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1 0 - Ciencias Políticas II - Brasil

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Ciências Políticas II
Adriano Codato
Alexandro Dantas Trindade
Giovana Bonamim
Julio Cesar G. Silva
Luiz Domingos Costa
Pedro Leonardo Medeiros
Lucas Massimo
2010
© 2010 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito 
dos autores e do detentor dos direitos autorais.
Capa: IESDE Brasil S.A.
Imagem da capa: Jupiter Images/DPI Images
IESDE Brasil S.A. 
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 
Batel – Curitiba – PR 
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Todos os direitos reservados.
C669 Codato, Adriano; et. al / Ciências Políticas II / Adriano Codato – Curitiba 
IESDE Brasil S.A., 2010
216 p.
ISBN: 978-85-387-1203-9
1. Ciência Política. I. Título. 
CDD 300.0904
Doutor e mestre em Ciência Política pela Universida-
de Estadual de Campinas (Unicamp). Graduado em Ciên-
cias Sociais com ênfase em Ciência Política pela Unicamp.
Adriano Codato 
Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadu-
al de Campinas (Unicamp). Especialista em Formação de 
Quadros Profissionais pelo Centro Brasileiro de Análise e 
Planejamento (Cebrap). Graduado em Ciências Sociais com 
ênfase em Ciência Política e Sociologia pela Unicamp.
Alexandro Dantas Trindade
Mestranda em Ciência Política pela Universidade 
Federal do Paraná (UFPR) e graduada em Ciências Sociais. 
Giovana Bonamim
Mestrando em Ciência Política pela Universidade 
Federal do Paraná (UFPR). Graduado em Ciências Sociais 
pela UFPR.
Julio Cesar G. Silva
Mestrando em Ciência Política pela Universidade 
Estadual de Campinas (Unicamp). Graduado em Ciências 
Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Luiz Domingos Costa
Mestrando em Ciência Política pela Universidade 
Federal do Paraná (UFPR). Graduado em Ciências Sociais 
pela UFPR.
Mestrando em Ciência Política pela Universidade 
Estadual de Campinas (Unicamp). Graduado em Ciências 
Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) com 
estágio de pesquisa na Fondation Nationale des Sciences 
Politiques (França).
Pedro Leonardo Medeiros
Lucas Massimo
Sumário
A formação do Estado no Brasil .......................................................................13
Modelos, métodos e teorias .................................................................................................................14
Definição do objeto e escolha do período ......................................................................................15
O campo de estudos sobre a formação do Estado no Brasil ....................................................21
Considerações finais ................................................................................................................................25
Tradições do pensamento social brasileiro..................................................31
Peculiaridades da formação social brasileira: o Brasil-nação como ideologia ...................31
Motivos ibéricos e a modernidade no Brasil ..................................................................................35
Modernismo e identidade nacional ..................................................................................................39
O pensamento político autoritário .................................................................51
Crise das oligarquias, conjuntura e síntese política de Getúlio Vargas .................................52
O Código Eleitoral de 1932: desencontros sobre o conceito de democracia .....................55
Autoritarismo: definições e aplicações .............................................................................................57
Nacionalismo e Modernismo ...............................................................................................................61
A derrota do liberalismo e a modernização conservadora: considerações finais .............63
A ideologia do desenvolvimento nacional na década de 1950 ...........71
De Vargas a Juscelino Kubitschek: a eleição de 1955 ..................................................................72
Política econômica e estrutura social na década de 1950 .........................................................74
O governo JK e a construção de Brasília ..........................................................................................77
O Iseb e o nacional-desenvolvimentismo .......................................................................................79
Considerações finais ................................................................................................................................80
A classe trabalhadora no Brasil ........................................................................87
O ciclo PCB e o sindicalismo corporativista ....................................................................................87
O ciclo PT e o novo sindicalismo .........................................................................................................94
Considerações finais ................................................................................................................................99
Sistema eleitoral e partidos políticos ..........................................................105
Recuo contextual: metamorfoses sofridas pelos partidos ......................................................105
Sistema eleitoral brasileiro ..................................................................................................................108
Efeitos imediatos ou diretos ...............................................................................................................113
Sistema de governo no Brasil: o presidencialismo de coalizão, 
passado e presente............................................................................................121
O presidencialismo brasileiro. ............................................................................................................123
O Poder Legislativo. ...............................................................................................................................125
O risco da crise institucional e a quebra do regime democrático ........................................126
Novas avaliações e a crença na estabilidade. ...............................................................................128
A judicialização da política e a politização da Justiça no Brasil. ........137
A Constituição Federal de 1988 
e as relações entre o Judiciário e os demais poderes. ...............................................................139
A política judicializada. .........................................................................................................................144
A face política da Justiça. .....................................................................................................................146
Considerações finais. .............................................................................................................................148
Economia e política no desenvolvimentismo brasileiro. .....................157
A ditadura militar e o milagre econômico. ....................................................................................158
A campanha contra a estatização: a burguesia contra o Estado? .........................................162
Expansão do Estado e a crise da dívida externa .........................................................................166
Economia e política no neoliberalismo brasileiro ..................................177
O Plano Real e o programa de ajustes estruturais ......................................................................179
O estilo tecnocrático de gestão e o pacto político conservador ..........................................182
Abertura da economia e vulnerabilidade externa: 
uma estratégia de inserção subordinada à economia internacional ..................................185
Considerações finais ..............................................................................................................................187Gabarito .................................................................................................................193
Referências ...........................................................................................................205
Anotações .............................................................................................................215
Apresentação
Cientistas políticos são quase unânimes ao afirmar 
que o Brasil é uma “poliarquia institucionalizada”. Isso 
significa que o regime político democrático – um nome 
menos preciso e mais normativo que poliarquia – tornou- 
-se a forma de governo incontestada entre nós. 
Conforme a definição clássica de Robert Dahl, um país 
será tanto mais democrático, ou poliárquico, quanto me-
lhores forem as condições que garantam o direito à oposi-
ção (que Dahl chama de contestação pública) e o direito à 
participação em eleições e cargos de direção política.
Alguns dados brutos são suficientes para ilustrar as 
mudanças do país nas últimas décadas nessa direção. 
Desde a promulgação da Constituição de 1988 e da elei-
ção para presidente da República, em 1989, houve um 
processo contínuo e crescente de institucionalização 
democrática. O total de eleitores inscritos para votar em 
2006 era muito próximo de 126 milhões de pessoas. O 
Poder Legislativo abriu-se à expressão de minorias e ga-
rantiu seu poder de veto. O sistema partidário tornou-se 
complexo e passou a contar, em 2007, com 21 partidos 
representados no Parlamento. A efetiva separação entre o 
Executivo e o Legislativo, se não garantiu integralmente 
o preceito da autonomia mútua e da fiscalização recípro-
ca, ao menos dividiu as funções governativas (ainda que 
de maneira desequilibrada) entre os dois ramos principais 
do sistema estatal. As eleições tornaram-se razoavelmente 
competitivas, embora persista (e cada vez se amplie mais) 
o desequilíbrio entre candidaturas mais e menos opulen-
tas. A legislação garantiu consultas políticas por meio de 
plebiscitos e referendos e o direito de propor leis de inicia-
tiva popular. Foram criados inúmeros conselhos setoriais 
de políticas de governo com participação da sociedade 
civil. O direito de greve foi garantido.
Comparando com o período imediatamente anterior, 
da ditadura militar, ou com o regime da Constituição de 
1946, é certo que hoje há muito mais garantias aos direi-
tos de associação e expressão, muito mais condições para 
a formação de partidos e organizações políticas, maior 
igualdade perante a lei, maior controle sobre os governos, 
maior tolerância diante do conflito. Essas liberdades libe-
rais clássicas foram responsáveis por uma mudança impor-
tante na composição e no perfil das lideranças eleitas, au-
mentando o grau de inclusão de outros grupos sociais nas 
arenas políticas e, com isso, a variedade de interesses re-
presentados. As políticas governamentais de caráter social 
– cada vez mais importantes na agenda pública – ilustram 
isso. Houve mesmo uma relativa popularização da classe 
política e uma importante profissionalização da elite esta-
tal em alguns domínios específicos. Os próprios partidos 
tiveram de adaptar-se às novas condições de competição 
por eleitores, ajustando seu programa e sua retórica a va-
lores mais pluralistas. As ideologias autoritárias perderam 
a audiência e a popularidade que já tiveram no passado. A 
democracia parece gerar – ainda em um grau insuficien-
te, é certo – crenças e atitudes mais democráticas e mais 
tolerantes.
Essas condições para a poliarquia não foram criadas 
do nada. O processo histórico que conduziu o país até o 
grau presente de desenvolvimento institucional supôs 
certas sequências históricas. Ao longo do século XX, vários 
foram os fatores socioeconômicos e ideológicos que in-
fluenciaram o mundo político.
O livro que o leitor tem em mãos procura expor e 
explicar o difícil caminho para a institucionalização da 
poliarquia à brasileira. Compreender a persistência do 
clientelismo, da patronagem, da corrupção, do grau des-
mesuradamente alto de irresponsabilidade governamen-
tal, de autonomia dos representantes políticos, dos dese-
quilíbrios do poder econômico e do poder social implica 
compreender a via peculiar do país para a democracia 
realmente existente entre nós. Assim, oferecemos aqui 
duas coisas em um mesmo volume: um resumo das pre-
condições históricas do regime atual e uma caracterização 
sumária e didática das suas características principais.
Adriano Codato
Curitiba, primavera de 2009.
