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FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA PROFESSORA Dra. Meire Aparecida Lóde Nunes Quando identificar o ícone QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar Experience para ter acesso aos conteúdos online. O download do aplicativo está disponível nas plataformas: Acesse o seu livro também disponível na versão digital. Google Play App Store 2 FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 - Jd. Aclimação Cep 87050-900 - Maringá - Paraná - Brasil www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; NUNES, Meire Aparecida Lóde. Fundamentos de Rítmica e Dança. Meire Aparecida Lóde Nunes. Maringá - PR.:Unicesumar. Reimpresso 2022. 212 p. “Graduação em Educação Física - EaD”. 1. Educação Física. 2. Rítmica. 3.Dança. 4. EaD. I. Título. ISBN 978-85-459-1869-1 CDD - 22ª Ed. 792.8 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Ficha Catalográfica Elaborada pelo Bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Impresso por: DIREÇÃO UNICESUMAR Reitor Wilson de Matos Silva, Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho, Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva, Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin, Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi. NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretoria Executiva Chrystiano Minco�, James Prestes, Tiago Stachon, Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia Coelho, Diretoria de Permanência Leonardo Spaine, Diretoria de Design Educacional Débora Leite, Head de Produção de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza Filho, Head de Curadoria e Inovação Tania Cristiane Yoshie Fukushima, Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia, Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey, Gerência de Processos Acadêmicos Taessa Penha Shiraishi Vieira, Gerência de Curadoria Carolina Abdalla Normann de Freitas, Supervisão de Produção de Conteúdo Nádila Toledo. Coordenador(a) de Conteúdo Mara Cecilia Rafael Lopes, Projeto Gráfico José Jhonny Coelho, Editoração Victor Augusto Thomazini, Designer Educacional Ana Claudia Salvadego, Hellyery Agda, Revisão Textual Ariane Andrade Fabreti, Ilustração Bruno Pardinho, Fotos Shutterstock. Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos com princípios éticos e profissionalismo, não somente para oferecer uma educação de qualidade, mas, acima de tudo, para gerar uma conversão integral das pessoas ao conhecimento. Baseamo- nos em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e espiritual. Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil: nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba, Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil exemplares por ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos educacionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos educadores soluções inteligentes para as necessidades de todos. Para continuar relevante, a instituição de educação precisa ter pelo menos três virtudes: inovação, coragem e compromisso com a qualidade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, metodologias ativas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. Vamos juntos! Wilson Matos da Silva Reitor da Unicesumar boas-vindas Prezado(a) Acadêmico(a), bem-vindo(a) à Comunidade do Conhecimento. Essa é a característica principal pela qual a Unicesumar tem sido conhecida pelos nossos alunos, professores e pela nossa sociedade. Porém, é importante destacar aqui que não estamos falando mais daquele conhecimento estático, repetitivo, local e elitizado, mas de um conhecimento dinâmico, renovável em minutos, atemporal, global, democratizado, transformado pelas tecnologias digitais e virtuais. De fato, as tecnologias de informação e comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, lugares, informações, da educação por meio da conectividade via internet, do acesso wireless em diferentes lugares e da mobilidade dos celulares. As redes sociais, os sites, blogs e os tablets aceleraram a informação e a produção do conhecimento, que não reconhece mais fuso horário e atravessa oceanos em segundos. A apropriação dessa nova forma de conhecer transformou-se hoje em um dos principais fatores de agregação de valor, de superação das desigualdades, propagação de trabalho qualificado e de bem-estar. Logo, como agente social, convido você a saber cada vez mais, a conhecer, entender, selecionar e usar a tecnologia que temos e que está disponível. Da mesma forma que a imprensa de Gutenberg modificou toda uma cultura e forma de conhecer, as tecnologias atuais e suas novas ferramentas, equipamentos e aplicações estão mudando a nossa cultura e transformando a todos nós. Então, priorizar o conhecimento hoje, por meio da Educação a Distância (EAD), significa possibilitar o contato com ambientes cativantes, ricos em informações e interatividade. É um processo desafiador, que ao mesmo tempo abrirá as portas para melhores oportunidades. Como já disse Sócrates, “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida”. É isso que a EAD da Unicesumar se propõe a fazer. Willian V. K. de Matos Silva Pró-Reitor da Unicesumar EaD Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, contribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desenvolvendo competências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de crescimento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das discussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica. boas-vindas Débora do Nascimento Leite Diretoria de Design Educacional Janes Fidélis Tomelin Pró-Reitor de Ensino de EAD Kátia Solange Coelho Diretoria de Graduação e Pós-graduação Leonardo Spaine Diretoria de Permanência autores Dra. Meire Aparecida Lóde Nunes Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Maringá - UEM (2015). Mestra em Educação (2010) e Especialista em Educação Física Infantil (1996) pela mesma universidade.Graduada em Educação Física pela UEM (1994). Atualmente é professora adjunta da Universidade Estadual do Paraná (Unespar - campus de Paranavaí). Tem experiência na área de Educação Física (Fundamentos da Educação Física; Dança). Desenvolve pesquisas em História da Educação com ênfase em iconografia medieval. Para informações mais detalhadas sobre sua atuação profissional, pesquisas e publicações, acesse seu currículo disponível no seguinte endereço: <http://lattes.cnpq.br/7589708901294641>. apresentação do material FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA Meire Aparecida Lóde Nunes Olá, aluno(a)! Seja bem-vindo(a) ao livro de Fundamentos de Rítmica e Dança. A nossa proposta consiste em apresentar a fundamentação básica necessária ao de- senvolvimento de práticas pedagógicas que envolvem atividades rítmicas e de dança. Assim, são muitos os conteúdos que se inserem neste tema e, por isto, selecionamos aqueles que consideramos fundamentais para que você possa estabelecer, com clareza, os princípios norteadores de suas práticas pedagógicas. Para os conteúdos serem aprendidos de forma gradual, eles foram organizados em dois grupos: primeiramente, trabalharemos a rítmica e, posteriormente, as questões referentes à dança. Na Unidade 1, a proposta consiste em tratarmos do universo da rítmica, em entender o seu significado e a sua relação com o ritmo. O estudo segue pela investigação do ritmo, mas, para isto, questões como o movimento, o som e a estrutura musical serão abordados. O foco do estudo na Unidade 2 se desloca para a dança. Nos questionamos sobre a sua essência e como ela pode ser entendida: arte por ser uma linguagem não-verbal ou atividade física por se materializar pelo movimento corporal? Esta indagação conduz à reflexão de qual perspectiva a Educação Física deve assumir para atender às necessidades da sociedade contemporânea. A Unidade 3 tem como objetivo apresentar algumas questões relevantes da História da Dança e, para tanto, primeiramente, será exposta a importância dos estudos históricos. Esta conscientização é indispensável para entender a dança como um registro de como os seres humanos pensavam e se organizavam socialmente em diferentes períodos históricos. É com este olhar que faremos uma incursão da dança na Pré-história, na Antiguidade, na Idade Média, no Renascimento, na Modernidade e chegaremos aos dias atuais com a Dança Contemporânea. A proposta da Unidade 4 é investigar a função educativa da dança. A educação é considerada em seu sentido amplo, podendo ser compreendida como um pro- cesso de formação humana e, neste sentido, aplicada em ambiente formal, não formal e informal. Neste percurso, perceberemos que são escassos os estudos, dentro da tradição acadêmica, que a considerem como um elemento relevante na constituição do ser humano em sua totalidade. Isto pode ter ocasionado uma fragilidade no reconhecimento dos aspectos intelectuais presentes na dança, considerando-a apenas como atividade virtuosística ou recreativa. Para ampliar essa reflexão, investigamos a possibilidade de estabelecermos um elemento central no trabalho com a dança por meio da origem do movimento dançante. Por último, a Unidade 5 de nosso curso propõe-se a tratar dos desafios atuais da dança na sociedade contemporânea. A organização social atua di- retamente nos objetivos e conteúdos presentes nas práticas dos professores e profissionais de Educação Física e, inclusive, na abertura de novos espaços para a área. Procuramos compreender como o estilo de vida produzido em uma sociedade globalizada e tecnológica afeta