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AULA 1 POLÍTICAS INTERNACIONAIS, DIPLOMACIA E PODER Prof.a Glaucia Julião Bernardo 2 INTRODUÇÃO Esta disciplina apresenta não só conceitos de forma independente, mas também busca estabelecer suas inter-relações. Sendo assim, ao longo dos conteúdos serão debatidos temas como: • Poder e seus tipos; • Política internacional de acordo com teorias de relações internacionais; • Conceitos, atores e relações diplomáticas; • Assuntos e instrumentos diplomáticos; • Diplomacia pública e soft power; • Reflexões sobre política externa, diplomacia e relações internacionais. Nesta aula definiremos “poder” e sua tipologia nas relações internacionais, explicando termos como soft power, hard power e smart power. Por último, ponderaremos sobre o conceito e a relação de poder e política. TEMA 1 – CONCEITO DE PODER Ao buscar o conceito de poder, encontra-se que a palavra “designa a capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos” e que “tanto pode ser referida a indivíduos e a grupos humanos como a objetos ou a fenômenos naturais” (Bobbio; Matteucci; Pasquino, 2004, p. 933). Em outras palavras, é necessário alguém/algo para exercer essa capacidade sobre alguém/algo. De certa forma, ainda se trata de uma concepção ampla, uma vez que ainda abrange a capacidade geral de agir até a aptidão de condicionar o comportamento de outros homens; isto é, o homem pode ser tanto sujeito quanto o objeto dentro do que se chama de poder social. Além de definir a relação entre os homens, é importante estabelecer também seu domínio ou esfera. “O poder que se funda sobre uma competência especial fica confinado ao âmbito dessa competência.” (Bobbio; Matteucci; Pasquino, 2004, p. 934) Há mais fatores essenciais no debate conceitual sobre poder: entender a diferença entre poder atual e poder potencial. Este é a simples capacidade de condicionar o comportamento alheio, ao passo que aquele é o exercício dessa capacidade. “Enquanto o poder atual é uma relação entre comportamentos, o potencial é uma relação entre atitudes para agir.” (Bobbio; Matteucci; Pasquino, 2004, p. 933) 3 Então como se exerce o poder? Há várias formas. Alguns autores mencionam persuasão, manipulação, punição, oferta de recompensa; outros já preferem atrelar o exercício do poder ao uso da coação. Daí distinguimos as ideias de poder e influência, mas também entendemos que poder é um conceito complexo para se basear apenas pelo (não) uso de coação (Bobbio; Matteucci; Pasquino, 2004, p. 938). Além dos desafios gerados pelas formas de exercício de poder – do uso ou não da coação –, mensurá-lo é outro fator que merece atenção. Mensurar o exercício do poder implica observar a realidade social, estudar as relações de modo a “diversas dimensões que pode ter o comportamento em causa”, confirmando ou não o exercício de poder (Bobbio; Matteucci; Pasquino, 2004, p. 939). Não é à toa que a área em que o poder se destaca é a política e seus fenômenos, em especial análises à luz da discussão clássica proposta por Max Weber. Para o autor, as relações de poder são mais do que mando e obediência; elas perpassam o fator da legitimidade. Sobre esse aspecto, a legitimidade estaria atrelada a três tipos puros de poder: 1. Legal, relacionado à crença da legitimidade do ordenamento jurídico/lei; 2. Tradicional, relacionado à legitimidade de que a tradição impõe os vínculos senhor vs. súditos; 3. Carismático, quando a legitimidade é oriunda da devoção afetiva ao líder e seu caráter sacro (Bobbio; Matteucci; Pasquino, 2004, p. 940). Adaptando essa discussão para as relações internacionais – que é nosso domínio –, podemos verificar que a definição de Nye Junior, autor renomado da área, segue a mesma lógica. O poder é “como uma capacidade de afetar os outros a alcançar resultados desejados por si”1 (Nye Junior citado por Raimzhanova, 2015, p. 5, tradução nossa). Segundo esse autor, dentro da esfera das relações internacionais há as seguintes formas de exercício de poder: soft power, hard power e smart power – relacionadas à dicotomia de coerção e influência. Ainda refletindo sobre a legitimidade na esfera das relações internacionais, talvez sejam mais comuns os casos de poder legal e tradicional. 1 Citação original: “as an ability to affect others to achieve the outcomes one wants.” 4 Assim, nos temas seguintes desta aula analisaremos cada tipo de poder mencionado – soft power, hard power e smart power. Por último, observaremos a relação entre poder e política nas relações internacionais. TEMA 2 – HARD POWER Sem uma autoridade supranacional no sistema internacional, os Estados usam suas capacidades para manter sua independência; em outras palavras, apelam em último caso ao uso da força militar para preservar sua segurança. O poder é um ponto comum entre autores da perspectiva realista, que enxerga a política internacional como uma política voltada a ele. A diferença entre os autores é como enxergam o poder: enquanto para uns ele se restringe a coerção e pagamentos, outros consideram também ideias e atração. Daí a cisão entre hard power e soft power (Nye Junior, 2013, p. 4), que pode ser ilustrada na Figura 1: Figura 1 – Cisão entre hard power e soft power Fonte: Adaptado de Raimzhanova, 2015, p. 6. O termo “hard power” (ou “poder duro”, como chamamos em língua portuguesa) representa a forma mais clássica de poder em relações internacionais. Dada a anarquia do sistema internacional, diante da perspectiva realista, os Estados passam a enfatizar o poder. “Hard power é definido como a capacidade de atingir os objetivos por meio de ações ou ameaças coercitivas, as Poder/power Poder duro/Hard power Poder brando/Soft power 5 chamadas ‘cenouras’ e ‘tacos’ da política internacional.”2 (Raimzhanova, 2015, p. 6, tradução nossa) Normalmente, ao se mensurar hard power, as seguintes dimensões são consideradas: Figura 2 – Dimensões do hard power Fonte: Adaptado de Nye Junior; Armitage, 2007 citados por Raimzhanova, 2015, p. 6. Essas dimensões são mais claras de analisar. É mais fácil comparar a economia, a população, os recursos e as forças militares de um país em relação a outro, dada a objetividade na determinação de indicadores. Em outras palavras, dessa forma a mensuração é mais fácil, e os resultados, mais perceptíveis. Nesse contexto, a ciência e a tecnologia detêm um papel de destaque no que se refere ao poder desde o início da Era Nuclear, em 1945 (Nye Junior, 2011, p. 2). Com efeito, aplicar a ciência e a tecnologia pode potencializar qualquer uma das dimensões apresentadas. Podemos exemplificar isso com o debate pela opção de qual tecnologia móvel – 5G – cada país irá utilizar. Em termos de marcas e nacionalidades, a delicadeza do assunto esbarra em temas polêmicos, como compartilhamento de informações e questões de segurança. Conforme discutido, deve-se explicar de que forma o poder é exercido. No caso do hard power, o exercício de poder se dá principalmente por meio de pagamentos ou coerção; daí a frase que o compara a uma “cenoura” ou “taco”. Em outras palavras, pensando na aplicação prática, às vezes um país ou uma organização internacional podem impor condições a outro para realizar um financiamento. Ainda, um país ou uma organização internacional podem exigir aplicar uma retaliação caso um acordo seja descumprido. O fato de o debate sobre poder encontrar-se alinhado principalmente à teoria realista das relações internacionais se deve ao fato de as outras teorias no assunto não dedicarem atenção ao conceito de poder como variável explicativa 2 Citação original: “Hard power is defined as an ability to reach one's goals through coercive actions or threats, the so-called ‘carrots’ and ‘sticks’ of international politics.” Hard power, ou poder duro População Geografia Recursos Forças militares Estabilidadesocial Economia ... 6 (Raimzhanova, 2015, p. 4). Para essas teorias, o poder duro, por si só, pode não dar conta das crescentes demandas, sendo importante para elas o soft power (ou poder brando, em português). TEMA 3 – SOFT POWER Nem sempre a aplicação do hard power pode ser efetiva. Nye Junior (2013, p. 4, tradução nossa) pondera que, “na era da informação, as estratégias de comunicação se tornam mais importantes, e os resultados são moldados não apenas por qual exército vence, mas também por qual história vence”3. Isto é, não adianta simplesmente a vitória, é necessária também a legitimidade, e nesse sentido vem o debate do soft power, ou poder brando. Um dos fatores desafiadores ao trabalhar com o conceito de poder brando é a complexidade de recursos e sua categorização. Se olharmos pela perspectiva comportamental, trata-se de um poder de atração; se a análise for feita em termos de recursos, são os ativos capazes de produzir essa atração (Raimzhanova, 2015, p. 7). Enquanto o hard power foca pagamentos e coerção, o soft power “é a capacidade de obter resultados preferenciais por meio de atração e persuasão, em vez de coerção ou pagamentos”4 (Nye Junior, 2011, p. 1, tradução nossa). Assim, outros fatores ganham destaque, como ideias, instituições, cultura, valores e percepção de legitimidade (Nye Junior, 2013). Essa mudança da percepção do papel do poder traz também outras dimensões de análise: Figura 3 – Dimensões do soft power Fonte: Adaptado de McClory, 2011 citado por Raimzhanova, 2015, p. 6. 3 Citação original: “It is not solely in relations among advanced countries, however, that soft power plays an important role. In an information age, communications strategies become more important and outcomes are shaped not merely by whose army wins, but also by whose story wins.” 4 Citação original: “Soft power is the ability to obtain preferred outcomes through attraction and persuasion rather than coercion or payments.” Soft power, ou poder brando Governo Cultura Diplomacia Educação Negócios/inovação 7 Um exemplo a ser citado na articulação dessas dimensões é o Processo de Bolonha, que criou o Espaço Europeu de Ensino Superior. Na assinatura do Declaração de Bolonha, em 1999, os membros da União Europeia manifestaram seu interesse explícito: Em especial, deve-se ter em conta o objetivo de elevar a competitividade internacional do sistema europeu do ensino superior. A vitalidade e a eficiência de qualquer civilização podem ser medidas pela atração que a sua cultura exerce sobre os outros países. Precisamos de assegurar que o sistema europeu do ensino superior consiga adquirir um grau de atração mundial semelhante ao das nossas extraordinárias tradições culturais e científicas. (ABC, 1999, grifo nosso) Esse objetivo explícito em promover sua educação e cultura a um grau de atração mundial (dimensão diplomática) ilustra claramente um exercício de soft power. Com essas ações, o Processo de Bolonha chama a atenção de muitos países e regiões, que aderiram ao processo (da mesma região) ou se inspiraram/emularam as experiências europeias (de outras regiões) (Bernardo, 2020). Com esse exemplo, fica claro que o poder brando deixa de lado o emprego da força e valoriza aspectos intangíveis, como cultura, valores políticos, instituições e políticas; aspectos que trazem legitimidade às ações, o que é essencial para o soft power (Raimzhanova, 2015, p. 6). Com isso podemos refletir sobre os atores envolvidos no tema em tela: Estados, organizações internacionais, organizações não governamentais, sociedade civil, corporações multinacionais e rede de atores (Raimzhanova, 2015, p. 10). Dada sua complexidade e sutileza, o soft power traz mais desafios para os governos exercerem: além de demorar para apresentar resultados, nem sempre é efetivo. Não cabe comparar eficácia e ética entre poder duro e poder brando, visto que os “julgamentos normativos dependem dos propósitos para os quais o poder é usado” (Nye Junior, 2011, p. 2). A questão não é qual poder é mais efetivo, mas quando lançar mão de cada um. E com isso surge o terceiro conceito: smart power. TEMA 4 – SMART POWER É importante compreender que tanto o conceito de hard power quanto o de soft power não competem entre si, tampouco são excludentes; há momentos em que um se reforça e outro se enfraquece. Diante dessa perspectiva, uma 8 inteligência contextual favorece distinguir e entender como ambos interagem em diferentes situações, para saber quando e como usá-los. É nesse contexto que surge o conceito de smart power (Nye Junior, 2013, p. 5). Uma ilustração para representar esse conceito pode ser a seguinte: Figura 4 – Relação entre hard power, soft power e smart power Smart power diz respeito a uma estratégia de poder que combina hard power e soft power em diferentes contextos. Não se trata de abordar exclusivamente um ou outro, mas saber combiná-los de forma a não desperdiçar tempo nem recursos (Nye Junior, 2013, p. 5). Nye Junior (2011) exemplifica o conceito com o relatório de uma comissão de 2007 sobre o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, que enfatiza a imagem e o poder de influência dos Estados Unidos: A comissão salientou que o Pentágono é o braço mais bem treinado e com melhores recursos do governo, mas há limites para o que o poder duro pode alcançar por si próprio. A promoção da democracia, dos direitos humanos e do desenvolvimento da sociedade civil não é mais bem tratada com o cano de uma arma. A prática de recorrer ao Pentágono, porque ele pode fazer as coisas, levou a uma imagem de uma política externa excessivamente militarizada. O desenvolvimento, a saúde pública, o enfrentamento das mudanças climáticas e a manutenção de um sistema econômico internacional estável e aberto não são promovidos pelo forte poder militar. Ao complementar o poderio militar e econômico americano com maiores investimentos em soft power e o foco em bens públicos globais, o governo Obama procurou desenvolver o que a secretária de Estado Hillary Clinton chamou de “estratégia de poder inteligente”5. (Nye Junior, 2011, p. 4, tradução nossa) 5 Citação original: “The commission pointed out that the Pentagon is the best trained and best resourced arm of the government, but there are limits to what hard power can achieve on its own. Promoting democracy, human rights, and development of civil society are not best handled with the barrel of a gun. The practice of turning to the Pentagon because it can get things done led to an image of an over-militarized foreign policy. Development, public health, coping with climate Soft power Hard power Smart power 9 O exemplo fornecido por Nye Junior (2011) contribui para refletir sobre o que pode acontecer quando há uso exclusivo de apenas um poder. No caso dos Estados Unidos, o enfoque estava no hard power e, ao fazer os investimentos em soft power, usaram o smart power. Eles trabalharam o potencial de ambos os poderes, de modo a usar o mais adequado na situação oportuna. Para adotar essa estratégia, deve-se ter clareza do objetivo da política; em outras palavras, refletir sobre as iniciativas e a finalidade do poder. Uma racionalização da tomada de decisão envolve compreender o contexto, a escolha do poder adequado, análise de sua eficácia e implementação bem-sucedida da agenda (Raimzhanova, 2015, p. 13). Portanto, o smart power é a capacidade de um ator combinar ambos os poderes (hard power e soft power) de modo que os objetivos sejam atingidos de forma eficiente e eficaz, utilizando os recursos da melhor maneira possível (Raimzhanova, 2015, p. 13). TEMA 5 – PODER VERSUS POLÍTICA A discussão sobre poder – seus tipos, formas de exercício e mensuração, entre outros – serve de base para discutir a relação poder vs. política. Sem dúvidas, o conceito de política está atreladoao de poder; o poder político trata exclusivamente dessa categoria de poder de homem sobre homem, que pode ser expressa de várias formas (Bobbio; Matteucci; Pasquino, 2004, p. 955). Podemos distinguir a definição de poder em três grandes classes: poder econômico, ideológico e político – definidos da seguinte maneira (Bobbio; Matteucci; Pasquino, 2004, p. 955): • Poder econômico: posse de determinados bens, cujos detentores condicionam os não detentores a um certo tipo de comportamento, sobretudo o trabalho assalariado; • Poder ideológico: formulação de ideias adequadas a certas circunstâncias por uma pessoa com autoridade reconhecida, influenciando a conduta de outras; change, and maintaining an open stable international economic system are not promoted by hard military power. By complementing American military and eco- nomic might with greater investments in soft power, and focusing on global public goods, the Obama administration sought to develop what Secretary of State Hillary Clinton termed a ‘smart power strategy’”. 