13
A formação do Estado no Brasil 
Adriano Codato 
Nós sofremos não apenas dos vivos, mas também dos mortos.
Karl Marx
O tema da formação do Estado no Brasil é um assunto recorrente na Ciência Po-
lítica e na Sociologia Política brasileiras por conta de sua grande importância para a 
compreensão da realidade nacional e de certos problemas, por exemplo, o subdesen-
volvimento, a violência e a desigualdade. Assim, ao mostrarem as raízes históricas das 
dificuldades nacionais, os estudos sobre a formação do Estado contribuem para o de-
senvolvimento de ações políticas e econômicas que ajudem a resolvê-los.
Se olharmos unicamente para a estrutura pronta, final e acabada, isto é, para o 
Estado tal como ele se apresenta em um dado momento, com certeza corremos o risco 
de não entendê-lo integralmente. Por outro lado, conhecer o processo de construção 
do Estado nos permite desvendar os elementos que contribuíram tanto para a cria-
ção de seu aspecto epidérmico (o que nos é facilmente apreensível) quanto para seu 
aspecto visceral (os seus segredos), pois ao longo desse processo ambos os aspectos 
ainda não estavam ajustados da forma como estão no presente. Esse acompanhamen-
to exige uma análise diacrônica. Ela permite mudar nosso olhar sobre esse objeto (no 
nosso caso, o Estado brasileiro) como se o fragmentasse em várias partes, mostrando 
detalhes, encaixes, conflitos, contradições que passam despercebidos em uma análise 
puramente sincrônica.
Diacrônico: relativo ao estudo ou à compreensão de um fato ou de um conjun-
to de fatos em sua evolução no tempo.
Sincrônico: que ocorre, existe ou se apresenta precisamente ao mesmo tempo; 
simultâneo [...]; [...] relativo a um conjunto de fatos que coincidem no tempo, sem 
levar em conta o processo evolutivo. 
(in: HOUAISS dicionário eletrônico da língua portuguesa, versão 1.0, dez. 2001.)
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Modelos, métodos e teorias 
Existem basicamente duas grandes teorias da Sociologia Política que explicam a 
formação do Estado burguês moderno: a marxista e a weberiana. As duas são incom-
patíveis do ponto de vista lógico. Elas abordam a relação entre Estado e sociedade de 
duas maneiras muito distintas. 
A sociologia histórica de Max Weber (1864-1920) pode ser muito bem entendi-
da por meio da leitura do texto “Política como vocação” e dos textos que compõem a 
última parte do seu livro Economia e Sociedade. No capítulo “Sociologia da dominação”, 
Weber demonstra como ocorreu o desenvolvimento do Estado moderno. A partir de 
uma perspectiva internalista, ele entende o Estado por meio de variáveis propriamente 
estatais, sem fazer alusão às dinâmicas que correm paralelamente ao Estado (sociais, 
econômicas etc.).
O que queremos dizer com a expressão perspectiva internalista? É que Weber 
busca explicar o Estado analisando como a configuração estatal se altera ou se repro-
duz com base unicamente em suas forças e poderes internos. Ele explica a política a partir 
de variáveis exclusivamente políticas, como se as ações, os interesses e os conflitos dos 
atores políticos estivessem ligados apenas a causas especificamente políticas. Assim, 
pode-se dizer que, em resumo, Weber estuda o Estado como se ele tivesse vida pró-
pria, independente de quaisquer outros determinantes que não os seus movimentos 
internos. Segundo Weber, a lógica de funcionamento do Estado é completamente au-
tônoma, pois nenhuma força externa ao aparelho estataltem capacidade de interferir 
no seu arranjo interno e no seu desenvolvimento como organização.
O contraste mais claro com esse tipo de abordagem é a explicação proposta por 
Karl Marx (1818-1883) no livro O 18 Brumário de Louis Bonaparte. Marx sugere como as 
dinâmicas ocorridas no interior do Estado são na realidade determinadas por disputas 
de interesse que se situam fora do aparelho político; isto é, como a sua estrutura interna 
e o seu desenvolvimento como uma organização burocrática complexa são determi-
nadas pelas lutas de classe. Portanto, a obra de Marx se opõe à de Weber na medida 
em que adota uma perspectiva analítica externalista, que explica o Estado utilizando 
variáveis que não pertencem e não agem a partir da estrutura interna do aparelho de 
Estado. Marx entende o Estado como um efeito das lutas de classe. Assim, segundo a 
teoria marxista, o Estado não é determinado por sua dinâmica própria, mas por forças 
e interesses que atingem o Estado de fora para dentro.
Esses dois marcos teóricos são os principais paradigmas que orientaram os estu-
dos sobre a formação do Estado no Brasil e no mundo. Salientaremos a partir de agora 
como a oposição lógica entre as teorias marxista e weberiana se refletiram nos estudos 
que buscam compreender a constituição do Estado brasileiro. 
15
A
 form
ação do Estado no Brasil 
Definição do objeto e escolha do período 
Um rápido olhar sobre a história do Brasil pode nos ajudar a responder certas ques-
tões acerca da nossa realidade nacional. Entretanto, embora os estudos históricos facilitem 
a compreensão de vários problemas, não é simples recorrer à análise histórica. A dificulda-
de decorre, no caso, do apreciável volume de história que já acumulamos. 
Desde a colonização portuguesa (1500-1822), com introdução de mão de obra 
escrava, até o início do século XXI, passando pela libertação dos escravos em 1888 e 
pela primeira Era Vargas (1930-1945), temos mais de 500 anos de história. Esse grosso 
período e a quantidade de eventos que o caracterizam tornam difícil uma abordagem 
que lance mão apenas de variáveis ligadas ao desenvolvimento histórico. Um dos prin-
cipais problemas aqui é a seleção dos eventos significativos ou do recorte temporal re-
levante. Com efeito, se queremos tomar como objeto de estudo a formação do Estado 
brasileiro, o primeiro passo é definir quando ocorreu esse processo. 
Ao examinarmos a bibliografia específica sobre esse assunto, percebemos que 
não há muito consenso sobre o momento em que o Estado nacional brasileiro se 
constituiu. 
 Alguns autores estudam mais detidamente o período que vai do fim das 
Regências (1831-1840) até a Proclamação da República (1889), dando grande 
ênfase ao processo de libertação dos escravos (1888). 
 Por outro lado, outros autores analisam principalmente o período desde o 
fim da política oligárquica (1898-1930) até o fim do primeiro governo Vargas 
(1930-1945), enfatizando dois acontecimentos políticos significativos: a Revo-
lução de 1930 e o Golpe de Estado de 1937. 
Enquanto o primeiro grupo de estudiosos entende que para compreender e ex-
plicar a gênese do Estado brasileiro é preciso estudar o Estado do Segundo Império 
(1840-1889), o segundo grupo de autores postula que não é preciso ir tão longe, pois 
o Estado só se consolidou de fato na década de 1930. 
Por que existe essa discordância? As principais causas dessa divergência são a 
definição do que é Estado e a face do Estado que se pretende abordar. 
A definição do Estado está ligada aos critérios utilizados por um autor para formu-
lar um conceito que dê conta do aspecto do Estado que se pretende abordar. O espe-
cialista escolhe e nomeia um aspecto do Estado, evitando assim o risco de pesquisar 
a esmo. Isso é particularmente necessário para evitar uma pesquisa demasiadamente 
grande, e que conduza a proposições muito genéricas, ou uma pesquisa muito restrita 
e que retenha desse processo só as particularidades, só as exceções.
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O Estado do Segundo Império 
Os principais estudiosos que buscaram explicar a gênese e o desenvolvimento 
do Estado brasileiro a partir de análises do período imperial foram Paula Beiguelman, 
Décio Saes e José Murilo de Carvalho.
Segundo Paula Beiguelman, em seu livro Formação Política do Brasil, é importante 
analisar o Estado no Segundo Império porque foi exatamente nesse período que foram 
geradas duas ordens políticas fundamentais: 
 a formação de uma burguesia nacional, com o “crescimento de um setor de 
mercado interno no complexo cafeeiro” (BEIGUELMAN, 1976, p. 268);
 a formação de uma ordem ideológica que ligava os interesses de classe à práti-
ca política (BEIGUELMAN, 1976, p. 143). 
Um campo ideológico específico, ligado ao mesmo tempo às classes sociais e à 
esfera política, é o mecanismo pelo qual os interesses da burguesia são representados 
dentro do aparelho de Estado. E a construção da burguesia nacional corresponde ao 
fim do modo de produção escravista e ao início de um modo de produção assalariado, 
tipicamente burguês. Essas características, com ênfase na presença de representantes 
da burguesia dentro do aparelho de Estado, são elementos essenciais para a definição 
do Estado brasileiro.
De modo semelhante, Décio Saes, em seu livro Formação do Estado Burguês no 
Brasil, também define o Estado a partir das transformações do modo de produção da 
economia brasileira. Tanto para Beiguelman quanto para Saes, o fim da escravidão é 
o marco inicial do processo de constituição do Estado capitalista no Brasil, pois com a 
alteração do modo de produção se altera, concomitantemente, a forma estatal. Com 
a abolição, passamos de um Estado escravista moderno para um Estado burguês. Para 
ambos, as lutas de classe possuem um papel central, pois “foi a luta de classe que levou 
[...] à liquidação do Estado escravista moderno e à sua substituição por um Estado bur-
guês” (SAES, 1985, p. 345).
