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Fundamentos da Mecânica dos Solos Não Saturados Orencio Monje Vilar São Carlos, setembro/2021 Copyright 2021 – Orencio Monje Vilar Digitação e Diagramação: Orencio Monje Vilar e Roger Augusto Rodrigues Diagramação da Capa: Cauê Stocchi Somensi Imagem licenciada em: 19/03/2022, ID: 55e65982-6611-4f62, por envato.com. CAPA Castelo de areia O mais lúdico exemplo de como a não saturação modifica o comportamento geotécnico de um solo, pois não é possível construir um castelo de areia com solo completamente seco ou saturado. A presença de água em determinadas quantidades, inferiores à necessária para a saturação do solo, enseja a formação de meniscos que tendem a aproximar os grãos e proporcionar resistência à areia, conferindo estabilidade à construção. Essa manifestação de resistência é tratada nos textos clássicos de Mecânica dos Solos como “coesão aparente”. Além de aumentar a resistência, a interação entre partículas, água e ar também afeta a compressibilidade e o comportamento hidráulico de solos não saturados de forma a condicionar o desempenho de taludes, de fundações e de várias outras aplicações geotécnicas. A título de curiosidade, diversos trabalhos apresentam análises sobre os castelos de areia, como a proporção ideal de areia e água a usar e as máximas alturas que podem atingir, dentre outras questões. Os interessados sobre o assunto podem recorrer a Pakpour, M., Habibi, M., Møller, P. & Bonn, D. et al. (2012) How to construct the perfect sandcastle. Sci Rep 2, 549 https://doi.org/10.1038/srep00549. https://doi.org/10.1038/srep00549 Para Walkiria, Fernanda e Luciana i Apresentação Este livro reúne uma série de textos escritos em diferentes épocas para subsidiar os cursos sobre Mecânica dos Solos Não Saturados, que ministrei na Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo. O objetivo deste livro é o de apresentar uma base conceitual para os que se interessam pelo assunto, um ramo do conhecimento que é uma ampliação natural da Mecânica dos Solos clássica, pois as condições saturada e seca são dois extremos de uma vasta quantidade de possibilidades de ocorrência de solos. Nesse particular, busquei, sempre que possível, apresentar os assuntos mantendo correspondência com seus equivalentes referentes aos solos saturados. Como muitos países, o Brasil apresenta extensas áreas de solos não saturados, até profundidades consideráveis, o que o torna um campo fértil tanto para experimentação, quanto para aplicação de conceitos apropriados a tais solos. Nessa perspectiva, o leitor notará um esforço de utilizar dados de solos ocorrentes no país nas ilustrações e exemplos, além de apresentar uma breve retrospectiva acerca das peculiaridades de solos tropicais, fatores pedogenéticos associados a tais solos e resgatar informações sobre a classificação MCT, desenvolvida para diferenciar o comportamento entre solos lateríticos e não lateríticos. Para os não familiarizados com a Mecânica dos Solos, oferece-se um capítulo com os conceitos básicos da disciplina, com alguns exercícios resolvidos que podem auxiliar na fixação dos assuntos. A água, tão essencial à vida e fundamental para o comportamento geotécnico dos solos, tem suas propriedades e peculiaridades tratada em capítulo específico, que é seguido de capítulo em que é descrito o seu estado de energia e as fontes que tendem a alterá-lo num solo não saturado, além de introduzir o conceito de sucção e de suas componentes. No Capítulo 5, abordam-se as questões relacionadas à retenção de água pelos solos, com ênfase para a relação entre a quantidade de água e o estado de energia associado, relação esta que determina a curva de retenção de água pelo solo. São exploradas algumas formas de representação matemática dessa curva e aspectos que podem ser a ela associados, como a distribuição de poros do solo, bem como formas de obtê- la de forma indireta, a partir de ensaios expeditos de solos. As técnicas de medida da sucção e da umidade dos solos são apresentadas no Capítulo 6, ao qual se seguem três capítulos relacionados ao fluxo de água através dos solos, com desenvolvimento das equações gerais que regem o fluxo, apresentação dos conceitos e modelação da infiltração de água em um solo e técnicas de medida da condutividade hidráulica, tanto em condição saturada, quanto não saturada. Os diferentes tópicos relacionados à resistência ao cisalhamento dos solos estão no Capítulo 10, onde são revistos os conceitos básicos acerca do assunto e introduzem-se as necessárias adaptações para retratar a resistência de solos não saturados, como a necessidade de ii se usar duas variáveis de estado de tensão, a tensão normal líquida e a sucção, e adaptar as técnicas de ensaio convencionais de forma a poder incorporar o efeito da presença de ar. Incluem-se neste capítulo, ainda, exemplos de formas típicas de curvas tensão deformação obtidas segundo diferentes técnicas de ensaio e métodos alternativos para previsão da resistência dos solos não saturados. O Capítulo 11 aborda as questões relacionadas à variação de umidade (ou mais apropriadamente, de sucção) sobre as variações volumétricas em solos não saturados. Diversos aspectos relacionados ao colapso e à expansão de solos são apresentados, como métodos de identificação, técnicas de ensaio, a representação considerando duas variáveis de estado de tensões e métodos de tratamento de tais solos. Por fim, o Capítulo 12, traz informações sobre modelos constitutivos para solos não saturados onde se apresenta uma breve explicação sobre a Teoria do Estado Crítico e mostra-se o desenvolvimento do Modelo de Barcelona, considerado o marco fundamental dos modelos elastoplásticos para solos não saturados. Em geral, todos os capítulos apresentam alguns exemplos e ao final uma lista de exercícios para que o leitor possa consolidar os conceitos apresentados. Ressalta-se ainda que, dada a interdependência entre diversos assuntos, um mesmo conceito, às vezes, é repetido em diversos capítulos com o intuito de facilitar a leitura. Desejo expressar meu agradecimento ao Prof. Roger Augusto Rodrigues pela formatação das equações e diversas sugestões e à Antonio Claret Carriel que fez uma parte considerável das figuras. Estendo meu agradecimento ainda a Ademir Pacelli Barbassa, Fernando A. M. Marinho, Lázaro Valentim Zuquette, Maria do Socorro São Mateus, Maria Teresa de Nóbrega, Miguel Angel Alfaro Soto, Neiva Mompeam Rosalis, Nelci Helena Maia Gutierrez, Nelson Caproni Jr., Orlando Fatibello Filho, Oscar dos Santos Neto, Osni José Pejon, Paulo Leonel Libardi, Roger Augusto Rodrigues, Sandro Lemos Machado e Silvio Romero Ferreira que colaboraram de diferentes maneiras para viabilizar este texto. Por fim, desejo ressaltar que, a despeito das citadas ajudas, o texto é de responsabilidade única do autor. São Carlos, setembro/2021 Orencio Monje Vilar iii Índice 1. SOLOS NÃO SATURADOS EM GEOTECNIA ................................................. 1 1.1 Introdução .......................................................................................................................... 1 1.1.1 Um primeiro olhar sobre um solo não saturado ............................................................... 3 1.1.2 Pressões na água presente num solo não saturado .......................................................... 4 1.1.3 Retenção de água pelo solo e sucção ................................................................................ 5 1.1.4 Curva de retenção de água pelo solo ................................................................................. 7 1.2 Mecânica dos solos não saturados: uma evolução dos conceitos geotécnicos .................. 8 1.2.1 Movimentos de massa - Estabilidade de Taludes e Encostas ........................................... 9 1.2.2 Soluções que tiram partido da preservaçãoda não saturação do solo ......................... 17 1.2.2.1 Pavimentos econômicos: bases de solo compactado .................................................. 17 1.2.2.2 Taludes Revestidos ......................................................................................................... 20 1.2.3 Barreiras Capilares............................................................................................................. 23 1.2.4 Deformações por umedecimento: solos colapsíveis ....................................................... 26 Exercícios ........................................................................................................................................ 30 2. CONCEITOS BÁSICOS DE MECÂNICA DOS SOLOS..................................... 31 2.1 Introdução ........................................................................................................................ 31 2.2 Origem, natureza e composição dos solos ....................................................................... 31 2.3 Índices físicos .................................................................................................................... 39 2.4 A Fração Sólida do Solo..................................................................................................... 45 2.4.1 Tamanho das Partículas .................................................................................................... 46 2.4.2 Minerais ............................................................................................................................. 48 2.4.3 Minerais da fração argila dos solos .................................................................................. 49 2.4.4 Óxidos de Fe e Al ............................................................................................................... 52 2.5 A Fase Líquida do Solo ...................................................................................................... 