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AULA 1 DIREITO DIPLOMÁTICO E CONSULAR Prof. Arthur Augusto Garcia 2 TEMA 1 – RELAÇÕES INTERNACIONAIS E RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS 1.1 Relações diplomáticas A diplomacia, em seu desenvolvimento, se confunde com a atividade internacional que os Estados, ao longo dos séculos, promoveram na consecução dos interesses nacionais, principalmente no âmbito da política externa, sempre realizada por seus cônsules e diplomatas. Desde a mais remota antiguidade, a diplomacia foi – e é até hoje – um importante instrumento de promoção dos interesses dos Estados, consolidando- se como relevante mecanismo que tem como objetivo a solução pacífica de controvérsias nas relações internacionais. Dessa forma, desempenha um papel significativo no desenvolvimento das atividades comerciais, que originalmente, constitui o objeto de proteção diplomática. Essa proteção encontrou na doutrina clássica as primeiras delimitações, como, por exemplo, na obra de Emer de Vattes (1758) intitulada O direito das gentes. Ali, é fácil identificar as primeiras referências em relação à matéria de proteção diplomática, que é essencial como direito do Estado. Essa perspectiva, no âmbito moderno da doutrina, perdurou por séculos e se incumbiu de colocar o indivíduo como objeto da proteção diplomática, e não vice-versa. No decorrer do século XX, a doutrina e a jurisprudência ajustaram o conceito tradicional de proteção diplomática à realidade do mundo pós-moderno, visto que a maior parte dos investimentos estrangeiros estava ligada à atividade desenvolvida por pessoas jurídicas. Passou-se também a questionar o papel do indivíduo como objeto de tal proteção. Baseando-se nesses novos questionamentos e visões, surgiram as teorias que defendem o indivíduo como destinatário do direito internacional, as quais veremos mais adiante. O direito diplomático tem como premissa básica a soberania dos Estados, o que acarreta maior dificuldade na aplicação das normais jurídicas. Ao contrário do que ocorre no ordenamento interno dos países, em que os indivíduos estão subordinados a regras constitucionais e ao poder estatal, na ordem internacional não há força superior que determine tais condutas. Dessa forma, é possível dizer que os Estados soberanos se encontram no mesmo nível hierárquico e que as relações entre eles são manifestadas conforme a coordenação que advém de acordos de vontade. 3 Como não existe um poder supranacional que detenha poder para definição de regras e aplicação de sanções sem a concordância dos indivíduos envolvidos, o direito diplomático tem sido, ao longo dos anos, objeto de diversas críticas, uma vez que a ausência de normas abrangentes e coercitivas poderia trazer uma invalidade a essa grande área do direito internacional. Posto isso, os Estados soberanos são submetidos apenas às obrigações que tiverem assumido dentro dos parâmetros que considerem razoáveis. A ausência de uma força externa e superior exige que o direito diplomático tenha algum evento de vinculação entre as partes e que este seja capaz de atribuir obrigações e conferir direitos recíprocos entre elas. Um dos princípios que garantem a coerência do tecido normativo internacional é conhecido como pact sunt servanda, que pode ser traduzido como “o pacto deve ser observado e cumprido”. Esse princípio está inteiramente ligado à boa-fé, mediante a qual uma parte se compromete a cumprir as regras que aceitou, considerando a expectativa de que a outra parte proceda da mesma forma. Assim, o vínculo formado entre os Estados normalmente é consolidado com a celebração de um tratado, documento que representa o acordo de vontades soberanas e que se destina a estabelecer parâmetros recíprocos de ação conforme os desejos dos signatários. Há também, como efetivação desse princípio, a aceitação de costumes dotados de validade jurídica e que possuem grande relevância em razão do baixo nível de codificação do direito internacional. Portanto, o direito diplomático pode ser definido como um conjunto de princípios e regras, pautados na boa-fé e na soberania, reunidos em normas escritas e não escritas voltadas a regular as relações entre os Estados soberanos e os organismos internacionais. 1.2 Relações internacionais As relações internacionais são conceituadas como o ramo do direito cuja finalidade é regulamentar as relações jurídicas existentes entre os sujeitos do direito internacional dentro de uma sociedade internacional. A relação internacional é constituída pelos fluxos produzidos pelos humanos que atravessam as fronteiras entre os Estados e os espações considerados comuns, como a Antártida, os oceanos, o espaço sideral etc. 4 Tais fluxos podem ser materiais e imateriais, legais e ilegais, abrangendo todas as relações de poder, trocas comerciais, finanças, turismo, tráfico de drogas, pessoas, culturas, notícias, esportes, infraestrutura etc. Nesse sentido, as relações internacionais são consideradas como um campo de estudo interdisciplinar o qual analisa esses fluxos. 1.3 Diferenciações Um dos fluxos mais importantes é o relacionamento formal e informal, regular ou esporádico, que os Estados possuem entre si e que se dá por meio da diplomacia (direito diplomático). Tal direito envolve a acreditação de representantes oficiais dos Estados soberanos, como embaixadores, funcionários etc., bem como o relacionamento com as organizações internacionais que promovem as relações pacíficas e os canais de diálogo, conforme estabelecido pela Convenção de Viena, firmada em 19611. Nesse sentido, o direito diplomático traz uma dimensão da política externa dos Estados, manifestando-se por meio de negociações, representação e informação lícita. Por esse motivo, desde 1961 há uma clara separação entre direito diplomático e relações internacionais, ficando vedado aos diplomatas, por exemplo, realizarem atividade de espionagem e/ou o controle de fontes humanas nos países nos quais estão acreditados. São instrumentos diplomáticos arbitragem, conferências, mediações e negociações, tendo como resultado direto a formação de regimes internacionais. TEMA 2 – AS ORIGENS E FONTES DO DIREITO DIPLOMÁTICO Estruturado e desenvolvido durante séculos, desde a mais remota antiguidade, o direito diplomático se confunde com seu tempo histórico. Há registros de sua existência desde o surgimento da história escrita, manifestando- se por meio de tratados ocorridos nas mais diversas partes do mundo. O tratado mais antigo do mundo do qual se tem registro surgiu na Mesopotâmia, realizado entre Eannatum (soberano da cidade de Lagash) e a cidade de Umma. Ele foi escrito em língua suméria e fixava os limites de fronteiras. Há também registros de práticas diplomáticas na China, funcionando como um 1 No Brasil, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados está formalizada desde 2009, com a promulgação do Decreto n. 7.030. 5 dos meios mais eficazes de diálogos e contenção de conflitos entre os povos vizinhos. Há que se destacar aqui a influência confuciana entre os povos vizinhos do império do meio, que desenvolveram importantes institutos diplomáticos, como a criação de carreiras públicas mediante concursos periódicos de recrutamento, conforme registros da Dinastia Lý, no atual Vietnã. Além desses aportes, houve também, no desenvolvimento histórico da diplomacia, influência dos povos islâmicos, que contribuíram para os institutos que norteiam a diplomacia em sua totalidade, por exemplo a inviolabilidade dos embaixadores e respeito ao cumprimento das obrigações convencionais. Já entre os gregos, se encontram as instituições conhecidas até hoje como direito dos agentes, como tratados, arbitragem e inviolabilidade dos arautos. A partir do século XV, houve a necessidade de institucionalizare criar uma convivência pacífica entre os estados italianos. Foi assim que nasceu o interesse no desenvolvimento da diplomacia, com o surgimento da figura do embaixador, o que possibilitou uma relevante instauração institucional e um consequente fortalecimento do instituto, desenvolvendo um papel crucial no período de instabilidade na península italiana. Esse fortalecimento do direito diplomático e de suas instituições influenciou diversos pequenos Estados – que não dispunham de muita força militar – a empregarem técnicas diplomáticas na resolução de conflitos e barganhas internacionais. Um exemplo disso foi o domínio de Veneza sobre a República de Ragusa (atual Dubrovnik), que contribuiu para o desenvolvimento do direito e instituições diplomáticas. Vale lembrar que, no século XIII, a Ragusa já detinha cortes especializadas, uma cível e outra criminal, adquirindo então, por meio da diplomacia, certa independência em relação aos impérios que a cercavam, tal como o Império Otomano. Dessa forma, a influência entre os estados italianos, no que diz respeito ao direito diplomático institucionalizado foi essencial para a implementação dos embaixadores residentes em toda a Europa e tornou-se um parâmetro de organização diplomático no decorrer dos séculos. 2.1 Fontes As fontes jurídicas, encarregadas pela formação das normas diplomáticas, são de extrema importância para entendermos o direito diplomático em sua 6 totalidade. Elas são a base para toda e qualquer compreensão sobre esse instituto, que é responsável por reger as relações entre os Estados soberanos mundialmente. As fontes do direito diplomático podem ser divididas em: • Próprias – são aquelas que agem diretamente sobre o sistema de normas jurídicas internacionais, ou seja, criam, modificam ou extinguem as regras existentes; estão englobados aqui os costumes, os princípios gerais do direito e os tratados. • Impróprias – consistem em um ponto de referência para que possamos estabelecer as criações, modificações e extinções das normas, seja esta nova, seja antiga; também são utilizadas para verificar qual o alcance jurídico de uma norma já existente, desde que interpretadas corretas. Estão abarcados aqui o estudo da doutrina e a criação de jurisprudências, isto é, em âmbito nacional há as leis internas de cada país. TEMA 3 – OS COSTUMES COMO FONTES DO DIREITO DIPLOMÁTICO Grande parte das regras referentes ao direito diplomático como vemos hoje foi formada progressivamente ao longo dos séculos, especificamente entre o Renascimento e o Congresso de Viena (1815), utilizando-se da prática legislativa, diplomática e jurisprudencial dos estados europeus; ou seja, a fonte originária de tais normas é de natureza costumeira. Esses costumes internacionais, conforme traz grade parte da doutrina, são um comportamento uniforme e que possuem constância entre os Estados, com o objetivo de estabelecer com convicção da obrigatoriedade e da necessidade deles. As fontes desse Direito são caracterizadas entre a diuturnitas e a opinio juris sive necessitatis. A primeira tem natureza material e é prolongada na constante reiteração comportamental, e a segunda é constituída por uma natureza psicológica, ou seja, é a convicção de cumprimento de um preceito jurídico com o objetivo de uma necessidade social. Conforme observa a doutrina, a consolidação dos costumes em matéria diplomática sofreu influência de dois elementos importantes: a rede de convenções bilaterais entre os estados europeus e os outros países, remetendo- se geralmente ao “direito das gentes” ou ao “direito internacional geral” 7 desenvolvendo, entretanto, uma função de especificação a forma escrita de tal direito, e por vezes, até prevendo um tratamento mais favorável ao direito geral. Todavia, em outro viés, a reciprocidade foi um importante elemento na formação das normais baseadas em costumes. Como observa Salmon (1994), é de interesse de todos os membros da comunidade internacional que as próprias missões no exterior gozem de um estatuto favorável para o cumprimento harmonioso de suas funções. Imperioso é destacar que o costume diplomático – de caráter obrigatório – deve ser distinto dos simples usos da cortesia, do protocolo ou de expedientes diplomáticos, conforme salienta Maresca (1969). Dessa forma, não há derivação precisa das obrigações jurídicas comitas gentium ou cortesia internacional, razão por que a inobservância dela não origina os chamados ilícitos internacionais, ou seja, não comprometem os Estados e suas responsabilidades. Entretanto, a cortesia internacional é uma das fontes inesgotáveis de critérios e preceitos utilizados para facilitar o eficaz desenvolvimento das relações internacionais. Com o passar do tempo, essas normas pautadas na cortesia internacional foram ganhando status de regras jurídicas verdadeiras. Um exemplo disso é o caso daquela que define que os chefes e outros membros das missões diplomáticas sejam aprovados (agréement), estabelecido na Convenção de Viena de 1961 (art. 4º, parágrafo 1º): “1. O Estado acreditante deverá certificar-se de que a pessoa que pretende nomear como Chefe da Missão perante o Estado acreditado obteve o Agrément do referido Estado” (Brasil, 2009). Dentro da categoria de normas que podem ser reportadas aos costumes, existem os princípios gerais do direito internacional, que constituem uma categoria sui generis de normas internacionais, as quais são aplicadas por parte dos Estados dos respectivos ordenamentos jurídicos internos. Já em relação a opinio juris sive necessitatis, se encontram particularmente as regras de justiça e lógicas jurídicas consideradas por todos os órgãos dos Estados como tendo um valor universal; portanto, são aplicáveis a qualquer ordenamento jurídico interno ou internacional. Dessa forma, em se tratando de relações diplomáticas, os princípios gerais não desenvolvem um papel primário, e sim os costumes. A norma consuetudinária tem persistente importância, conforme Nascimento e Silva (1978) aduzem que o processo de produção jurídica no sistema diplomático é confirmado, de modo geral, pelas recentes convenções que 8 codificam o direito diplomático, e, de modo particular, pela Convenção de Viena de 1961, citada anteriormente, sobre as relações diplomáticas, cujo preâmbulo determina: “as normas de Direito Internacional consuetudinário devem continuar regendo as questões que não tenham sido expressamente reguladas nas disposições da presente Convenção”. Dessa forma, a doutrina ressalta que o costume tem determinadas vantagens, como a flexibilidade e, por consequência, a possibilidade de adaptação fácil às mudanças das circunstâncias na sociedade internacional onde está inserido. Entretanto, não se pode esquecer que os costumes apresentam alguns importantes inconvenientes, como o fato de serem sempre indeterminados, e sobretudo, a sua reconhecida dificuldade de comprovação existencial. TEMA 4 – TRATADOS Com o passar do tempo, especificamente a partir da metade do século XIX, os Estados soberanos perceberam que havia necessidade de procurar algo que pudesse lhes oferecer garantias maiores em relação à segurança jurídica constantes nas normais consuetudinárias diplomáticas. Dessa forma, o tratado era o instrumento que melhor dava conta dessa tarefa e, corroborava, ao mesmo tempo, buscar o maior número possível de consentimentos. Os tratados estão previstos na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, especificamente em seu art. 2°, parágrafo 1°, alínea “a”: “tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica”. Dessa forma, dependendo do número de Estados soberanos participantes, ostratados podem ser divididos em dois tipos: bilaterais e multilaterais. Ambos serão conceituados adiante. É de suma importância que conheçamos os principais tratados de direito diplomático existentes e que embasam toda a legislação moderna sobre o assunto. Entre eles, podemos citar: Regulamento sobre a Classe entre os Agentes Diplomáticos, anexo ao Tratado de Viena de 1815; Convenção de Havana de 1928 sobre funcionários diplomáticos; Convenção de Viena de 1961 sobre relações diplomáticas; Carta das Nações Unidas de 1945; e outros. 9 TEMA 5 – TRATADOS BILATERAIS E MULTILATERAIS NO DIREITO DIPLOMÁTICO Como vimos acima, os Estados soberanos perceberam que, após o século XIX, havia necessidade de positivar as regras inerentes ao direito diplomático. Assim o fizeram, com base nos tratados, que podem ser bilaterais ou multilaterais, dependendo do número de Estados soberanos envolvidos. 5.1 Tratados bilaterais Os tratados bilaterais concluídos, dentro do direito diplomático, têm como objetivo o estabelecimento em primeiro lugar das relações diplomáticas e, consequentemente, a instituição de uma missão diplomática de caráter permanente. Em segundo lugar, podem modificar le rang de uma relação para a de uma embaixada ou, ainda, atribuir um tratamento mais favorável a determinado Estado em relação aos outros que se encontram acreditados em dado território. Um tratado tido como bilateral pode criar uma obrigação para um Estado quando este conceder determinado tratamento às missões diplomáticas estrangeiras que, acreditadas no outro Estado, encontram-se em seu território. Assim, se reconhece que, mesmo numerosos, os tratados bilaterais não possuem tanta importância no que tange às fontes do direito diplomático, em parte porque há recorrente falta de precisão e de detalhes, e a maioria deles se remetem a normas e princípios reconhecidos pelo direito internacional. 5.2 Tratados multilaterais Dentro do sistema de fontes do direito diplomático, o acordo pode ser firmado para cumprir uma função geral e diferente daquela que estabelece normais que regulam questões particulares entre dois estados ou um grupo restrito deles. Assim, dentro de um tratado multilateral há a participação de três ou mais Estados soberanos. É por meio desses tratados que se forma a segurança jurídica na forma escrita, ou seja, os costumes adquirem uma forma escrita com uma roupagem de segurança jurídica. Dessa forma, a função de codificação do acordo pode ser cumprida com base em dois critérios distintos: declarativo e progressivo. O primeiro é formado pela escrita das normas consuetudinárias – derivadas dos 10 costumes. Já o segundo não se limita tão somente a estabelecer os costumes existenciais, mas sim desenvolvê-los, trazendo as exigências mutáveis da comunidade internacional. Ao contrário dos tratados bilaterais, os multilaterais possuem maior relevância dentro do cenário internacional do direito diplomático, menos numerosos. 11 REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto n. 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, 15 dez. 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm>. Acesso em: 16 nov. 2019. BRASIL. Ministério da Economia, Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Acordos dos quais o Brasil é parte. [S.d.]. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior/negociacoes-internacionais/796- negociacoes-internacionais-2>. Acesso em: 17 nov. 2019. SALMON, J. Manuel de Droit Diplomatique. Bruxelles: Bruylant, 1994. http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior/negociacoes-internacionais/796-negociacoes-internacionais-2 http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior/negociacoes-internacionais/796-negociacoes-internacionais-2 12 ANEXO CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS Os Estados Partes na presente Convenção, Considerando que, desde tempos remotos, os povos de todas as Nações têm reconhecido a condição dos agentes diplomáticos; Conscientes dos propósitos e princípios da Carta das Nações unidas relativos à igualdade soberana dos Estados, à manutenção da paz e da segurança internacional e ao desenvolvimento das relações de amizade entre as Nações; Estimando que uma Convenção Internacional sobre relações, privilégios e imunidades diplomáticas contribuirá para o desenvolvimento de relações amistosas entre as Nações, independentemente da diversidade dos seus regimes constitucionais e sociais; Reconhecendo que a finalidade de tais privilégios e imunidades não é beneficiar indivíduos, mas, sim, a de garantir o eficaz desempenho das funções das Missões diplomáticas, em seu caráter de representantes dos Estados; Afirmando que as normas de Direito internacional consuetudinário devem continuar regendo as questões que não tenham sido expressamente reguladas nas disposições da presente Convenção; Convieram no seguinte: Art. 1 Para os efeitos da presente Convenção: 1) "Chefe de Missão" é a pessoa encarregada pelo Estado acreditante de agir nessa qualidade; 2) "Membros da Missão" são o Chefe da Missão e os membros do pessoal da Missão; 3) "Membros do Pessoal da Missão" são os membros do pessoal diplomático, do pessoal administrativo e técnico e do pessoal de serviço da Missão; 4) "Membros do Pessoal Diplomático" são os membros do pessoal da Missão que tiverem a qualidade de diplomata; 5) "Agente Diplomático" é o Chefe da Missão ou um membro do pessoal diplomático da Missão; 13 6) "Membros do Pessoal Administrativo e Técnico" são os membros do pessoal da Missão empregados no serviço administrativo e técnico da Missão; 7) "Membros do Pessoal de Serviço" são os membros do pessoal da Missão empregados no serviço doméstico da Missão; 8) "Criado particular" é a pessoa do serviço doméstico de um membro da Missão que não seja empregado do Estado acreditante; 9) "Locais da Missão" são os edifícios, ou parte dos edifícios, e terrenos anexos, seja quem for o seu proprietário, utilizados para as finalidades da Missão inclusive a residência do Chefe da Missão. Art. 2 O estabelecimento de relações diplomáticas entre Estados e o envio de Missões diplomáticas permanentes efetua-se por consentimento mútuo. Art. 3 1. As funções de uma Missão diplomática consistem, entre outras, em: a) representar o Estado acreditante perante o Estado acreditado; b) proteger no Estado acreditado os interesses do Estado acreditante e de seus nacionais, dentro dos limites permitidos pelo direito internacional; c) negociar com o Governo do Estado acreditado; d) inteirar-se por todos os meios lícitos das condições existentes e da evolução dos acontecimentos no Estado acreditado e informar a esse respeito o Governo do Estado acreditante; e) promover relações amistosas e desenvolver as relações econômicas, culturais e científicas entre o Estado acreditante e o Estado acreditado. 2. Nenhuma disposição da presente Convenção poderá ser interpretada como impedindo o exercício de funções consulares pela Missão diplomática. Art. 4 1. O Estado acreditante deverá certificar-se de que a pessoa que pretende nomear como Chefe da Missão perante o Estado acreditado obteve o Agrément do referido Estado. 2. O Estado acreditado não está obrigado a dar ao Estado acreditante as razões da negação do "agrément". 