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LIBANEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1996. DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA DIDÁTICA A história da Didática está ligada ao aparecimento do ensino – no decorrer do desenvolvimento da sociedade, da produção e das ciências – como atividade planejada e intencional dedicada à instrução. Desde os primeiros tempos existem indícios de formas elementares de instrução e aprendizagem. Sabemos, por exemplo, que nas comunidades primitivas os jovens passam por um ritual de iniciação para ingressarem nas atividades do mundo adulto. Pode-se considerar esta uma forma de ação pedagógica, embora aí não esteja presente o “didático” como forma estrutura de ensino. Na chamada Antiguidade Clássica (gregos e romanos) e no período medieval também se desenvolvem formas de ação pedagógica, em escolas, mosteiros, igrejas e universidades. Entretanto, até meados do século XVII não podemos falar de Didática como teoria do ensino, que sistematize o pensamento didático e o estudo científico das formas de ensinar. O termo “Didática” aparece quando os adultos começam a intervir na atividade de aprendizagem das crianças e jovens através da direção deliberada e planejada do ensino, ao contrário das formas de intervenção mais ou menos espontâneas de antes. Estabelecendo-se uma intenção propriamente pedagógica na atividade de ensino, a escola se torna uma instituição, o processo de ensino passa a ser sistematizado conforme níveis, tendo em vista a adequação às possibilidades das crianças, às idades e ritmo de assimilação dos estudos. A formação da teoria didática para investigar as ligações entre ensino e aprendizagem e suas leis ocorre no século XVII, quando João Amós Comênio ( 1592-1670), um pastor protestante, escreve a primeira obra clássica sobre Didática, a Didacta Magna. Ele foi o primeiro educador a formular a ideia da difusão dos conhecimentos a todos e criar princípios e regras de ensino. Comênio desenvolveu ideias avançadas para a prática educativa nas escolas, numa época em que surgiam novidades no campo da Filosofia e das Ciências e grandes transformações nas técnicas de produção, em contraposição às ideias conservadoras da nobreza e do clero. O sistema de produção capitalista, ainda incipiente, já influenciava a organização da vida social, política e cultural. A Didática de Comênio se assentava nos seguintes princípios: 1) A finalidade da educação é conduzir à felicidade eterna com Deus, pois é uma força poderosa de regeneração da vida humana. Todos os homens merecem a sabedoria, a moralidade e a religião, porque todos ao realizarem sua própria natureza, realizam os desígnios de Deus. Portanto, a educação é um direito de todos. 2) Por ser parte da natureza, o homem deve ser educado de acordo com o seu desenvolvimento natural, isto é, de acordo com as características de idade e capacidade para o conhecimento. Consequentemente, a tarefa principal da Didática é estudar essas características e os métodos de ensino correspondentes, de acordo com a ordem natural das coisas. 3) A assimilação dos conhecimentos não se dá instantaneamente, como se o aluno registrasse de forma mecânica na sua mente a informação do professor, como o reflexo do espelho. No ensino, ao invés disso, tem um papel decisivo a percepção sensorial das coisas. Os conhecimentos devem ser adquiridos a partir da observação das coisas e dos fenômenos, utilizando e desenvolvendo sistematicamente os órgãos dos sentidos. 4) O método intuitivo consiste, assim, da observação direta, pelos órgãos dos sentidos, das coisas, para o registro das impressões na mente do aluno. Primeiramente as coisas, depois as palavras. O planejamento de ensino deve obedecer o curso da natureza infantil; por isso as coisas devem ser ensinadas uma de cada vez. Não se deve ensinar nada que a criança não possa compreender. Portanto, deve-se partir do conhecido para o desconhecido. Apesar da grande novidade destas ideias, principalmente, dando um impulso ao surgimento de uma teoria de ensino, Comênio não escapou de algumas crenças usuais da época sobre ensino. Embora partindo da observação e da experiência sensorial, mantinha-se o caráter transmissor do ensino; embora procurando adaptar o ensino às fases do desenvolvimento infantil, mantinha-se o método único e o ensino