53 2.5.1 A interação entre as partículas sólidas e a água .............................................................. 53 2.5.2 Ponto de carga zero .......................................................................................................... 56 2.5.3 Limites de Consistência ..................................................................................................... 57 2.6 Interação Entre Partículas - Estrutura Dos Solos .............................................................. 60 2.6.1 Solos Grossos ..................................................................................................................... 60 iv 2.6.2 Solos Finos ......................................................................................................................... 61 2.7 O Princípio das Tensões Efetivas ...................................................................................... 62 2.7.1 Pressões na Água Intersticial ............................................................................................ 66 2.7.2 Tensões Geostáticas .......................................................................................................... 66 2.7.3 Solos normalmente adensados e sobre adensados. ....................................................... 68 2.8 Compactação dos Solos .................................................................................................... 75 2.9 Estruturas e Comportamento de Solos Compactados ...................................................... 78 2.10 Solos Residuais. Solos Saprolíticos .................................................................................... 82 2.11 Solos Lateríticos ................................................................................................................ 84 2.12 Evolução Pedológica ......................................................................................................... 86 Exercícios ...................................................................................................................................... 87 APÊNDICE A: ALGUNS SISTEMAS DE CLASSIFICAÇÃO DE SOLOS ........................ 89 A.1 Introdução .............................................................................................................................. 89 A.2 Classificação Unificada (ASTM D2487) .................................................................................... 89 A.3 Classificação Pedológica – Noções .......................................................................................... 91 A.3.1 Processos e Horizontes ........................................................................................................ 91 A5 Classificação MCT .................................................................................................................. 105 Ensaio de mini – MCV (mMCV) (Nogami e Villibor,1995) .......................................................... 106 Perda de Massa por Imersão ....................................................................................................... 108 Carta de Classificação MCT .......................................................................................................... 109 A6 O Ensaio de Infiltrabilidade ou de Sorção. Erodibilidade de Solos. ........................................ 113 3. A FRAÇÃO LÍQUIDA COMPONENTE DO SOLO ........................................ 117 3.1 Introdução ...................................................................................................................... 117 3.2 A molécula de água e interações .................................................................................... 117 3.3 Massa específica ............................................................................................................. 118 v 3.4 Coesão ............................................................................................................................ 119 3.5 Adesão ............................................................................................................................ 120 3.6 Tensão superficial ........................................................................................................... 120 3.7 Ângulo de contato .......................................................................................................... 122 3.8 Capilaridade .................................................................................................................... 124 3.9 Pressões em interfaces curvas ........................................................................................ 129 3.10 Fases da água e pressão de vapor .................................................................................. 131 3.11 Higrômetros.................................................................................................................... 137 3.12 Cavitação e ebulição ....................................................................................................... 139 3.13 Solubilidade .................................................................................................................... 140 3.13.1 A Lei de Henry. .............................................................................................................. 141 3.14 Constante dielétrica........................................................................................................ 144 3.15 Pressão osmótica ............................................................................................................ 146 Exercícios .................................................................................................................................... 149 4. POTENCIAL DA ÁGUA NO SOLO ............................................................ 153 4.1 Introdução ......................................................................................................................153 4.2 A energia da água em um solo não saturado .................................................................. 155 4.2.1 Potencial gravitacional .................................................................................................... 157 4.2.2 Potencial matricial ........................................................................................................... 158 4.2.3 Potencial osmótico .......................................................................................................... 158 4.2.4 Ilustração dos Potenciais Matricial e Osmótico ............................................................. 158 4.2.5 Potencial pneumático ..................................................................................................... 160 4.3 Sucção da água no solo .................................................................................................. 162 4.4 Umidade Relativa e Equação de Kelvin ........................................................................... 164 4.5 Unidades de Potencial e de Sucção ................................................................................ 168 vi Exercícios .................................................................................................................................... 170 5. RETENÇÃO DE ÁGUA PELO SOLO .......................................................... 171 5.1 Introdução ...................................................................................................................... 171 5.2 Características gerais das curvas de retenção de água ................................................... 172 5.3 Influência do tipo de solo na curva de retenção de água ............................................... 174 5.4 Modelos para a curva de retenção do solo..................................................................... 175 5.4.1 Aspectos do modelo de van Genuchten (1980) ............................................................ 179 5.4.2 Aspectos do modelo de Fredlund & Xing (1984) ........................................................... 182 5.4.3 Nota sobre modelos para solos com distribuição bimodal de poros ........................... 182 5.5 Exemplos de curvas de retenção de água de alguns solos.............................................. 187 5.6 Influência de alguns fatores na curva de retenção de água pelo solo ............................ 191 5.6.1 Compactação ................................................................................................................... 191 5.6.2 Contração dos solos durante a secagem ....................................................................... 194 5.6.3 Histerese .......................................................................................................................... 196 5.6.4 Outros líquidos e soluções .............................................................................................. 199 5.6.5 Temperatura .................................................................................................................... 201 5.7 A curva de retenção e o tamanho dos poros do solo ..................................................... 202 5.8 Porosimetria por injeção de mercúrio e curva de retenção ........................................... 209 5.9 Distribuição dos poros a partir da curva de retenção de água ....................................... 211 5.10 Previsão da curva de retenção........................................................................................ 215 5.10.1 Introdução ..................................................................................................................... 215 5.10.2 A partir da curva de distribuição granulométrica ........................................................ 