14 Art. 5 a) O Estado acreditante poderá depois de haver feito a devida notificação aos Estados creditados interessados, nomear um Chefe de Missão ou designar qualquer membro do pessoal diplomático perante dois ou mais Estados, a não ser que um dos Estados acreditados a isso se oponha expressamente. b) Se um Estado acredita um Chefe de Missão perante dois ou mais Estados, poderá estabelecer uma Missão diplomática dirigida por um Encarregado de Negócios ad interim em cada um dos Estados onde o Chefe da Missãonão tenha a sua sede permanente. c) O Chefe da Missão ou qualquer membro do pessoal diplomático da Missão poderá representar o Estado acreditante perante uma organização internacional. Art. 6 Dois ou mais Estados poderão acreditar a mesma pessoa como Chefe de Missão perante outro Estado, a não ser que o Estado acreditado a isso se oponha. Art. 7 Respeitadas as disposições dos artigos 5, 8, 9 e 11, o Estado acreditante poderá nomear livremente os membros do pessoal da Missão. No caso dos adidos militar, naval ou aéreo, o Estado acreditado poderá exigir que seus nomes lhes sejam previamente submetidos para efeitos de aprovação. Art. 8 a) Os membros do pessoal diplomático da Missão deverão, em princípio, ter a nacionalidade do Estado acreditante. b) Os membros do pessoal diplomático da Missão não poderão ser nomeados dentre pessoas que tenham a nacionalidade do Estado acreditado, exceto com o consentimento do referido Estado, que poderá retirá-lo em qualquer momento. c) O Estado acreditado poderá exercer o mesmo direito com relação a nacionais de terceiro Estado que não sejam igualmente nacionais do Estado acreditante. Art. 9 f) O Estado acreditado poderá a qualquer momento, e sem ser obrigado a justificar a sua decisão, notificar ao Estado acreditante que o Chefe da 15 Missão ou qualquer membro do pessoal diplomático da Missão é persona nongrata ou que outro membro do pessoal da Missão não é aceitável. O Estado acreditante, conforme o caso, retirará a pessoa em questão ou dará por terminadas as suas funções na Missão. Uma Pessoa poderá ser declarada nongrata ou não aceitável mesmo antes de chegar ao território do Estado acreditado. g) Se o Estado acreditante se recusar a cumprir, ou não cumpre dentro de um prazo razoável, as obrigações que lhe incumbem, nos termos do parágrafo 1 deste artigo, o Estado acreditado poderá recusar-se a reconhecer tal pessoa como membro da Missão. Art. 10 1. Serão notificados ao Ministério das Relações Exteriores do Estado acreditado, ou a outro Ministério em que se tenha convindo: a) a nomeação dos membros do pessoal da Missão, sua chegada e partida definitiva ou o termo das suas funções na Missão; b) a chegada e partida definitiva de pessoas pertencentes à família de um membro da missão e, se for o caso, o fato de uma pessoa vir a ser ou deixar de ser membro da família de um membro da Missão; c) a chegada e a partida definitiva dos criados particulares a serviço das pessoas a que se refere a alínea a) deste parágrafo e, se for o caso, o fato de terem deixado o serviço de tais pessoas; d) a admissão e a despedida de pessoas residentes no Estado acreditado como membros da Missão ou como criados particulares com direito a privilégios e imunidades. 2. Sempre que possível, a chegada e a partida definitiva deverão também ser previamente notificadas. Art. 11 1. Não havendo acordo explícito sobre o número de membros da Missão, o Estado acreditado poderá exigir que o efetivo da Missão seja mantido dentro dos limites que considere razoável e normal, tendo em conta as circunstâncias e condições existentes nesse Estado e as necessidades da referida Missão. 16 2. O Estado acreditado poderá igualmente, dentro dos mesmos limites e sem discriminação, recusar-se a admitir funcionários de uma determinada categoria. Art. 12 O Estado acreditado não poderá, sem o consentimento expresso e prévio do Estado acreditado, instalar escritórios que façam parte da Missão em localidades distintas daquela em que a Missão tem a sua sede. Art. 13 1) O Chefe da Missão é considerado como tendo assumido as suas funções no Estado acreditado no momento em que tenha entregado suas credenciais ou tenha comunicado a sua chegada e apresentado as cópias figuradas de suas credenciais ao Ministério das Relações Exteriores, ou ao Ministério em que se tenha convindo, de acordo com a prática observada no Estado acreditado, a qual deverá ser aplicada de maneira uniforme. 2) A ordem de entrega das credenciais ou de sua cópia figurada será determinada pela data e hora da chegada do Chefe da Missão. Art. 14 1) Os Chefes de Missão dividem-se em três classes: a) Embaixadores ou Núncios acreditados perante Chefes de Estado, e outros Chefes de Missões de categoria equivalente; b) Enviados, Ministro ou internúncios, acreditados perante Chefe de Estado; c) Encarregados de Negócios, acreditados perante Ministros das Relações Exteriores. 2) Salvo em questões de precedência e etiqueta, não se fará nenhuma distinção entre Chefes de Missão em razão de sua classe. Art. 15 Os Estados, por acordo, determinarão a classe a que devem pertencer os Chefes de suas Missões. 17 Art. 16 1) A precedência dos Chefes de Missão, dentro de cada classe, se estabelecerá de acordo com a data e hora em que tenham assumido suas funções, nos termos do art. 13. 2) As modificações nas credenciais de um Chefe de Missão, desde que não impliquem mudança de classe, não alteram a sua ordem de precedência. 3) O presente artigo não afeta a prática que exista ou venha a existir no Estado acreditado com respeito à precedência do representante da Santa Sé. Art. 17 O Chefe da Missão notificará ao Ministério da Relações Exteriores, ou a outro Ministério em que as partes tenham convindo, a ordem de precedência dos Membros do pessoal diplomático da Missão. Art. 18 O Cerimonial que se observe em cada Estado para recepção dos Chefes de Missão deverá ser uniforme a respeito de cada classe. Art. 19 1) Em caso de vacância do posto de Chefe da Missão, ou se um Chefe de Missão estiver impedido de desempenhar suas funções, um Encarregado de Negócios ad interim exercerá provisoriamente a chefia da Missão. O nome do Encarregado de Negócios ad interim será comunicado ao Ministério das Relações Exteriores do Estado acreditado, ou ao Ministério em que as partes tenham convindo, pelo Chefe da Missão ou, se este não poder fazê-lo, pelo Ministério das Relações Exteriores do Estado acreditante. 2) Se nenhum membro do pessoal diplomático estiver presente no Estado acreditado, um membro do pessoal administrativo e técnico poderá, com o consentimento do Estado acreditado, ser designado pelo Estado acreditante para encarregar-se dos assuntos administrativos correntes da Missão. 18 Art. 20 A missão e seu Chefe terão o direito de usar a bandeira e o escudo do Estado acreditante nos locais da Missão, inclusive na residência do Chefe da Missão e nos seus meios de transporte. Art. 21 1) O Estado acreditado deverá facilitar a aquisição em seu território, de acordo com as suas leis, pelo Estado acreditado, dos locais necessários à Missão ou ajudá-lo a consegui-los de outra maneira. 2) Quando necessário, ajudará também as Missões a obterem alojamento adequado para seus membros. Art. 22 1) Os locais da Missão são invioláveis. Os Agentes do Estado acreditado não poderão neles penetrar sem o consentimento do Chefe da Missão. 2) O Estado acreditado tem a obrigação especial de adotar todas as medidas apropriadas para proteger os locais da Missão contra qualquer intrusão ou dano e evitar perturbações à tranquilidade da Missão ou ofensas à sua dignidade. 3) Os locais da Missão, em mobiliário e demais bens neles situados, assim como os meios de transporte da Missão, não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução. Art. 23 1) O Estado acreditante e o Chefe da Missão estão isentos de todos os impostos e taxas, nacionais, regionais ou municipais, sobre os locais da Missão de que sejam proprietários ou inquilinos, excetuados os que representem o pagamento de serviços específicos que lhes sejam prestados. 2) A isenção fiscal a que se refere este artigo não se aplica aos impostos e taxas cujo pagamento, na conformidade da legislação do Estado acreditado,incumbir as pessoas que contratem com o Estado acreditante ou com o Chefe da Missão. 19 Art. 24 Os arquivos e documentos da Missão são invioláveis, em qualquer momento e onde quer que se encontrem. Art. 25 O Estado acreditado dará todas as facilidades para o desempenho das funções da Missão. Art. 26 Salvo o disposto nas leis e regulamentos relativos a zonas cujo acesso é proibido ou regulamentado por motivos de segurança nacional, o Estado acreditado garantirá a todos os membros da Missão a liberdade de circulação e trânsito em seu território. Art. 27 1) O Estado acreditado permitirá e protegerá a livre comunicação da Missão para todos os fins oficiais. Para comunicar-se com o Governo e demais Missões e Consulados do Estado acreditante, onde quer que se encontrem, a Missão poderá empregar todos os meios de comunicação adequados, inclusive correios diplomáticos e mensagens em códigos ou cifra. Não obstante, a Missão só poderá instalar e usar uma emissora de rádio com o consentimento do Estado acreditado. 2) A correspondência oficial da Missão é inviolável. Por correspondência oficial entende-se toda correspondência concernente à Missão e suas funções. 3) A mala diplomática não poderá ser aberta ou retida. 4) Os volumes que constituam a mala diplomática deverão conter sinais exteriores visíveis que indiquem o seu caráter e só poderão conter documentos diplomáticos e objetos destinados a uso oficial. 5) O correio diplomático, que deverá estar munido de um documento oficial que indique sua condição e o número de volumes que constituam a mala diplomática, será, no desempenho das suas funções, protegido pelo Estado acreditado. 6) O Estado acreditante ou a Missão poderão designar correios diplomáticos "ad hoc". Em tal caso, aplicar-se-ão as disposições do parágrafo 5 deste artigo, mas as imunidades nele mencionadas deixarão de se aplicar, desde 20 que o referido correio tenha entregado ao destinatário a mala diplomática que lhe fora confiada. 7) A mala diplomática poderá ser confiada ao comandante de uma aeronave comercial que tenha de aterrissar num aeroporto de entrada autorizada. O comandante será munido de um documento oficial que indique o número de volumes que constituam a mala, mas não será considerado correio diplomático. A Missão poderá enviar um de seus membros para receber a mala diplomática, direta e livremente, das mãos do comandante da aeronave. Art. 28 Os direitos e emolumentos que a Missão perceba em razão da prática de atos oficiais estarão isentos de todos os impostos ou taxas. Art. 29 A pessoa do agente diplomático é inviolável. Não poderá ser objeto de nenhuma forma de detenção ou prisão. O Estado acreditado tratá-lo-á com o devido respeito e adotará todas as medidas adequadas para impedir qualquer ofensa à sua pessoa, liberdade ou dignidade. Art. 30 1) A residência particular do agente diplomático goza da mesma inviolabilidade e proteção que os locais da missão. 2) Seus documentos, sua correspondência e, sob reserva do disposto no parágrafo 3 do artigo 31, seus bens gozarão igualmente de inviolabilidade. Art. 31 1) O agente diplomático gozará de imunidade de jurisdição penal do Estado acreditado. Gozará também da imunidade de jurisdição civil e administrativa, a não ser que se trate de: a) uma ação real sobre imóvel privado situado no território do Estado acreditado, salvo se o agente diplomático o possuir por conta do Estado acreditado para os fins da missão. b) uma ação sucessória na qual o agente diplomático figure, a título privado e não em nome do Estado, como executor testamentário, administrador, herdeiro ou legatário. 21 c) uma ação referente a qualquer profissão liberal ou atividade comercial exercida pelo agente diplomático no Estado acreditado fora de suas funções oficiais. 2) O agente diplomático não é obrigado a prestar depoimento como testemunha. 3) O agente diplomático não está sujeito a nenhuma medida de execução a não ser nos casos previstos nas alíneas "a", "b" e "c" do parágrafo 1 deste artigo e desde que a execução possa realizar-se sem afetar a inviolabilidade de sua pessoa ou residência. 4) A imunidade de jurisdição de um agente diplomático no Estado acreditado não o isenta da jurisdição do Estado acreditante. Art. 32 1) O Estado acreditante pode renunciar à imunidade de jurisdição dos seus agentes diplomáticos e das pessoas que gozam de imunidade nos termos do artigo 37. 2) A renúncia será sempre expressa. 3) Se um agente diplomático ou uma pessoa que goza de imunidade de jurisdição nos termos do artigo 37 inicia uma ação judicial, não lhe será permitido invocar a imunidade de jurisdição no tocante a uma reconvenção ligada à ação principal. 4) A renúncia à imunidade de jurisdição no tocante às ações civis ou administrativas não implica renúncia a imunidade quanto às medidas de execução da sentença, para as quais nova renúncia é necessária. Art. 33 1) Salvo o disposto no parágrafo 3 deste artigo, o agente diplomático estará no tocante aos serviços prestados ao Estado acreditante isento das disposições sobre seguro social que possam vigorar no Estado acreditado. 2) A isenção prevista no parágrafo 1 deste artigo aplicar-se-á também aos criados particulares que se acham ao serviço exclusivo do agente diplomático, desde que: a) Não sejam nacionais do Estado acreditado nem nele tenham residência permanente; e b) Estejam protegidos pelas disposições sobre seguro social vigentes no Estado acreditado ou em terceiro estado. 22 3. O agente diplomático que empregue pessoas a quem não se aplique a isenção prevista no parágrafo 2 deste artigo deverá respeitar as obrigações impostas aos patrões pelas disposições sobre seguro social vigentes no Estado acreditado. 4. A isenção prevista nos parágrafos 1 e 2 deste artigo não exclui a participação voluntária no sistema de seguro social do Estado acreditado, desde que tal participação seja admitida pelo referido Estado. 5. As disposições deste artigo não afetam os acordos bilaterais ou multilaterais sobre seguro social já concluídos e não impedem a celebração ulterior de acordos de tal natureza. Art. 34 O agente diplomático gozará de isenção de todos os impostos e taxas, pessoais ou reais, nacionais, regionais ou municipais, com as exceções seguintes: a) os impostos indiretos que estejam normalmente incluídos no preço das mercadorias ou dos serviços; b) os impostos e taxas sobre bens imóveis privados situados no território do Estado acreditado, a não ser que o agente diplomático os possua em nome do Estado acreditante e para os fins da missão; c) os direitos de sucessão percebidos pelo Estado acreditado, salvo o disposto no parágrafo 4 do artigo 39; d) os impostos e taxas sobre rendimentos privados que tenham a sua origem no Estado acreditado e os impostos sobre o capital referentes a investimentos em empresas comerciais no Estado acreditado. e) os impostos e taxas que incidem sobre a remuneração relativa a serviços específicos; f) os direitos de registro, de hipoteca, custas judiciais e imposto de selo relativos a bens imóveis, salvo o disposto no artigo 23. Art. 35 O Estado acreditado deverá isentar os agentes diplomáticos de toda prestação pessoal, de todo serviço público, seja qual for a sua natureza, e de obrigações militares tais como requisições, contribuições e alojamento militar. 23 Art. 36 1) De acordo com leis e regulamentos que adote, o Estado acreditado permitirá a entrada livre do pagamento de direitos aduaneiros, taxas e gravames conexos que não constituam despesas de armazenagem, transporte e outras relativas a serviços análogos: a) dos objetos destinados ao uso oficial da missão; b) dos objetos destinados ao uso pessoal do agente diplomático ou dos membros da sua família que com elevivam, incluídos os bens destinados à sua instalação. 1) A bagagem pessoal do agente diplomático não está sujeita a inspeção, salvo se existirem motivos sérios para crer que a mesma contém objetos não previstos nas isenções mencionadas no parágrafo 1 deste artigo, ou objetos cuja importação ou exportação é proibida pela legislação do Estado acreditado, ou sujeitos aos seus regulamentos de quarentena. Nesse caso a inspeção só poderá ser feita em presença de agente diplomático ou de seu representante autorizado. Art. 37 1) Os membros da família de um agente diplomático que com ele vivam gozarão dos privilégios e imunidade mencionados nos artigos 29 e 36, desde que não sejam nacionais do Estado acreditado. 2) Os membros do pessoal administrativo e técnico da missão, assim como os membros de suas famílias que com eles vivam, desde que não sejam nacionais do Estado acreditado nem nele tenham residência permanente, gozarão dos privilégios e imunidades mencionados nos artigos 29 a 35 com ressalva de que a imunidade de jurisdição civil e administrativa do Estado acreditado, mencionado no parágrafo 1 do artigo 31, não se estenderá aos atos por eles praticados fora do exército de suas funções; gozarão também dos privilégios mencionados no parágrafo 1 do artigo 36, no que respeita aos objetos importados para a primeira instalação. 3) Os membros do pessoal de serviço da Missão, que não sejam nacionais do Estado acreditado nem nele tenham residência permanente, gozarão de imunidades quanto aos atos praticados no exercício de suas funções, de isenção de impostos e taxas sobre os salários que perceberem pelos seus serviços e da isenção prevista no artigo 33. 24 4) Os criados particulares dos membros da Missão, que não sejam nacionais do Estado acreditado nem nele tenham residência permanente, estão isentos de impostos e taxas sobre os salários que perceberem pelos seus serviços. Nos demais casos, só gozarão de privilégios e imunidades na medida reconhecida pelo referido Estado. Todavia, o Estado acreditado deverá exercer a sua jurisdição sobre tais pessoas de modo a não interferir demasiadamente como o desempenho das funções da Missão. Art. 38 1) A não ser na medida em que o Estado acreditado conceda outros privilégios e imunidades, o agente diplomático que seja nacional do referido Estado ou nele tenha residência permanente gozará da imunidade de jurisdição e de inviolabilidade apenas quanto aos atos oficiais praticados no desempenho de suas funções. 2) Os demais membros do pessoal da Missão e os criados particulares, que sejam nacionais do Estado acreditado ou nele tenham a sua residência permanente, gozarão apenas dos privilégios e imunidades que lhes forem reconhecidos pelo referido Estado. Todavia, o Estado acreditado deverá exercer a sua jurisdição sobre tais pessoas de maneira a não interferir demasiadamente como o desempenho das funções da Missão. Art. 39 1) Toda a pessoa que tenha direito a privilégios e imunidades gozará dos mesmos a partir do momento em que entrar no território do Estado acreditado para assumir o seu posto ou, no caso de já se encontrar no referido território, desde que a sua nomeação tenha sido notificada ao Ministério das Relações Exteriores ou ao Ministério em que se tenha convindo. 2) Quando terminarem as funções de uma pessoa que goze de privilégios e imunidades, esses privilégios e imunidades cessarão normalmente no momento em que essa pessoa deixar o país ou quando transcorrido um prazo razoável que lhe tenha sido concedido para tal fim mas perdurarão até esse momento mesmo em caso de conflito armado. Todavia a imunidade subsiste no que diz respeito aos atos praticados por tal pessoal no exercício de suas funções como Membro da Missão. 25 3) Em caso de falecimento de um membro da Missão os membros de sua família continuarão no gozo dos privilégios e imunidades a que têm direito até a expiração de um prazo razoável que lhes permita deixar o território do Estado acreditado. 4) Em caso de falecimento de um membro da Missão, que não seja nacional do Estado acreditado nem nele tenha residência permanente, ou de membro de sua família que com ele viva, o Estado acreditado permitirá que os bens móveis do falecido sejam retirados do país com exceção dos que nele foram adquiridos e cuja exportação seja proibida no momento do falecimento. Não serão cobrados direitos de sucessão sobre os bens móveis cuja situação no Estado acreditado era devida unicamente à presença do falecimento no referido Estado, como membro da Missão ou como membro da família de um membro da Missão. Art. 40 1) Se o agente diplomático atravessa o território ou se encontra no território de um terceiro Estado, que lhe concedeu visto no passaporte quando esse visto for exigido, a fim de assumir ou reassumir o seu posto ou regressar ao seu país, o terceiro Estado conceder-lhe-á inviolabilidade e todas as outras imunidades necessárias para lhe permitir o trânsito ou o regresso. Esta regra será igualmente aplicável aos membros da família: que gozem de privilégios e imunidades, que acompanhem o agente diplomático quer viagem separadamente. Para reunir-se a ele ou regressar ao seu país. 2) Em circunstâncias análogas às previstas no parágrafo 1 deste artigo, os terceiros Estados não deverão dificultar a passagem através do seu território dos membros do pessoal administrado e técnico ou de serviço da Missão e dos membros de suas famílias. 3) Os terceiros Estados concederão à correspondência e a outras comunicações oficiais em trânsito inclusive às mensagens em código ou cifra a mesma liberdade e proteção concedida pelo Estado acreditado. Concederão aos correios diplomáticos a quem um visto no passaporte tenha sido concedido quando êsse visto fôr exigido bem como às malas diplomáticas em trânsito a mesma inviolabilidade e proteção a que se acha obrigado o Estado acreditado. 4) As obrigações dos terceiros Estados em virtude dos parágrafos 1, 2 e 3 deste artigo serão aplicáveis também às pessoas mencionadas 26 respectivamente nesses parágrafos, bem como às comunicações oficiais e às malas diplomáticas quanto as mesmas se encontrem no território do terceiro Estado por motivo de força maior. Art. 41 1) Sem prejuízo de seus privilégios e imunidade todas as pessoas que gozem desses privilégios e imunidades deverão respeitar as leis e os regulamentos do Estado acreditado. Têm também o dever de não se imiscuir nos assuntos internos do referido Estado. 2) Todos os assuntos oficiais que o Estado acreditante confiar à Missão para serem tratados com o Estado acreditado deverão sê-lo com o Ministério das Relações Exteriores ou por seu intermédio ou com outro Ministério em que se tenha convindo. 