10 • Poder político: monopólio do uso da força; pode ser entendido como um “poder coator”. Em comum está o fato de os três tipos se basearem e nutrirem uma sociedade desigual. Há uma divisão entre os detentores de poder (bens, conhecimento, monopólio do uso da força) e os que sofrem o exercício do poder (pobres, ignorantes, fracos). Entretanto, o poder político, dado que considera o uso da força, acaba sendo o poder soberano em todas as sociedades desiguais e ao qual todos estão subordinados (Bobbio; Matteucci; Pasquino, 2004, p. 955). Com isso, Bobbio, Matteucci e Pasquino (2004, p. 959) discutem sobre as visões da política, determinando-a como a relação “amigo-inimigo”, cuja origem e aplicação se ligariam a um antagonismo: cuidar dos “amigos” e defendê-los dos “inimigos”. Em outras palavras, há o reconhecimento de conflitos entre os homens e grupos sociais em diferentes intensidades, denominados conflitos políticos, que só poderiam ser resolvidos pela força. Há também a relação entre o político e o social, em que a política compreenderia todos os tipos de relações sociais. Entretanto, pode ser uma caracterização limitativa, dado que sua atrelagem ao poder coercitivo restringe esses âmbitos políticos e sociais (Bobbio; Matteucci; Pasquino, 2004, p. 960). Outra questão levantada se relaciona à moral. Não há como estabelecer uma relação entre ações políticas e morais. Deve-se observar que o que é lícito em política não se pode dizer que o seja em moral; pode haver ações morais que são impolíticas (ou apolíticas) e ações políticas que são imorais (ou amorais). A descoberta da distinção que é atribuída, injustificada ou justificadamente a Maquiavel […] é geralmente apresentada como problema da autonomia da política. (Bobbio; Matteucci; Pasquino, 2004, p. 961-962) Assim sendo, é impossível padronizar questões políticas e morais. Essa questão fica evidente com a citação de Maquiavel, que nos remete à ideia de que “os fins justificam os meios”. Ela demonstra a dificuldade dessa caracterização. Ainda há a visão de política como a da “ética do grupo”, que traz as mesmas dificuldades do item anterior: muitas vezes o que é razoável num contexto não é em outro. E talvez a melhor explicação seja a diferença entre ética individual e grupal: o que é obrigatório para o indivíduo pode não ser para o grupo do qual esse mesmo indivíduo faz parte (Bobbio; Matteucci; Pasquino, 2004, p. 961-962). Explicadas essas diferentes percepções sobre o termo “política”, finalizamos o tema com o debate sobre política externa e internacional: 11 “O mundo hoje conta com mais de 190 países que se relacionam de forma pensada e planejada, de acordo com seus interesses e objetivos. Esse planejamento é chamado de política externa” (Borelli, 2016). É com essa perspectiva que pensaremos, futuramente, em temas como: • Política internacional de acordo com teorias de relações internacionais; • Conceitos, atores e relações de diplomacia; • Assuntos e instrumentos diplomáticos; • Diplomacia pública e soft power; • Reflexões sobre política externa, diplomacia e relações internacionais. 12 REFERÊNCIAS ABC – Associação Brasileira de Ciências. Texto da Declaração de Bolonha Declaração conjunta dos Ministros da Educação europeus reunidos em Bolonha a 19 de junho de 1999. Disponível em: <http://www.abc.org.br/wp- content/uploads/2009/09/www.ufabc_.edu_.br_images_stories_pdfs_declaracao debolonhaportugues.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2020. BERNARDO, G. A proposal for enhancing policy transfer analysis among international organizations: the EU x Mercosur relations in higher education. 2020. 151 p. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2020. BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de política. Brasília, DF: UnB, 2004. BORELLI, P. C. Política externa: o que é e por que é importante. Politize!, [S.l.], 8 nov. 2016. Disponível em: <https://www.politize.com.br/politica-externa-o-que- e-e-por-que-e-importante/>. Acesso em: 15 jun. 2020. NYE JUNIOR, J. S. Power: hard, soft, and smart. In: CHRISTIE, D. J. (Ed.) The encyclopedia of peace psychology. Hoboken: Wiley, 2011. _____. Hard, soft, and smart power. In: COOPER, A.; HEINE, J.; THAKUR, R. The Oxford handbook of modern diplomacy. Oxford: Oxford University Press, 2013. RAIMZHANOVA, A. Power in IR: hard, soft, and smart. Cultural Diplomacy, Bucareste, 2015. Disponível em: <http://www.culturaldiplomacy.org/academy/content/pdf/participant-papers/2015- 12_annual/Power-In-Ir-By-Raimzhanova,-A.pdf> Acesso em: 15 jun. 2020. AULA 2 POLÍTICAS INTERNACIONAIS, DIPLOMACIA E PODER Profa Glaucia Julião Bernardo 2 INTRODUÇÃO Anteriormente, analisamos o conceito de poder, principalmente sua aplicação à área de relações internacionais. Além disso, iniciamos a discussão sobre poder e política. Nesta aula, o enfoque será dado sobre o conceito de política internacional e seu ponto de vista de acordo com as teorias de relações internacionais. TEMA 1 – CONCEITO DE POLÍTICA INTERNACIONAL Iniciamos a conceituação de política externa indicando que ela se relaciona a “um conjunto definido de medidas, decisões e programas utilizado pelo governo de um país” com o objetivo de “projetar e direcionar suas ações políticas no exterior” (Borelli, 2016), isto é, a política externa é a forma como o país se organiza para agir internacionalmente. Por isso, a política externa, ao ser formulada, considera tanto aspectos nacionais quanto internacionais, uma vez que o modo de agir internacionalmente é motivado pelas autoridades nacionais. Em outras palavras, ao mesmo tempo que se considera fatores como distribuição de poder no cenário internacional ou na atuação das organizações, não se pode abandonar questões como interesses sociais e valores culturais do país (Borelli, 2016). Nesse sentido, a política externa pode ser considerada uma política pública. Apesar de uma política pública poder atravessar fronteiras nacionais – o que dificulta a persecução dos objetivos e a percepção dos resultados –, deve-se diferenciar política externa de uma simples ação externa. Por um lado, a ação externa diz respeito a qualquer contato do governo com um ator externo, podendo ser planejado ou não; já a política externa envolve toda sua elaboração – similar à política pública –, como as demandas e conflitos de variados grupos domésticos (Salomon; Pinheiro, 2013, p. 41). Mas por que discutir política externa dentro de política internacional? O que diferencia uma da outra? Trata-se de conceitos muito próximos e muito fáceis de confundir. A política externa considera o planejamento de um país para suas ações externas; a política internacional diz respeito à política entre as nações: Quando falamos em relações internacionais fazemos referência geralmenteàs relações que se estabelecem entre as unidades políticas que são os estados nacionais, ou seja, falamos de política entre as nações ou simplesmente política internacional (incluindo-se aí as duas 3 faces da atuação política, em nível internacional: a diplomacia e as questões militar-estratégicas). (Lacerda, 2006, p. 57) Enquanto a política externa foca a relação de unidades particulares (Salomon; Pinheiro, 2013, p. 40), ou seja, de um Estado com os outros, a política internacional volta-se à relação e interação do conjunto (Bittencourt, 2014), isto é, do sistema como um todo. Essa noção de interação também é reforçada na explicação proposta por Silva (2015), para quem a política internacional é entendida como o ambiente em que se inter-relacionam os Estados e alguns outros atores com status nessa política, tais como a Organização das Nações Unidas […] e outras organizações ou mecanismos de segurança e defesa regionais ou inter-regionais. (Silva, 2015, p. 183) É fundamental compreender as diferenças entre política externa e política internacional para entender como analisá-las, quem são os atores envolvidos em cada uma, como o exercício do poder acontece em cada uma, além de identificar como esses conceitos – poder, política externa, política internacional e diplomacia – se entrelaçam. Por fim, dentro das relações internacionais há diferentes abordagens teóricas. Isso significa reconhecer que há pequenas diferenças nos pontos de vista sobre a política internacional, haja vista que essas abordagens têm diferentes concepções sobre o homem e a sociedade e, por consequência, trazem várias explicações sobre o relacionamento entre os países (Lacerda, 2006). No decorrer desta aula, serão apresentados os pontos de vista sobre política internacional das três principais vertentes: liberalismo, realismo e construtivismo. Ao final, faremos um breve comparativo entre elas para explicitar suas diferenças. TEMA 2 – POLÍTICA INTERNACIONAL DO PONTO DE VISTA REALISTA O realismo tem como uma de suas principais características o foco nas relações de poder, especificamente na mudança da distribuição do poder entre os Estados. Pode-se dizer que a essência do realismo é a crença de que os assuntos internacionais – e, consequentemente, a política internacional – são uma luta constante entre os Estados pelo poder (Snyder, 2004, p. 53-55). Embora autores realistas sejam pessimistas em relação à luta pelo poder, ainda mais considerando a natureza humana, é preciso reconhecer que os Estados podem mitigar motivações de conflito e encontrar uma forma de reduzir o perigo que representam um ao outro. Isso não quer dizer que o realismo seja 4 amoral; seus defensores apenas destacam que essa questão do pragmatismo sobre o poder pode colaborar para um mundo pacífico (Snyder, 2004, p. 55). Sobre a política internacional pela perspectiva realista, deve-se considerar que estamos diante de uma corrente teórica que prioriza as relações políticas entre os Estados, dando ênfase às variáveis políticas, a saber: as diplomáticas e as militares (Snyder, 2004, p. 58-59). Em outras palavras, realçam as variáveis diretamente relacionadas à questão do poder. Como inexiste uma autoridade superior no sistema internacional, problemas de governabilidade podem acontecer, de modo a transformar a anarquia em desordem. Como consequência, os Estados, com vistas a garantir sua existência, passam a viver na iminência de uma guerra. Portanto, há uma constante busca pelo poder – principalmente o militar – e tudo que possa ser convertido em poder. Quem tem maior poder/capacidade “dá as cartas” (Lacerda, 2004, p. 60-61). Conforme a visão de Joseph Nye Junior (2011, p. 2), “dada a estrutura anárquica das relações internacionais e os pressupostos de que os estados preferem preservar sua independência, as abordagens realistas tradicionais do assunto enfatizaram o hard power”. Em outras palavras, os realistas enfatizam o poder duro, ou a capacidade de ação por meio de coerção ou pagamentos no sistema internacional. Para eles, seriam esses os meios de demonstrar poder. A respeito dos principais autores realistas, Salomon e Pinheiro (2013, p. 46) destacam o papel de Hans Morgenthau, que discorre tanto sobre política externa (ou a escolha de governantes e tomadores de decisão) quanto política internacional (ou questões do sistema capazes de afetar a todos da mesma maneira). Os realistas seguiram com a discussão sobre política externa até que Kenneth Waltz, em 1979, enfatizou a política internacional. Com isso, o realismo estrutural (ou neorrealismo) se tornou uma corrente dominante na teoria. A proposta desse autor foi apesentar uma teoria política internacional que identificasse os “processos recorrentes (fundamentalmente a guerra) no sistema político internacional” (Salomon; Pinheiro, 2013, p. 46). Para Waltz, a política internacional não tratava de uma junção/coleção de políticas externas – como pensava o realismo tradicional –, mas de uma interação de unidades. Isso fica evidente no seguinte trecho: 5 um sistema é então definido como um conjunto de unidades em interação. Em um nível, um sistema consiste em uma estrutura, e a estrutura é o componente no nível do sistema que possibilita pensar nas unidades como formando um conjunto distinto da mera coleção. Em outro nível, o sistema consiste em unidades em interação1. (Waltz citado por Bittencourt, p. 2014, p. 8) A ênfase do autor está na ideia de conjunto. Não se trata de uma coleção de unidades e suas políticas externas, mas unidades com políticas externas que interagem. Além disso, a teoria prescinde de qualquer fator doméstico e trata apenas da distribuição de poder como fator condicionante da política internacional (Salomon; Pinheiro, 2013, p. 46). Mais tarde, surgem autores que querem construir uma teoria realista de política externa, tornando-se representantes de um “realismo neoclássico”. Para eles, suas teorias complementam as do neorrealismo (ou realismo estrutural), pois preocupam-se com a atuação dos Estados individuais e reintroduzem os aspectos domésticos à discussão (Salomon; Pinheiro, 2013, p. 46). TEMA 3 – POLÍTICA INTERNACIONAL DO PONTO DE VISTA LIBERAL O fim da Guerra Fria explicita algo que já vinha acontecendo: a fragmentação da agenda internacional. Em outras palavras, questões como segurança nacional e internacional abrem espaço para novos temas, dentre eles os sociais. Isso não quer dizer que os Estados tenham perdido sua capacidade sobre os assuntos anteriores, mas que demais atividades e iniciativas privadas transacionais não conseguem resolver todas as demandas a eles apresentadas, quer internamente, quer externamente (Villa, 2006, p. 7). Mas isso já acontecia há muito tempo. O liberalismo havia rompido com a visão realista do Estado como o principal agente do sistema internacional e cuja única preocupação seria preservar a soberania estatal. Na realidade, o conceito de soberania estatal vem passando por uma redefinição que pode ser observada desde os anos 1970, com a ênfase dada às instituições humanitárias internacionais, como Médicos sem Fronteiras e Medicina do Mundo. Isso demonstra que os direitos humanos são apenas um exemplo da redefinição de temas e atores nas relações internacionais (Villa, 2006, p. 7-8). 1 Citação original: “a system is then defined as a set of interacting units. At one level, a system consists of a structure, and the structure is the system-level component that makes it possible to think of units as forming a set as distinct from mere collection. At another level, the system consists of interacting units”. 