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Doenças infecciosas – parte 1 APRESENTAÇÃO Doenças infecciosas constituem inúmeras patologias desencadeadas por agentes patogênicos externos ou internos. Seu desenvolvimento ocorre de acordo com a relação hospedeiro- patógeno-ambiente. Nesse contexto, a imunidade do hospedeiro é fator crucial na evolução da doença; quando ela é vencida pelo patógeno, instala-se a patologia. Nesta Unidade de Aprendizagem estudaremos três doenças infecciosas: a meningite, a pneumonia e a endocardite infecciosa. As três têm em comum a urgência em seu diagnóstico, para que a morbidade e a mortalidade sejam evitadas. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar a etiologia da endocardite infecciosa.• Diferenciar as formas viral e bacteriana da meningite.• Explicar a predisposição à pneumonia adquirida na comunidade por pacientes com doenças crônicas. • DESAFIO Observe as seguintes situações acerca da predisposição à pneumonia: 1) Geralmente, os pacientes com demência (pacientes, por exemplo, com doença de Alzheimer) estão em um ambiente que propicia o desenvolvimento de pneumonia, ou seja, clínicas ou residenciais para idosos. São pacientes com idade avançada e imunidade baixa por causa de problemas com ingestão de alimentos; não se comunicam para relatar dor ou outras alterações e têm limitações motoras, gerando imobilidade, o que facilita a ocorrência de infecções pulmonares. 2) Já um paciente com doença renal crônica está mais predisposto à pneumonia adquirida na comunidade (PAC) porque a doença renal crônica debilita o organismo e deprime o sistema imunológico. É muito provável, também, que o paciente esteja submetendo-se a sessões de hemodiálise em ambiente hospitalar, deixando-o mais exposto a patógenos que causam a pneumonia 3) Sabemos que a fibrose cística é uma doença hereditária que consiste em alterações no transporte de íons através da membrana das células, fazendo com que as secreções das glândulas exócrinas fiquem muito espessas. O muco secretado pelo trato respiratório também fica muito espesso, facilitando o acúmulo de bactérias nas vias aéreas. Por isso, o paciente com fibrose cística está mais exposto à PAC. Outro motivo é que as secreções muito espessas do pâncreas dificultam a digestão e absorção dos alimentos, debilitando o paciente. Considerando as três situações apresentadas, explique o que você conclui sobre a relação entre essas doenças e a PAC, qual é - ou quais são - os aspectos em comum às três patologias que predispõem os pacientes à PAC. INFOGRÁFICO O infográfico apresenta o que será estudado nesta Unidade de Aprendizagem: endocardite infecciosa, meningite e pneumonia. CONTEÚDO DO LIVRO Doenças infecciosas são aquelas em que microrganismos conseguem penetrar em tecidos do hospedeiro, vencer seu sistema de defesa e lhe deixar doente. Quanto mais debilitado estiver o organismo do hospedeiro, mais fácil é a instalação da doença e o agravamento da mesma. No capítulo Doenças Infecciosas - Parte 1, da obra Genética e Patologia, você irá aprender sobre três doenças infecciosas de alta gravidade, que afetam frequentemente a população e podem levar a óbito, que são: a endocardite infecciosa (atinge o coração), a meningite (atinge o sistema nervoso central) viral e bacteriana e a pneumonia adquirida na comunidade (afeta os pulmões). Boa leitura. GENÉTICA E PATOLOGIA Adriana Dalpicolli Rodrigues Doenças infecciosas — parte 1 Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar a etiologia da endocardite infecciosa. Diferenciar as formas viral e bacteriana da meningite. Explicar a predisposição à pneumonia adquirida na comunidade por pacientes com doenças crônicas. Introdução A patogênese das doenças infecciosas refere-se à relação entre o hos- pedeiro, o ser humano, o agente infeccioso (que é um microrganismo/ patógeno) e o ambiente interno ou externo ao organismo. Os agentes infecciosos, exógenos ou endógenos podem ser vírus, bactérias, para- sitas ou fungos. A infecção ocorre quando um patógeno invade células ou tecidos do organismo do hospedeiro a partir do ambiente. Após a invasão, o microrganismo em questão apresenta a capacidade de driblar as defesas