3) Os locais da Missão não devem ser utilizados de maneira incompatível com as funções da Missão tais como são enunciadas na presente Convenção em outras normas de direito internacional geral ou em acordos especiais em vigor entre o Estado acreditado. Art. 42 O agente diplomático não exercerá no Estado acreditado nenhuma atividade profissional ou comercial em proveito próprio. Art. 43 As funções de agente diplomático terminarão, inter-alia: a) pela notificação do Estado acreditante ao Estado acreditado e que as funções do agente diplomático terminaram; b) pela notificação do Estado acreditado ao Estado acreditante de que, nos termos do parágrafo 2 do artigo 9, se recusa a reconhecer o agente diplomático como membro da Missão. Art. 44 O Estado acreditado deverá, mesmo no caso de conflito armado, conceder facilidades para que as pessoas que gozem de privilégios e imunidades e não sejam nacionais do Estado acreditado, bem como os membros de suas famílias, seja qual for a sua nacionalidade, possam deixar o seu território o mais depressa possível. Especialmente, deverá colocarà sua disposição se necessário, os meios de transporte indispensáveis para tais pessoas e seus bens. 27 Art. 45 Em caso de ruptura das relações diplomáticas entre dois Estados ou se uma Missão é retirada definitiva ou temporariamente: 1) o Estado acreditado está obrigado a respeitar e a proteger, mesmo em caso de conflito armado, os locais da Missão bem como os seus bens e arquivos; 2) o Estado acreditante poderá confiar a guarda dos locais da Missão bem como de seus bens e arquivos a um terceiro Estado aceitável para o Estado acreditado; 3) o Estado acreditante poderá confiar a proteção de seus interesses e dos de seus nacionais a um terceiro Estado acreditado. Art. 46 Com o consentimento prévio do Estado acreditado e a pedido de um terceiro Estado nele não representado, o Estado acreditante poderá assumir a proteção temporária dos interesses do terceiro Estado e de seus nacionais. Art. 47 1) Na aplicação das disposições da presente Convenção, o Estado acreditado não fará nenhuma discriminação entre Estado. 2) Todavia, não será considerada discriminação: a) o fato de o Estado acreditante aplicar restritivamente uma das disposições da presente Convenção, quando a mesma for aplicada de igual maneira à sua Missão no Estado acreditado; b) o fato de os Estados em virtude de costume ou convênio se concederem reciprocamente um tratamento mais favorável do que o questionado pelas disposições da presente Convenção. Art. 48 A presente Convenção ficará aberta para assinatura de todos os Estados Membros das Nações Unidas de uma organização especializada bem como dos Estados Partes no Estatuto da Corte Internacional de Justiça e de qualquer outro Estado convidado pela Assembleia Geral das Nações Unidas a tornar-se Parte na Convenção, da maneira seguinte: até 31 de outubro de 1961, no Ministério Federal dos Negócios Estrangeiros da Áustria e, depois, até 13 de marco de 1962, na sede das Nações Unidas, em Nova York. 28 Art. 49 A presente Convenção será ratificada, os instrumentos de ratificação serão depositados perante o Secretário-Geral das Nações Unidas. Art. 50 A presente Convenção permanecerá aberta à adesão de todo o Estado pertencente a qualquer das quatro categorias mencionadas no artigo 48. Os instrumentos de adesão serão depositados perante o Secretário-Geral das Nações Unidas. Art. 51 1) A presente Convenção entrará em vigor no trigésimo dia que se seguir à data do depósito perante o Secretário-Geral das Nações Unidas do vigésimo-segundo instrumento de ratificação ou adesão. 2) Para cada um dos Estados que ratificarem a Convenção ou a ela aderirem depois do depósito do vigésimo segundo instrumento de ratificação ou adesão, a Convenção entrará em vigor no trigésimo dia após o depósito, por esse Estado, do instrumento de ratificação ou adesão. Art. 52 O Secretário-Geral das Nações Unidas comunicará a todos os Estados pertencentes a qualquer das quatro categorias mencionadas no artigo 48: a) as assinaturas apostas à presente Convenção e o depósito dos instrumentos de ratificação ou adesão nos termos dos artigos 48, 49 e 50; b) a data em que a presente Convenção entrara em vigor, nos termos do artigo 51. Art. 53 O original da presente Convenção, cujos textos em chinês, espanhol, francês, inglês e russo, fazem igualmente fé, será depositado perante o Secretário-Geral das Nações Unidas, que enviará cópias certificadas conforme a todos os Estados pertencentes a qualquer das quatro categorias mencionadas no artigo 48. Em fé do que, os plenipotenciários os assinados, devidamente autorizados pelos respectivos Governos assinaram a presente Convenção. Feito em Viena, aos dezoito dias do mês de abril de mil novecentos e sessenta e um. AULA 2 DIREITO DIPLOMÁTICO E CONSULAR Prof. Arthur Garcia 2 TEMA 1 – O ESTABELECIMENTO E AS MODALIDADES DAS RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS PERMANENTES ENTRE OS ESTADOS A Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas de 1961 estabelece em seu art. 3°, entre outras coisas, as funções das missões diplomáticas. Essas funções consistem em representar o Estado acreditante perante o Estado receptor, proteger os interesses do país e dos seus nacionais no Estado acreditador; negociar com o Estado acreditador; inteirar-se por todos os meios lícitos das condições existentes e da evolução dos acontecimentos no Estado acreditador; promover relações amistosas e desenvolver as relações econômicas, culturais e científicas entre o País e o Estado acreditador. Todavia, antes de estudarmos especificamente essas funções, é necessário ter alguns conceitos básicos em mente. 1.1 O conceito de missão diplomática A expressão missão diplomática pode ser utilizada com vários significados, dependendo da situação, e todos são juridicamente válidos, segundo a doutrina. Alguns são ligados à pessoa física do agente diplomático, já em outros conceitos se referem ao órgão diplomático no qual o agente diplomático é preposto. Inicialmente, o termo missão diplomática é empregado como indicação das várias e complexas incumbências que o Estado acreditante concede ao seu agente diplomático, que é exercida junto ao Estado no qual o agente encontra-se acreditado, indicando o período de tempo no qual o agente diplomático permanece nesse Estado. Em outra visão, a expressão missão diplomática pode indicar um conjunto orgânico de pessoas preposto à função diplomática dentro de um Estado estrangeiro. Esses indivíduos são compostos pelos membros do pessoal da missão diplomática, ou seja, os membros do pessoal administrativo, técnico e do pessoal que está a serviço desta missão diplomática. Há o conjunto de missões diplomáticas que, em um determinado momento estão acreditadas em uma capital, formando o Corpo Diplomático. Já em uma terceira abordagem, a missão diplomática nada mais é que o órgão administrativo formado por uma instituição de caráter permanente, que fica 3 estabelecida no Estado estrangeiro, em que há a contribuição de várias pessoas para sua composição. Importante mencionar que esse órgão administrativo tem como objetivo assegurar e manter as boas relações entre os Estados, bem como tem a função de proteger os direitos e interesses do respectivo país. Isso porque, na instituição diplomática contemporânea, a mais importante modificação foi a constatação que a ação diplomática passou da pessoa do Chefe da Missão para a Missão Diplomática em si. No anteprojeto sobre as relações diplomáticas do ano de 1957, elaborado pela Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, os trabalhos se orientaram no sentido de dar à missão diplomática a verdadeira importância que era concedida à pessoa do agente diplomático. Com efeito, a Convenção de Viena de 1961 sobre Relações Diplomáticas leva em consideração o pressuposto acima mencionado, tanto é que definiu a missão diplomática como uma entidade distinta, mesmo que para alguns, não o suficiente. 1.2 Como se dá a criação de uma missão diplomática Tradicionalmente e essencialmente, o instrumento para o desenvolvimento e uma vida de relações, e sobretudo a manutenção da paz e segurança internacional entre os membros de uma sociedade internacional, é representado pelo estabelecimento de relações internacionais, que se dá por meio do envio de missões diplomáticas entre um Estado e outro. O doutrinador italiano Giuliano (1983) aduz que, entre outras atribuições, o Estado tem por obrigação excluir cada exercício da sua autoridade sobre o território de outro Estado, e, consequentemente, este Estado é titular da pretensão jurídica (direito subjetivo) correspondente. Tal obrigação é caracterizada por uma qualificação: a penetração e a ação autorizada de agentes diplomáticos de um Estado no território de outro Estado. Desse modo, sempre que uma permanência de um agente diplomático de um Estadoem outro for autorizada, o soberano territorial não pode colocar nenhum obstáculo para que o agente diplomático exerça sua missão diplomática. Neste sentido, é claro o art. 2° da Convenção de Viena de 1961 sobre relações diplomáticas ao afirmar que “o estabelecimento de relação diplomáticas 4 e o envio de missões diplomáticas permanentes se efetuam por consentimento mútuo” (1961). Por esse motivo é que a criação de uma missão diplomática advém de um acordo entre o Estado que envia e o Estado que recebe tal missão. Uma análise dos pressupostos jurídicos necessários para a criação das missões diplomáticas é de extrema importância, pois alguns são pacificados pela doutrina, como, por exemplo, a personalidade jurídica internacional, reconhecimento, acordo dos Estados, entre outros; porém, alguns pontos são extremamente controvertidos entre os doutrinadores da diplomacia, como, por exemplo, o direito de legação. Assim, analisaremos no próximo tópico as contradições e pacificações doutrinárias a respeito destes pressupostos jurídicos. TEMA 2 – OS PRESSUPOSTOS JURÍDICOS NA INSTITUIÇÃO DE UMA MISSÃO DIPLOMÁTICA PERMANENTE Como analisamos anteriormente as missões diplomáticas são conceituadas como a indicação de várias e complexas incumbências que um Estado soberano concede ao seu agente diplomático, que irá aplicá-los em um outro Estado soberano, conhecidos respectivamente como Estado acreditado e Estado acreditante. Todavia, as missões diplomáticas passam por um processo de criação, e neste são analisados alguns pressupostos jurídicos de validade, que veremos abaixo. 2.1 Personalidade jurídica Internacional Seja interno ou internacional, um sistema jurídico tem como característica a existência de um conjunto de normas, e consequentemente, os destinatários dessas normas são considerados como sujeitos de direito. Dessa forma, uma norma jurídica atribui direitos e deveres aos entes aos quais se destina. Assim, ser um sujeito de direito é ter normas atribuídas, adquirindo com isso direitos e deveres. A missão diplomática somente poderá ser criada entre sujeitos de direito internacional, pois nas relações diplomáticas há o atributo de um sujeito de direito internacional. 5 Mas quem são esses sujeitos de direito internacional? Conforme observa Nascimento e Silva (1978), no art. 2° da Convenção de Viena de 1961, sem maiores detalhes, citam-se apenas os “Estados”. Portanto, a questão sobre a determinação dos Estados com direito de estabelecer relações diplomáticas foi debatida na Comissão de Direito Internacional. Muito se debateu que determinadas entidades, como às vezes os chamados protetorados, Estados membros de uma federação, não tinham o direito de instituir missões diplomáticas, conforme suas constituições, e seria errado permitir que tais Estados firmem, simplesmente por mútuo consentimento, relações diplomáticas com outros Estados. A determinação de quais Estados poderiam estabelecer relações diplomáticas sempre foi objeto de controvérsias dentro da doutrina e da prática diplomáticas; todavia, uma expressiva parte da doutrina saliente que apenas a referências “Estados” na Carta das Nações Unidas é a melhor orientação, mesmo que breve, sendo necessária para que seja analisado os diferentes tipos de sujeitos que têm o direito de estabelecer as relações diplomáticas entre si. 2.2 Os Estados Primeiramente é necessário mencionar que todo Estado, soberano ou independente, possui o direito de estabelecer relações diplomáticas, bem como o de trocar missões diplomáticas com os demais sujeitos da comunidade internacional. Esses Estados, compreendidos aqui como uma população que reside de forma estável em um território determinado e está sujeita ao mesmo sistema político, é sem sombra de dúvidas o natural e primeiro titular da qualidade de sujeito diplomático. Fato é que os Estados possuem vários órgãos que tratam das relações internacionais que o direito diplomático engloba, mas nem todos os Estados são titulares das qualidades jurídicas exigidas pela diplomacia. Existem alguns, com raríssimas exceções, que se encontram em um status incompatível com o direito de exercício de suas capacidades jurídicas. Claros exemplos disso, que ocorreram no passado, são os países vassalos que viviam sob uma tutela e mandato de tipo “A”, os protetorados, os Estados tributários em administração fiduciária etc., pois não eram soberanos ou não eram independentes. Assim, nem sempre os Estados possuem a qualidade jurídica de modo pleno, em decorrência de situações de caráter excepcional ou temporário, para 6 exemplificar essa afirmação. Pensemos na condição do Estado sujeito a ocupação bélica (occupatio bellica) por parte de outro Estado. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha ocupou belicamente o território de alguns governos, tais como o da Polônia (atacada em setembro de 1939), a Dinamarca (abril de 1940), a Noruega (abril de 1940), a Bélgica (maio de 1940), a Holanda (maio de 1940), a França (maio de 1940), a Iugoslávia (abril de 1941), a Grécia (abril de 1941) e Luxemburgo (maio de 1940). Tais governos foram obrigados, em virtude do conflito bélico, a deixar o próprio país e se instarem na Grã-Bretanha, passando a serem tratados como governos em exílio. Todavia, a Grã-Bretanha acredita grande parte da doutrina, que por motivações políticas e de modo muito gracioso, os equiparou aos outros Estados concedendo a estes governos em exílio privilégios e imunidades diplomáticas. Assim o desaparecimento de um Estado implica, automaticamente, no fim de suas capacidades jurídicas diplomáticas, e sem ela não é possível estabelecer relações diplomáticas. 2.3 As confederações de Estados A finalidades das confederações é a defesa comum, são uniões internacionais entre os Estados, aglomerados em assembleias, com amplos poderes no que tange a política externa e a representatividade de todos os demais membros, em que cada Estado continua sendo titular das qualidades de sujeito de direito diplomático, assim conservando o direito de representação própria – tanto os Estados membros quantos os demais Estados. Entretanto, é importante mencionar que um órgão da federação pode ter a mesma capacidade diplomática dos Estados. 7 2.4 As federações São compostas pela união perpétua nos quais os integrantes transferem o exercício da soberania externa para um organismo central, porém mantendo a autonomia relativa. Importante mencionar que a situação jurídica dos Estados membros de uma federação, embora o ordenamento constitucional conceda a eles um alto grau de autonomia no âmbito legislativo, administrativo e judiciário, não dá a eles titularidade de personalidade jurídica diplomática, pois tais entes são os Estados, Regiões, Cantões etc. Portanto um Estado Federal é o único sujeito de direito internacional idôneo capaz de estabelecer e conduzir as relações internacionais. TEMA 3 – O RECONHECIMENTO DE UM ESTADO 3.1 Reconhecimento de um novo Estado ou um novo governo O reconhecimento do Estado é um dos pressupostos de existência de uma missão diplomática, e é por meio desse ato, que é unilateral e discricionário, que um Estado admite a existência de outro, permitindo como consequência a manifestação do desejo de realizar as missões diplomáticas. Em direito internacional existem várias teorias sobre o reconhecimento de Estados, entre as quais o efeito atributivo/constitutivo e a do efeito declarativo. A teoria do efeito atributivo declara que um Estado apenas passa a existir para os demais Estados, como uma pessoa internacional, depois de ter sido reconhecido. Já no que tange a teoria do efeito declarativo, que é a teoria reconhecida pela doutrina majoritária, o reconhecimento é o “ato livre pelo qual um ou mais Estados reconhecem a existência, em um território determinado, deuma sociedade humana politicamente organizada, independentemente de qualquer outro Estado existente e capaz de observar as prescrições do Direito Internacional” (Nascimento e Silva; Accioly, 2012). O reconhecimento de um novo Estado ou um novo governo pode resultar na retirada de uma missão diplomática acreditada em outro Estado ou governo. Esse resultado é obrigatório quando um Estado realiza o reconhecimento de um governo revolucionário que luta contra um governo legítimo, ocorrido, por exemplo, durante a Guerra Espanhola (1936 a 1939), na qual diversos Estados 8 reconheceram o governo do General Franco e retiraram as missões diplomáticas acreditadas no governo republicano em Madrid. Importante mencionar que a retirada das missões diplomática não é algo que ocorre automaticamente, uma vez que cabe ao Estado legítimo analisar a julgar o reconhecimento do Estado beligerante, analisando se tal reconhecimento é constituído por um ato não amigável que resulte e justifique o rompimento das relações diplomáticas. A retirada então de uma missão diplomática nem sempre significa a retirada do reconhecimento, da mesma forma que o reconhecimento de um novo Estado ou um novo governo não resulta no estabelecimento de uma missão diplomática: tais atos são analisados caso a caso. 3.2 Consentimento mútuo O envio de missões diplomáticas permanentes entre os Estados como objetivo de estabelecimento das relações diplomáticas é rigorosamente subordinado ao chamado mútuo consentimento. Aqui, significa dizer que o Estado, uma vez formado, adquire a capacidade de concluir acordo internacionais em geral, e como consequência, acordos de estabelecimentos de relações diplomáticas em particular (jus contrahendi). Assim, nenhum Estado é obrigado a estabelecer relações diplomáticas contra a própria vontade, efetivando então o mútuo consentimento. A não obrigatoriedade de firmar acordos internacionais é clara, todavia, mesmo que não sejam os Estados obrigados a tal, são necessárias negociações sobre determinadas questões. Dessa forma, a missão diplomática permanente se torna o principal instrumento dos relacionamentos entre os Estados, ao menos no que diz respeito à manutenção da paz e da segurança internacional. A necessidade e a não obrigatoriedade do estabelecimento de relações diplomáticas consiste em como um Estado, membro da Comunidade Internacional e que pertencesse, como ocorre com quase todos os Estados, às Nações Unidas, agiria de maneira muito estranha se se recusasse a iniciar relações diplomáticas com outro Estado, ressalvados os casos excepcionais e temporários como o de não reconhecimento. Dessa forma, a não obrigatoriedade do estabelecimento das relações diplomáticas é finalmente reconhecida pela Convenção de Viena de 1961 sobre Relações Diplomáticas, cujo art. 2º determina que “o estabelecimento de relações 9 diplomáticas e o envio de Missões Diplomáticas permanentes se efetuam por consentimento mútuo” (1961). TEMA 4 – OS DIFERENTES TIPOS DE MISSÃO DIPLOMÁTICAS As relações diplomáticas entre os Estados não se concretizam apenas por meio do consentimento mútuo, mas também por meio da instituição de um órgão idôneo, ou seja, a missão diplomática permanente. No ponto de vista jurídico, as referidas missões ou representações diplomáticas, que são criadas convencionalmente entre os Estados, podem possuir várias denominações, as quais veremos agora. 4.1 As embaixadas As embaixadas são as missões diplomáticas permanentes com o maior grau de importância dentro do direito diplomático, pois são dotadas da classe mais elevada. O titular de uma embaixada, o chefe da missão, é um embaixador. O embaixador é um agente diplomático que pertence à primeira classe, conforme nos traz o Regulamento de Viena de 1815. As embaixadas, até o final do século XX, eram instituídas apenas entre as grandes potências, conforme o diferente peso político, militar e econômico que representavam dentro da comunidade internacional. Após a Segunda Guerra Mundial houve um crescente número de embaixadas criadas em virtude de vários fatores, entre eles se destaca a intensificação das relações entre os países, que se uniram pela resistência comum contra a Alemanha nazista, e também em virtude da multiplicação do número de novos Estados, consequência do processo de descolonização, que tinham como objetivo único a paridade ou igualdade jurídica relativa aos Estados de antiga formação. 4.2 As nunciaturas Primeiramente é necessário entender que a nunciatura consiste em um órgão diplomático permanente crido pela Santa Sé em outros sujeitos de direito internacional que objetivavam a manutenção das relações internacionais. Da mesma forma que as embaixadas possuem o embaixador como chefe, as nunciaturas possuem a pessoa do núncio, que, de acordo com o Regulamento 10 de Viena de 1961, também faz parte da primeira categoria de agentes diplomáticos. Conforme consta no art. 14 da Convenção de Viena de 1961, a nunciatura pode ter como titular tanto o núncio quanto o pró-núncio, sendo este último uma criação recente, datada de 1965. A Santa Sé se utiliza dessa figura diplomática em países onde a religião católica não é predominante. De forma geral, o núncio é um arcebispo, e de acordo com o Direito Canônico, algumas nunciaturas são conhecidas como “apostólicas cardinalícias” pois ao final da missão seu titular é elevado à dignidade cardinalícia. Em sua atividade, se comparada às demais missões diplomáticas, a nunciatura tem, além da representação da Santa Sé em outros Estados, a prerrogativa de realizar o próprio poder jurisdicional sobre a hierarquia eclesiástica do local, devido ao primado do Romano Pontífice. 