a saúde das pessoas e eleva o status da Educação Física no campo da promoção da saúde. Na esteira deste pensamento, veremos como a dança está presente nesse contexto. Desta forma, convido você a iniciar os estudos sobre Rítmica e Dança, mas ressalto que as questões aqui apresentadas correspondem somente ao início de uma longa jornada que requer muita dedicação para construir o conhecimento qualitativo nessa área. Bons estudos! sumário UNIDADE I O UNIVERSO DA RÍTMICA 14 Rítmica e Ritmo 20 Ritmo e Movimento Corporal 26 Ritmo e Som 30 Elementos da Música Aplicados às Atividades Rítmicas 39 Considerações Finais 48 Referências 50 Gabarito UNIDADE II A DANÇA 56 Dança e Linguagem Corporal 62 Dança: Arte ou Atividade Física 68 Dança: Construção do Conhecimento na Área da Educação Física 74 Considerações Finais 83 Referências 86 Gabarito UNIDADE III DANÇA: REGISTRO HISTÓRICO DO DESENVOLVIMENTO DOS HOMENS E DAS SOCIEDADES 92 A Dança como Registro Histórico 94 Dança: Quando Tudo Começou 100 A Dança na Antiguidade Ocidental 106 A Dança na Idade Média e no Renascimento: da Proibição à Arte 120 O Mundo Moderno Expresso na Arte de Dançar: Dança Moderna e Contemporânea 127 Considerações Finais 135 Referências 138 Gabarito UNIDADE IV DANÇA E FORMAÇÃO HUMANA 144 Dança, Educação e Formação Humana: Fragilidades Herdadas do Pensamento Clássico 152 A Origem do Movimento Dançante como Aspecto Norteador para a Dança na Educação Física 157 Dança, Educação Física e Saúde 161 Considerações Finais 169 Referências 170 Gabarito UNIDADE V DANÇA NA EDUCAÇÃO FÍSICA: DESAFIOS PRESENTES NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA 176 Dança e Educação Física na Sociedade Contemporânea 190 A Formação dos Professores e Profissionais de Educação Física e o Ensino da Dança 200 Considerações Finais 207 Referências 210 Gabarito 211 CONCLUSÃO GERAL Professor Dra. Meire Aparecida Lóde Nunes Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Rítmica e ritmo • Ritmo e movimento corporal • Ritmo e som • Elementos da música aplicados às atividades rítmicas Objetivos de Aprendizagem • Aproximar os alunos dos principais conteúdos acerca da temática rítmica inserida no contexto da Educação Física e investigar a relação e a distinção entre rítmica e ritmo. • Refletir acerca da importância do conceito de corpo para o desenvolvimento do trabalho rítmico. • Apresentar as qualidades do som. • Estudar os elementos musicais necessários ao desenvolvimento das atividades rítmicas. O UNIVERSO DA RÍTMICA unidade I INTRODUÇÃO Olá, caro(a) aluno(a)! A primeira unidade do livro de Funda-mentos de Rítmica e Dança tem como finalidade compre-ender o universo da rítmica. Este conteúdo é importante para todos os(as) alunos(as), profissionais e professores(as) de Educação Física, pois trabalhamos com o movimento, que é o prin- cípio do ritmo. Portanto, os conteúdos aqui abordados não se limitam à dança, mas englobam todo movimento. Iniciamos o estudo da rítmica buscando entender os conceitos dela e do ritmo. Estes termos são muito próximos, mas possuem sentidos di- ferentes. Esta investigação nos possibilitará entender e identificar a pre- sença do ritmo em diferentes situações do cotidiano, o que torna possível classificá-lo conforme as suas características. Logo depois, direcionaremos a nossa atenção ao ritmo corporal, mas, para isto, revisitaremos a compreensão construída historicamente sobre o corpo para melhor compreendê-la hoje, na perspectiva fenomenológica. A fenomenologia nos permite entender o corpo não como distinto da mente, como a tradição nos apresenta, mas sim, corpo e mente em uma perspec- tiva totalizante. Essa compreensão é importante para o estudo da Rítmica, sistema de ensino musical criado por Émile Jaques-Dalcroze (1865-1950) que muito influenciou e ainda influencia o ensino da ginástica e da dança. Estudaremos, ainda, o ritmo e o som, apresentando as distinções en- tre som e ruído e as definições dos elementos que compõem o que é en- tendido por qualidades do som. Em seguida, conheceremos os elementos da estrutura musical, que se aplicam às atividades rítmicas de forma geral e, especificamente, à dança. Neste momento, a intenção é possibilitar a identificação do pulso, da fra- se e do período musical, elementos indispensáveis para o estudo de uma música antes do iníciode uma montagem coreográfica. Finalizamos a unidade chamando a sua atenção para a reflexão sobre a relação entre música e dança como conteúdo da Educação Física escolar, questão que será retomada em todo o desenvolvimento de nosso curso. 14 FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA Olá, caro(a) aluno(a). Neste tópico, o nosso objeti- vo é nos aproximarmos do universo da rítmica. No entanto, para isto, entendemos serem necessários, primeiramente, alguns esclarecimentos. Então, pen- saremos sobre as seguintes questões: • O que é rítmica? • Rítmica é o mesmo que ritmo? E aí, conseguiu responder as questões? Faremos uma experiência. Pergunte a três pessoas – podem ser familiares ou amigos – se elas sabem as respos- tas. Confira se estas que você obteve foram parecidas com as da professora na Figura 1. Rítmica e Ritmo EDUCAÇÃO FÍSICA 15 Os alunos responderam o que é rítmica? Não, eles fala- ram onde ela se encontra, mas as respostas foram escla- recedoras, possibilitando a construção de um conceito que diferencie rítmica de ritmo? Acreditamos que não. Muitas vezes, usamos palavras ou termos natu- ralmente, sem sabermos os seus significados. Este é um dos nossos objetivos, nesta unidade, e o de nos- sa disciplina como um todo: sair do senso comum e construir conceitos sobre os elementos que com- põem o nosso tema, ou seja, a rítmica e a dança. Isto é importante para eliminarmos alguns “pré-concei- tos”, que podem se transformar em preconceitos e atrapalhar a aplicabilidade destes conteúdos na Educação Física. Figura 1 - Conceito de rítmica Fonte: a autora. 16 FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA Assim, você observará que sempre chamaremos a atenção à necessidade de entendermos os conceitos para não ficarmos apenas nas definições que, por se- rem objetivas, podem proporcionar apenas o conhe- cimento superficial sobre o assunto tratado. Todavia é importante entendermos que todo conceito se articu- la com as definições, mas amplia-se estabelecendo ar- gumentos que deem sentido intelectual mais amplo. ENTENDA A DIFERENÇA ENTRE DEFINIÇÃO E CONCEITO Conceito Em geral, todo processo que torne possível a descrição, a classificação e a previsão dos objetos cognoscíveis. Assim entendido, esse termo tem significado generalíssimo e pode incluir qualquer espécie de sinal ou procedi- mento semântico, seja qual for o objeto a que se refere, abstrato ou concreto, próximo ou distante, universal ou individual etc. Definição Declaração da essência. Fonte: Abbagnano (2003, p. 164-235). SAIBA MAIS Voltemos às nossas questões! Estudaremos algu- mas definições de rítmica. “Ciência ou arte dos ritmos, [...] Estudo da expressão musical em suas relações com o tempo. Parte da antiga gramática, que estudava o ritmo dos versos gregos e latinos” (MICHAELIS, [2019], on-line)1. O que a leitura dessa definição nos sugere como elemento principal ou objeto de estudo da rítmica? Antes de responder, veremos a segunda definição. O elemento que apareceu na primeira se repete na segunda? A Rítmica, antes de mais nada, é uma experiên- cia pessoal de música, ritmo, sensibilidade, mo- vimento e expressão. Seus encantos não podem ser descritos. Como obra de arte viva, é preciso estar disposto a entregar-se a ela com a inteire- za do corpo (MADUREIRA, 2008, p. 12). Se você identificou o ritmo na primeira citação, verá que ele se repete na segunda. No entanto, po- demos verificar que o ritmo aparece relacionado a outros elementos, dos quais destacamos sensibili- dade, movimento e expressão. Este conjunto nos induz a pensar na rítmica com uma experiência corporal. Vejamos como esta inferência se apre- senta na terceira citação. A rítmica pode ser uma ordem e sistematiza- ção do ritmo espontâneo, pois ela apresenta diversos aspectos, como a música, a dança, a ginástica e o ritmo, o que reúne todas as possi- bilidades rítmicas espontâneas, permitindo sua organização, desenvolvimento e enriquecimen- to (BRAIT, 2006, p. 52). Mesmo as três referências sendo de áreas distintas – a primeira é de um dicionário, a segunda, de um autor que estuda um sistema de ensino de música, e a terceira, de um autor da área da Educação – fica evidente a existência da relação intrínseca entre a rítmica e o ritmo. Porém nos parece que o ritmo está submetido à rítmica; ele é o objeto de estudo da rítmica. Portanto, esta é uma grande área que engloba o ritmo e que pode ser sintetizada como “ciência do ritmo”. No entanto essa ciência não é res- trita, ela constitui-se por meio de um processo que requer a experiência do ser humano como um todo. Agora que compreendemos o que é a rítmica, te- mos condições de responder a nossa segunda ques- tão. Lembra-se qual era? EDUCAÇÃO FÍSICA 17 RÍTMICA É O MESMO QUE RITMO? Não! Mas podemos dizer que todas as atividades que possuem ritmo são rítmicas! Está confuso(a)? Talvez isto se deva ao fato de estarmos frente a outro problema: o que é ritmo? Ele é um termo que faz parte de nosso vocabulá- rio. Usamos em várias situações em nosso cotidiano, sendo comum ouvirmos as pessoas dizendo “eu não tenho ritmo” para justificar o não “saber” ou não “querer” dançar. Analisando este exemplo, podemos entender que o ritmo se relaciona com a música, e o movimento, com