imunológicas celulares ou humorais do hospedeiro, causando a doença. Essas infecções atingem, principalmente, indivíduos com a imunidade comprometida, como crianças, idosos, pacientes acometidos com doenças crônicas, indivíduos desprovidos de recursos, entre outros. Neste capítulo, você estudará sobre três doenças infecciosas com alta morbidade e mortalidade na população mundial: endocardite infecciosa (infecção que ocorre na camada interna [endocárdio] que reveste o co- ração), meningite viral e bacteriana (infecção que atinge as meninges do sistema nervoso central) e pneumonia adquirida na comunidade (infecção que afeta estruturas pulmonares). 1 Etiologia da endocardite infecciosa A endocardite infecciosa é causada por bactérias ou fungos, originando uma infecção microbiana que acomete uma das valvas cardíacas ou do endocárdio mural. Essa doença ocorre, principalmente, por uma infecção bacteriana das valvas atrioventriculares direita e esquerda e das valvas da aorta e do tronco pulmonar (HAMMER; MCPHEE, 2016; O'GARA, 2011; TORTORA; DERRICKSON, 2017). Para melhor compreensão, as valvas podem ser observadas na Figura 1. Figura 1. Vista interna do coração em corte frontal. As valvas cardíacas atrioventriculares esquerda e direita, a valva do tronco pulmonar e a valva da aorta são visualizadas. Fonte: Tortora e Derrickson (2017, p. 374). Doenças infecciosas — parte 12 A infecção afeta, prevalentemente, as valvas do lado esquerdo do co- ração, com exceção de alguns pacientes, como os que apresentam lesão provocada por cateter na valva pulmonar, embora seja menos comum (HAMMER; MCPHEE, 2016; TORTORA; DERRICKSON, 2017). A in- fecção valvar nativa consiste em uma infecção de valvas cardíacas natu- rais normais ou anormais, mas o fator mais comum para a ocorrência da endocardite infecciosa é a presença de valvas cardíacas com estruturas anormais prévias à infecção. Os indivíduos que correm mais riscos de desenvolver a endocardite são os que apresentam cardiopatia reumática ou congênita, valva cardíaca protética (valvas artificiais implantadas) ou histórico prévio de endocardite. Alguns dos fatores hemodinâmicos que predispõem à endocardite são (HAMMER; MCPHEE, 2016): corrente em jato de alta velocidade, causando f luxo sanguíneo turbulento ao atravessar a valva defeituosa, que resulta em expo- sição de proteínas da matriz extracelular, promovendo o depósito de fragmentos celulares e proteínas da coagulação (plaquetas e fibrina), formando vegetações estéreis. A endocardite infecciosa acaba ocorrendo quando microrganismos são depositados sobre as vegetações estéreis durante o curso de bacteremia. Após a invasão do microrganismo, essas vegetações continuam a crescer por meio do depósito de fibrina e plaquetas, fornecendo às bactérias artifícios contra os mecanismos de defesa celular e/ou humoral do hospedeiro (Figura 2); fluxo de uma câmara cardíaca de pressão alta para uma de pressão baixa em indivíduos com alguma doença prévia (febre reumática, anomalias congênitas, condições degenerativas): as lesões da endocar- dite infecciosa tendem a se originar na superfície da valva na câmara cardíaca com a pressão mais baixa como, por exemplo, na superfície ventricular de uma valva aórtica anormal e na superfície atrial de uma valva mitral anormal. 3Doenças infecciosas — parte 1 Figura 2. Colonização bacteriana nas valvas cardíacas. Fonte: Hammer e McPhee (2016, p. 70). Os agentes etiológicos mais frequentes que causam endocardite infecciosa são as bactérias gram-positivas, como: Streptococcus (do grupo viridans, costumam infectar pacientes em tratamento dentário), Staphyloccocusaureus ou S. epidermidis (comum em usuários de drogas injetáveis ou com valvas Doenças infecciosas — parte 14 cardíacas protéticas) e Enterococcus (podem ser decorrentes de infecção urinária). Os S. aureus podem invadir até mesmo o endotélio intacto, resul- tando em endocardite na ausência de anormalidades valvares preexistentes. A Echerichia coli é um exemplo de bactéria gram-negativa que pode causar endocardite por ser uma causa frequente de urossepse na população, princi- palmente, feminina, entretanto, sua ocorrência é rara. A taxa de mortalidade para