4.3 Os altos comissariados Consiste em uma missão diplomática de um Estado em outro, ambos conectados por vínculos especiais, como é o caso do Commonwealth britânico ou na Comunidade Francesa. O titular desta missão é o chamado alto comissário (high commissioner), sendo este um agente diplomático de primeira categoria, pois nas relações onde era típico haver um país colonizador e suas colônias, o alto comissário representa a figura do governador. Por exemplo, na Commonwealth os Estados membros são representados em Londres pelo alto comissário e, reciprocamente, há na colônia um agente da mesma categoria representando o Reino Unido. Importante não confundir a figura do embaixador e a do alto comissário, já que o segundo não apresenta credenciais, pois o Estado que envia e os que recebem têm o mesmo chefe de Estado. No exemplo da Commonwealth, o chefe de Estado do Reino Unido é o mesmo que o chefe da Commonwealth. 4.4 As legações As legações são missões diplomáticas permanentes que, mesmo desenvolvendo as mesmas funções de uma embaixada, são dirigidas por um ministro ou um ministro residente, sendo que era classificada como de segunda classe. 11 Consoante a igualdade entre os Estados, instituída após a Segunda Grande Guerra, e também em consequência da descolonização, as legações foram transformadas, paulatinamente em embaixadas, alcançando então a primeira classe. 4.5 As internunciaturas Essa missão foi extinta em meados de 1970, transformadas em nunciaturas, que tinham a mesma classe das legações. O titular desse posto era o chamado internúncio, e pertencia à segunda categoria que representava a Santa Sé nos Estados que não possuíam Nunciaturas. TEMA 5 – OS LOCAIS DAS MISSÕES DIPLOMÁTICAS E SUA ESTRUTURA Uma das questões mais debatidas pela doutrina diplomática é a localização, propriedade e dimensão das missões diplomáticas permanentes, o que evidenciou a necessidade de uma regulamentação a respeito. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, discussões sobre a obtenção de locais para a sede das missões ou para a residência dos agentes diplomáticos exerceu pressão na adoção, pela Convençãode Viena de 1961, dessas regulamentações. Desse modo, a Convenção de Viena menciona em várias oportunidades a missão diplomática, como por exemplo, no art. 1°, alínea i, consta que “os edifícios, ou parte dos edifícios, e terrenos anexos, seja qual for o proprietário, utilizadas para a finalidade da missão, inclusive a residência do Chefe da missão” (1961). Importante mencionar aqui que, em se tratando de edifício, a expressão abrange também o respectivo terreno e acréscimos, inclusive o jardim e o estacionamento de automóveis. Há também a figura da residência do chefe da missão, que consiste na habitação pessoal do chefe da missão e da própria família; abrange também o apartamento reservado aos hóspedes de honra; e pelo complexo dos locais (salas de representações) destinados às várias manifestações da função representativa da missão diplomática, considerada em um dos seus aspectos mais característicos. 12 Na residência do chefe da missão é possível que seja hasteada a bandeira, pregado o escudo com suas respectivas armas, direito este trazido também pela Convenção de Viena de 1961 em seu art. 20, tendo por objetivo a salvaguarda e da integridade das mesmas nos momentos de agitação ou manifestações populares. A sede da missão e os escritórios, normalmente, localizam-se na capital do Estado acreditado, mas não faltam exemplos de missões instaladas fora da capital, sendo que para isso é necessária a autorização do Estado acreditado (art. 12 da Convenção de Viena de 1961). 5.1 Estrutura das missões diplomáticas permanentes A missão diplomática permanente, como órgão das relações externas de um Estado, é composta por uma pluralidade de seções que correspondem à especialização dos indivíduos que a compõem, as quais veremos a seguir. 5.1.1 A chancelaria Consiste no órgão central e principal da missão, onde é concentrado o trabalho burocrático das demais seções. Aqui são conservados os arquivos gerais, confidenciais, ostensivos, bem como os materiais criptografas, bibliotecas, registros, selos, material de expediente oficial, atos relativos aos nacionais do Estado acreditante, tais como os atos de estado civil, passaportes etc. O administrador direto dessa seção é o chamado conselheiro, seguido hierarquicamente das figuras do primeiro secretário, segundo secretário e terceiro secretário. 5.1.2 O setor econômico-comercial Esse setor tem como principal função o desenvolvimento das relações comerciais entre Estado acreditante e acreditado, ou seja, o conhecimento da situação econômica do país acreditado, o estudo das exigências, dos recursos e das efetivas possibilidades do mercado no que diz respeito à importação e à exportação, à análise da política dos direitos aduaneiros e alfandegários etc. O titular do setor econômico-comercial é o adido comercial, cuja preocupação principal é a coleta e a análise de informações em determinadas 13 matérias. O adido comercial ainda prepara e negocia os tratados de comércio, além de vigiar sua efetiva aplicação. 5.1.3 O setor militar O setor militar pode compreender também o setor naval e do ar, dependendo da importância da missão diplomática na qual o setor militar está inserido. Esse setor é gerenciado pelo adido militar de proveniência dos quadros do exército do Estado acreditante, muito embora tenha contato com o próprio ministro da Defesa, e de possuir um grau superior ao do chefe da missão, o adido militar continua submetido hierarquicamente às instruções deste último. As funções dos adidos militares podem ser divididas da seguinte forma: observação e coleta de informações, por meio lícito, sobre a situação local em matéria de instituições militares e dos armamentos do Estado acreditado; busca contínua por colaboração com as autoridades militares locais em matéria de troca de informações, fornecimento de material bélico e de treinamento especializado; representação do Estado acreditante nas cerimônias oficiais do Estado acreditado por meio da participação em festas nacionais, recepções, paradas, manifestações etc. 5.1.4 O setor cultural Por meio do setor cultural, a missão proporcionalizara um ambiente propício para a difusão da cultura nacional. Este setor é chefiado pelo adido cultural, cujas funções principais são o preparo de acordos culturais entre o Estado acreditado e acreditante, autorizar bolsas de estudo, organização de sistemas de intercâmbio de estudantes dos países interessados e organizar conferências literárias e científicas e de exposições artísticas, bem como a criação de escolas para difundir o ensinamento do idioma nacional. 5.1.5 O setor de imprensa Este é o setor responsável, por meio do adido de imprensa, pela análise das notícias reportadas na imprensa local com ênfase naquelas sobre o próprio Estado, pela redação de um boletim de uso interno da missão sobre a situação política, militar, econômica do Estado acreditado, e é também o centro de relação 14 e de informações para a imprensa local sobre o Estado acreditante. Realiza a redação de um boletim de uso externo à missão, para informar e esclarecer determinas notícias a respeito do Estado acreditante. 5.1.6 A chancelaria consular Por fim, esse é o setor responsável por responder a uma exigência prática e econômica da missão, prevista no art. 3°, parágrafo 2°, da Convenção de Viena de 1961, e foi criado para suprir a falta de um consulado na capital onde a missão se encontra acreditada. A chancelaria consular tem como titular um agente diplomático da missão, que, mesmo desempenhado funções tipicamente de um cônsul, continua gozando dos mesmos privilégios e imunidades diplomáticas. 15 REFERÊNCIAS NASCIMENTO E SILVA, G. E. do. A Convenção de Viena sobre relações diplomáticas. Brasília: IBGE, 1978. NASCIMENTO E SILVA, G. E. do; ACCIOLY, H. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva, 2002. AULA 3 DIREITO DIPLOMÁTICO E CONSULAR Prof. Arthur Augusto Garcia 2 TEMA 1 – PRIVILÉGIOS E IMUNIDADES DAS RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS Para que haja um bom funcionamento e execução das missões diplomáticas, são concedidos certos privilégios e certas imunidades aos membros dessas missões, que têm como função subtrair determinadas pessoas da autoridade e da competência judiciária do Estado acreditado, assunto este que trataremos de forma aprofundadas nos tópicos que se seguem. 1.1 Fundamentos jurídicos das imunidades diplomáticas Sem que o Estado acreditado garantisse a liberdade, o decoro e, sobretudo, a independência, não seria possível à segurança da missão diplomática a execução de suas funções pelos membros que compõem aquele complexo diplomático. As imunidades baseiam-se no direito internacional e têm a finalidade de destituir certas competências judiciarias do Estado acreditado sobre membros permanentes de uma missão diplomática que vivem em seu território. Uma parte da doutrina considera como sinônimas as expressões imunidades e privilégios no que tange às missões diplomáticas, contudo outra parte da doutrina as considera expressões distintas. Sob o ponto de vista jurídico de Pellet e Daillet (2002, citado por Sicari, 2007, p. 124), existe distinção entre as expressões, vejamos: Somente as imunidades, por exemplo as imunidades jurisdicionais, se baseariam diretamente no direito internacional; somente elas, constituiriam ataques a soberania dos Estado acreditado e se imporiam como tal a eles. Ao contrário, os privilégios dependeriam exclusivamente do direito interno do Estado acreditado que teria plena competência para “autorizá-los” ao Estado acreditante. Conforme Fauchille, os privilégios variam “segundo o prazer dos diferentes Estados, uns os acordam mais largamente, os outros mais estritamente. Outros autores, como Verdross, recusam cada distinção; eles sustentam que privilégios e imunidades são termosequivalentes e que uns como os outros posam no direito internacional. Essa tese é favorável ao Estado acreditante. Embora a Convenção de Viena de 1961 tenha mantido a referida distinção dos termos, resolveu a questão trazendo uma solução intermediária a essa divergência doutrinária, ou seja, enquanto as imunidades são baseadas integralmente no direito internacional, somente alguns tipos de privilégio se baseariam nesse direito também, por exemplo, as isenções de taxas aduaneiras, ou seja, do direito interno do Estado acreditado (Sicari, 2007). 3 Formadas progressivamente com o desenvolvimento das missões diplomáticas, as imunidades surgiram em substituição à desconfiança inicial dos Estados decorrentes dos inúmeros casos envolvendo espionagem política que ocorriam entre Estado acreditado e membros do Estado acreditante. O aumento ou diminuição da extensão das imunidades ou privilégios diplomáticos carecem do fundamento jurídico, que para a doutrina, tem como base a teoria da extraterritorialidade, a teoria do caráter representativo bem como a teoria do interesse da função. 1.2 Teoria da extraterritorialidade Esta teoria tem como fundamento o fato de que o diplomata permanece em seu próprio país, mesmo que esteja no território de outro, isso porque a extraterritorialidade fictícia passou a ser considerada real em virtude de a embaixada ser considerada como uma extensão do território do embaixador. Por exemplo, o território da embaixada do Brasil em Buenos Aires (Argentina) seria considerado território brasileiro, assim o diplomata “escaparia” do comando do soberano territorial sob o qual se encontra. Todavia, depois de muito tempo tal teoria deixou de ser adotada, pois encontra várias críticas pela doutrina moderna, que a considera inexata e perigosa em virtudes das soluções jurídicas que dispõe. Um exemplo disso, que leva em consideração a teoria em comento, é que a missão poderia entregar à polícia do Estado acreditado, somente mediante um procedimento de extradição, um delinquente de direito comum que estivesse refugiado nela. Sendo assim, a Conferência de Viena retirou por completo o uso do termo extraterritorialidade da redação da Convenção que trata sobre as relações diplomáticas (Sicari, 2007). 1.3 Teoria do caráter representativo Essa teoria é originada na época monárquica, quando as relações internacionais eram equiparadas às relações pessoais entre os reis e os príncipes, sendo então os diplomatas considerados representantes diretos destas figuras. Todavia, contemporaneamente, a missão e os agentes que a compõem representam os interesses do Estado acreditante. Assim, aqueles que recebem as imunidades e os privilégios têm reconhecido o respeito pelo Estado acreditado 4 em relação à sua dignidade e liberdade e, em contrapartida, reconhecem a dignidade e a liberdade do próprio Estado acreditante. Contudo, da mesma forma que a teoria da extraterritorialidade, a teoria do caráter representativo dificulta uma delimitação jurídica do Estado acreditante no território do estado acreditado. 1.4 Teoria do interesse da função Essa teoria tem como fundamento único a necessidade do exercício de forma independente da função diplomática, ou seja, considera que as imunidades e privilégios devem ser garantidos para que o êxito da missão diplomática seja atingido. Assim, ao mesmo tempo em que é admitida a possibilidade de limitação ao exercício diplomática, é estabelecido um equilíbrio entre as exigências trazidas pelo Estado acreditante e os deveres do Estado acreditado. Dessa forma, é necessário levar em consideração que o agente diplomático não poderia desempenhar suas funções de maneira independente se não gozasse de condições específicas. Assim, as imunidades diplomáticas têm como objetivo impedir que obstáculos de qualquer natureza surjam no funcionamento da missão diplomática e no desempenho do agente diplomático. Com base em todas as configurações mencionadas, a Conferência de Viena de 1961 escolheu a teoria do caráter representativo e do interesse da função como fundamento das imunidades e privilégios diplomáticos, tanto é que há menção destas no preâmbulo da Convenção, quando menciona que “Reconhecendo que a finalidade de tais privilégios e imunidades não é beneficiar indivíduos, mas, sim, a de garantir o eficaz desempenho das funções das missões diplomáticas, em seu caráter de representantes dos Estados” (Brasil, 1965). TEMA 2 – IMUNIDADES DA MISSÃO DIPLOMÁTICA As imunidades e privilégios concedidos às missões diplomáticas e consulares estão elencadas, respectivamente, na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 e na Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963 (Privilégios..., S.d.). A seguir, verificaremos do que se trata tais concessões. 5 2.1 Inviolabilidade da missão diplomática Considerada como a regra mais antiga e importante entre as imunidades concedidas às missões diplomáticas, a inviolabilidade justificava-se, em sua origem, pelo caráter sagrado que o embaixador possuía pelo fato de estar sempre sob a proteção dos deuses. Todavia, atualmente, essa imunidade apresenta dois aspectos importantes: o primeiro é que obriga o Estado acreditado a garantir uma proteção especial, jurídica e material da missão diplomática e o segundo é que há uma obrigação do Estado acreditado de se abster de toda e qualquer ação coercitiva a respeito da missão. A inviolabilidade mais importante está representada no art. 1°, alínea “i” da Convenção de Viena de 1961, que trata sobre a inviolabilidade da sede e da residência particular dos agentes diplomáticos (Brasil, 1965). Conforme tal imunidade, não é permitido nenhum tipo de ato coercitivo por parte das forças locais na sede da missão, sendo que não se pode adentrar a sede, nem exercer qualquer função que não lhe seja própria sem a permissão do chefe da missão. É importante mencionar que essa imunidade tem caráter absoluto. 2.2 Direito ao asilo diplomático Essa imunidade está inteiramente vinculada à inviolabilidade da sede da missão diplomática. O direito ao asilo diplomático estabelece que, em situações excepcionais e preexistindo determinadas condições, a embaixada de um Estado estrangeiro pode oferecer refúgio a um indivíduo que esteja sendo perseguido pelas autoridades locais por razões políticas. Para que esse refúgio possa ser concedido, é necessário que haja as seguintes condições: a. a natureza política do fato pelo qual o indivíduo é perseguido; b. a abstenção por parte do beneficiário do direito de asilo de desenvolver, durante a sua permanência na embaixada, qualquer atividade política; c. a obrigação, também por parte do indivíduo a quem foi concedido o direito de asilo, de deixar a sede diplomática, logo após ter conseguido das autoridades competentes um salvo-conduto para alcançar a fronteira e expatriar. 6 2.3 Inviolabilidade dos bens da missão diplomática A inviolabilidade dos bens da missão diplomática tem como objetivo proporcionar aos diplomatas o desempenho de suas funções, sendo que deve esta ser garantida pelo Estado acreditado. A imunidade em comento protege os bens que estejam dentro ou fora da missão, e são concedidas, em primeiro lugar, para a proteção dos arquivos onde todos os documentos com informações são guardados, isso porque todos os documentos de uma missão diplomáticas devem ter caráter sigiloso, pois, caso não houvesse o sigilo absoluto decretado nesses documentos, o Estado acreditado poderia justificar eventuais violações sob o argumento de que a inviolabilidade se aplicaria apenas aos documentos sigilosos e não a todos, ocasionando então uma limitação nas atividades diplomáticas. Essa imunidade está prevista, especificamente, no art. 24 da Convenção de Viena de 1961 (Brasil, 1965). Além dos documentos, tambémfazem parte dessa imunidade os móveis, contas bancárias, carros ou quaisquer meios de transporte que possam conter documentos da missão, ou seja, estes também gozam de inviolabilidade e são livres de qualquer busca, apreensão judiciária ou administrativa (Sicari, 2007). Atualmente, a imunidade das contas bancárias contra qualquer medida de apreensão do Estado acreditante é prevista pelo parágrafo 1°, a, do art. 21 da Convenção das Nações Unidas sobre a Imunidade Jurisdicional dos Estados e dos seus bens de 2004 (Sicari, 2007). Considerando as características e objetivos acima, a Conferência de Viena de 1961, com base nas sugestões da Comissão de Direito Internacional, consagrou a imunidade dos bens da missão, mas submetendo-a ao respeito pelas leis e pelos regulamentos locais. 2.4 A liberdade da comunicação diplomática Para que a missão diplomática desempenhe suas atividades e funções de forma correta, é necessária a comunicação, frequente, com o seu governo de origem. Pensando nisso é que existe a confidencialidade e a proteção de tais comunicações. 7 Com base nisso é que há a obrigação do Estado acreditado em proteger o segredo da correspondência da missão, não violando nem interceptando ou decifrando as comunicações (Sicari, 2007). Além disso, é necessário o oferecimento à missão diplomática de todas as facilidades para o fluxo de comunicação, garantindo o respeito ao sigilo (Sicari, 2007). Essa imunidade encontra-se prevista no art. 27, parágrafos 2°, 3° e 4° da Convenção de Viena de 1961 (Brasil, 1965). 2.5 Imunidade de jurisdição da missão diplomática A imunidade de jurisdição da missão diplomática tem como finalidade a subtração da jurisdição do Estado acreditado sobre um determinado grupo de pessoas, ou seja, os diplomatas, para que desempenhem suas funções de forma livre. Por exemplo, os agentes diplomáticos brasileiros gozam de imunidades quando exercem funções em embaixada do Brasil no exterior e estão imunes à jurisdição do país onde se encontram, mas não estão imunes à jurisdição das autoridades brasileiras. Da mesma forma os agentes diplomáticos de determinado país gozam de imunidades quando cumprem missão junto à respectiva embaixada no Brasil, mas não estão imunes à jurisdição de seu próprio país (Privilégios..., S.d.). 2.6 Isenções de natureza fiscal e aduaneira da missão diplomática Os imóveis da missão, sendo ou não de propriedade do Estado acreditante, possuem isenção do imposto de compra ou venda de imóveis e do imposto predial. Essa prática está prevista na Conferência de Viena de 1961 em seu art. 23 (Brasil, 1965). É importante mencionar que, na prática internacional, os impostos ou taxas que representam o pagamento de uma prestação específica de serviço, devem ser pagos. Trata-se, por exemplo, daqueles serviços prestados não pelo Estado, mas por empresas particulares, tais como os serviços de água e esgoto, de iluminação pública, de vigilância noturna etc. 8 TEMA 3 – IMUNIDADES DOS MEMBROS DA MISSÃO DIPLOMÁTICA 3.1 Inviolabilidade pessoal dos agentes diplomáticos Essa imunidade garante que o Estado acreditado deixe de exercer contra os agentes diplomáticos quaisquer atos coercitivos, ou seja, tem como obrigação impedir a prática de todo e qualquer ato ofensivo, violento ou injurioso em relação à pessoa ou à dignidade do agente diplomático por parte de qualquer autoridade ou de particular. Assim, não é permitido prendê-lo ou detê-lo em nenhuma hipótese (Sicari, 2007). A Convenção de Viena de 1961 reconhece esse mesmo princípio em seu art. 29 (Brasil, 1965). 3.2 Inviolabilidade dos bens dos agentes diplomáticos Na prática, isso significa dizer que a inviolabilidade dos bens de um agente diplomático é aplicada sobre os documentos, a correspondência, o salário, a conta bancária, os móveis etc., sendo que devem ficar ao abrigo de qualquer ato de coação tais como o sequestro e a apreensão por parte do Estado acreditado. Esse princípio é consagrado pelo parágrafo 2º do art. 30 da Convenção de Viena, de 1961 (Brasil, 1965), ou seja, o direito internacional obriga o Estado acreditado a garantir a proteção da pessoa do diplomata contra qualquer tipo de violência, incluindo a difamação (Sicari, 2007). 3.3 Imunidade de jurisdição (cível, penal e administrativa) dos agentes diplomáticos No que tange à esfera penal, os agentes diplomáticos não podem ser perseguidos perante os tribunais do Estado acreditado, nem ser investigados por nenhuma autoridade judiciária ou de polícia (Sicari, 2007, p.158). Essa imunidade é absoluta, valendo tanto para os atos realizados no exercício da função diplomática quanto para os atos privados (imunidade penal) (Turra; Obregon, 2018). Já em relação à imunidade cível, são aquelas de responsabilidade civil a que poderia o diplomata ser penalizado, por exemplo, batida de carro, multas de trânsito. Nesses casos, o Brasil não poderá executar os bens dos diplomatas 9 (Gouveia, 2015), exceções trazidas pelo art. 31 da Convenção de Viena de 1961 (Brasil, 1965). Por fim, mas não menos importante, temos a imunidade administrativa, em que a doutrina admite que o agente goza de imunidade perante os tribunais do trabalho e do comércio. 