no texto em relação ao contexto de produção; e) marcas de oralidade na escrita; f) diferentes usos e correlações dos tempos e modos verbais; g) uso de implícitos. Investigação – Grupo B 1. Dimensão global do texto: a) vinculação do título ao núcleo central do texto; 96 Unidade III b) critério da subdivisão em parágrafos; c) direção argumentativa assumida; d) representações, cisões de mundo, crenças, concepções que o texto deixa passar, explícita ou implicitamente. e) padrões de organização decorrentes do tipo que o texto materializa. 2. Dimensão da construção do texto: a) vozes do discurso; b) discurso direto e indireto, e formas de como o interlocutor está ou não presente no texto; c) comentários do enunciador sobre seu próprio discurso; d) marcas do envolvimento do autor frente ao que é dito; e) marcas de ironia; f) efeitos de sentido pretendidos pela transgressão de qualquer um dos padrões morfossintáticos e semânticos estabelecidos; g) efeitos de sentido (ênfase, reiteração, refutação, ambiguidade, humor) pretendidos pela escolha lexical ou pelo uso de outros recursos do tipo aspas, itálico, tamanho de letra, disposição de figuras etc. Investigação – Grupo C 1. Dimensão global do texto: a) particularidades da superestrutura do gênero (blocos, partes, subdivisões, formas de organização, de apresentação e de sequência das partes); b) esquemas de progressão temática; c) recursos de encadeamento, de articulação entre parágrafos ou períodos, a fim de conferir ao texto a continuidade; d) síntese global das ideias e informações; e) recursos usados para expor ideias principais e secundárias. 97 DIDÁTICA ESPECIFICA - LETRAS 2. Dimensão da construção do texto: a) presença de estruturas sintáticas paralelas; b) ocorrência de paráfrases e suas marcas indicativas; c) uso de dêiticos pessoais, espaciais e temporais e a relação dessas expressões com elementos do contexto; d) valores sintático‑semânticos da conexão interfrástica, possibilitados pelo uso de preposições, conjunções, advérbios e de respectivas locuções; e) concordância verbal e nominal e suas relações com a continuidade temática do todo ou de uma de suas partes; f) associação semântica entre palavras (ou as cadeias ou redes de elementos afins que estão distribuídos ao longo do texto). Investigação – Grupo D 1. Dimensão global do texto: a) adequação às especificidades dos destinatários envolvidos; b) relevância comunicativa na exposição de dados, de informações, de argumentos, isto é, o grau de novidade das informações, o que determina o seu nível de informatividade; c) grau de adequação desse nível à situação comunicativa; d) sua relação com outros textos, o que inclui, mais especificamente, as remissões, as alusões, as paráfrases, as paródias ou citações literais. 2. Dimensão da construção do texto: a) segmentos em relação a sinonímia, antonímia, hiperonímia e paronímia; b) caráter polissêmico das palavras utilizadas no texto; c) elipses; d) diversas funções das repetições de palavras ou de segmentos maiores; e) expressões referenciais que introduzem os objetos de referência no texto; 98 Unidade III f) retomadas dessas expressões referenciais, que asseguram a continuidade referencial pretendida (pela substituição pronominal ou pela substituição). É importante ressaltar que uma análise assim proposta não deve permitir aos alunos apenas responder a cada uma das solicitações como se responde a um conjunto de perguntas. Os itens são apenas orientadores da investigação, não devendo, portanto, restringir a análise a fragmentos do texto. Este deve ser, ao longo de toda a atividade, visto de forma global e, nesse sentido, a condução da atividade, pelo professor, é um dos fatores significativos para a eficácia no desenvolvimento dos alunos. Saiba mais Você pode aprofundar a questão de como trabalhar com análise linguística lendo o capítulo 5 do livro indicado a seguir. Nesse capítulo, você encontrará análises primorosas da autora, referentes a textos diversos, como uma crônica de Rachel de Queiroz, uma fábula de Rubem Alves, um poema de Mário Quintana, um texto expositivo sobre linguística de Sílvia Figueiredo Brandão e um artigo de Eugênio Bucci na revista Veja. ANTUNES, I. Análise de textos: fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. (Coleção Estratégias de Ensino, 21). Lembrando que um dos grandes problemas do trabalho didático com análise linguística reside no fato de o professor se esquecer, com frequência, de que o foco deve ser na natureza dialógica e interativa da língua, e não apenas na gramática e nas questões estruturais. Apresentamos a seguir um quadro, formulado por Mendonça, que aponta as diferenças básicas entre o ensino que tem a gramática como fim em si e o ensino da análise linguística, que tem a gramática como meio. A autora ressalta que essas diferenças são ilustrativas da relação gramática‑análise linguística, mas que, em sala de aula, outras podem surgir. Quadro 14 – Diferenças entre ensino de gramática e análise linguística Ensino de gramática Prática de análise linguística Concepção de língua como sistema, estrutura inflexível e invariável Concepção de língua como ação interlocutiva situada, sujeita às interferências dos falantes Fragmentação entre os eixos de ensino: as aulas de gramática não se relacionam necessariamente com as de leitura e de produção textual Integração entre os eixos de ensino: a análise linguística é ferramenta para a leitura e a produção de textos Metodologia transmissiva, baseada na exposição dedutiva (do geral para o particular, isto é, das regras para o exemplo) e treinamento Metodologia reflexiva, baseada na indução (observação dos casos particulares para a conclusão das regularidades regras) 99 DIDÁTICA ESPECIFICA - LETRAS Ensino de gramática Prática de análise linguística Privilégio das habilidades metalinguísticas Trabalho paralelo com habilidades metalinguísticas e epilinguísticas Ênfase nos conteúdos gramaticais como objetos de ensino, abordados isoladamente e em sequência mais ou menos fixa Ênfase nos usos como objetos de ensino (habilidades de leitura e escrita), que remetem a vários outros objetos de ensino (estruturais, textuais, discursivos, normativos), apresentados e retomados sempre que necessário Centralidade da norma‑padrão Centralidade dos efeitos de sentido Ausência de relação com as especificidades dos gêneros, uma vez que a análise é mais de cunho estrutural e, quando normativa, desconsidera o funcionamento desses gêneros nos contextos de interação verbal Fusão com o trabalho com os gêneros, na medida em que contempla justamente a intersecção das condições de produção dos textos e as escolhas linguísticas Unidades privilegiadas: a palavra, a frase, o período Unidade privilegiada: o texto Preferência pelos exercícios estruturais, de identificação e classificação de