endocardite e complicações graves é alta, e a cura definitiva, em geral, requer administração prolongada de antibióticos intravenosos, além de cirurgia para substituir valvas cardíacas infectadas devido ao nível de lesão provocada. A morte, na maioria dos casos, é resultante de colapso hemodinâmico ou por êmbolos sépticos que se deslocam para o sistema nervoso central, resultando em abscessos encefálicos ou aneurismas micóticos e hemorragia intracerebral (HAMMER; MCPHEE, 2016; MARQUES et al., 2020). Em relação aos fungos, os principais agentes causadores são as leveduras dos gêneros Candida, Torulopsis, Aspergillus, Histoplasma, Penicillium e outros (O'GARA, 2011). A endocardite infecciosa pode ser classificada conforme descrito a seguir. Endocardite bacteriana aguda: é causada por microrganismos invasivos e apresenta progressão rápida, em que a internação do paciente ocorre em menos de uma semana após a sintomatologia, e sua morte pode ocorrer em menos de quatro semanas (exceto quando tratado de modo efi caz). As febres variam de 39,4 a 40,6°C e, com frequência, são remissivas. As manifestações cutâneas, como petéquias e pequenos infartos periféricos, podem ser proeminentes, principalmente, em casos de S. aureus. Os êmbolos são comuns, e as infecções metastáticas no baço, ossos, articulações, rins, cérebro, olhos (endoftalmite) e pulmões podem surgir de uma embolização séptica ou de uma bacteremia contínua. O surgimento de um novo sopro cardíaco (sopro característico de insufi ciência valvar) é sugestivo de destruição valvar, confi rmando a endocardite bacteriana aguda. O dano valvar pode levar ao desenvolvimento de insufi ciência cardíaca severa. Endocardite bacteriana subaguda: é causada por microrganismos de baixa virulência ou comensais, apresentando sintomas como febres, suores, enfra- quecimento, mialgias, artralgias, mal-estar, anorexia e fadiga, que costumam persistir durante semanas a meses até que seja feito o diagnóstico. Existem diferenças signifi cativas entre os aspectos clínicos apresentados por pacientes idosos e jovens. Observa-se que a vegetação valvar mitral é mais comum em idosos, geralmente, devido a doenças pré-existentes, como a diabetes melito. 5Doenças infecciosas — parte 1 Outro fator importante é que, nessa faixa etária, com a evolução do quadro da endocardite, a destruição dos tecidos progride, e coágulos infectados (êmbolos sépticos) podem se soltar e serem levados pela corrente sanguínea a outros órgãos, como os rins e os pulmões, aumentando o risco de insufi ciência renal aguda e embolia pulmonar, complicações graves e, muitas vezes, fatais. Em jovens, é mais observada a vegetação valvar tricúspide com endocardite por S. aureus (bactéria encontrada na pele) por ser uma faixa etária em que há maior prevalência do uso de drogas endovenosas. Além de manifestações clínicas diretamente associadas ao coração, outras regiões do organismo podem ser afetadas, difi cultando o diagnóstico da endocardite infecciosa (O’GARA, 2011). Manifestações cutâneas: petéquias, geralmente, nas conjuntivas, porção oral da faringe e pele (comuns nos membros inferiores). Podem surgir também nodos de Osler causados por pequenos êmbolos ou ainda resultar de uma vasculite imunomediada de pequenos vasos. Aspectos musculoesqueléticos: mialgias, artralgias, artrites ou lombalgias. Achados oculares: hemorragias petequiais, hemorragias em forma de chama, manchas de Roth e exsudatos com aspecto de algodão podem ser observados na retina dos pacientes com endocardite. Fenômenos embólicos (embolia arterial): os sinais clínicos incluem acidente vascular encefálico; cegueira monocular com obstrução da artéria central da retina; dor abdominal aguda, íleo paralítico e melena decorrentes da oclusão da artéria mesentérica; e dor e gangrena nos membros. Anormalidades esplênicas: infartos esplênicos podem ser ou não acompa- nhados de esplenomegalia. Manifestações renais: presença de hematúria que pode ser causada pelo infarto renal embólico, mas raramente causa insufi ciência renal. A glomerulonefrite membranoproliferativa difusa é resultado da glomerulonefrite gerada por imunocomplexos, com deposição de IgG, IgM e complemento, seguindo