216 5.10.3 A partir da curva granulométrica e da plasticidade .................................................... 220 5.10.4 Bancos de dados ............................................................................................................ 222 Exercícios .................................................................................................................................... 224 6. TÉCNICAS DE MEDIDAS DA SUCÇÃO E DA UMIDADE DOS SOLOS .......... 227 6.1 Introdução ...................................................................................................................... 227 vii 6.2 Pedras Porosas de Alta Pressão de Entrada de Ar .......................................................... 229 6.3 A Técnica de Translação de Eixos ................................................................................... 231 6.4 Métodos para Medida da Sucção ................................................................................... 232 6.4.1 Placa de pressão de Richards .......................................................................................... 233 6.4.2 Funil de pressão ............................................................................................................... 235 6.4.3 Célula de Tempe e Extrator volumétrico ....................................................................... 236 6.4.4 Aparelhos de membrana de pressão ............................................................................. 237 6.4.5 Tensiômetros ................................................................................................................... 238 6.4.6 Psicrômetros .................................................................................................................... 243 6.4.7 Blocos de Resistência Elétrica (“Blocos de Gesso”) ....................................................... 245 6.4.8 Equilíbrio na Fase Vapor – Soluções Salinas .................................................................. 246 6.4.9 Técnicas Baseadas em Princípios Osmóticos ................................................................. 249 6.4.10 Transdutores de Alta Capacidade (TAC) ...................................................................... 250 6.4.11 Sensores de Condutividade Térmica ............................................................................ 252 6.4.12 Sensor de Espelho Resfriado (Chilled Mirror) .............................................................. 253 6.4.13 O método do papel filtro .............................................................................................. 254 6.4.13.1 Equações de correlação entre a umidade do papel filtro e o potencial ou a sucção da água retida no solo 257 6.4.13.2 Calibração do papel filtro........................................................................................... 259 6.5 Medidas de Umidade...................................................................................................... 259 6.5.1 Introdução ....................................................................................................................... 259 6.5.2 Métodos Baseados na Constante Dielétrica ou Permissividade Relativa do Solo ....... 261 6.5.2.1 TDR - Time Domain Reflectometry .............................................................................. 262 6.5.2.2 FDR - Frequency Domain Reflectometry .................................................................... 264 6.5.3 Métodos Baseados em Princípios Radioativos .............................................................. 265 Exercícios .................................................................................................................................... 267 7. FLUXO DE ÁGUA ATRAVÉS DOS SOLOS ................................................. 271 7.1 Introdução ...................................................................................................................... 271 7.2 A lei de Darcy .................................................................................................................. 2727.3 Fluxo em meios estratificados: Condutividade Hidráulica Equivalente .......................... 276 7.4 Meio anisotrópico: Condutividade hidráulica numa direção qualquer ........................... 280 viii 7.5 Velocidade de Percolação ............................................................................................... 282 7.6 Permeabilidade x Condutividade Hidráulica ................................................................... 282 7.7 Função condutividade hidráulica .................................................................................... 283 7.8 Condutividade hidráulica relativa ................................................................................... 284 7.9 Equação geral do fluxo ................................................................................................... 285 7.10 Fluxo permanente em meio isotrópico em duas dimensões. Redes de Fluxo ................ 288 7.11 Fluxo transiente em solo não saturado .......................................................................... 292 Exercícios .................................................................................................................................... 296 8. INFILTRAÇÃO ........................................................................................ 297 8.1 Introdução ...................................................................................................................... 297 8.2 O Ciclo Hidrológico ......................................................................................................... 297 8.3 O Processo de Infiltração ................................................................................................ 299 8.3.1 Ensaios de infiltração em anel ........................................................................................ 301 8.3.2 Fases do processo de infiltração .................................................................................... 302 8.4 Fatores que interferem na infiltração ............................................................................. 304 8.5 Infiltração vertical em regime permanente .................................................................... 306 8.6 Fluxo transiente em solo não saturado .......................................................................... 314 8.7 Infiltração em regime não permanente .......................................................................... 315 8.7.1 A solução de Philip .......................................................................................................... 316 8.8 O modelo de Green-Ampt .............................................................................................. 321 8.8.1 Infiltração vertical ............................................................................................................ 321 8.8.2 Infiltração Horizontal ....................................................................................................... 324 8.9 Aplicações da equação de Richards resolvida numericamente ...................................... 325 8.9.1 Infiltração pela chuva ...................................................................................................... 325 8.9.2 Modelação da recarga de aquífero freático e variação do potencial matricial devido à infiltração 330 ix 8.9.3 Aspectos da modelação da infiltração em talude ......................................................... 332 8.9.3.1 Influência da forma da função condutividade hidráulica........................................... 335 8.9.3.2 Influência da condutividade hidráulica saturada........................................................ 338 8.9.3.3 Influência da pressão de entrada de ar. ..................................................................... 339 Exercícios .................................................................................................................................... 340 9. DETERMINAÇÃO DA CONDUTIVIDADE HIDRÁULICA .............................. 343 9.1 Introdução ...................................................................................................................... 343 9.2 Condutividade Hidráulica Saturada ................................................................................ 343 9.2.1 Ensaios de laboratório .................................................................................................... 344 9.2.2 Ensaios de Campo ........................................................................................................... 345 9.3 Condutividade Hidráulica Não Saturada ......................................................................... 349 9.3.1 Introdução ....................................................................................................................... 349 9.3.2 Determinação em laboratório: condições de fluxo permanente. ................................ 353 9.3.3 Determinação em laboratório: condições de fluxo transiente ..................................... 355 9.3.4 Determinação em campo: Método do Perfil Instantâneo ............................................ 361 9.3.5 Determinação em campo: Ensaio com o Permeâmetro de Guelph ............................. 366 9.4 Métodos Indiretos .......................................................................................................... 372 9.4.1 Introdução ....................................................................................................................... 372 9.4.2 Métodos baseados na distribuição de poros ................................................................. 372 Exercícios .................................................................................................................................... 