José Murilo de Carvalho, por sua vez, tem argumentos completamente diferentes 
para relacionar a origem do Estado nacional brasileiro ao Segundo Império. Conforme 
Carvalho, o principal elemento a ser levado em conta é a unidade territorial, ou mais 
exatamente, a formação das fronteiras nacionais. Comparando as colônias portugue-
sas e espanholas no continente americano, ele observa que 
[...] no início do século XIX a colônia espanhola dividia-se administrativamente em quatro vice- 
-reinados, quatro capitanias-gerais, e 13 audiências, que no meio do século tinham se transformado 
em 17 países independentes. Em contraste, as 18 capitanias-gerais da colônia portuguesa existentes 
em 1820 (excluída a Cisplatina) formavam, já em 1825, vencida a Confederação do Equador, um 
único país. (CARVALHO, 2008, p. 13)
17
A
 form
ação do Estado no Brasil 
Assim, como ele define o Estado tendo em vista a unificação territorial, nada mais 
estratégico do que estudar o Estado do Segundo Império, já que a unificação territorial 
ocorreu justamente nesse momento.
Unidade Territorial
No momento que precedeu o Segundo Império – período das Regências (1831- 
-1840) –, a unidade territorial estava em risco pela grande quantidade de revoltas auto-
nomistas, como a Cabanagem (1835-1840), a Balaiada (1838-1841) e a Sabinada (1837-
-1838). Somente depois da posse de D. Pedro II e da consolidação do Segundo Império 
a unidade territorial estaria garantida. E embora tenha ocorrido uma nova descentrali-
zação a partir de 1889, a unidade territorial não voltou a ser uma questão nacional.
Com base nessas indicações muito sumárias, já percebemos que dois argumentos 
centrais (e bem diferentes entre si) são utilizados para explicar a origem do moderno 
Estado brasileiro e para justificar a escolha do Segundo Império como o momento es-
sencial desse processo: 
 a formação da unidade territorial nacional; 
 a passagem da sociedade para um modo de produção (escravista) a outro 
(capitalista). 
Esses dois argumentos são muito mais diferentesdo que aparentam. Eles dizem 
respeito a formas completamente distintas de entender a relação entre Estado e 
sociedade. 
Saes e Beiguelman percebem o Estado e, mais amplamente, a estrutura política da so-
ciedade brasileira como um efeito do modo de produção econômico. Nesse sentido, qual-
quer alteração na lógica do modo de produção acarretará alterações na forma do Estado. 
Por sua vez, Carvalho enxerga o Estado como um sistema autônomo dotado de 
uma lógica interna, de uma dinâmica própria e específica. Essa lógica é baseada na 
competição pelo poder propriamente estatal, sendo que a configuração do Estado diz 
respeito à forma como se dá a distribuição do poder estatal pela sociedade. Isto é, se o 
poder é mais ou menos centralizado.
O Estado da década de 1930 
Ao contrário de Décio Saes, Paula Beiguelman e José Murilo de Carvalho, autores 
como Simon Schwartzman, Raymundo Faoro e Sônia Draibe postulam que o momen-
to-chave para estudar a formação do Estado brasileiro não é o Segundo Império e sim 
a década de 1930 e após. 
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Para Schwartzman, no Brasil o Estado se consolida à medida que a vida econômi-
ca se torna subordinada ao processo político, de modo que a formação do Estado bra-
sileiro só ocorreu após o golpe de 1937 (com o qual Getúlio Vargas instituiu o Estado 
Novo), pois antes dessa data houve um longo período em que as políticas econômicas 
eram levadas a cabo a partir das próprias localidades. Afirma o autor que, 
[...] no Brasil, pelo menos desde 1937, o Estado tem sempre desempenhado um papel ativo e 
agressivo na implementação de algum tipo de política de desenvolvimento econômico e social, 
embora fustigado pela crítica liberal anti-intervencionista. (SCHWARTZMAN, 1982, p. 145) 
Um segundo motivo que leva o autor a escolher a década de 1930 para datar esse 
processo é que nesses anos se ampliou a modernização do Brasil graças ao aumento de 
alguns índices: população, urbanização, dispêndios governamentais. Assim, perceber 
o início do processo de efetiva modernização do Brasil é um passo importantíssimo: 
“o entendimento de como o Brasil moderno se inicia é essencial, se queremos saber 
como o país é hoje” (SCHWARTZMAN, 1982, p. 106).
Modernização
Conforme Simon Schwartzman, “Estima-se [...] que a população urbana do país 
aumentou de 10% para cerca de 30% de 1920 a 1940; os gastos governamentais, 
que se mantiveram praticamente estáveis em termos per capita de 1907 a 1943, cres-
ceram no entanto, substancialmente, em termos absolutos, depois de 1930. Depois 
de 1930, os itens referidos a ‘gastos sociais’ começaram a surgir no orçamento fede-
ral de forma individualizada, chegando a 10% do orçamento em 1940. A estrutura 
ocupacional da população não mudou significativamente: o emprego na agricultu-
ra desceu de 69 para 61,1% entre 1920 e 1940, enquanto que o emprego industrial 
cresceu somente 1%, de 13% em 1920” (SCHWARTZMAN, 1982, 105-106). Percebe-
mos aqui alguns critérios utilizados pelo autor para definir modernização: a predomi-
nância da vida urbana em detrimento da vida rural, o aumento das despesas estatais 
com políticas sociais (como saúde, habitação, saneamento etc.) e industrialização.
Raymundo Faoro também identifica como marco inicial da formação do Estado 
brasileiro a década de 1930, período caracterizado pela consolidação de eventos im-
portantes para a constituição do Estado, como a sua centralização administrativa, a 
forma como ele se tornou condutor de uma economia capitalista, e a modernização 
tanto do aparelho do Estado quanto da sociedade. E devemos salientar que quando 
Faoro escreve sobre centralização administrativa ele está querendo dizer algo diferente 
de centralização territorial de que fala Carvalho. A centralização territorial diz respeito 
à demarcação das fronteiras e limites de terras assimiladas pelo Estado, ao passo que a 
centralização administrativa faz alusão à centralização dos processos de dominação e 
gestão do território previamente assegurado.
19
A
 form
ação do Estado no Brasil 
A definição de modernização de Raymundo Faoro está muito próxima da de 
Schwartzman. Porém, Faoro enfatiza um pouco mais a aparente liberdade dos indi-
víduos, pois “o indivíduo, de súdito passa a cidadão, com a correspondente mudança 
de converter-se o Estado, de senhor a servidor, guarda da autonomia do homem livre” 
(FAORO, 1975, p. 734) e a liberdade dos indivíduos diz respeito principalmente à li-
berdade de escolher os governantes, mobilizar-se politicamente e gerir seus próprios 
negócios. Mas um dado interessante da obra de Faoro é que ele interpreta essas liber-
dades como “liberdades aparentes” ao constatar que a própria força estatal fornece aos 
indivíduos apenas a impressão de que eles podem agir livremente, sem fornecer-lhes 
veículos objetivos que concretizem tais liberdades: “Em última análise, a soberania po-
pular não existe, senão como farsa, escamoteação ou engodo” (FAORO, 1975, p. 742).
A centralização administrativa se desenvolve paralelamente à assunção da con-
dução da economia pelo Estado. Ela é definida tanto pela forma com que o Estado 
consegue controlar os poderes privados (ou seja, os poderes econômicos – segundo 
o autor, “o Estado invade e dirige a esfera econômica”) quanto pela forma como o 
Estado se centraliza internamente. 
Embora Sônia Draibe tenha escolhido o mesmo período de Faoro e Schwartzman, 
ela se diferencia amplamente desses dois autores no que diz respeito à lógica da explica-
ção e ao procedimento de pesquisa. Sua escolha por estudar o Estado da década de 1930 
e após se deu porque, segundo afirma, nesse período se evidencia mais claramente o 
nascimento do Estado capitalista e do processo de industrialização do país. A correspon-
dência cronológica entre esses dois fatos – o surgimento de um Estado especificamente 
burguês e a mudança dos rumos do desenvolvimento econômico nacional – permite à 
autora “apreender o caráter específico” da “relação entre o Estado e a economia ”brasi-
leiros. Esse é, diz ela, o “momento que é simultaneamente o da industrialização e o da 
aquisição, por parte do Estado brasileiro, de estruturas materiais tipicamente capitalistas” 
(DRAIBE, 1985, p. 45). 
Conforme a autora, a relação entre o Estado capitalista e a industrialização ocor-
reu na medida em que a industrialização foi conduzida pelo Estado. No entanto, o 
Estado não determinou diretamente a industrialização: ele dirigiu as forças sociais, as 
forças que estavam já presentes na sociedade. Essas forças são as classes sociais e sua 
dinâmica corresponde às lutas entre elas (ou seja, às lutas de classe). 
No Brasil, até o início da década de 1930, as disputas entre as classes sociais ocorriam 
de forma descentralizada, sem um ambiente específico para isso. O desequilíbrio das forças 
sociais, o surgimento de uma burguesia industrial (uma classe interessada na industriali-
zação) e a complexificação das lutas de classe foram as principais causas da concentração 
das lutas de classe no aparelho de Estado. Para a teoria marxista, o Estado é o espaço em 
que são decididas as lutas de classe: o Estado é compreendido como uma arena em que 
ocorrem as disputas pelos interesses econômicos relacionados a cada classe, e o interesse 
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que predomina nessa luta é concretizado, realizado na prática por meio do aparelho do 
Estado graças às políticas de Estado. Sônia Draibe entende o processo ocorrido no Brasil 
a partir de 1930 como sendo o momento em que o Estado transformou-se concomitan-
temente no espaço de equacionamento das lutas de classe (esse fenômeno é nomeado 
como nacionalização das lutas de classe) e no mecanismo específico de realização dos in-
teresses ligados às classes que predominam nas lutas. E ainda sustenta a autora que esse 
fenômeno “constitui uma forma peculiar de incorporação dos interesses de classe na es-
trutura material do Estado” (DRAIBE, 1985, p. 45). 