um padrão granular ou nodular junto à membrana basal glomerular ou na mem- brana basal de localizações subepiteliais ou subendoteliais. Nesses depósitos glomerulares, o antígeno bacteriano pode ser identifi cado. Doenças infecciosas — parte 16 Aneurismas micóticos (aneurisma microbiano ou aneurisma infeccioso): são aneurismas arteriais que se desenvolvem associados a infecções, como a endocardite infecciosa. Uma ampla variedade de bactérias, fungos, micobac- térias e vírus pode causar aneurismas. Quando ocorre ampliação ou ruptura dos aneurismas, podem surgir os seguintes sintomas: cefaleia, dor, massa pulsátil e febre persistente. Manifestações neurológicas: são muito frequentes em casos de endocardite, podendo ocorrer embolia cerebral; acidente vascular encefálico (considerado fator preditor de morte) causado por êmbolos cerebrais (geralmente, seguem para a artéria cerebral média ou para um de seus ramos); múltiplos infartos embólicos pequenos, que podem se manifestar como alteração do nível de consciência, convulsões, sinais neurológicos focais fl utuantes ou uma combinação desses sintomas; aneurismas intracranianos sintomáticos (alta mortalidade); encefalopatia tóxica e convulsões, em geral, defl agradas por êmbolos ou acidente vascular encefálico, que também podem complicar a endocardite ativa. Para saber mais sobre os predisponentes para a ocorrência da endocardite, os fatores de risco para a mortalidade na endocardite e exemplos de agentes etiológicos causadores dessa infecção, leia o artigo intitulado “Fatores de risco para mortalidade hospitalar na endocardite infecciosa”, de Marques et al. 2 Diferenciação entre meningite viral e bacteriana Meningite é a infl amação das meninges do sistema nervoso central. As me- ninges são as três camadas de revestimento de tecido conjuntivo da medula espinal e do encéfalo, denominadas dura-máter, aracnoide-máter e pia-máter (Figura 3). Elas têm como função principal proteger esse sistema (TANK; GEST, 2009; TORTORA; DERRICKSON, 2017). 7Doenças infecciosas — parte 1 Figura 3. Meninges encefálicas dura-máter, aracnoide-máter e pia-máter visualizadas por meio de craniotomia. Fonte: Tank e Gest (2009, p. 339). A meningite pode ser causada por uma variedade de microrganismos (bactérias, vírus, fungos e parasitas), mas as bactérias e os vírus são os principais agentes infecciosos. Geralmente, os sintomas relacionados, tanto na meningite bacteriana quanto na viral, são: início agudo de febre, cefaleia, rigidez de nuca, fotofobia e confusão mental. A meningite bacteriana, em- bora menos frequente do que a viral, tende a ser mais agressiva, causando morbidades (sequelas neurológicas como perda auditiva neurossensorial) e mortalidade significativas, desse modo, requer tratamento imediato com antibiótico. Por outro lado, na maioria dos casos de meningite viral (chamada também de meningite asséptica), é necessário apenas terapia de suporte com analgésicos, antitérmicos e hidratação até a conclusão do ciclo viral (HAMMER; MCPHEE, 2016). Doenças infecciosas — parte 18 O diagnóstico de meningite não é simples, pois existem outras doenças e infecções do sistema nervoso queapresentam características semelhantes. Para diferenciar os tipos de meningite, principalmente, a bacteriana da viral, são necessários exames laboratoriais, especificamente, amostras do líquido cerebrospinal (liquor ou líquido cefalorraquidiano). Esse líquido é transparente, circula entre as meninges aracnoide-máter e pia-máter e tem como função proteger o sistema nervoso central, nutrir esse sistema, promover a remoção de resíduos, entre outras. A coleta da amostra de líquido cerebrospinal deve ser feita pelo médico assistente com o paciente em posição fetal (se possível), quando uma agulha é introduzida na região da lombar (entre a 3ª e a 5ª vértebra). A amostra deve ser encaminhada ao laboratório imediatamente, para que seja avaliada o quanto antes devido a sua curta estabilidade e importância diagnóstica. Imprecisão e lentidão na avaliação podem ser fatais para o paciente. A presença de pleocitose de leucócitos (aumento significativo no número de leucócitos) nesse líquido é parâmetro característico de meningite