3.4 Isenções de natureza fiscal e aduaneira dos agentes diplomáticos A Convenção de Viena de 1961 consagra esse princípio no começo do art. 34, no qual determina que o agente diplomático gozará de isenção de todos os impostos e taxas, pessoas ou reais, nacionais, regionais ou municipais, ressalvadas exceções previstas no mesmo artigo (Brasil, 1965). 3.5 Imunidades da família do agente diplomático Para que os agentes diplomáticos tenham garantias de exercício pleno e eficaz de suas funções e atividades, as mesmas imunidades conferidas a estes são concedidas universalmente para as famílias dos agentes diplomáticos. 3.6 Imunidades do pessoal técnico e administrativo As imunidades do pessoal técnico e diplomático consistem em (Sicari, 2007): a. inviolabilidade da pessoa, da moradia e de seus bens como os dos agentes diplomáticos; b. imunidade da jurisdição penal para os atos cumpridos no exercício das funções assim como para os atos privados; c. imunidade da jurisdição cível e administrativa somente para os atos cumpridos no exercício das funções; d. isenção da legislação de segurança social do Estado acreditado; e. isenção aduaneira para os bens destinados ao uso pessoal e ao da própria família. 10 3.7 Início e término das funções do agente diplomático Em relação a esse período, a Conferência de Viena de 1961 concede ao diplomata o início de suas imunidades no momento em que a sua nomeação for notificada ao Estado acreditado, permanecendo este último sempre no seu pleno direito de recusar a nomeação (Brasil, 1965). Já no que tange ao encerramento dessas imunidades, esta termina quando o agente diplomático deixa o território do Estado acreditado ou quando expira o prazo razoável acordado para deixar o referido território. Se o agente, no vencimento do prazo, não deixar o Estado acreditado, este último pode desconhecer suas imunidades (Sicari, 2007). A Convenção de Viena, de 1961 consagrou esses princípios no seu art. 39 (Brasil, 1965). O início e o fim dessas imunidades têm como objetivo regularizar a situação daquele agente diplomático que deixará de exercer sua função em prol do exercício de um novo agente diplomático. 3.8 Imunidade do agente diplomático perante terceiros Estados O diplomata em trânsito gozará das seguintes prerrogativas (Sicari, 2007): a. o agente diplomático é inviolável e totalmente imune à jurisdição penal; b. as bagagens não devem ser objeto de nenhuma medida coercitiva; c. o terceiro Estado tem a obrigação de não violar a correspondência diplomática e, sobretudo, deve reconhecer a inviolabilidade ao correiodiplomático. Entretanto, o agente diplomático, em trânsito não gozará de nenhum privilégio em matéria fiscal e aduaneira. Além disso, a imunidade cível, se não comportar a necessidade de uma detenção, pode ser recusada (Sicari, 2007). A Convenção de Viena, de 1961, consagra todos esses princípios, no seu art. 40 (Brasil, 1965). 11 TEMA 4 –Término das funções do agente diplomático O início da missão de um agente diplomático se fundamenta no acordo entre o Estado acreditante e o Estado acreditado, e o término das funções do diplomata na missão depende de uma decisão unilateral das partes (Sicari, 2007). Há dois grupos de causas para o término das funções do agente diplomático: as causas que dependem da vontade do Estado acreditante e as que dependem do Estado acreditado. 4.1 Causas que dependem da vontade do Estado acreditante Refere-se ao caso em que o Estado acreditante solicita a volta do agente diplomático, sendo os motivos de tal decisão diversos, dentre os quais destaca- se a mudança de posto do diplomata devido ao longo tempo de serviço no Estado acreditado, a idade avançada do agente diplomático, a perda de confiança em relação ao diplomata por parte de seu governo, a mudança política do seu governo, o descontentamento do Estado acreditante com um comportamento do Estado acreditado etc. Para que o chefe da missão possa ser chamado de volta por seu Estado de origem são necessárias solenidades previstas em lei. O agente diplomático, chefe da missão, apresenta ao Chefe do Estado acreditado uma carta de richiamo enviada pelo Chefe do Estado acreditante. Nessa ocasião, se a missão do diplomata foi satisfatória, o agente diplomático recebe as devidas condecorações e remete a carta de recredenciamento ao Chefe do Estado acreditado. Antes de partir, o chefe da missão, conforme o protocolo, despedir-se-á do ministro das Relações Externas e das outras altas personalidades do Estado acreditado. Já nos casos de ruptura das relações diplomáticas ou de guerra ou dos outros agentes diplomáticos, a partida do chefe da missão será das mais simples. A missão diplomática comunica, por meio de uma notificação ao ministro das Relações Externas, o término das funções dos seus agentes, os quais, antes de partirem, também se despedirão do ministro das Relações Externas do Estado acreditado (Sicari, 2007). Esse princípio encontra-se codificado no art. 43 da Convenção de Viena (Brasil, 1965). 12 4.2 Causas que dependem do Estado acreditado Trata-se do caso em que o Estado acreditado declara o agente diplomático persona non grata. Os motivos de tal decisão podem ser vários, tais como: a ingerência do diplomata nos negócios internos do Estado acreditado, o fato de desrespeitar repetidamente as leis e os regulamentos locais, a inimizade com as autoridades do Estado acreditado, a atividade de espionagem etc. (Sicari, 2007). A vontade do Estado acreditado de dar fim à missão do agente diplomático, conforme a doutrina, pode manifestar-se de duas maneiras. Uma delas se dá quando o Estado acreditado obriga o Estado acreditante a chamar de volta o agente diplomático, ocasionando assim o término da missão. A outra manifestação ocorre quando o Estado acreditado expulsa o agente diplomático. Conforme a prática internacional, o Estado acreditado tem esse poder jurídico, a ele conferido pelo direito internacional (Sicari, 2007). Essas práticas se encontram definitivamente consagradas no art. 9 o da Convenção de Viena de 1961 (Brasil, 1965). TEMA 5 – EXTINÇÃO DA MISSÃO DIPLOMÁTICA As causas que podem levar à extinção de uma missão diplomática, e em consequência, das funções dos seus membros, são várias e serão abordadas nos próximos tópicos (Sicari, 2007). 5.1 Ruptura de relações diplomáticas Trata-se da principal causa e, sobretudo, da mais frequente. Ao contrário do estabelecimento das relações diplomáticas, que se fundamenta no consentimento mútuo dos Estados, a ruptura de relações diplomáticas é um ato unilateral e discricionário do Estado acreditado. A consequência desse ato é a extinção da missão diplomática no Estado acreditado, e, pelo princípio de reciprocidade, da missão diplomática deste último no Estado acreditante. A ruptura das relações diplomáticas pode ter várias causas como: o prelúdio a uma guerra, a ação de um grupo de Estados para obrigar um outro a agir conforme seus objetivos internacionais, a sanção coletiva por violação de obrigação internacional etc. De acordo com Silva e Accioly (2002), constata-se a existência de duas modalidades de ruptura de relações diplomáticas: uma de desenvolvimento 13 recente, que consiste em sanção votada coletivamente; a outra, a tradicional, é quando o Estado procura impor a própria vontade. Ainda, conforme os autores brasileiros, a ruptura de relações diplomáticas pode ser simultânea a uma declaração de guerra, mas não deve ser vinculada a ela. A retirada de toda a missão diplomática pode significar um passo em direção à guerra. A ruptura das relações diplomáticas, seja qual for a causa, permanece um ato grave, pois é a manifestação de uma profunda crise das relações internacionais entre o Estado acreditado e o Estado acreditante. A ruptura das relações diplomáticas, que pode ser expressa ou tácita, é regulada particularmente pelo art. 45 da Convenção de Viena de 1961 (Brasil, 1965). 5.2 Guerra Trata-se da interrupção, por incompatibilidade com a nova situação, das relações diplomáticas entre o Estado acreditado e o Estado acreditante. A questão dos efeitos da guerra sobre as relações diplomáticas foi objeto de discussão no seio da Comissão de Direito Internacional e ficou definido que as relações diplomáticas não cessam ipso facto com a declaração de guerra. Isso porque, conforme a Convenção de Viena de 1961, em seu art. 44: O Estado acreditado deverá mesmo no caso de conflito armado, conceder facilidades para que as pessoas que gozem de privilégios e imunidades, e não sejam nacionais do Estado acreditado, bem como os membros de suas famílias, seja qual for a sua nacionalidade, possam deixar o seu território o mais depressa possível. Especialmente, deverá colocar à sua disposição, se necessário, os meios de transporte indispensáveis para tais pessoas e seus bens (Brasil, 1965). Dessa forma, conforme o artigo transcrito acima, até que os membros da missão diplomática se retirem do território no qual exercem a diplomacia, a eles lhes são garantidas as imunidades previstas na Convenção, o que nos leva a concluir que a Guerra por si só não é motivo para a extinção da missão diplomática e sim a saída de seus membros do território no qual estão. 5.3 Perda da personalidade jurídica internacional do Estado acreditante ou do acreditado Trata-se dos casos de extinção do Estado como o desmembramento, a anexação, a fusão etc. Dessa forma, independentemente do motivo, quando 14 surgem novas entidades, conforme a prática, é possível que a missão diplomática que representava o Estado extinto passe a representar o novo. É importante mencionar que, quando é o Estado acreditado perde a personalidade jurídica internacional, a missão diplomática se transforma em Consulado Geral, em consideração da natureza de órgão interno própria do Cônsul (Sicari, 2007). 5.4 Não reconhecimento do governo do Estado acreditado pelo Estado acreditante e vice-versa Como visto anteriormente, a missão diplomática é o órgão das relações internacionais de um determinado Estado e, ao mesmo tempo, o instrumento por meio do qual um governo desempenha a própria política externa. Assim, se o Estado acreditado não entende reconhecer o governo do Estado acreditante, a missão diplomática, salvo exceções, se extingue, aplicando- se a mesma lógica no caso inverso, quando, devido a uma série de situações particulares, o Estado acreditante não reconheceo governo do Estado acreditado. 5.5 Supressão Refere-se à extinção da missão diplomática por motivos de orçamento. Essa causa não influi sobre as relações internacionais dos Estados em causa; conforme a prática, tais relações são garantidas pela missão diplomática de um terceiro Estado. 15 REFERÊNCIAS ACCIOLY, H. Tratado de direito internacional público. 3. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009. BRASIL. Decreto 56.435, de 8 de junho de 1965. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 11 jun. 1965. GOUVEIA, T. Imunidades e privilégios diplomáticos. JusBrasil, 2015. Disponível em: <https://thaynerck.jusbrasil.com.br/artigos/258931610/imunidades-e- privilegios-diplomaticos>. Acesso em: 29 nov. 2019. PRIVILÉGIOS e imunidades de missões diplomáticas. Ministério das Relações Exteriores, S.d. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/pt- BR/representacoes-diplomaticas-estrangeiras-no-brasil/18169-acordos- internacionais>. Acesso em: 29 nov. 2019. SICARI, V. R. O direito nas relações diplomáticas. São Paulo: Del Rey, 2007. SILVA, G. E. N.; ACCIOLY, H. Manual de direito internacional público, 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. TURRA, G. S.; OBREGON, M. F. Imunidade diplomática e a aplicação da lei penal local. Derecho y cambio social, 1 out. 2018. Disponível em: <http://www.derechoycambiosocial.com/revista054/IMUNIDADE_DIPLOMATICA. pdf>. Acesso em: 29 nov. 2019. https://thaynerck.jusbrasil.com.br/artigos/258931610/imunidades-e-privilegios-diplomaticos https://thaynerck.jusbrasil.com.br/artigos/258931610/imunidades-e-privilegios-diplomaticos AULA 4 DIREITO DIPLOMÁTICO E CONSULAR Prof. Arthur Augusto Garcia 2 TEMA 1 – RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS E CONSULARES As relações diplomáticas e consulares são importantes para que seja estabelecido o grau de cordialidade entre as nações. Contudo, isso não significa que relações diplomáticas e consulares são sinônimas. Veremos a seguir as diferenças entre essas relações perante o Direito Internacional. 1.1 Breve histórico Antes de diferenciarmos as relações diplomáticas das relações consulares, é imperioso analisar a origem e o objetivo de cada uma delas, para que tenhamos uma base para compreender seus institutos e suas características. Estas relações acontecem desde os períodos iniciais das civilizações grega e romana, entretanto, não havia uma estabilidade em virtude de não apresentarem uma base sólida na resolução de assuntos pertinentes às relações dos países, bem como em relação ao “Diplomata”. Neste mesmo período histórico surgiram também as relações consulares, iniciadas nas civilizações grega e romana, que tinham mais foco nas resoluções de conflitos entre as nações do que propriamente o Estado, como ocorre nas relações diplomáticas. Durante as Cruzadas (1095-1492 d.C.), por exemplo, em que os europeus disputavam com povos do Oriente Médio, também era necessário enviar representantes confiáveis para a resolução de divergências entre os seus conterrâneos e os estrangeiros. A pessoa enviada recebia o nome de “juiz”, que futuramente se tornaria o chamado “Cônsul”. Em 1648, na chamada “Paz de Westfália”, houve uma espécie de oficialização das chamadas relações diplomáticas, tornando-as permanente. Todavia, estas permaneceram na base dos costumes, o que deixava a matéria confusa e com ausência de segurança jurídica, visto que cada país tinha uma forma diferente de tratar as relações exteriores. Somente após a Convenção de Viena de 1961 que a diplomacia passou a ter homogeneidade, com a disposição de regras e regulamentos próprios. Foi também após a referida convenção que ficaram estabelecidas as atribuições que regulamentariam as relações no âmbito internacional. 3 1.2 Diferença entre as Relações Diplomáticas e as Relações Consulares Foi por meio das regulamentações, normas e convenções que ficou nítida a diferenciação de ambos os institutos, visto que desempenham funções distintas em seu modo de atuação. A Diplomacia trata de assuntos dos Estados e os Consulares, dos interesses dos particulares, ou seja, das pessoas físicas e jurídicas no exterior. Aos Cônsules são atribuídas as funções de registro, por exemplo, de nascimento e casamento. É também função dos Cônsules zelar pelos nacionais de seu país de origem que se encontram em situações delicadas no estrangeiro, como enfermidades, problemas jurídicos e até casos de óbito. É por estas funções que os Consulado e, consequentemente, os Cônsules estão alocados nas cidades em que maior número de particulares eventualmente precisarão de auxílio. Para visualizarmos tal função, pensemos em um brasileiro que se encontra em Londres, na Inglaterra, e precise de um auxílio referente a um registro. É pelo Consulado do Brasil na Inglaterra que o brasileiro terá o auxílio necessário, e não na sede de uma Missão Diplomática. No que tange ao Diplomata, este tem um papel político para com o seu país de origem. A ele é atribuída a função de representar seu Estado na comunidade internacional, bem como de desempenhar o papel de negociador dos interesses de sua nação perante outra. Outra função atribuída ao Diplomata é a de prestar informação ao Estado acreditante (país de origem) em relação às condições presentes no Estado acreditado (local da sua missão), de maneira que a embaixada deve obrigatoriamente ser estabelecida na capital de cada estado onde a missão se encontra. TEMA 2 – IMUNIDADES E PRIVILÉGIOS DOS DIPLOMATAS Aos diplomatas são concedidas certas imunidades e privilégios para que não haja óbice no exercício de sua função para com a missão diplomática. É importante mencionar que há imunidades concedidas às missões diplomáticas, aos membros da missão diplomática e ao seu chefe, que, neste caso, é o Diplomata, de modo que as imunidades relativas aos primeiros já foram objeto de estudo nas aulas anteriores. 4 Privilégios, atribuições e imunidades concedidas aos Diplomatas estão regulamentados pela Convenção de Viena de 1961 que trata sobre as relações diplomáticas. 2.1 Inviolabilidade Pessoal do Diplomata Não só a missão diplomática tem esta prerrogativa como também a pessoa do Diplomata, sendo esta característica a mais importante, pois protege o agente diplomático, com base no art. 29, que aduz: “A pessoa do agente diplomático é inviolável. Não poderá ser objeto de nenhuma forma de detenção ou prisão. O estado acreditado tratá-lo-á com o devido respeito e adotará todas as medidas adequadas para impedir qualquer ofensa à sua pessoa, liberdade ou dignidade”. A doutrina no que diz respeito a esta inviolabilidade pessoal do Diplomata entende que tal prerrogativa é a base para todas as demais que estudaremos a seguir, e que, mesmo nos tempos da idade antiga, já vinha sendo aplicada. Um exemplo claro dessa imunidade na Antiguidade é que os emissários/mensageiros podiam transitar entre diferentes povos sem que fossem objeto de qualquer violação. A Convenção de Viena de 1961 é clara ao afirmar que o Estado acreditado tem a obrigação de coibir a prática de qualquer ato ofensivo, injurioso ou violento contra a pessoa e a dignidade do Diplomata. Vale salientar a não especificidade dos casos considerados ofensivos, injuriosos ou violentos, sendo tais conceitos intrínsecos na Convenção de Viena de 1961 sobre as Relações Diplomáticas. Em outras palavras, seus sentidos são muito amplos. Entretanto, é pacífico que o Diplomata não pode ser preso ou detido por qualquer pessoa, seja por particular ou autoridade, do Estado em que se encontra estabelecida a Missão Diplomática por ele chefiada. 2.2 Liberdade de Movimento do Diplomata Esta prerrogativa, também muito importante no exercício das funções pelo Diplomata, é prevista no art. 26 da Convenção de Viena de 1961 sobre as relações diplomáticas, que prevê: “art. 26: Salvo o disposto nas leise regulamentos relativos a zonas cujo acesso é proibido ou regulamentado por motivos de 5 segurança nacional, o Estado acreditado garantirá a todos os membros da Missão a liberdade de circulação e trânsito em seu território”. (1961) A liberdade de movimento é a mais abrangente das imunidades concedidas ao Diplomata, uma vez que tal liberdade garante ao Diplomata o trânsito por qualquer lugar que não seja motivadamente proibido ou regulamento. Esta ideia surgiu no pós-guerra (1948), pois a extinta URSS demarcava diversas zonas com caráter proibitivo, onde a entrada dependia de autorização, nas quais os Diplomatas sofreram restrições de movimentações. Assim, o referido art. 26 tinha como objetivo definir a proibição de entrada do Diplomata em determinados locais como exceção, e não regra, como ocorreu no pós-guerra. Corroborando com tal entendimento, Silva (2015) aduz que a intenção legislativa à elaboração do art. 26 era de que as proibições de ingresso em determinadas zonas resultado de lei ou regulamento visando a todos os habitantes do país, e não, especificamente, aos agentes diplomáticos estrangeiros. Outrossim, a restrição prevista deve ser a exceção, a regra é a liberdade de locomoção Dessa forma, a liberdade de movimento não significa que o Diplomata tem passe livre, condicionado apenas à sua vontade de ir e vir, mas sim de promover uma garantia que não lhe impeça realizar movimentações que acarretem prejuízo ao objetivo da missão diplomática, da sua função ou até mesmo que haja a discriminação do Diplomata em face de outras pessoas naturais do Estado em que se encontra. Esta imunidade deve ser garantida ao Diplomata porque, de outra forma, ele poderia ser impedido de realizar seu trabalho plenamente apenas pelo fato de não ter a mesma mobilidade que as pessoas nascidas naquele país. É importante salientar que tal imunidade é exclusiva do Diplomata, e não se estende, por exemplo, à equipe técnica da missão, que é composta de cidadãos do Estado acreditado, uma vez que naturalmente já têm tal liberdade de movimentação. Por fim, ressalta-se que isso de maneira alguma significa que o agente diplomático pode locomover-se ou manter-se onde quiser. Os locais privados ou que, em razão de segurança, têm restrição de acesso, até mesmo aos cidadãos daquele Estado, podem restringir acesso também ao agente diplomático sem que isso configure violação ao art. 26 da CVRD. 6 2.3 Liberdade de Comunicação do Diplomata Tal imunidade tem previsão legal na Convenção de Viena de 1961, especificamente em seu art. 27, que aduz: Art. 27: 1. O Estado acreditado permitirá e protegerá a livre comunicação da Missão para todos os fins oficiais. Para comunicar-se com o Governo e demais Missões e Consulados do Estado acreditante, onde quer que se encontrem, a Missão poderá empregar todos os meios de comunicação adequados, inclusive correios diplomáticos e mensagens em códigos ou cifra. Não obstante, a Missão só poderá instalar e usar uma emissora de rádio com o consentimento do Estado acreditado; 2. A correspondência oficial da Missão é inviolável. Por correspondência oficial entende-se toda correspondência concernente à Missão e suas funções; 3. A mala diplomática não poderá ser aberta ou retida; 4. Os volumes que constituam a mala diplomática deverão conter sinais exteriores visíveis que indiquem o seu caráter e só poderão conter documentos diplomáticos e objetos destinados a uso oficial; 5. O correio diplomático, que deverá estar munido de um documento oficial que indique sua condição e o número de volumes que constituam a mala diplomática, será, no desempenho das suas funções, protegido pelo Estado acreditado; 6. O Estado acreditante ou a Missão poderão designar correios diplomáticos " ad hoc ". Em tal caso, aplicar-se-ão as disposições do parágrafo 5 deste artigo, mas as imunidades nele mencionadas deixarão de se aplicar, desde que o referido correio tenha entregado ao destinatário a mala diplomática que lhe fora confiada; 7. A mala diplomática poderá ser confiada ao comandante de uma aeronave comercial que tenha de aterrissar num aeroporto de entrada autorizada. O comandante será munido de um documento oficial que indique o número de volumes que constituam a mala, mas não será considerado correio diplomático. A Missão poderá enviar um de seus membros para receber a mala diplomática, direta e livremente, das mãos do comandante da aeronave. Mesmo que a liberdade de comunicação tenha um conceito muito alterado durante os anos, ela é considerada umas das principais imunidades concedidas ao Diplomata, podendo, inclusive, ser comparada, em grau de importância, com as que estudamos anteriormente (pessoal e movimento). Tais alterações mencionadas se devem ao fato de alguns meios de comunicação elencados no art. 26 da CVRD terem caído em desuso em virtude da evolução tecnológica ocorrida a partir de 1961, ano de criação da regra, como a correspondência, por exemplo. Todavia, mesmo que tenha ocorrido grande modificação e modernização na forma de se comunicar, é indispensável para o cumprimento das funções do Diplomata que este dispositivo legal, ainda que de maneira adaptada para as formas modernas de comunicação. A imunidade deve ser respeitada e aplicada. 