Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
AULA 1 MEIOS DE RESOLUÇÕES DE CONFLITOS INTERNACIONAIS Prof.ª Sue Martins 2 A paz só pode estabelecer-se ou manter-se por meio de um pacto entre os povos, assim defendia Kant (2018), ainda em 1795, quando o filósofo concluiu que a guerra como via jurídica era condenada pela razão, a mesma que faz da paz um dever imediato. Nossa disciplina é justamente uma busca incessante pela paz. Veremos, no decorrer dos conteúdos, desde o histórico e evolução dos meios pacíficos de solução de conflitos internacionais: esse é o objetivo principal dessas ferramentas – estabelecer e manter a paz internacional. Dando razão a Kant, essa busca não pode acontecer senão pelo acordo entre os Estados, os quais, de seu “máximo poder/legislativo moral” (Kant, 2018, p. 146), condenaram a guerra como via jurídica, no entanto ainda não a eliminaram de todo, porquanto talvez ainda lhes falte, na razão, a urgência do estado de paz, intrínseca a quem sofre diretamente os horrores da guerra. Como estudaremos em nosso primeiro tema, os conflitos internacionais são desacordos, trocas negativas entre Estados ou grupos de Estados. Essas trocas podem ir desde uma divergência acerca da interpretação de um tratado até disputas territoriais, econômicas, políticas. Esses conflitos, a depender da solução buscada pelas partes conflitantes, podem obter diversos rumos no cenário internacional. Infelizmente, apesar da obrigatoriedade de se buscar uma solução pacífica para eliminar a controvérsia, nem sempre as partes encontram esse caminho, podendo atingir resultados catastróficos de proporções internacionais. Por esse motivo, dividimos nosso estudo em três momentos: evolução histórica e contextualização; meios coercitivos e meios não pacíficos; meios pacíficos de solução de conflitos. No primeiro momento, vamos analisar o histórico de desenvolvimento dos meios de solução existentes. Em seguida, os meios coercitivos, a guerra e o Direito Internacional Humanitário. Acerca dos meios coercitivos, detalharemos os seguintes institutos: retorsão, represália, embargos, bloqueio, boicote, rompimento das relações diplomáticas e atuação do Conselho de Segurança. Sobre a guerra, vamos nos basear em seu histórico até nosso contexto atual, passando pelas leis que a permeiam. O Direito Internacional Humanitário possui aqui um papel fundamental, uma vez que constitui um limitador da guerra. Após estudarmos os meios coercitivos e meios não pacíficos, passaremos ao estudo dos meios pacíficos de solução de controvérsia internacional, esses sim 3 avanços na busca e na manutenção da paz internacional. Nessa segunda fase, as soluções pacíficas serão divididas da seguinte forma: meios diplomáticos, meios políticos e meios jurisdicionais. Os meios diplomáticos são formulados entre Estados com a participação ou não de um terceiro. São meios diplomáticos de solução de controvérsia: negociação direta, bons ofícios, mediação, conciliação, sistema de consultas e inquérito. Enquanto os meios políticos são aqueles solucionados no âmbito das Organizações Internacionais ou abarcados por acordos regionais. Meios jurisdicionais são aqueles onde se diz o direito, através de uma sentença ou laudo arbitral. Dividem-se em solução judicial e arbitragem internacional. Quanto às soluções judiciais, adentraremos às Corte Internacionais permanentes, regionais e especializadas. No tópico da arbitragem internacional, além de discutirmos as características desse instituto, estudaremos os principais fóruns arbitrais internacionais. Esse é nosso plano de estudos: evolução histórica e contextualização; meios coercitivos e meios não pacíficos; meios pacíficos: diplomáticos e políticos e, meios jurisdicionais (solução judicial e arbitragem internacional). TEMA 1 – CONFLITOS INTERNACIONAIS Neste tópico, iremos compreender o que são conflitos internacionais. Quando pensamos em conflito, logo vem à mente a ideia de hostilidade, de luta. Mas nesta disciplina vamos abordar o conflito de uma forma mais ampla. Vamos entender o conflito como um desacordo. Nesse sentido, o conflito seria tanto uma simples divergência na interpretação de uma regra em um acordo bilateral, quanto uma disputa entre dois Estados por um território, cujo resultado pode culminar em hostilidade. A Corte Permanente de Justiça Internacional – CPJI expressou o conceito de conflito internacional no caso Mavrommatis (Court Permanente de Justice Internationale, 1924, p. 12, tradução nossa)1 como sendo “um desacordo sobre determinado ponto de direito ou de fato, ou seja, toda oposição de interesses ou de teses jurídicas”. Brotóns (2010) bem esmiuçou esse conceito da Corte trazendo seus elementos constitutivos, necessários à noção empregada, tanto objetivo quanto 1 Texto original: Un différend est un désaccord sur un point de droit ou de fait, une contradiction, une opposition de thèses juridiques ou d'intérêts [...] 4 subjetivo. De maneira tal que o elemento objetivo seria o desacordo em si, a oposição entre as partes. Enquanto isso, o elemento subjetivo seria a presença das partes que nomeiam a controvérsia internacional, o sujeito de direito internacional. Outra decisão importante na concepção do conflito internacional foi o caso Sudoeste Africano (1962), quando a Corte Internacional de Justiça – CIJ acrescentou ao conceito a ideia de que esse conflito deveria, em um terceiro momento, manifestar-se no sentido de que a pretensão de uma parte encontrasse a oposição de outra, o que, segundo Brotóns (2010), seria um terceiro elemento, o elemento formal: não é suficiente que uma das partes em um caso contencioso afirme a existência de um litígio com a outra parte. A simples afirmação não é suficiente para provar a existência de um conflito, [...]. Também não é suficiente demonstrar que os interesses de ambas as partes em determinado caso estão em conflito. Deve ser demonstrado que a reclamação de uma das partes se encontra manifestamente em oposição à outra. (Caso Sudoeste Africano, 1962, p. 12) (Tradução nossa)2 O mesmo autor ainda diferencia o conflito internacional de pequenas desavenças, situações conflitivas vagas e imprecisas, tensões cotidianas internacionais, que não possuem objeto definido ou, nem mesmo, muitas vezes, as partes determinadas (Brotons, 2010). No mesmo sentido, Amaral Junior (2015, p. 268) analisou ainda a diferença entre controvérsia internacional e tensão política, a fim de melhor delimitar o objeto desse estudo: “A tensão política é um antagonismo que não tem objeto circunscrito ou claramente definido. Exprime-se, em geral, em pretensões difusas, de cunho passional, não suscetíveis a critérios racionais, o que a torna refratária à solução pacífica”. De maneira que a tensão política pode ou não estar presente num conflito internacional, trazendo, portanto, maior dificuldade na solução pacífica da controvérsia. Também para Santulli (2005, p. 5), para que haja um conflito, é preciso que estejamos diante da pretensão de uma parte e da contestação de 2 En d'autres termes, il ne suffit pas que l'une des parties à une affaire contentieuse affirme l'existence d'un différend avec l'autre partie. La simple affirmation ne suffit pas pour prouver l'existence d'un différend, [...]. Il n'est pas suffisant non plus de démontrer que les intérêts des deux parties à une telle affaire sont en conflit. Il faut démontrer que la réclamation de l'une des parties se heurte à l'opposition manifeste de l'autre. 5 outra. A pretensão pode ser explícita ou implícita, enquanto a contestação pode ser expressa ou tácita. Portanto, conflitos internacionais são disputas, trocas negativas entre Estados, oposição de interesses ou teses jurídicas. Essas trocas negativasentre Estados ou grupo de Estados podem abranger mero impasse sobre a interpretação de uma regra, mas também conflitos de enorme proporção, que podem, inclusive, chegar ao conflito armado. O objeto do conflito, litígio, disputa, lide, controvérsia, pode estar relacionado com qualquer área de interesse dos envolvidos, podendo ser político, cultural, econômico, religioso, ou de qualquer outra natureza que gere a divergência entre as partes. É importante compreendermos o direito internacional do ponto de vista da integração e interdependência dos povos. Os conflitos internacionais em geral fazem parte de um todo, de maneira que, enquanto um Estado impõe desacordos em sua região, do outro lado do globo, outro Estado está a sentir seus efeitos. Importante ressaltar, nesse ponto que, diferente do direito interno, no direito internacional não temos um órgão superior ou centralizado detentor de autoridade para dirimir todos os conflitos internacionais de uma sociedade envolvendo estados soberanos. Não há exclusividade de jurisdição, pois a “sociedade internacional é descentralizada, pautada por uma lógica de coordenação entre os Estados que a compõem. Os teóricos das relações internacionais afirmam que ela é anárquica, no sentido de que não há um governo mundial com poderes supranacionais, subordinando todos os estados” (Sloboda, 2018, p. 152). Assim, quando surge um conflito, a depender de diversos fatores – por exemplo, da existência ou não de tratados entre as partes, de quem são os Estados envolvidos, bem como o objeto dessa controvérsia –, esse conflito será direcionado para uma solução. Atualmente, podemos dizer que, para pôr fim ao conflito, é