o que, em geral, deixa a amostra levemente turva ou leitosa. O tipo celular presente auxilia o direcionamento do diagnóstico, já que os leucócitos são as células responsáveis por fagocitar as bactérias. Já na meningite viral, geralmente, encontra-se pleocitose linfocitária (predomínio de linfócitos, células princi- pais no combate aos diferentes tipos de vírus), embora possa apresentar outros mononucleares como monócitos e macrófagos em estágios finais da doença (HAMMER; MCPHEE, 2016; MCPHERSON; PINCUS, 2012; MUNDT; SHANAHAN, 2012). Outras causas infecciosas, como as provocadas por fungos ou espiroquetas (bactérias da sífilis), e não infecciosas, como câncer, doenças do tecido conjuntivo e reações de hipersensibilidade a fármacos, também podem apresentar aumento no número de linfócitos. O líquido cerebrospinal na meningite bacteriana é caracterizado pelas seguintes alterações bioquímicas: elevações acentuadas na concentração de proteínas e de lactato (na meningite viral, raramente se observa lactato com valores acima de 30 mg/dL, e os laboratórios costumam avaliar através da enzima lactato desidrogenase); nível de glicose no líquido cerebrospinal (glicorraquia) extremamente baixo quando comparado ao plasma (em amos- tras normais, a glicorraquia corresponde a 60–70% do conteúdo plasmático), e isso ocorre devido ao fato de que tanto os leucócitos quanto as bactérias consomem glicose. Além desses parâmetros, na ausência de tratamento prévio com antibiótico, na avaliação microbiológica da amostra, observa-se 9Doenças infecciosas — parte 1 a presença de estruturas bacterianas em esfregaço corado pela coloração de Gram, crescimento em meio de cultura específico que possibilita a identificação bacteriana e antibiograma para que o tratamento seja feito com o antibacteriano mais propício. Entretanto, a identificação específica da bactéria ou de outro microrganismo, muitas vezes, é difícil e exige a realização de técnicas diagnósticas especiais, sorológicas ou moleculares. A concentração da glicorraquia pode permanecer normal em algumas formas de meningite viral, embora as proteínas possam se apresentar moderadamente elevadas. Na meningite tuberculosa, mesmo que também seja causada por bactéria (Mycobacterium tuberculosis), o que se tem é a elevação de leucócitos, com prevalência dos mononucleares, moderada ou acentuada elevação de proteínas, diminuição no nível de glicose, lactato com níveis superiores a 25 mg/dL e visualização de bacilos em esfregaço corado com Ziehl Neelsen (HAMMER; MCPHEE, 2016; MCPHERSON; PINCUS, 2012; MUNDT; SHANAHAN, 2012). A meningite pode ocorrer em qualquer faixa etária, mas sabe-se que os agentes bacterianos variam de acordo com a idade do hospedeiro, por exemplo, infecções por Streptococcus do grupo B são prevalentes em bebês com menos de dois meses, Neisseria meningitidis atinge indivíduos entre dois meses e 17 anos e Streptococcus pneumoniae é mais comum em idade superior a 18 anos. Haemophilus influenza é uma das bactérias mais prevalentes em indivíduos não vacinados contra essa bactéria. Sobre a porta de entrada para a patologia, a maioria dos casos de meningite bacteriana começa com a colonização da bactéria pela nasofaringe. Em relação à meningite viral, os agentes etiológicos mais prevalentes são os enterovírus. Os vírus herpes simples tipo II, citomegalovírus, Epstein- -Barr, entre outros, também podem causar meningite viral (HAMMER; MCPHEE, 2016; MCPHERSON; PINCUS, 2012). 3 Pneumonia adquirida na comunidade A pneumonia ou pneumonite é uma doença infl amatória ou infecciosa comum, com alta taxa de morbidade, mortalidade e hospitalização, especialmente, para idosos e imunodeprimidos (pouco frequente em indivíduos imunocom- Doenças infecciosas — parte 110 petentes). A pneumonia adquirida na comunidade, como o próprio nome diz, é uma infecção contraída fora dos hospitais ou instalações de cuidados prolongados, ou seja, de modo geral, em ambientes comuns. As manifesta- ções clínicas mais frequentes são: febre, tosse, taquipneia, taquicardia e um infi ltrado na radiografi a de tórax. Indivíduos imunocompetentes costumam apresentar um sistema de defesa efi ciente, inclusive barreiras anatômicas