unidades/funções morfossintáticas e correção Preferência por questões abertas e atividades de pesquisa, que exigem comparação e reflexão sobre adequação e efeitos de sentido Fonte:Mendonça (2007, p. 207). Exemplo de aplicação Agora que já tratamos de questões importantes ao longo deste livro‑texto, inclusive do aprendizado de língua portuguesa e de línguas estrangeiras, no tópico anterior, faça o seguinte exercício: leia o texto de Luiz Fernando Veríssimo, “O gigolô das palavras” e, em seguida, leia o artigo de Alberto da Cruz, “O gigolô das palavras, Veríssimo e sua ironia normativa”. Então, experimente preparar uma sequência didática voltada à análise linguística para alunos de Ensino Médio, propondo tomar como base os dois textos. Você pode fazer o planejamento da sequência didática recorrendo aos exemplos já discutidos neste livro‑texto. Se possível, leve essa discussão para um dos fóruns do curso, a fim de trocar ideias com os colegas da turma e com os professores. VERÍSSIMO, L. F. O gigolô das palavras. Disponível em: https://bit.ly/3QeasBd. Acesso em: 18 ago. 2022. CRUZ, A. da. O gigolô das palavras, Veríssimo e sua ironia normativa. Disponível em: https://bit.ly/3q8LSXS. Acesso em: 18 ago. 2022. 7.3 Práticas de avaliação em língua portuguesa e línguas estrangeiras Esta seção tem por objetivo apenas iniciar uma discussão sobre a avaliação em língua portuguesa e línguas estrangeiras. Isso porque essa não é uma discussão para ser esgotada em uma seção final de livro‑texto, merecendo, em realidade, muitas e muitas seções, muitas discussões presenciais. É por tal motivo, aliás, que muitas escolas e seus professores dedicam grande parte de seu tempo ao planejamento e ao estudo das práticas avaliativas. No entanto, antes de apresentar as possibilidades de se tratar a avaliação em sala de aula, precisamos explorar um pouco o conceito. Mediante a perspectiva assumida desde o início de nossa discussão neste 100 Unidade III livro‑texto (de que a língua se constitui em práticas dialógicas, é um fato social que existe em função da necessidade de os indivíduos se comunicarem e de que a linguagem resulta da interação humana e tem caráter essencialmente dialógico, não apenas como alternância de vozes, mas como confronto de vozes que existem em tempo e lugar social, historicamente determinados), coerentemente, optamos por uma concepção de avaliação que se caracteriza por uma atividade crítica de aprendizagem, tal que, por meio dela, adquirimos conhecimentos. Ora, nessa perspectiva não cabem, pois, instrumentos e metodologias de avaliação que, de modo fragmentado, separem o resultado do processo e culminem com provas e notas desarticuladas do desenvolvimento dos alunos. Ou seja, na perspectiva estudada, a avaliação da aprendizagem deve ser processual e, como afirma Méndez: democrática, [isto é] faz alusão à necessária participação de todos os sujeitos que se veem afetados pela avaliação, principalmente professor e aluno, não como meros espectadores ou sujeitos passivos “que respondem”, mas que reagem e participam das decisões que são adotadas e que lhes afetam (MÉNDEZ, 2002, p. 15). O que Méndez quer dizer com isso é que considera as práticas avaliativas excelentes momentos para que aquele que aprende apresente o que aprendeu e possa defender suas ideias, suas razões, bem como suas dúvidas e incertezas. E mais: para que o professor possa descobrir, com base no que seus alunos aprenderam, como está seu ensino. Em resumo, as práticas avaliativas devem estar a serviço dos protagonistas no processo ensino‑aprendizagem. Estamos falando, portanto, de um processo de avaliação formativa, que integra o pensamento crítico dos protagonistas: professor e alunos. Quando vamos à escola, no entanto, percebemos que, muitas vezes, a avaliação parece atropelar tudo o que concebemos e instaura‑se como instrumento medidor dos fracassos dos alunos. Muitos estudiosos dessa questão têm afirmado que só será possível afastar‑se desse paradigma quando entendermos realmente o papel da avaliação em nosso desenvolvimento e no do aluno. E também, que isso está relacionado a perguntas muito relevantes, que deveriam orientar todas as nossas práticas: o que avaliamos? Para que e por que avaliamos? Quem avaliamos? Para quem avaliamos? Como avaliamos? Veja o que afirma Leal sobre essa questão: Avaliamos em diferentes momentos, com diferentes finalidades. Avaliamos para identificar os conhecimentos prévios dos alunos e trabalhar a partir deles; avaliamos para conhecer as dificuldades dos alunos e, assim, planejar atividades adequadas para ajudá‑los a superá‑las; avaliamos para verificar se eles aprenderam o que nós já ensinamos e, assim, decidir se precisamos retomar os conceitos trabalhados naquele momento; avaliamos para verificar se os alunos estão em condições de progredir para um nível escolar mais avançado; avaliamos para verificar se nossas estratégias de ensino estão dando certo ou se precisamos modificá‑las (LEAL, 2003, p. 30). 101 DIDÁTICA ESPECIFICA - LETRAS Nessa perspectiva, avaliar para medir seria o mesmo que olhar só para o resultado final de um processo, o que significaria “chegar atrasado” para reorientar a rota. Diz Méndez (2002, p. 19) que “nas tendências atuais da avaliação educativa, a preocupação centra‑se mais na forma como o aluno aprende, sem descuidar da qualidade do que aprende”. Essa visão dialógica da avaliação entende que não é possível separar esses dois aspectos, pois são interdependentes. E mais: entende que nesse processo, professor e alunos tanto aprendem quanto ensinam, portanto, ambos são avaliados, seja qual for a prática adotada. Como toda a nossa discussão nas seções anteriores focalizou oralidade, leitura, produção textual e análise linguística, também nesta seção priorizaremos os mesmos aspectos. Assim, vamos pensar um pouco sobre como deve ser a avaliação em cada um desses componentes do ensino da língua/linguagem. Quando pensamos na leitura, as práticas avaliativas a ela atreladas têm mostrado que, na escola, o aluno lê para produzir provas ou lê para responder a questionários. Exemplo de aplicação Você tem visto, com frequência, alunos serem avaliados em relação a leituras que escolhem fazer por sua própria conta? Você tem presenciado, com frequência, alunos expondo aos colegas algo que leram, mas que não faz parte do programa de leitura da escola? Infelizmente, a resposta às perguntas propostas nos leva a crer que, na maioria das vezes, as práticas escolares de leitura são determinadas pela escola e são, sim, motivo de avaliação que quantifica o saber do aluno. Atualmente, toda a discussão sobre avaliação tem apontado para uma prática avaliativa de leitura que deveria considerar tudo o que o aluno lê, não para dar‑lhe uma nota, mas para orientar as escolhas de leituras e de atividades realizadas em sala