6 O realismo passa a conviver com uma nova teoria de relações internacionais: o liberalismo. Essa nova teoria traz uma visão muito diferente sobre a política internacional,a qual, antes pautada na busca pelo poder, agora seria moderada pela cooperação internacional e pelos valores democráticos. Uma das características do liberalismo é a confiança no potencial cooperativo de democracias consideradas maduras, principalmente quando esse trabalho é mediado por instituições eficazes. Por isso, nota-se a tendência de as democracias lidarem contra tiranias e se preocuparem com a propensão de democracias emergentes desmoronarem em violenta turbulência étnica (Snyder, 2004, p. 53-54). Com isso, depreende-se outra importante característica do liberalismo: o papel fundamental das instituições. Como comentamos, a cooperação acontece por meio de instituições eficazes – se a cooperação não acontece, é por conta de falhas das instituições, e não pelo comportamento dos Estados. De fato, o liberalismo aponta para uma agenda além de questões de diplomacia e segurança, tendo em vista que o comércio e as finanças passam a estabelecer e fortalecer os laços entre as nações, assim como os ideais democráticos se espalham. Também há o fator da responsabilidade do líder eleito para com as pessoas; portanto, acredita-se que um regime legítimo não entraria em conflito o outro (Snyder, 2004, p. 55-56). Cumpre destacar que, contrariando o realismo, esta é a resposta que o liberalismo oferece às grandes questões das relações internacionais: o conflito recorrente entre Estados é evitável, a cooperação é possível, e o indivíduo, agindo por meio de instituições, é o principal agente de mudança na política internacional. (Salomon; Pinheiro, 2013, p. 45) Em vez de focar o conflito, o liberalismo traz a cooperação. Enquanto o realismo trata de Estados soberanos, o liberalismo também inclui instituições e indivíduos como agentes de mudança. Mas, principalmente, se no realismo as variáveis externas são deixadas de lado na política internacional, no liberalismo ganham peso na explicação (Salomon; Pinheiro, 2013). E isso pode ser ilustrado em qualquer uma de suas vertentes: 7 Figura 1 – Vertentes do liberalismo Fonte: adaptado de Salomon; Pinheiro, 2013, p. 45. TEMA 4 – POLÍTICA INTERNACIONAL DO PONTO DE VISTA CONSTRUTIVISTA Por um lado, temos o realismo focado na busca pelo poder, que identifica na política internacional variáveis políticas, como o militarismo e a diplomacia; por outro, o liberalismo contrapõe esse ponto de vista e prioriza novos temas na agenda internacional, como valores democráticos e instituições, o que colabora para uma visão mais cooperativa da política internacional. Um novo debate entra em pauta e enfatiza o papel das ideias: o construtivismo. Alguns autores apresentam o construtivismo como uma nova roupagem do idealismo. Snyder (2004, p. 60) afirma que recentemente “uma nova versão do idealismo – chamada construtivista de aderentes – retornou a um lugar de destaque nos debates sobre a teoria das relações internacionais”2. Ambos reconhecem o papel das ideias. 2 Citação original: “Recently, a new version of idealism – called constructivism its adherents – returned to a prominent place in debates on international relations theory”. 1902 • Imperialismo 1913 •A irracionalidade da guerra entre potências industrializadas 1936- 1943 •O papel pacificador das organizações internacionais 1957 •Transnacionalismo 1958 •Neofuncionalismo 1977 • Interdependência complexa 1989 •Paz democrática 1997- 2008 •Novo liberalismo 8 O idealismo ressalta a mudança das normas em contextos como “soberania, direitos humanos, justiça internacional, bem como o aumento da potência das ideias religiosas na política”3 (Snyder, 2004, p. 54). Para o autor, já existe a noção da relação entre senso de valores e uma ordem política estável, reconhecendo também que forjar um consenso pode levar a uma luta ideológica com potencial de conflito. O idealismo crê que a política internacional é norteada por padrões éticos e legais, e o construtivismo sustenta a mesma lógica de que a realidade internacional é criada por meio de valores. E eventos como o 11 de Setembro parecem reforçar o ressurgimento da teoria, destacando novamente o papel das ideologias, da persuasão, das identidades e das redes transnacionais (Snyder, 2004, p. 60). Nesse contexto, a concepção de poder se relaciona à capacidade de convencer os outros a adotar novas ideias e valores. Portanto, é impossível para os construtivistas que o interesse nacional seja imutável, como pregam os realistas. “Os construtivistas sustentam que sua teoria é mais profunda que o realismo e o liberalismo, porque explica as origens das forças que impulsionam as teorias concorrentes”4 (Snyder, 2004, p. 60). Observando o novo quadro da política internacional voltada às ideias, valores, padrões éticos e legais, talvez o soft power (poder brando) seja o mais relacionado com a visão construtivista. O poder brando pode se basear em recursos como a atração de ideias e cultura, a legitimidade percebida de suas políticas ou a capacidade de definir a agenda política de maneira a moldar as preferências que os outros expressam. […] Os teóricos construtivistas há muito compreendem o poder que advém de definir a agenda e determinar as preferências dos outros5. (Nye Junior, 2011, p. 2) Com efeito, o soft power se liga à ideia de poder pela atração e determinação da preferência alheia ao formar sua agenda. Assim, os principais atores dessa corrente teórica seriam aqueles capazes de promover esses novos conceitos. 3 Citação original: “sovereignty, human rights, and international justice as well as the increased potency of religious ideas in politics”. 4 Citação original: “Constructivists contend that their theory is deeper than realism and liberalism because it explains the origins of the forces that drive those competing theories”. 5 Citação original: “Soft power can rest on such resources as the attraction of one’s ideas and culture, the perceived legitimacy of one’s policies, or on the ability to set the political agenda in a way that shapes the preferences others express. […] Constructivist theorists have long understood the power that comes from setting the agenda and determining the preferences of others”. 9 Salomon e Pinheiro (2013, p. 47), ao discorrerem sobre as contribuições construtivistas para analisar a política externa, argumentam que o construtivismo não é exclusivamente uma teoria de relações internacionais, mas uma ampla teoria social que pode ser usada para estudar a política internacional. Essa ampla teoria enfoca o papel das ideias dentro das relações sociais em geral, haja vista que elas poderiam tanto determinar a vida social quanto fatores materiais. Outro ponto fundamental para o construtivismo é o fato de sua análise não ter como base os Estados individuais, senão o surgimento, a propagação e a medicação das ideias. Quando se fala em ideias, entenda-se também as normas, as identidades e os interesses. De fato o construtivismo tem vasta pesquisa sobre a formação de interesses e normas internacionais, e sobre redes transnacionais também – temas que colaboram para entender a política internacional e analisar a política externa (Salomon; Pinheiro, 2013, p. 47-48). TEMA 5 – COMPARANDO PERSPECTIVAS Ao compararmos as três principais vertentes teóricas das relações internacionais, podemos observar seus diferentes enfoques (Snyder, 2004, p. 60): Realismo: equilíbrio de poder; Liberalismo: democracia e o poder da internacionalização; Construtivismo: debate sobre as ideias como alicerces de internacionalização. Com diferentes enfoques, é natural que os principais atores, os instrumentos aplicados e o tipo de poder compatível sejam diferentes. Para resumir as correntes apresentadas e facilitar a comparação, observe o Quadro 1:Quadro 1 – Comparação entre as três vertentes Realismo Liberalismo Construtivismo Crenças fundamentais Estados competem por poder e segurança Disseminação da democracia, laços econômicos globais e organizações internacionais que fortalecem a paz Política internacional moldada por ideias persuasivas, valores coletivos, cultura e identidade social Atores-chave Estados, que se comportam de forma similar, independentemente do tipo de governo Estados, instituições internacionais e interesses comerciais Promotores de novas ideias, redes de ativistas transnacionais, organizações não governamentais 10 Principais instrumentos Poder militar e diplomacia estatal Instituições internacionais de comércio global Ideias e valores Tipo de poder compatível Hard power Soft power Fonte: Nye Junior, 2011; Snyder, 2004, p. 59. Do ponto de vista das crenças fundamentais e atores-chave, é possível observar que a abordagem realista é oposta à liberal em termos de política internacional. A primeira debruça-se sobre o modo periódico do conflito internacional, sobre o qual as variáveis domésticas pouco podem explicar se comparadas às variáveis sistêmicas. Nesse contexto, os atores são exclusivamente os Estados, cujo comportamento não mudaria, independentemente dos governos. A segunda reconhece o papel das variáveis domésticas e a elas concede o peso principal da explicação da política internacional; portanto, os atores não são apenas os Estados, mas também as instituições internacionais, fundamentais para cooperação e interesses comerciais. O construtivismo segue uma lógica à parte, pois o foco não está no Estado nem em suas variáveis domésticas e internacionais, mas na promoção e nos agentes promotores das ideias, opondo-se à corrente liberal e à realista (Salomon; Pinheiro, 2013, p. 47; Snyder, 2004, p. 59). Optamos por adicionar ao Quadro 1 uma linha sobre o tipo de poder de acordo com o texto de Nye Junior (2011). Refletindo sobre a relação entre os instrumentos e os tipos de poder, é de se esperar que o realismo, baseado no poderio militar, priorize o hard power. Da mesma forma, não surpreende que o construtivismo, baseado nas ideias, tenha maior afinidade com o soft power. O desafio está em refletir sobre o poder preferido pelos liberais. A princípio, o autor não explicita nada sobre o tipo de poder compatível com o liberalismo, por isso esse item não está preenchido. Contudo, se pensarmos que o liberalismo considera valores – como os democráticos – e a cooperação, mas também reconhece o peso das instituições, do comércio e das finanças, pode-se especular que há uma predileção pelo smart power. Com isso, não se quer dizer que o smart power é exclusivo da vertente liberal; ao contrário: pode ser aplicado a todas. Contudo, a corrente que parece mais propensa a lidar com os dois tipos 11 de poderes é a liberal, enquanto a realista continua com as discussões focadas no poder, e a construtivista, nas ideias. Encerrada a discussão sobre política internacional, aprofundaremos a questão da diplomacia, discorrendo sobre seu conceito, atores, relações, assuntos, entre outros. 12 REFERÊNCIAS BITTENCOURT, P. V. Z. O papel do estado na teoria da política internacional de KENNETH WALTZ: seria o Estado o único ator das relações internacionais? Revista de Iniciação Científica da FCC, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 1-13, 2014. Disponível em: <https://www2.marilia.unesp.br/index.php/ric/article/view/6347>. Acesso em: 16 jun. 2020. BORELLI, P. C. Política externa: o que é e por que é importante. Politize!, [S.l.], 8 nov. 2016. Disponível em: <https://www.politize.com.br/politica-externa-o-que- e-e-por-que-e-importante/>. Acesso em: 15 jun. 2020. LACERDA, G. B. 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Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/4152944?origin=JSTOR- pdf&seq=1#page_scan_tab_contents>. Acesso em: 16 jun. 2020. VILLA, R. D. Dossiê Política Internacional: temas emergentes. Apresentação. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 26, p. 7-14, nov. 2006. Disponível em <https://www.scielo.br/pdf/rsocp/n27/02.pdf>. Acesso em: 16 jun. 2020. AULA 3 POLÍTICAS INTERNACIONAIS, DIPLOMACIA E PODER Prof.ª Glaucia Julião Bernardo 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula e nos próximos conteúdos, trataremos especificamente de temas relacionados à diplomacia. Para isso, precisamos compreender o conceito de diplomacia, o papel dos diplomatas, quais são os demais atores envolvidos com a diplomacia, quais são os órgãos do Ministério das Relações Exteriores. Com isso, podemos abordar com suas particularidades as relações diplomáticas. TEMA 1 – CONCEITO DE DIPLOMACIA Bobbio, Matteucci e Pasquino (2004, p. 348) iniciam sua explicação sobre o termo diplomacia recorrendo a sua definição de dicionário, segundo o qual a diplomacia se trata da “[...] condução das relações internacionais através de negociações. O método através do qual estas relações são reguladas e mantidas por embaixadores e encarregados; o ofício ou a arte do diplomata”. Em outras palavras, o conceito apresentado por Bobbio, Matteucci e Pasquino (2004) é claro quando diz se tratar a diplomacia de um método. O termo é oriundo da palavra diploma, ou seja, a folha usada para divulgação de leis e editais. Logo, passaria a designar o trabalho de pessoas que uso dela faziam, se tornando uma licença concedida a elas. As práticas desses mensageiros são muito antigas e pode ser atribuído aos gregos do século V a.C. o primeiro estabelecimento conhecido de um sistema de relações diplomáticas, determinando o princípio de inviolabilidade dos mensageiros (Bobbio; Matteucci; Pasquino, 2004, p. 348). Dessa forma, é difícil tentar separar o desenvolvimento da diplomacia da atividade internacional dos Estados. Durante muito tempo, a diplomacia esteve associada à busca pelos interesses nacionais, elencados na política externa de cada país. Entretanto, mais do que a promoção de interesses dos Estados, de ser essencial para as atividades comerciais, a diplomacia também se mostrou um meio para a solução de controvérsias entre eles (Bueno; Freire; Oliveira, 2016, p. 625). Como explicado, o desenvolvimento da diplomacia tradicional vem desde a Antiguidade, chegando a ser ligado aos “registros remanescentes de história escrita”; com efeito, esses registros remontam aos mais antigos tratados estabelecidos entre governos de diferentes regiões (Bueno; Freire; Oliveira, 2016, p. 626). Em termos jurídicos, o marco da diplomacia pode ser estabelecido como 3 o Congresso de Viena de 1815, em que ocorre a primeira tentativa de regulamentação da diplomacia, cujos principais feitos resultantes são que: Preparou juridicamente as constituições da Confederação Germânica e Suíça; disciplinou a classe hierárquica de agentes diplomáticos; pontuou os primeiros passos rumo à abolição da escravidão de negros e consolidou o princípio de liberdadede navegação em rios internacionais (Bueno; Freire; Oliveira, 2016, p. 628). Com o Congresso de Viena, são estabelecidas as bases para a diplomacia moderna, culminando com o progresso e consolidação do direito diplomático na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (ONU, 1961). O documento foi fundamental para transferir a figura do chefe de missão para as embaixadas. Além disso, levou ao reconhecimento da condição dos agentes diplomáticos, atendendo a princípios das Nações Unidas, fomentando a relação amistosa entre os povos (Bueno; Freire; Oliveira, 2016, p. 630). Em suma, se formos conceituar nossa diplomacia moderna, podemos seguir a definição de Berridge e James (2001), que diz ela se tratar das relações entre Estados soberanos, realizadas no país ou no exterior ou em organizações internacionais, por funcionários, membros ou temporários, dos respectivos serviços diplomáticos. Nesse sentido, a forma ainda mais