a dança. Correto? Sim. Corretíssimo! Mas o ritmo não se resume apenas a esta relação. Observe as imagens da Figura 2. Figura 2 - Tipos de ritmo: pássaros, semáforo e soldados Essas imagens apresentam cenas muito distintas umas das outras. Mas o que elas têm em comum? Em todas há a presença do movimento! Se você está se perguntando qual a relação entre ritmo – que fa- lávamos anteriormente – e movimento, a resposta é: não existe ritmo sem movimento. Isto fica claro ao nos remetermos à etimologia da palavra ritmo, que tem as suas raízes na palavra grega rhytmos, cujo sig- nificado é fluir ou mover-se. Essa relação entre ritmo e movimento faz com que o primeiro esteja presente em todo o universo. O ritmo é um fenômeno cósmico, infinito, presente no universo e no ser. No ser humano é a integração das forças estruturais: corpo/ mente-espírito/emoção de significado e ex- pressão, pois é este que dá emoção, que torna viva, colorida, pessoal, a expressão da emo- ção que sente o ser naquele momento parti- cular (NANNI, 1998 apud GARCIA; HAAS, 2003, p. 27). Podemos entender que, para Nanni (1998), o ritmo é o regulador da vida, é por meio dele que o ser hu- mano se move e expressa a sua singularidade, tanto no que se refere à sua estrutura fisiológica como à emocional e à intelectual. Jeandot (1993) nos auxilia nessa compreensão ao mencionar que: O ritmo vital é marcado por tensões e relaxa- mentos energéticos sucessivos, condicionados no dia a dia por nossa movimentação e por nos- so ritmo fisiológico. Essa noção rítmica instin- tiva que mescla elementos sensoriais e afetivos, constitui a base de nosso senso de equilíbrio e harmonia, essencial para que nos situemos no mundo e percebamos seus limites e contornos (p. 26). 18 FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA Por meio da compreensão dos excertos de Nanni (1998) e Jeandot (1993), podemos inferir que todos os seres humanos possuem ritmo. Esta afirmação é importante para nos distanciarmos do senso co- mum que induz a afirmações como “eu não tenho ritmo”. No entanto, é admissível que algumas pes- soas tenham ritmos diferentes para desempenhar atividades distintas. Sobre esta questão, Fahlbusch (1990, p. 90) explica que: O ritmo do homem é natural, pois todos nas- cem com ritmo, apenas uns o têm mais de- senvolvido que outros. Na distribuição do movimento, pode-se fazer com os mesmos ele- mentos, o mesmo ritmo; e com o mesmo movi- mento e mesmos elementos, ritmos diferentes. O ritmo pode ser ainda individual ou grupal. Como ritmo individual, no movimento, deve- -se entender a interação de forças e contrações musculares que atuam no mesmo movimen- to. A dança apresenta exemplos de ritmo gru- pal, cuja sincroniase alcança por meio, de um modo geral, de estímulos acústicos. O autor indica a existência de dois tipos de ritmos, o individual e o grupal, mas é possível identificarmos outras classificações de acordo com as suas caracte- rísticas. Vejamos algumas delas. Figura 3 - Ritmo individual Individual: cada um de nós tem o seu próprio ritmo, que pode, inclusive, nos caracterizar. O ritmo individual pode ser identificado no caminhar e cor- rer; na leitura e na escrita; em nosso “relógio bioló- gico”, o qual indica as nossas necessidades de comer e dormir, por exemplo; nos movimentos fisiológicos como batidas do coração e corrente sanguínea. Além destes exemplos, temos ainda o ritmo de aprendiza- do, que pode ser diferente em cada indivíduo. Grupal ou coletivo: o ritmo grupal ou coletivo é aquele em que as pessoas executam os seus movi- mentos individuais obedecendo a um mesmo ritmo – o do grupo. Garcia e Hass (2003) atribuem a este ritmo a denominação de externo, e explicam que ele se relaciona com a capacidade humana de se adap- tar a uma indicação externa, grupal. Portanto, para os autores, “está basicamente relacionado com o que ocorre em nível exterior, modificando, muitas vezes, o ritmo interior do ser humano” (p. 31). Podemos observá-lo na marcha dos soldados, em apresentações de ginástica em conjunto e em espetá- culos de dança. O balé é um ótimo exemplo de ritmo grupal, pois é exigido o sincronismo total do “corpo de baile”. Enfim, todas as atividades e os movimentos sin- cronizados requerem o ritmo grupal que, por sua vez, necessita da adaptação do ritmo individual ao do grupo. Figura 4 - Ritmo coletivo EDUCAÇÃO FÍSICA 19 Mecânico: é aquele ritmo que, via de regra, não sofre alterações. Pelo fato de se caracterizar pela uniformidade é, geralmente, produzido por má- quinas. O movimento dos ponteiros do relógio é um ótimo exemplo para observarmos o ritmo mecânico, mas também podemos ouvi-lo em um metrônomo – aparelho que marca batidas sonoras por minutos – o qual estudaremos mais à frente. O importante é entendermos que o ritmo mecânico é determinado, constante, mais comum nas má- quinas, entretanto, também pode ser produzido por humanos. Natural: na natureza, podemos observar vários ritmos. Como vimos, ritmo é uma substituição de movimentos, os quais podem ser agrupados em ci- clos. O movimento dos ventos pode ser visualizado no ritmo da movimentação dos galhos e das folhas das árvores. O movimento de translação da Terra é percebido pelo ritmo/movimento da troca das es- tações do ano. Em suma, “[...] é considerado como sendo o ritmo dos crescimentos, dos fenômenos da natureza animal, vegetal e universal (atômico e astronômico)” (GARCIA; HASS, 2003, p. 33). Além desses que são os mais evidentes no coti- diano, Garcia e Hass (2003) identificam, ainda, os ritmos: disciplinado, que se refere a movimentos predeterminados; espontâneo, entendido pelas au- toras como as reações espontâneas frente a situações esperadas ou inesperadas; refletido, que é entendido como o estudo da medida do ritmo, ou métrica. Todos esses ritmos são importantes para a atu- ação do(a) professor(a) e profissional de Educação Física. Contudo, para a sistematização de nossos estudos, nos concentraremos em dois aspectos: os ritmos provocados por movimentos desenvolvidos pelo nosso corpo e os ritmos sonoros, provocados por movimentos externos ao corpo. Figura 5 - Ritmo mecânico Figura 6 - Ritmo natural A sociedade contemporânea tem como carac- terística a “velocidade”. Tudo acontece muito rápido! No entanto, muitas pessoas têm os seus ritmos individuais lentos. Como inserir essas pessoas nas exigências contemporâ- neas sem desrespeitar a sua individualidade rítmica? REFLITA 20 FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA Ritmo e Movimento Corporal EDUCAÇÃO FÍSICA 21 Para abordarmos o ritmo corporal, é necessário re- tomarmos o conceito de corpo construído historica- mente. Vamos lá! Desde a Antiguidade Clássica, podemos consta- tar a divisão entre corpo e mente. Platão (428/427- 348/347 a. C.) entendia que o objetivo da vida do filó- sofo era a busca pela verdade e, neste processo, o corpo era um obstáculo. O pensamento de Platão acerca do corpo pode ser observado no diálogo Fédon, no qual Sócrates, condenado à morte, espera a sua execução sem demonstrar nenhuma aflição. A sua tranquilida- de inquieta os seus amigos, eles o questionam e obtêm, como resposta do mestre, a reflexão sobre o objetivo da vida do filósofo. Sócrates explica que o filósofo pas- sa a vida buscando a verdade e, nesta trajetória, a sua ação “[...] se diferencia dos demais homens: no empe- nho de retirar quanto possível a alma na companhia do corpo” (PLATÃO, 1972, Fédon, IX). A justificativa para este distanciamento é de que a alma, [...] raciocina melhor, precisamente, quando nenhum empecilho lhe advém de nenhuma parte, nem do ouvido, nem da vista, nenhum sofrimento, nem sobretudo dum prazer — mas sim, quando se isola o mais que pode em si mesma, abandonando o corpo à sua sorte, quando, rompendo tanto quanto lhe é possível qualquer união, qualquer contato com ele, an- seia pelo real? (PLATÃO, Fédon, X). Podemos entender que, para Platão, todas as sen- sações provenientes do corpo prejudicam o exer- cício do pensamento e, consequentemente, a fina- lidade do filósofo: alcançar a verdade. Portanto, ele entende que “[...] enquanto tivermos corpo e nossa alma se encontra atolada em sua corrupção, jamais poderemos alcançar o que almejamos. E o que queremos, declaremo-lo de uma vez por to- das, é a verdade” (PLATÃO, Fédon, XI). Esse pensamento fez com que o filósofo grego estabelecesse uma hierarquia entre espírito e corpo, sendo o primeiro superior, e o segundo, inferior. Esta ideia permanece na Idade Média, mas, neste período, ela recebe uma interpretação cristã. Para o cristão, a inferioridade do corpo era atri- buída a duas questões centrais: o ser humano se aproxima de Deus pelo desenvolvimento de seu in- telecto e se distancia Dele por meio do pecado. Nes- te sentido, o corpo era entendido como o veículo do pecado, principalmente da gula e da luxúria. Em relação a esta, Tomás de Aquino (1225-1274) men- ciona que: o prazer sexual, finalidade da luxúria, é o mais intenso dos prazeres corporais e, assim, a luxú- ria é o mais capital e tem, como mostra Gre- gorio (mor. XXXI, 45), oito filhas: ‘cegueira da mente, irreflexão, inconstâncias, precipitação, amor de si, ódio de Deus, apego ao mundo, e desespero em relação ao mundo futuro’. Há um fato evidente: quando a alma se volta veemente para um ato de uma faculdade infe- rior, as faculdades superiores se debilitam e se desorientam em seu agir. No caso da luxúria, por causa da intensidade do prazer, a alma se ordena às potências inferiores – à potência con- cupiscível e ao sentido do tato. E é assim que, necessariamente, as potências superiores, isto é, a razão e a vontade, sofrem uma deficiência (TOMÁS DE AQUINO, 2004, p.108). Fica evidente que o prazer sexual, promovido pelo corpo, deveria ser evitado por afastar o ser huma- no do caminho reto da razão, o qual o conduziria a Deus. O corpo inferiorizado, condenado e castiga- do durante a Idade Média permanece com o mesmo status na Idade Moderna, não mais por meio de ar- gumentos teológicos, mas pela luz da razão. 