de aula. A avaliação da leitura deve ter por objetivo saber como a competência leitora do aluno está se desenvolvendo, ou seja, como está aprendendo a compreender textos, a extrair deles sua essência, a usar o que lê para modificar sua atuação comunicativa. A maior parte das atividades avaliativas voltadas para a leitura “desprezam aspectos semânticos e de pontuação expressiva”, como afirma Beserra (2007, p. 51). Aspectos como o contexto, a intertextualidade e o papel da coesão, por exemplo, ficam esquecidos no momento de avaliação. Na verdade, a compreensão leitora será mais bem avaliada se o professor considerar momentos coletivos para essa tarefa, se considerar aspectos específicos a partir de sua tarefa de observação criteriosa do avanço de cada aluno. Articulando essa avaliação aos outros campos do aprendizado, é fácil perceber que a competência leitora se mostra nos momentos em que o aluno precisa fazer uma análise linguística ou discutir em grupo o que leu. Por isso, afirmamos que avaliar a leitura não é algo que deva ocorrer isoladamente das demais práticas de linguagem. 102 Unidade III Práticas avaliativas que percorrem o período em que os alunos leem um determinado livro, por exemplo, podem orientar não somente o professor na condução das aulas como tambémos próprios alunos no prosseguimento da leitura. Imagine, por exemplo, uma atividade avaliativa sobre a leitura do livro Os Miseráveis, de Victor Hugo, traduzido e adaptado por Walcyr Carrasco para alunos de 8o ano do Ensino Fundamental. O professor pode sugerir uma discussão com foco no seguinte roteiro. • Discuta com seu grupo os temas abordados na obra, na parte já lida por você. Como, por exemplo, os temas pobreza, injustiça social ou outros que você tenha encontrado no texto são tratados? Você vê alguma relação entre esses temas e o momento histórico da produção do livro? Se ainda não descobriu resposta para essas questões, avance na leitura, converse e pesquise com os colegas. É importante que o professor, ao preparar uma ou mais atividades sobre leitura, tenha clareza do que está investigando. Ele quer descobrir se seus alunos estão lendo? Ou ele quer descobrir se os alunos perceberam a presença de intertextualidade na leitura, se estabeleceram relações entre o tema proposto no texto e outras áreas do conhecimento, se foram capazes de argumentar sobre questões polêmicas presentes no texto, ou se conseguiram explorar os recursos semânticos do texto? Vale ressaltar que, seja lá qual for o propósito do professor ao avaliar, seus alunos devem conhecer esse propósito: “para que estou sendo avaliado?”, “o que está sendo exigido nesta avaliação?” Pensemos, agora, na avaliação da produção textual do aluno. Esse é outro momento controverso na escola. Afinal, quantas vezes nos deparamos com um aluno que diz: “Tirei nota baixa em redação porque o professor não gostou da minha história”. Depois de todas as nossas discussões, é evidente pensar que uma situação assim ocorre quando o trabalho com a produção de textos está desvinculado de critérios. Escreve‑se por escrever; não há a preocupação com a produção de texto como prática social de escrita e, portanto, o estudo de gêneros parece passar ao largo na vida do aluno. Pensando nas práticas de produção de textos orientadas pelo conceito de gênero textual, podemos também pensar que o professor tem, sim, instrumentos claros e objetivos para avaliar as produções de seus alunos. As características do gênero solicitado são, na verdade, critérios para a avaliação do texto. Além delas, certamente a valorização do dizer do aluno, como já apontamos em seção anterior, deve ser considerada, bem como “concepções de mundo, conhecimentos partilhados, emissão de juízos de valor” (MARCUSCHI, 2007, p. 66). Também é imprescindível observar que a avaliação da produção textual dos alunos não pode se resumir ao produto final, mas deve contemplar o processo desde seu planejamento, ou seja, as várias produções intermediárias até que a reescrita final se confirme. Também aí entram todas as atividades pensadas pelo professor como “elementos disparadores” do tema/gênero solicitado. 103 DIDÁTICA ESPECIFICA - LETRAS Exemplo de aplicação Pensemos agora em um problema muito comum quando um aluno produz um texto: muitas vezes ele copia de outros autores trechos que lhe parecem interessantes para compor seu texto. Via de regra, o que ocorre é o professor atribuir‑lhe um baixo conceito, alegando cópia. O aluno é severamente alertado para que não copie de outras pessoas, porque o texto deve ser somente seu. Mas em que sentido reprimir a presença de outras vozes no texto contraria a concepção de língua/linguagem que estamos adotando? O que queremos alertar é que, ao proibir o aluno de trazer outras vozes para seu texto, o professor está sugerindo que a produção seja muito mais monológica, o que é algo impossível de acontecer. Na verdade, o que deve ser feito quando um aluno, ao produzir um texto, apresenta trechos copiados? Esse aluno deve ser orientado a fazê‑lo da maneira correta, por meio de citação do autor escolhido. Deve também ser orientado no trabalho com paráfrases e com a intertextualidade. Ainda em relação à avaliação de produções textuais de alunos, reflita sobre o dizer de Marcuschi. Avaliar uma redação não é simplesmente observar se ela está escrita de modo correto, não é acionar a gramática como árbitro absoluto, mas é observar os fenômenos em uso (inclusive os relacionados à análise linguística) e os efeitos de sentido provocados pelo texto, tendo em vista seu espaço de circulação. Isso significa que a avaliação de redações só exercerá uma função formativa se, efetivamente, contribuir para que os alunos construam, consolidem e ampliem sua capacidade como escritores letrados, autônomos, críticos e historicamente situados (MARCUSCHI, 2007, p. 73). Em relação à oralidade, afirmam Melo e Cavalcante que: a variação dialetal intriga e instaura diferenças que, quando não bem entendidas, podem gerar discriminação e preconceito. É de grande valia, portanto, mostrar que a língua falada é variada e que a noção de um dialeto padrão uniforme (não apenas no português, mas em qualquer língua) é uma noção teórica e não tem um equivalente empírico, ou seja, o dialeto padrão, de fato, não remete a falantes reais. Nesse contexto, analisar a fala é também uma oportunidade singular para esclarecer aspectos relativos ao preconceito e à discriminação linguística, bem como suas formas de disseminação (MELO; CAVALCANTE, 2007, p. 82). Isso implica dizer que nada é mais importante, em relação à oralidade, do que a consideração dada às variedades linguísticas. Sendo assim, o trabalho de um professor precisa destacar, com clareza, critérios a serem considerados na avaliação da oralidade. Segundo Melo e Cavalcante (2007, p. 83), esses critérios