Uma das peculiaridadesdo processo de nacionalização das lutas de classe no 
Brasil foi que a força resultante das lutas de classe (o rumo apontado pela síntese 
dessas lutas) tendia para a industrialização: os interesses ligados à industrialização 
predominavam e isso fez com que a força resultante das lutas de classe se direcionas-
se para ela. Dessa forma, afirma a autora, o Estado teve de se modificar substancial-
mente para atender às demandas da força resultante das lutas de classe. 
Condicionada tanto pela centralização das lutas de classe quanto pela predomi-
nância de um interesse industrializante, as mudanças ocorridas no aparelho material 
do Estado fez com que sua estrutura interna assumisse características propriamente 
capitalistas, tornando-se assim o condutor do processo de industrialização. Portanto, 
para Sônia Draibe a explicação dessa nova dinâmica histórica requer mapear “o pro-
cesso de conformação das estruturas materiais do Estado – órgãos, códigos e peças 
legislativas – que deram suporte objetivo à elaboração de políticas econômicas de ca-
ráter nacional, que conduziram a graus elevados a estatização da luta econômica de 
classe” (DRAIBE, 1985, p. 83), transformando o Estado na força dirigente do processo de 
industrialização.
Notamos, a partir do resumo dessas três perspectivas – as de Schwartzman, Faoro 
e Draibe – que a industrialização, a nacionalização das lutas de classe, a centraliza-
ção administrativa e a modernização são eventos essenciais que devem ser abordados 
para estudar o Estado. E sua gênese está, basicamente, na década de 1930. 
Entretanto, assim como procedemos com o grupo dos autores que estudaram o 
Segundo Império brasileiro, devemos notar a forma como os autores que estudaram 
a década de 1930 se distinguem e se assemelham. Percebe-se claramente que a ma-
neira como Faoro e Schwartzman entendem o Estado – sua gênese e seu desenvol-
vimento – parte de uma perspectiva fortemente weberiana. Eles concentram toda a 
explicação na dinâmica propriamente estatal. Principalmente quando escrevem sobre 
a centralização administrativa e a subordinação da vida econômica aos processos po-
líticos, ambos definem o Estado por meio de elementos que dizem respeito somente 
à lógica do Estado ou à forma como o Estado predomina em relação à sociedade. Por 
sua vez, Sônia Draibe se preocupa muito mais em olhar as dinâmicas de classe (isto é, 
aqueles processos que se situam fora do aparelho estatal) para definir o Estado. Assim, 
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ação do Estado no Brasil 
ela define e estuda o Estado por meio de elementos que não são próprios do Estado, 
fato que a aproxima mais de uma perspectiva marxista, que tende a focalizar o modo 
pelo qual as dinâmicas sociais determinam o Estado.
O campo de estudos sobre a formação 
do Estado no Brasil 
Se a literatura que trata da formação do Estado brasileiro é muito ampla e varia-
da, uma boa estratégia para nos orientar nesses estudos é identificar um fio condu-
tor. Nosso fio condutor será a ambiguidade lógica existente entre a teoria weberiana e a 
marxista, pois o campo de estudos acerca da formação do Estado brasileiro tem como 
parâmetro, como vimos, a oposição entre a abordagem marxista e weberiana.
Para mostrar como estão dispostos os trabalhos, faremos uma síntese de dois dos 
principais estudos sobre o Estado no Brasil Imperial. Por meio do contraste, buscare-
mos desvelar tanto as características lógicas dos modelos utilizados quanto alguns 
pontos estratégicos de análise.
Décio Saes: a transformação do modo de produção e a formação 
do Estado burguês no Brasil 
Décio Saes, no livro A Formação do Estado Burguês no Brasil, tem por objetivo mos-
trar como ocorreu o nascimento de uma burguesia nacional e a concomitante forma-
ção de um Estado capitalista que contribuiu para a reprodução das relações de classe 
(SAES, 1985, p. 72). 
Em primeiro lugar, o autor identifica as principais forças sociais (ou classes sociais) 
que contribuíram para a construção do Estado: a classe dominante (produtores rurais), 
a classe média (trabalhadores não manuais ou profissionais liberais) e os escravos. 
Um dos grandes diferenciais da obra de Saes é (1985, p. 235) a afirmação de que 
todas as classes dominantes apoiavam a escravidão1 e que somente a classe média e os 
escravos apoiavam a abolição. Embora a classe média e os escravos apoiassem a aboli-
ção, o papel de cada um desses grupos no processo que desencadeou o fim do trabalho 
compulsório foi diferente: enquanto a classe média foi a força dirigente do processo, os 
escravos foram a força motora. Ou seja, a força objetiva dos escravos foi conduzida e 
1 Para certos autores (Paula Beiguelman, por exemplo), a classe de proprietários de lavouras de café em São Paulo era contra a escravidão. Até esses autores, as 
abordagens marxistas entendiam o fim da escravidão como o produto de um interesse ligado a uma fração da classe proprietária.
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canalizada pela classe média. Existia ainda, segundo Saes (1985, p. 331), uma partici-
pação relevante do Exército enquanto “partido político da classe média”: o Exército se 
transformou no veículo utilizado pela classe média para se fazer representar na estru-
tura estatal.
O fim da escravidão e a concomitante formação do Estado burguês tiveram como 
causas a coexistência de duas contradições inerentes ao antigo regime brasileiro: 
 a contradição entre os interesses dos escravos e o interesse dos proprietários;
 a contradição entre os interesses da classe média e as disposições do sistema 
jurídico-social. 
Os movimentos abolicionistas empreendidos pelos escravos foram a principal 
força social que conduziu à abolição. Todas as leis abolicionistas são entendidas por 
Saes (1985, p. 239) como concessões que visavam a amenizar as lutas de classes entre 
escravos e proprietários e não como produto de lutas políticas ou propriamente esta-
tais. As revoltas escravas configuraram uma grande força para a construção do Estado 
burguês que surgiu como uma consequência do fim da escravidão e, portanto, da al-
teração no modo de produção. Entretanto, a força abolicionista proveniente dos escra-
vos não poderia ter realizado a emancipação caso não tivesse sido dirigida pela classe 
média.
O principal interesse da classe média ao lutar pela abolição era o de valorizar mais 
a sua posição social, já que antes da abolição o valor da posição ocupada pela classe 
média na sociedade era relativamente baixo. A baixa valorização da posição social do 
trabalhador não manual (isto é, classe média) ocorreu porque o acesso a essa posi-
ção não era entendido pelos demais grupos como um produto de características pró-
prias ou de “dons” e “méritos” individuais, mas como derivado de uma hierarquia clara 
e explícita: uma diferenciação social prevista por lei (a escravidão, sancionada por lei, 
diferenciava explicitamente escravos e não escravos). Nesse sentido, o maior questio-
namento da classe média era com relação ao sistema jurídico, pois ao explicitar as di-
ferenças sociais as leis foram responsáveis pelo baixo reconhecimento da posição da 
classe média na sociedade.
Com efeito, a alteração jurídica proposta pela classe média foi a abolição. Tal re-
forma jurídica tornou as diferenças sociais mais disfarçadas na medida em que tratava 
todos os indivíduos como iguais. Essa camuflagem das diferenças sociais produziria a 
aparência de que os trabalhadores não manuais ocupavam uma determinada posição 
social não por privilégios garantidos por leis, mas por seu mérito individual, o que con-
tribuiu para maior valorização da posição dessa classe na sociedade. Logo, a defesa da 
abolição pela classe média deve ser entendida como o produto de seu interesse parti-
cular em transformar sua própria situação de classe e não como uma disposição altruísta 
e humanista (SAES, 1985, p. 296). Dessa forma, a classe média possuía e reivindicava 
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ação do Estado no Brasil 
uma ideologia propriamente burguesa (igualdadee meritocracia), a qual, colocada em 
prática, contribuiu para a formação do Estado burguês no Brasil. 
Meritocracia: predomínio numa sociedade, organização, grupo, ocupação etc. 
daqueles que têm mais méritos (os mais trabalhadores, mais dedicados, mais bem 
dotados intelectualmente etc.) 
(in: HOUAISS dicionário eletrônico da língua portuguesa, versão 1.0, dez. 2001.)
Por meio da afinidade entre os dois interesses (dos escravos e da classe média), 
surgiram condições favoráveis para a abolição. Associada à alteração na ordem jurídi-
ca, a abolição contribuiu para transformar o Estado brasileiro em um Estado capitalista. 
O fim da escravidão deve ser entendido como um momento-chave para compreender 
a formação do Estado capitalista brasileiro. 
José Murilo de Carvalho: a construção da ordem política 
nacional e o papel da elite política imperial 
O problema que José Murilo de Carvalho se propõe a resolver (CARVALHO, 2008, 
p. 13) é
Por que as colônias portuguesas se mantiveram unidas, ao passo que as colônias 
espanholas se fragmentaram em diversas unidades administrativas?
A explicação do autor para tal questão é a de que o Estado teve essa configuração 
(unidade territorial) no Brasil pela homogeneidade ideológica e de treinamento das suas elites 
políticas e administrativas (CARVALHO, 2008, p. 33). Por elites políticas ele entende o grupo 
“dos homens que tomavam decisões dentro do governo central” (CARVALHO, 2008, p. 57) 
– senadores, ministros, deputados e conselheiros do imperador. Com homogeneidade ide-
ológica e de treinamento o autor quer dizer que as elites passaram por processos muito 
semelhantes ao longo de sua trajetória: estudaram nas mesmas escolas, provieram de fa-
mílias parecidas e não tinham entre si uma grande diferenciação profissional. 