tradicional de relação diplomática é o envio de representantes de um Estado a outros Estados. Pode-se entender a diplomacia, também, como o sistema de comunicação da sociedade internacional. A diplomacia pode gerar também outras definições, como uso do tato no trato pessoal, qualquer tentativa de promoção de negócios internacionais ou ainda política externa (Berridge; James, 2001, p. 62-63). TEMA 2 – RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS As relações diplomáticas, portanto, dizem respeito a Uma condição desfrutada por dois Estados, que se diz terem ou estarem em relações diplomáticas entre si. Relações diplomáticas são o pré- requisito para diplomacia normal, à medida que permite que os Estados envolvidos se comuniquem diretamente entre si, sem impedimentos nem obstáculos formais. Assim, cada um pode se dirigir ao outro, expressar pontos de vista e chegar a acordos com o outro, sendo esse negócio geralmente realizado por meio de agentes diplomáticos.1 (Berridge; James, 2001, p. 73, tradução nossa) 1 No original: “A condition enjoyed by two states, who are then said to have or be in diplomatic relations with each other. It is the prerequisite for normal diplomacy [...] in that it enables the states concerned to engage in direct communication with each other, unhampered by any formal obstacles. Thus each may address the other, express views to the other, and reach agreements 4 Essa afirmação de Berridge e James (2001) reforça a ideia de que diplomacia se trata de um método e não de um conteúdo. Diferentemente da crença popular, ela não é exclusivamente o envio de missão de um Estado para o outro, mas um meio usual de manter contato permanente entre dois Estados (Bobbio; Matteucci; Pasquino, 2004; Berridge; James, 2001). Conforme exposto no tema anterior, as relações diplomáticas vêm de longa data, provavelmente desde os registros da escrita. E seguem um determinado rito, o qual atualmente é ditado pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (ONU, 1961), cuja finalidade era codificar e esclarecer juridicamente aspectos envolvendo: • agentes diplomáticos; • missões diplomáticas trocadas entre Estados; • privilégios e imunidades. Com a sua entrada em vigor, em 1964, a convenção mais tratou do âmbito jurídico do que das relações em si (ONU, 1961; Bobbio; Matteucci; Pasquino, 2004; Berridge; James, 2001). Por isso, é importante ampliarmos a discussão sobre diplomacia, analisando a definição de agentes diplomáticos, atores em geral, órgãos envolvidos, entre outros elementos da diplomacia. Sobre os agentes diplomáticos, Bueno, Freire e Oliveira (2016, p. 630) recorrem à Convenção de Viena para explicar que eles estão divididos em três classes: 1. “embaixadores, legados e núncios”; 2. “enviados, ministros e outros agentes acreditados junto dos soberanos”; 3. “encarregado de negócios, apenas acreditado junto dos ministros dos negócios estrangeiros”. Essas classes e, especialmente, os diplomatas serão parte do próximo tema. TEMA 3 – DIPLOMATAS DE CARREIRA É normal, quando estamos falando sobre atores em diplomacia, que os primeiros que venham a nossa mente sejam os diplomatas de carreira. Por diplomata entende-se um profissional envolvido no ofício de diplomacia, podendo ser um agente diplomático ou oficial de um Ministério das Relações Exteriores. with the other, such business usually being done through diplomatic agentes” (Berridge; James, 2001, p. 73). 5 Por agente diplomático, tratamos daqueles chefes de missões ou seus membros (Berridge; James, 2001, p. 63). Os chefes de missões diplomáticas podem ser divididos em três classes, como vimos no tema anterior e foi explicitado na Convenção de Viena, em seu art. 14 (ONU, 1961): • embaixadores ou núncios: • enviados, ministros ou internúncios, acreditados perante chefe de Estado; • encarregado de negócios, apenas acreditado por Ministério das Relações Exteriores. Por embaixador entende-se o agente diplomático de mais alto nível. Muitas vezes, o termo embaixador é usado para denominar o chefe de uma missão no exterior; essa missão em tela é a embaixada. Já a nomenclatura núncio faz referência ao representante diplomático da Santa Sé, nos casos em que os países se recusam a aceitar o decano do corpo diplomático (Berridge; James, 2001, p. 8, 194, 195). A sede da embaixada ou instalações diplomáticas são os edifícios usados como parte da missão diplomática, dentre os quais está a residência do chefe da missão (Berridge; James, 2001, p. 69). Aliás, segundo a Convenção de Viena (ONU, 1961), é função do Estado receptor auxiliar na aquisição do território para a implementação da embaixada, cujas instalações são invioláveis. A entrada nela só é permitida pelo chefe da missão e o Estado receptor deve tomar medidas para proteção dessas instalações. E, no caso de interrupção das relações entre os Estados, também há normas a serem seguidas para preservação da embaixada. Outra classe destacada pela Convenção de Viena são os enviados, ministros ou internúncios, acreditados perante chefes de Estado. Naturalmente, os sistemas de governo possuem um ministro das Relações Exteriores, haja vista a necessidade que o chefe de governo possui de ser auxiliado por alguém para coordenar as relações entre Estados e usar de suas habilidades para interagir e interpretar estrangeiros. Da mesma forma, os cidadãos também precisam de apoio, por parte do Estado, para o desenvolvimento de suas atividades privadas e corporativas no exterior. O termo internúncio, por sua vez, também se encontra ligado às questões da Santa Sé (Greenstock, 2013, p. 2). Assim, a prática de se nomear – atribuição que é de chefe de Estado, chefe de governo ou de ministro das Relações Exteriores – enviados ou representantes especiais acabou se tornando comum, uma vez que há maior demanda do 6 estabelecimento de áreas especializadas por parte das organizações internacionais. Exemplos disso são as questões transfronteiriças, os direitos humanos, as mudanças climáticas. Geralmente, a designação para tratar desse tipo de matéria costuma ser feita para um diplomata em serviço ou recém- aposentado ou ainda outro profissional com expertise no assunto. É uma forma de o chefe de governo ou ministro reforçar seu interesse numa questão pública (Greenstock, 2013, p. 5-6). A última classe destacada na Convenção de Viena diz respeito aos encarregados de negócios, apenas acreditados pelo Ministério das Relações Exteriores. O ministro das Relações Exteriores é auxiliado por escritório externo, chefiado por grupos de diplomatas e funcionários públicos, bem como por uma série de departamentos. As formas de organização desses departamentos são várias, de acordo com questões geográficas, temas transversais etc. (Greenstock, 2013, p. 2). Nos temas a seguir, poder-se-ão observar quais são os outros atores que desempenham um papel essencial para a diplomacia, bem como ter uma ideia daorganização brasileira. TEMA 4 – ATORES DA DIPLOMACIA Como se pode observar, os diplomatas de carreira, bem como as demais classes diplomáticas, não são os únicos atores da prática da diplomacia. Eles são apenas os representantes oficiais do Estado. Na realidade, há uma série de outros atores que desempenham papel fundamental na diplomacia. Figura 1 – Outros atores da diplomacia 7 Fonte: adaptado de Cooper; Heine; Thakur, 2013. Em termos políticos, estão incluídos entre os atores da diplomacia os membros mais antigos e os chefes de governo, os quais são encarregados da promoção de um interesse nacional, enquanto desenvolvem relações de forma produtiva e positiva com outros atores, estatais ou não. As ações desses atores seguem as linhas apontadas pela política externa (Axworthy, 2013). Devido à complexidade das interações internacionais nos séculos XIX e XX, os Ministérios das Relações Exteriores passaram a contar com várias unidades, distribuídas hierarquicamente de diferentes formas. Chama-se isso de burocracia. Essas unidades precisam ser equipadas, treinadas e dotadas de atributos para lidar com o impacto real da distribuição de recursos diplomáticos (Greenstock, 2013). As missões diplomáticas, atualmente, se enquadram em vários títulos. Mas, ainda há a predominância de consulados e embaixadas, que podem ter tamanhos diversos, apesar de existirem também outras variações de consulados e escritórios comerciais (Malone, 2013). Já as organizações internacionais também são fontes de diplomacia e tomada de decisões, uma vez que compõem uma governança global, com arranjos e atividades cooperativas de solução de problemas internacionais. Elas são atores independentes, com atividades diplomáticas que mobilizam a atenção internacional, cumprem diferentes objetivos e interagem com outras organizações (Karns; Mingst, 2013). Atores Políticos Burocratas Missões diplomáticas Organizações internacionais Oficiais das finanças Sociedade civil Empresas globais e transnacionais Mídia 8 Sobre os oficiais financeiros, é perceptível a mudança de seu papel desde 1920. Sem dúvida, seu trabalho se trata do compartilhamento de tarefas, com colegas de vínculo intelectual, baseado no conhecimento técnico de demandas financeiras internacionais. Considerando-se a dificuldade típica do tema, sua função traduz-se como uso da experiência, posse e treinamento de informações específicas da área financeira, em negociações internacionais (Helleiner, 2013). Dado que a diplomacia se caracteriza pelo estabelecimento de interações pacíficas entre atores estatais, a sociedade civil é sempre deixada de lado da diplomacia, em termos conceituais. Entretanto, não há como negar seu papel essencial na governança global, haja vista a participação de associações envolvidas em ações transfronteiriças, entre outras ações. Assim, a diplomacia perde a sua exclusividade nesse ambiente de relacionamentos complexos. A sociedade civil desempenha papel crítico para auxiliar na formação da agenda diplomática global. A capacidade de delinear a percepção de cada questão que envolva trânsito entre fronteiras será, assim, tratada diplomaticamente. Cumpre lembrar que a capacidade de formar agenda não significa alcançar um acordo global de ação conjunta (Hochstetler, 2013). As grandes empresas com operação além de fronteiras nacionais também podem ser caracterizadas como diplomáticas. Elas acabam se envolvendo em atividades diplomáticas centrais, devendo negociar com outros interlocutores diplomáticos com intenção de alcançar objetivos que vão desde o acesso a mercados à proteção de ativos e gerenciamento de crises (ONU, 1961). Por fim, não se pode esquecer da mídia, com seu papel fundamental. Com o advento das tecnologias da informação, houve uma rápida transformação nesse papel, dinamizando-se o contexto e a situação global. O transporte moderno, a telefonia sem fios são alguns dos exemplos de mudanças com as quais os diplomatas tiveram que lidar. Hoje, a rede mundial de computadores, a internet fornece um fluxo que transforma a concepção de diplomacia (Powers, 2013). TEMA 5 – ÓRGÃOS DA DIPLOMACIA Para o desenvolvimento do trabalho diplomático, são vários os órgãos com os quais se pode contar. Essa estrutura vai variar de um país para outro, mas vamos observar o caso do nosso país. Ao olharmos as definições e depois analisarmos o exemplo do Brasil, sob a ótica do Decreto n. 9.683/2019, verificamos a complexidade da atuação dos órgãos diplomáticos existentes no 9 país (Brasil, 2019). A princípio, são seis as macrocategorias de órgãos diplomáticos: 1. órgãos de assistência direta e imediata ao ministro das Relações Exteriores; 2. Secretaria-Geral das Relações Exteriores; 3. unidades descentralizadas; 4. órgãos no exterior; 5. órgãos de deliberação coletiva; 6. entidade vinculada: Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) (Brasil, 2019). A cada uma dessas macrocategorias estão ligados uma série de órgãos que são parte do Ministério das Relações Exteriores e que serão detalhados a seguir. O primeiro organograma diz respeito à assistência direta do ministro das Relações Exteriores (Figura 2). Figura 2 – Órgãos de assistência direta ao ministro das Relações Exteriores Fonte: Elaborado com base em Brasil, 2019. Como se pode observar (Figura 2), a assistência direta ao ministro vai além de um simples gabinete: há um conjunto de órgãos voltados à gestão estratégica do Ministério das Relações Exteriores, à sua interlocução com o Poder Legislativo e para o tratamento das questões jurídicas que envolvem o seu dia a dia. Logo abaixo hierarquicamente ao Gabinete do Ministro, está a Secretaria- Geral do Ministério das Relações Exteriores, cuja estrutura pode ser esboçada da forma como descrita na Figura 3. Órgãos de assistência direta e imediata ao ministro Gabinete Assessoria Especial de Gestão Estratégica Assessoria de Relações Federativas e com o Congresso Nacional Consultoria Jurídica 10 Figura 3 – Secretaria-Geral do Ministério das Relações Exteriores Fonte: adaptado de Brasil, 2019. A Secretaria-Geral do Ministério das Relações Exteriores e todas as suas unidades exemplificam as formas de organização explicadas no Tema 2. É possível observar a sua divisão tanto por questões quanto por temas transversais. Além disso, outros órgãos do Ministério das Relações Exteriores são as unidades descentralizadas (Figura 4). Figura 4 – Unidades descentralizadas do Ministério das Relações Exteriores Fonte: adaptado de Brasil, 2019. Órgãos de assessoria ao secretário-geral Gabinete do Secretário- Geral Secretaria de Negociações Bilaterais e Regionais nas Américas Departamento de Estados Unidos da América Departamento de México, Canadá, América Central e Caribe Departamento de América do Sul Departamento de Mercosul e Integração Regional Secretaria de Negociações Bilaterais no Oriente Médio, Europa e África Departamento de Europa Departamento de Oriente Médio Departamento de África Secretaria de Negociações Bilaterais na Ásia, Oceania e Rússia Departamento de China Departamento de Índia e Ásia Meridional Departamento de Rússia e Ásia Central Departamento de Japão e Pacífico Secretaria de Política Externa Comercial e Econômica Departamento de Organismos Econômicos Multilaterais Departamento de Promoção Tecnológica Departamento de Promoção de Energia, Recursos Minerais e Infraestrutura Departamento de Promoção do Agronegócio Departamento de Promoção de Serviços e de Indústria Agência Brasileira de Cooperação Secretaria de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania Departamento de Segurança e Justiça Departamento de Defesa Departamento de Nações Unidas Departamento de Meio Ambiente Departamento de Direitos Humanos e Cidadania Departamento ConsularSecretaria de Comunicação e Cultura Departamento Educacional e Cultural Departamento de Comunicação Social Instituto Rio Branco Secretaria de Gestão Administrativa Departamento de Tecnologia e Gestão da Informação Departamento de Administração e Logística Departamento de Serviço Exterior Corregedoria, Inspetoria e Ouvidoria do Serviço Exterior Cerimonial Unidades descentralizadas Escritórios de Representação Comissões Brasileiras Demarcadoras de Limites 11 Esses Escritórios de Representação do Ministério das Relações Exteriores são os seguintes, de acordo com a sua área de jurisdição: Minas Gerais (Ereminas), Distrito Federal (Setor de Legalizações e Rede Consular Estrangeira – SLRC), Paraná (Erepar), Santa Catarina (Eresc), Região Norte (Erenor), Rio Grande do Sul (Eresul), Região Nordeste (Erene), Rio de Janeiro (Ererio), Bahia (Erebahia), São Paulo (Eresp). Em relação aos órgãos do Ministério das Relações Exteriores do Brasil no exterior, a divisão é a que consta na Figura 5. Figura 5 – Órgãos do Ministério das Relações Exteriores do Brasil no exterior Fonte: adaptado de Brasil, 2019. As missões diplomáticas permanentes dizem respeito às embaixadas do país no exterior, instaladas para defender os interesses nacionais; já as repartições consulares fazem o atendimento dos cidadãos brasileiros em outros países. Há ainda conselhos e comitês deliberativos que fazem parte do rol de órgãos do Ministério das Relações Exteriores (Figura 6). Órgãos do Minitério das Relações Exteriores do Brasil no exterior Missões diplomáticas permanentes Repartições consulares Unidades específicas, destinadas às atividades administrativas, técnicas, culturais ou de gestão de recursos financeiros 12 Figura 6 – Conselhos e comitês deliberativos do Ministério das Relações Exteriores Fonte: adaptado de Brasil, 2019. Além desses órgãos deliberativos, ainda há um último órgão a ser mencionado: a Funag, um think tank governamental na área de relações internacionais. Todas essas unidades mencionadas formam o aparato burocrático do Ministério das Relações Exteriores. Ao “[...] conjunto de órgãos do Ministério no Brasil denomina-se Secretaria de Estado das Relações Exteriores” (Brasil, 2019). Órgãos de deliberação coletiva Conselho de Política Externa Comissão de Promoções Comitê Estratégico de Tecnologia da Informação Comissão Permanente de Avaliação da Documentação Sigilosa 13 REFERÊNCIAS AXWORTHY, L. The Political Actors: Presidente, Prime Minister, and Minister of Foreign Affairs. In: COOPER, A.; HEINE, J.; THAKUR, R. (Ed.). The Oxford Handbook of Modern Diplomacy. Oxford: Oxford University Press, 2013. BERRIDGE, G.; JAMES, A. A Dictionary of Diplomacy. Nova York: Palgrave Macmillan, 2001. BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de política. 