380 10. RESISTÊNCIA AO CISALHAMENTO DOS SOLOS NÃO SATURADOS .......... 383 10.1 Introdução ...................................................................................................................... 383 10.2 Variáveis de Estado ......................................................................................................... 383 10.2.1 Tensões Efetivas em Solos Não Saturados ................................................................... 384 10.2.2 Variáveis de Estado de Tensão para um solo não saturado ....................................... 388 10.3 Estado de Tensões em torno de um ponto em um solo não saturado ........................... 389 10.3.1 Estado plano de tensões. Círculo de Mohr. Polo ......................................................... 390 10.3.2 Círculos de Mohr no espaço ( - ua); (ua – uw);t .......................................................... 398 10.4 O critério de resistência de Mohr-Coulomb ................................................................... 398 x 10.5 Coordenadas s,s', s – ua e t. ............................................................................................ 403 10.6 Determinação da Resistência ao Cisalhamento de Solos ................................................ 407 10.6.1 Introdução ..................................................................................................................... 407 10.6.2 Vantagens e desvantagens dos ensaios de campo e os de laboratório ..................... 408 10.7 Ensaios de laboratório .................................................................................................... 409 10.7.1 Introdução ..................................................................................................................... 409 10.7.2 Ensaio de Cisalhamento Direto .................................................................................... 409 10.7.3 Ensaio de Compressão Triaxial ..................................................................................... 412 10.7.3.1 Medidas Realizadas Durante os Ensaios de Compressão Triaxial ...........................413 10.7.3.2 Elementos para o Cálculo dos Ensaios de Compressão Triaxial .............................. 414 10.8 Obtenção da envoltória a partir de ensaios de compressão triaxial ............................... 417 10.9 Adensamento Hidrostático e Não Hidrostático .............................................................. 421 10.10 Ensaios segundo diferentes trajetórias de carregamento .......................................... 422 10.11 Saturação de corpos de prova .................................................................................... 424 10.12 Ensaio de Compressão Simples .................................................................................. 427 10.13 Outros Tipos de Ensaios ............................................................................................. 427 10.14 Adaptações nas técnicas de ensaio para contemplar a não saturação ...................... 430 10.14.1 Controle da sucção via técnica de translação de eixos ............................................. 430 10.14.2 Ensaio de compressão triaxial .................................................................................... 431 10.14.3 Ensaio de Cisalhamento Direto .................................................................................. 435 10.14.4 Controle da sucção via equilíbrio da fase vapor ........................................................ 436 10.14.5 Controle da sucção via técnica osmótica ................................................................... 437 10.14.6 Medida direta da sucção ............................................................................................ 437 10.14.7 Velocidade de carregamento ..................................................................................... 438 10.15 Influência da sucção nas curvas tensão deformação ................................................. 441 10.15.1 Ensaios de compressão triaxial – Ensaios CD ............................................................ 441 10.15.2 Ensaios de compressão triaxial – Ensaios CW ........................................................... 444 10.15.3 Ensaios de Cisalhamento Direto ................................................................................. 445 10.15.4 Ensaios de Compressão Simples com o uso de transdutor de alta capacidade (TAC). 446 10.16 Obtenção dos Parâmetros de Resistência em Solos não Saturados ........................... 448 xi 10.17 Não linearidade no incremento de resistência com a sucção .................................... 458 10.18 Considerações acerca de ´e b ................................................................................. 461 10.19 Métodos de Previsão da Resistência não Saturada .................................................... 463 Exercícios .................................................................................................................................... 469 11. DEFORMAÇÕES INDUZIDAS POR VARIAÇÕES DE UMIDADE EM SOLOS NÃO SATURADOS: COLAPSO E EXPANSÃO ......................................................................... 475 11.1 Introdução ...................................................................................................................... 475 11.2 Solos Colapsíveis ............................................................................................................. 478 11.2.1 Critérios de Identificação .............................................................................................. 482 11.2.2 Ensaios de laboratório para identificação do colapso ................................................. 486 11.2.3 Fatores que interferem no colapso .............................................................................. 488 11.2.4 Ensaios de campo para avaliação do colapso de solos ............................................... 497 11.3 Influência da sucção nas deformações volumétricas de solos não saturados ................ 501 11.3.1 Introdução ..................................................................................................................... 501 11.3.2 Ensaio edométrico com sucção controlada ................................................................. 502 11.3.3 Curvas de compressão confinada ou edométrica ....................................................... 503 11.3.4 Ciclagem da sucção ....................................................................................................... 504 11.3.5 Coeficiente de empuxo em repouso –K0 ..................................................................... 505 11.4 A representação das deformações considerando duas variáveis de estado. .................. 506 11.5 Métodos de Cálculo de Recalques de Solos Colapsíveis ................................................. 508 11.6 Tratamento de Solos Colapsíveis .................................................................................... 511 11.7 Solos Expansivos ............................................................................................................. 515 11.7.1 Introdução ..................................................................................................................... 486 11.7.2 Aspectos gerais acerca da expansibilidade de solos ................................................... 515 11.8 Zona Ativa ....................................................................................................................... 517 11.9 Ensaios para caracterizar a expansibilidade de solos ...................................................... 523 11.10 Fatores que interferem nas propriedades de expansão de um solo .......................... 525 xii 11.11 Identificação de solos expansivos .............................................................................. 527 11.12 Cálculo da deformação por expansão ........................................................................ 531 11.12.1 Métodos baseados em ensaios edométricos ............................................................ 533 11.12.2 Métodos baseados na medida da sucção .................................................................. 534 11.13 Tratamento de solos expansivos ................................................................................ 535 Anexo 11-A: Peso específico seco máximo e umidade ótima de solos ....................................... 537 Exercícios .................................................................................................................................... 537 12. : MODELOS CONSTITUTIVOS PARA SOLOS NÃO SATURADOS ................ 539 12.1 Introdução ...................................................................................................................... 539 12.2 Modelos tensão - deformação ........................................................................................ 539 12.2.1 Introdução ..................................................................................................................... 539 12.2.2 Parâmetros Elásticos ..................................................................................................... 541 12.3 Noções sobre Plasticidade .............................................................................................. 547 12.4 Teoria do estado crítico -Solos saturados - Fundamentos .............................................. 550 12.4.1 Introdução ..................................................................................................................... 550 12.4.2 Sistema de coordenadas ............................................................................................... 551 12.4.3 Resistência ao Cisalhamento ........................................................................................ 