podem ser agrupados da seguinte forma: “aspectos de natureza extralinguística, 104 Unidade III aspectos de natureza paralinguística e aspectos de natureza linguístico‑discursiva”. Esses aspectos são indissociáveis e constroem a significação daquilo que se deseja comunicar oralmente. Por esses motivos, um professor precisa esclarecer a seus alunos quais critérios estão sendo considerados no trabalho oral que realizam. Por exemplo: em uma apresentação de seminário é importante que os alunos saibam qual o grau de espontaneidade exigido. Afinal, poderão apresentar o seminário sem planejá‑lo, apenas pautados nas lembranças sobre o que estudaram? Poderão mostrar‑se tão espontâneos ao ponto de utilizar gírias e fazer gracinhas para o público? Ou, ainda, poderão apresentar o seminário sentados em seus próprios lugares na classe? Uma atividade interessante que pode ajudar o professor na tarefa de ensinar seus alunos sobre o que significa a avaliação da oralidade tem sido analisar em sala de aula uma gravação de situação oral realizada por estudantes em atividade semelhante à proposta pelo professor. Isso auxilia os alunos na percepção dos critérios considerados pelo professor e oferece a eles um momento de discussão sobre o que representa a atividade oral em sala de aula (quais competências e habilidades podem ser desenvolvidas). Para finalizar nossa discussão, pensemos na avaliação da análise linguística. Da mesma forma como consideramos os componentes leitura, produção textual e oralidade, a análise linguística não pode ser avaliada por meio de instrumentos pontuais, pois ela se realiza processualmente, de forma que qualquer avaliação pontual significaria considerar o produto, e não o processo. Vejamos o que diz Mendonça sobre a avaliação no eixo de análise linguística: Nesse sentido, a avaliação do eixo de AL numa perspectiva formativa, ou seja, aquela que permite compreender o processo de aprendizagem, lançar hipóteses a respeito, visando, entre outras metas, à intervenção adequada do professor e à posterior transformação de saberes, implica necessariamente a avaliação do aluno quanto às suas competências de leitura e produção de textos. Ainda que ocupe, eventualmente, momentos específicos do tempo escolar, a AL não pode ser um fim em si mesma, tampouco pode ser avaliada isoladamente, pois corre‑se o risco de fragmentar, de forma equivocada, o complexo fenômenoda linguagem (MENDONÇA, 2007, p. 108). O que nos parece, portanto, mais significativo em termos de avaliação na área da linguagem é que o professor seja um observador perspicaz, aquele que coleta informações variadas sobre seus alunos, de forma sistemática e criteriosa, para utilizá‑las como parâmetros para orientar o planejamento e o desenrolar das atividades em sala de aula. 105 DIDÁTICA ESPECIFICA - LETRAS Saiba mais Para conhecer mais detalhes sobre o assunto, você pode ler o texto indicado a seguir. ALVARENGA, G. M.; ARAUJO, Z. R. Portfólio: conceitos básicos e indicações para utilização. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, v. 17, n. 33, 2006. Disponível em: https://bit.ly/3ReOmj5. Acesso em: 18 ago. 2022. 8 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PERMEADAS PELOS MULTILETRAMENTOS E PELA CRITICIDADE 8.1 Multiletramentos e o ensino de língua e literatura Até aqui, falamos sobre o que é ensinar e percorremos as concepções de aprendizagem. Discorremos também sobre o que é método de ensino e sobre a concepção de língua como práxis social. Da mesma forma, estudamos as dimensões pedagógicas da sala de aula, bem como as práticas pedagógicas relacionadas a linguagem oral, leitura, produção textual e literatura. Todo esse percurso nos leva a conceber a prática pedagógica como ação conjunta, coletiva e colaborativa em direção à construção de conhecimento com o objetivo de transformação social. E, por ser esse o foco e o objetivo, não poderíamos deixar de incluir neste material o conceito de multiletramentos, que tem ligação orgânica com os meios pelos quais construímos conhecimentos nos dias de hoje (isto é, põe luz nas tecnologias digitais e a consequente e gigantesca multimodalidade dos textos hoje disponíveis). Entretanto, se vamos apresentar e discutir multiletramentos, é recomendável discorrer acerca do conceito de letramento, para iniciar. Durante algum tempo, entendia‑se que letramento era o mesmo que alfabetização. Contudo, estudiosos da educação já estão cientes de que a alfabetização faz parte do letramento, está contida nele e é fundamental para que alguém possa ser considerado plenamente letrado, mas isso não basta. O letramento está ligado a práticas sociais no que diz respeito à escrita e à oralidade. Jaeger, com base em Kleiman (2005), revela: Pesquisas recentes no campo do letramento apontam para a construção da escrita não apenas como fenômeno universal, indeterminado social e culturalmente, mas também como responsável pelo progresso, civilização e acesso ao conhecimento e à mobilidade social. A nova visão de letramento tem por base uma definição voltada a um conjunto de práticas sociais ligadas à escrita, em contextos específicos, para objetivos específicos (JAEGER, 2003, p. 34). 106 Unidade III É por isso que se pode afirmar que: a criança, mesmo não alfabetizada, já pode ser inserida em processos de letramento, pois ela já faz a leitura incidental de rótulos, imagens, gestos, emoções. O contato com o mundo letrado acontece muito antes das letras e vai além delas (LORENZI; PÁDUA, 2012, p. 35). Observação Quando Lorenzi e Pádua falam de leitura incidental referem‑se à leitura a partir do conhecimento de mundo, que não necessariamente implica conhecimento do código linguístico, mas que ocorre, por exemplo, por meio da associação entre um objeto/produto e seu rótulo, ou, ainda, uma cor/ uma imagem e a marca correspondente, entre outras associações possíveis. Assim, vemos em Kleiman (2005) que letramento corresponde a práticas sociais de uso da escrita e essas práticas são coletivas e colaborativas. Por isso se fala em construção de sentido e nunca em sentido pronto, predeterminado por ocasião da produção do texto. Cada uma dessas práticas é situada, isto é, tem um objetivo específico dentro de um contexto específico de produção, numa determinada esfera de atividade. A autora explica que o letramento está relacionado aos usos da escrita e da fala na vida moderna e demanda um conjunto de habilidades e competências que, acrescentamos, são interdependentes (conforme ilustra o diagrama a seguir). Envolve práticas diárias de leitura Envolve imersão no mundo da escrita Envolve saber utilizar os códigos da escrita e da oralidade Envolve participar das práticas sociais tanto por escrito quanto oralmente Letramento Figura 6 Essa figura evidencia que o letramento é resultado de um processo que exige de seu sujeito