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Em outras palavras, entenderemos a complexidade analisando o que se faz, como se faz e para que se faz. TEMA 1 – PRÁTICAS DIPLOMÁTICAS As práticas diplomáticas são as formas pelas quais os diplomatas e atores agem internacionalmente para consecução dos seus objetivos. Como se pode observar na representação abaixo, há várias práticas: Figura 1 – Práticas diplomáticas Fonte: Adaptado de Cooper, Heine e Thakur, 2013. Práticas Diplomáticas Bilateral Multilateral Conferência Cúpulas Institucionalizadas Negociação Mediação Diplomacia Humanitária Diplomacia de Defesa 3 A diplomacia é fundamentada pela criação de maneiras para aprimorar relações entre nações, em que uma relação específica entre países terá mais relevância partindo de uma determinação da diplomacia bilateral. Como principais atividades da diplomacia bilateral, estão a capacidade de negociar, informar e representar. Antes a diplomacia bilateral era ligada ao Estado e a questões de soberania, hoje pode ser feita por meio de públicos e redes (Rozental; Buenrosto, 2013). Por diplomacia multilateral entende-se o envolvimento de duas ou mais nações ou partes para soluções diplomáticas de problemas supranacionais. Sem dúvidas há uma evolução em diferentes níveis e formas das reuniões/organizações multilaterais, o que torna difícil mensurá-las. Essa evolução pode ser observada ao tentar contá-las desde a criação das Instituições de Bretton Woods e das Nações Unidas; há um crescimento significativo (Mahbubani, 2013). Um elemento que atualmente fomenta o sistema das Organização das Nações Unidas resulta de conferências globais, focadas nas soluções problemas globais. É importante dizer que não se trata de um novo modelo, visto que há registros de antecedentes, como a “Paz da Westfália” de 1648 e reuniões semelhantes normalmente ao final de uma guerra, quando havia o princípio de uma nova ordem mundial e da diplomacia de conferência moderna (Evans, 2013). No que se refere às cúpulas institucionalizadas, são aquelas reuniões oficiais de governo e chefes de Estado que contam com vários líderes que se reúnem repetidamente e são sustentadospor um ou outro, com estrutura burocrática institucionalizada que facilita a continuidade destas reuniões. Trata-se de criações modernas, que dependem de viagens para reunião de todo grupo e necessitam de apoio tecnológico para questões de comunicação, logística e segurança (Feinberg, 2013). A negociação é vista como a oferta de alguma coisa por outra. No contexto das relações internacionais, pode ser entendida como a busca de soluções na existência de conflitos de interesse de países, de modo que um atenda à política externa de outro por meio de uma oferta para motivá-los a cumprirem as promessas. No cenário de globalização, a negociação tem sido preferida, dada a densidade de interações que transpassam aspectos comerciais, econômicos, divisão social, cultural e política (Hampson; Crocker; Aall, 2013). 4 O uso e reconhecimento da mediação em âmbito internacional e doméstico tiveram crescimento expressivo nos últimos anos, contribuindo para soluções pacíficas quando existe disputa entre estados e outros atores. Tanto que o art. 33da Carta das Nações Unidas, tem como um dos métodos possíveis de solução de conflitos internacionais a mediação, que requer que as partes devem: buscar solução por investigação, conciliação, negociação, mediação, recurso a agências, arbitragem, acordo judicial ou acordos regionais, ou outros meios (pacíficos) de sua escolha. A mediação é, portanto, o processo para solucionar conflitos que têm relação de negociações das próprias partes, em que há busca pela assistência ou aceitação de ajuda de alheio – organização, grupo, indivíduo ou Estado – de modo a alterar o comportamento, evitando-se a força física ou invocação de lei (Ahtisaari; Rintakoski, 2013). Quanto à diplomacia humanitária é aquela acionada quando militares e políticos desistem, e então a ONU, as principais organizações internacionais e as principais capitais concordam em acioná-la. As ações humanitárias tiveram crescimento expressivo, sendo realizadas na grande maioria pelo Movimento da Cruz Vermelha, Crescente Vermelho, Nações Unidas, agências governamentais e grupos de ajuda não governamentais locais, internacionais ou nacionais (Egeland, 2013). A diplomacia de defesa pode parecer uma contradição em um primeiro momento, pois a força militar tradicionalmente é o último recurso a ser utilizado na defesa de qualquer país, quando a diplomacia não consegue manter a paz. Mas continua a exercer papel importante para alcançar objetivos nacionais específicos, tendo emergido como instrumento significante da política do Estado (Cheyre, 2013). TEMA 2 – INSTRUMENTOS DIPLOMÁTICOS Os instrumentos e ferramentas diplomáticos representam o meio – ou seja, o “como” – em que os atores diplomáticos aplicam as práticas descritas acima. A seguir, uma simples ilustração de alguns deles: 5 Figura 2 – Instrumentos diplomáticos Fonte: Adaptado de Cooper, Heine e Thakur, 2013. A diplomacia econômica pode ser interpretada como aspecto distinto da diplomacia em geral, e ganha cada vez mais relevância, com o aumento da independência econômica internacional ou da globalização. Em uma sucinta definição, diplomacia econômica é a tomada de decisão e negociação para questões que afetam relações econômicas internacionais (Woolcoock; Bayne, 2013). A diplomacia de negócios e investimentos interage de forma a depender da combinação do sistema econômico e tradição, afetando assim a relação entre empresas e governos na promoção comercial e de investimentos, algo incomum em grande parte do mundo em desenvolvimento (Mills, 2013). A respeito do instrumento/ferramenta da cultura duas premissas devem ser observadas. Em primeiro lugar, as relações corretas podem criar uma base de compreensão e respeito. Em segundo lugar, há o pressuposto de que idioma, educação e arte são aspectos mais significativos em uma cultura. Esse modo de diplomacia funciona por atração, e não por coerção (Goff, 2013). Instrumentos Diplomáticos Economia Negócios & Investimentos Cultura Diplomacia Pública Tecnologia Digital Relações Consulares Direito Internacional Convenção de Viena Soft Power 6 A diplomacia pública tem grande peso nos estudos diplomáticos, pois tornou-se a melhor exportação nesse tipo de estudo, como mostram livros, relatórios e artigos. Em suma, funciona como instrumento para entendimento de culturas, comportamentos e atitudes por parte de associações de Estados, alguns atores subestatais, não estatais e Estados, para promover seus interesses e valores (Melissen, 2013). Quanto à tecnologia digital, pode-se dizer que grande parte da discussão sobre a nova diplomacia foi impulsionada pela adoção, dentro das instituições diplomáticas e do governo em geral, de sistemas digitais de criação, transmissão e armazenamento de dados usando a internet, plataformas de mídia social, computadores e um variedade de dispositivos eletrônicos sem fio (Copeland, 2013). As relações consulares são tratadas pelos Ministérios de Relações Exteriores como uma questão de necessidade, haja vista que são de natureza prática e não constituem preocupações centrais do governo. À medida que os cidadãos têm postura mais assertiva, interação público-privada e reportagens internacionais mais diversas, há aumento de contato entre diplomatas e público (Okano-Heijmans, 2013). No que se refere ao direito internacional, é uma ordem jurídica como um sistema hierárquico de regras autoritativas. Ela estabelece as regras que governam a vida de pessoas e instituições, alocando direitos e responsabilidades e declarando as consequências legais de inúmeras atividades cotidianas, bem como estabelecem os meios pelos quais essas regras são reconhecidas como juridicamente vinculativas. Além disso, é considerado hierárquico no sentido de que o sistema contém uma regra última de reconhecimento que permite aos participantes resolver inconsistências entre regras primárias e conflitos entre instituições para interpretá-los e aplicá-los (Farer, 2013). As Convenções de Viena (1961 e 1963) formam o núcleo consular internacional e de direito diplomático sobre relações consulares, codificando regras sobre relações diplomáticas bilaterais entre estados (Wouters; Duquet; Meuwissen, 2013). Por soft power entende-se o poder de atração. E isso o torna cada vez mais importante e estratégico em muitos países, e três fatores contribuem para tal: i) surgimento de armas nucleares, o que aponta para guerra (inaceitável e 7 improvável) entre grandes potências; ii) popularização de educação avançada; iii) forte e penetrante poder de informação e conhecimento com advento da internet (Change, 2013). TEMA 3 – HARD, SOFT E SMART POWER COMO INSTRUMENTOS DIPLOMÁTICOS É fato que o uso dos poderes faz diferença em termos diplomáticos. Da mesma forma que as pessoas estão envolvidas em várias relações, os Estados também estão. São essas relações que acabam moldando os seus comportamentos e as interações de poder. Em termos clássicos, a definição de poder é baseada nas relações coercitivas entre os atores. Aqueles que possuem mais recursos – território, população, economia, tecnologia militar – têm mais condições do exercício de poder (Change, 2013, p. 2). Foram Robert Keohane e Joseph Nye que desenvolveram os conceitos de vulnerabilidade e sensibilidade para compreender o poder como base da relação entre atores. A sensibilidade está relacionada à capacidade de responder dentro de uma estrutura política. A vulnerabilidade é a responsabilidade por sofrer os custos por questões externas. Assim sendo, em um mundo interdependente a assimetria das relações é uma fonte de poder; à medida que a relação é entre semelhantes, essa fonte tende a diminuir ou desaparecer (Change, 2013, p. 2). Também deve-se mencionar as questões sobre a origem do poder, visto que nem todas as açõespodem ser definidas em termos de recursos. Regras, normas e legitimidade também contribuem para a organização e administração da sociedade moderna. O poder do governo tem como base o consentimento das pessoas. Nesse sentido, as regras e normas são importantes, uma vez que esse consentimento sobre o monopólio do poder foi passado de um ator (cidadão) para outras instituições (governo) (Change, 2013, p. 2). Por isso, há a ênfase no conhecimento comum como uma forma de criar “confiança, identidade e ação coletiva em uma sociedade” (Change, 2013, p. 2). O conhecimento comum é fundamental para o acúmulo de soft power de um país. Dessa forma, o soft power também é uma forma de hegemonia, motivo pelo qual seu uso é motivado (Change, 2013). Mais recentemente tem-se mencionado um terceiro tipo de poder: smart power. O smart power nada mais é do que a estratégia articulação entre hard 8 power e soft power, proporcionando uma otimização de recursos. Levando isso em consideração, desenvolveu-se o quadro a seguir para reforçar a definição e refletir sobre os assuntos mais prováveis em que cada poder poderia ser aplicado. Quadro 1 – Definições de hard, soft e smart power Tipo de poder Definição Assuntos Hard power “A capacidade de atingir os objetivos por meio de ações ou ameaças coercitivas, as chamadas ‘cenouras’ e ‘tacos’ da política internacional” (Raimzhanova, 2015, p. 6). Segurança, armas, negócios/economia Soft power “A capacidade de obter resultados preferenciais por meio de atração e persuasão, em vez de coerção ou pagamentos” (Nye, 2004 citado por Nye, 2011, p. 1). Esportes, saúde Smart power Smart power diz respeito a uma estratégia de poder em que se combina hard power e soft power em diferentes contextos. Não se trata de abordar exclusivamente com um ou outro poder, mas saber combiná-los de forma a não desperdiçar tempo e recursos (Nye, 2013, p. 5). Construção do Estado e Construção da paz Fonte: Adaptado de Cooper, Heine e Thakur, 2013. Esse quadro representa o esforço de sistematizar as formas de poderes como instrumentos diplomáticos, ou seja, os meios pelos quais atores agem para atingir qualquer finalidade. Além disso, observa-se quais meios podem ter maior tendência com cada assunto/finalidades. TEMA 4 – ASSUNTOS Os assuntos seriam a finalidade, isto é, para que se faz a diplomacia. Em outras palavras, é o motivo pelo qual se escolhem as formas e instrumentos para se relacionar com outros países. Esses, na figura abaixo, são apenas alguns daqueles que são pauta comum na diplomacia: 9 Figura 3 – Pautas comuns na diplomacia Fonte: Adaptado de Cooper, Heine e Thakur, 2013. A segurança tornou-se, a partir do século XX, de maior valor para os governos. Assim, há um investimento em tempo de diplomatas trabalhando em acordos de segurança, o que constitui o tamanho de tal compromisso. Atualmente, gasta-se mais em defesa contra ameaça e inimigos conhecidos e antecipados do que em moradia, educação e outras prioridades (Holsti, 2013). Por armas e desarmamento é preciso compreender as questões centrais a esse respeito: i) avanços em comunicações e tecnologias armamentistas; ii) atuação criminosas transnacionais com atividades ilícitas relacionadas a materiais sensíveis e compra de armas; iii) a sociedade civil mais voltada a atividades humanitárias, antimilitaristas e ambientais; e, iv) mudanças de comportamento do público face à tentativa de atingir objetivos das políticas nacionais e internacionais. Esse contexto afeta o ambiente geoestratégico e influencia teoria e prática da diplomacia do desarmamento (Johnson, 2013). A construção do Estado refere-se a um envolvimento internacional estendido – principalmente, embora não exclusivamente, por meio das Nações Unidas – direcionado à construção ou reconstrução de instituições