556 12.4.4 Plano p': v - Linhas de Compressão Hidrostática e Confinada e Projeção da Linha de Estado Crítico 560 12.4.5 Plano p´: q - Solos NormalmenteAdensados .............................................................. 561 12.4.6 Planos Não Drenado e Drenado – Solos normalmente adensados. ........................... 563 12.5 Solos sobre adensados. Superfície de estado completa. ................................................ 567 12.5.1 Parede Elástica .............................................................................................................. 568 12.5.2 Curvas de Plastificação .................................................................................................. 569 12.6 Cálculo das deformações plásticas ................................................................................. 571 12.7 O Modelo elástico plástico de Barcelona para solos não saturados ............................... 575 12.7.1 Introdução ..................................................................................................................... 575 12.7.2 Compressão de solos não saturados sob sucção constante. A curva LC. .................. 575 12.7.3 Deformações por umedecimento em solo não saturado ........................................... 576 12.7.4 Formulação matemática do modelo de Barcelona ..................................................... 579 xiii 12.8 Modelação de provas de carga em fundações em solos colapsíveis .............................. 588 12.8.1 Introdução ..................................................................................................................... 588 12.8.2 Características do solo do Campo Experimental de Fundações da EESC-USP. .......... 588 12.8.3 Estaca sujeita à tração .................................................................................................. 589 12.8.4 Prova de carga em placa ............................................................................................... 590 REFERÊNCIAS ................................................................................................. 593 SÍMBOLOS ................................................................................................................................... 613 xiv 1 1. SOLOS NÃO SATURADOS EM GEOTECNIA 1.1 Introdução Os solos são matéria de estudo de diversas áreas do conhecimento. Nas especialidades incumbidas de projetar e construir obras e de cuidar para que as intervenções técnicas não comprometam o meio físico, como nas Engenharias Civil e Ambiental e na Geologia, a importância do solo fica de imediato patente quando se considera que praticamente todas as obras de engenharia se apoiam no solo ou com ele podem interagir de variadas maneiras, como no caso das estruturas de contenção ou de túneis, sem esquecer que o solo se constitui no material de construção mais abundante na face da Terra. Embora o ser humano construa obras desde tempos pré-históricos e para isso tenha que ter aprendido a lidar com o solo de forma empírica, em um conhecimento que evoluiu ao longo do tempo, faz apenas um século que a Mecânica dos Solos nasceu como disciplina com a capacidade de entender e de prever o comportamento do solo frente às solicitações impostas pelas obras e por outras intervenções e acontecimentos sobre o meio físico que envolvam o solo. Os conceitos e modelos clássicos empregados em Mecânica dos Solos foram derivados, em geral, considerando situações extremas com relação à saturação: solo totalmente seco ou, completamente saturado. Há fortes razões para que a formulação desses conceitos tenha se apoiado nessas condições extremas. Nos países onde a Mecânica dos Solos primeiro evoluiu, a ocorrência de formações sedimentares em clima frequentemente temperado enseja a presença de solos saturados em abundância; comumente, a saturação se constitui numa situação final e geralmente crítica para uma diversidade de obras e, por fim, deve-se reconhecer que a análise considerando o solo como um meio bifásico traz simplificações na modelação de seu comportamento, como pode ser exemplificado pelo conhecido princípio das tensões efetivas de Terzaghi. Não obstante, a importância da não saturação foi reconhecida desde os primórdios da Mecânica dos Solos como ciência. Veja-se, por exemplo, esta observação de Karl Terzaghi (Theoretical Soil Mechanics –John Wiley & Sons, 1943 - pg. 194): “70. Tunnels through sand. Figure 57ª shows a section through a bed of sand in which a tunnel is being constructed between the horizontal surface of the bed and the water table. The cohesion of the sand is assumed to be not in excess of the feeble bond produced by a trace of moisture. Yet from experience we know that this trace of cohesion is sufficient to maintain the work face in small drifts without lateral support” 2 Manteve-se o texto original, no entanto, a citada figura não será aqui reproduzida por extrapolar os objetivos desta Introdução, para os quais apenas interessa registrar o comentário sobre o benefício da não saturação da areia no processo de escavação. Outras reflexões sobre a importância da não saturação são reportadas no capítulo 15, que trata de Capillary forces, e no capítulo 16 da referida obra. No âmbito do uso e aplicações dos solos em obras é fundamental compreender sua resposta frente a solicitações de natureza mecânica e hidráulica e, também, como se reconhece hoje, o modo pelo qual essas respostas podem ser influenciadas por variáveis climáticas, a exemplo do regime de chuvas, considerando-se a grande ocorrência de solos em condições não saturadas em todo o planeta, como em certas áreas delimitadas pelos trópicos. Mesmo em regiões de clima temperado, as porções superiores do perfil de solo apresentam-se comumente ressecadas devido às flutuações sazonais de umidade, influenciando o comportamento de obras que interagem com essas porções, como fundações diretas. Solos não saturados estão presentes, também, durante a vida útil de uma grande variedade de obras como aterros e estradas que empregam solos compactados, bem como em questões de natureza ambiental, como na composição de barreiras de contenção de resíduos. As intervenções geotécnicas típicas têm lugar tanto em solos saturados, como nos não saturados e, não raro, envolvem as duas condições, como, por exemplo, no caso de fundações profundas ou de túneis. Em certos casos, os requisitos para o projeto, construção e acompanhamento de determinadas aplicações envolvem tipicamente a condição de solo saturado, como a compressibilidade e o adensamento de argilas moles; em outros, a condicionante típica de análise e de comportamento da obra está associada à condição não saturada, como em vários taludes ou nas ocorrências de colapso dos solos, dentre outras situações. Questões comandadas pela condição de não saturação, que em geral são resolvidas com base no empirismo, poderiam ter soluções alternativas recorrendo a conhecimentos específicos de solos não saturados, normalmente não disponíveis na Mecânica dos Solos clássica até alguns anos atrás. Isso, absolutamente, não implica o abandono dos conceitos existentes: apenas constituem um impulso para atualizá-los, expandi-los e incorporá-los à prática da Engenharia Geotécnica. Nesse contexto, as últimas décadas marcaram a necessidade de esforços no sentido de aperfeiçoar e estabelecer conceitos com o intuito de melhorar e aperfeiçoar projetos e construções e encontrar possibilidades de modelar, ou seja, poder fazer previsões do comportamento de solos não saturados. Os itens que se seguem buscam enfatizar a presença de solos não saturados nas atividades rotineiras de Geotecnia. Principiam por apresentar, de maneira simplificada, vários conceitos essenciais e prosseguem com exemplos do efeito da não saturação em várias aplicações geotécnicas. Os diversos assuntos pressupõem o conhecimento de fundamentos de Mecânica dos Solos, sem os quais o leitor pode encontrar dificuldades para entender as situações que serão 3apresentadas. Os menos familiarizados com a disciplina e mesmo aqueles que queiram rever alguns conceitos podem se beneficiar lendo, primeiramente, o Capítulo 2, no qual se reúnem diversos conceitos básicos de Mecânica dos Solos e que podem ser úteis, também, para o entendimento dos tópicos que serão desenvolvidos ao longo dos diversos capítulos. Estes, incluirão a influência da não saturação sobre propriedades do solo, como na condutividade hidráulica e na resistência ao cisalhamento, além de assuntos como o colapso de solos e modelos constitutivos para solos não saturados. 1.1.1 Um primeiro olhar sobre um solo não saturado Os solos são compostos de partículas sólidas entremeadas de poros preenchidos com água no caso saturado e com ar, quando seco. Entre esses extremos ocorrem diferentes combinações entre os conteúdos de água e de ar, dando origem à condição de não saturação e à presença de interfaces entre sólidos, ar e água com importantes repercussões sobre o comportamento do solo, como se procurará demonstrar ao longo do texto. Um solo não saturado é capaz de atrair e reter água junto às partículas, graças a uma série de processos físico-químicos. Uma implicação desse fato é que a água retida se encontra com pressão abaixo da atmosférica, ou seja, negativa, característica fundamental de todo solo não saturado. A Figura 1.1(a) mostra um corpo de prova de solo compactado deixado secar ao ar, posicionado sobre uma pedra porosa e colocado em uma bandeja. (a) (b) (c) (d) Figura 1.1: Ascensão capilar de água em um solo não saturado. Em seguida, acrescentou-se água até o nível do topo da pedra porosa (Figura 1.1(a)), observando-se a reação do solo e acrescentando água toda vez que necessário para manter o nível original. Nota-se que o solo passa a succionar água, que principia ascender no solo (Figura 1.1(b) e (c)) num fenômeno chamado de ascensão capilar, em analogia que se faz entre os poros do solo 4 e tubos de pequeno diâmetro ou capilares, que são capazes de elevar a água contra a gravidade quando uma de suas extremidades é imersa em água. Na Figura 1.1(d) pode-se observar que a água atingiu o topo do corpo de prova. Admitindo-se que não ocorra evaporação de água do solo, cessa o movimento de água, pois atingiu-se uma condição de equilíbrio hidrostático. 