ação e agência. Quando se fala em imersão no mundo da escrita e práticas diárias de leitura, pressupõe‑se um sujeito comprometido com seu processo de aprendizagem que entende que ler e escrever (em seu sentido mais amplo) significa dialogar com o mundo e consigo mesmo. Para que esse diálogo se realize, todavia, é preciso estar de olhos bem abertos aos movimentos do mundo, aos fenômenos, às realizações, às descobertas, às análises, às histórias e aos acontecimentos. Não se trata de um simples contemplar, é mais do que isso. 107 DIDÁTICA ESPECIFICA - LETRAS Observação O conceito de agência é, nesse contexto, entendido como um paradigma que exige uma formação educacional crítica e reflexiva, com indivíduos preparados para articular conhecimento, resolver problemas, tomar iniciativa e assumir riscos. Em nossos tempos, especialmente no ambiente educacional, fica clara a demanda por agência (KALANTZIS; COPE, 2012; MONTE MÓR, 2013; GIROUX, 2006), isto é, o mundo de hoje precisa de cidadãos com capacidade de agir de forma consciente, ponderada e crítica, além de se responsabilizar por suas ações. Na escola, por exemplo, a noção de agência é fundamental para que os sujeitos que fazem parte dessa instituição possam desafiar seus aspectos opressivos e possam gerar conceitos, conhecimentos e valores que estejam em maior convergência com a atual demanda socioeconômica. Vale, ainda, destacar três ideias abordadas na figura anterior: envolvimento, participação e prática. Ou seja, letramento implica um sujeito dinâmico que sabe que deve produzir sentido de um texto ou qualquer outro produto ou material escrito ou falado em um determinado evento social. Dessa forma, complementa Kleiman (2005), o letramento permite adquirir o conhecimento necessário para agir em uma situação específica e está intrinsecamente relacionado com a oralidade e com as mais diversas linguagens não verbais. Essas outras linguagens, complementa a autora, incluem, entre outros: • mudanças e transformações dos textos decorrentes das novas tecnologias; • escrita ambiental (como pichações, grafites, letreiros, outdoors, buttons); • textos midiáticos (multissemióticos ou multimodais). Há, sem dúvida, uma grande diferença entre a maneira como se lia antes, tipograficamente (ou seja, linearmente), e a leitura que nos é apresentada e permitida nos meios digitais. Já não lemos mais da esquerda para a direita apenas. Nossos olhos vão para todas as direções e, em uma única página, há oportunidades de uso da língua em diferentes e variadas modalidades. Esse é um dos muitos motivos para pensarmos na língua e em suas diversas possíveis manifestações como um recurso para a prática social: a língua em sua essência fluida, não estática. Lorenzi e Pádua corroboram o que afirmamos acima: A presença das tecnologias digitais em nossa cultura contemporânea cria novas possibilidades de expressão e comunicação. Cada vez mais, elas fazem parte do nosso cotidiano e, assim como a tecnologia da escrita, também devem ser adquiridas. Além disso, as tecnologias digitais estão introduzindo novos modos de comunicação, como a criação e o uso de imagens, de som, de animação e a combinação dessas modalidades. Tais procedimentos passam a exigir o desenvolvimento de diferentes habilidades, de acordo com as várias 108 Unidade III modalidades utilizadas, criando uma nova área de estudos relacionada com os novos letramentos – digital (uso das tecnologias digitais), visual (uso das imagens), sonoro (uso de sons, áudio), informacional (busca crítica de informação)– ou os múltiplos letramentos, como têm sido tratados na literatura (LORENZI; PÁDUA, 2012, p. 37). Devemos deixar claro que o que estamos trazendo aqui sobre letramento pressupõe a concepção de leitura como prática social e essência fluida e dialógica, conforme já discutido nas unidades anteriores deste material. Lembrando Koch e Elias (2007), os sujeitos (autor e leitor) são vistos como atores sociais que, por meio da dialogicidade, constroem‑se e são construídos no e pelo texto. Essa concepção de leitura tem uma visão clara de que o autor do texto não é detentor de seu sentido e não existe um sentido único para cada texto. Ou seja, um texto não é apenas um artefato cuja matéria‑prima é a estrutura linguística e nem a leitura uma atividade linear de decodificação de signos linguísticos. Na perspectiva dialógica, interacional da leitura, o leitor coloca‑se como co‑construtor do sentido do texto. O trabalho de leitura incorpora aspectos sociais, históricos e culturais, bem como o contexto de produção e os papéis sociais do autor e do leitor. Deve ser um trabalho analítico e crítico, ou seja, requer do leitor uma ação responsiva crítica (lembre‑se de que já falamos do conceito de agência alguns parágrafos atrás). Encontramos em Cope e Kalantzis (2000) um complemento às considerações feitas acima sobre letramento. Os autores afirmam que o letramento pode levar a uma participação social plena e igualitária, mas, para que isso possa ocorrer, não pode se restringir à alfabetização (aqui compreendida como ensinar a ler e a escrever, dentro dos limites da folha de papel, de forma padronizada e considerando apenas a língua materna). Letramento, no sentido pleno da palavra, não se dá em uma perspectiva formalizada, monolingual e monocultural, mas, sim, em um campo aberto onde se negocia a multiplicidade dos discursos. O escopo do letramento deve abranger as sociedades globalizadas, a multiculturalidade e a pluralidade dos textos que circulam no mundo. É dessa perspectiva que surge a palavra multiletramentos. uma palavra que escolhemos para descrever dois argumentos importantes que temos com a cultura, as instituições e com a ordem global emergentes: a multiplicidade dos canais de comunicação e de canais midiáticos e a importância cada vez maior da diversidade cultural e linguística. A noção de multiletramentos suplementa a pedagogia de letramento tradicional, pois aborda esses dois aspectos de multiplicidade textual que estão interligados. O termo alfabetização permanece centrado apenas na língua, e normalmente em uma única variante de uma língua nacional, o que se concebe por meio de um sistema estável, baseado em regras e em uma fonologia única. Isso é assim por se acreditar que, dessa forma, podemos apontar e descrever um uso correto. Essa noção de língua mostra‑se mais ou menos como uma forma autoritária de pedagogia. Uma pedagogia dos multiletramentos, por sua vez, tem o foco em modos de representação muito mais amplos do que apenas língua propriamente dita (THE NEW LONDON GROUP, 1996, p. 4, tradução nossa). 