7 Desta forma, a liberdade de comunicação deve ser aplicada em todas as formas de comunicação do diplomata para com o seu Estado, seja via telefone, e- mails, malotes, cabendo ao Estado acreditado a efetivação desta regra, garantindo o seu sigilo e sua inviolabilidade. 2.4 Imunidade de Jurisdição (Cível, Penal e Tributária) do Diplomata A imunidade de jurisdição, ou imunidade à jurisdição estatal, como também é chamada, consiste na característica concedida por Lei ao Diplomata que o torna imune à incidência da lei do estado acreditado. Esta imunidade é justificada pela teoria do interesse da função, que justifica a imunidade de jurisdição da missão diplomática, a qual estudamos anteriormente. Esta teoria, que hoje é aplicada pela maioria da jurisprudência internacional e pela doutrina, trata de reconhecer que tais imunidades e privilégios são concedidos para a garantia das funções do Diplomata que decorrem do exercício de sua função para com a Missão Diplomática. Ou seja, tais imunidades não têm como objetivo o benefício individual do Diplomata, mas sim assegurar que este desempenhe suas funções para o bem da coletividade (Mello, 2001). A Imunidade de Jurisdição pode ser Cível, Penal e Tributária, as quais veremos a seguir. 2.4.1 Imunidade Cível Entende-se como imunidade de jurisdição cível a prerrogativa que torna o Diplomata imune à jurisdição local, todavia podem ser julgados pelo seu Estado que representa com base nas suas leis. 2.4.1 Imunidade Penal Trata-se da mais controversa imunidade mediante a opinião púbica e, conforme Moreira (2002), aplica-se, outrossim, o disposto no art. 31, parágrafo 4, da CRVD, que evita que a imunidade de jurisdição criminal do agente diplomático venha a significar impunidade. Na prática, observa-se, de igual modo, ceticismo quanto à retomada da ação penal nos tribunais do Estado acreditante. As consequências morais e administrativas da ação do Estado acreditado podem, no entanto, constituir sanção efetiva contra o agente faltoso. 8 Vale esclarecer que esta imunidade não tem o propósito de beneficiar o Diplomata ou até mesmo lhe promover uma impunibilidade em relação a qualquer ato criminoso que venha a cometer, ao passo de que as autoridades legais podem apresentar queixa ao estado de origem do Diplomata, onde caberá a este acusa- lo ou não. 2.4.2 Imunidade Tributária Esta imunidade encontra-se prevista no art. 23, parágrafos 1° e 2° da Convenção de Viena sobre as relações Diplomáticas, a qual aduz que o Diplomata é isento de taxas e impostos para com o estado acreditante. Artigo 23:1. O Estado acreditante e o Chefe da Missão estão isentos de todos os impostos e taxas, nacionais, regionais ou municipais, sobre os locais da Missão de que sejam proprietários ou inquilinos, excetuados os que representem o pagamento de serviços específicos que lhes sejam prestados. 2. A isenção fiscal a que se refere este artigo não se aplica aos impostos e taxas cujo pagamento, na conformidade da legislação do Estado acreditado, incumbir as pessoas que contratem com o Estado acreditante ou com o Chefe da Missão. Ainda, também está previsto no mesmo tratado, em seu art. 34, essa mesma isenção por parte de seus agentes. Artigo 34: O agente diplomático gozará de isenção de todos os impostos e taxas, pessoais ou reais, nacionais, regionais ou municipais, com as exceções seguintes: a) os impostos indiretos que estejam normalmente incluídos no preço das mercadorias ou dos serviços; b) os impostos e taxas sobre bens imóveis privados situados no território do Estado acreditado, a não ser que o agente diplomático os possua em nome do Estado acreditante e para os fins da missão; c) os direitos de sucessão percebidos pelo Estado acreditado, salvo o disposto no parágrafo 4 do artigo 39; d) os impostos e taxas sobre rendimentos privados que tenham a sua origem no Estado acreditado e os impostos sobre o capital, referentes a investimentos em empresas comerciais no Estado acreditado. e) os impostos e taxas que incidem sobre a remuneração relativa a serviços específicos; f) os direitos de registro, de hipoteca, custas judiciais e imposto de selo relativos a bens imóveis, salvo o disposto no artigo 23. Todavia, é importante mencionar que há exceções para esta imunidade tributária, visto que, mesmo que o Diplomata seja isento a determinados tributos pela Convenção de Viena, ele deve pagar tributos que são cobrados de forma indireta pela utilização de serviços ou bens (Rezek, 2008). 9 Assim, entende-se que a imunidade tributária foi instituída de forma relativa, com cautela e acertadamente, uma vez que, se a imunidade fosse absoluta, acarretaria diversos problemas ao estado acreditado. TEMA 3 – IMUNIDADES E PRIVILÉGIOS DOS CÔNSULES Primeiramente, é importante relembrar que os Cônsules desempenham funções de interesse dos seus nacionais, ou seja, notarial ou de registro, além da função consular propriamente dita. Na primeira, o Cônsul desempenha as funções de tabelião, realizando registros de nascimento, óbito, procuração, contratos, autenticação de documentos etc. Na última, o Cônsul tem como função promover o auxílio aos nacionais em situação de vulnerabilidade, ou seja, pessoas presas, doentes etc. Já em relação aos privilégios e às imunidades concedidas aos Cônsules, estas apresentam bastante semelhança com a concedida aos diplomatas, diferindo em relação à abrangência, ou seja, são menos amplas que as dos Diplomatas. 3.1 Inviolabilidade Pessoal Da mesma forma como ocorre com o Diplomata, também é garantida ao Cônsul a inviolabilidade pessoal, ou seja, o Estado no qual o Cônsul se encontra deve garantir proteção contra atos injuriosos, físicos ou violentos à sua pessoa. É importante mencionar que a inviolabilidade da bagagem pode ser relativizada quando não tem fim compatível com o exercício da função consular. No que tange à residência do Cônsul, esta também é inviolável, todavia sua regra não se aplica aos demais agentes consulares, com exceção do campo tributário. 3.2 Imunidade Penal Ao contrário do Diplomata, que tem imunidade penal de forma absoluta, ao Cônsul a imunidade penal é aplicada de forma relativa. Assim, é possível que o Cônsul seja preso em caso de crime grave ou em caso de decisão judicial definitiva. Entretanto, o processo judicial deve buscar não impedir o exercício da função consular. Por fim, a imunidade penal não é estendida aos familiares do Cônsul. 10 3.3 Imunidade Cível O Cônsul tem imunidade cível pelos atos praticados no exercício de suas funções, ou seja, ela é relativa, e não absoluta. A exceção está no contrato em que o funcionário não tiver realizado como agente estatal. Esta imunidade também não se aplica aos seus familiares. 3.4 Imunidade Tributária Aqui temos a primeira semelhança em comparativo com as imunidades dos diplomatas. O Cônsul tem imunidade tributária em relação aos impostos do país no qual exerce suas atividades estatais, com exceção daqueles cobrados pelo consumo de bens e serviços (transporte, energia elétrica, saneamento etc.). 3.5 Obrigação de depor como testemunha O Cônsul não pode ser obrigado pelo Estado onde se encontra a prestar depoimento na qualidade de testemunha, contudo, essa imunidade se aplica apenas aos atos realizados na função estatal que desempenha, ou seja, o depoimento não pode versar sobre assuntos consulares. TEMA 4 – CONSULADO HONORÁRIO E SUAS FUNÇÕES 4.1 Consulado Honorário O objetivo central das repartições honorárias é promover a defesa e garantia de direitos e assistências, emergenciais ou não, dos membros da comunidade brasileira, sejam eles de passagem ou residentes, na jurisdição do consulado. 4.2 Funções dos Consulados Honorários Os consulados honorários têm como funções: a) Prestação de assistência a cidadãos brasileiros que dela necessitem, em coordenação com o Posto consular ao qual se subordinam; b) Visitas aos cidadãos brasileiros em centros de detenção; c) Apoio para os Consulados Itinerantes, na sua divulgação, preparação, realização e identificação de local; 11 d) Organização e participação em encontros e outras atividades que envolvam a comunidade brasileira local; e) Processamento de matrículas a serem incorporadas posteriormente ao banco de dados da Repartição Consular a que se subordina; f) Em coordenação com a Repartição Consular a que se subordina, fomento ao desenvolvimento das relações comerciais, econômicas, culturais e científicas do Brasil, inclusive mediante prestação de apoio a delegações brasileiras. 4.2 Escolha dos Cônsules Honorários Essa escolha recai em pessoas que mantenham vínculos com o Brasil e, sobretudo, com a comunidade brasileira no local onde exercem suas funções e que, em virtude de seu trânsito nos demais locais, mantenham condições próprias do desempenho pleno das funções descritas anteriormente. São direcionadas pelos postos as escolhas de candidatos que, geralmente, possuem no mínimo o conhecimento da língua portuguesa ou que geralmente tenham condições de contar com intérpretes cujos serviços podem ser solicitados em prazo hábil. 4.3 Tempo de Mandato O Ministério das Relações Exteriores, juntamente dos Postos que se subordinam às Repartições Consulares Honorárias, definem os mandatos de quatro anos, que podem ser prorrogados por mais quatro anos, existindo eventualmente casos em que os mandatos têm duração inferior a este período. Os postos encaminham avaliação anual de desempenho dos titulares de Consulados Honorários, inclusive considerações a respeito da conveniência ou não de manter, substituir ou encerrar atividades em determinados Consulados Honorários. 4.4 Renúncia dos Privilégios O Estado acreditante tem prerrogativa de renunciar expressamente a imunidade de jurisdição de seus agentes diplomáticos e das demais pessoas pertencentes. 12 Tal possibilidade é prevista no art. 32, parágrafo 1° da Convenção de Viena de 1961. Artigo 32 1. O Estado acreditante pode renunciar à imunidade de jurisdição dos seus agentes diplomáticos e das pessoas que gozam de imunidade nos termos do artigo 37. 2. A renúncia será sempre expressa. 3. Se um agente diplomático ou uma pessoa que goza de imunidade de jurisdição nos termos do artigo 37 inicia uma ação judicial, não lhe será permitido invocar a imunidade de jurisdição no tocante a uma reconvenção ligada à ação principal. 4. A renúncia à imunidade de jurisdição no tocante às açõescivis ou administrativas não implica renúncia a imunidade quanto as medidas de execução da sentença, para as quais nova renúncia é necessária. Já sabemos que os funcionários consulares têm alguns privilégios para facilitar o exercício de suas funções, contudo estes podem ser renunciados pelo Estado acreditante. Essa renúncia deve ser expressa e, conforme elucida Campos (2012), somente o Estado acreditante pode renunciar as imunidades de ordem penal e cível dos representantes diplomáticos e consulares. TEMA 5 – DIFERENÇAS ENTRE CÔNSULES E DIPLOMATAS No meio social, é muito comum realizar confusões entre as carreiras consular e diplomática, e diariamente nos deparamos com pessoas definindo o diplomata com atribuições consulares e vice-versa. Isso é comum até mesmo entre os profissionais do direito, pois existe certa nebulosidade sobre o tema. Contudo, pensemos: Qual é a real diferença entre os dois? Ambas as figuras estão inseridas no Direito Internacional, estando presentes ao lado do presidente da República e do ministro das Relações Exteriores (no caso do Brasil), em que ambos figuram como agentes de representação internacional dos Estados soberanos. A diferença mora nas atribuições que cada figura tem em relação às suas carreiras. Os agentes diplomáticos têm como chefe o Embaixador, estes são encarregados da nobre missão de representação do Estado no que tange a assuntos públicos e políticas no exterior, já os membros do corpo consular são encarregados dos interesses privados de seus nacionais. Os cônsules desempenham basicamente duas funções essenciais, ligadas ao interesse dos seus nacionais: a função notarial ou de registro e a função consular propriamente dita. 13 a) Função Notarial ou de Registro do Consul: equipara-se à função dos tabeliões, ou seja, de realizar registros de nascimento, óbito, procurações, contratos, autenticações de documentos etc. b) Função Consular: o cônsul tem como atribuição o gerenciamento dos auxílios concedidos a nacionais em situação de vulnerabilidade, em especial àqueles que estão presos ou doentes. Os agentes diplomáticos, por sua vez, representam e promovem os interesses brasileiros no plano internacional, fortalecendo os laços de cooperação do seu país com os demais países. Ou seja, apresentam funções ligadas ao Estado que representa, e não aos nacionais, como os cônsules. 14 REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto n. 54.435, de 8 de junho de 1965. Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 jun. 1965. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D56435.htm>. Acesso em: 27 nov. 2019. MELLO, C. D. de A. Curso de Direito Internacional Público. 13. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. MOREIRA LIMA, S. E. Privilégios e Imunidades diplomáticas. Brasília: Instituto Rio Branco; Fundação Alexandre de Gusmão, 2002. REZEK, F. Curso Elementar de Direito Internacional Público. 11. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008. SILVA, G. E. do N. e. Direito Internacional Diplomático. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2015. AULA 5 DIREITO DIPLOMÁTICO E CONSULAR Prof. Arthur Augusto Garcia 2 TEMA 1 – MEIOS DIPLOMÁTICOS DE RESOLUÇÃO PACÍFICA DE CONTROVÉRSIAS INTERNACIONAIS Anteriormente, adentramos nas modalidades de resolução pacífica de controvérsias dentro do Direito Diplomático e Consular. Agora, é importante entendermos a natureza dessas modalidades e também os limites impostos a ela. A institucionalização dos mecanismos de solução de controvérsias entre os Estados é o caminho para a redução dos efeitos destruidores sobre o sistema que decorrem de tensões, bem como da permanência de controvérsias mal resolvidas ou não resolvidas entre os Estados soberanos. No contexto pós-moderno, espera- se que tais controvérsias sejam resolvidas de maneira pacífica, mediante mecanismos jurídicos e arbitrais. Existem vários meios de resolução pacífica de controvérsias internacionais, divididos em três categorias: duas de caráter amistoso (meios diplomáticos e meios jurídicos) e a última de caráter não amistoso (meios coercitivos) (Moraes, 2012), Via de regra, os métodos coercitivos constituem-se em sanções, e a sua utilização por organizações internacionais, como é o caso de decisões do Conselho de Segurança das Nações Unidas, retrata um meio aceitável de implementação do direito internacional. Contudo, quando temos uma sanção aplicada unilateralmente por um Estado mais poderoso em relação ao outro, os meios coercitivos não se justificam (Moraes, 2012). Agora, veremos os meios diplomáticos de resolução de controvérsias, sendo eles: negociações diretas, congressos e conferências, os bons ofícios, mediações e os sistema consultivo. 1.1 As Negociações direitas Aqui, temos o meio usual, que geralmente chega aos melhores resultados para a solução de divergência entre os estados. Essas negociações podem variar de acordo com a gravidade do problema (Nunes, 2015). Nos de menor importância, a solução encontrada se dá através de um entendimento verbal que ocorre entre a missão diplomática e o Ministério das Relações Exteriores local. Já nos de maior gravidade, essa solução pode ser encontrada mediante entendimento entre os altos funcionários dos dois governos, ou seja, geralmente entre os próprios ministros das relações exteriores. Essas 3 resoluções podem ocorrer por desistência, aquiescência e transação (Nunes, 2015). Quando um governo renuncia a pretensão de um direito que causava o conflito, estamos diante da desistência. Todavia, quando um Estado reconhece a pretensão do outro e isso coloca fim à controvérsia, teremos uma aquiescência. E por fim, quando ocorre a concessão recíproca na resolução do conflito, chamamos de transação. 1.2 Congressos e Conferências Quando há um interesse mútuo de diversos Estados na resolução do conflito, bem como há em vista a solução de um conjunto de questões sobre a qual há divergências, essas são resolvidas através de congressos ou por meio de uma conferência internacional. Hoje em dia, esses tipos de problemas, de caráter litigioso ou não, são resolvidos na Assembleia Geral das Nações Unidades e, caso envolva Estados latino-americanos, por meio da Organização dos Estados Americanos (OEA). A princípio, não há uma definição da diferença entre congressos e conferências diplomáticas internacionais, visto que ambas consistem em reuniões de representantes de estados, devidamente autorizados para a discussão de questões internacionais (Guerra, 2017). Houve um tempo em que a denominação de congresso era reservada às reuniões de soberanos ou chefes de estados. Já as conferências são as demais, aquelas que não se enquadravam na definição anterior. Entretanto, hoje essa definição já não é mais utilizada (Guerra, 2017). 1.3 Bons Ofícios Essa modalidade de resolução pacífica de controvérsias se trata da tentativa amistosa de estados litigantes de encontrarem um acordo. Estes podem ser oferecidos ou solicitados por qualquer um dos Estados litigantes. Nessa modalidade, o estado ou os estados que os oferecem ou que os aceitam não tomam partido direto nas negociações, nem no acordo a que os litigantes possam chegar. A intervenção tem como objetivo colocá-los em um terreno neutro, em que possam realizar as discussões livremente. 4 É importante mencionar que essa modalidade de resolução não se caracteriza como uma resolução não amistosa, tampouco quando há a recusa em exercê-la. Como exemplo histórico dessa modalidade, temos o governo português, em 1895, para a solução da questão da Ilha da Trindade, entre o Brasil e a Grã- Bretanha; os do Presidente Theodore Roosevelt dos Estados Unidos da América, em 1905, para a conclusão da guerra entre o Japão e a Rússia; os do Brasil, em 1909, para a reconciliação do Chile com os EstadosUnidos, a propósito da reclamação da firma Alsop & Cia., e em 1934, entre o Peru e a Colômbia, no caso de Letícia (Kasper, 2019). 1.4 A mediação Essa forma de resolução de conflitos consiste na interposição amistosa de um ou mais Estados, entre outros Estados, para a resolução pacífica de um conflito. Todavia, na prática, nem sempre é possível destituir a mediação dos bons ofícios. A princípio, pode-se dizer que a mediação se distingue dos bons ofícios quando, ao contrário do que ocorre com estes, é constituída uma forma de participação direta nas negociações entre os estados litigantes. Outra diferenciação que podemos fazer é no que tange à intervenção, propriamente dita, quando o estado mediador, ao contrário do que intervém, se abstém de impor a sua vontade (Moraes, 2012). Da mesma forma que os bons ofícios, a mediação pode ser oferecida ou solicitada, bem como recusada, e isso não traz um caráter de ato inamistoso. São exemplos e resolução por mediação o do Papa Leão XIII, em 1885, no conflito entre a Alemanha e a Espanha, sobre as ilhas Carolinas; o da Inglaterra, entre o Brasil e Portugal, para o reconhecimento da independência política brasileira, consagrado no Tratado de Paz e Amizade celebrado no Rio de Janeiro em 29 de agosto de 1825; o da Bolívia e o Paraguai, de 1935 a 1938, para o término da guerra do Chaco e consequente celebração da paz; o da Inglaterra, entre o Brasil e a Argentina, durante a guerra da Cisplatina, e cujo resultado foi a Convenção Preliminar de Paz, pela qual se reconheceu a independência do Uruguai o de seis países americanos (Brasil, Argentina, Chile, Estados Unidos da América, Peru e Uruguai (Unimonte, 2017). 5 1.5 O sistema consultivo Outro método de resolução pacífica de controvérsias internacionais é a consulta, que pode ser conceituada como uma troca de opiniões entre dois ou mais governos que, direta ou indiretamente, estão interessados no litígio internacional. Nessa concepção, as consultas vêm figurando em acordos internacionais, ao menos desde o tratado firmado em Washington, no dia 13 de dezembro de 1921, entre os Estados Unidos da América, o Império Britânico, a França e o Japão no que tange à posse ou domínios insulares no Oceano Pacífico. Todavia, foi no continente americano que essa modalidade de resolução de litígios internacionais ganhou o caráter pacífico de resolução de controvérsias bem como o de cooperação pacifista internacional. O primeiro deles nesse sentido nasceu na Conferência Interamericana de Consolidação da Paz (Buenos Aires, 1936), em duas convenções (convenção sobre manutenção, garantia e restabelecimento da paz e convenção para coordenar, ampliar e assegurar o cumprimento dos tratados existentes entre os estados americanos), que foi ampliado e aperfeiçoado através da 8 ª Conferência Internacional Americana (Lima, 1938), bem como na Conferência Interamericana de Petrópolis (1947), em relação à manutenção da paz e da segurança do continente, e por fim, na Carta da Organização dos Estados Americanos. Desse modo, o método consultivo entre os países americanos teve, inicialmente, o objetivo de promover a manutenção da paz no continente, entretanto, foi com a ampliação adotada na Conferência de Lima que esse método aplicável em qualquer questão cultural, econômica ou de outra ordem que, em razão da sua importância, justifique esse processo no qual o exame ou solução entre os estados americanos tenham interesses em comum. Aqui, ficou definido que a consulta, em que haja contato pessoal, deve ser realizada com assistência dos Ministros das Relações Exteriores (das repúblicas americanas) ou de seus representantes devidamente autorizados. Aqui, também há o surgimento das denominadas reuniões de consulta, como, por exemplo, a primeira, na cidade do Panamá, de 23 de setembro a 3 de outubro de 1939; a segunda em Havana, de 21 a 30 de junho de 1940; e a terceira no Rio de Janeiro, de 15 a 28 de janeiro de 1942, todas realizadas durante o período da Segunda Guerra Mundial. 