de governança capazes de fornecer aos cidadãos segurança física e econômica. Isso inclui Assuntos Segurança Armas e Desarmamento Construção de Estado e Construção da Paz Negócios Direitos Humanos Refugiados Saúde Esportes 10 atividades quase governamentais, como assistência eleitoral, assistência técnica em direitos humanos e estado de direito, reforma do setor de segurança e certas formas de assistência ao desenvolvimento. Isto é, vai além de conceitos como construção e manutenção da paz (Chersterman, 2013). No que se refere aos negócios, eles são, em suma, sobre quem recebe e como, designando recursos econômicos entre interesses privados. Uma característica que distingue a diplomacia comercial da econômica é que atores do mercado tem envolvimento na pressão de esforços diplomáticos, fazendo a diplomacia comercial preocupar-se com a gestão de regimes comerciais bem como fatores de mercado afetados pelo regime (Tussie, 2013). Direitos humanos, ainda como um dos principais assuntos em pauta, não possuem especificações sobre a proteção na carta da ONU. Em 1948, os Estados, por meio da Comissão de Direitos Humanos da ONU e da Assembleia Geral, adotaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Essa resolução nada mais é do que os princípios de tratados de direitos humanos advindos da declaração universal que alcançou status icônico ao longo do tempo. A grande maioria dos Estados ratificou os dois tratados centrais de direitos humanos, que compreendem, em um primeiro momento, direitos políticos e civis, e, em segundo, direitos culturais, sociais e econômicos (Forsythe, 2013). A respeito dos refugiados, as atividades diplomáticas contemporâneas atualmente têm maior ênfase não tema. O tema figura nas agendas internacionais, com cada vez mais destaque – questões de como refugiados devem ser tratados e como seu fluxo deve ser gerenciado (Maley, 2013). Quanto à saúde, verifica-se que experiência diplomática, política externa e interesse político, na política internacional, tradicionalmente negligenciam a saúde. Até há ações rotineiras sobre ameaça à saúde, mas é um tipo de cooperação que não atrai atenção dos especialistas de política externa, relações internacionais e diplomatas. Também, há uma escassez de literatura sobre diplomacia e saúde. Em termos de diplomacia, antes da criação da Organização Mundial da Saúde podiam ser observados como temas problemas de saúde, diversidade de ameaças, atores, normas e locais; logo após a criação da organização internacional, percebe-se a tentativa de abordagem de conjunto crescente de desafios à saúde. Verifica-se que a ascensão da diplomacia da saúde nas relações internacionais se faz importante, porém talvez não tão surpreendente quanto alguns acreditam (Fidler, 2013). 11 Sobre esportes, há uma relação duradoura com a diplomacia. Ele traz intensas manifestações de identidade (regional, local, nacional etc.), o que faz com que equipes e locais sejam vistos como veículos para ambições políticas e diplomáticas dos governos e a gama de atores envolvidos na “diplomacia em rede”. Um tema em específico ao longo da diplomacia esportiva moderna tem sido o predomínio do esporte como veículo para diplomacia pública (Black; Peacook, 2013). TEMA 5 – DIPLOMACIA E POLÍTICA EXTERNA Como se pode observar, o conceito de diplomacia é diferente do de política externa. Enquanto a diplomacia se trata de um método ou um meio de manter o contato entre dois Estados, a política externa são todas aquelas adotadas por um Estado em relação aos outros (Bobbio, 2004; Berridge; James, 2001). Borelli (2020) faz um quadro comparativo entre conceitos e principais atores: Quadro 2 – Quadro comparativo entre relações internacionais, política externa e diplomacia Relações Internacionais Política Externa Diplomacia Definição É um conceito mais amplo e geral, que corresponde ao conjunto de relações que um país mantém com os demais países. É com base nessas relações – mastambém da situação no plano nacional – que o governo federal elabora sua política externa. Conjunto de medidas e ações estabelecido pelo governo federal para garantir a consecução dos objetivos e interesses do país no exterior, ou seja, na relação com outros países. Esse processo deve considerar os mais diversos interesses da sociedade para que essa seja bem representada pelos atores oficiais no plano internacional. No Brasil, o Ministério das Relações Exteriores é a principal instituição do governo federal para pensar e formular a política externa. É a execução da política externa por meio de diplomatas e de representantes oficiais do governo. Essa execução, no entanto, deve corresponder diretamente aos parâmetros e interesses definidos pelo governo em sua política externa. Atores Principais São diversos os atores que podem atuar nas relações internacionais. Em linhas gerais, qualquer pessoa ou entidade que atue no plano internacional pode ser considerada como um ator das relações internacionais. Os principais atores da política externa de um país são os representantes do governo federal, em especial os diplomatas e as Forças Armadas. São oficiais do governo que atuam primordialmente no plano internacional e, portanto, são os responsáveis por garantir a imagem, os interesses e os objetivos do país nas relações com os demais. Os diplomatas são os representantes oficiais do governo no exterior. No entanto, outros atores oficiais – como os ministros – também são responsáveis pelas relações diplomáticas do país. Fonte: Borelli (2020). 12 De certa forma, o conceito de política externa e os atores principais são mais amplos que aqueles envolvidos na diplomacia. É possível verificar a complexidade envolvida nas conceituações – nesta aula, especificamente as complexas relações que envolvem a diplomacia. 13 REFERÊNCIAS AHTISAARI, M.; KRINTAKOSKI, K. Mediation. In: COOPER, A.; HEINE, J.; THAKUR, R. The Oxford handbook of modern diplomacy. Oxford University Press, 2013. BERRIDGE, G. A dictionary of diplomacy. New York: Palgrave Macmillan, 2001. BLACK, D.; PEACOCK; B. Sport and diplomacy. In: COOPER, A.; HEINE, J.; THAKUR, R. The Oxford handbook of modern diplomacy. Oxford University Press, 2013. BOBBIO, N. Dicionário de política. Brasília: Universidade de Brasília, 1998.7 BORELLI, P. Política externa: o que é e por que é importante. Politize. 2020. Disponível em: <https://www.politize.com.br/politica-externa-o-que-e-e-por-que-e- importante/>. Acesso em: 28 jun. 2020. CHANGHE, S. Soft power. 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Os atentados geraram essa mudança no sistema internacional, provocando uma reflexão sobre os motivos de sentimentos tão fortes contra eles, advindos do Oriente Médio e povos islâmicos. Com isso, o interessepela diplomacia pública cresce, principalmente num contexto de interdependência, de evidência de atores não estatais e de desenvolvimento das tecnologias de comunicação/informação. Como consequência, há maior ênfase à opinião pública internacional, à imagem e ao prestígio dos países (Lima Junior, 2015, p. 1). Enquanto a diplomacia clássica se associa a um meio/método de contato permanente entre dois países (Berridge; James, 2001), a diplomacia pública ainda se liga à ideia de relações públicas internacionais. Com efeito, é comum encontrar artigos e livros que entendem diplomacia pública como uma prática de propaganda, imagens ou relações públicas internacionais, porém o papel dela (e como ela deve ser compreendida) ainda está um pouco distante do que deveria (Lima Junior, 2015). Uma das primeiras definições de diplomacia pública explica que ela lida com a influência de atitudes públicas na formação e execução de políticas exteriores. Ela diz respeito: a dimensões das relações internacionais que extrapolam as atividades tradicionais da diplomacia; ao desvelo, pelos governos nacionais, com a opinião pública em outros países; à interação de grupos e interesses individuais entre países diferentes; a notícias de política internacional e o seu impacto nas 3 políticas exteriores dos países; à comunicação entre comunicadores e também entre diplomatas e correspondentes estrangeiros; e aos processos de comunicação intercultural. (Cull citado por Lima junior, 2015, p. 3-4) A diplomacia pública, como a definição traz, vai muito além do método de contato entre Estados. Sua preocupação se volta às ações dos governos, à interação com a opinião pública, à influência mútua entre noticiário internacional e política externa, comunicadores e diplomatas, às questões culturais, entre outras. Ao tentar estabelecer a diferença entre diplomacia tradicional e diplomacia pública, Villanova (2017, p. 53) define a primeira como mecanismo pelo qual um ator interage com outro a fim de tentar controlar o sistema internacional; e define a segunda como um ator internacional que interage com um público externo visando controlar o sistema internacional – isto é, há a busca pela opinião pública externa. Essa vinculação ao público externo se liga ao desenvolvimento da tecnologia e às mudanças geopolíticas. O desenvolvimento das tecnologias traz uma nova interface com a imprensa e a mídia. A globalização muda as práticas diplomáticas e a relação entre atores. O 11 de Setembro também trouxe consequências para a agenda internacional e para a forma de lidar com a diplomacia e o público externo (Villanova, 2017, p. 53). Nesse contexto, um tipo de poder se destaca: soft power (ou poder brando). Característica principal da nova diplomacia pública, o soft power determina as discussões sobre o poder num momento marcado pela comunicação global (Villanova, 2017, p. 53). Mas primeiro é importante compreender o conceito de diplomacia pública para, em seguida, explicitar o soft power como uma de suas ferramentas. TEMA 2 – CONCEITO DE DIPLOMACIA PÚBLICA A princípio, o conceito de diplomacia pública se liga às dimensões de informação, imagem e construção de relações. A seguir detalhamos cada uma dessas dimensões: • Transmissão de informação: essa dimensão, com efeito de curto prazo, trata da disseminação de informações, seja por meio de comunicação diária ou gerenciamento de notícias, de forma que possam auxiliar no desenvolvimento de atividades da diplomacia tradicional e, 4 consequentemente, na consecução dos objetivos nacionais (Leonard, 2002 citado por Lima Junior, 2015, p. 5); • Distribuição de uma imagem positiva do país: essa dimensão não trata apenas da distribuição, mas da formação de uma imagem positiva. Esse trabalho pode ocorrer por eventos culturais ou campanhas diversas para promover o país na comunidade internacional. Em resumo, é a disseminação de mensagens estratégicas que promovem o país internacionalmente (Leonard, 2002 citado por Lima Junior, 2015, p. 5); • Construção de relações duradoras, de modo a criar um ambiente favorável para a consecução de políticas exteriores: para além de uma disseminação de informação e construir uma boa imagem, é preciso estabelecer conexões. Essa dimensão trabalha nesse sentido: atividades que estabeleçam relações com indivíduos-chave. Assim, as relações oriundas das políticas exteriores acabam sendo favorecidas (Leonard, 2002 citado por Lima Junior, 2015, p. 5). Com essas dimensões, fica evidente o que foi exposto no tema anterior: atrelar diplomacia pública exclusivamente a propagandas e imagens está aquém de sua questão estratégica que, pelas explicações, é reforçada no fato de que todas as atividades estão atreladas à consecução dos objetivos nacionais, com a promoção do país na comunidade internacional, por diplomacia cultural ou outra atividade qualquer. Mais do que isso, há o interesse em estabelecer conexões duradoras. Esse reforço na conceituação também é apontado por Villanova (2017, p. 52) ao explicar a mudança de paradigma após o 11 de Setembro. Ele argumenta que o evento provocou uma reflexão mundial sobre o tema, e a expressão “nova diplomacia pública” foi adotada em virtude de mudanças paradigmáticas. Uma das principais mudanças diz respeito a atores na nova diplomacia pública. Antes os atores tradicionais eram os Estados; agora outros passam a fazer parte, especialmente as ONGs (Villanova, 2017). Isso aparece quando conceitualmente indicam que a diplomacia pública trabalha com o envolvimento de um ator com o público externo – não necessariamente com outro ator. Outro ponto de destaque é a evolução dos meios de comunicação. A rapidez e a fluidez na comunicação – que permitem às notícias de um local estarem disponíveis na internet ao mundo todo quase que simultaneamente – 5 trazem mudanças significativas. Essa proximidade faz com que as esferas domésticas e internacionais estejam cada vez mais interligadas, e que essa separação seja cada vez menos visível (Villanova, 2017). Além disso, há o reforço do componente estratégico da diplomacia pública em termos de consecução dos objetivos nacionais. Enquanto antes o conceito focava o prestígio e a imagem, atualmente se reforça o papel do soft power e branding. Não é apenas projetar a imagem, mas usufruir de tudo que ela pode trazer, bem como estabelecer conexões para facilitar ações de política externa (Villanova, 2017). Por último, porém não menos importante, está a interligação desses atores. Por um lado, a diplomacia pública se ligava a ações do ator internacional para mobilizar e atrair a opinião pública internacional. Por outro, a nova diplomacia pública parte do pressuposto de que há uma interação; em outras palavras, o ator interage com a opinião pública e vice-versa (Villanova, 2017). Compreende-se, portanto, a razão pela qual o soft power e o branding se tornaram uma das principais ferramentas da nova diplomacia pública. É preciso conquistar o público e atraí-lo. TEMA 3 – SOFT POWER NA DIPLOMACIA PÚBLICA Como observamos, a diplomacia pública se liga na ênfase ao papel das ideias e dos comportamentos nas relações internacionais; a diplomacia tradicional já não seria suficiente para lidar com as relações internacionais contemporâneas. Com isso, é necessário reconhecer novos atores, principalmente não estatais, que podem influenciar o processo de decisão (Lima Junior, 2015, p. 5). Devemos lembrar que há uma diversidade de atores não governamentais: políticos, burocratas, missões internacionais, organizações internacionais, sociedade civil, empresas globais e transnacionais, mídia, entre outros. Assim, a diplomacia pública surge como alternativa. Esse novo quadro traz desafios, como maior mobilidade dos indivíduos e desenvolvimento do transporte e das tecnologias de informação e comunicação– fatores que fortalecem a mídia, que acaba tendo vários canais de notícias, disponibilidade para deslocar jornalistas, entregando notícias internacionais praticamente em tempo real. Além disso, fatores como nível educacional ampliam a formação dos indivíduos, tornando-os críticos em relação às decisões governamentais e internacionais (Lima Junior, 2015, p. 5). 