109 DIDÁTICA ESPECIFICA - LETRAS Mas qual é a origem do termo multiletramentos? Um grupo de pesquisadores de letramento, denominado The New London Group (em tradução literal, o Grupo de Nova Londres), começou a perceber, no finalzinho do século passado, que novas formas de se comunicar surgiam nas mais diversificadas sociedades. Grande parte desses novos modos de comunicação ocorreram devido às TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) e às TDICs (Tecnologias Digitais de Comunicação e Informação), mas outros fenômenos socioculturais também contribuíram para que se fizesse necessária a inclusão, nos currículos escolares, de novas formas de leitura, escrita e fala que pudessem, ainda que minimamente, dar luz e voz à enorme diversidade cultural de um mundo que se diz globalizado. Além disso, desde o início do século XXI está escancarado o fato de as pessoas já fazerem uso de novas ferramentas tecnológicas e digitais para seu trânsito em sociedade, para se manifestar, mostrar‑se ou ocultar‑se, exercer cidadania e, portanto, atuar como agentes sociais. Essas novas ferramentas são multimodais/multissemióticas e, de acordo com Rojo: Para abranger esses dois “multi” – a multiculturalidade característica das sociedades globalizadas e a multimodalidade dos textos por meio dos quais a multiculturalidade se comunica e informa, o grupo [The New London Group] cunhou um termo ou conceito novo: multiletramentos (ROJO; MOURA, 2012, p. 13). Rojo e Moura (2012) ressaltam que o conceito de multiletramentos aponta tanto para as multiplicidades culturais da vida e das comunidades contemporâneas quanto para a multiplicidade semiótica na construção dos textos que transitam pelas sociedades e a partir dos quais as pessoas se comunicam, informam e são informadas. Sendo assim, continua a autora, não há mais (ou, pelo menos, não deveria mais haver) espaço para dicotomias do tipo popular/erudito, canônico/não canônico, central/marginal, norte/sul, ou seja, esse marcadores dicotômicos que durante muito tempo orientaram o que que podia e o que não devia fazer parte das esferas escolares acadêmicas. Esse “multi”, em multiletramentos, aponta para uma visão ampla, complexa e sofisticada do texto; uma visão que serpenteia todos os caminhos possíveis do texto com o objetivo de analisá‑lo com criticidade. Rojo e Moura (2012) narram que pediram a seus alunos para discorrerem sobre um determinado anime que ela apresentou na sala de aula. Os discentes fizeram comentários sobre as imagens, suas transições e a sincronia com a trilha sonora do anime apresentado; estabeleceram uma relação entre imagens, ritmos e referenciação da letra da música; falaram sobre o tratamento das imagens em Photoshop e outras ferramentas de edição de imagem, diagramação e configurações de áudio e vídeo; discorreram também sobre questões culturais. Animes foi apenas um exemplo, outro gênero poderia ter sido colocado em pauta. O importante é dar‑se conta de que textos contemporâneos exigem multiletramentos, pois são “textos compostos de muitas linguagens (ou modos, ou semioses) e que exigem capacidades e práticas de compreensão e produção de cada uma delas (multiletramentos) para fazer significar” (ROJO; MOURA, 2012, p. 19). O quadro a seguir sintetiza as definições. 110 Unidade III Quadro 15 – Letramento e multiletramentos Letramento Diz respeito à escrita, leitura e oralidade à luz e a serviço das práticas sociais, com o objetivo de inserção no trânsito social nas mais diversas esferas por meio da agência social Multiletramentos Diz respeito à escrita, leitura e oralidade, enviesadas pelas multimodalidades/processos multissemióticos (decorrentes das tecnologias digitais) com o objetivo de inserção no trânsito social nas mais diversas esferas (considerando que as tecnologias digitais tornam muito maior o acesso às multiculturalidades) por meio da agência social, com vistas ao desenvolvimento da cidadania crítica, viabilizando a busca pela equidade social Boaventura et al. ratificam nossas discussões, apoiados em Kleiman (2005). os multiletramentos tornam‑se indispensáveis à sobrevivência do cidadão em nossa sociedade, a qual demanda sujeitos aptos a ler (textos multimodais), interpretar (diferentes modos semióticos) e posicionar‑se (como um sujeito livre, capaz de contribuir para as mudanças sociais) (BOAVENTURA et al., 2020, p. 19). Voltando ao Grupo de Nova Londres (1996, p. 17), cabe mencionar que esses pesquisadores afirmam que a produção de conhecimento ocorre por meio de designs de significado. O termo design pode aludir tanto à estrutura organizacional dos mais variados textos quanto ao processo de organização desses textos, sejam orais ou escritos, verbais ou não verbais. Considerando o amálgama de possibilidades que as plataformas digitais nos apresentam, os designs podem ser, e são, de enorme diversidade. O conceito de design pode se expandir,de acordo com os autores, envolvendo três elementos: os designs disponíveis nas mais diversas esferas sociais e digitais, o designing, ou seja, como vamos construir conhecimento a partir das possibilidades das quais dispomos, e o redesigning, isto é, como podemos dar novos significados, novos sentidos àquilo que nos foi apresentado. Nessa perspectiva, pensando no contexto escolar, que é o ambiente que nos interessa nesta disciplina, tanto professores quanto alunos criam e recriam sentidos a partir dos textos que lhes são confiados para os estudos. Ou seja, professores e alunos são (re)designers de seus processos de aprendizagem, não havendo a menor possibilidade de professores ditarem o que seus alunos devem pensar. Evidentemente, cabe ao professor mediar esses processos e atuar como tutor, chamando a atenção dos discentes ao contexto, às questões morais e éticas, às urgências sociais, às multiplicidades culturais, às diversidades que permeiam as práticas sociais e sobretudo à cidadania e aos princípios democráticos. O papel do professor torna‑se muito mais importante e decisivo na formação cidadã crítica de seus alunos nesse contexto escolar que transita por entre os multiletramentos, pois, não havendo mais espaço para autoritarismo e para leituras com interpretações unilaterais impostas, o espaço de discussão, criação e produção de conhecimento requer vigília, atenção, conscientização, respeito e ética. Em entrevista concedida ao Programa Pesco e Pnaic (MULTILETRAMENTOS..., 2019), a professora Roxane Rojo afirma que os multiletramentos surgem como um conceito necessário e adequado considerando a cada vez maior percepção da multiplicidade cultural, que ganha visibilidade por meio das redes digitais e que, por sua vez, também implicou a multiplicidade dos textos. Trata‑se, afirma a 111 DIDÁTICA ESPECIFICA - LETRAS professora na entrevista, de uma mudança histórica dos textos que exige uma mudança histórica das práticas em sala de aula. Sobre o termo design (cunhado pelo Grupo de Nova Londres em 1996 e explicado anteriormente), Rojo destaca, na entrevista, que gosta dessa metáfora – designer de significados – pois um designer: é aquele que pesquisa para produzir, que tem que ter ideias inovadoras para que o design tenha impacto, e não é aquele que repete conteúdos ou definições, pois nunca será designer se ficar repetindo coisas; ele tem que criar novas coisas a partir do que já lá está (MULTILETRAMENTOS..., 2019). Saiba mais Assista à entrevista na íntegra que a professora Roxane Rojo concedeu ao Programa Pesco e Pnaic. São dez minutos bastante esclarecedores acerca de multiletramentos e da importância desse conceito nos ambientes escolares. MULTILETRAMENTOS: entrevista com Roxane Rojo. 2019. 