22 FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA A Modernidade é uma época marcada por mui- tos acontecimentos, como o desenvolvimento cientí- fico e, neste período, viveram grandes homens, como Galileu Galilei (1564-1642) e Isaac Newton (1642- 1727), mas é com Descartes (1596-1650) que vemos a continuação e a efetivação do pensamento dualis- ta. Descartes, considerado o pai da filosofia moder- na, estruturou o seu método de pensar por meio da dúvida. Ao duvidar, inclusive da própria existência, ele desenvolve o seguinte raciocínio: se estou duvi- dando, estou pensando; se estou pensando, eu existo (cogito ergo sum – penso, logoexisto). Por meio des- ta reflexão, efetiva-se a distinção entre as partes que compõem o ser humano e também a sua hierarquia: a mente é pensante e, inclusive, pensa sobre o corpo, por isto, é superior. Ao corpo cabe obedecer! Tal ideia pôde ser observada quando Descar- tes(2005) se pôs a questionar os atributos da alma e se depara com o pensar: [...] noto aqui que o pensamento é um atributo que me pertence. Só ele não pode ser despren- dido de mim. Eu sou, eu existo: isto é certo; mas por quanto tempo? A saber, durante o tempo em que penso; pois talvez pudesse ocorrer, se eu cessasse de pensar, que cessasse ao mesmo tempo de ser ou de existir. Não admiro agora nada que não seja necessariamente verdadeiro: não sou, então, precisamente falando, senão uma coisa que pensa, ou seja, um espírito, um entendimento ou uma razão, que são termos cujo significado era-me anteriormente desco- nhecido (p. 46). Esta retomada da compreensão do corpo nos diferentes momentos históricos é importante para percebermos o quanto o dualismo influenciou e continua influen- ciando o nosso modo de pensar e agir. Mesmo estabe- lecida há séculos atrás, tal forma de pensar se reflete na contemporaneidade e pode ser percebida em nossa linguagem no dia a dia. Por exemplo, após um treina- mento intenso, o atleta se queixa: “estou com o meu corpo todo dolorido”. Esta questão é importante para pensarmos quem são o sujeito e o objeto do movimen- to. No exemplo anterior, quem é o sujeito? Eu, a mente, e o objeto, o corpo. Assim, na perspectiva dualista, po- deríamos inferir que a mente é o sujeito, e o corpo, o objeto de toda a ação humana. Em oposição, podemos encontrar a fenomenologia. Adepto desta perspectiva filosófica, Merleau-Ponty (1908-1961) menciona: Durante muito tempo, acreditou-se encontrar no condicionamento periférico uma maneira se- gura de localizar as funções psíquicas “elemen- tares” e de distingui-las das funções “superio- res”, menos estritamente ligadas à infraestrutura corporal. Uma análise mais exata mostra que os dois tipos de funções se entrecruzam. O elemen- tar não é mais aquilo que, por adição, constituirá o todo, nem, aliás, uma simples ocasião para o todo se constituir. O acontecimento elementar já está revestido de um sentido, e a função su- perior só realizará um modo de existência mais integrado ou uma adaptação mais aceitável, utilizando e sublimando as operações subordi- nadas. Reciprocamente, “a experiência sensível é um processo vital, assim como a procriação, a respiração ou o crescimento”. A psicologia e a fisiologia não são mais, portanto, duas ciências paralelas, mas duas determinações do compor- tamento, a primeira concreta, a segunda, abstra- ta (1999, p. 31). Por meio do excerto apresentado, podemos perce- ber que Merleau-Ponty rompe com a ideia de se- paração ou inferioridade das experiências sensíveis (corporais). Isto é possível porque a perspectiva fe- nomenológica “[...] repõe as essências na existência, e não pensa que se possa compreender o homem e o mundo de outra maneira senão a partir de sua ‘facti- cidade’” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 1). EDUCAÇÃO FÍSICA 23 Nesta perspectiva, não há mais a fragmentação entre corpo e alma, o primeiro passa a fazer parte da totalidade, o que nos possibilita entendê-lo como sensível e inteligível, possuidor da essência em si mesmo. Os pensadores fenomenológicos entendem que todo o conhecimento é proveniente da percep- ção que temos do mundo: O próprio cientista deve aprender a criticar a ideia de um mundo exterior em si, já que os próprios fatos lhe sugerem abandonar a ideia do corpo como transmissor de mensagens. O sensível é aquilo que se apreende com os sentidos, mas nós sabemos agora que este “com” não é simplesmente instrumental, que o aparelho sensorial não é um condutor, que mesmo na periferia, a impressão fisiológica se encontra envolvida em relações antes consi- deradas como centrais (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 32). Para compreender melhor a corrente filosófica desenvolvida no século XIX, leia o fragmento do prefácio do livro Fenomenologia da Percepção de Maurice Merleau-Ponty: “[...] É uma filosofia transcendental que coloca em suspenso, para compreendê-las, as afirmações da atitude natural, mas é também uma filosofia para a qual o mundo já está sempre ‘ali’, antes da reflexão, como uma presença inalienável, e cujo esforço todo consiste em reencontrar este contato ingênuo com o mundo, para dar-lhe, enfim, um estatuto filosófico. É a ambição de uma filosofia que seja uma ‘ciência exata’, mas é também um relato do espaço, do tempo, do mundo ‘vividos’. É a tentativa de uma descrição direta de nossa experiência tal como ela é [...]. Fonte: adaptado de Merleau-Ponty (1999). SAIBA MAIS É o corpo que possibilita o homem ser homem - ser o que é -, pois o eu é resultado da consciência e das experiências que o indivíduo tem do/no mundo. Para Merleau-Ponty (1999), o ser humano é a fusão entre alma e corpo que se evidencia em ato, como fica evidente no seguinte excerto: Eu não sou o resultado ou o entrecruzamen- to de múltiplas causalidades que determinam meu corpo ou meu “psiquismo”, eu não posso pensar-me como uma parte do mundo, como simples objeto da biologia, da psicologia e da sociologia, nem fechar sobre mim o universo da ciência. Tudo aquilo que eu sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma vi- são minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não pode- riam dizer nada. Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido (p. 3). 24 FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA Você pode estar se perguntando: por que nos repor- tarmos às concepções dualista e fenomenológica de corpo para estudarmos o ritmo? A resposta é simples: ao adotarmos a perspectiva dualista, entendemos o ritmo como uma ação mecânica, produzida pelo ob- jeto corpo. Se aceitarmos a perspectiva fenomenoló- gica do corpo, entendemos que pensamentos, emo- ções e ações não são desvinculados e, neste sentido, o ritmo passa a ser uma ação produzida pelo ser huma- no, em sua totalidade. Esta ideia é muito importante porque influenciou um método de ensino musical que não se ateve ao universo da música, mas se es- tendeu à ginástica e à dança. Estamos nos referindo à Rítmica, método de educação musical desenvolvido pelo compositor Émile Jaques-Dalcroze (1865-1950). Desde as duas últimas décadas do século XX, Jaques-Dalcroze vem sendo continuamente ci- tado e discutido pela historiografia como per- sonagem central da modernidade na dança, ao lado de François Delsarte e Rudolf Laban. Os estudos sobre as origens da ginástica moderna também elegeram Dalcroze como grande ins- pirador dos movimentos rítmicos e expressivos novecentistas (MADUREIRA, 2008, p. 22). Dalcroze sempre alimentou o desejo de ser compo- sitor, mas dificuldades financeiras o conduziram à carreira de professor no mesmo conservatório que havia estudado. A criação, necessária ao composi- tor, não foi abandonada em sua trajetória docente, ao contrário, foi a base de sua ação como educador e que resultou em um novo sistema de ensino musical. Ao deparar-se com as dificuldades de seus alunos Dalcroze pôs-se a investigar a “[...] relação música- ritmo-movimento-expressão que culminaram na criação de um sistema completo de educação musical denominado Ginástica Rítmica ou simplesmente Rítmica” (MADUREIRA, 2008, p. 23). Para ele, a Rítmica consistia em um sistema de educação musical totalmente baseado no ritmo, considerado como princípio da vida, que tinha como finalidade recuperar a liberdade natural dos corpos. O seus fundamentos filosóficos, no que se refere aos princípios educativos, eram provenientes de Platão, que considerava a música e a ginástica in- dispensáveis à formação do indivíduo grego. Uma educação meramente ginástica cultiva de- mais a dureza e a fereza do homem; uma exces- siva educação musical torna o homem muito mole e delicado. Quem deixaros sons da flauta derramarem-se constantemente na sua alma co- meçará a abrandar como o ferro duro e a pôr- -se em condições de ser trabalhado; mas com o tempo se amolecerá e se converterá em papa, até que sua alma fique completamente sem nervo. Quem, pelo contrário, submeter-se ao esforço da ginástica e comer abundantemente, sem em nada cultivar música e a filosofia, sentirá, a princípio, crescer em si a coragem e o orgulho, graças à sua energia corporal, e ficará cada vez mais