simultâneo a todos. Além disso, sua ideia de que a única via de acesso dos conhecimentos é a experiência sensorial com as coisas não é suficiente, primeiro porque nossas percepções frequentemente nos enganam, segundo, porque já há uma experiência social acumulada de conhecimentos sistematizados que não necessitam ser descobertos novamente. Entretanto, Comênio desempenhou uma influência considerável, não somente porque empenhou-se em desenvolver métodos de instrução mais rápidos e eficientes, mas também porque desejava que todas as pessoas pudessem usufruir dos benefícios do conhecimento. Sabemos que, na história, as ideias, principalmente quando são muito inovadoras para a época, costumam demorar para terem efeito prático. No século XVII, em que viveu Comênio, e nos séculos seguintes, ainda predominavam práticas escolares da Idade Média: ensino intelectualista, verbalista e dogmático, memorização e repetição mecânica dos ensinamentos do professor. Nessas escolas não havia espaço para ideias próprias dos alunos, o ensino era separado da vida, mesmo porque ainda era grande o poder da religião na vida social. Enquanto isso, porém, foram ocorrendo intensas mudanças nas formas de produção, havendo um grande desenvolvimento da ciência e da cultura. Foi diminuindo o poder da nobreza e do clero e aumentando o da burguesia. Na medida em que esta se fortalecia como classe social, disputando o poder econômico e político com a nobreza, ia crescendo também a necessidade de um ensino ligado às exigências do mundo da produção e dos negócios e, ao mesmo tempo, um ensino que contemplasse o livre desenvolvimento das capacidades e interesses individuais. Jean Jacques Rousseau (1712-1778) foi um pensador que procurou interpretar essas aspirações, propondo uma concepção nova de ensino, baseada nas necessidades e interesse imediatos da criança. As ideias mais importantes de Rousseau são: 1) A preparação da criança para a vida futura deve basear-se no estudo das coisas que correspondem às suas necessidades e interesses atuais. Antes de ensinar as ciências, elas precisam ser levadas a despertar o gosto pelo seu estudo. Os verdadeiros professores são a natureza, a experiência e o sentimento. O contato da criança com o mundo que a rodeia é que desperta o interesse e necessidades imediatas do aluno que determinam a organização do estudo e seu desenvolvimento. 2) A educação é um processo natural, ela se fundamenta no desenvolvimento interno do aluno. As crianças são boas por natureza, elas tem uma tendência natural para se desenvolverem. Rousseau não colocou em prática suas ideias e nem elaborou uma teoria de ensino. Essa tarefa coube a um outro pedagogo suíço, Henrique Pestalozzi (1746-1827), que viveu e trabalhou até o fim da vida na educação de crianças pobres, em instituições dirigidas por ele próprio. Deu uma grande importância ao ensino como meio de educação e desenvolvimento das capacidades humanas, como cultivo do sentimento, da mente e do caráter. Pestalozzi atribuía grande importância ao método intuitivo, levando os alunos a desenvolverem o senso de observação, análise dos objetos e fenômenos da natureza e a capacidade da linguagem, através da qual se expressa em palavras o resultado das observações. Nisto consista a educação intelectual. Também atribuía importância fundamental à psicologia da criança como fonte do desenvolvimento do ensino. As ideias de Comênio, Rousseau e Pestalozzi influenciaram muitos outros pedagogos. O mais importante deles, porém, foi Johann Friedrich Herbart ( 1766-1841), pedagogo alemão que tevemuitos discípulos e que exerceu influência relevante na Didática e na prática docente. Foi e continua sendo inspirador da pedagogia conservadora – conforme veremos – mas suas ideias precisam ser estudadas por causa de sua presença constante nas salas de aulas brasileiras. Junto com uma formulação teórica dos fins da educação e da Pedagogia como ciência, desenvolveu uma análise do processo psicológico-didático de aquisição de conhecimentos, sob a direção do professor. Segundo Herbart, o fim da educação é a moralidade, atingida através da instrução educativa. Educar o homem significa instruí-lo para querer o bem, de modo que aprenda a comandar a si próprio. A principal tarefa da instrução é introduzir ideias corretas na mente dos alunos. O professor é um arquiteto da