necessária a cooperação internacional, sempre em busca da paz e sua manutenção, especialmente por meio da vontade e da boa-fé dos Estados soberanos. Logicamente, todo conflito possui um contexto histórico-social-cultural e não emerge do dia para noite. Temos que a própria institucionalização do conflito internacional é reflexo da necessidade dos Estados que – ao longo da história, conforme veremos adiante, desde as Convenções de Haia (1899 e 1907) – 6 resolveram instituir normas gerais, a fim de estimular os meios pacíficos de solução de controvérsias internacionais. Portanto, no mundo globalizado em que vivemos atualmente, não se permite um comportamento voltado apenas aos interesses internos dos Estados. Com base nessa reflexão, iniciaremos o histórico da evolução dos meios pacíficos de solução de controvérsia internacional, começando pela Paz de Westfália. TEMA 2 – HISTÓRICO – DA PAZ DE WESTFÁLIA ÀS CONFERÊNCIAS DA PAZ Para entendermos como chegamos aos mecanismos de solução de controvérsias existentes hoje, é preciso que tenhamos uma visão ampla dos acontecimentos históricos que conduziram e impulsionaram o direito internacional, como também, deram origem a todo esse sistema. A evolução dos mecanismos de solução de controvérsias é essencialmente vinculada à busca e à manutenção da paz. Para compreendermos esse histórico, vamos abordar a Paz de Westfália no século XVII, adentrando ao Congresso de Vienna de 1815, à Convenção de Genebra de 1864, às Convenções de Haia 1899 e 1907, à Conferência de São Francisco de 1945 e seu fruto, a Carta da ONU. A Guerra dos 30 Anos foi um período sangrento na Europa, marcado principalmente por conflitos religiosos, após o qual declinou o poder da Igreja, rompendo com diversos preceitos e estabelecendo a soberania e igualdade entre os Estados. Essa soberania e igualdade estatal foi possível por meio da Paz de Westfália, no século XVII. A partir da Paz de Westfália iniciou-se um caminho comum para os Estados da Europa, que ao assinarem os Tratados de Westfália, em 1648, encerrando a Guerra dos 30 Anos, afirmaram sua soberania. Segundo o professor Wagner Menezes (2010, p. 23), foi a partir desse Tratado que se iniciou uma preocupação em sistematizar um direto internacional que resultasse em uma convivência pacífica entre os Estados europeus. A partir dos Tratados de Westfália, amparados pela doutrina de Hugo Grócio (pensador do direito internacional moderno), um momento sem precedentes foi inaugurado no Direito Internacional Público, pois seria considerado uma ciência autônoma, elevando o princípio da igualdade formal entre os Estados: Com os dois tratados de Westfalia (Tratado de Münster, assinado por Estados católicos e, Tratado de Osnabrück, assinado pelos protestantes 7 envolvidos no litígio) demarcou-se, então, a nova era do Direito Internacional Público, que, a partir daí, passaria a ser conhecido como ramo autônomo do Direito moderno. Mas, por qual motivo? Pelo fato de, pela primeira vez, se ter reconhecido, no plano internacional, o princípio da igualdade formal dos Estados europeus e a exclusão de qualquer outro poder a eles superior (Mazzuoli, 2020, p. 11). Desde então, começa a surgir uma sociedade internacional, por meio da qual os Estados buscam o equilíbrio entre entidades soberanas, firmando diversos tratados bilaterais entre si, o que abre caminho para o Tratado de Viena, firmado em 1815, primeiro tratado multilateral que, posteriormente, levaria à universalização e à institucionalização do direito internacional: Assim, a forma clássica dos tratados que se desenvolveram por meio de pacotes de tratados bilaterais para fixar as relações entre uma série de Estados, em particular por ocasião dos grandes tratados de paz dos séculos XVII e XVIII, abre espaço pela primeira vez em 1815, durante o Segundo Tratado de Viena, a um tratado multilateral, um instrumento único assinado por todos os interessados, abrindo caminho para a universalização e posterior institucionalização. (Decaux, 2008, 6. Tradução nossa) Vale lembrar que o Ocidente estava influenciado pelo constitucionalismo advindo do final do século XVIII, o que mais tarde influenciaria na construção dos direitos humanos, que até então eram tutelados pelo direito interno dos Estados. Paralelamente, nessa fase, ocorria um despertar para os procedimentos de arbitragem internacional, em razão do sucesso dos procedimentos de arbitragem enfrentados por Estados Unidos e Grã-Bretanha pós Revolução Americana – que havia sido permitido pelo Tratado de Jay (1794) –, movimento que levaria ao crescimento dos procedimentos de arbitragem internacional nos próximos anos, assunto esse que retomaremos mais adiante, ao falarmos sobre arbitragem. O Congresso de Vienna de 1815, que ocorreu encerrando as guerras napoleônicas (das quais a Grã-Bretanha saiu como grande potência), “estruturou o sistema internacional eurocêntrico” (Lafer, 2018, p. 937). Essa estrutura, que se erguia sobre o princípio da legitimidade e do equilíbrio europeu, viria abaixo em 1848 “ano da ‘Primavera dos Povos’ –, quando revoluções liberais pipocaram por todo o continente, desde a França até a Prússia e a Áustria” (Magnoli, 2013, p. 79). É importante notar que, enquanto a Europa realizava esse movimento, a América espanhola conquistava sua independência no processo de descolonização que viria a terminar em 1824, de onde, mais tarde, sairiam novos atores internacionais, que viriam a contribuir com a evolução do sistema de solução de conflitos no cenário internacional. 8 Posteriormente, um movimento histórico no âmbito das relações internacionais veio com a Convenção de Genebra, porquanto, pela primeira vez, por meio de um tratado, o indivíduo ganhava relevância em detrimento do poder do Estado: Indubitavelmente surge um marco na história das relações internacionais, visto que, nunca antes na história da civilização, os Estados se haviam colocado de acordo para limitar, em um tratado internacional aberto à ratificação universal, seu próprio poder em benefício do indivíduo. (Guerra, 2019, p. 509-510) A Convenção de Genebra de 1864 aconteceu para regulamentaro Comitê da Cruz Vermelha, projetado por Henry Dunant para atender aos feridos de guerra em Genebra, marcando o início do direito internacional humanitário. O documento gerado estabeleceu dez artigos cujo teor pregava “o respeito e a proteção das equipes e instalações sanitárias, assim como também reconheciam o princípio essencial de que os militares feridos ou enfermos devem ser protegidos e receber cuidados seja qual for sua nacionalidade” (Guerra, 2019, p. 509). Todos esses movimentos, passando pela Paz de Westfália, Congresso de Viena de 1815 e Convenção de Genebra de 1864, foram de suma importância na construção do sistema de solução de controvérsia internacional, uma vez que começou com a evolutiva criação de um sistema internacional até o início de um direito internacional humanitário, para, mais tarde, como veremos nos próximos temas, resultar nos mecanismos atuais. Antes de adentrarmos às Convenções de Haia de 1899 e 1907, vamos retomar o início dos procedimentos de arbitragem internacional, porque eles se deram justamente antes das Conferência da Paz e, assim, influenciaram a criação da Corte Permanente de Arbitragem no evento. Grandes questões internacionais surgiam advindas do processo de independência dos Estados Unidos, para os quais a solução foi o procedimento de arbitragem: Na era moderna, o prestígio da arbitragem, recobrado a partir do final do século XVIII, antecipou a extraordinária evolução dos meios de solução de controvérsias no curso do século XX. As decisões arbitrais proferidas com base no artigo VII do Tratado Jay, celebrado em 1794, concorreram para desenvolver a teoria da responsabilidade do Estado e abriram caminho para o uso da arbitragem internacional no futuro. Estima-se que entre 1795 e 1922 ocorreram 350 arbitragens internacionais, sendo que 74 delas tiveram lugar no período entre 1891 e 1900 (Amaral Junior, 2015, p. 281) 9 A eficácia desses procedimentos para a solução dos conflitos entre os dois países gerou interesse na comunidade internacional, interesse esse que resultaria na criação da Corte Permanente de Arbitragem durante as Conferências da Paz. Obviamente, a arbitragem não é a única forma pacífica de solução de controvérsia internacional, mas importa compreender que esse processo de interesse pela arbitragem no âmbito internacional propulsionou a escolha pela solução pacífica dos conflitos, sendo “um valioso instrumento para a solução das disputas internacionais, que os Estados utilizam amiúde, em virtude do crescente número de conflitos oriundos das várias formas de interdependência” (Amaral Junior, 2015, p. 281). Conforme menciona Amaral Junior, as Convenções de Haia de 1899 e 1907 iniciaram uma nova etapa do direito internacional, na qual houve um crescimento na “institucionalização dos procedimentos de resolução de disputas” (Amaral Junior, 2015, p. 266). De fato, as Conferências da Paz marcam o início dos esforços para defender as relações entre os Estados, institucionalizando as soluções pacíficas de seus conflitos. Tratava-se de uma autêntica ordem institucional em formação, contudo ainda estreitamente fechada no contexto europeu (Decaux, 2008, p. 7). Conforme mencionamos no tema anterior, o direito internacional não possui uma autoridade ou órgão