1.1.2 Pressões na água presente num solo não saturado Para conhecer as pressões na água acima do nível freático, pode-se lançar mão da equação de Bernouilli, comentada com mais detalhe no Capítulo 4, que retrata a energia total de um fluido. Uma forma comum de representar essa energia é por meio de uma altura de carga hidráulica equivalente. No caso dos solos, tem-se a altura de carga total ou simplesmente carga total (H) que é composta pelas parcelas de pressão (uw/w) e de posição (z), sendo uw a pressão na água, w o peso específico da água e z a cota a partir de um determinado nível de referência. Se considerado o nível freático, que é o próprio nível de água na bandeja ilustrada na Figura 1.1, como referência, a carga total aí será nula, pois atua a pressão atmosférica, ou seja, a carga devida à pressão é zero e a cota também é zero: 0=+= o w wo o z u H (1.1) Atingida uma condição de equilíbrio, como mostrado na Figura 1.1(d), as cargas totais nos diferentes pontos devem ser as mesmas para que não haja fluxo o que permite calcular as pressões na água do solo. Numa altura de ascensão hi, tem -se que i w wi i h u H += (1.2) Como Hi deve ser igual a Ho = 0, então iwwi hu −= (1.3) Por exemplo, no topo do corpo de prova de altura L, tem -se que Lu wwL −= (1.4) 5 A Figura 1.2 ilustra possíveis pressões na água em um solo em campo. No caso da situação de equilíbrio hidrostático com o nível de água, caso representado em laboratório na Figura 1.1(d), tem-se as pressões dadas pelo diagrama linear identificado como “equilíbrio com nível de água”, onde as pressões acima do nível freático são negativas e decrescentes linearmente com a cota. Abaixo do nível de água, a água se encontra com pressões positivas devido à submersão, com valores proporcionais à profundidade de submersão. Figura 1.2: Perfil de solo não saturado e pressões na água intersticial. Em campo, as pressões na água oscilam continuamente a depender das condições climáticas locais. Ora o solo pode estar sujeito a efeitos pronunciados de evapotranspiração e tende a secar nas porções mais superficiais, com consequente redução de umidade e das pressões negativas de água, ou seja, as pressões tornam-se maiores em módulo; ora o solo pode estar umedecendo por causa da infiltração da água da chuva ou de outras fontes, com aumento das pressões que podem, eventualmente, tornar-se positivas em caso de saturação do solo, conforme se esquematiza na Figura 1.2. 1.1.3 Retenção de água pelo solo e sucção No processo de ascensão variadas quantidades de água ficam retidas no solo acima do nível de água, como se ilustra na Figura 1.3 que mostra um perfil de solo e os graus de saturação associados a cada cota. 6 Abaixo do nível de água ou nível freático o solo se encontra saturado. Acima do nível de água, uma porção de água retida no processo de ascensão faz com que o solo permaneça saturado ou quase saturado até determinada altura, hB, formando o que se convencionou chamar de franja capilar, cujo nome deriva do já citado fato de se assemelhar os poros dos solos a tubos capilares. A partir daí, nota-se uma redução do grau de saturação com a altura pois a água não é capaz de deslocar todo o ar e ocupar o espaço dos poros de maior diâmetro. Figura 1.3. Perfil de solo, diferentes formas de presença de água e graus de saturação. A água retida permanece contínua, porém não ocupando toda a seção de poros disponível e a ascensão continua em alguns poros contínuos ou “capilares” de menores diâmetros, com redução do grau de saturação, até uma altura de ascensão máxima, hc. Acima dessa altura tem-se uma região onde não há uma óbvia relação entre a altura e o grau de saturação, até que se atinge uma condição denominada de residual onde se estabelece a total continuidade da fase ar. A curva da Figura 1.3 representa a quantidade de água retida no solo, no caso representada pelo grau de saturação, associada às alturas de carga hi devidas às pressões atuantes na água. Essas alturas de carga representam o estado de energia da água intersticial e são uma expressão da pressão negativa na água como dado pela equação (1.3). Essas curvas são chamadas de curvas de retenção de água do solo, também conhecidas como curvas características e são dependentes da trajetória do fluxo, em outras palavras, se o solo está sorvendo ou drenando água. A quantidade de água retida além de ser expressa pelo grau de saturação, pode ser expressa pela umidade gravimétrica utilizada convencionalmente em Mecânica dos Solos ou pela umidade volumétrica, relação entre o volume de água e o volume total do solo (vide Capítulo 2). 7 Ao invés de trabalhar com valores negativos de pressão na água, pode-se recorrer à grandeza sucção (s) que quando resulta de efeitos da matriz do solo, provocada pela ação da capilaridade e da adsorção da água junto às partículas, recebe o nome de sucção matricial e corresponde à diferença entre a pressão atuante no ar (ua) e a pressão na água (uw) dos poros do solo: wa uus −= (1.5) A sucção é uma das variáveis fundamentais no estudo dos solos não saturados. No comum dos casos, atua a pressão atmosférica no ar dos poros, de forma que a sucção corresponderá diretamente ao valor negativo da pressão na água, ou seja, a um valor positivo. A sucção da água no solo pode também depender da concentração de sais na água intersticial, determinando a sucção osmótica, aqui propositalmente omitida por se tratar de texto introdutório. 1.1.4 Curva de retenção de água pelo solo A Figura 1.4 mostra, qualitativamente,uma curva de retenção em gráfico semi- logarítmico utilizado para englobar a vasta faixa de sucções possíveis em um solo. Esta é a forma usual de representação em Geotecnia e nela distinguem-se alguns pontos característicos, considerando que a curva foi gerada em um processo de drenagem a partir do solo incialmente saturado. A primeira porção é aquela onde o solo permanece saturado e que termina na sucção de entrada de ar, sb, a partir da qual o solo começa a dessaturar; em seguida, uma fase de transição entre a condição saturada e a condição denominada de residual. Nessa fase de transição, diminui o grau de saturação com o aumento da sucção, num processo que depende do tipo de solo. Na condição residual, permanece apenas a água adsorvida junto às partículas e se estabelece a continuidade da fase ar. Julgou-se útil apresentar de forma simplificada a condição da água em um solo não saturado, em especial da sucção, para facilitar o entendimento de alguns casos que se descrevem no item 2 onde mostram-se várias situações em que a não saturação do solo, explícita ou implicitamente, exerce importância sobre o comportamento de diversas aplicações geotécnicas. Informações mais completas sobre a ascensão capilar; a energia potencial ou simplesmente potencial da água no solo e da sucção, suas fontes e formas de medi-la; das formas de expressar a quantidade de água num solo, bem como informações complementares sobre a curva de retenção serão mostradas nos Capítulos 3; 4; 5 e 6. 8 1.2 Mecânica dos solos não saturados: uma evolução dos conceitos geotécnicos O reconhecimento da influência da não saturação tem sido presença constante na prática geotécnica, tendo sido tratada de forma empírica ou por vezes ignorada pela presunção de que poderia tratar-se de uma situação transitória, passível de desaparecer e, portanto, contrária à segurança. De fato, essa é uma possibilidade, porém há muitas evidências de que mesmo em períodos chuvosos a não saturação se mantém dentro de determinados níveis, suficientes para conferir um comportamento seguro ao solo. Por outro lado, diversos comportamentos típicos de solos não saturados não são possíveis de serem explicados e modelados com os conceitos clássicos de Mecânica dos Solos. Como características gerais, as pressões negativas na água que se desenvolvem nos solos não saturados se traduzem por maiores resistências e menores compressibilidades, comparado ao mesmo solo saturado. Em adição, a condutividade hidráulica se reduz e modifica certas questões associadas ao fluxo de água através do solo. Tirar partido dessas características permite otimizar soluções de engenharia, por meio de previsões mais precisas, seguras e econômicas. Figura 1.4: Forma típica de uma curva de retenção de água por um solo quando representada em escala semi-logarítmica. A seguir, descrevem-se algumas situações, dentre vários exemplos, em que se pode reconhecer a necessidade de se efetuar análises considerando a condição não saturada ou que evidenciam a importância de manter a não saturação para ter um desempenho satisfatório da obra. Os exemplos abordados referem-se aos movimentos de massa; ao comportamento colapsível de solos e ao uso de barreiras capilares e incluem, também, os pavimentos econômicos construídos com solos lateríticos finos e a proteção superficial de taludes. 