mente. Ele deve trazer à atenção dos alunos aquelas ideias que deseja que dominem suas mentes. Controlando os interesses dos alunos, o professor vai construindo uma massa de ideias na mente, que por sua vez vão favorecer a assimilação de ideias novas. O método de ensino consiste em provocar a acumulação de ideias na mente da criança. Herbart estava atrás também da formulação de um método único de ensino, em conformidade com as leis psicológicas do conhecimento. Estabeleceu, assim, quatro passos didáticos que deveriam ser rigorosamente seguidos: o primeiro seria a preparação e apresentação da matéria nova de forma clara e completa, que denominou clareza; o segundo seria a associação entre as ideias antigas e novas; o terceiro, a sistematização dos conhecimentos, tendo em vista a generalização; finalmente, o quarto seria aplicação, o uso dos conhecimentos adquiridos através de exercícios, que denominou método. Posteriormente, os discípulos de Herbart desenvolveram mais a proposta dos passos formais, ordenando-os em cinco: preparação, apresentação, assimilação, generalização e aplicação, fórmula esta que ainda é utilizada pela maioria dos nossos professores. O sistema pedagógico de Herbart e seus seguidores – chamados de herbartianos – trouxe esclarecimentos válidos para a organização da prática docente, como por exemplo: a necessidade de estruturação e ordenação do processo de ensino, a exigência de compreensão dos assuntos estudados e não simplesmente memorização, o significado educativo da disciplina na formação do caráter. Entretanto, o ensino é entendido como repasse de ideias do professor para a cabeça do aluno; os alunos devem compreender o que o professor transmite, mas apenas com a finalidade de reproduzir a matéria transmitida. Com isso, a aprendizagem se torna mecânica, automática, associativa, não mobilizando a atividade mental, a reflexão e o pensamento independente e criativo dos alunos. As ideias pedagógicas de Comênio, Rousseau, Pestalozzi e Herbart – além de muitos outros que não pudemos mencionar – formaram as bases do pensamento pedagógico europeu, difundindo- se depois por todo o mundo, demarcando as concepções pedagógicas que hoje são conhecidas como Pedagogia Tradicional e Pedagogia Renovada. A Pedagogia Tradicional, em suas várias correntes, caracteriza as concepções de educação onde prepondera a ação de agentes externos na formação do aluno, o primado do objeto de conhecimento, a transmissão do saber constituído na tradição e nas grandes verdades acumuladas pela humanidade e uma concepção de ensino como impressão de imagens propiciadas ora pela palavra do professor ora pela observação sensorial. A Pedagogia Renovada agrupa correntes que advogam a renovação escolar, opondo-se à Pedagogia Tradicional. Entre as características desse movimento destacam-se: a valorização da criança, dotada de liberdade, iniciativa e de interesses próprios e, por isso mesmo, sujeito da aprendizagem e agente de seu próprio desenvolvimento; tratamento científico do processo educacional, considerando as etapas sucessivas do desenvolvimento biológico e psicológico; respeito às capacidades e aptidões individuais, individualização do ensino conforme os ritmos próprios de aprendizagem; rejeição de modelos adultos em favor da atividade e da liberdade de expressão da criança. O movimento de renovação da educação, inspirado nas ideias de Rousseau, recebeu diversas denominações, como educação nova, escola nova, pedagogia ativa, escola do trabalho. Desenvolveu-se como tendência pedagógica no início do século XX, embora nos séculos anteriores tenham existido diversos filósofos e pedagogos que propugnavam a renovação da educação vigente, tais como Erasmo, Rabelais, Montaigne à época do Renascimento e os já citados Comênio (séc. XVII), Rousseau e Pestalozzi (no séc. XVIII). A denominação Pedagogia Renovada se aplica tanto ao movimento da educação nova propriamente dito, que inclui a criação de “escolas novas”, a disseminação da pedagogia ativa e os métodos ativos, como também a outras correntes que adotam certos princípios de renovação educacional mas sem vínculo direto com a Escola nova; citamos, por exemplo, a pedagogia científico-espiritual desenvolvida por W. Dilthey e seus seguidores, e a pedagogia ativista-espiritualista católica.
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