central para dirimir conflitos e as Conferências da Paz tinham como objetivo institucionalizar os procedimentos a fim de viabilizar essas soluções. Diferente dos eventos ocorridos até então, as Convenções de Haia de 1899 e 1907 foram embaladas pelo movimento pacifista do século XIX. A primeira Convenção, realizada 18 de maio a 19 de julho de 1899, dedicou-se ao direito humanitário, tema sobre o qual nos debruçaremos em conteúdos posteriores. Além disso, na Convenção criou-se a Corte Permanente de Arbitragem, mais especificamente na Convenção Internacional para a Solução Pacífica de Controvérsias. A Corte Permanente de Arbitragem “não é propriamente uma Corte, mas sim uma estrutura administrativa com sede na Haia, que coloca à disposição dos interessados uma lista de árbitros designados pelos países partes-contratantes” (Lafer, 2018, p. 946). A segunda Convenção de Haia, em 15 de junho a 19 de outubro de 1907, já discutia, dentre outros assuntos, a criação da Corte Internacional de Justiça, proposta pelos Estados Unidos, com o apoio da Alemanha e Reino Unido – 10 proposta contra a qual se insurgiram diversos países, dentre eles o Brasil (Cardim, 2014, p. 11). Somente em 1925 é que nasceria a Corte Permanente de Justiça Internacional ou Tribunal Permanente de Justiça Internacional, Corte essa que seria, mais tarde, substituída pela Corte Internacional de Justiça de Haia, em 1945, por meio da Carta da ONU, documento derivado da Conferência de São Francisco, temas nos quais nos deteremos com maior atenção no próximo tópico. É possível verificar também que, no decorrer desse desenvolvimento, cruzamos com diversos conceitos e eventos importantes relacionados aos diretos humanos e o direito internacional humanitário. A própria Conferência de São Francisco em 1945, que gerou a Carta da Organização das Nações Unidas – ONU, um documento de suma importância para o nosso tema, pois declarou a guerra como um ilícito internacional, estabeleceu a centralidade do indivíduo e, não mais do Estado, o que foi central para a positivação dos direitos humanos no âmbito internacional, movimento que é possível verificar com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. TEMA 3 – CARTA DA ONU DE 1945 As atrocidades causadas pela Segunda Guerra lançaram maior interesse na solução pacífica dos conflitos internacionais, conforme conclui Amaral Junior (2015, p. 266), após a qual houve “maior sofisticação das formas diplomáticas de composição dos conflitos verificou-se, concomitantemente ao aperfeiçoamento da arbitragem e à proliferação das cortes judiciárias, em escala regional e universal”. Foi com a Carta da ONU que o uso da força passou a ser proibido, restando aos Estados a via da solução pacífica das controvérsias. Entretanto, tal proibição veio de um crescente movimento que já começava a expressar-se no Pacto da Liga ou Sociedade das Nações em 1919 quando os Estados se comprometeram a não recorrer à guerra. No entanto, esse Pacto não chegou a proibir a guerra, tão somente a preteriu, limitando-se ao compromisso de união daquela Sociedade de Estados. Com o Pacto de Briand-Kellogg de 1928 (Tratado de Renúncia à Guerra), assinado em Paris, os Estados partes renunciaram o recurso à guerra como solução para sanar os conflitos, embora nenhum desses movimentos tenha sido suficiente para evitar a Segunda Guerra. 11 Já a Carta da ONU, com todo o peso do pós-guerra, expressou a proibição do uso da força em seu art. 2º, parágrafo 4º: Art. 2º, § 4º. Todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os propósitos das Nações Unidas (Brasil, 1945). Além da proibição do uso da força – cujo tema abordaremos posrteriormente –, a importância da Carta da ONU para nossa disciplina se dá porque a obrigação dos Estados de buscar a via pacífica para solucionar as controvérsias é se tornou imperativa no direito internacional: Art. 33. 1. As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha (Brasil, 1945). O documento dispõe de um capítulo inteiro sobre solução de controvérsias e elenca, no art. 33, alguns meios dos quais as partes podem se valer para dirimir seus conflitosde forma pacífica (Brasil, 1945). Pontuado por Mazzuoli (2020, p. 979), essa obrigação “integra o quadro dos princípios fundamentais do Direito Internacional Público na condição de norma geral imperativa (jus cogens)”. Nesse sentido, dizemos que a Carta da ONU estabeleceu tanto obrigações negativas (proibição da ameaça ou uso da força) quanto obrigações positivas (buscar a solução de pacífica de suas controvérsias) aos Estados, dispõe a Carta acerca dos propósitos da ONU (no art. 1º, parágrafo 1º) e, princípios (no art. 2º, parágrafo 3º): Art. 1. Os propósitos das Nações Unidas são: 1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz; Art. 2. A Organização e seus Membros, para a realização dos propósitos mencionados no Artigo 1, agirão de acordo com os seguintes Princípios: (...) 3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais (Brasil, 1945). Da mesma forma, no continente americano também se buscava cooperação entre os países. O Pacto do Rio (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca - TIAR), assinado em 1947, com o intuito de assegurar a paz e a segurança entre países do continente americano, mantendo-se unidos e 12 fidelizados aos propósitos das Nações Unidas, dispunha em seus primeiros artigos (Mazzuoli, 2020, p. 982): Art. 1º As Altas Partes Contratantes condenam formalmente a guerra e se obrigam, nas suas relações internacionais, a não recorrer à ameaça nem ao uso da força, de qualquer forma incompatível com as disposições da Carta das Nações Unidas ou do presente Tratado. Artigo 2º Como consequência do princípio formulado no Artigo anterior, as Altas Partes Contratantes comprometem-se a submeter toda controvérsia, que entre elas surja, aos métodos de soluções pacífica e a procurar resolvê-la entre si, mediante os processos vigentes no Sistema Interamericano, antes de a referir à Assembleia Geral ou ao Conselho de Segurança das Nações Unidas (TIAR – Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, 1947). Condenando o recurso à guerra e comprometendo-se com os meios pacíficos para solução dos conflitos, os países signatários do Pacto do Rio submetem-se aos processos existentes no Sistema Interamericano e, após isso, à Assembleia Geral e Conselho de Segurança da ONU. Da mesma forma, seguindo o Pacto do Rio, a Carta da Organização dos Estados Americanos – OEA de 1948 coloca como propósito as soluções pacíficas entre seus membros: Art. 2. Para realizar os princípios em que se baseia e para cumprir com suas obrigações regionais, de acordo com a Carta das Nações Unidas, a Organização dos Estados Americanos estabelece como propósitos essenciais os seguintes: [...] c. Prevenir as possíveis causas de dificuldades e assegurar a solução pacífica das controvérsias que surjam entre seus membros (Carta da OEA, 1948) (Brasil, 1952) Nos arts. 25 e 26 também dispõe acerca dos meios a serem utilizados para tanto: Art. 25. São processos pacíficos: a negociação direta, os bons ofícios, a mediação, a investigação e conciliação, o processo judicial, a arbitragem e os que sejam especialmente combinados, em qualquer momento, pelas partes. Art. 26. Quando entre dois ou mais Estados americanos surgir uma controvérsia que, na opinião de um deles, não possa ser resolvida pelos meios diplomáticos comuns, as partes deverão convir em qualquer outro processo pacífico que lhes permita chegar a uma solução. (Carta da OEA, 1948) (Brasil, 1952) Na mesma ocasião adotou-se o Pacto de Bogotá de (Tratado Americano de Solução Pacífica de Controvérsia), por meio “do qual os Estados hemisféricos comprometeram-se em abster-se da ameaça, do uso da força ou de qualquer outro meio de coação para solucionar controvérsias, recorrendo apenas a procedimentos pacíficos” (Abdul-Hak, 2013, p. 42). O que é importante compreendermos neste tópico, com todos os eventos e documentos importantes sobre nosso tema, é que “os meios de solução de 13 controvérsias conheceram, no curso do século XX, transformação profunda, dramaticamente intensificada pela aceleração da interdependência” (Amaral Junior, 2015, p. 267). A evolução dos procedimentos de solução pacífica se deu pela necessidade de evitar guerras e conflitos, o que somente seria possível pela integração e cooperação dos Estados, pois o processo de interdependência já era característico da sociedade internacional. Com relação ao Brasil, destacamos que a Constituição Federal de 1988 nos traz o direcionamento que deve ser dado pelo Brasil na condução dos conflitos internacionais, prezando pela solução pacífica. O art. 4º da Constituição Federal estabelece os princípios que norteiam as relações internacionais do Brasil: Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não-intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político. (Brasil, 1988) O Brasil ratificou a Carta da ONU no Decreto n. 19.841, de 22 de outubro de 1945. Portanto, essa deve ser a postura do Brasil diante dos conflitos internacionais, sempre objetivando a paz, objetivando a solução pacífica de seus conflitos. No próximo tópico, vamos abordar a proibição do uso da força que veio com a Carta da ONU, particularizando seu desenvolvimento histórico, tema que permeia nossa disciplina e constituiu um marco na evolução dos meios pacíficos de solução de controvérsias internacionais. TEMA 4 – PROIBIÇÃO DO USO DA FORÇA Neste tópico, reacenderemos, para nossa lembrança, um antigo debate entre os pensamentos jusnaturalista e o positivista jurídico acerca da relação entre o direito e a força. Para o jusnaturalismo, a força não é essencial para o direito, sendo o direito uma ordem justa. Em oposição, o positivismo entende o poder e a força como inseparável do direito, sendo a força “um meio de realização do direito” (Amaral Junior, 2015, p. 213). 