6 Tendo em vista essa mudança do cenário internacional e das práticas diplomáticas, é normal que a forma de conquista e de exercício de poder também mude. E assim entra em foco o soft power (poder brando), no lugar do poder militar e da prosperidade econômica; em outras palavras, trata-se da “capacidade que o Estado tem de alcançar objetivos de política exterior, mas em decorrência da atração e da legitimidade do que por meio da coerção (sticks) e pagamentos (carrots)” (Nye, 2004 citado por Lima Junior, 2015, p. 5). Como já observamos, o poder brando se relaciona aos valores intangíveis, isto é, cultura, valores políticos, autoridade moral e legitimidade da política externa do país (Nye, 2004 citado por Lima Junior, 2015, p. 5). Nesse novo contexto, ele se torna importante para a diplomacia pública. Depois de eventos como o já citado 11 de Setembro, ficou evidente que lidar com o poder duro (hard power) pode não ser suficiente, chegando a ser inclusive prejudicial à legitimidade de um país. As ações seguintes ao atentado – como a “Guerra ao Terror” e a “Invasão do Iraque” – só demonstraram a perda de força perante a “opinião pública mundial”, mas “principalmente das sociedades islâmicas” (Lima Junior, 2015, p. 9-10). Para Villanova (2017, p. 61), o exercício da atração característico do soft power é oriundo de valores culturais, políticas domésticas, ambiente interno e das relações desse país com outros países. Portanto, o soft power explora aspectos como programas culturais, questões voltadas ao intercâmbio e de mídia internacional para chamar a atenção da opinião pública. Para o autor, “a relação entre soft power e diplomacia pública, portanto, é clara: a diplomacia pública é um mecanismo de implementação do soft power”. Se por um lado esse poder surge como alternativa aos exemplos mencionados, por outro, para alguns críticos, trata-se de uma desvantagem à crença de que é um mecanismo “para atingir um objetivo”, uma vez que seria contrário ao fortalecimento de imagem e traria repercussões negativas. Diante dessa perspectiva, o desafio que se coloca é que nem os defensores do poder duro, tampouco os defensores do poder brando, conseguem chegar a um acordo em relação à adequação de cada estratégia. Cumpre esclarecer, entretanto, que o poder duro e o poder brando não são excludentes; aliás, podem ser tratados de forma conjunta – o que se denomina poder inteligente, ou smart power (Nye, 2004 citado por Lima Junior, 2015, p. 5). 7 A combinação de ambos pode permitir que o objetivo seja alcançado de modo eficaz e eficiente (Villanova, 2017). Mais interessante que a discussão teórica entre soft power ou smart power e diplomacia pública é analisar os exemplos dos países. É o que faremos nos próximos temas, usando como exemplo o Brasil e os EUA. TEMA 4 – DIPLOMACIA PÚBLICA: EXEMPLO DO BRASIL A tradição da diplomacia pública no Brasil não é nova. Na verdade, já em 1939, a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) indicava a preocupação com a percepção da opinião pública estrangeira. E no final do século XX, após o período do regime militar e em fase de redemocratização, o Brasil passou a se preocupar com a formação de uma imagem positiva na comunidade internacional (Villanova, 2017, p. 154). Essa preocupação surge em virtude de massacres acontecidos no país, como: Quadro 1 – Massacres brasileiros no fim do século XX Acontecimento Data Massacre do Carandiru 2 de outubro de 1992 Massacre da Candelária 23 de julho de 1993 Chacina de Vigário Geral 29 de agosto de 1993 Fonte: Villanova, 2017. Esses eventos marcaram a opinião pública internacional. Portanto, era necessário reverter esse quadro, o que acontece numa época favorável “ao progresso das políticas de proteção aos direitos humanos, durante o governo do presidente Itamar Franco, quando realizou-se a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos em Viena” (Villanova, 2017, p. 155). No mesmo ano, o ministro Celso Amorim defende, em seu discurso perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, a transparência de ações e decisões da política brasileira, as quais também se manifestam pelo diálogo fluido e cooperativo com diversos segmentos da sociedade, inclusive os ligados aos direitos humanos (Villanova, 2017, p. 155). Ao mesmo tempo que os massacres ocorriam, havia a janela de oportunidade para discutir e implantar ações e políticas de proteção aos direitos humanos no país. Assim, representantes da sociedade civil, empresários, 8 acadêmicos e jornalistas foram chamados ao diálogo sobre política externa brasileira e o papel do Itamaraty. Esse diálogo trouxe como principais apontamentos uma maior abertura do Ministério à sociedade brasileira e a necessidade de mais informações para as unidades externas – como embaixadas e órgãos consulares. Na mesma época, o Itamaraty produziu um documento chamado O repensar do Itamaraty e da política externa brasileira, incrementando a participação na divulgação da realidade nacional (Villanova, 2017, p. 155). Mas foi apenas em julho de 2003 que se constituiu um grupo de trabalho com o objetivo de examinar e aprimorar a política de divulgação do Brasil no exterior, cuja missão era trabalhar a exposição do país de modo a reverter as impressões negativas em relação aos direitos humanos. Como resultado, o grupo apontou que era imprescindível melhorar a divulgação de informação, pois seria uma das formas de combater percepções errôneas. Indicaram também a necessidade de sistematizar dados atualizados sobre o Brasil, de modo que as unidades externas pudessem seguir um planejamento com informações básicas estratégicas. Essas conclusões foram colocadas em prática pelo governo brasileiro e de fato começaram a trazer resultados positivos, desenvolvendo o soft power do país (Villanova, 2017, p. 155). Essas mudanças no final de 1990 explicitam as transformações pelas quais o país passou desde a redemocratização. Mais pra frente, a diplomacia pública ganhou um novo destaque: o papel do presidente da República. A chamada diplomacia presidencial teve seu início no governo de Fernando Henrique Cardoso e era exercida na recepção de visitas internacionais ou em viagens presidenciais. Durante seus oito anos de governo, realizou cerca de 115 viagens internacionais e recebeu aproximadamente o mesmo número de chefes de Estado e de governo. Dessa forma, enquanto o ex-presidente participava dos encontros de cúpula, também trabalhava com os meios governamentais, com a imprensa e com a opinião pública, de modo a atualizar a imagem do Brasil perante o mundo. Além de fazer as viagens, também acompanhou seus desdobramentos, reforçando a política externa na agenda brasileira, o que certamente trouxe resultados favoráveis para o país (Villanova, 2017, p. 170-171). 9 Luiz Inácio Lula da Silva reforçou ainda mais o papel da diplomacia presidencial. Enquanto Fernando Henrique Cardoso transmitia a imagem de um intelectual durante suas ações, a história de Lula como homem humilde, ex- sindicalista e de esquerda chamou a atenção e fascinou parte da opinião pública. Como presidente, tratava com todo o cuidado a política externa, já que isso trazia um resultado direto à imagem do país (Villanova, 2017, p. 172). Alguns de seus feitos com a diplomacia presidencial: • Divulgação internacional das políticas de distribuição de renda, como o Bolsa Família, constituindo um instrumento de soft power no país; • Envolvimento em ambientes dediálogo internacional, como Ibas, Brics, G- 20 Agrícola e G-20 Financeiro, inserindo o Brasil nas discussões e defendendo seus interesses; • Foco na América do Sul, priorizando ações como Unasul, Relações Sul-Sul e Mercosul, buscando sempre um papel de liderança (Villanova, 2017, p. 176-177). TEMA 5 – DIPLOMACIA PÚBLICA: EXEMPLO DOS EUA A diplomacia pública nos EUA aplicada à Guerra Fria pode ser considerada um marco no que se desenvolve com essa questão no país atualmente. As condições impostas por esse conflito propiciaram uma comunicação ideologizada, que gerou disputas entre instituições internas (Villanova, 2017, p. 75). Entretanto, foi o 11 de Setembro que mudou as estratégias de política externa dos EUA; num contexto de crise, a diplomacia pública americana foi pautada por condições adversas. Praticamente trabalhou-se no conceito de “Guerra ao Terror” para ganhar a opinião pública internacional (Villanova, 2017, p. 77). Isso significa que, Ao declarar a “Guerra ao Terror”, Washington redescobriu o valor da diplomacia por duas razões principais: era preciso conquistar os corações e mentes de países islâmicos (“win hearts and minds”, na expressão comumente usada em inglês) e legitimar a causa estadunidense de luta contra o terrorismo. (Lima Junior, 2015, p. 9) Usar única e exclusivamente o hard power só aumentaria as tensões e os problemas relacionados à legitimidade e autoridade (Lima Junior, 2015), e ainda assim as estratégias estavam aquém do esperado. No pós-atentado, “a estratégia de diplomacia pública dos EUA baseou-se na comunicação unidirecional da 10 publicidade e do marketing, sem qualquer referência ao recurso do diálogo” (Villanova, 2017, p. 77). E a dificuldade na atuação da diplomacia pública continuou por anos após o atentado. Traçar uma estratégia de atuação não foi tarefa fácil ao correto entendimento do caráter da diplomacia pública nos EUA. De fato, com a estratégia de “Guerra ao Terror” e a invasão não autorizada ao Iraque, a legitimidade da política externa americana e a opinião pública foram seriamente afetadas (Lima Junior, 2015; Villanova, 2017). Enfim, a nova proposta da diplomacia americana acabou mudando. Antes, tratava-se de uma política externa voltada à defesa dos pontos de vista, como na Guerra Fria e nos atentados e ações pós-11 de Setembro; agora, busca uma maior integração com o mundo (Villanova, 2017). Essa nova diplomacia pública nos EUA conta com vários autores estudiosos dos eventos mencionados, como think tanks, universidades e setores especializados. Talvez o estudo que melhor sintetize essa nova abordagem seja o produzido pelo Council on Foreign Relations (CFR), que traz as seguintes contribuições: reconhece a deterioração da imagem do país e elenca inúmeras recomendações que refletem, em boa medida, as características da nova diplomacia pública. Sugere o maior envolvimento da DP na formulação da política externa, “não apenas nas aterrissagens forçadas, mas também nas decolagens”, conforme o conceito cunhado por Edward Murrow; a valorização da coordenação entre as instituições de DP; e a adoção de abordagem de “engajamento”, que envolva “escuta”, “diálogo”, “debate” e “construção de relacionamentos”. (Villanova, 2017, p. 80) Esse estudo estabeleceu as estratégias para a nova diplomacia pública americana, mas havia um abismo entre teoria e prática. Ainda que em 2007 o governo Bush tenha publicado sua estratégia de diplomacia pública, ela refletia questões relativas ao modelo de comunicação. Foi apenas com a posse de Barack Obama que esse abismo começou a ser superado (Villanova, 2017). Ao divulgar a nova estratégia pública em 2009, havia muita expectativa de estudiosos e profissionais da área, e o Quadro estratégico de diplomacia pública ampliou as características das propostas anteriores, que agora delineiam uma diplomacia pública capaz de contribuir com os objetivos e metas de política externa americana, e progredir em termos de interesse e segurança nacional – informando e influenciando a opinião pública internacional. 11 REFERÊNCIAS BERRIDGE, G.; JAMES, A. A dictionary of diplomacy. New York: Palgrave Macmillan, 2001. LIMA JUNIOR, A. F. O papel da diplomacia pública nas relações internacionais contemporâneas. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS, 1., 2015, Belo Horizonte. Anais… Belo Horizonte: Abri, 2015. VILLANOVA, C. L. D. Diplomacia pública e imagem do Brasil no século XXI. Brasília: Funag, 2017. AULA 6 POLÍTICAS INTERNACIONAIS, DIPLOMACIA E PODER Profa Glaucia Julião Bernardo 2 INTRODUÇÃO Política externa, diplomacia ou relações internacionais Nas aulas anteriores, pudemos analisar e aprender todos os conceitos relacionados a esta disciplina. Assim, a proposta desta aula é revisar os conteúdos, enfatizando sua inter-relação e esclarecendo alguns pontos mencionados que podem ser objeto de dúvida. TEMA 1 – QUANDO OS CONCEITOS SE ENTRELAÇAM Até agora analisamos os conceitos de poder, política, política externa, política internacional e diplomacia separadamente. Entretanto, cabe uma reflexão sobre esses conceitos em conjunto para entender a complexidade da temática e da disciplina. Em termos de poder, o conceito trabalhado diz respeito à capacidade de agir com resultados, quer em relação a homens, objetos ou fenômenos naturais. Essa capacidade de ação pode ser dividida em potencial e atual: a primeira se refere ao fato de ter a capacidade, e a segunda, do exercício efetivo dessa capacidade. Em relações internacionais, discutem-se basicamente três tipos de poder: poder duro, poder brando e poder inteligente. Cumpre lembrar também que, ao se falar em poder, deve-se determinar a esfera em que é exercido (Bobbio; Matteucci; Pasquino, 2004; Nye Junior, 2011). Poder é um conceito intimamente ligado à política. O poder político nada mais é do que a categoria de poder do “homem sobre o homem”, e pode ser expressa de várias formas. Entre as principais definições encontradas, estão (Bobbio; Matteucci; Pasquino, 2004): • Poder econômico, em relação aos poderes que possuem determinado bem e condicionam o comportamento de outros, vendendo sua força de trabalho em troca de salário; • Poder ideológico, relacionado à formulação de ideias; se propagado em certas circunstâncias por alguém com autoridade, pode influenciar os outros; • Poder político, representado pelo uso da força, da coação. 3 Mas como essa discussão se relaciona com a política externa? Essa relação se evidencia se pensarmos que política externa é a forma como o país se organiza para agir internacionalmente; em outras palavras, seriam as medidas adotadas pelo governo para guiar suas ações políticas no exterior, que implicam no seu uso do poder (Borelli, 2016). Conforme mencionado, nas relações internacionais, o poder pode ser brando, duro ou, se combinados, tornam-se o poder inteligente. Essas características estão presentes na política externa do país. Cumpre lembrar a diferença e a inter-relação da política externa com a política internacional. A primeira diz respeito à organização de um país para atingir seus objetivos no ambiente internacional, ou seja, às ações de um único país. A segunda, por sua vez, trata da interação ou inter-relação dessas unidades políticas, isto é, do sistema como um todo (Bittencourt, 2014; Lacerda, 2006; Salomon; Pinheiro, 2013). Por isso, compreender como as teorias de relações internacionais enxergam a política internacional é fundamental para evidenciar variáveis de análise de acordo com a abordagem predominante. Observamos, então, que há grandes interações entre as políticas externas dos países que acabam afetando a política internacional. Mas como essas interações acontecem? Como os contatos se estabelecem? De acordo com o que vimos até agora, com a diplomacia.A diplomacia tradicional é um método que mantém as relações entre embaixadores e encarregados, conduzindo as relações internacionais (Bobbio; Matteucci; Pasquino, 2004). Com essa definição, deixa-se de lado o imaginário de que diplomacia está atrelada exclusivamente a viagens internacionais. A diplomacia moderna, como conhecemos atualmente, engloba as relações entre Estados – bilateral, multilateral, entre outros – e organizações internacionais, por funcionários-membros ou representantes do serviço diplomático. Outros pontos que podem ser entendidos como diplomacia são sociedades internacionais, políticas externas, promoção de negócios internacionais e até mesmo o trato pessoal (Berridge; James, 2001, p. 62-63). Entendendo a inter-relação do conceito de poder, política, política externa, política internacional e diplomacia, fica mais fácil refletir sobre as seguintes temáticas: relações no sistema internacional; princípios e objetivos do país no sistema internacional; saber diferenciar política de Estado de política de governo; e reforçar a política externa como política pública. 