valente. Mas, ainda que se suponha que a sua alma abri- gava de início algum desejo natural de aprender, à força de não se alimentar com nenhuma ciência nem investigação, acabará por ficar cega e surda. Um tal homem se converterá em misólogo, em inimigo do espírito e das musas; já não consegui- rá persuadir ninguém nem se deixar persuadir pela palavra, e o único recurso de que disporá para alcançar o que se propuser será a força bru- ta, exatamente como um bruto qualquer. Foi por isso que um deus deu aos homens a ginástica e a música, formando a unidade indivisível da pai- deía, não como educação separada do corpo e do espírito, mas como forças educadoras da parte corajosa e da parte da natureza humana que as- pira à sabedoria. Quem as souber combinar na harmonia própria será mais favorito das musas que aquele herói mítico da pré-história que, pela primeira vez, soube combinar as cordas da lira (PLATÃO apud JAEGER, 2001, p. 799-800). EDUCAÇÃO FÍSICA 25 Sob a inspiração desta concepção de educação, Dal- croze propôs um sistema de ensino musical que, a nosso ver, ultrapassa o objetivo de formar músicos e atua diretamente na formação integral do ser hu- mano. Uma pessoa que sente o seu corpo por intei- ro percebe o próprio ritmo e expressa, por meio de movimentos ordenados, os seus sentimentos, cons- tituindo-se um indivíduo com maior probabilidade de entender o mundo onde vive, bem como se situar e exercer o seu papel social. Veja o que Dalcroze fez após retirar seus alunos de suas carteiras e adotar a marcha como princípio para sua técnica de ensino musical. O próximo passo foi ornamentar as marchas com movimentos dos braços. Para cada tem- po do compasso havia um gesto correspon- dente. Dalcroze apropriou-se das convenções preestabelecidas da regência, em especial para os compassos básicos (binário, ternário e quaternário), alongando um pouco mais os movimentos do braço até a extensão ou flexão total dos cotovelos. Dalcroze não ne- gligenciou os compassos divididos em 5, 6, 7, 8 e 9 tempos, pouco usuais no ensino de música, criando para estes novas sequências de movimento. As pernas, que inicialmente marcavam a pulsação de modo automático, também so- freram alterações. Dalcroze criou, para cada tempo do compasso, uma gestualidade das pernas inspirando-se nos movimentos do ballet clássico, nas flexões de joelhos (demi- -pliés) e nos desenhos realizados pelo chão (ronds de jambe). Fonte: adaptado de Madureira (2008, p. 66). SAIBA MAIS 26 FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA Ritmo e Som EDUCAÇÃO FÍSICA 27 O ritmo está presente nos mundos orgânico e inor- gânico. A sua existência é condicionada ao movi- mento. No entanto, por que quando falamos de rit- mo, pensamos quase que imediatamente em música e não no movimento em si? Podemos responder esta questão dizendo: porque música é movimento! As músicas são compostas por sons, seja instru- mental ou vocal. Então, podemos afirmar que som é movimento? Sim! Artaxo e Monteiro (2003, p. 17) definem o som como: “tudo que impressiona o ór- gão auditivo, resultante do choque de dois corpos que produzem a vibração do ar”. Em consonância com Artaxo e Monteiro, Jean- dot (1993, p. 12) menciona que “o som depende do movimento e não existe na ausência dele. Em termos físicos, o som é uma vibração que chega a nossos ouvidos na forma de ondas que percorrem o ar que nos rodeia”. Para pensarmos melhor sobre o som, considera- remos as seguintes questões: • O som é tudo que impressiona o órgão au- ditivo. • O som é resultante de dois corpos que produ- zem a vibração do ar. A primeira questão se refere ao que ouvimos, ou seja, tudo o que chega ao nosso órgão auditivo (ou- vido). Quando, por exemplo, um sino bate, o seu movimento produz vibrações que se tornam ondas sonoras e se propagam pelo ar até o nosso ouvido externo, passando pelo médio e interno, até serem decodificadas pelo nosso cérebro como som. Em nosso dia a dia, estamos ouvindo sons o tempo todo. O ouvido é o órgão do sentido que nunca para de trabalhar, mesmo quando não pres- tamos atenção, os nossos ouvidos estão capturan- do sons. Inclusive quando dormimos – quantas vezes você já acordou no meio da noite por ter ouvido um barulho? Por isto, a audição é o senti- do que mais nos propicia interação com o mundo exterior. Figura 7 - Como o som chega ao ouvido A maioria das pessoas usa a visão para realizar a maior parte de sua comunicação com o mundo exterior. Entretanto, enquanto a visão possibili- ta um campo de apenas 180º de abrangência, a audição proporciona para o indivíduo um cam- po de 360º. Um exemplo claro que ilustra essa característica é a seguinte: se uma pessoa acena atrás de mim, sem emitir um único som, certa- mente não saberei que estou sendo chamado. No entanto, basta um único chamado audível para que eu possa identificar a informação, independente do lugar que essa pessoa estiver ocupando em relação ao meu posicionamento (GREGUOL; COSTA, 2013, p.133-134). Dentre todos esses sons que chegam aos nossos ou- vidos e nos permitem interagir socialmente, alguns são mais agradáveis do que outros e existem, ainda, aqueles que são totalmente desagradáveis, causado- res de desconforto. Estes últimos são os ruídos. 28 FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA A natureza oferece dois grandes modos de expe- riência da onda complexa que faz som: frequência regulares, constantes, estáveis, como aquelas que produzem o som afinado, com altura definida, e frequências irregulares, inconstantes, instáveis, como aquelas que produzem barulhos, manchas, rabiscos sonoros, ruídos (WISNIK, 1989, p. 26). Assim, podemos entender que os ruídos são re- sultantes de vibrações irregulares, por exemplo, quando arrastamos pelo chão uma cadeira ou uma mesa. Em suma, são sons sem harmonia, sem uma ligação agradável e, por isto, não causam prazer, contrariamente, são irritantes. Além de entendermos as diferenças entre som e ruído, também é importante sabermos que o pri- meiro possui alguns elementos conhecidos como “qualidades do som”. São eles: altura, duração, tim- bre e intensidade. Vejamos cada um. A altura pode ser pensada conforme a seguinte si- tuação: normalmente, quando temos dificuldade em ouvir uma música ou um programa na televisão, au- mentamos o volume do aparelho para que o som fique mais alto. Correto? Nesse caso, o termo ‘alto’ se refere ao volume e não a altura do som. A altura do som: É determinada pela frequência dos sons, isto é, número de vibrações que cada onda sonora emite em determinado intervalo de tempo. Um som é mais grave quanto menor for o número de vibrações, ou seja, quanto menor for a frequência da onda sonora. Quanto maior for essa frequência, mais agudo ele será (ARTAXO; MONTEIRO, 2003, p. 21). Wisnik (1989, p. 21) nos auxilia a compreender a di- ferença entre som grave e agudo mencionando que: [...] o som grave (como o próprio nome suge- re) tende a ser associado ao peso da matéria, com os objetos mais presos à terra pela lei da gravidade, e que emitem vibrações mais len- tas, em oposição à ligeireza leve e lépida do agudo (o ligeiro, como no francês léger, está associado à leveza). Podemos identificar os sons agudos e graves ob- servando as nossas próprias vozes. No senso co- mum, associamos o agudo ao fino e o grave ao grosso, portanto, poderíamos dizer que, geralmen- te, os homens têm voz grave, e as mulheres, agu- da. Cientificamente, esta análise é feita a partir dafrequência de vibrações que as partículas que pro- pagam o som executam por segundo (Hz). A voz humana possui a frequência entre 85 Hz e 1.100 Hz, as vozes com frequência mais próxima de 85 Hz são graves (baixas), e as que se aproximam de 1.100 Hz são agudas (altas). t s t s Frequência baixa --- som grave Frequência alta --- som agudo F qu n i a x - om r v F e u c - om a ud Figura 8 - Frequência de som grave e agudo Fonte: Áudio Escola (2011, on-line)2. EDUCAÇÃO FÍSICA 29 A duração do som é o período em que ele se esten- de, o qual pode ser longo ou curto. Esta qualidade do som é bem importante na relação entre ele e o movimento, pois, para estabelecermos harmonia, é indicado que o movimento tenha a mesma duração do som. O timbre refere-se à diferenciação dos sons e nos possibilita identificá-los, é chamado, geralmen- te, de a “cor” do som. Podemos, por exemplo, saber que Maria está próxima de nós sem vê-la, apenas por ouvir a sua voz. O mesmo ocorre quando ou- vimos música e identificamos o som da guitarra, da bateria e dos demais instrumentos, mesmo que “[...] estejam produzindo a mesma nota com a mes- ma altura e a mesma intensidade. O timbre depen- de da forma como a energia se distribui entre as várias frequências que determinam a vibração do som” (JEANDOT, 1993, p. 23). A intensidade se relaciona com a energia des- prendida na produção do som, assim, podemos produzir sons fortes e fracos. Como explica Wis- nik (1989, p. 25): “[...] a intensidade é uma infor- mação sobre um certo grau de energia da fonte sonora”. Em consonância, Jeandot (1993, p. 23) afirma que “a intensidade depende principalmen- te da energia emitida pela fonte sonora. Quanto mais força for imprimida pelo agente sonoro, mais alto será o som”. Conseguir identificar a intensida- de dos sons é importante para identificarmos os compassos, já que estes são detectados pelos tem- pos fortes e fracos. Concluímos a importância das qualidades do som com a seguinte passagem: Através das alturas e durações, timbres e intensi- dades, repetidos e/ou variados, o som se diferen- cia ilimitadamente. Essas diferenças se dão