14 Nessa discussão, ao citar Bobbio, Amaral Junior (2015, p. 216) conclui que “o direito é a disciplina do exercício da força não porque todas as normas contenham sanções, mas porque as normas secundárias, que são as verdadeiras normas jurídicas, regulam direta ou indiretamente a força.” Inicialmente a ideia de guerra justa definiu os contornos do que seria o uso lícito e o uso ilícito da força. Os primeiros teólogos cristãos afirmavam que a guerra era sempre injustificada, ilícita. Em oposição a essa tese, surgiu a ideia de guerra justa, que seria entendida como aquela que busca reparação de quem se recusa a reparar, limitando-se à punição dos culpados e à restituição da paz internacional, conforme pensamento de Agostinho (Amaral Junior, 2015). A discussão acerca desse tema é bastante complexa, levando-nos também ao debate direito-moral-justiça e outros assuntos de relevância filosófica-jurídica. Para nossa disciplina, é importante sabermos que essa ideia de guerra justa irá embalar a discussão acerca do uso da força, no sentido de que a guerra justa seria o uso lícito da força, o direito à guerra (jus ad bellum), o que hoje se trata de uma exceção à proibição do uso da força, comportada pela Carta da ONU – tema que será objeto de nosso estudo mais adiante. A expressão“guerra justa”, ainda utilizada hodiernamente e levada à discussão, conforme afirma Rezek (2018, 437 e 438): De todo modo, a expressão guerra justa não desapareceu da linguagem corrente. Ela é ainda hoje ouvida nos foros internacionais, mas quase que tão só com o propósito de definir o uso da força naquelas raras hipóteses em que o direito internacional contemporâneo o tolera: a legítima defesa real contra uma agressão armada, e a luta pela autodeterminação de um povo contra a dominação colonial. Diversos temas delinearam a construção da proibição da guerra, e o próprio princípio da não intervenção dos Estados, que nasceu com a Paz de Westfália ainda em 1648 ofertou subsídios nesse sentido, pois a não intervenção dos Estados nascia com a igualdade e a soberania formal entre os entes estatais que emergiam como sociedade internacional à época. Apesar disso, a proibição da guerra só veio a ocorrer com a Carta ONU, em 1945, embora já fosse possível identificar diversos esforços no sentido de buscar a paz internacional. Mazzuoli (2020, p. 900) observa que a criação da Sociedade das Nações Unidas teve esse aspecto: “Foi na Conferência de Versalhes, de 1919, que criou a SdN, que surgiu pela primeira vez a ideia de qualificar os atos de agressão bélica como crimes contra a paz internacional”. 15 Celso Lafer (2018, p. 543) também faz menção ao fato de que o art. 11 do Pacto da Sociedade das Nações reconhece o problema da guerra e ameaça à paz como um problema comum de toda a comunidade internacional: No século XX, para uma análise da visão grociana do ponto de vista jurídico institucional, importa mencionar o art. 11 do Pacto da Sociedade das Nações que, ao colocar o princípio de indivisibilidade da paz, reconhece que toda guerra ou ameaça de guerra diz respeito não apenas às partes diretamente envolvidas, mas a toda a sociedade internacional. Entretanto, como vimos anteriormente, o Pacto da Sociedade de Nações somente proclamou a união entre os Estados da Sociedade, preterindo o recurso à guerra, elencando exceções para seu uso. Com o Pacto de Briand-Kellog, de 1928, os Estados renunciaram o recurso à guerra, mas ainda não havia proibição. Accioly nos faz lembrar da não existência de uma autoridade ou instituição superior no direito internacional que possa fazer valer suas normas. Nesse sentido, caminhou a criação da antiga Sociedade das Nações e depois, das Nações Unidas e, apesar dos esforços dessas organizações, o que se vê no ambiente internacional são “os limites entre a força e o direito no âmbito internacional” (Accioly, 2012, 795). A proibição do uso da força só ocorreu após a derrocada da Sociedade ou Liga das Nações Unidas, com a Carta das Nações Unidas de 1945, em seus arts. 2º (parágrafo 3º) e 4º: Art. 2º § 3º Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais. § 4º Todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os propósitos das Nações Unidas. (Brasil, 1945) Por meios desse dispositivo se entende a proscrição da guerra. A guerra hoje é um ilício internacional. É importante frisar aqui o objetivo colocado pela Carta da ONU, em seu preâmbulo, de “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que, por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade” (Carta das ONU, 1945). Como bem observa Mazzuoli (2020, p. 1017), merece destaque a expressão utilizada pela Carta, porquanto o uso da força abrange “qualquer tipo de agressão (inclusive a ameaça) à integridade territorial ou independência política de qualquer Estado”. 16 Com a proibição do uso da força, importa falar do caráter imperativo dessa norma no direito internacional. Em 1986, a Corte Internacional de Justiça firmou entendimento a respeito da força cogente da proibição do uso ou ameaça do uso da força. No caso Nicarágua versus EUA, a Corte expressou o seguinte entendimento: Decide que, colocando minas em águas interiores ou territórios da República da Nicarágua durante os primeiros meses 1984, os Estados Unidos da América contra a República da Nicarágua, violou suas obrigações de acordo com o direito internacional costumeiro de não usar a força contra outro Estado [...] Caso Nicarágua x EUA, Corte Internacional de Justiça, 1986, p. 3) (Cour Internationale de Justice, 1986. Tradução nossa)3 Expressa na decisão da CIJ, a opinião do então Presidente do Tribunal, Nagendra Singh, expôs a proibição do uso da força como sendo uma norma consistente no espectro jus cogens do direito internacional, juntamente com o princípio da não intervenção: O que o Tribunal fez, além disso, foi sublinhar que o princípio do não uso da força se enquadrava no jus cogens e que ele estava, portanto, no centro dos esforços da humanidade para promova a paz em um mundo dilacerado pela guerra. Força gera força e exacerba o conflito; ela envenena relacionamentos e põe em perigo a solução pacífica de disputas. A importante doutrina da não intervenção nos assuntos de Os Estados são igualmente essenciais para a paz e o progresso da humanidade uma vez que é essencial para o bem-estar da comunidade internacional. O princípio da não intervenção deve ser considerado como uma regra de direito absoluto e sagrado (Cour Internationale de Justice, 1986. p. 153) (Tradução nossa)4. Ao emitir opinião na mesma decisão, o brasileiro e então juiz José Sette Câmara Filho afirmou a imperatividade dessa proibição no direito internacional consuetudinário: 3 Texto original: Décide que, en posant des mines dans les eaux intérieures ou territoriales de la République du Nicaragua au cours des premiers mois de 1984, les Etats-Unis d'Amérique ont, à l'encontre de la République du Nicaragua, violé les obligations que leur impose le droit international coutumier de ne pas recourir à la force contre un autre Etat, de ne pas intervenir dans ses affaires, de ne pas porter atteinte à sa souveraineté et de ne pas interrompre le commerce maritime pacifique; 4 Texto original: Ce que la Cour a fait en plus a été de souligner que le principe du non-emploi de la force relevait du jus cogens et qu'il était donc au coeur des efforts déployés par l'humanité pour promouvoir la paix dans un monde déchiré par les guerres. La force engendre la force et exacerbe les conflits; elle envenime les relations et met en péril la solution pacifique des différends. L'importante doctrine de la non-intervention dans les affaires des Etats est tout aussi essentielle pour la paix et le progrès de l'humanité puisqu'elle est indispensable au bien-être de la communauté internationale. Le principe de la non-intervention doit être considéré comme une règle de droit absolue et sacrée. 17 o não uso da força, bem como o princípio da não intervenção - sendo este último o corolário da igualdade dos Estados e do direito à autodeterminação - não são apenas princípios cardeais do direito internacional consuetudinário, mas também podem ser considerados como regras imperativas do direito internacional consuetudinário que impõem obrigações a todos os Estados (Cour Internationale de Justice, 1986, p. 189) (Tradução nossa)5 Em que pese o caráter imperativo da norma internacional apontada pela Carta, a proscrição da guerra – proibição do uso da força – é relativizada no art. 51 da Carta das Nações Unidas, quando o documento comporta exceção à norma, dispondo sobre a possibilidade de legítima defesa individual ou coletiva: Art. 51. Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva, no caso de ocorrer um ataque armado contra ummembro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos Membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais. (Brasil, 1945) Essa permissão veremos com mais atenção nos próximos conteúdos. Outra norma importante relativa ao tema é a tipificação do crime de agressão do Estatuto de Roma de 1998, que rege o Tribunal Penal Internacional, cujos detalhes também conheceremos em outro momento. No momento, vamos introduzir, no próximo tema, os meios de solução de controvérsia internacional, com o objetivo de interligar os assuntos que serão desenvolvidos em conteúdos posteriores, o que nos possibilitará um apanhado geral de nossa disciplina. TEMA 5 – INTRODUÇÃO AOS MEIOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS Neste tema faremos uma introdução aos meios de solução de conflitos internacionais, a fim de que, desde já, seja possível visualizar a disciplina como um todo. Depois de compreender o histórico, traremos – de forma concisa – o 5 Texto original: “le non-emploi de la force, ainsi que le principe de non-intervention - ce dernier étant le corollaire de l'égalité des Etats et du droit à l'autodétermination - non seulement sont des principes cardinaux du droit international coutumier mais encore peuvent être considérés comme des règles impératives du droit international coutumier qui imposent des obligations à tous les Etats" 18 próprio sistema de maneira bastante generalizada, para, depois, adentrarmos com detalhes em cada um dos meios existentes nos próximos conteúdos. Com base no histórico analisado nesta aula, já conseguimos obter contornos acerca da evolução dos meios pacíficos de solução de controvérsia. A necessidade de se buscar um sistema sólido, de abrangência das nações já interdependentes, nasceu do sofrimento causado por conflitos mal geridos. De maneira tal que o berço que embalou a construção desse sistema foi justamente a busca pela paz. Como estudamos no primeiro tema, conflitos internacionais são desacordos, trocas negativas entre Estados, cujo maior risco é resultar num embate violento. A fim de evitar esse resultado violento ou, no mínimo, amenizar o conflito de maneira a não permitir sua intensificação é que se impõem os meios pacíficos. É importante lembrar que, no direito internacional, não temos uma autoridade superior na qual centralizar as decisões e dirimir os conflitos suscitados nesse âmbito. Portanto, com base no surgimento da controvérsia é que se poderá lançar mão de uma ou várias das ferramentas dispostas para tanto. Diferente do direito interno, onde, com base no conflito, a competência e jurisdição se façam valer de forma mais facilmente detectável, porquanto expressa e exclusiva, no direito internacional essas trocas negativas podem ser solucionadas a partir de diversos meios ou órgãos, uma vez que não exista exclusividade de jurisdição nessa esfera. Enquanto o direito interno conta com uma Corte preexistente para determinado conflito, há um formato previsto juridicamente, um procedimento a ser seguido, um juiz cujo poder o Estado garante, no direito internacional não existe hierarquia entre os órgãos, tampouco, um órgão centralizador das normas internacionais. Como vimos no tema justamente anterior, a partir da Carta da ONU estabeleceu-se que a guerra não seria mais um meio a se buscar para solucionar os conflitos entre Estados. A proibição do uso da força vinculou os Estados à busca dos meios pacíficos. Ao se tornar um ilícito internacional, a guerra, obviamente, deixou de ser um direito dos Estados, enquanto a busca por meios de solução pacífica se tornou uma obrigação. À escolha dos Estados, o rol de meios pacíficos dispostos na Carta da ONU não é um rol exaustivo, portanto os Estados não estão vinculados àquelas formas 19 ali dispostas, mas sim, à busca pela solução pacífica, podendo ser aquelas elencadas no art. 33, parágrafo 1º (Brasil, 1945), ou qualquer outra, desde que o façam de modo pacífico. Brotóns (2010) esclarece bem essas obrigações, elencando-as como princípios gerais: obrigação de buscar uma solução pacífica e livre escolha dos meios. Sendo o primeiro um princípio fundamental do direito internacional, uma norma imperativa. Logo, obviamente, a proibição do uso da força e a obrigação de escolher meios pacíficos não podem existir um sem o outro, não constituindo, todavia, uma obrigação de resultado, mas dependente da boa-fé e do espírito de cooperação dos Estados. O mesmo autor continua explanando acerca do princípio da livre escolha dos meios. Os Estados não podem ser submetidos a qualquer desses meios sem seu consentimento, sendo esse o entendimento já fixado pela Corte Internacional de Justiça. Excepcionando, de modo evidente, a submissão específica em tratado para o caso de futura controvérsia, como acontece em muitos tratados. Com o objetivo de compreendermos como esse sistema funciona e como esses meios interagem, vamos abordar de maneira geral cada um deles. Os meios coercitivos possuem diversos mecanismos, como a retorsão, boicote, rompimento das relações diplomáticas etc. Os meios não pacíficos abrangem a guerra (ilícito internacional) e suas peculiaridades, destacando-se as normas limitadoras: o Direito Internacional Humanitário. Os meios pacíficos dividimos da seguinte maneira: a. Diplomáticos: negociação direta, bons ofícios, conciliação, sistema de consultas, mediação, inquérito; b. Políticos: recurso a entidades ou acordos regionais (no âmbito das Organizações Internacionais ou abarcados por acordos regionais); c. Jurisdicionais: solução judicial e arbitragem. Pensando num cenário hipotético, como os Estados transitam por esses meios? Digamos que, com base em alguns pontos controvertidos, os Estados A e B resolvam questionar-se (consulta) acerca do ocorrido, com o objetivo recíproco de obter uma posição da outra parte. Veja, até aqui as partes estão em uma fase preliminar e podem negociar entre si (negociação direta), não havendo ainda a participação de terceiro. Sem sucesso na negociação, um terceiro pode oferecer um espaço neutro para que as 20 partes acordem uma solução (bons ofícios). Nesse caso, o terceiro ainda não participa diretamente da solução, apenas aproxima as partes. Sem resultado, um terceiro pode ser chamado para oferecer uma solução, participando diretamente da matéria conflituosa (mediação). Esse terceiro pode ser um grupo de pessoas, uma comissão (conciliação) e há participação direta nos critérios técnicos da controvérsia com proposta de solução formulada. Não necessariamente essa seria a ordem dos meios utilizados, a depender de muitos fatores relacionados às peculiaridades, à gravidade e à extensão do conflito, bem como dos tratados existentes entre as partes, que, como veremos em conteúdos posteriores, podem determinar o meio antes mesmo do surgimento do conflito. Como é o caso, por exemplo, dos tratados que dispõem que as partes em conflito deverão buscar negociação direta primeiro e, após essa tentativa, a arbitragem. Perceba que, até os meios diplomáticos, as partes não estão vinculadas a qualquer posição ou solução proposta. Sem êxito com os meios diplomáticos, é possível que as partes busquem os meios jurisdicionais. Aqui sim haverá vinculação com base em um laudo arbitral ou sentença judicial. Novamente, não necessariamente nessa ordem, pois nada impede que as partes busquem a soluçãopor meio da arbitragem diretamente. Observe que todos esses meios podem ser realizados no âmbito das organizações internacionais ou com base em acordos regionais que determinem os procedimentos. Quando isso acontece, dizemos que esses são meios políticos de solução de controvérsia. No decorrer de todo esse processo, pode ser que as partes intensifiquem esse conflito por meio de interações mais exaltadas. Aqui pode entrar o uso de alguns meios coercitivos, como a retorsão e o boicote, por exemplo. Esses meios coercitivos, no geral, são aplicados pelo Conselho de Segurança da ONU, que possui um papel fundamental na aplicação desses meios, conforme veremos mais adiante. Analisemos um caso emblemático de conflito estatal que passou pela utilização de diversos desses meios, a fim de que compreendamos, na prática, a amplitude desse sistema e como os Estados se movimentam nesse cenário. Entre 1933 e 1984, Chile e Argentina protagonizaram grande impasse ao discutir a posse do Canal de Beagle. O conflito entre os dois países durante esse período quase resultou em conflito armado, quando diversos mecanismos foram 21 engendrados para chegar a uma solução. É evidente que esse conflito – repleto de peculiaridades históricas e contextuais – havia se iniciado décadas antes, no entanto vamos nos ater aos passos dados em direção à solução do conflito, o que poderá aclarar nosso estudo. Nesse contexto, Chile e Argentina eram signatários do Tratado Geral de Arbitragem de 1902. Mesmo assim, houve grande dificuldade – isso decorrente do contexto político interno da Argentina – de submeter o conflito à arbitragem. Tanto é que, em 1933, a Argentina declarou intenção em solucionar o conflito do Beagle por meio de negociação direta. Várias tentativas de submeter o caso à arbitragem foram prejudicadas (Santos, 2016). Em 1971, os dois Estados celebraram compromisso arbitral, entretanto o laudo arbitral da Coroa britânica entregue em 1977 não foi aceito pela Argentina, o que agravou o conflito entre os países, levando-os a uma situação pré-bélica. Em 1978, quando o Chile já notificava propor recurso à Corte Internacional de Justiça, a Missão de Paz do Papa João Paulo II, realizada pelo cardeal Antonio Samoré, conseguiu instituir os Acordos de Montevidéu através da mediação. Com a mediação papal, em 1984, Argentina e Chile firmaram Declaração de Paz e Amizade, encerrando, finalmente, o conflito entre as partes (Santos, 2016). Note que o caso Beagle passou gradualmente por diversos mecanismos de solução de controvérsia, desde a negociação direta, passando pela arbitragem, até chegar a uma solução por meio da mediação. Conforme expõe Santos (2016, p. 188), os países chegaram “a uma solução intermediária através de um processo gradual, que vai desde a negociação direta até a instância final de arbitragem”. Vários institutos aplicados à nossa disciplina podem ser verificados no caso Beagle, tentativa de negociação, arbitragem, mediação. O que é mais importante frisar nesse tema é que o objetivo dos procedimentos é evitar o agravamento do conflito e extingui-lo por meio de tentativas pacíficas de solução. Repare que a controvérsia pode tomar vários rumos, cabendo às partes tentativas genuínas de manter a paz, agindo de boa-fé. Conforme já estudamos, existe um ponto do conflito que pode despertar medidas mais exacerbadas entre os Estados, as quais serão temas de conteúdos posteriores, quando nos deteremos aos meios coercitivos e aos meios não pacíficos de solução de controvérsia. 