Antes mesmo da implantação do Império Brasileiro, já existiam políticas de formação 
de elites por parte do Estado português (CARVALHO, 2008, p. 230). Por meio dessas polí-
ticas, iniciou-se o processo de homogeneização ideológica das elites imperiais. Ou seja, o 
Estado produziu a própria elite que posteriormente o serviria. Essa homogeneidade ide-
ológica e de treinamento das elites que habitavam as colônias portuguesas na América 
diminuiu consideravelmente os conflitos intraelites. E a ausência de grandes conflitos entre 
as elites foi a condição principal que permitiu a unidade territorial das colônias.
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Assim, para Carvalho, as elites políticas, criadas pelo Estado e agindo por meio do 
Estado, são as maiores responsáveis pelas mudanças institucionais do Estado brasileiro. 
Elites políticas e classes sociais 
Percebemos que a diferença entre José Murilo de Carvalho e Décio Saes é enorme, 
apesar de ambos estudarem o mesmo período. Enquanto Saes explica o Estado por 
meio das relações entre as classes sociais, Carvalho estuda os indivíduos que partici-
pam objetivamente da dinâmica política. Assim, Saes está mais próximo de uma pers-
pectiva marxista, pois lança mão de variáveis extrapolíticas para explicar uma realida-
de que Carvalho, mais próximo de uma análise weberiana, compreende em si mesma. 
Apesar de Carvalho identificar a importância das propriedades sociais adquiridas 
pelos agentes para a conformação da realidade política, essas propriedades não se expli-
cam por si mesmas, encontrando fundamento e relevância estruturante apenas quando 
situadas ou manifestadas na esfera política. Ou seja, embora Carvalho entenda que as 
propriedades adquiridas pelas elites não são de origem estatal, essas propriedades não 
constituem uma força em si mesmas, não são independentes e se tornam atributos es-
truturantes da política somente a partir de sua inserção na esfera estatal: é a própria lógica 
política que confere caráter às propriedades sociais adquiridas pela elite política.
Por outro lado, Saes observa a forma como as propriedades sociais têm relevância 
e um poder estruturante da política em si mesmas. Elas ganham relevância por sua pró-
pria força, independentemente de estarem ou não circunscritas pela esfera política. 
Em suma, enquanto para Carvalho as propriedades sociais das elites só adquirem 
um peso específico quando inscritas na lógica do Estado, para Saes as propriedades 
sociais têm em si mesmas a capacidade de estruturar a realidade estatal. 
Outra diferença está na relevância que cada um dos autores outorga aos agentes 
e às estruturas sociais. A abordagem de Carvalho é muito mais centrada nos indivíduos, 
analisando a política por meio do estudo dos agentes políticos, enquanto o trabalho 
de Saes está apoiado muito mais em análises estruturais, na lógica de interação dos in-
teresses das classes sociais e seus desdobramentos na ação política. Assim, a análise de 
Saes ignora completamente o papel dos agentes concretos no processo de formação 
da conjuntura política.
Associados a cada uma dessas abordagens estão métodos específicos e procedi-
mentos estratégicos de pesquisa. A ênfase nos indivíduos força o pesquisador a adotar 
um procedimento de análise mais empírica, buscando coletar dados sobre o conjunto 
de agentes pesquisados. Por outro lado, o procedimento analítico de Saes o conduz 
a adotar uma técnica muito mais abstrata e lógica – a interpretação dos processos 
histórico-sociais.
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ação do Estado no Brasil 
Análise empírica e análise teórica
O trabalho empírico conduzido por Carvalho se diferencia do trabalho de Saes 
na medida em que coleta dados sobre as elites políticas imperiais e posteriormente 
os analisa. Esses dados são, por exemplo, a origem social (profissão dos pais), onde 
e quando os membros da elite estudaram, quais as suas profissões etc. Depois de 
coletadas essas informações, o pesquisador realiza uma análise estatística buscando 
recorrências e correlações.
Por outro lado, Saes faz uma interpretação do evento sob uma óptica específica 
e pré-selecionada. O pesquisador escolhe um modelo teórico específico, estuda as 
produções historiográficas sobre o período e interpreta os eventos tendo em vista a 
lógica do modelo que selecionou. Assim, a sua pesquisa não possui caráter empírico 
na medida em que não trabalha com dados objetivos e não deriva conclusões de 
dados, mas de teorias.
Considerações finais 
É importante reter que a pesquisa histórica pode vir a ser uma ótima ferramen-
ta para a compreensão da realidade social e dos problemas nacionais. A maioria das 
pesquisas sobre o Estado brasileiro que aliam Ciência Política e História estão preocu-
padas em desvendar as origens do atraso, da desigualdade e do subdesenvolvimento 
do Brasil.
Entretanto, a pesquisa histórica não é fácil, pois exige um conhecimento amplo da 
historiografia (suas fontes, seus debates e suas principais interpretações) e de algumas 
técnicas especiais. Enunciamos algumas dessas técnicas. 
 O objeto de pesquisa deve estar bem circunscrito: uma definição muito ampla 
ou muito limitada daquilo que se quer estudar pode acarretar dificuldades 
no empreendimento da pesquisa. Além disso, a definição do objeto orientará 
a escolha do período histórico a ser estudado e dos eventos a serem focados, 
evitando que se investigue a esmo, sem um fio condutor.
 É importante manter um contato íntimo com as teorias da Sociologia Políti-
ca: graças a seus aparatos metodológico e conceitual, elas permitem opera-
cionalizar certos modelos de análise tirando de cada um o que há de mais 
produtivo. Ao estudarmos o Estado brasileiro, percebemos que existem duas 
grandes teorias que explicam a instituição Estado – a marxista e a weberiana. 
Elas foram utilizadas pelos analistas, tendo sido adaptadas das mais diversas 
maneiras, como procuramos resumir aqui.
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Texto complementar
Empresariado e modernização
(LEOPOLDI, 2000, p. 15-17)
“O tema específico [do livro em questão] diz respeito ao papel desempenha-
do pelos empresários industriais no processo de modernização do país, viaindus-
trialização. Uma vez que uma das questões centrais do tema específico refere-se 
às relações entre o Estado e o setor industrial, representado, ao longo do tempo, 
por diferentes entidades de classe, acabamos chegando à questão clássica acima 
mencionada. Trocando em miúdos, quero me referir à natureza das relações entre o 
Estado e os diferentes setores de classe, na formulação de políticas públicas ou de 
interesses de segmentos sociais privados. Essa questão que, por seu próprio con-
teúdo, nunca chegará a um ponto final, lida com problemas estratégicos como o da 
autonomia maior ou menor, respectivamente, do Estado e das classes sociais, o do 
significado do Estado como representante de interesses dominantes etc. [...]
[...] Se tanto o setor industrial de São Paulo quanto o do Rio de Janeiro adota-
ram uma atitude pragmática com relação aos “novos tempos”, que acabou resultan-
do em um entendimento básico entre o Estado e os empresários industriais, o ritmo 
desse processo foi diverso. A aproximação entre os empresários cariocas e o gover-
no Vargas realizou-se com menos percalços e com maior velocidade do que ocorreu 
em São Paulo. Nesse estado, o bloco de interesses regionais mostrou ser um elemen-
to poderoso de resistência ao poder central, como demonstra a eclosão da “guerra 
paulista”, sustentada, em grande medida, pelo esforço de seu parque industrial.
Passo ao que me parece ser a questão nevrálgica do livro, a qual pode ser assim 
formulada: em que medida o desenvolvimento econômico do país, a partir dos anos 
1930, teve como polo principal a iniciativa do Estado, ou pelo contrário, a ação orga-
nizada da grande indústria?
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ação do Estado no Brasil 
Atividades
Explique duas técnicas que podem ajudar no empreendimento de um estudo 1. 
de Ciência Política que utiliza uma abordagem histórica.
As duas teorias usualmente empregadas para se pensar o Estado, tanto no Brasil 2. 
quanto no mundo, são a marxista e a weberiana. Explique, com suas palavras, 
as principais características de cada uma delas.
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Selecione dois autores dos que foram abordados na aula, um que utiliza mais o 3. 
modelo marxista e outro que emprega o modelo weberiano, e explique como 
cada um entende a formação do Estado no Brasil.
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ação do Estado no Brasil 
Ampliando conhecimentos
Além das obras que exploraremos aqui, existem muitas outras cujo estudo vale a pena. 
Indicamos algumas.
BEIGUELMAN, Paula. Formação Política do Brasil. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1976.
BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 
1997.
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. São Paulo: Globo, 2008.
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 
2009.
PRADO JR., Caio. Evolução Política do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1999.
URICOECHEA, Fernando. O Minotauro Imperial. Rio de Janeiro: Difel, 1978.
VIANNA, Oliveira. Instituições Políticas Brasileiras. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987.
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Tradições do pensamento social brasileiro 
Alexandro Dantas Trindade
Em nenhuma outra região se mostra o céu mais sereno, nem madruga mais bela a aurora; 
o sol em nenhum outro hemisfério tem raios tão dourados, nem os reflexos noturnos tão brilhantes; 
as estrelas são mais benignas e se mostram sempre alegres; os horizontes, ou nasça o sol, ou se sepulte, 
estão sempre claros; as águas, ou se tomem nas fontes pelos campos, ou dentro das povoações nos 
aquedutos, são as mais puras; é enfim o Brasil terreal paraíso descoberto, onde tem nascimento e curso 
os maiores rios; domina salutífero clima; influem benignos astros e respiram auras suavíssimas, que o 
fazem fértil e povoado de inumeráveis habitadores.