e mecanismos de limpeza da nasofaringe, vias aéreas superiores e fatores locais humorais e celulares nos alvéolos, o que difi culta a instalação da doença (HAMMER; MCPHEE, 2016). Em qualquer tipo de pneumonia, há infecção do tecido pulmonar, espe- cialmente, no nível dos alvéolos, podendo ser causada por bactérias, vírus, parasitas e fungos. Em geral, os patógenos podem alcançar os tecidos através da inalação direta de gotículas respiratórias infecciosas para dentro das vias aéreas inferiores, da aspiração de conteúdo da orofaringe, da disseminação direta ao longo da superfície da membrana mucosa do sistema respiratório superior para o inferior ou por disseminação hematogênica. Quando o microrganismo penetra os pulmões de indivíduos suscetíveis, eles liberam toxinas nocivas, estimulando a inf lamação e as respostas imunes, que têm efeitos colaterais danosos. Por sua vez, as toxinas e a resposta imune lesionam os alvéolos e as túnicas mucosas dos brônquios. O resultado da inflamação e do edema é o enchimento dos alvéolos com detritos e f luidos, e esse acúmulo de exsudato interfere na ventilação pulmonar e na troca gasosa. Isso ocorre porque, na maioria dos casos, a infecção inicia nos alvéolos e tem disseminação secundária para o interstício. Além disso, pode se propagar para o espaço pleural, causando inflamação da pleura (membrana que reveste o pulmão), provocando no paciente dor durante a inspiração (paciente sente dor logo abaixo da última costela). É dado o nome de derrame parapneumônico para resposta inflamatória exsudativa da pleura à pneumonia e, no caso de infecção bacteriana estar presente na pleura (produção de pus), chama-se de empiema (HAMMER; MCPHEE, 2016; TORTORA; DERRICKSON, 2017). Na Figura 4, podem ser visu- alizadas as estruturas do trato respiratório citadas no texto para melhor compreensão das regiões afetadas. 11Doenças infecciosas — parte 1 Figura 4. Estruturas pulmonares: trato respiratório inferior, brônquios, bronquíolos e alvéolos. Fonte: Tortora e Derrickson (2017, p. 453–455). Em mais da metade dos casos de pneumonia adquirida na comunidade, não é feita a identificação do agente etiológico antes da realização do tratamento, pois os testes microbiológicos são demorados (são necessárias, pelo menos, 48 horas) e, geralmente, não se pode esperar para iniciar a antibioticoterapia. Os Doenças infecciosas — parte 112 sintomas não são específicos, assim, não permitem a diferenciação confiável das várias causas de pneumonia. Entretanto, a escolha do antibiótico é feita em relação aos agentes etiológicos mais prevalentes nos casos de pneumonia, aos sintomas apresentados pelo paciente e aos fatores de riscos (alcoolismo, uso de drogas, etc.),em especial, as doenças crônicas (doença pulmonar, aids). O Streptococcus pneumoniae é o agente etiológico mais observado na pneumonia adquirida na comunidade, tanto em indivíduos imunocompetentes quanto em imunodeprimidos. Os demais microrganismos comuns também encontrados em casos de pneumonia são descritos no Quadro 1, assim como os indivíduos mais predispostos a essa doença e os mecanismos patogênicos (HAMMER; MCPHEE, 2016; MCPHERSON; PINCUS, 2012). Agentes etiológicos Fator de risco Sintomas agudos Sintomas subagudos crônicos Mecanismos patogênicos Infecção por HIV S. pneumoniae Fungos (p. ex., Aspergillus, Histoplasma, Cryptococcus) Disfunção da imu- nidade celular H. influenzae M. tuberculosis, micobac- térias atípicas Resposta humoral deficiente P. jirovecii Transplante de órgão sólido ou medula óssea Citomegalovírus Nocardia Disfunção da imu- nidade celular Fungos Neutropenia (transplante de medula óssea) Espécies de Legionella M. tuberculosis P. jirovecii P. aeruginosa Quadro 1. Fatores de risco comuns e causas de pneumonia (Continua) 13Doenças infecciosas — parte 1 Agentes etiológicos Fator de risco Sintomas agudos Sintomas subagudos crônicos Mecanismos patogênicos Doença pul- monar obstru- tiva crônica ou tabagismo S. pneumoniae Depuração muco- ciliar diminuída H. influenzae Moraxella catarrhalis P. aeruginosa Doença estrutural do pulmão (bron- quiectasia) P. aeruginosa Burkholderia cepacia S. aureus Alcoolismo K. pneumoniae Infecção anaeró- bia