22 REFERÊNCIAS ABDUL-HAK, A. P. N. O Conselho de Defesa Sul-Americano: objetivos e interesses do Brasil (CDS). Brasília: FUNAG, 2013. ACCIOLY, H. Manual de Direito Internacional Público. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. AMARAL JUNIOR, A. Curso de direito internacional público. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. _____. Decreto n. 19.841, de 22 de outubro de 1945. In: _____. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1945. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945. _____. Decreto n. 30.544, de 14 de Fevereiro de 1952. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Rio de Janeiro, 19 fev. 1952. BROTÓNS, A. R. Derecho internacional – Curso general. Valencia: Tirant lo Blanch, 2010. CARDIM, C. H. Prefácio in II Conferência da Paz, Haia, 1907: a correspondência telegráfica entre o Barão do Rio Branco e Rui Barbosa. Brasília: FUNAG, 2014 (Centro de História e Documentação Diplomática). COUR PERMANENTE DE JUSTICE INTERNATIONALE. Affaire des Concessions Mavrommatis en Palestine. Paris: LEYDEN. SOCIÉTÉ D'ÉDITIONS. A. W. SIJTHOFF'S, 1924. Disponível em: <https://www.icj- cij.org/public/files/permanent-court-of-international- justice/serie_A/A_02/06_Mavrommatis_en_Palestine_Arret.pdf>. Acesso em: 16 ago. 2021. COUR INTERNATIONALE DE JUSTICE. Activités militaires et paramilitaires au Nicaragua et contre celui-ci (Nicaragua c. Etats-Unis d'Amérique). Comuniqué non officiel pour publication immédiate, n. 86/8, 27 jun. 1986. Disponível em: <https://www.icj-cij.org/public/files/case-related/70/9972.pdf>. Acesso em: 16 ago. 2021. 23 _____. Affaires du Sud-Ouest Africain. recueil des arrêts. Avis Consultatifs et Ordonnances, 21 set. 1962. Disponível em: <https://www.icj- cij.org/public/files/case-related/46/046-19621221-JUD-01-00-FR.pdf>. Acesso em: 16 ago. 2021. DECAUX, E. Droit international public. 6. ed. Paris: Dalloz, 2008. GUERRA, S. Curso de direito internacional público. 12. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. KANT, I. A paz perpétua e outros opúsculos. São Paulo: Grupo Almedina, 2018. LAFER, C. Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação. Brasília: FUNAG, 2018. MAGNOLI, D. Relações internacionais: teoria e história. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. MAZZUOLI, V. O. Curso de direito internacional público. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. MENEZES, W. Derecho internacional em América Latina. Brasília: FUNAG, 2010. REZEK, F. Direito internacional público curso elementar. 17. ed. São Paulo Saraiva 2018; SANTOS, E. dos. Entre o Beagle e as Malvinas: conflito e diplomacia na América do Sul. Brasília: FUNAG, 2016. SLOBODA, P. M. A Síndrome de Brás Cubas: sanções unilaterais e a responsabilidade internacional dos estados. Brasília: FUNAG, 2018. TRINDADE, A. A. C. Repertório da prática brasileira do direito internacional público: período 1899-1918. Apresentação do Embaixador Gilberto Vergne Saboia. 2. ed. Brasília: FUNAG, 2012. VARGAS, F. A. Formação das fronteiras latino-americanas. Brasília: FUNAG, 2017. AULA 2 MEIOS DE RESOLUÇÕES DE CONFLITOS INTERNACIONAIS Profª Sue Martins 2 INTRODUÇÃO Conforme estudamos anteriormente, nem sempre os meios pacíficos solucionam a controvérsia, o que faz com que os Estados, muitas vezes, busquem maneiras coercitivas como forma de impor sua vontade ou satisfazer um direto. Algumas vezes, essas trocas negativas podem chegar, inclusive, ao conflito armado. Nesta aula, vamos aprender quais são os meios coercitivos e qual é a natureza desses meios, dentre os quais citamos: retorsão, represálias, embargo, bloqueio comercial, boicote e rompimento das relações diplomáticas. Essas medidas envolvem também a atuação do Conselho de Segurança e Assembleia Geral da ONU, cuja competência está disposta na Carta da ONU. Em seguida, vamos discutir os meios não pacíficos, que envolvem as peculiaridades da guerra e, por último, o Direito Internacional Humanitário como limitador da guerra. TEMA 1 – MEIOS COERCITIVOS (PARTE 1) É possível que os conflitos internacionais alcancem maior severidade entre as partes. Isso pode acontecer em qualquer momento do conflito, mesmo durante umatentativa pacífica de solução por um meio diplomático, por exemplo. Quando isso acontece, é possível que meios coercitivos sejam empregados como forma de um Estado fazer valer sua vontade sobre a de outro. Conforme explica Accioly (2012), esses meios eram tolerados pelo direito internacional, ainda que reconhecidamente abusivos, contudo, a aplicação acabava, muitas vezes, restando disponível às grandes potências. Portanto, como sanção que são esses métodos, sua aplicação só se justificaria se determinada por organização internacional, no caso, o Conselho de Segurança, prerrogativa que veremos ao final deste tema. Entretanto, no fervor das trocas negativas entre Estados, algumas medidas são aplicadas com o objetivo de fazer cumprir a vontade de uma parte sobre a outra, antes mesmo de um resultado prático de um dos meios pacíficos em andamento – se é que existam. Na prática, teremos um conflito internacional entre Estados e “um deles, cujos direitos ou interesses foram violados, pode usar de certos meios coercitivos com objetivo de forçar o adversário a solucionar o desacordo existente” (Guerra, 2019, p. 485). 3 Assim, os meios coercitivos são uma forma de pressionar o outro Estado visando alterar seu posicionamento para alcançarem um resultado favorável. Entretanto, essa pressão causa maior tensão, fazendo com que o outro Estado perca sua posição de decidir, sendo, por isso, chamado de meio coercitivo. Antes de tratarmos das modalidades existentes, vamos discorrer um pouco sobre a natureza desses mecanismos, porquanto diverge a doutrina acerca da natureza pacífica dos meios coercitivos, uma vez que essas medidas seriam contrárias às regras do direito internacional contemporâneo. 1.1 Meios coercitivos – pacíficos ou não pacíficos? Neste tópico, temos uma questão doutrinária bastante relevante, no que tange à natureza dos meios coercitivos. O direito internacional clássico e os doutrinadores a ele atrelados consideram os meios coercitivos meios pacíficos de solução de controvérsia. Contudo, no direito internacional contemporâneo não é assim. Para Mazzuoli (2020), por exemplo, os meios coercitivos são considerados meios pacíficos de solução de controvérsia, isso porque, embora façam uso de uma força coercitiva, tais meios são uma tentativa última de preservar a paz internacional, o que seria um último passo antes do conflito armado. Contudo, há que se considerar de forma crítica, a natureza dos meios coercitivos. Os meios coercitivos seriam essencialmente diferentes dos meios pacíficos, porquanto contrários às regras do direito internacional público. Quando se pensa em coerção, imediatamente se conclui pelo uso da força para obter resultados e é essa discussão que permeia os mecanismos coercitivos como solução pacífica (ou não pacífica) de conflitos internacionais. Veja que a ideia de um Estado impor sua vontade a outro por meio de alguns mecanismos limitadores – limitações que podem ocorrer no âmbito econômico, territorial, político etc. – já não comporta a ideia de solução pacífica, considerando o sentido para onde caminha o direito internacional. A Carta das Nações Unidas proíbe a intervenção nos assuntos internos dos Estados, assim como também esclarece que a Carta não obriga qualquer Estado a se submeter a alguma solução ali disposta. De qualquer forma, no mesmo artigo não exclui a aplicação dos meios coercitivos: Art. 2. 