na conjugação dos parâmetros e no interior de cada um (as durações produzem as figuras rítmicas; as alturas, os movimentos melódicos-harmôni- cos; os timbres, a multiplicação colorística das vozes; as intensidades, as quinas e curvas de for- ça na sua emissão (WISNIK, 1989, p. 26). Você sabe a diferença entre ouvir, escutar e entender? Usamos esses termos no dia a dia quase como sinônimos. Mas eles têm sentidos bem distintos. Jeandot (1993) expli- ca essas diferenças da seguinte forma: para ouvir, basta estarmos expostos ao mundo sonoro e possuirmos o aparelho auditivo em funcionamento. Nunca cessamos de ouvir, de receber as impressões dos ruídos, dos sons. A escuta envolve interesse, motivação, aten- ção. É uma atitude mais ativa que o ouvir, pois selecionamos, no mundo sonoro, aquilo que nos interessa. Desta maneira, podemos perceber, na música, os seus elementos cons- tituintes, como a tonalidade, os timbres, o andamento, o ritmo etc. A escuta envolve também a ação de entender e compreender, ou seja, de tomar consciência daquilo que se captou. Fonte: adaptado de Jeandot (1993). SAIBA MAIS 30 FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA Elementos da Música Aplicados às Atividades Rítmicas EDUCAÇÃO FÍSICA 31 Dentro da complexidade dos elementos que podem ser abordados sobre o assunto sons e ritmos, o nos- so interesse se concentra nos sons musicais, pois é em consonância com a música que a maioria das atividades rítmicas se desenvolvem. Jeandot (1993) explica que, mesmo antes de nascermos, o universo musical já faz parte de nossas vidas: Na verdade, antes mesmo de nascer, ainda no útero da materno, a criança já toma contato com um dos elementos fundamentais da músi- ca – o ritmo -, através das pulsações do coração de sua mãe. Antes ainda de começar a falar, podemos ver o bebê cantar, gorjear, experimentando os sons que podem ser produzidos com a boca. Obser- vando uma criança pequena, podemos vê-la cantarolando um versinho, uma melodia, ou emitindo algum som repetitivo e monótono, balanceando-se de uma perna a outra, ou ainda para frente e para trás, como que reproduzindo o movimento do acalanto. Essa movimentação bilateral desempenha papel importante em to- dos os meios de expressão que se utilizam do ritmo, seja a música, a linguagem verbal, a dan- ça etc. (JEANDOT, 1993, p. 18). É importante ressaltar, no entanto, que o nosso in- teresse não é a música especificamente, mas sim, entender alguns elementos presentes nela que são importantes no desenvolvimento das atividades rít- micas. Dentre esses elementos, iniciamos apresen- tando a métrica. Por métrica entendemos medida. Assim, é pela métrica que realizamos a contagem musical. Ela re- presenta a objetividade, pois divide o tempo musical em partes iguais, repetindo-as sempre, ou seja, mede o tempo entre a repetição de um movimento e outro. Mas como fazemos essa medição? Por meio do pul- so, ou pulsação. O pulso, ou pulsação, é a batida/ marcação da música. Quando começamos a nos movimentar ao escutar uma música, os nossos movimentos são di- recionados pela batida dela. É por meio do pulso que conseguimos identificar outros elementos da música, como andamento e compasso. O andamento é a velocidade da música, ou seja, o espaço de tempo entre as batidas. O andamento de uma música é medido por um aparelho chamado metrônomo. Este foi inventado no século XIX por Johann Nepomuk Maezel para medir os batimen- tos por minutos (BPM) e até hoje é muito utilizado. Atualmente, o modelo mecânico foi substituído por digitais, podendo ser instalados, inclusive, em com- putadores e celulares. Figura 9 - Metrônomo mecânico Por meio do metrônomo, o andamento pode ser classificado como vagaroso, moderado e rápido (Ta- bela 1). 32 FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA Tabela 1 - Andamento Vagaroso Batimentos por Minuto (bpm) Grave Muito lento 40 - 60Lento Lento Largo Pausado Larghetto Pausado, mas não tanto quanto o largo. 66 - 76 Adágio De um modo calmo, sem pressa Moderado Andante De um modo fluente, como quem caminha 76 - 108 Moderato Moderado 108 - 120 Allegretto Um pouco rápido Rápido Allegro Rápido 120 - 168 Vivace Vivo Presto Muito rápido 168 - 208 Prestíssimo O mais rápido possível Fonte: Artaxo e Monteiro (2003, p. 25). Ao observarmos a tabela, podemos concluir que va- garoso/lento é o andamento que apresenta os BPMs entre 40 e 76; moderado entre 76 e 120; e rápido, 120 a 208. Por compasso, podemos entender “[...] a pulsa- ção rítmica da música que se repete regularmente, dividindo-a em partes iguais, em sequências de 2, 3, 4 ou mais tempos” (ARTAXO; MONTEIRO, 2003, p. 23). Quando a divisão é de 2 tempos, chama-se compasso binário, de 3 tempos, ternário, e de 4 tem- pos, quaternário. Mas, como essa divisão é feita? Por meio dos predicados forte e fraco. Vejamos os exem- plos na Figura 10 e na Figura 11: Figura 10 - Compasso binário Fonte: a autora. Figura 11 - Compasso ternário Fonte: a autora. http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Largo_%28andamento%29&action=edit&redlink=1 http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Larghetto&action=edit&redlink=1 http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Moderato&action=edit&redlink=1 http://pt.wikipedia.org/wiki/Allegro_ma_non_troppo http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Presto_%28andamento%29&action=edit&redlink=1 http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Prestissimo&action=edit&redlink=1 EDUCAÇÃO FÍSICA 33 Na primeira imagem, podemos contar as palmas de duas em duas; na segunda, de três em três; portan- to, correspondem, respectivamente, aos compassos binários e ternários. Mas e o quaternário? Para iden- tificá-lo, é preciso, além das palmas fortes e fracas, inserirmos uma palma “meio forte”, ou intermediá- ria. Veja a Figura 12. Figura 12 - Compasso quaternário Fonte:a autora. Nestes exemplos, estamos usando palmas para re- presentar as batidas, mas existem símbolos especí- ficos que são utilizados para fazer a escrita musical. Eles são chamados de “figuras do ritmo” que, além de nos possibilitar a leitura do compasso, têm a fun- ção de registrar a duração do som. Veja a explicação de Artaxo e Monteiro (2003, p. 22, grifo nosso) so- bre as figuras do ritmo: “a duração do som musical faz o ritmo da música, ou seja, o ritmo é a sequên- cia de durações, diferentes e repetidas regularmente, sendo formado por figuras do ritmo ou por valores musicais”. Podemos perceber, portanto, que existem diferentes durações dos sons. Isto fica claro na expli- cação de Jeandot (1993, p. 24, grifos do autor): A duração do som pode ser longa, como o som prolongado de um apito, ou como a nota sustentada num instrumento. Pode ser ainda curta ou breve, quando o início e o fim da emissão se confundem, como acontece, por exemplo, quando tocamos brevemente a borda de uma mesa. O som de duração in- termediária é chamado som formado. Nele se percebem o toque inicial, sua continuação e seu término, como o toque de martelo nas lâminas do metalofone. Assim, para identificarmos a duração do som, bas- ta olharmos para as figuras apresentadas no quadro a seguir: ESCRITA MUSICAL SOM SILÊNCIO Figuras -representação- Figuras -nome- Duração Pausas -nome- Pausas -representação- semibreve 4 pulsações pausa de semibreve mínima 2 pulsações pausa de mínima semínima 1pulsação pausa de semínima cocheia 0,5 pulsações pausa de colcheia Fonte: Carvalho ([2017], on-line)3. Quadro 1 - Escrita musical 34 FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA Ao observarmos o quadro, podemos verificar que a semibreve é a figura de maior duração, com 4 tem- pos (batidas/pulsações). Perceba que a mínima cor- responde à sua metade, ou seja, 2 tempos. O mesmo ocorre com a semínima, 1 tempo, e assim sucessiva- mente. Desta forma, podemos inferir que o valor de cada figura corresponde à metade da anterior. Assim como temos as figuras que identificam a duração do som, também existem as que marcam a duração do silêncio. Observe que, quando conversa- mos, existe um intervalo entre uma palavra e outra, as chamadas pausas, as quais também são expressas por figuras, denominadas “figuras negativas” e rece- bem o mesmo nome das positivas, ou seja, das que registram o som. Agora que já conhecemos as figuras rítmicas, voltaremos aos compassos. Lembre-se que eles orga- nizam os tempos. Conforme a organização, os com- passos podem ser binários, ternários e quaternários, certo? Desta forma, observe a Figura 13: Figura 13 - Compasso binário Fonte: a autora. O que esta fração na Figura 13 significa? O numera- dor da fração (parte superior) indica como o com- passo será dividido. Neste caso, a divisão se dará de 2 em 2 tempos (pulsos), isto significa que é um com- passo binário. O denominador indica a figura rítmi- ca do compasso que, neste caso, será a semínima, a qual corresponde a 1 pulso. Mas como sabemos que o número 4 indica a semínima? A semibreve tem uma duração de 4 tempos, portanto, é considerada uma figura inteira e recebeu como referência o número 1; a mínima equivale à metade da semibreve, ou seja, precisamos de duas mínimas para termos o mesmo tempo da semibreve. O número correspondente da mínima é o 2. Você, portanto, já entendeu a lógica das atribuições numéricas, não é mesmo? Então, por que a semínima recebe como referência o número 4? Porque é preciso 4 semínimas para corresponder o tempo da 1 semibreve. Observe o quadro a seguir e veja como ocorre essa atribuição numérica para as demais figuras. EDUCAÇÃO FÍSICA 35 Veja estes exemplos de compassos: Compasso ternário Quadro 2 - Valores das notas musicais Compasso quaternário Fonte: Darezzo ([2015], on-line)4. Figura 14 - Compasso ternário e quaternário Fonte: a autora. 