1 vídeo (10 min). Publicado pelo canal Ana Lúcia Picoli. Disponível em: https://bit.ly/3BhYRwM. Acesso em: 18 ago. 2022. Outra entrevista igualmente interessante concedidas pela professora é indicada a seguir. PEDAGOGIA de multiletramentos. 1 vídeo (112 min). 2020. Publicado pelo canal PPGEduC. Disponível em: https://bit.ly/3qhUb3D. Acesso em: 18 ago. 2022. Rojo nos disponibiliza o quadro a seguir com um resumo das discussões feitas até o momento. Usuário funcional Competência técnica Conhecimento prático Analista crítico Entende que tudo o que é dito e estudado é fruto de seleção prévia Transformador Usar o que foi aprendido de novos modos Criador de sentidos Entende como os diferentes tipos de texto e tecnologias funcionam Figura 7 – Mapa dos multiletramenos Fonte: Cope e Kalantzis (2012, p. 29). 112 Unidade III O quadro anterior é muito elucidativo e sintetiza o que está em discussão. É chamado de mapa dos multiletramentos porque evidencia o fluxo de conjunturas necessário para a prática dos multiletramentos. É preciso que os partícipes do evento de comunicação sejam usuários funcionais, isto é, tenham competência técnica, bem como conhecimento prático para transitar nas mais diversas formas, formatos e modos de comunicação disponíveis nos nossos dias. Não é possível sequer começar a pensar em multiletramentos se os agentes não possuem o conhecimento técnico/prático necessário. Por exemplo, sem acesso à internet e sem conhecimento sobre como navegar na internet, o cidadão está radicalmente privado de acesso aos multiletramentos. Nesse nosso contexto universitário, pode parecer estranho que alguém não tenha acesso à internet ou não saiba navegar pelos sites, mas a privação de acesso digital é uma realidade em nosso país e deve ser preocupação e mote de ação política por parte de todos os educadores. Ademais, ter acesso não significa, necessariamente, que se tenha competência técnica e/ou conhecimento prático. E, mais uma vez, a escola deve atuar como instituição à frente do movimento e do processo de letramento social. Algumas matérias apontam para essa questão da exclusão digital, como as duas que selecionamos, a seguir: Texto 1 Como a inclusão digital pode impactar os brasileiros, por Cris Junqueira Inclusão digital na pandemia Já vínhamos falando sobre a importância da inclusão digital há vários anos. Mas a chegada da pandemia acelerou ainda mais a discussão, já que o período obrigou muita gente a aderir à tecnologia para resolver os problemas do dia a dia. Foi nesse momento que as consequências da exclusão digital vieram ainda mais à tona. Quem não tinha acesso à conectividade, ao equipamento adequado ou mesmo quem não era familiarizado ao mundo digital, não pôde aproveitar as facilidades que a tecnologia proporciona. Essa falta de acesso significou mais exposição ao vírus nos últimos 18 meses, porque as pessoas precisaram sair de casa em situações que poderiam ter sido resolvidas de forma online, cumprindo o distanciamento social. Sem contar na grave questão do ensino à distância. Milhões de crianças e adolescentes não puderam acompanhar as aulas com efeitos profundos no ciclo de aprendizagem. Desde trabalho e estudos a consultas médicas e compras, a internet facilitou o cotidiano de quem tinha acesso durante a pandemia. Mas, em um país desigual como o nosso, a tecnologia ainda não chegou em todos os lugares e muitos não estão preparados para lidar com ela. Com isso, parte da população não teve o privilégio de poder resolver problemas do dia a dia virtualmente. 113 DIDÁTICA ESPECIFICA - LETRAS Já vemos muitas iniciativas, tanto do setor público quanto do setor privado, para aumentar a conectividade, como a oferta gratuita de Wi‑Fi em pontos públicos e a melhora na acessibilidade e na disponibilidade de aplicativos. No entanto, ainda precisamos considerar que muitos brasileiros não possuem, além do acesso, o conhecimento para aproveitar as ferramentas disponíveis. Por isso, o caminho para alcançarmos a inclusão digital universal, ou seja, 100% da população com acesso à internet, é longo e exige muita intencionalidade, além de investimentos altos. Cenário brasileiro Uma pesquisa da The Economist e do Facebook feita neste ano mostra que o Brasil ocupa a 36ª posição no ranking global de inclusão digital. A lista avalia o acesso de um país à internet considerando disponibilidade, preços, relevância e capacidade de uso das pessoas — o que eles chamam de alfabetização digital. O alarmante é que o que mais prejudica o avanço da inclusão digital no Brasil é justamente a questão da alfabetização, que mede o nível de educação e preparação para usar a Internet, aceitação cultural e políticas de apoio. Neste quesito, o país ocupa a 69ª posição. Os números são ainda piores quando há um recorte etário. Muitos idosos ainda são, comprovadamente, excluídos digitalmente no país. De acordo com um levantamento de 2020 realizado pelo Sesc São Paulo e pela Fundação Perseu Abramo, apenas 19% da população acima de 60 anos usa a internet no dia a dia, enquanto 72% nunca utilizou um aplicativo. Texto 2 Pesquisa mostra que um em cada quatro brasileiros está fora da internet Dois lados da tecnologia no Brasil:46 milhões de pessoas desconectadas, quase metade delas por não conseguir pagar pelo serviço, enquanto país lança seu primeiro satélite totalmente nacional São Paulo – Computadores, notebooks, smartphones, tablets, relógios e até geladeiras. Hoje está cada vez mais fácil estar conectado à internet e ao mundo virtual. Mais do que isso, se tornou imprescindível o acesso à rede para trabalhar, estudar e socializar. No entanto, ao mesmo tempo que as possibilidades de acesso se multiplicam, o abismo da desigualdade digital se abre. Enquanto o número de residências conectadas aumenta, quem são aqueles que permanecem desconectados, ou seja, na exclusão digital? Segundo a pesquisa TIC Domicílios, realizada pelo Centro Regional de Estudos para Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic), 46 milhões de brasileiros estão na exclusão digital. O levantamento revela também que 45% deste grupo não o fazem por ser muito caro e outros 37% por não possuir um aparelho com conexão à rede. A mesma pesquisa revela que uma em cada cinco pessoas no país só