4 TEMA 2 – AS RELAÇÕES NO SISTEMA INTERNACIONAL Se estamos falando das relações entre países, organizações internacionais e diplomacia, é interessante observar os tipos mais comuns de relação nesse âmbito. Com exemplos do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Educação do Brasil, é possível verificar que algumas expressões aparecem com frequência, como cooperação bilateral, cooperação multilateral ou ainda instâncias deliberativas nacionais e internacionais. A cooperação bilateral diz respeito à relação de um país com outro, numa amplitude de temas (Borelli, 2016). Para verificar com quais países o Brasil tem relação bilateral, é possível consultar o Sistema Concórdia, que contém o acervo de atos internacionais do Brasil desde 1822. Assim, ao acessá-lo1, é possível aplicar diversos filtros e verificar com quais países o Brasil tem relação bilateral e em quais áreas. A cooperação multilateral trata da relação de um país com outros, envolvendo variados assuntos, no contexto das organizações e dos fóruns multilaterais (Borelli, 2016). Utilizando do Sistema Concórdia ou pesquisando no site do Ministério das Relações Exteriores, é possível levantar os países ou organizações com que o Brasil tem relação multilateral. Ainda, há a participação em instâncias consultivas e deliberativas, nacionais ou internacionais. Muitas vezes os ministérios recebem convite para participar de reuniões colegiadas, dado seu relacionamento direto com o tema. Normalmente, esses dados são encontrados numa breve pesquisa no sítio eletrônico do órgão. Ao elaborar um quadro sobre as áreas educacionais, temos os seguintes exemplos das participações brasileiras, quer em âmbito bilateral, multilateral ou instâncias consultivas e deliberativas: Quadro 1 – Áreas educacionais de participação diplomática do Brasil Cooperação bilateral com países das seguintes regiões Cooperação multilateral Participação em instâncias consultivas e deliberativas nacionais e internacionais África Américas Europa Ásia Oceania Oriente Médio Mercosul CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa OEI – Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura CDIF – Comissão Permanente para o Desenvolvimento e a Integração da Faixa de Fronteira CNDHI – Comissão Nacional de Difusão e Implementação do Direito Internacional Humanitário 1 Disponível em: <https://concordia.itamaraty.gov.br/pesquisa-avancada>. Acesso em: 8 jul. 2020. 5 OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UE – União Europeia Brics – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento BM – Banco Mundial Conare – Comitê Nacional para os Refugiados CNIg – Conselho Nacional de Imigração O Quadro 1 resume as dinâmicas de cooperação brasileira com outros países, organizações e instâncias deliberativas na esfera educacional. Se há interesse em obter mais detalhes sobre esses acordos ou elaborar um similar para outra área, pode-se, com o Sistema Concórdia, encontrar vigência, áreas e aditivos. É um sistema acessível para qualquer cidadão. Entretanto, se a ideia é estudar mais sobre a história diplomática entre os países, uma forma de fazer isso é consultar a página do Ministério das Relações Exteriores e verificar os países na listagem por região. Por exemplo, ao acessar o site sobre “Negociações no Oriente Médio, Europa e África”, pode-se obter informações sobre as negociações bilaterais com cada país e sobre mecanismos inter-regionais. Esses são apenas alguns exemplos práticos das relações no sistema internacional. Lembre-se que são várias práticas aplicadas: bilateral, multilateral, conferência, cúpulas institucionalizadas, negociação, mediação, diplomacia humanitária e diplomacia de defesa. TEMA 3 – OS OBJETIVOS ESPECÍFICOS DO PAÍS NO SISTEMA INTERNACIONAL É claro que os objetivos específicos do país no sistema internacional – em outras palavras: sua política externa – devem se relacionar com seus princípios fundamentais. No caso brasileiro, os princípios que regem as relações internacionais estão descritos na Constituição Federal de 1988, enumerados no art. 4º: A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I – independência nacional; II – prevalência dos direitos humanos; III – autodeterminação dos povos; IV – não-intervenção; V – igualdade entre os Estados; VI – defesa da paz; VII – solução pacífica dos conflitos; 6 VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X – concessão de asilo político. Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino- americana de nações. (Brasil, 1998) O art. 4º é muito claro a respeito dos princípios de relações internacionais que devem basear toda e qualquer relação do Brasil com outros órgãos ou países. Assim sendo, ao elaborar a política externa brasileira, esses princípios são devem nortear o plano estratégico; é a regra estabelecida pela Constituição de 1988. Em termos de política externa, podemos dividir o posicionamento do país e seus relacionamentos com outros em pelo menos cinco momentos distintos – alguns com datas aproximadas –, elencados a seguir: Figura 1 – Cinco momentos marcantes na história da diplomacia brasileira Fonte: Bernardo, 2020, com base em Vizentini, 1999, e Villanova, 2017. A respeito da “Unilateralidade durante a colonização portuguesa e a hegemonia inglesa”, verifica-se o período em que o Brasil estava ligado ao mercantilismo português. À medida que se distanciava da metrópole, o país se aproximava do livre comércio dominado pela Inglaterra. Em termos regionais, há dificuldades na formação de suas fronteiras e o início da rivalidade com a Argentina (Vizentini, 1999, p. 135). Do ponto de vista da “Unilateralidade sob a hegemonia norte-americana”, pode-se mencionar que, com subordinação à Inglaterra, a dependência dos EUA marca nossas primeiras fases de política exterior. Aos poucos, essa dependência americana abre espaço para uma nova fase, marcada por um “processo de 1500 Unilateralidade durante a colonização portuguesa e a hegemonia inglesa 1900 Unilateralidade sob a hegemonia norte-americana 1960 Multilateralidade durante a crise de hegemonia no sistema mundial 1990 Globalização e crise do modelo 1995 Diplomacia presidencial 7 reinserção hemisférica” e uma preocupação com o desenvolvimento econômico. Nesse período tambémsão resolvidas as questões de fronteira (Vizentini, 1999, p. 135). No que se refere à “Multilateralidade durante a crise de hegemonia no sistema mundial”, identificada como a terceira fase de política externa e que traz efeitos até hoje, as mudanças estratégicas são intensificadas. De certa forma, o alinhamento da política exterior com o desenvolvimento econômico fica mais forte, assim como as parcerias com outros países. Além das relações com países do eixo norte, são criadas as Relações Sul-Sul e Sul-Leste (Vizentini, 1999, p. 136). Quanto à “Globalização e a crise do modelo”, identifica-se no início do regime militar um afastamento dos EUA. Nesse período mais ideológico, a busca por mais parceiros internacionais fica mais aguda, além dos interesses nacionais em termos de desenvolvimento. Os interesses nacionais se fortalecem com as crises internacionais, de modo que nem o fim do regime mudou tal postura. Durante os anos 1980 e 1990, a adesão a modelos neoliberais gerou “uma crise no processo de multilateralização” e traz efeitos até a atualidade (Vizentini, 1999, p. 136). Por último, temos a “Diplomacia presidencial”, iniciada por Fernando Henrique Cardoso e reforçada por Luiz Inácio Lula da Silva. Trata-se do modelo em que, durante suas viagens, eles trabalhavam a imagem positiva do país e se preocupavam em trazer resultados e acompanhar seus desdobramentos para o país, trazendo resultados favoráveis e reforçando a política externa da agenda brasileira (Villanova, 2017). TEMA 4 – POLÍTICA EXTERNA COMO POLÍTICA PÚBLICA Essas explanações sobre as fases da política externa brasileira provocam algumas reflexões, como o entendimento da política externa como política pública e a diferenciação entre políticas de Estado e políticas de governo. Neste tema focaremos a primeira. Tomando por base o texto de Mônica Salomon e Letícia Pinheiro (2013) sobre análise de política externa, podemos entender essa aproximação entre a área de relações internacionais e de políticas públicas. As autoras apontam que a política externa e as relações internacionais dizem respeito “àqueles fenômenos suscetíveis de serem incluídos no continuum conflito-cooperação e que ultrapassam as fronteiras nacionais” (p. 40). Enquanto as relações internacionais 8 e/ou políticas internacionais se voltam à análise da interação entre os Estados, a política externa tem seu recorte nas ações internacionais dos Estados/unidades particulares (Salomon; Pinheiro, 2013, p. 40). Então, quando tratamos de política externa, analisamos a ação de governos específicos, considerando os contextos e as tomadas de decisão. Por isso, podemos tratá-la como uma política pública, uma vez que a decisão a respeito de objetivos e estratégias internacionais é interna (Salomon; Pinheiro, 2013, p. 40). Para as autoras, A política externa, com efeito, é uma política pública, embora com uma especificidade que a diferencia do resto das políticas públicas: o fato de ser implementada fora das fronteiras estatais, o que pode levar a uma distância considerável entre objetivos e resultados. Por sua condição de política pública, cabe distinguir a política externa da mera “ação externa”, um conceito mais amplo que inclui todo tipo de contatos, planificados ou não, de um governo com outro ator fora de suas fronteiras. Por sua vez, entender a política externa como política pública leva a considerar seu processo de elaboração, no qual incidem, como em qualquer outra política pública, as demandas e conflitos de variados grupos domésticos. (p. 41) Com efeito, as autoras enfatizam a necessidade de diferenciar política externa de uma mera ação externa por parte do país. Enquanto ação externa pode ser qualquer contato internacional, a política externa envolve interesses nacionais e um processo de elaboração como outra política pública qualquer. Isso significa dizer que a elaboração da política externa inclui ciclos como formação de agenda, formulação de alternativas, tomada de decisão, implantação de política pública e, por fim, sua avaliação. Esse processo acontece dentro do país, considerando as variáveis internacionais, e sua implantação se dá para fora das fronteiras nacionais, o que leva as autoras a ponderar sobre o intervalo entre objetivos e resultados. Ainda sobre isso, outra característica é o uso do dinheiro público para sua realização. Um fator que também corrobora com esse viés de política externa como política pública são as mudanças internas e externas a respeito dos atores. A participação de entidades subnacionais – governos de regiões, estados, municípios e até consórcios – tem sido cada vez maior (Salomon; Pinheiro, 2013, p. 40). Mèrcher, Bernardo e Silva (2019) demonstram justamente a participação de municípios nas relações internacionais, especialmente os de fronteira. Os autores afirmam que na prática as relações internacionais são guiadas pelas 9 grandes cidades, então, como forma de fortalecer as cidades de fronteira, estas acabam se unindo e se articulando por meio de redes para resolver os problemas transnacionais comuns a essas áreas, como território, fiscalização, segurança, educação, entre outros. TEMA 5 – POLÍTICAS DE ESTADO OU POLÍTICAS DE GOVERNO Essas constantes mudanças em relação à política externa e o entendimento de política externa como política pública nos levam a questionar a diferença entre políticas de Estado e políticas de governo. Para refletir sobre isso, devemos lembrar que a formulação da política externa se relaciona tanto com variáveis nacionais quanto internacionais. Por variáveis nacionais, entendem-se “os interesses da sociedade, os valores culturais do país” e a disponibilidade de recursos para tal. Já por variáveis internacionais, analisam-se “a distribuição de poder no cenário internacional”, “atuação das organizações internacionais”, parcerias bilaterais e multilaterais desenvolvidas pelo país, regimes internacionais, entre outros (Borelli, 2016). Considerando que esse tipo de política se volta para o exterior mas se desenha por autoridades e interesses nacionais, podemos nos questionar se tal política é de Estado ou de governo. Por um lado, há quem entenda política externa como política de Estado. Nesse sentido, “a política externa seria guiada por interesses nacionais que pouco se alteram ao longo do tempo, independentemente do partido que está no poder. sendo assim, esses interesses seriam questões ‘de Estado’ e não sofreriam alterações com a troca de governantes” (Borelli, 2016). Em outras palavras, a alternância de poder não interferiria na política externa, uma vez que é elaborada de acordo com interesses nacionais. Isso significa dizer que é um planejamento para longo prazo e não seria afetado pela troca de governos. Se pensarmos no caso brasileiro, podemos inferir que a política externa e a diplomacia presidencial foram uma política de Estado. Com efeito, esse modelo foi iniciado por um governo de direita (Fernando Henrique Cardoso), mas foi mantido e ampliado por um governo de esquerda (Luiz Inácio Lula da Silva). Independente do posicionamento político dos governantes, a estratégia se manteve. 10 Por outro lado, há quem defenda a política externa como forma de política de governo, isto é, a política externa seria guiada por interesses que variam ao longo do tempo, de acordo com as disputas políticas e entre partidos no âmbito nacional. Ou seja, a política externa refletiria os planos do governo vigente no exterior, que podem ser alterados com a troca do governante e/ou do partido no poder. (Borelli, 2016) Isso quer dizer que a estratégia de política externa se atrela aos interesses de governo, ou seja, muda de acordo com a alternância de poder. Essa vulnerabilidade à mudança se deve à variação de interesses ao longo do tempo e às disputas políticas. Nos exemplos brasileiros,podemos analisar o caso da “Multilateralidade durante a crise de hegemonia no sistema mundial”, que coincide com o período militar. Inicialmente, os militares tinham um alinhamento estratégico com os EUA, porém, logo se articulou em torno dos interesses nacionais e na diversificação dos parceiros. Isso poderia exemplificar a mudança da política externa durante o governo em busca de interesses nacionais. Relembrando nossos estudos, num primeiro momento, discutimos o conceito de poder e o poder em relações internacionais (poder duro, poder brando e poder inteligente). Em seguida, tratamos da política internacional e a diferenciamos do conceito de política externa, mostrando como diferentes teorias de relações internacionais evidenciam variáveis distintas. Depois estudamos o conceito de diplomacia, diplomatas e demais atores, bem como órgãos, relações, práticas, instrumentos e assuntos diplomáticos. Também tivemos a oportunidade de aprofundar os estudos sobre diplomacia pública. E, por último, discutimos a inter-relação dos conceitos trabalhados na disciplina. 11 REFERÊNCIAS BERRIDGE, G.; JAMES, A. A dictionary of diplomacy. New York: Palgrave Macmillan, 2001. BITTENCOURT, P. V. Z. O papel do estado na teoria da política internacional de Kenneth Waltz: seria o Estado o único ator das relações internacionais? Revista de Iniciação Científica da FCC, Marília, v. 14, n. 1, p. 1-13, 2014. 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