6 Foi adotado na Conferência Interamericana do México, em 1945, uma resolução em que se declara que as reuniões ordinárias de consulta devem ser realizadas anualmente, dependendo de convocação do Conselho Diretor da União Pan-Americana. Fica definido também que, nas reuniões de consulta, haveria a tomada de decisões relativas aos problemas com grau de urgência relevantes, ou seja, que interfiram dentro do sistema interamericano, bem como nas situações e disputas de todo gênero que ameacem a paz das repúblicas americanas. Todavia, os efeitos dessa resolução desapareceram em detrimento da regulamentação definitiva dada ao sistema consultivo interamericano, pela Carta da OEA e pelo trabalho de assistência recíproca interamericano. Por fim, a Carta de Bogotá não só trouxe o reconhecimento das Reuniões de Consulta dos Ministérios das Relações Exteriores como um dos órgãos da OEA, mas também definiu o caráter de novo órgão e o mecanismo de suas reuniões, tal qual hoje está estabelecido. TEMA 2 – MEIOS JURÍDICOS DE RESOLUÇÃO PACÍFICA DE CONTROVÉRSIAS INTERNACIONAIS Além das formas mencionadas anteriormente, a doutrina jurídica estipula outros métodos de resolução pacífica de controvérsias internacionais. Dentre elas, temos as jurídicas ou judiciárias, que se dão de diversas formas, as quais veremos a seguir. 2.1 Tribunais internacionais permanentes Consideradas como entidades judiciárias permanentes, as cortes e tribunais são compostas por juízes independentes, os quais exercem a função de julgadores dos conflitos internacionais, levando em consideração o direito internacional e suas normas, tendo como base um processo preestabelecido em que as sentenças possuem caráter obrigatório para as partes envolvidas no litígio. Via de regra, as questões são submetidas aos tribunais internacionais permanentes pelos Estados, contudo, não existe impedimento para que essa proposição seja feita por organizações internacionais. A criação de um tribunal de caráter permanente foi proposta por ocasião da Segunda Conferência da Paz de Haia, contudo efetivamente somente seria implementado anos mais tarde. 7 No contexto Pós-Moderno, a construção do direito internacional possui marcos internacionais específicos, sendo constituídos por ferramentas básicas de trabalho para os profissionais da área, isso porque, para conhecer o direito internacional de justiça, é necessário compreender também as bases da jurisprudência internacional (em especial da Corte Internacional de Justiça, sua predecessora, a Corte Permanente de Justiça Internacional, e da Corte Permanente de Arbitragem) (Accioly, 2019). Lentamente, os novos tribunais internacionais permanentes vão sendo instituídos com o objetivo de adjudicar uma ampla gama de problemas, destacando-se os tribunais de caráter universal e os de natureza regional. Estes podem possuir funções amplas, conforme ocorre com a CIJ, ou então ter um objetivo restrito, conforme ocorre com o Tribunal Internacional do Direito do Mar, que foi criado pela Convenção sobre o Direito do Mar (Accioly, 2019). 2.2 Comissões Mistas Durante o século XIX, esteve muito em voga a solução de controvérsias internacionais por meio da constituição de comissões mistas, que são compostas exclusivamente de representantes das partes litigantes. Na verdade, as comissões mistas são o início da arbitragem. As comissões mistas se tratava de ações referentes a fronteiras, e principalmente da reclamação de particulares sobre danos sofridos em suas pessoas ou bens. A história da diplomacia do Brasil registra alguns casos de comissões dessa natureza, contudo, estas tornaram-se raras no século XX, pois foram se transformando em tribunais arbitrais, compostos também por um membro estranho ao litígio. É importante mencionar que ascomissões mistas responsáveis pela resolução de controvérsias internacionais não se confundem com as comissões mistas que têm como objetivo a execução de serviços de interesse mútuo, pois essas últimas, geralmente, possuem natureza técnica, como por exemplo as comissões demarcadoras de fronteiras. 2.3 Arbitragem Definida como o meio de solução pacífica de controvérsias entre Estados, a arbitragem é composta por uma ou mais pessoas livremente escolhidas pelas 8 partes litigantes, o que é feito, via de regra, por meio de um compromisso arbitral que estabelece as normas a serem seguidas, e as partes contratantes aceitam previamente a decisão que será adotada (Moraes, 2012). Os autores, geralmente, sustentam que só pode ser objeto de resolução por arbitragem os conflitos de ordem jurídica ou suscetíveis de serem formulados juridicamente. Esse posicionamento também é adotado pelas Convenções de Haia, de 1899 e 1907, onde fica estabelecida como requisito para arbitragem a existência de uma questão jurídica ou ao menos baseada no direito (Moraes, 2012). Em verdade, é possível dizer que a arbitragem é aplicável a todas as controvérsias internacionais, independentemente de sua natureza ou causa, pois nem sempre é possível distinguir com precisão as controvérsias de ordem jurídica ou de ordem política. É importante entender quais são as características da Arbitragem: • O acordo de vontades das partes para a fixação do objeto do litígio e o pedido de sua solução a um ou mais árbitros; • A livre escolha destes; • A obrigatoriedade da decisão. Visto isso, a arbitragem pode ser feita de duas formas, voluntária ou obrigatória, sendo a primeira instituída por livre estipulação de um juízo arbitral, por acordo ocasional entre as partes, e a segunda forma decorre de um ajuste prévio entre os litigantes, sendo que em ambos os casos é firmado um acordo ao final. TEMA 3 – RESOLUÇÕES COERCITIVAS DE CONTROVÉRSIAS INTERNACIONAIS Uma vez esgotados os meios pacíficos de solução de controvérsias internacionais, os Estados podem empregar meios coercitivos de resolução de controvérsias, o que não significa necessariamente conflito armado. Tais meios eram tolerados pelo direito internacional, mesmo que tenham reconhecido o caráter abusivo desse método. É importante mencionar que tais métodos são de fato sanções, e como tais, só podem ser aplicados se determinados por uma organização internacional. O Conselho de Segurança das Nações Unidas, em seu art. 41, determina que poderá ser aplicada medidas coercitivas desde que não haja o emprego de forças 9 armadas, interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação marítimos, postais, aéreos, telegráficos, ferroviários ou de qualquer espécie de relação diplomática. 3.1 Retorsão Essa modalidade é conceituada como um ato por meio do qual um Estado ofendido aplica ao Estado que o ofendeu as mesmas medidas ou os mesmos processos empregados a ele. Dessa forma, nada mais é que um meio de se opor que um Estado exerça seus direitos em prejuízo de outro Estado. Esse meio é inspirado no princípio da reciprocidade e no respeito mútuo, que deve ser aplicado por todas as nações para com as demais. Consideram-se como legitimas causas de aplicação de retorsão a interdição do acesso de portos de um Estado aos navios de outro Estado; a concessão de certos privilégios ou vantagens aos nacionais de um Estado, simultaneamente com a recusa dos mesmos favores aos nacionais de outro Estado (Barreira, 2017); o aumento exagerado, por um Estado, dos direitos de importação ou trânsito estabelecido sobre os produtos de outro Estado etc. 3.2 Represálias As represálias se constituem como uma medida coercitiva, derrogatórias das regras ordinárias do direito das gentes, e que são aplicadas em virtude de atos ilícitos praticados por um Estado para com outro Estado. Estas, conforme aduz Kesek (2008), é “um delito, na medida em que se realizam como uma reação contra um delito”. Assim, são consideradas medidas mais ou menos violentas, e, em geral, contrárias a certas regras previamente impostas ao direito das gentes. Via de regas, as aplicações de represálias devem levar em consideração os seguintes princípios (Lavacci, 2016): • As represálias só devem ser permitidas em caso de violação flagrante do direito internacional, por parte do Estado contra o qual são exercidas; • Devem constituir, apenas, atos de legítima defesa, proporcionais ao dano sofrido ou à gravidade da injustiça cometida pelo dito estado; • Só se justificam como medida de necessidade e depois de esgotados outros meios de restabelecimento da ordem jurídica violada; 10 • Devem cessar quando seja concedida a reparação que se teve em vista obter; • Seus efeitos devem limitar-se ao estado contra o qual são dirigidas e não atingir os direitos de particulares, nem os de terceiros estados. Assim, esse método coercitivo deve ser utilizado apenas em último caso, a fim de evitar que um adversário multiplique os atos praticados contra o direito das gentes, como uma forma de revisar tal represália. 3.3 Bloqueio Pacífico Essa outra forma de coerção consiste em impedir, através de força armada, as comunicações com as costas ou portos de um país ao qual se pretendia obrigar a proceder de determina forma. Essa forma pode ser utilizada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas para obrigar um Estado a respeitar e seguir as regras trazidas pelo órgão. O bloqueio pacífico pode ser utilizado também para impedir a entrada e saída dos navios pertencentes ao Estado bloqueado, concedendo permissão de livre entrada ou saída para embarcações nacionais de outros Estados. 3.4 Boicotagem Trata-se da interrupção de relação comercial com um estado ofensor dos nacionais ou dos interesses de outro estado. Esse recurso, via de regra, tem o objetivo de modificar uma atitude considerada agressiva ou injusta de um Estado para com o outro. Essa medida pode ser adotada por ato oficial de um governo ou pode ser obra de meros particulares, sendo que, nesse segundo caso, a boicotagem não acarreta responsabilidade internacional do Estado de onde parta tal ação. Conforme o art. 16 do Pacto da Sociedade das Nações, a boicotagem como medida coercitiva legítima contra o Estado que não respeite os preceitos do Artigo 12,13 e 15 do mesmo pacto, recorresse à guerra. Já o art. 14 da Carta das Nações Unidas prevê igualmente a aplicação da boicotagem como medida que se destina a tornar efetiva as decisões em casos de ameaça à paz internacional. 11 TEMA 4 – RUPTURA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS ENTRE ESTADOS A cessação ou ruptura temporária das relações oficiais entre dois países pode ser causa por uma violação de um Estado para com os direitos dos outros. Entretanto, esta pode ser empregada também como meio de impor pressão de um estado sobre o outro com o objetivo de forçá-lo a modificar uma ou várias atitudes, bem como para chegar a um acordo sobre algum litígio que os separe. Dessa forma, o rompimento das relações diplomáticas é utilizado como um sinal de protesto contra uma ofensa recebida, ou até como uma maneira de forçar uma decisão a qual se pretende sobre outro Estado. É nesse sentido que a Carta das Nações Unidades, em seu art. 41, prevê como uma das possibilidades que podem ser recomendadas pelo Conselho Nacional de Segurança a aceitação de suas decisões, em caso de ameaça à paz internacional (Barreira, 2017). Essa ruptura é manifestada pela entrega de passaportes ao agente diplomático do Estado que está sofrendo tal ruptura ou pela retirada do próprio agente diplomático da capital desse Estado, ou até mesmo pela aplicação concomitante desses atos. A ruptura não acarreta obrigatoriamente uma guerra, contudo, pode abrir caminho para que ela ocorra. Desse modo, essamedida de rompimento de relações diplomáticas, inicialmente, tem caráter de advertência para o Estado na qual se aplica, e, caso não tenha sucesso, outras medidas mais graves poderão ser contra ele empregadas. TEMA 5 – NOÇÕES GERAIS DE EXTRADIÇÃO A extradição é um antigo instrumento de cooperação jurídica internacional, contudo, ganhou muita relevância nos dias atuais, em virtude da internacionalização das finanças, intensificação do transito de pessoas e de bens, bem como o aprofundamento da interdependência entre países, a redefinição de fronteiras, o desenvolvimento geral, ou seja, todo o contexto mundial do início do século XXI que trouxe profundas conquistas para humanidade, e com isso, a criação de grandes desafios (Junior, 2008). Um dos grandes desafios implementados no mundo pós-moderno é a expansão do crime transacional, e é algo elementar que exige uma cooperação internacional cada vez mais eficiente e principalmente integrada. Muitas vezes, pessoas condenadas pela justiça em um determinado Estado estrangeiro 12 aproveitam para hominizar-se em outros países, e é nesse momento que o instituto da extradição se torna um dos mais eficazes métodos de cooperação jurídica no combate ao crime. Dessa forma, a extradição assume uma posição de extrema importância para que as fronteiras dos países deixem de representar a inaplicabilidade da justiça. Conforme Rezek (2005), a extradição pode ser conceituada como: A entrega, por um Estado a outro, e a pedido deste, de pessoa que em seu território deva responder a processo penal ou cumprir pena. Cuida- se de uma relação executiva, com envolvimento judiciário de ambos os lados: o governo reque- rente da extradição só́ toma essa iniciativa em razão da existência do processo penal – findo ou em curso – ante sua Justiça; e o governo do Estado requerido [...] não goza, em geral, de uma prerrogativa de decidir sobre o atendimento do pedido senão depois de um pronunciamento da Justiça local. Assim, o instituto da extração de um indivíduo processado ou condenado em âmbito penal não se limita à cooperação de dois Estados, mas também traduz a união de esforços dos Poderes Judiciários e Executivos de determinados Estados. Aqui, teremos dois tipos de extradição, a passiva e a ativa, sendo que na primeira o Estado requerente é o interessado, e na segunda o Estado requerido é o mandatário. Na legislação brasileira, a Secretaria Nacional de Justiça ligado ao Ministério da Justiça é o órgão responsável pela formalização dos pedidos de extradição realizados por autoridades judiciárias brasileiras a um determinado Estado estrangeiro (ativa), bem como processar, relatar, opinar e encaminhar as solicitações de extradição pretendida por outro país às autoridades brasileiras (passiva) (Junior 2008). Assim, via de regra, o Judiciário do Estado requerido é competente para decidir se o pedido de extradição deve ou não ser permitido. Nesse momento é que são analisados os aspectos formais que conduziram o processo criminal, que é objeto do pedido de extradição, tendo em consideração as garantias processuais do extraditando no curso do seu processo, levando em consideração também as limitações de prescrição e inexistência de motivações políticas ou ideológicas que são causas de nulidade do pedido formulado. O responsável por analisar tais requisitos no Brasil é o Supremo Tribunal Federal, sendo que de sua decisão não há possibilidade de recorrer, apenas de propor embargos de declaração nos casos de omissão, contradição e obscuridade contidos na decisão. 13 O pedido de extradição não depende obrigatoriamente da existência de um tratado firmado entre os Estados envolvidos no processo, podendo ser baseado na promessa de reciprocidade em casos análogos. Essa promessa deve ser respeitada, e mais importante ainda, o princípio da especialidade que pauta o instituto da extradição, para que o extraditando não seja processado, condenado ou detido por delitos cometidos previamente e que não sejam objeto do pedido de extradição. Todavia, na hipótese de haver outros crimes não contemplados no pedido de extradição, os demais juízes são convidados a realizar manifestação de interesse na extensão ou ampliação do pedido (extradição complementar ou supletiva) pois não é possível o adiamento do pedido. A extensão do pedido de extradição está amparada no modelo de tratado sugerido pelas Nações Unidades, em seu art. 14, o qual aduz que: Um indivíduo extraditado [...] não poderá́, no território do Estado requerente, ser processado, condenado, detido ou reextraditado para um terceiro Estado, nem ser submetido a outras restrições em sua liberdade pessoal, por uma infração cometi- da antes da entrega, salvo: a) se se tratar de uma infração pela qual a extradição tenha sido concedida; ou b) se o Estado requerido manifestar a sua concordância. Outro princípio que deve nortear a extradição é o da “dupla incriminação do fato”, que é legitimado na necessidade de o crime ser considerado como tal tanto no país que requer e o país que concede a extradição, isso porque, pautado no princípio da legalidade, ninguém pode ser condenado se não houver previsão legal para tanto. O princípio no non bis in idem também é levado em consideração no pedido de extradição, pois se já houver sentença condenatória transitada em julgado pelo mesmo crime em que a extradição se baseia, esta não será concedida. 14 REFERÊNCIAS ACCIOLY, H.; SILVA, G. E do N.; CASELLA, P. B. Manual de Direito Internacional Público. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. BRASIL, Decreto n. 54.435, de 8 de junho de 1965. Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jun. 1965. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D56435.htm>. GUERRA, S. C. S. Curso de Direito Internacional Público. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2017. JUNIOR, R. T. Extradição: Conceitos, extensão, princípios e acordos internacionais. 15 set. 2008. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2008-set- 15/conceitos_principios_acordos_extradicao>. Acesso em: 5 ago. 2019. KASPER, B. A Diplomacia como meio de solução pacífica de conflitos internacionais. Disponível em: <https://brunofskasper.jusbrasil.com.br/artigos/698719978/a-diplomacia-como- meio-de-solucao-pacifica-de-conflitos-internacionais>. Acesso em: 5 ago. 2019. LIMA, S. E. M. Privilégios e Imunidades diplomáticas. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2002. MORAES, T. F. A mediação, a conciliação e a arbitragem como formas alternativas de resolução de conflitos. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3346, 29 ago. 2012. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/22520>. Acesso em: 29 nov. 2019. RESEK, F. Direito Internacional Público: Curso elementar. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2005. AULA 6 DIREITO DIPLOMÁTICO E CONSULAR Prof. Arthur Augusto Garcia 2 TEMA 1 – NOÇÕES GERAIS DE ASILO POLÍTICO E REFÚGIO O asilo político trata-se de uma entidade jurídica que tem como finalidade proteger, como autoridade soberana, um cidadão estrangeiro que esteja sofrendo perseguição política, por convicção religiosa bem como situações de discriminação racial em seu país de origem. Esse direito está previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, mesmo já sendo uma tradição das civilizações antigas compostas por gregos, judeus e egípcios. Já no Brasil, o asilo político encontra-se previsto na Constitucional Federal e é um privilégio dado ao Poder Executivo, que é representado pelo Ministério da Justiça. De acordo com Portela (2011), a expressão asilo político “consiste na proteção dada por um Estado a um indivíduo cuja vida, liberdade ou dignidade estejam ameaçadas pelas autoridades de outro Estado, normalmente por conta de perseguições de ordem política”. Portanto, asilo político é, segundo Resek(2007): O acolhimento, pelo Estado, de estrangeiro perseguido alhures – geralmente, mas não necessariamente, em seu próprio país patrial – por causa de dissidência política, de delitos de opinião, ou por crimes que relacionados com a segurança do Estado, não configuram quebra do direito penal comum. Desta forma, levando-se em consideração os dois conceitos, o objetivo do asilo político é proporcionar segurança, em outro Estado, ao estrangeiro perseguido por motivos políticos (não de natureza criminal), por sua opinião ou por crimes contra a segurança do Estado. É nesse sentido que o Artigo XIV da Declaração Universal dos Direitos Humanos aduz que “todo homem, vítima de perseguição tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países”, exceto se perseguido legitimamente por ter praticado um crime comum ou tenha praticado algum ato contrário aos princípios das Nações Unidas (Piovesan, 2015). É importante mencionar também que o Pacto de São José, em seu Art. 22, Parágrafo 7° e 8°, preconiza que o direito ao asilo político se trata de: Direito aplicável na hipótese de perseguição por delitos políticos ou comuns, conexos com delitos políticos, vedando ainda a expulsão ou entrega a outro país do indivíduo cujo direito à vida ou liberdade pessoal esteja em risco de violação em virtude de sua raça, nacionalidade religião, condição social ou de suas opiniões políticas. (Portela, 2011) 3 Assim, previamente, a concessão de asilo político deve resguardar o direito do estrangeiro asilado à liberdade pessoal, seja ela de raça, nacionalidade, religião, condição social ou opiniões públicas. 1.1 Tipos de asilo Há, na doutrina internacional, dois tipos de asilos políticos: o territorial e o diplomático. O asilo territorial ocorre quando um estrangeiro cruza a fronteira de um país, colocando-se no espaço soberano de outro (Resek, 2007). O asilo diplomático, por sua vez, corresponde a uma forma provisória de asilo político em que o território nacional por expansão (embaixada, unidade militar etc.) acolhe o estrangeiro para conduzi-lo posteriormente ao país representado pela embaixada ou para um terceiro pais que o aceite. Esse tipo de asilo, contudo, não é assegurado. É importante mencionar que o asilo diplomático decorre de uma codificação de costumes da América Latina, positivados nas Convenções de Havana (1928), Montevideo (1933) e Caracas (1945). 