acessa a rede digital emprestando 114 Unidade III a conexão de um vizinho. Por fim, vale dizer que a pesquisa considera uma pessoa como usuária de internet se ela acessou a rede ao menos uma vez nos últimos três meses. Fonte: Junqueira (2021); Rede Brasil Atual (2021). Há ainda uma questão bastante capciosa: ainda que se tenha acesso à internet e a um equipamento como um celular, por exemplo, isso não necessariamente garante que a pessoa tenha plena competência técnica e conhecimento prático. Durante as práticas pedagógicas, no ambiente escolar, percebemos, não raro, que os estudantes conhecem diversos jogos, navegam com desembaraço em algumas redes sociais, produzem selfies e reels com aptidão, mas toda essa destreza está restrita a alguns espaços e possibilidades digitais. Por isso, é importante salientar que, nas práticas pedagógicas alinhadas aos multiletramentos, é fundamental que se promova a máxima ampliação da competência técnica e do conhecimento prático dos estudantes a fim de que eles possam se tornar verdadeiros criadores de sentidos, ou seja, entender como os mais diferentes tipos de textos e tecnologias funcionam para que se possa explorá‑los da melhor e mais eficaz forma possível. E, sabemos, para ser capaz de criar sentido, é preciso repertório, busca, pesquisa, informação: Na internet, saber buscar é importante, e essa habilidade normalmente não é trabalhada com os alunos. Salientamos que os alunos precisam saber navegar, encontrar, selecionar informações relevantes para seus propósitos, fazer vários tipos de inferência, reconhecer efeitos de sentido, estabelecer relações lógico‑discursivas (LORENZI; PÁDUA, 2012, p. 48). De posse desse conteúdo informacional, temos a possibilidade de criar sentido, isto é, estabelecer relações, comparar dados, investigar fontes, articular conhecimentos, sempre tendo em mente que “tudo o que é dito e estudado é fruto de seleção prévia” (COPE; KALANTZIS, 2006, p. 29), como nos diz o mapa dos multiletramentos, ou seja, precisamos sempre buscar nos informar e compreender a quais ideologias, interesses e crenças as informações obtidas/pesquisadas atendem. É dessa forma que nos tornamos analistas críticos. Não basta tomar o que é dado como certo e definitivo; é necessário investigar todas as camadas, o subsolo, o beco e os recônditos das informações obtidas para podermos, por meio da análise crítica, usar o que foi aprendido de novos modos e, finalmente, tornarmo‑nos transformadores da realidade. Observação O mapa dos multiletramentos não tem uma ordem sequencial. Suas partes se entrelaçam e se fundem em um único processo de movimentos interdependentes. 115 DIDÁTICA ESPECIFICA - LETRAS Saiba mais A seguir são indicados alguns textos para que você possa aprofundar seus estudos em relação ao tema de multiletramentos. Vale destacar que o livro de Senna encontra‑se disponível na biblioteca virtual da Unip Interativa. COPE, B.; KALANTZIS, M. (orgs.). Multiliteracies: literacy learning and the design of social futures. New York: Routledge, 2006. ROJO, R. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. ROJO, R.; MOURA, E. (orgs.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. SENNA, L. A. G. Letramentos: princípios e processos. Curitiba: Intersaberes, 2012. SOUSA, R. M. R. Q. de. Multiletramentos em aulas de língua inglesa no ensino público: transposições e desafios. São Paulo, 2011. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. THE NEW LONDON GROUP. A pedagogy of multiliteracies: designing social futures. Harvard Educational Review, Cambridge, v. 6, n. 1, p. 1‑31, 1996. Vamos agora a alguns exemplos práticos? Com base nas ponderações sobre multiletramentos, observe a seguinte página do BBC Learning English: https://bbc.in/3C8LZJJ. Observação Este é apenas um exemplo, que contempla a disciplina de língua inglesa. Podemos, no entanto, seguir a mesma linha de raciocínio para as demais disciplinas que nos interessam como estudiosos de Letras, como a língua portuguesa ou as literaturas. 116 Unidade III Saiba mais Caso seja de seu interesse, consulte os sites indicados a seguir, dois ótimos exemplos de excelentes cursos online de e em língua inglesa https://www.bbc.co.uk/learningenglish. Acesso em: 18 ago. 2022. https://learnenglish.britishcouncil.org/. Acesso em: 18 ago. 2022 Trata‑se de uma página da BBC Learning English que é um departamento da BBC – British Broadcasting Corporation que tem como objetivo o ensino da língua inglesa. É um serviço gratuito que atende alunos e professores. Nessa página, no topo, há diversas seções: courses, features, grammar, vocalublary, pronunciation, news, business (cursos, vídeos, gramática, vocabulário, pronúncia, notícias, negócios). Uma ampla gama de opções para o usuário. Uma vez escolhida a seção, somos levados para inúmeras possibilidades de leitura e interação: há vídeos dos mais variados gêneros, exercícios de todos os tipos imagináveis, transcrição dos áudios, apresentação da linguagem (desde a escrita/fala formal padrão até expressões do cotidiano), conteúdos de listening (escuta em língua inglesa), podcasts, entrevistas, notícias, links de fóruns, blogs, vlogs, jornais, revistas, filmes, seriados, além da seção Your comments, onde os usuários podem interagir com outros usuários e com o mediador do curso (observando que, nessa seção, não há exigência quanto ao uso da língua formal padrão, pois o objetivo é justamente a comunicação com falantes de todos os níveis de conhecimento do idioma e de todas as partes do mundo). Podemos constatar, portanto, a infinidade de possibilidades que temos a partir de uma página da internet. Exemplo de aplicação Você se lembra do mapa dos multiletramentos? Pois então, as competências, os processos e as ações mostradas nesse mapa materializam‑se nessa página BBC Learning, apresentada como exemplo. Podemos, inclusive, nos atentar a uma das características multissemióticas das páginas digitais: a imagem. Observe a imagem da página da BBC Learning indicada anteriormente no Saiba mais. É possível notar um motorista de ônibus e uma passageira. Pelos trajes e características físicas dos personagens, inferimos que, possivelmente, trata‑se de um motorista inglês e de uma passageira indiana. Vamos agir como analistas críticos (seguindo o fluxo do mapa dos multiletramentos)? Os dois personagens, assim caracterizados, seriam uma forma de sinalizar que o curso da BBC Learning English alude à multiculturalidade? E, se sim, sob qual ponto de vista? De que forma? Com qual propósito? 117 DIDÁTICA ESPECIFICA - LETRAS Vamos pensar em algumas perguntas/ponderações? Basta performar – no caso da personagem indiana – na imagem (que é o link de abertura para um vídeo sobre indicação de destinos em Londres) para garantir a representatividade
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