9 1.2.1 Movimentos de massa - Estabilidade de Taludes e Encostas A morfologia da superfície terrestre depende de vários agentes, dentre eles, os que propiciam movimentos de massa, mecanismos decorrentes de uma série de fenômenos, cada qual com suas particularidades; formas de deflagração; extensão e efeitos associados. Incluem-se nessa descrição escorregamentos de encostas e de taludes; movimentos de tálus; corridas de lama e avalanches de detritos; erosão e creep. Todos esses processos ocorrem naturalmente ao longo da história geológica da Terra e, outras vezes, vários desses fenômenos podem ser precipitados por ação humana, como na ocupação desordenada de encostas ou pelo desmatamento, dentre outros fatores. Independentemente da forma de ocorrência, se natural ou acelerada por ação antrópica, o fato é que muitos desses eventos implicam perdas de vida, além de outras consequências sociais e econômicas indesejáveis. São muitos os exemplos de deslizamento, como os de Cubatão, do vale do Itajaí, em Santa Catarina, em 2008 e na região serrana do Rio de Janeiro, em janeiro de 2011, após intensas precipitações pluviométricas que superaram 100 mm por dia, em dias seguidos. A Figura 1.5 ilustra cicatrizes desses escorregamentos. (a) (b) Figura 1.5:Escorregamentos na Serra do Mar (a) Cubatão – SP, 1985; (b) Teresópolis – RJ, 2011. (http://memoria.oglobo.globo.com/jornalismo/primeiras-paginas/a-cataacutestrofe- sobre-serra-9340057) Escorregamentos em regiões serranas têm sido estudados em diversas partes do mundo e, em especial, em regiões tropicais afetadas por chuvas intensas. Uma alusão comum a esses fenômenos é atribuir às chuvas e sua distribuição dentro do ciclo hidrológico, mormente à infiltração e ao escoamento superficial, o papel de principal agente deflagrador dos processos de instabilização de encostas e taludes. Um exemplo dessa perspectiva pode ser ilustrado pelos métodos empíricos que buscam relacionar características das precipitações, como intensidade, duração e chuvas acumuladas em certos períodos, com a possibilidade de deslizamento de solos e outras formas de instabilização, determinados em diversos locais do globo terrestre. Por exemplo, Guidiccini e Ywasa (1976) empreenderam um estudo sobre a associação entre http://memoria.oglobo.globo.com/jornalismo/primeiras-paginas/a-cataacutestrofe-sobre-serra-9340057 http://memoria.oglobo.globo.com/jornalismo/primeiras-paginas/a-cataacutestrofe-sobre-serra-9340057 10 precipitação e escorregamentos observados em 101 locais do Sudeste e Sul do Brasil. Os autores observaram que um único episódio de chuva não é capaz de explicar seu efeito catastrófico e que os eventos de escorregamento dependiam da precipitação anterior à ocorrência, em especial as precipitações acumuladas em três e sete dias anteriores ao evento. Nessa mesma linha de ação, Tatizana et al. (1987) realizaram estudo semelhante para a região de Cubatão, SP, e estabeleceram que era possível delimitar diferentes formas de movimento de massa por meio de uma curva que relaciona a precipitação horária em que ocorre o evento (IAC, mm/h) com a precipitação acumulada em quatro dias (AC, mm), anteriormente ao evento. A Figura 1.6 ilustra as ocorrências e a curva limitante para escorregamentos induzidos por meio de ação antrópica. Figura 1.6: Relação entre precipitação e escorregamentos induzidos na região de Cubatão, SP (Tatizana et al., 1987) As curvas resultantes para as diversas formas de movimento de massa são do tipo: 𝐼𝐴𝐶 = 𝐾. 𝐴𝐶 −0,933 (1.6) Para escorregamentos induzidos, K assume o valor de 2603, como mostrado na Figura. Valores de IAC superiores aos fornecidos pela equação indicam uma grande possibilidade de escorregamentos na região. O estudo também determinou valores de K para outras formas de eventos, como corridas de lama, onde se determinou K = 10646 para o conjunto de dados disponíveis na época do estudo. Apesar das limitações e necessidade de ajuste para aplicação em outras áreas, relações desse tipo são úteis para orientar trabalhos de planejamento e de indicação da possibilidade de escorregamentos, sendo uma forma indireta de indicar a forma como a infiltração tende a reduzir a resistência de maciços terrosos. Os registros de Vargas (1999) sobre a mecânica dos escorregamentos em regiões tropicais, principalmente provenientes de estudos realizados na porção paulista da Serra do Mar 11 e na Baixada Santista, permitem entender como o desenvolvimento de conceitos de solos não saturados possibilitarammelhor compreensão de vários dos fenômenos citados. A Tabela 1.1, modificada por Wolle e Carvalho (1994) a partir da proposta original de Vargas (1999), traz uma síntese acerca das formas de instabilização de encostas em regiões tropicais, onde se mostra o papel da chuva como deflagrador dos processos de movimento de massa. Tabela 1.1: Classificação dos escorregamentos de solos e rochas em regiões serranas tropicais (Wolle e Carvalho, 1994; Vargas, 1999). CLASSE MODO OCORRENCIA Prevenção Movimentos “plásticos” ou “viscosos” Rastejo de camadas superficiais (creep) Movimentos lentos, mobilizando parte da resistência ao cisalhamento Movimento constante acelerado durante período de chuvas Impermeabilização da superfície Drenagem superficial Deslizamentos de tálus Movimentos contínuos ou intermitentes em acumulações detríticas Corte no pé do tálus durante época chuvosa O mesmo mais subdrenagem com drenos horizontais ou galerias Deslizamentos ao longo de superfícies de ruptura Deslizamentos planares Deslizamentos de manto relativamente delgados sobre a superfície da rocha horizontes de capas superficiais de solos residuais Ruptura repentina durante ou depois de chuvas maiores que 100mm/dia. Ao fim dos períodos de chuva. O mesmo mais retaludamento Bermas de pé de talude Muros de arrimo ou ancoragem Deslizamentos rotacionais Deslizamento de solos residuais ou maciços saprolíticos, eventualmente com blocos de rocha Deslizamentos estruturais de em maciços rochosos Deslizamentos de cunhas ou placas Deslizamento ao longo de descontinuidades planas Ruptura repentina durante ou depois de chuvas maiores que 100mm/dia. Ao fim dos períodos de chuva. Ancoragem de rocha Estruturas ancoradas Deslizamentos de maciços muito fraturados Deslizamento de maciços rochosos muito fraturados em blocos, às vezes envolvidos em lama. Quedas de rocha Desmoronamento de blocos de rocha instáveis Avalanches (Corridas) Fluxos de lama Erosão ou liquefação de camadas superficiais durantes tempestades maiores que 50mm/h em épocas chuvosas dos anos chuvosos Não existe remédio Fluxos de blocos de rochas Demolição hidráulica de maciços rochosos muito fraturados e decompostos 12 Após destacar ocorrências históricas, estudos realizados e soluções adotadas para corrigir várias das ocorrências listadas na Tabela 1.1, Vargas (1999) aponta para novas visões acerca do mecanismo deflagrador de alguns dos processos reportados. Certos eventos constituem situações associados à saturação ou quase saturação do solo, como no caso dos depósitos de tálus e mesmo à liquefação, como nas corridas de lama e detritos. No item referente aos escorregamentos de solos, Vargas (1999) chama a atenção para uma nova explicação para esses eventos, citando como causas possíveis o efeito da infiltração reduzindo a resistência do solo, por efeito do aumento da pressão de água (ou redução de sucção, como se explicará no decorrer do texto) na massa terrosa. Uma das formas mais recorrentes de deslizamento dessas massas é a planar (“talude infinito”), em que a profundidade de solo envolvido não supera alguns metros, com larguras entre 10 e 15m e comprimentos que podem atingir mais de uma centena de metros (Wolle, 1988; Wolle e Carvalho, 1994). Ressaltando que os mecanismos translacionais podem estar sujeitos a mais de um tipo de mecanismo instabilizador, a depender das condições geológica e geotécnica locais, Wolle e Carvalho (1994) destacam dois mecanismos típicos. No primeiro deles, a infiltração provoca a ascensão do nível freático, conduzindo a um fluxo paralelo à superfície do terreno e pressões de percolação na água, com o Fator de Segurança da encosta reduzindo-se à medida que mais ascende o nível freático. Essa situação é tratada nos textos clássicos de Mecânica dos Solos (Lambe & Whitman (1979), por exemplo) e foi aventada por Vargas para explicar o escorregamento do Morro da Caneleira, em Santos, representado na Figura 1.7, onde uma massa de solo residual de gnaisse com cerca de 7m de espessura deslizou sobre a rocha matriz, um gnaisse fraturado que ficou exposta. Figura 1.7: Escorregamento do Morro da Caneleira (Vargas, 1999). Embora seja um mecanismo plausível em certas condições, vários levantamentos de campo em porções da alta e média encosta da Serra do Mar revelaram que os maciços rochosos 13 sobre os quais se assentam os delgados perfis de solos coluvionares e saprolíticos são intensamente fraturados e com níveis variados de intemperização, de forma que não poderiam consistir num horizonte relativamente impermeável sobre o qual a água pudesse se acumular. Essa situação leva a que toda a água que se infiltra percole pelo horizonte rochoso, só vindo a contribuir para a ascensão do nível freático em grandes profundidades, muito abaixo do contato solo/ topo rochoso. A Figura 1.8 ilustra essa situação. Figura 1.8: Configuração típica de talude infinito, com fluxo vertical, na Serra do Mar, São Paulo. (redesenhado de Wolle & Hachich, 1989). Essas constatações acerca da dinâmica de infiltração nas encostas citadas levaram a diversas investigações laboratoriais, que permitiram verificar que os solos coluvionar e saprolítico perdiam resistência durante o “encharcamento” pela chuva (Wolle e Carvalho, 1994). Dentre os trabalhos de campo, tensiômetros (vide Capítulo 6), instrumentos que permitem medir as pressões negativas da água intersticial, permitiram conhecer os níveis de sucção em diferentes profundidades, numa área piloto denominada de 2 (próxima ao Túnel TA – 4, da Rodovia dos Imigrantes, entre as cotas 700 e 800m) da região estudada. Os ensaios de laboratório envolveram ensaios com corpos de prova saturados e, também, ensaios com sucção controlada, ou seja, ensaios em que era possível explicitar o efeito da não saturação sobre a resistência ao cisalhamento (vide