7. Nenhum dispositivo da presente carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da 4 jurisdição de qualquer estado ou obrigará os membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do capítulo VII (Brasil, 1945). Mais do que não excluir a possibilidade de uso dos meios coercitivos, a Carta dispõe sobre a competência do Conselho de Segurança para aplicar medidas coercitivas em seus arts. 41 e 42 – disposição que veremos ao final deste tema. É uma posição bastante discutível, conquanto as características dos meios coercitivos se aproximem muito mais de uma tentativa não pacífica do que pacífica de solução de conflito. Por outro lado, são compreendidas como tentativa última de solução antes de se chegar às formas mais exacerbadas de solução não pacífica, como seria o caso dos conflitos que culminam em guerra. Sobre esse entendimento, de que os meios coercitivos seriam uma tentativa última de solução antes do conflito armado, deve haver um posicionamento bastante crítico, pois, de certo modo, muitas vezes esses meios são utilizados por grandes potências (com recursos, poder econômico e político) como forma de impor sua vontade aos países em posição menos favorável. Levando em consideração que a prática internacional ainda denota o uso desses meios, sobretudo na atuação do Conselho de Segurança, vamos estudá- los a título de reconhecimento prático dos meios coercitivos, conforme descrito pela doutrina. 1.2 Retorsão A retorsão é o que poderíamos chamar popularmente de chumbo trocado. Um Estado responde a outro nos mesmos termos aquilo que lhe foi causado. A medida tomada pelo segundo ente é em resposta àquela que originou sua reclamação em relação ao primeiro. É considerado um meio moderado, uma forma de resposta imediata de um estado em relação à atitude de outro que o prejudicou. Mazzuoli (2020, p. 1009) traz um exemplo interessante nesse sentido: Por exemplo: se um Estado nega aos cidadãos de outro, que no seu território se encontram, certos direitos civis, o Estado do qual são nacionais tais pessoas pode, como meio de forçar o outro (ofensor) a modificar sua legislação, tomar as mesmas medidas em relação aos nacionais deste em seu território, restringindo igualmente o gozo de tais direitos. 5 Portanto, trata-se de um meio de resposta, cujo objetivo é efetivamente retorquir a ofensa, rejeitá-la de forma a responder com outra ofensa. Por exemplo, “o aumento das tarifas alfandegárias sobre o produto de determinada procedência, a interdição de acesso de portos de um Estado aos navios de outro Estado” (Guerra, 2019, p. 486). Outro exemplo interessante é o trazido por Accioly (2012, p. 1.199): Como causas legítimas de retorsão, indicam-se as seguintes: o aumento exagerado, por um estado, dos direitos de importação ou trânsito estabelecido sobre os produtos de outro estado; a interdição do acesso de portos de um estado aos navios de outro estado; a concessão de certos privilégios ou vantagens aos nacionais de um estado, simultaneamente com a recusa dos mesmos favores aos nacionais de outro Estado etc. O mesmo autor considera a retorsão um meio legítimo – admitindo sua oposição à doutrina internacional contemporânea –, uma vez que seria “um meio de se opor a que um estado exerça seus direitos em prejuízo de outro estado. Inspira-se no princípio da reciprocidade e no respeito mútuo” (Accioly, 2020, p. 1.199). No mesmo sentido, a posição Mazzuoli (2020), que identifica tratar-se de uma manifestação agressiva e não totalmente aceita pelo direto internacional contemporâneo, conquanto passível do mesmo abuso de direito empregado pelo primeiro ofensor, embora considere a medida como meio de defesa legítimo. TEMA 2 – MEIOS COERCITIVOS (PARTE 2) Neste tema, continuaremos a estudar os meios coercitivos, represálias, embargo, bloqueio comercial, boicote e rompimento das relações diplomáticas, bem como a atuação do Conselho de Segurança e Assembleia Geral da ONU quanto à aplicação dessas medidas. 2.1 Represália A principal diferença entre represália e retorsão é que na retorsão o Estado age reciprocamente no sentido contrário a um ato considerado injusto perpetrado por outro Estado, tratando-se de medida recíproca, enquanto na represália o Estado vai contra outro Estado em razão da violaçãode seu direito. Nesse caso, há uma violação do direito daquele que repreende; há, de fato, um ofensor e um contra-ataque: 6 Em sua sessão de Paris, em 1934, o IDI assim definiu esse meio coercitivo: “As represálias são medidas coercitivas, derrogatórias das regras ordinárias do direito das gentes, tomadas por um estado em consequência de atos ilícitos praticados, em seu prejuízo, por outro estado e destinadas a impor a este, por meio de um dano, o respeito ao direito”. (Accioly, 2012, p. 1.199) Como bem aponta Guerra (2019, p. 486), “a distinção da represália para a retorsão consiste no fato de que aquela se baseia na existência de uma violação de um direito, enquanto essa é motivada por um ato que o direito não proíbe ao Estado estrangeiro, mas que causa prejuízo ao Estado que dela lança mão”. Conforme já mencionamos, essa seria uma medida não admitida no direito internacional contemporâneo. Contudo, a título de distinção desse meio, descreveremos essa medida conforme alguns autores a título de conhecimento e reconhecimento da prática internacional. Segundo alguns autores atrelados à doutrina clássica, a represália não admitida seria a represália armada, ou seja, aquela empregada com o uso da força. Nesse caso, a represália seria dividida em positiva e negativa. Na positiva, um Estado se insurge contra o outro; na negativa, recusa-se a cumprir uma obrigação (esta última, exemplo de represália sem o uso da força). Nesse sentido, haveria requisitos para o uso dessa medida, como explica Mazzuoli (2020, p. 1010): é uma “medida mais dura e arbitrária” que deve ser proporcional “ao fato ilícito sofrido, devendo suspender-se no momento em que o dano tiver sido reparado ou no momento em que a responsabilidade internacional do Estado tiver sido reconhecida”. É possível que haja uma violência moral, porém, como já mencionado, não se admite o uso da força para o ato da represália: Por isso, atualmente, as únicas represálias permitidas são as pacíficas, que devem ser proporcionais ao fato ilícito sofrido, devendo suspender- se no momento em que o dano tiver sido reparado ou no momento em que a responsabilidade internacional do Estado tiver sido reconhecida. Quaisquer outros tipos de represálias (armadas ou praticadas com violência) devem ser considerados atos internacionalmente ilícitos. (Mazzuoli, 2020, p. 1010) Outros autores descrevem os requisitos e princípios para o emprego da represália: a) as represálias só devem ser permitidas em caso de violação flagrante do direito internacional, por parte do estado contra o qual são exercidas; b) devem constituir, apenas, atos de legítima defesa, proporcionais ao dano sofrido ou à gravidade da injustiça cometida pelo dito estado; c) só se justificam como medida de necessidade e depois de esgotados outros meios de restabelecimento da ordem jurídica violada; d) devem cessar 7 quando seja concedida a reparação que se teve em vista obter; e) seus efeitos devem limitar-se ao estado contra o qual são dirigidas e não atingir os direitos de particulares, nem os de terceiros estados. (Accioly, 2012, p. 1.200) A medida é um contra-ataque de Estado para Estado e não é considerada admitida pelo direito internacional contemporâneo, sobretudo na forma armada. 2.2 Embargos Trata-se de uma forma de represália. A hipótese aqui é a apropriação de cargas e navios nacionais de outro Estado, ancorados ou de passagem pelo porto do embargante, com o objetivo de impor sua vontade sobre o embargado. Destaca-se que a apropriação se dá em um momento de paz entre os Estados, ou seja, fora do contexto de um conflito armado, o que veremos que não é permitido. De acordo com Mazzuoli (2020, p. 1011), é uma prática não aceitável no direito internacional contemporâneo, que “deve ser abolida do contexto das relações internacionais contemporâneas”. Guerra (2019, p. 486) vai mais longe ao afirmar que, “embora no passado o embargo tenha sido largamente utilizado, atualmente esta modalidade foi abandonada pela prática internacional.” Pode ter natureza privada ou estatal, sendo que a privada se dá entre nacionais de Estados diversos. Na estatal, logicamente, entre Estados, podendo culminar na responsabilidade internacional do Estado que promoveu o embargo, caso haja prejuízo de terceiro, ainda que o aquele tenha somente apoiado um boicote privado. 2.3 Bloqueio Outra forma de represália, o bloqueio – também chamado de bloqueio pacífico ou comercial – equivale ao uso de força armada de um Estado (bloqueador) para impedir que o Estado bloqueado mantenha relações comerciais com outros Estados. De maneira geral, o Estado bloqueador impede que outros navios e embarcações de países terceiros trafeguem pelos portos e costas do Estado bloqueado, impedindo, por meios da força, as relações comerciais entre eles. De acordo com o exemplo dado por Mazzuoli (2020, p. 1012), o bloqueio foi utilizado “pela primeira vez em 1827, quando a Grã-Bretanha, juntamente com 8 a França e a Rússia, bloquearam o comércio com a Turquia como meio de consolidar a independência da Grécia”. O bloqueio é uma medida disponível ao Conselho de Segurança, prevista no art. 42 da Carta da ONU (Brasil, 1945), medida na qual o CSNU poderá aplicar com o objetivo de manter ou restabelecer a paz e a segurança internacional, fazendo cumprir a referida Carta. 