Sebastião da Rocha Pita
Peculiaridades da formação social brasileira: 
o Brasil-nação como ideologia 
Ao percorrer os debates sobre a formação social do Estado brasileiro ocorridos desde 
o século XIX, uma questão tem apresentado desafios tanto às ciências sociais como à his-
toriografia: a construção da identidade nacional. No nosso caso, o descompasso entre a 
criação do Estado e a formação da nação brasileira. Em épocas de crise, a chamada ques-
tão nacional tem mobilizado diversos intelectuais, que se voltam para uma tentativa de 
repensar a nação, esboçando-lhe um sentido, dando-lhe alguma coerência. 
Algumas representações têm sido mais vigorosas, mais frequentes ou hegemôni-
cas, tais como o “motivo edênico”, isto é, a visão paradisíaca do Brasil. Essa visão, pre-
sente pelo menos desde a carta de Pero Vaz de Caminha, em 1500, foi expressa de 
modo exemplar por Sebastião da Rocha Pita, em História da América Portuguesa (1730), 
conforme está na nossa epígrafe.
A ideia de que o Brasil é “gigante pela própria natureza”, terra de um povo pacífico 
e ordeiro, sem revoluções, terremotos ou grandes rupturas, é igualmente parte desse 
grande mito sobre a identidade nacional – da mesma maneira que a ideia de sermos 
um povo formado pela mistura de três raças unidas por uma “democracia racial”. Se-
gundo Octávio Ianni, visto em uma perspectiva histórica ampla, o Brasil se revela uma 
formação social caleidoscópica, um arquipélago, uma espécie de
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[...] labirinto de elementos culturais e étnicos, simultaneamente às diferentes formas de 
organização do trabalho e da produção. Essa é uma formação social em que convivem formas 
de sociabilidade constituídas em distintas épocas e em diferentes regiões; regiões que por 
muito tempo, até meados do século XX, compunham uma espécie de arquipélago, em lugar de 
um país socialmente articulado. (IANNI, 2004, p. 160) 
Uma nação em busca de um conceito: ainda segundo o autor, “o Brasil ainda não é 
propriamente uma nação” (IANNI, 2004, p. 199), embora possa ser um Estado nacional 
no sentido de um aparelho estatal organizado, abrangente e forte, que acomoda, con-
trola ou dinamiza tanto estados e regiões como grupos raciais e classes sociais. 
Esse aspecto contraditório é, na verdade, produto de uma situação paradoxal 
que se verificou não apenas no Brasil, sendo extensiva às outras nações do Novo 
Mundo. É que, diferentemente das nações europeias, “cuja estratégia fora a de estrei-
tar os vínculos com um passado tanto mais glorioso quanto mais remoto, na Amé-
rica a independência significou o rompimento político com metrópoles que eram 
importantes matrizes identitárias” (COSTA, 2008, p. 4). Ou seja, os países americanos 
não podiam, ao mesmo tempo em que rompiam com suas metrópoles, renunciar a 
sua ligação com o mundo europeu do ponto de vista cultural e político, tampouco 
afastar-se do sistema mundial de Estados-nação, mas teriam que pertencer a ele de 
outra maneira.
No caso brasileiro, o paradoxo do processo de independência foi mais complexo, pois 
a manutenção da unidade territorial do domínio português correspondeu muito mais a 
uma visão da antiga metrópole que a uma demanda dos colonos, ao contrário do que 
aconteceu no restante do continente sul-americano. A América Espanhola se fragmentou 
em tantos países independentes quantas eram suas antigas subdivisões administrativas 
coloniais. Além disso, enquanto aqueles países experimentaram processos mais ou menos 
intensos de fragmentação territorial, formação de lideranças locais e instabilidade políti-
ca, embora com maior mobilização popular, o Brasil assistiu a um processo de redução 
do conflito nacional, juntamente com a limitação da mobilidade social e da participação 
política. O resultado foi que o Estado brasileiro se constituiu como uma espécie de “flor 
exótica” no contexto latino-americano ao manter-se, ao longo da maior parte do século 
XIX, como uma monarquia e um país escravista ao lado de repúblicas formalmente livres.
Tais questões estavam no cerne da reflexão e da ação política de um personagem 
que, sendo funcionário de alto escalão do Império Português, pela força das circuns-tâncias acabou ficando à frente do processo de independência do Brasil, em 1822: José 
Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838). O pensamento político e social de Bonifácio 
é exemplo de um estilo de pensamento que pressupõe uma sociedade civil carente de 
formas de autoorganização e, portanto, dependente de um Estado forte. Nessa repre-
sentação, a sociedade, o povo e a nação devem ser orquestrados, tutelados por esse 
ator político fundamental que é o Estado.
33
Tradições do pensam
ento social brasileiro 
O tráfico negreiro e a escravidão eram mais do que simples heranças da era colo-
nial: eles repercutiriam diretamente sobre a ordem política da nova nação. O projeto 
civilizador de José Bonifácio pretendia viabilizar o novo país e precisava contar com 
a adesão, tanto dos proprietários de terra e de escravos como dos traficantes. Entre-
tanto, essa base de sustentação política, econômica e social começava a ser posta em 
causa pelo contexto internacional, trazendo problemas quanto à legitimidade da nova 
nação.
Assim, de um lado, como obter o consenso dos poderosos proprietários rurais e dos 
traficantes de escravos? De outro lado, como viabilizar uma ordem política com a presen-
ça de escravos africanos de diversas procedências – escravos esses que, ao comporem a 
essência das relações de trabalho (sendo, portanto, fator constitutivo dos interesses da 
classe senhorial, os quais eram privatistas por excelência), punham em causa a própria 
sobrevivência do Estado moderno e da ordem liberal, calcada na igualdade política? Em 
suma, como fazer com que esses interesses – que se excluíam mutuamente e, mais que 
isso, expressavam a mais gritante heterogeneidade e desigualdade – constituíssem uma 
só e mesma nacionalidade?
Assim, a reflexão de José Bonifácio situa-se em um momento ímpar da história do 
Brasil. Nos dois anos em que esteve à frente dos principais acontecimentos políticos 
(entre 1821 e 1823, como ministro de Estado), Bonifácio teve um “papel fundamental 
na articulação da Independência, da construção de um Estado nacional e da conquista 
de um império brasileiro” (DOLHNIKOFF, 1998, p. 19). 
Em sua Representação à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do 
Brasil sobre a Escravatura, escrito em 1823, Bonifácio atenta para a essência do que 
seria uma “nação homogênea”. Volta-se contra o tráfico negreiro em um primeiro mo-
mento. Após sua extinção, seria possível constituir uma ordem social e política que 
subvertesse, gradualmente, o legado da escravidão. 
O que nos parece ilustrar melhor sua argumentação é sua perspectiva sobre a 
formação nacional. O incentivo à miscigenação e a proteção à família (em um sentido 
amplo, fosse ela composta por escravos, por negros livres, brancos ou índios), bem 
como o incentivo à imigração europeia, delineiam uma política populacional que de-
veria estabelecer os parâmetros da nacionalidade. Para o autor, o Estado deveria ser 
uma espécie de “escultor prudente, que de pedaços de pedra faz estátuas. Misturemos 
os negros com as índias, e teremos gente ativa e robusta – tirará do pai a energia, e da 
mãe a doçura e bom temperamento” (ANDRADA E SILVA, 1998, p. 155-156).
Bonifácio considerava o Estado como o gerenciador dos conflitos e das relações 
de trabalho, anulando o arbítrio senhorial. Defendia uma espécie de despotismo escla-
recido que daria ao governo a legitimidade da tutela de uma sociedade que, a seu ver, 
era profundamente heterogênea, disforme e incapaz de guiar-se por si mesma.
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Algumas reflexões de José Bonifácio seriam recuperadas no final do século XIX por 
Joaquim Nabuco (1849-1910), um político e intelectual que buscou compreender as 
condições e possibilidades de “civilizar” o país. Joaquim Nabuco fez da análise sobre os 
efeitos sociais e políticos da escravidão seu principal tema. Para ele, a escravidão ope-
rava uma cisão social, política e jurídica entre a “boa sociedade”, assimilada ao modelo 
europeu e projetada como o que deveria ser a nação, e sua base social real, identificada 
com a natureza e a “barbárie”. Mais importante, Nabuco percebeu que a escravidão 
produzia efeitos perversos não apenas sobre o escravo, mas principalmente sobre as 
camadas livres da sociedade, disso resultando a ausência de cidadania efetiva. Enten-
dendo o regime escravo como uma instituição essencial e que, portanto, englobava 
todas as demais instituições, sua destruição demandaria uma reforma global. Segundo 
Marco Aurélio Nogueira,
[...] considerando com inteligência a distinção entre escravidão visível e “escravidão que não se 
vê”, [Nabuco] realizou uma devastadora crítica da instituição e de seu regime social, dando ao 
abolicionismo uma consistência doutrinária até então inexistente (NOGUEIRA, 1984, p. 111). 