1.2 Refúgio Entendido os conceitos de asilo político, passa-se ao estudo do conceito de refugiado ou refúgio, sendo este definido como uma pessoa civil que está desprotegida por seu próprio governo. Conforme Sousa (2011), O termo refugiado é interpretado de maneira extensiva no DIH. Não engloba apenas as pessoas que deixam seu país de origem em razão de um conflito armado, mas também aquelas que lá permanecem, porém, se encontram desamparadas, sem lar, em razão de um conflito armado interno. Dessa forma, o refúgio não ocorre por livre e espontânea vontade daqueles que deixam seu local de origem, mas pelas condições que fazem com que essa pessoa fuja para não perder a vida, liberdade ou segurança. Assim, trata-se do refúgio de um acolhimento por razões humanitárias, que abrange questões religiosas, raciais, de nacionalidade, opinião pública e grupos sociais. Nesse mesmo sentido, a Convenção de Genebra sobre o Direito dos Refugiados, tal qual o Protocolo de Nova York (1967), também define o refugiado como um cidadão que teme ser perseguido por motivos de raça, religião, 4 nacionalidade, grupo social ou opinião política e que se encontra fora de seus pais de nacionalidade, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual, em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele. Desta forma, o asilo político é concedido de forma discricionária pelo Estado. Já o refúgio não pode ser negado, ou seja, é um dever do estado concedê- lo. É importante salientar que a concessão de refúgio é integralmente regulamentada por tratado, possuindo um organismo internacional competente para o tema, que é o Alto Comissariado das Nações Unidas – ACNUR. TEMA 2 – PREVISÃO LEGAL DOS INSTITUTOS DO REFÚGIO E DO ASILO NO BRASIL No que tange à situação jurídica do estrangeiro em território brasileiro, em especial ao refugiado e ao asilado político, é necessário se debruçar na Constituição Federal, nos tratados internacionais ratificados e nas demais normas jurídicas que regulamentam essa situação. Sobre o tratamento dos refugiados pelo Brasil, no pós-guerra, o país assinou a Convenção de 1951 no ano seguinte à sua elaboração, no momento em que aderiu à reserva geográfica, e ratificou essa convenção em 1960. Dessa forma, todos os não europeus tinham garantido o visto de turista que permitia uma estadia provisória de noventa dias no país e, durante esse período, essas pessoas ficavam no aguardo para serem reassentadas em um terceiro país. A Convenção de 1951 foi aprovada no país por meio do Decreto Legislativo 11/1960, sendo promulgada em 1961 pelo Decreto 50.215, pelo então presidente Juscelino Kubitschek (1961). Todavia, esta apenas protegia os cidadãos europeus, chamada de cláusula de reserva geográfica. Entretanto, tal cláusula foi revogada pelo Decreto 98.608/1989 e o Brasil passou a acolher os refugiados de todos os continentes. Tal decreto foi assinado pelo então presidente José Sarney (1989), pois nessa época já era válida a Constituição de 1988, e conceder proteção para apenas uma parcela de pessoas, no caso os europeus, era incompatível com os princípios. Essa incompatibilidade se dava pelo fato de que a República Federativa do Brasil tem como objeto constitucional a dignidade da pessoa humana (Art. 1°, inciso III), e seu objetivo basilar é a construção de uma sociedade livre, justa e 5 igualitária (Art. 3°, inciso I). Ademais, a República Federativa do Brasil também resguarda a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação (Art. 3°, inciso IV). Juntamente com tais fatos, as relações internacionais são regidas pelo princípio da concessão de asilo político (Art. 4°, inciso X), e os ideais da cláusula de reserva geográfica não pactuam com tais princípios. É neste sentido que Novelino (2016) aduz que “a concessão de asilo político visa à proteção de indivíduos de outras nacionalidades contra perseguições, por parte de seu país de origem, motivadas por razões de natureza política”. Não obstante, “a condição jurídica de asilado é regulada pelos artigos 28 a 30 do Estatuto do Estrangeiro” (Portela, 2011), diferentemente da condição de refugiado. Esse Estatuto (Lei n. 6.815/1980) disciplinava que o estrangeiro admitido no território nacional na condição de asilado político ficaria sujeito, além dos deveres que lhe forem impostos pelo Direito Internacional, a cumprir as disposições da legislação vigente e as que o governo brasileiro lhe fixar (Art. 28), além da obrigação de se registrar no Ministério da Justiça (art. 30) e da obrigação de não sair do país, sob pena de ser considerada renúncia ao asilo (Art. 29, “caput” e parágrafo único), impedindo seu retorno ao Brasil. Entretanto, em 2017, o Estatuto do Estrangeiro foi revogado pela Lei de Migração (Lei n. 13.445/2017), que dispõe sobre a discricionariedade do asilado político ser admitido pelo Estado, prevendo tanto o asilo diplomático quanto o asilo territorial, considerando-os como uma espécie de proteção à pessoa. Desse modo, o Estatuto do Estrangeiro nega a concessão de asilo para o estrangeiro que tenha cometido quaisquer crimes previstos no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional de 1988, promulgado pelo Decreto n. 4.388/2002, mantendo a renúncia ao asilo quando o asilado deixar o Brasil sem comunicaçãoprévia. Em 1997, o Brasil promulgou uma lei específica a respeito da situação dos refugiados (Lei n. 9.747/1997), considerada pela maioria dos juristas como uma lei inovadora e avançada no ponto de vista dos refugiados e que abarca tanto os motivos clássicos de concessão de refúgio, dados inicialmente pela Convenção de 1951), quanto os motivos ampliados, trazidos pela Declaração de 1984. Esta declara em seu Art. 1° que: 6 Art. 1º. Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país. A Lei brasileira que trata sobre a situação dos refugiados decorre do Programa Nacional de Direitos Humanos de 1962, o qual demonstrou claramente o desejo do governo brasileiro em se inserir no contexto internacional a questão da proteção de seres humanos. A partir dessa implantação legal, foi instituído um órgão responsável para analisar e julgar o pedido de refúgio, ou seja, o Comitê Nacional para Refugiados (CONARE). Esse comitê é responsável por várias atribuições concernentes ao refúgio, entre elas, as de receber as solicitações de refugiados, autorizando a documentação que identifica a pessoa como tal para que esta possa empregar- se no Brasil e utilizar os serviços públicos do país. TEMA 3 – A CODIFICAÇÃO DO DIREITO DIPLOMÁTICO E CONSULAR Durante o Século XIX, aconteceram as mais importantes tentativas de decodificação do direito diplomático e consular, tendo como destaque os projetos elaborados por Fliore e Bluntschili. Especificamente em 1902, em virtude da proposta de José Higino realizada na Conferência Internacional Interamericana que ocorreu na Cidade do México, houve o início do trabalho de codificação interamericano. Esse movimento foi iniciado de forma satisfatória, isso porque, em 1928, foi assinada em Havana a Convenção sobre Direito Internacional Privado, também conhecido como Código Bustamente, bem como outras diversas convenções que tratavam sobre esses ramos do direito internacional, sendo estas baseadas no projeto concebido por Epitácio Pessoa. Essa era uma das preocupações da Sociedade das Nações (SDN) no desenvolvimento do direito internacional, que criou, em 1924, a comissão de peritos, que é encarregada da verificação do que poderia ser feito no âmbito da codificação. 7 Em 1930, foram preparados diversos projetos, reunidos em Haia na Primeira Conferência de Codificação do Direito Internacional, momento em que três tópicos de extrema importância foram abordados: águas territoriais, responsabilidade por danos a bens de estrangeiro e os conflitos de nacionalidade. Todavia, essa conferência foi uma iniciativa prematura, tanto que ela foi considerada um fracasso, mesmo com a Convenção sobre Conflitos de Nacionalidade tendo sido assinada nesse momento. O fim da Sociedade das Nações ocorreu na Segunda Guerra Mundial, quando ocorreu a transição desse sistema para o da ONU – Organizações das Nações Unidas. O projeto de Dumbarton Oaks foi utilizado como base à elaboração das Cartas das Nações Unidas. Entretanto, tal carta é omissa no que tange ao direito internacional. Foi em 1945, entretanto, durante a Conferência de São Francisco que houve menções referentes ao direito internacional, graças a pequenas potências. A Carta, ao enumerar todas as atribuições da Assembleia Geral, menciona, em seu Art. 13, que “promover a cooperação internacional no terreno político e incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional e a sua codificação”. Por seguinte foi criada a Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas – CDI, que tem como objetivo central tratar a codificação das regras internacionais e de seu desenvolvimento progressivo ocorrido ao longo dos anos seguintes. O juiz da CIJ, Charles de Visscher, escreveu, em 1955, que: Hoje em dia as possibilidades de uma codificação do direito internacional num ambiente universal são nulas. O abismo entre as concepções jurídicas que se defrontam no seio da AGNU, mesmo no tocante aos problemas mais fundamentais, é tal que toda nova iniciativa dessa espécie deve ser considerada perigosa para o progresso do direito internacional. Após a Guerra Fria, o mundo foi dividido pelo conflito de civilizações, o que tornou igualmente questionável a viabilidade e alcance das tentativas de codificação de caráter universal das regras relacionadas ao direito diplomático e consular. Juntamente, a consolidação de bases comuns se tornara, mais do que nunca, necessária para evitar o acirramento dos conflitos internacionais e agravamento das tensões internacionais. Todavia, ficou demonstrado que o pessimismo não mais se justificava, pois, em um primeiro momento, com a criação da Comissão de Direito Internacional 8 das Nações Unidas (CDI), houve uma fase de excelente produção que resultou em importantes convenções, a maioria assinada em Viena, as quais veremos a seguir. TEMA 4 – AS CONVENÇÕES DE VIENA 4.1 A Convenção de Viena sobre relações diplomáticas de 1961 Considerada como uma das mais bem-sucedidas no que tange à codificação do direito diplomático bem como do direito internacional como um todo, a Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas de 1961 traz direitos, deveres e regulamenta vários fatores derivados dessas relações. Vários fatores foram determinantes para que essa convenção fosse elaborada, sendo o mais importante a positivação do direito costumeiro, pois este já estava com um grau alto de aplicação no dia a dia. Algumas regras codificadas em 1961 não foram objeto de muitos debates, como por exemplo a convicção dos delegados que o projeto elaborado pela CNI correspondia ao direito existente. A codificação mais substancial realizada na Conferência de 1961 foi a de deixar determinadas as prerrogativas e as imunidades diplomáticas, sendo verificado um inesperado consenso quanto a sua enumeração, mesmo diante da abrangência delas. Houve divergência, entretanto, quanto à determinação da aplicação das imunidades e prerrogativas aos familiares e pessoal administrativo técnico das missões diplomáticas. Quanto a isso, houve uma maioria de delegações contrárias à concessão dessas imunidades e privilégios, pois consideravam excessivo o número de pessoas abrangidas por tais. A Convenção, em seu Art. 37, espelha uma emenda brasileira que inclui o pessoal administrativo e técnico em uma categoria diferenciada, na qual reconhece a imunidade de jurisdição penal, uma relativa à imunidade de jurisdição cível e administrativa, bem como à concessão de isenção alfandegária. O projeto elaborado pela CDI trazia que “a missão poderá empregar todos os meios de comunicação adequados, inclusive correios diplomáticos e mensagens em código ou cifra”. Contudo, tais termos vagos concediam ao Estado estrangeiro o direito de livre utilização das estações de rádio, o que provocou uma reação forte da maioria dos presentes. 9 Assim, o texto, que finalmente foi aprovado, traz o condicionamento da instalação e utilização de uma emissora de rádio ao consentimento das autoridades locais. A Convenção de 1961 consolidou o costume de deslocar a responsabilidade diplomática da figura do chefe da missão e concedeu-a à embaixada ou legação. Assim, de acordo com esse novo método, a expressão “agente diplomático” perdeu o conceito que lhe era dadoanteriormente, ou seja, deixou de se referir apenas ao chefe da missão e passou a abranger toda a missão (embaixada ou legação), compreendendo então todo o seu conjunto. 4.2 Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1968 Com o advento da Convenção de 1961, houve a abertura e a percepção da real necessidade de codificação também das relações consulares que ocorreu em Viena entre os dias 4 de março e 24 de abril de 1964. É importante mencionar que é impossível desassociar as duas conferências, pois a CDI, ao elaborar o projeto definitivo sobre as relações consulares, teve que definir se continuaria com a orientação seguida no anteprojeto anterior ou se adaptaria, mesmo não concordando com alguns termos, a Convenção de Viena sobre relações diplomáticas à realidade das relações consulares, tendo optado pela adaptação. Sendo essa escolha definida pela CDI, este teve, diante de si, primeiramente, uma série de regras relativamente claras e de fácil aceitação. Todavia, em segundo lugar, o panorama era mais complicado, pois além do direito internacional pautado nos costumes, a CDI deveria examinar uma quantidade grande de convenções bilaterais, leis internas que tinham como objetivo preencher os vácuos existentes que existiam em virtude de uma não codificação das normas. Assim, ao passo que a Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas possui, ao total, 53 artigos, a Convenção que versa sobre as relações consulares possui 79 artigos. A determinação das atribuições consulares foi, sem sombra de dúvidas, a tarefa mais difícil da Conferência. Isso porque, para algumas delegações, a solução prática seria seguir os moldes adotados pela Convenção de Havana sobre Cônsules, no qual trazia que “os cônsules exercerão as atribuições que lhes 10 confere a lei do seu Estado, sem detrimento da legislação do Estado onde desempenham as suas funções”. Todavia, outra solução favorecia a enumeração dessas funções, contudo, exista uma dificuldade em saber quais mereciam e quais não mereciam ser mencionadas. Dessa forma, a CDI propôs que o rol de atribuições fosse tratado como exemplificativo e não exaustivo, sugestão esta que foi aceita pela Conferência. 4.3 A Convenção de Viena sobre o direito dos tratados (1969) Tal Convenção representa um marco extremamente relevante e de um progresso significativo na história da positivação do Direito Internacional, todavia, a construção legal do direito que regula os tratados possuiu grandes controvérsias conceituais, sendo que algumas dessas perduram até os dias de hoje. Essa Convenção sobre os tratados (1969) aponta o “papel fundamental dos tratados, na história das relações internacionais”. Dessa forma, é reconhecida a importância dos tratados como uma fonte do direito internacional, utilizado como meio de desenvolver a cooperação de forma pacífica entre a nações do mundo, sejam quais forem seus sistemas constitucional ou/e sociais. 4.4 A Convenção de Viena sobre missões especiais (1969) A CDI concluiu, após abordar a questão diplomática, que paralelamente à diplomacia tradicional, havia também a diplomacia ad hoc, que tratava de enviados de forma itinerantes, conferencias diplomáticas e das missões especiais enviadas a outros países, sendo que tais missões possuem um objetivo específico e/ou por tempo limitado, possuindo tratamento especial. Desta forma, a Convenção sobre missões especiais que foi realizada pela AGNU em Nova York, em 16 de dezembro de 1969, entrou em vigor em 21 de junho de 1985. Portanto, ficou definido missões especiais como “Missão temporária, representando o estado, enviada por um a outro estado, com o consentimento deste, e com o objetivo de tratar de questões específicas ou de executar função específica”. Sendo assim, após grandes discussões no âmbito internacional, a Convenção de Viena sobre as missões temporárias conceituou e rompeu com as divergências a respeito desse conceito. 11 4.5 Convenções de Viena sobre sucessão de estados (1978 e 1983) Sobre as sucessões de Estados, ocorreram duas conferências em Viena, a primeira ocorreu em 1977/1978 e a segunda em 1983. O tema foi incluído na primeira agenda da CDI, mas não tinha caráter prioritário. Todavia, diante do elevado número de novos Estados e levando em consideração o peso na cotação na Assembleia Geral do bloco Afro-Asiático, a CDI iniciou um estudo do problema com mais profundidade. Para isso, foi criado um subcomitê, que era presidido por Manfred Lachs, que opina que a Comissão necessariamente deveria abordar três temas, ou seja, a sucessão em matéria de tratados, a sucessão em outras matérias que não sejam os tratados e a participação nas organizações internacionais. Tanto na Convenção de 1978 quanto na de 1983 foram tratados assuntos uteis para a definição da sucessão de países, uma vez que esta é entendida como “substituição de um estado por outro na responsabilidade das relações internacionais de determinado território”, e consolidou-se a terminologia de “estado predecessor” e “estado sucessor”, identificáveis em todas essas situações. TEMA 5 – CONVENÇÕES SOBRE ASSUNTOS CIENTÍFICOS, TECNOLÓGICOS E SOBRE O MEIO AMBIENTE Considerando os significativos progressos realizados pela ciência e tecnologia, é necessário mencionar uma série de atos que codificaram as normais elaboradas para regular os problemas surgidos em decorrência desses progressos, as chamadas convenções sobre assuntos científicos, tecnólogos e sobre o meio ambiente. Essas convenções possuem características essencialmente técnicas. Dessa forma, sua elaboração não ficou a critério da CDI, mas sim de grupos de especialistas que, na maioria das vezes, eram vinculados a organizações especializadas, como a PNUMA, FAO e/ou a UNESCO. Após 1945, o direito internacional que era tridimensional, ou seja, versava sobre o mar, espaço aéreo e a terra, passou a regular o espaço ultraterrestre, ou seja, os fundos marinhos e o respectivo subsolo da Antártica. Assim, na relação dos tratados que vieram em decorrência das novas situações surgidas por conta dos avanços tecnológicos, foi criado, a título 12 exemplificativo, o Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, inclusive a Lua e Demais Corpos Celestes (1967), o Tratado Proibindo Experiências (testes) com Armas Nucleares na Atmosfera, no Espaço Cósmico e Debaixo D’água (1963), o Tratado sobre a Proibição da Colocação de Armas Nucleares e outras Armas de Destruição Maciça no Fundo do Mar e no Leito do Oceano e seu Subsolo (1971) e o Tratado da Antártica de 1959. Ressalta-se que as convenções que se destinam à proteção do meio ambiente também figuram no meio dos atos surgidos em decorrência do progresso da tecnologia e da ciência. Inúmeras são essas convenções, e basta aqui apenas mencionar as mais importantes, como por exemplo, a Conferência do Rio de Janeiro, de 1992, sobre Mudança de Clima e sobre Diversidade Biológica, bem como a Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio (1985) e o Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio (1987), a Convenção de Basileia sobre o Controle dos Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Nocivos e sua Colocação (1989), a Convenção para a Prevenção da Poluição Marinha pelo Alijamento de Dejetos e outras Matérias (1972), a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e da Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (1973), a Convenção sobre as Zonas Úmidas de Importância Internacional (1971) – particularmente como hábitat das aves aquáticas – e o Tratado de Cooperação Amazônica (1978). 5.1 Convenção das Nações Unidas sobre direito do mar (1982) Assinada em Montego Bay, em 10 de dezembro de 1982, a Convenção sobre o Direito do Mar merece destaque e um estudo específico, vistoque, ao contrário das outras convenções mencionadas, a Convenção do Mar não foi resultado de um anteprojeto da CDI, mas sim de reuniões de delegados pertencentes a todo mundo e que durou nova anos, ocorridas em Genebra, Nova York, Caracas e Kingston, na Jamaica. É claro que a codificação trazida pela Convenção do Mar se trata de praticamente uma repetição das Convenções de 1958 sobre o Mar Territorial e sobre o alto mar. Contudo, a preocupação principal das delegações que a elaboraram não se tratava de cunho legal, e sim econômico e político. 13 A terceira conferência a respeito do Direito do Mar surgiu do discurso realizado por Arvid Pardo, que era delegado de Malta, proferido em 1967 à Assembleia Geral das Nações Unidas e que versava, entre outras coisas, dos últimos progressos realizados nas pesquisas cientificas relacionadas à exploração dos mares, com destaque ao fundo dos oceanos, pois na época se especulava a possibilidade de extração de minérios e sobretudos de manganês, níquel, cobre e ferro, bem como de outros tantos minérios encontrados em menor quantidade, daí o caráter econômico e político de tal Convenção. Esse discurso foi recebido com grande entusiasmo pelos Estados componentes das delegações, principalmente aqueles que estavam em desenvolvimento acelerado, pois assim, se aprovada, esses países poderiam participar da exploração desses lugares que antes não eram explorados e assim evitar que as grandes potências monopolizassem a exploração dessas riquezas. Assim, foi em 1970 que houve a aprovação de uma resolução que declarava que a área passaria a fazer parte do patrimônio comum da humanidade. A UNCLOS (United Nations Conference on the Law of the Seas) atentou-se a três principais pontos: a extensão dos limites marítimos dos Estados costeiros e a determinação dos direitos dos Estados sem litoral marítimo, os dos Estados geograficamente desfavorecidos e a exploração do fundo dos mares e de seu subsolo. Contatou-se, mais cedo, que a conferência seguiria discutindo apenas a explicação do fundo dos oceanos, uma vez que os outros dois tópicos estariam equacionados com a solução dada à questão dos fundos. Assim, com o objetivo de evitar que a conferência elaborasse apenas uma convenção aceita por uma maioria ocasional, ficou decidido que seria adotado por consenso, ou seja, mediante ao consenso de todas as delegações, o que acabou resultando em uma lentidão de seus trabalhos. Dessa forma, a Convenção dos Mares de 1982 tem sido considerada por vários doutrinadores como a mais importante no que tange à codificação do direito internacional, apesar das inúmeras críticas. 14 REFERÊNCIAS ALMEIDA, G. A. de. Direitos Humanos e Não Violência. São Paulo: Atlas, 2001. ANNONI, D.; VALDES, L. C. O Direito Internacional dos Refugiados e o Brasil. Editora Juruá, 2013. BARBOSA, L. P.; HORA, J. R. S. da. A Polícia Federal e a Proteção Internacional dos Refugiados. Brasília: ACNUR, 2007. BRASIL. 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