36 FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA Além desses compassos, que são os simples, exis- tem os compostos. No entanto, não nos aprofunda- remos neste estudo, pois estaríamos entrando em questões específicas da teoria musical e nos distan- ciando de nosso propósito. Todavia é importante saber que os compassos compostos podem resultar no que chamamos, no universo da dança, de “con- tagem quebrada”, ou seja, quando não conseguimos contar até 8 em uma música. Um exemplo é o com- passo composto 6/8, em que a contagem vai até 6. Isto ficará mais claro quando tratarmos de frase musical ou coreográfica. O domínio das figuras rítmicas positivas e nega- tivas é importante, principalmente no processo de montagem coreográfica, pois podemos determinar a duração de cada movimento por meio da notação das figuras. Agora, vamos fazer um exercício práti- co? Decore a seguinte sequência de exercícios: Figura 15 - Sequência de exercícios Fonte: a autora. EDUCAÇÃO FÍSICA 37 Execute-os de acordo com a notação no Quadro 3: Quadro 3 - Sequência de exercícios práticos Exercício 1 Exercício 2 Exercício 3 Semibreve (4t) Mínima (2t) Mínima (2t) 8t Exercício 4 Exercício 5 Semínima (1) Pausa da semínima (1) Semibreve (4t) Pausa da mínima (2) 8t Exercício 6 Semibreve (4) Pausa da semibreve (4) 8t Fonte: a autora. Você já conseguiu decorar a sequência e executá- -la, obedecendo o tempo determinado pelas figuras do ritmo, então executaremos a mesma sequência, mas com o direcionamento sonoro. Para isso, será preciso um metrônomo, o qual poderá ser encon- trado em versões on-line ou em vídeos. Execute essa sequência de acordo com os andamentos, lembra? Vagaroso (40 a 76 BPM); moderado (76 a 120 BPM) e rápido (120 a 208 BPM). Esse exercício é indicado para observar o ritmo individual dos alunos e esta- belecer um ritmo grupal para o desenvolvimento de atividades coletivas. Agora, trocaremos o metrônomo por uma músi- ca que você gosta. Primeiro escute a música identifi- cando a sua pulsação e, depois, execute a sequência de acordo com as suas batidas. Repita quantas vezes for necessário, até dominar a execução. Observaremos novamente o Quadro 3. Veja que, na última coluna, há uma soma de 8T. O que isto significa? Esses 8T significam 8 tempos (bati- das/pulsações) e são usados para indicar as frases musicais. A frase musical, assim como na língua falada ou escrita, é composta por início/meio/fim. Não existe regra em relação ao seu tamanho, mas, ge- ralmente, elas são construídas em 8 tempos. A identificação das frases musicais é muito impor- tante na dança, pois, geralmente, inicia-se a exe- cução dos movimentos simultaneamente com o início das frases e o mesmo ocorre em relação ao seu término. As frases são agrupadas em períodos, os quais costumam ser formados por 8 compassos, que pode corresponder a 4 frases e a 32 tempos, se o compasso for quaternário. 38 FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA A identificação das frases e dos períodos mu- sicais é muito importante para a montagem coreo- gráfica. Antes de iniciar a criação dos movimentos, é indicado o estudo da música para conhecer, por exemplo, a quantidade de frases que compõem a in- trodução ou o refrão. Vamos praticar! Escolha uma música que você gosta. Escute-a procurando identificar as frases e os períodos musicais. Anote as suas observações. Não existe uma única forma de fazer as anotações, mas sugerimos fazer da seguinte maneira: para cada frase musical, escolha um símbolo, por exem- plo, um traço ( I ), e toda vez que perceber mudan- ças significativas (instrumental, vocal, refrão etc.) mude de linha. Para finalizarmos a nossa abordagem da música, é importante saber que, além do ritmo, ela possui outros dois elementos: melodia e harmonia. Pode- mos compreender o que é melodia por meio da ex- plicação de Artaxo e Monteiro (2003, p. 20): Em música, a melodia consiste na emissão li- near de sons apoiados noritmo. Uma sucessão de sons não constituiu melodia; é necessário possuir, como característica essencial, a can- tabilidade, que nos permite poder cantar uma linha melódica. Toda melodia é apresentada por combinações de tons altos e baixos, graves e agudos, fortes e fracos, de intensidade alta ou baixa, criando variedade imensa de ritmos. Um tom sozinho não cria melodia. Uma frase me- lódica só acontece com uma sucessão sonora. Harmonia se refere à combinação de sons. Artaxo e Monteiro (2003, p. 20) explicam que: “é a combina- ção simultânea de dois sons ou mais”. Para Garcia e Haas (2003, p. 57), harmonia “refere-se à combi- nação de diferentes notas que soam simultaneamen- te, formando um acorde; realça o sentimento que o compositor expressou ao compor a música”. Ritmo, melodia e harmonia possibilitam, então, a construção musical. A música faz parte da consti- tuição do nosso próprio eu. Ouvimos música quan- do estamos tristes ou alegres; para passar o tempo, trabalhar ou descansar; com amigos ou sozinho(a). A música dialoga com os nossos sentimentos, des- perta desejos e sentimentos, reaviva recordações, estimula o pensar, o agir e o criar. Por isso, a música é tão importante quando o nosso interesse são ativi- dades rítmicas, as quais podem ser entendidas como a expressão da relação entre gesto corporal e som. Jeandot (1993, p. 14) explica que existe um vínculo entre o surgimento da música ao: [...] interesse do homem primitivo pelos mo- vimentos e pelos gestos por eles produzidos e pelos sons oriundos da natureza. “A satisfação de exercitar seus músculos, o prazer de gritar, de bater sobre os objetos sem dissociar o gesto de seu efeito, pode ser a origem simultânea da dança, do canto, da música”. Essa abordagem recupera a relação música-corpo. Seria a músi- ca a arte do gesto? Por meio da passagem de Jeandot (1993), podemos entender que não existe dissociação entre música/ dança, som/corpo. Esta ideia é importante para refletirmos acerca do objeto da Educação Física, o movimento corporal, o qual não é simplesmente executado pelo corpo, mas reflete o ser em sua to- talidade. Nesta perspectiva, as atividades rítmicas possibilitam o conhecimento do ser humano e a participação na construção social/humana dos su- jeitos que a praticam. 39 considerações finais Chegamos ao final de nossa primeira unidade e agora, você está inseri-do(a) no universo da Rítmica!Ao trabalharmos os seus principais elementos, neste momento, você deve ser capaz de diferenciar a rítmica do ritmo, não é mesmo? A rítmica é a ciência do ritmo, o qual não existe sem movimentos e se caracteriza pela sucessão regular destes. No entanto, a forma como essa sucessão ocorre possibilita a classifica- ção do ritmo, por exemplo, em individual ou coletivo. Além disso, vimos como é importante termos claro o conceito de corpo, pois ele conduzirá as nossas ações frente aos nossos alunos. Neste caso específico, é a nossa compreensão de corpo que nos levará a entender se o ritmo é produzido mecanica- mente, como em um relógio, ou como reflexo do que somos em nossa totalidade. Pudemos verificar como isto se efetiva na prática com a Rítmica de Dalcroze que, por meio da visualização do ritmo mecanizado produzido por seus alunos de mú- sica, sistematizou um método de ensino que não expressa a dissociação entre ritmo e o ser. A proposta de Dalcroze foi tão importante que não se limitou ao ensino da música, mas influenciou as práticas de ginástica e dança. O estudo do som nos propiciou entender as suas qualidades, as quais são impor- tantes para pensarmos a música. Mesmo que o estudo da teoria musical não seja o in- tuito de nossa abordagem, alguns de seus elementos são importantes para trabalhar- mos com música nos diferentes campos de atuação do(a) professor(a) e profissional de Educação Física. Dentre eles, destacamos como imprescindíveis a percepção e a contagem musical, necessárias nas montagens coreográficas e nas aulas de ginástica. Contudo a percepção e a contagem não se limitam a essas duas disciplinas, elas po- dem ser aplicadas com outros objetivos, em outros conteúdos da Educação Física. Desta forma, esperamos que tenha ficado claro a importância de, dia a dia, nos aproximarmos dos conteúdos da rítmica para que a Educação Física contribua com o processo de formação do ser humano em sua totalidade. 