Para Nabuco, a escravidão em si constituía o principal obstáculo à construção da 
nação e, fazendo referência a José Bonifácio, afirmava que a mera presença do cati-
veiro impediria qualquer “patriotismo nacional, [permitindo] somente patriotismo de 
casta, ou de raça”. Assim, o “sentimento que serv[iria] para unir todos os membros da 
sociedade” subverter-se-ia com a presença da escravidão, passando a ser “explorado 
para o fim de dividi-los”:
Para que o patriotismo se purifique, é preciso que a imensa massa da população livre, mantida em 
estado de subserviência pela escravidão, atravesse, pelo sentimento da independência pessoal, pela 
convicção da sua força e do seu poder, o longo estágio que separa o simples nacional – que hipoteca 
tacitamente, por amor, a sua vida à defesa voluntária da integridade material e da soberania externa 
da pátria – do cidadão que quer ser uma unidade ativa e pensante na comunhão a que pertence 
(NABUCO, 1999, p. 188). 
Entretanto, a despeito de sua plataforma política liberal-democrática, de sua es-
perança na difusão da cidadania e do diagnóstico dos entraves para a modernidade, 
a perspectiva de Nabuco recai no mesmo dilema de José Bonifácio: diante de uma 
sociedade civil dilacerada por interesses conflitantes, amorfa e fragilizada, não restaria 
ao Estado senão a incumbência de destruir a escravidão, instaurar a cidadania e formar 
a nação. Na verdade, o poder do cativeiro era tal que o “governo” não seria mais que 
o resultado da “abdicação geral da função cívica por parte do nosso povo”. Contudo, 
mesmo sendo o resultado dessa apatia política, o “governo” seria a única força capaz 
de destruir a escravidão, ainda que ambos viessem a morrer juntos (NABUCO, 1999, p. 
211).
Para ficarmos apenas com esses dois autores emblemáticos do século XIX, a re-
presentação do Brasil-nação em José Bonifácio e Joaquim Nabuco figurava em uma 
perspectiva modernizadora, ainda que em compasso de espera: diante de uma socie-
dade em processo de formação, de uma nacionalidade heterogênea e amorfa, sem 
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Tradições do pensam
ento social brasileiro 
identidade, restava a promessa de um futuro moderno a ser conduzido pelo Estado 
– que era “tutelar” para Bonifácio e “civilizador” para Nabuco. Apesar do diagnóstico 
negativo sobre a sociedade, não lhes ocorria abandonar a aposta em uma perspectiva 
positiva de superação do “atraso”. 
Motivos ibéricos e a modernidade no Brasil 
Outro conjunto de representações sobre o povo e a nação divergia dessa perspec-
tiva progressista. Em geral, atribui-se a certas representações que avaliam positivamen-
te a herança portuguesa e o legado colonial, ou ainda que os consideram como ilustra-
ção inequívoca de uma cultura “genuinamente” luso-brasileira, o nome de iberismo. 
Sinteticamente, podemos entender o iberismo como a valorização ou a recupera-
ção das “raízes ibéricas” da nacionalidade brasileira, caminho trilhado por autores que 
desconfiavam da possibilidade de a modernização das relações sociais, o liberalismo po-
lítico ou o princípio da representação política e mesmo da democracia serem adotados 
no Brasil, uma vez que essas instituições não corresponderiamà realidade das nossas 
tradições e costumes políticos. O iberismo pressupõe a ideia de que Portugal e Espanha 
não teriam sido formações culturais e políticas tipicamente “europeias” ou “ocidentais”, 
mas regiões nas quais valores centrais do mundo moderno – como o individualismo, o 
contratualismo, o mercado, a competição, o conflito de interesses e a democracia bur-
guesa – não teriam sido importantes no estabelecimento de suas tradições políticas. No 
lugar desses valores, o iberismo estabelece outros ideais para a sociedade, tais como a 
cooperação, a integração, o predomínio do interesse coletivo e comunitário sobre o indi-
vidual, o personalismo, o patriarcalismo etc. Pode-se dizer que o iberismo é uma tradição 
alternativa ao “Ocidente” anglo-saxão, puritano, calcado em uma ética do trabalho de 
matriz protestante (CARVALHO, 1991, p. 89). Trata-se, portanto, de uma tese antiliberal.
Um autor muito representativo dessa tradição foi Oliveira Vianna (1883-1951). Sua 
obra revela orientações comuns a vários intelectuais do período compreendido entre 
a Abolição da Escravatura (1888) e os primeiros anos da República Velha (1889-1930). 
Nesse contexto, muitos se debruçaram sobre a colonização portuguesa procurando os 
nexos fundamentais que constituíram a formação do país. Diante da questão sobre se 
éramos ou não uma efetiva nação, Oliveira Vianna refazia a pergunta sob dois registros 
diferentes: o que constitui uma nação? e, sobretudo, quais as tarefas necessárias à sua 
constituição?
Ao lado de uma atitude fatalista e racialista, ponto comum do debate intelectual 
daquele contexto, Vianna superou alguns dos dilemas de seu tempo, apontando solu-
ções mais “otimistas”, por exemplo, a defesa da eugenia e do papel destinado às elites. 
Para Oliveira Vianna, a imigração europeia seria responsável pelo “embranquecimento” 
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da população brasileira, e nesse sentido a miscigenação poderia ser orientada de uma 
forma eugênica.
Eugenia
A eugenia já foi considerada tanto uma ciência aplicada que buscava melhorar 
a herança genética da raça humana como também um movimento social que bus-
cava popularizar os princípios e práticas dessa ciência. 
Antes de sua apropriação pelos nazistas nos anos 1930, a eugenia desfrutou de 
amplo apoio, tanto em círculos liberais quanto conservadores em inúmeros países, 
entre eles o Brasil, entre o final do século XIX e início do XX.
Oliveira Vianna criticou os pressupostos do evolucionismo de cunho darwinis-
ta, que concebia uma linha evolutiva única para a humanidade, com povos “superio-
res” e “inferiores”. O autor descartava essa vertente universalista ao acreditar em uma 
pluralidade de linhas evolutivas, nas quais as raças se desenvolveriam a partir de um 
conjunto de causas como o espaço geográfico, a história, as instituições e a cultura, 
além do aspecto propriamente biológico. Desse particularismo Vianna concluía ser 
impossível uma perfeita integração interétnica: “cada agregado humano é hoje, para 
a crítica contemporânea, um caso particular, impossível de assimilação integral com 
qualquer outro agregado humano”, e a atuação de todo um complexo causal acabaria 
por promover “entre eles diferenças irredutíveis, mesmo entre os que vivem mergulha-
dos na mesma atmosfera de civilização” (VIANNA, 1933, p. 19-24). É que das diferenças 
de estrutura social, histórica etc. surgiriam diferenças “sutis de mentalidade” a que o 
autor denomina complexos. Uma decorrência fundamental dessa afirmação é a crítica 
à “transplantação” das ideias e das instituições. A defesa que faz do “realismo” e da ob-
jetividade frente às soluções “idealistas” e “liberais” é dessa ordem. Da ação poderosa 
de uma complexidade de agentes resultaria a singularidade de um povo e, portanto, 
a não intercambialidade de seus valores, modos de vida e, consequentemente, suas 
instituições políticas.
Por fim, Oliveira Vianna apresentava uma interpretação sobre a formação da so-
ciedade brasileira que passava pela valorização positiva do papel do latifúndio. Para 
esse autor, 
O latifúndio cafeeiro, como o latifúndio açucareiro, tem uma organização complexa e exige capitais 
enormes: pede também uma administração hábil, prudente e enérgica. É, como o engenho de 
açúcar, um rigoroso selecionador de capacidades. Só prosperam, com efeito, na cultura dos cafezais 
as naturezas solidamente dotadas de aptidões organizadoras, afeitas à direção de grandes massas 
operárias e à concepção de grandes planos de conjunto. O tipo social dela emergente é, por isso, um 
tipo social superior, tanto no ponto de vista das suas aptidões para a vida privada, como no ponto 
de vista das suas aptidões para a vida pública. Daí formar-se, nas regiões onde essa cultura se faz 
a base fundamental da atividade econômica, uma elite de homens magnificamente providos de 
talentos políticos e capacidades administrativas. (VIANNA, 1933, p. 104) 
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Tradições do pensam
ento social brasileiro 
Com base nessas considerações, a identidade nacional brasileira passaria pela 
própria história do latifúndio, como organizador e selecionador dos indivíduos não 
brancos, de acordo com suas “potencialidades”. Graças à ação “eugênica” do latifúndio, 
a história do Brasil seria também uma história sem rupturas, conflitos ou revoluções, 
responsável pela fixação de uma particular “psicologia política” no povo. Em outras 
palavras, Oliveira Vianna defende explicitamente a adoção de formas autoritárias de 
poder político, com base em um suposto diagnóstico de fragilidade da sociedade, das 
instituições liberais, da ausência de espírito de associação:
O nosso homem do povo procura um chefe, e sofre sempre uma como que vaga angústia secreta 
todas as vezes que, por falta de um condutor ou de um guia, tem necessidade de agir por si, 
autonomamente. [...] É essa certeza intima de que alguém pensa por ele e, no momento oportuno, 
lhe dará o santo e a senha de ação, é essa certeza íntima que o acalma, o assegura, o tranquiliza, o 
refrigera. Do nosso campônio, do nosso homem do povo, o fundo da sua mentalidade é esta. Esta é 
a base de sua consciência social. Este o temperamento do seu caráter. Toda a sua psicologia política 
está nisso. (VIANNA, 1987b, p. 67) 
Outro autor que, nos anos 1930, destacava-se no conjunto dos chamados intér-
pretes do Brasil por recuperar e revalorizar a representação da nação nos termos do ibe-
rismo foi Gilberto Freyre (1900-1987). Com a publicação de seu Casa-Grande & Senzala 
em 1933, Freyre reeditou a temática racial e a identidade nacional, constituindo-as em 
chave para a compreensão do Brasil. Contudo, não as fez a partir do critério racista, ou 
raciológico, como na abordagem de Oliveira Vianna. Tampouco elegeu o Estado como 
o agente central do processo de formação social. Ao contrário, Gilberto Freyre operou 
uma dupla inversão de termos: em vez da raça, pensou a cultura; em vez do Estado, 
pensou a sociedade. 