2.4 Boicote Considerado por alguns autores como uma forma de represália, no boicote ou boicotagem, um Estado interrompe as relações comerciais com outro Estado, como forma de fazer valer sua vontade. Retomando o art. 41 da Carta das Nações Unidas, este dispõe sobre a possibilidade do Conselho de Segurança tomar medidas sem o uso da força, o que implica que essas medidas “poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações econômicas” (Brasil, 1945). Em outro sentido segue a Carta da Organização dos Estados Americanos, que, em seu art. 20, proíbe aplicação ou estímulo de “medidas coercivas de caráter econômico e político, para forçar a vontade soberana de outro Estado e obter deste vantagens de qualquer natureza” (CIDH, 1948). 2.5 Rompimento das relações diplomáticas A definição, trazida pelo próprio nome, implica o rompimento das relações oficiais entre Estados conflitantes. Geralmente temporária, essa medida pode chegar a ser definitiva, quando então “procede-se à devolução dos passaportes aos seus representantes diplomáticos, assim como à retirada imediata do pessoal da missão instalada no país, normalmente na capital do Estado” (Mazzuoli, 2020, p. 1013). Esse rompimento nem sempre recai sobre as relações econômicas e consulares, sendo possível às partes retomarem suas relações diplomáticas em futuras negociações. Essa também é uma medida empregada pelo Conselho de Segurança, conforme art. 41 da Carta da ONU (Brasil, 1945). 2.6 Conselho de Segurança da ONU Não poderíamos deixar de adentrar um pouco mais na atuação do Conselho de Segurança. A Organização das Nações Unidas – ONU é uma das 9 organizações internacionais com capacidade de atuação universal. O Conselho de Segurança – CSNU, cujos objetivos são a paz e a segurança internacional, possui forte atuação relativa aos meios coercitivos (sanções coletivas internacionais). Conforme arts. 41 e 42 da Carta da ONU, são as sanções coletivas internacionais: Art. 41. O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas suas decisões e poderá convidar os Membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos, ou de outra qualquer espécie e o rompimento das relações diplomáticas; Art. 42. No caso de o Conselho de Segurança considerarque as medidas previstas no Artigo 41 seriam ou demonstraram que são inadequadas, poderá levar a efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal ação poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras operações, por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos Membros das Nações Unidas (Brasil, 1945). O CSNU, conforme a doutrina, foi criado para ser o principal órgão das Nações Unidas, sendo formado por cinco membros permanentes – China, EUA, França, Reino Unido e Rússia – e dez membros não permanentes, eleitos pela AGNU para atuarem por um prazo de dois anos. O art. 24 da Carta da ONU traz as funções e atribuições do CS: Art. 24. 1. A fim de assegurar pronta e eficaz ação por parte das Nações Unidas, seus Membros conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais e concordam em que no cumprimento dos deveres impostos por essa responsabilidade o Conselho de Segurança aja em nome deles. 2. No cumprimento desses deveres, o Conselho de Segurança agirá de acordo com os Propósitos e Princípios das Nações Unidas. As atribuições específicas do Conselho de Segurança para o cumprimento desses deveres estão enumeradas nos Capítulos VI, VII, VIII e XII. (Brasil, 1945) É importante destacar que o capítulo VI trata da solução pacífica de controvérsias e o capítulo VII da ação relativa a ameaças à paz, ruptura da paz e atos de agressão. O artigo referido acima também indica que o CSNU age, não em nome próprio, mas em nome dos Estados-membros. Nesse sentido, conclui Pontes (2018, p. 38) que a legitimidade do órgão decorre de uma combinação entre efetividade e transparência, sendo necessário que o órgão tome decisões tempestivas e hábeis a prevenir ou solucionar ameaças à paz e à segurança internacionais. Aí reside sua 10 efetividade. Por outro lado, é desejável que o faça com o respaldo e acompanhamento dos Estados-membros interessados. O CSNU condenou o regime do Apartheid em 1963, por meio da Resolução 1963, e “convidou todos os Estados-membros a interromperem a venda e o embarque de armas, munições de todos os tipos e veículos militares à África do Sul” (Silva, 2011, p. 50). Amaral Junior (2003) traz mais alguns casos de atuação do CSNU, em que o órgão da ONU proibindo voos de aeronaves militares no espaço aéreo da Bósnia para garantir ajuda humanitária no país e autorizou o emprego de medidas necessárias para punir transgressores. O CSNU, estabelecendo uma zona de segurança em Ruanda, evitou a morte de milhares de refugiados: O Conselho de Segurança, preocupado em assegurar a continuidade da ajuda humanitária na Bósnia, aprovou, em outubro de 1992, a Resolução 781, que proibiu os voos de aeronaves militares no espaço aéreo bósnio. A Resolução 816, de março de 1993, ampliou a proibição, autorizando o emprego das medidas necessárias para punir os transgressores. A zona de segurança instituída pelos militares franceses no sudeste de Ruanda nos termos das Resoluções 925 e 929 da ONU, impediu a morte de milhares de refugiados que a ela acorreram. É incontestável que a inexistência desta zona de segurança teria aprofundado a catástrofe humana em curso, provocando o êxodo de quase um milhão de refugiados para países vizinhos. (Amaral Junior, 2003, p. 252) Outro papel importante do Conselho de Segurança está descrito no art. 42 da Carta da ONU de 1945, que implica o uso da força caso as medidas coercitivas não venham a surtir efeito. Esse papel veremos com maior atenção no próximo tema, conquanto implique um recorte extremo e de exceção acerca da possibilidade do uso da força. Nesse caso, passamos a analisar a guerra e, em seguida, seu limitador, o direito internacional humanitário. TEMA 3 – GUERRA (PARTE 1) Os primeiros conflitos se davam entre grupos, em represália a alguma injustiça. Com o crescimento desses grupos e o surgimento do Estado, esses conflitos passaram a ser estatais. A partir de Roma, a guerra passa a ter conotação jurídica e se inicia o tratamento de regras sobre conflitos bélicos para o que seria uma guerra justa, o jus ad bellum (direito à guerra) e o jus in bello (direito na guerra). O jus ad bellum corresponderia ao direito de fazer guerra quando esta significasse a justiça para o beligerante. Seria a guerra justa, cujo motivo poderia ser religioso, político, étnico, econômico ou outro qualquer. Nesse caso, o jus in 11 bello derivou justamente da tentativa de se prevenirem as atrocidades provocadas para o que seria uma guerra inevitável, regras que seriam aplicadas na guerra. Quanto ao conceito de guerra, em que pese a divergência doutrinária, citemos alguns doutrinadores. Celso Mello (citado por Guerra, 2019, p. 512) menciona: para que o conceito de guerra tenha solidez necessária se faz a presença de elementos de ordem objetiva e subjetiva. A ordem objetiva consiste na efetivação da hostilidade, ou seja, a luta armada entre Estados, enquanto a ordem subjetiva diz respeito ao animus belligerandi, sendo, assim, a intenção de fazer a guerra. Para existir a guerra é necessária a coexistência de ambos os elementos, pois nenhuma guerra existe do acaso, mas, sim, da vontade de pelo menos um dos Estados. Mazzuoli (2020, p. 1016) descreve o conceito de guerra “como todo conflito armado entre dois ou mais Estados, durante um certo período de tempo e sob a direção dos seus respectivos governos, com a finalidade de forçar um dos adversários a satisfazer a(s) vontade(s) do(s) outro(s)”. A Assembleia Geral das Nações Unidas, por meio da Resolução n. 3.314, esclareceu a definição de agressão: “o uso da força armada por um Estado contra a soberania, integridade territorial ou independência política de outro Estado, ou de qualquer forma incompatível com a Carta das Nações Unidas” (ONU, 1974, tradução nossa)1. As Convenções de Genebra de 1949 e seus Protocolo Adicionais de 1977 – cujos documentos nos aprofundaremos mais adiante, uma vez que representam o núcleo do direito internacional humanitário – estendeu a compreensão de conflitos armados para situações nas quais “os povos lutam contra a dominação colonial e a ocupação estrangeira e contra os regimes racistas” (Brasil, 1993). A guerra pode ter um início formal, quando há declaração formal de guerra, ou material, quando o uso da força armada é empregado com o intuito do Estado de impor sua vontade sobre outro Estado (Mazzuoli, 2020, 1016). Desprezar o ultimato do Estado oponente também pode tratar de uma resposta de declaração de guerra. O que precisa ficar claro entre os Estados beligerantes é o início do estado de guerra, o que marcará a vigência do jus in bellum (direito na guerra). 1 Texto original: L’agression est l’emploi de la force armée par um Etat contre la souveraineté, l’intégrité territoriale ou l’indépendence politique d’un autre Etat, ou de toute autre manière incompatible avec la Charte des Nations Unies. 12 3.1 Jus ad bellum – a legítima defesa Como já mencionado, o jus ad bellum (direito da guerra) é entendido como o direito de guerrear quando essa guerra parece justa. Todavia, seu conceito não é o mesmo hoje, pois não pode ser empregado o uso da força por quaisquer razões que o beligerante entenda como justa. Conforme vimos em outro momento, a guerra é hoje um ilícito internacional, porquanto sua proibição se deu com a Carta da ONU de 1945, mais propriamente em seu art. 2º, parágrafo 3º e 4º: Art. 2º § 3º Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais. § 4º Todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política
Compartilhar