mista (abscesso pulmonar) Aspiração de conteúdo da orofaringe Anaeróbios orais Abuso de dro- gas injetáveis S. aureus Disseminação hematogênica Exposição ambiental ou a animais Espécies de Legionella (água infectada) C. immitis (sudoeste dos Estados Unidos) Inalação C. psittaci (pássaros) H. capsulatum (leste do Mississipi) C. burnetii (animais) C. neoformans (aves) Hantavírus (roedores) Quadro 1. Fatores de risco comuns e causas de pneumonia (Continuação) (Continua) Doenças infecciosas — parte 114 Em qualquer nível das defesas do hospedeiro, a deficiência aumenta o risco de desenvolver pneumonia. Exemplos de pacientes predispostos à instalação da doença devido aos fatores de risco relacionados a hábitos ou a alguma doença crônica são citados a seguir. Fonte: Adaptado de Hammer e McPhee (2016). Agentes etiológicos Fator de risco Sintomas agudos Sintomas subagudos crônicos Mecanismos patogênicos Exposição institucional (hospital, asilo de ido- sos, etc.) Bacilos gram- -negativos Microaspirações P. aeruginosa Desvio dos mecanismos de defesa do trato respira- tório superior (entubação) S. aureus Espécies de Acinetobacter Disseminação hematogê- nica (cateteres intravenosos) Pós-influenza S. aureus Rompimento do epitélio respiratório S. pyogenes Disfunção ciliar Inibição de PMNs Quadro 1. Fatores de risco comuns e causas de pneumonia (Continuação) 15Doenças infecciosas — parte 1 Em pacientes alcoolistas que perdem a consciência após a ingestão excessiva de álcool, os microrganismos aprisionados nas vias aéreas superiores podem colonizar a porção oral da faringe e, na sequência, serem transportados para dentro dos pulmões por microaspiração ou por aspiração franca através de uma epiglote aberta. Fumantes crônicos têm depuração ciliar diminuída secundária a dano aos cílios, e o organismo tenta compensar por meio do reflexo da tosse para eliminar material aspirado, excesso de secreções e corpos estranhos. Pacientes com fibrose cística (doença em que há alterações no transporte de íons através da membrana das células, fazendo com que as secreções das glândulas exócrinas fiquem muito espessas) têm atividade ciliar deficiente e são predispostos a desenvolver infecções sinopulmonares recorrentes, principalmente, com S. aureus e P. aeruginosa. Pacientes com baixo número de neutrófilos, por doença adquirida ou congênita, também são suscetíveis a infecções pulmonares com bactérias gram-negativas e fungos. Indivíduos infectados com HIV que apresentam contagens de linfócitos T CD4 diminuídas são predispostos a uma variedade de infecções bacterianas (inclusive por micobactérias) e fúngicas (HAMMER; MCPHEE, 2016). Quando exames laboratoriais são feitos, geralmente, inclui-se: cultura em meios específicos, colorações específicas, preparações a fresco para contagem e diferenciação celular, análises bioquímicas (determinação da concentração de glicose, proteínas, lactato desidrogenase, entre outros de interesse médico) e, mais raramente, testes imunológicos ou moleculares. Algumas das amostras biológicas mais utilizadas no diagnóstico são: líquido pleural, lavado brônquico ou lavado broncoalveolar (MUNDT; SHANAHAN, 2012). Para complementar seus conhecimentos sobre a predisposição à pneumonia adquirida na comunidade por pacientes com doenças crônicas e outros fatores de risco, leia o artigo intitulado “Perfil clínico, epidemiológico e etiológico de pacientes internados com pneumonia adquirida na comunidade em um hospital público do interior do Brasil”, de Bahlis et al. Doenças infecciosas — parte 116 HAMMER, G. D.; MCPHEE, S. J. Fisiopatologia da doença: uma introdução à medicina clínica. 7. ed. Porto Alegre: AMGH, 2016. MARQUES, A. et al. Fatores de risco para mortalidade hospitalar na endocardite infec- ciosa. Arq Bras Cardiol, v. 114, n. 1, p. 1-8, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/ pdf/abc/v114n1/pt_0066-782X-abc-20180194.pdf. Acesso em: 28 maio 2020. MCPHERSON, R. A.; PINCUS, M. R. Diagnósticos clínicos e tratamento por métodos labo- ratoriais de Henry. 21. ed. Barueri: Manole, 2012. MUNDT, L. A.; SHANAHAN, K. Exame de urina e de fluidos corporais de Graff. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2012. O’GARA, P. T. Infective endocarditis. In: AMERICAN COLLEGE OF PHYSICIANS. ACP me- dicine. Hamilton: Decker Intellectual Properties, 2011. p. 1-20. TANK, P. W.; GEST, T. R. Atlas de anatomia humana. Porto Alegre: Artmed, 2009. TORTORA, G. J.; DERRICKSON, B. Corpo humano: fundamentos de anatomia e fisiologia. 10. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. Leitura recomendada BAHLIS, L. F. et al. Perfil clínico, epidemiológico e etiológico de pacientes internados com pneumonia adquirida na comunidade em um hospital público do interior do Brasil. J Bras Pneumol, v. 44, n. 4, p. 261-266, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/ pdf/jbpneu/v44n4/pt_1806-3713-jbpneu-44-04-00261.pdf. Acesso em: 29 maio 2020. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. 17Doenças infecciosas — parte 1 DICA DO PROFESSOR O vídeo apresenta as principais características da meningite, da pneumonia e da endocardite infecciosa. Confira! Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! EXERCÍCIOS 1) A produção de pus na cavidade pleural devido a processo infeccioso é chamada de: A) Derrame pleural. B) Empiema. C) Pleurisia. D) Pneumonia comunitária grave. E) Enfisema pulmonar. 2) Agentes bacterianos que causam a meningite variam de acordo com qual característica do hospedeiro? A) Homens na andropausa. B) Mulheres na menopausa. C) Gestantes. D) Gênero. E) Idade. 3) Qual ou quais são fatores predisponentes para a endocardite infecciosa? A) Prolapso da válvula mitral. B) Paciente com histórico de artrite reumatoide e hipotireoidismo. C) Síndrome de Cushing. D) Paciente com cirrose. E) Tratamento dentário prolongado e diabetes. 4) Sobre a meningite viral e bacteriana, é correto afirmar que: A) A presença de hemácias no líquido cerebrospinal puncionado do paciente e analisado em laboratório é a característicadeterminante para gerar o diagnóstico de meningite. B) A meningite viral deve ser tratada imediatamente com antibióticos; a meningite causada por bactérias necessita acompanhamento médico e terapia com analgésicos. C) A maioria dos casos de contágio da meningite bacteriana ocorre por transfusão de sangue. D) O paciente que se submeteu a esplenectomia tem maior predisposição a infecções por bactérias, desenvolvendo, principalmente, meningite bacteriana. E) Os mecanismos pelos quais os diferentes tipos de bactérias conseguem acessar o sistema nervoso central na meningite bacteriana já são amplamente conhecidos e esclarecidos. 5) Quanto à sequência patogenética do neurotropismo bacteriano, é correto afirmar que, no estágio do cruzamento da barreira hematocerebral pela bactéria: A) Ocorre a colonização ou invasão da mucosa do hospedeiro. B) Nesse estágio, a defesa do hospedeiro estará no epitélio cerebral. C) Nesse estágio, a estratégia do patógeno é a secreção de protease de IgA. D) A estratégia da bactéria é sua replicação. E) Ocorre a estase ciliar. NA PRÁTICA Na meningite, a rigidez na nuca não ocorre em todos os casos, mas é resultado da inflamação das raízes nervosas que partem da medula espinal. Como as meninges revestem a medula e o encéfalo, a dor e a rigidez são evidenciadas. O paciente não consegue encostar o queixo no peito e, em decúbito dorsal, sente muita dor quando o médico tenta elevar a perna, por causa das raízes nervosas da região lombar. Lembre-se: a meningite não é causada apenas por vírus ou bactérias, mas também por fungos, vermes e protozoários. SAIBA MAIS Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: BARRETO, S.S.M. e cols. Pneumologia. Série No Consultório. Porto Alegre: Artmed, 2008. LONGO D.L.; FAUCI, A.S. Gastrenterologia e hepatologia de Harrison. 2.ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. MARIEB, E.N.; HOEHN, K. Anatomia e fisiologia. 3.ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. SILVERTHORN, D.U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. 5.ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. TORTORA, G.J.; DERRICKSON, B. Corpo humano: fundamentos de anatomia e fisiologia. 10.ed. Porto Alegre: Artmed, 2012. TOY, E.C. Casos clínicos em medicina interna. 3.ed. Porto Alegre: AMGH, 2011.
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