No que diz respeito à questão racial, a utilização do conceito de cultura permitiu-lhe 
a superação de uma série de dificuldades anteriormente encontradas a respeito da ne-
gativa herança biológica da mestiçagem, e Freyre a transforma em valor extremamente 
positivo. Na verdade, muito mais que – baseado em novos recursos metodológicos – ter 
superado alguns temas anteriores, Freyre foi o primeiro a lançar mão de uma visão posi-
tiva sobre o país, tal qual ele supostamente seria. 
De um lado, rejeita as considerações de ordem racial e introduz análises cultura-
listas. Não é sem razão que grande parte de sua popularidade tenha advindo da des-
construção, ao menos em tese, do discurso racista da inferioridade cultural por conta 
da hereditariedade biológica de negros e índios. Ao menos em tese porque, na verdade, 
há um remanejamento da questão racial: Freyre adota, segundo Ricardo Benzaquem 
Araújo, uma noção “neolamarckiana” de raça, segundo a qual se admite a hereditarie-
dade de caracteres adquiridos, isto é,a possibilidade de “raças artificiais ou históricas” 
(ARAÚJO, 1994, p. 39). Por exemplo, Freyre (2005, p. 36) alude à experiência colonial 
portuguesa no Brasil atribuindo ao brasileiro o caráter de ser “quase outra raça”, com 
apenas um século de distância da Península Ibérica. 
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Por outro lado, supõe uma hierarquia, não mais racial, mas cultural – vale dizer, 
tendo como parâmetro a maior ou menor complexidade cultural ou grau de cultura. 
Assim sendo, empreendeu um estudo das etnias africanas presentes no Brasil tendo em 
vista a caracterização desse grau cultural. Embora Freyre refutasse o argumento racista, 
justificava a desigualdade, e nesse ponto eram bastante ambíguas suas afirmações. 
Um exemplo disso é como ele reinterpretava a eugenia. A participação do negro 
na sociedade brasileira teria sido possível graças à ação do patriarcalismo, ou da “famí-
lia tutelar” no Brasil, que teria tido um caráter “liberal” – liberalidade esta entendida no 
sentido de certa frouxidão moral, promovendo o livre 
[...] intercurso sexual de brancos dos melhores estoques – inclusive eclesiásticos, sem dúvida 
nenhuma, dos elementos mais seletos e eugênicos na formação brasileira – com escravas negras e 
mulatas [...]. Resultou daí grossa multidão de filhos ilegítimos – mulatinhos criados muitas vezes com 
a prole legítima, dentro do liberal patriarcalismo das casas-grandes; outros à sombra dos engenhos 
de frades; ou então nas “rodas” e orfanatos. (FREYRE, 2005, p. 531) 
A miscigenação teria promovido ainda a construção de um elemento social e “eugeni-
camente superior” que seria o mestiço. Percebe-se, todavia, que a questão da inter-relação 
das etnias e culturas acompanha a caracterização que o autor faz da família patriarcal. Sua 
importância concorreria para a constituição no país de uma “democracia racial”, e questões 
como a eugenia podem ser lidas a partir da análise do papel da família patriarcal – preci-
samente, o sistema patriarcal e o “complexo da casa-grande”. A importância desse sistema 
decorreria de sua capacidade singular de, em face da escravidão, ter mantido a harmonia 
e o equilíbrio sociais. 
Para Gilberto Freyre, longe de fortalecer a desigualdade e estabelecer um fosso 
intransponível entre dominantes e dominados, no Brasil a escravidão teria sido desen-
volvida de maneira singular, diferenciando-se, por exemplo, daquela praticada no Sul 
dos Estados Unidos. Freyre chama a atenção para a leniência ou brandura do regime 
escravocrata por conta da ação eficaz da família senhorial em contemporizar dominan-
tes e dominados, brancos e não brancos, reduzindo as distâncias entre a casa-grande e 
a senzala. Em suma, para Freyre, a história da formação do povo brasileiro confunde-se 
com a história da família patriarcal. Responsável pelo clima edulcorado (adoçado) do 
regime escravo, ela teria sido a base essencial para a miscigenação em larga escala, 
criando “zonas de confraternização” entre vencedores e vencidos. 
A menção ao equilíbrio social pode ser lida aqui como a evidência de uma cultu-
ra política da conciliação: ela seria expressão da competência da família senhorial em 
não permitir que momentos de crise desembocassem em rupturas profundas. Assim, as 
transformações que culminaram na república são interpretadas por Freyre tendo como 
referência não a mudança oriunda das ruas, dos movimentos sociais, das novas relações 
sociais advindas com a transição para a modernidade, mas tão somente como indícios da 
“decadência” da família patriarcal frente aos processos de urbanização. Embora profun-
das, tais transformações não chegariam a romper com essa cultura da conciliação. Pelo 
39
Tradições do pensam
ento social brasileiro 
contrário, para Freyre a casa-grande não desapareceu, mas continuou influenciando, 
como nenhuma outra força, a formação social do brasileiro, agora no espaço urbano. 
Por fim, há um último aspecto em Gilberto Freyre que revela seu compromisso 
com certos motivos ibéricos: a defesa da rusticidade como um traço, “aparentemente 
ingênuo”, dos portugueses vindos ao Brasil. Por meio da rusticidade, Freyre revela sua 
resistência à homogeneização burguesa, admitindo contudo a “aceitação de inúme-
ras formas culturais dificilmente assimiláveis dentro do gabarito estreito da civiliza-
ção” (BASTOS, 1998, p. 51), conforme definida pelas sociedades industriais. Assim, para 
Freyre, o analfabetismo não seria um problema na medida em que culturas ágrafas 
(sem escrita) seriam transmitidas oralmente e mesmo beneficiadas pelo rádio e pela 
televisão. A rigor, o processo de alfabetização em massa era visto como potencial des-
truidor da riqueza imaginativa de formas culturais pré-modernas. 
Por um lado, como resultado da leitura leniente da escravidão e da ação sábia do 
patriarcado em contemporizar dominantes e dominados, pode-se perceber o quanto 
para Freyre a democracia política seria desnecessária, substituível pela “democracia 
racial”, resultado, esta sim, da sabedoria do sistema patriarcal no Brasil; por outro lado, re-
sultante da defesa da rusticidade, encontramos uma leitura desconfiada da moderniza-
ção, entendida por Freyre como destruidora de formas culturais mais ricas em nome da 
homogeneidade e da igualdade entre os indivíduos. Em suma, trata-se da formulação de 
que haveria certas “vantagens do atraso”, tais como a conciliação e a acomodação frente 
a processos que poderiam desencadear rupturas e conflitos agudos na sociedade.
Modernismo e identidade nacional 
As diferentes ideias de Brasil moderno se tornaram ainda mais explícitas confor-
me determinadas regiões do país iam se industrializando e urbanizando, tornando-
se cada vez mais complexas em sua estrutura social. Vivenciava-se, ao menos nas 
regiões do país mais sintonizadas com o capitalismo internacional, um novo ritmo: feé-
rico, galopante, cosmopolita. Mas também explosivo, revelando novos mecanismos de 
exploração da força de trabalho e reproduzindo padrões históricos de desigualdade. 
Uma nova forma de compreensão igualmente se fazia presente, uma atitude mais con-
dizente com esse espírito do tempo. O centro da vida nacional também se deslocava 
com o avanço do capital: do Nordeste (simbolicamente, Recife) para o Centro-Sul (sim-
bolicamente, São Paulo): 
Em certa medida, a realização da Semana de Arte Moderna em São Paulo, em 1922, simboliza a 
emergência de outras inquietações e propostas, que passarão a predominar. Mas o deslocamento 
não é nem rápido nem drástico. Alguns escritores revelam dúvidas, ambiguidades, vacilações, falta 
de clareza. Foi complicado esse processo de deslocamento do centro da vida nacional, desde o 
Nordeste até o Centro-Sul, simbolizado por Recife e São Paulo. (IANNI, 2004, p. 32) 
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O ano de 1922 é, portanto, uma data carregada de dramaticidade e peso simbóli-
co, com vários acontecimentos marcantes: 
 centenário da Independência;
 fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB);
 fundação do Centro Dom Vital, de orientação católica;
 Semana de Arte Moderna. 
Tais episódios demandavam, pelos intelectuais, uma nova narrativa da nação. O 
movimento modernista surgiu nesse contexto e, de certa forma, pode ser visto como 
a expressão de uma ruptura histórica, pois era como se a sociedade como um todo 
estivesse entrando em outro patamar, tendo por desafio compreender, esclarecer ou 
explicar a formação da sociedade brasileira. Era preciso recuperar as raízes do que teria 
sido o Brasil colonial, as peculiaridades do Brasil monárquico, as dificuldades e pers-
pectivas do Brasil republicano (IANNI, 2004).
Modernidade
Segundo o Dicionário do Pensamento Social do Século XX, a modernidade é 
um “conceito de contraste”: extrai seu significado tanto do que nega como do que 
afirma, e seu dinamismo implica necessariamente conflito (OUTHWAITE; BOTTOMO-
RE, 1996, p. 473).
Estar sintonizado com esse

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