Capítulo 10) e que trouxeram novas visões sobre os deslizamentos de solo. Abramento & Carvalho (1989) reportam os resultados de ensaios de compressão triaxial realizados com amostras representativas da citada Área Piloto 2, os quais mostram ângulos de atrito em torno de 36º e interceptos de coesão que variavam com a sucção 14 matricial, como por exemplo, c= 1,0 +3,1(ua – uw)0,5 kPa. Portanto, a resistência tendia a crescer com a sucção, fato que será detalhado no Capítulo 10, e foi possível modelar as condições de segurança de um talude típico da Área Piloto 2, sujeito a infiltração, redução de sucção e, por extensão, de resistência. A Figura 1.9 mostra a variação do Fator de Segurança, para as faixas correntes de sucção, podendo-se verificar que o FS é inferior a 1 para o solo saturado e que pequenos níveis de sucção podem responder por significativas melhoras na magnitude do fator de segurança. Figura 1.9: Variação do Fator de Segurança com a sucção para encosta da área Piloto 2, na Rodovia dos Imigrantes, Serra do Mar, São Paulo. (redesenhado de Wolle & Hachich, 1989). Para complementar esses fatos, vale ressaltar que o escorregamento do Morro da Caneleira foi reanalisado por Morgenstern & Matos (1975) que propuseram como mecanismo mais provável da ruptura a redução de resistência com a infiltração e redução da sucção, de forma semelhante ao comentado nos parágrafos anteriores. Sem pretender esgotar o assunto, dada a sua diversidade e complexidade, informações da literatura permitem alinhavar alguns comportamentos típicos, relacionados aos movimentos de massa: a) Escorregamentos de encostas e taludes ocorrem espontaneamente ou podem ser induzidos por ação antrópica; b) A infiltração da água da chuva e o escoamento superficial são as principais causas dos movimentos de massa em regiões tropicais; c) Escorregamentos em encostas estão, em geral, associados ao acúmulo de água precipitada anteriormenteao evento. Do ponto de vista mecânico, pode-se entender que essa infiltração acumulada tende a reduzir a sucção e, eventualmente, saturar o solo, levando-o a movimentar-se. Ressalte-se que o mecanismo de ruptura de taludes pode ser bastante complexo, principalmente, em solos residuais com diversas nuances e particularidades nem sempre possíveis 15 de detectar ou modelar. Por exemplo, Gerscovich et al. (2011) realizaram ampla retroanálise de uma ruptura de talude em solo residual de gnaisse (~1m de solo maduro, seguido de solo residual jovem e uma transição de rocha muito alterada e fraturada) com variados cenários que contemplaram as precipitações antecedentes ao escorregamento, o avanço da infiltração ao longo do perfil e implicações sobre o Fator de Segurança do talude. As avaliações mostraram que somente a infiltração e redução de resistência associada não eram capazes de justificar a ruptura e, que outros fatores, como fluxos preferenciais pelo extrato de alteração de rocha provavelmente contribuíram para saturar a base do escorregamento e, inclusive, para elevar as pressões de água nessa porção do maciço, única hipótese que conduziu a um fator de segurança capaz de indicar a ruptura. d) Movimentos de massas saturadas, como é comum nos depósitos de tálus, ou nas corridas de lama e de detritos, não são explicados por conceitos de solos não saturados. Entretanto, a drenagem e a impermeabilização de depósitos de tálus e de taludes instáveis por pressões de percolação, levando os maciços à não saturação, se constituem em alternativas eficientes de tratamento dessas instabilizações; e) Encostas em solo em regiões serranas íngremes, comumente, são de pequena espessura e encontram-se não saturadas. Períodos chuvosos aumentam a saturação do solo e reduzem a sucção, que nem sempre se anula. Mesmo valores baixos de sucção, da ordem de 5 kPa, podem promover a estabilidade da encosta. Períodos de chuvas intensas acumuladas podem levar ao colapso dessas massas de solo. O exposto neste item foi direcionado para enfatizar o papel da não saturação e omitiu diversos aspectos relacionados à estabilidade de encostas que não dizem respeito diretamente à essa questão, entretanto, maiores detalhes podem ser encontrados nas referências apresentadas. Informações de estudos sobre a influência da não saturação na estabilidade de encostas para outras regiões do Brasil, podem ser encontradas em Barata (1969); Fontoura et al. (1989) e, mais recentemente, De Campos (2017), para o Rio de Janeiro e Coutinho e Severo (2009), para Pernambuco. Um apanhado de casos históricos em que se destaca o papel da não saturação na estabilidade de taludes pode ser encontrado em Futai et al. (2011). No exterior há também exemplos semelhantes e pode-se citar um dos casos relatados por Fredlund & Rahardjo (1993), que se refere a um talude alto e íngreme situado atrás de um Conjunto de Edifícios Residenciais em Hong Kong. O talude tinha 30m de altura e inclinação de 60º com a horizontal e era constituído essencialmente de riolito alterado, com pesos específicos variando entre 18,4 e 21,4 kN/m3. O nível de água situava-se abaixo da superfície horizontal do terreno. A Figura 1.10 ilustra uma seção do talude, enquanto a Figura 1.11 mostra as variações de sucção obtidas a partir de tensiômetros instalados num poço. Notam-se pequenas variações de sucção em profundidade e variações maiores em superfície, devidas à infiltração de água das chuvas. 16 Figura 1.10: Seção de talude composto de riolito alterado em Hong Kong (adaptado de Fredlund & Rahardjo, 1993). Figura 1.11: Medidas in situ de sucção no talude da Figura 1.10: Seção de talude composto de riolito alterado em Hong Kong (adaptado de Fredlund & Rahardjo, 1993) (adaptado de Sweeney, 1982 apud Fredlund & Rahardjo, 1993). Análises de estabilidade, com superfícies de ruptura circulares passando pelo pé do talude, foram realizadas considerando diferentes situações. A primeira considerou o solo saturado e as demais consideraram o solo não saturado e as sucções atuantes no período chuvoso (2 de setembro), compartimentando-se o talude em camadas aproximadamente paralelas ao nível de água, cada qual com um determinado nível de sucção. As análises revelaram que a sucção 17 matricial era responsável por cerca de 20% do Fator de Segurança do talude, na época mais crítica do ano quando atuavam as menores sucções. 1.2.2 Soluções que tiram partido da preservação da não saturação do solo 1.2.2.1 Pavimentos econômicos: bases de solo compactado O projeto de pavimentos rodoviários no Brasil acompanhou as normas e prescrições já estabelecidos em outros países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos. Estes documentos traduziam a experiência desses países e o comportamento de seus solos, em geral, com desenvolvimento e evolução diferentes dos solos formados em condições de clima tropical. Métodos de dimensionamento tradicionais repousam sobre características granulométricas e de plasticidade dos solos, como os reunidos na classificação da AASHTO, complementados pelo ensaio de CBR (California Bearing Ratio) que fornece um índice de penetração da amostra compactada e submergida por quatro dias, além da expansibilidade resultante. Na Figura 1.12 tem-se uma seção típica de um pavimento flexível. 1 Capa de rolamento 2 Base 3 Sub- base 4 Reforço de subleito 5 Camada de regularização 6 Sub-leito Figura 1.12: Seção típica de um pavimento flexível. Diferentes tipos de bases e sub-bases têm sido utilizados, como os solos estabilizados granulometricamente ou com aditivos (asfalto, cimento e cal, principalmente) e macadame hidráulico. As estratégias de estabilização envolvem diferentes alternativas, como solo – brita; brita estabilizada granulometricamente; solo – betume e solo cimento, dentre outras, dando origem a bases de comportamento rígido ou flexível. Observações empíricas de engenheiros rodoviários atentaram para certos solos existentes no interior do Estado de São Paulo, que mesmo não preenchendo os requisitos para bases pelos critérios tradicionais, forneciam excelentes indicações de comportamento na composição de bases de pavimentos, quando adequadamente compactados. Tratava-se, como hoje se sabe, de solos de 18 “comportamento laterítico”. Segundo relato do Prof. Douglas Villibor, o primeiro uso conhecido de tais solos foi num acesso a Campinas conduzido pelo Eng. Francisco Pacheco e Silva do IPT. Em 1967, a regional do DER - SP de Araraquara construiu a primeira base de solo laterítico de natureza arenosa, ao qual se adicionou o adjetivo fino para separá-lo dos pedregulhos lateríticos, de granulometria mais grosseira, donde a designação solos arenosos finos lateríticos representados pela sigla SAFL. Foram construídas duas variantes da estrada Washington Luís, que foi protegida com tratamento superficial simples. Passados três meses, tempo previsto para a sua utilização, constatou- se que as vias se encontravam em perfeitas condições o que sugeriu a continuidade de uso da alternativa. Outro trecho pioneiro, foi na Rodovia Pereira Barreto – Ilha Solteira, construído sob a orientação do Prof. Carlos Pinto. A extensão é de 1km, com revestimento na forma de penetração tripla invertida, sendo esse trecho inserido entre duas faixas, uma com base de solo-cimento e outra de pedregulho. Avaliações contínuas por mais de 30 anos observaram o bom comportamento dos trechos e que não havia diferenças significativas entre eles, sendo necessárias apenas obras de manutenção pelo uso prolongado, como recapeamentos. A cronologia de desenvolvimento e aplicações das bases de pavimentos econômicos, com solos lateríticos compactados é extensa, recomendando-se aos interessados a leitura dos livros de Nogami e Villibor (1995) e de Villibor e Nogami (2009), nos quais este item é baseado, para maiores detalhes. No entanto, deve-se
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