40 atividades de estudo 1. Muitas vezes, empregamos palavras ou termos naturalmente, sem sabermos o seu significado. No entanto, para sairmos do senso comum, que pode levar à cria- ção de preconceitos que atrapalham a aplicação de alguns conteúdos da Educa- ção Física, é preciso ultrapassarmos o uso cotidiano dos termos. É necessário um estudo sobre conceitos. Pensando sobre dois conceitos – rítmica e ritmo – que estão sempre presentes quando o assunto é dança, leia as assertivas a seguir. I - Existe uma relação intrínseca entre a rítmica e ritmo, em que este está sub- metido àquela, sendo ele, o ritmo, o objeto de estudo dela, a rítmica. Assim, podemos afirmar que a rítmica é uma grande área que engloba o ritmo, a qual pode ser sintetizada como “ciência do ritmo”. II - Não existe ritmo sem movimento. O ritmo está presente em todo o universo e, consequentemente, em todos os seres humanos, sendo compreendido como uma sucessão de impulsos energéticos que determinam o movimen- to e o repouso. Desta forma, a argumentação de que a falta de ritmo é um empecilho para a execução da dança é falsa, pois todos os seres humanos o possuem. III - O ritmo está relacionado à mecânica do movimento, não sofrendo interfe- rência afetiva/emocional em sua execução. Por isto, o desenvolvimento da dança justifica-se na Educação Física, cujo objeto de estudo é o movimento humano, por melhorar o desempenho físico, podendo acarretar em melhor qualidade de vida aos alunos. IV - Sobre a classificação dos ritmos, os autores identificam a existência de vários deles, como: individual, grupal (ou coletivo), mecânico, natural, disciplinado, espontâneo e refletido. Quando pensamos em dança, o desenvolvimento de atividades que estimulem o ritmo coletivo e o refletido são muito importan- tes, pois a maioria das coreografias são executadas em grupo, o que requer que os dançarinos adaptem os seus ritmos individuais aos do grupo ou à métrica musical, fundamento do ritmo refletido. É correto o que se afirma em: a) Apenas I e II. b) Apenas II e III. c) Apenas I. d) Apenas I, II e IV. e) I, II, III e IV. 41 atividades de estudo 2. A retomada da compreensão do corpo nos diferentes momentos históricos é importante para percebermos o quanto o dualismo influenciou e ainda influen- cia o nosso modo de pensar/agir e, consequentemente, como compreendemos quem é o sujeito e o objeto do movimento. Sobre esta questão, leia as assertivas a seguir. I - Para Platão, todas as sensações prejudicam o pensamento e, consequente- mente, a obtenção da verdade, fato que estabelece a inferioridade do corpo em relação ao espírito. A fenomenologia rompe com a ideia de separação ou inferioridade das experiências sensíveis, e o corpo passa a fazer parte da totalidade do ser humano (inteligível e sensível). Neste sentido, todo o conhe- cimento é proveniente da percepção que temos do mundo. II - Aceitando a perspectiva dualista, entendemos o ritmo como uma ação mecâ- nica, produzida pelo objeto corpo; na perspectiva fenomenológica, emoções e ações não são desvinculadas e, neste sentido, o ritmo é uma ação pro- duzida pelo ser humano em sua totalidade. Esta segunda perspectiva pode ser aproximada ao método musical, a Rítmica, desenvolvido pelo compositor Émile Jaques-Dalcroze (1865-1950). III - O método musical de Dalcroze influenciou a dança e a ginástica por consi- derar que os seus alunos não teriam bom desempenho se permanecessem “sentados em suas carteiras”, ou seja, por entender que o corpo deveria o primeiro “instrumento a ser tocado”. Esta concepção pode ser considerada atual para a EducaçãoFísica pelo conhecimento corporal ser superior ao in- telectual, refutando o pensamento dos filósofos antigos, como Platão, que desconsideravam o conhecimento sensível. IV - A Rítmica tinha como finalidade a recuperação da liberdade natural dos cor- pos. Dalcroze se opunha ao ritmo mecanizado e, por isto, utilizava, em suas aulas, exercícios que proporcionam a sua dissociação, por exemplo: marchas em que os braços regiam os tempos de um compasso enquanto as pernas seguiam outro. Assim, Dalcroze pretendia que os seus alunos não se tornas- sem escravos do automatismo. É correto o que se afirma em: a) Apenas I e II. b) Apenas II e III. c) Apenas I. d) Apenas I, II e IV. e) I, II, III e IV. 42 atividades de estudo 3. O ritmo está presente no mundo orgânico e inorgânico, a sua existência está condicionada ao movimento. É este o responsável pela produção dos sons, como nos mostra Jeandot (1993, p.12), “o som depende do movimento e não existe na ausência dele. Em termos físicos, o som é uma vibração que chega a nossos ouvi- dos na forma de ondas que percorrem o ar que nos rodeia”. Sobre este assunto, leia as assertivas a seguir. I - O ouvido nunca para de trabalhar, inclusive, quando dormimos. No entanto, há uma diferença entre o ouvir, escutar e entender: estamos escutando o tempo todo, mas não temos consciência de tudo que chega ao nosso órgão auditivo; ouvimos somente o que nos interessa, ou seja, ouvir é quando se- lecionamos sons que nos interessam e neles depositamos a nossa atenção; entender é quando temos consciência, é um ato intelectual. II - O som possui alguns elementos conhecidos como “qualidades do som”. São eles: altura, que é determinada pela frequência dos sons e nos possibilita diferenciar o grave do agudo; a duração, que se refere ao período em que se estende o som (longo ou curto); o timbre é a diferenciação dos sons que nos possibilita identificá-los; a intensidade relaciona-se com a energia (fraca ou forte) despendida na produção do som. III - Os principais elementos musicais para o desenvolvimento das atividades rít- micas são: métrica, ou medida da música, que nos possibilita estabelecer uma contagem musical; o pulso, ou pulsação, que é a batida/marcação da música e nos permite identificar outros elementos, como andamento e compasso; o andamento é a velocidade da música, o espaço de tempo entre as batidas, e pode ser medido por um aparelho chamado metrônomo; o compasso é a pulsação da música que se repete regularmente e a divide em partes iguais, ou seja, em compassos binário, ternário e quaternário. IV - Existem símbolos que são utilizados para fazer a escrita musical. Eles são chamados de “figuras do ritmo” que, além de nos possibilitar a leitura do compasso, têm a função de registrar a duração do som. Cada símbolo recebe uma denominação – semibreve, mínima, semínima, colcheia etc. –atribuída de acordo com os seus tempos de duração: semibreve tem a duração de 4 pulsos, mínima de 6 pulsos, semínima de 8 pulsos, e assim sucessivamente. É correto o que se afirma em: a) Apenas I e II. b) Apenas II e III. c) Apenas I. d) Apenas II, III e IV. e) I, II, III e IV. 43 atividades de estudo 4. Entende-se que a retomada da compreensão do conceito de corpo, nos diferen- tes momentos históricos, é importante para pensarmos o sujeito e o objeto do movimento. Em relação a esta questão, discorra sobre a perspectiva cartesiana e fenomenológica de corpo e como elas influenciam a prática pedagógica de rítmica. 5. Ao montar uma coreografia de dança, o professor organizou as frases musicais (8 tempos/pulsos) de forma que o primeiro movimento sempre era executado em 2T; o segundo movimento, em 1T; o terceiro e quarto, em 1T; e o quinto, em 4T. Represente os tempos das frases coreográficas por meio das figuras do ritmo e das suas respectivas denominações. 44 LEITURA COMPLEMENTAR A música na vida humana A vida é som. Continuamente estamos cercados de sons e ruídos oriundos da natureza e das várias formas de vida que ela produz. O homem fala e canta há incalculáveis milhares de anos e, graças ao seu ouvido maravilhosamente construído que se parece a uma harpa com infinidade de cordas, percebe sons e ruídos, embora apenas uma parte insignificante da imensidão de tudo quanto soa. Todas as crianças, sem exceção, nascem com capacidade musical, voz e ouvido: crianças da cidade, do interior, das zonas frias, dos trópicos, das montanhas, das planícies, brancas, pardas, pretas, amarelas, vermelhas. A própria natureza é que nos dá a música; o que dela fazemos varia, conforme o temperamento, a educação, o povo, a raça e a época. A natureza está cheia de sons, de música: há milhões de anos, antes que houvesse ouvido humano. Para captá-la, borbulhavam as águas, ribombavam os trovões, sussurravam as folhas ao vento. Quem sabe quantos outros sons se não propagaram! Talvez cantassem os raios do sol nas montanhas que se aqueciam todas as manhãs, como ainda hoje cantam misteriosamente nas colunas egípcias de Memnon; durante tempos sem fim deve ter res- soado o órgão natural da gruta de Fíngal, muito antes que, os celtas lhe chamassem “llaimh bin”, gruta da música, e muito antes, ainda, que um compositor romântico, Mendelssohn, transferisse aqueles sons naturais para a moderna orquestra. E o estranho “ouvido de Dio- nísio”, da Sicília, aumentou, com certeza, todos os sons que o penetravam muito, muito antes que um ser humano lá se achasse para comprovar o milagre. A terra a abrir-se na mocidade, as fontes a jorrar, os vulcões e as montanhas a explodir, as águas do dilúvio a subir, tudo deve ter constituído gigantesca sinfonia que ninguém nos descreveu. O homem nasceu num mundo repleto de sons. O trovão, amedrontando-o, tornou-se sím- bolo dos poderes celestiais. No ulular dos ventos percebia ele a voz dos demônios. Os habitantes do litoral conheciam o mau ou bom humor dos deuses pelo bramir das águas. Os ecos eram oráculos e as vozes dos animais, revelações. Religião e música mantiveram-se inseparavelmente ligadas nos antigos tempos da humanidade. 45 LEITURA COMPLEMENTAR Grande foi sempre a influência da música sobre a mente humana. O homem primitivo dispõe apenas de poucas palavras. Quase somente o que ele vê é que tem nome, para ex- primir o júbilo, a tristeza, o amor, os instintos belicosos, a crença nos poderes supremos e a vontade de dançar. Para ele é parte da vida, a música, desde a canção do berço até a canção de morte desde a dança ritual até a cura dos doentes pela melodia e pelo ritmo. O efeito da música sobre o homem diminui no decorrer dos milênios; apesar disso, podem ser encontrados nos tempos históricos e até nos presentes interessantes exemplos do seu poder. Davi toca harpa para afugentar os maus pensamentos do Rei Saul; Farinelli, com o auxílio da música, cura a terrível melancolia de Filipe V. Timóteo provoca, por meio de certa melodia, a fúria de Alexandre, o Grande, e acalma-o por meio de outra. Os sacerdotes celtas educam o povo com a música; somente eles conseguem abrandar os costumes selvagens. Diz-se que Terpandro, tocando flauta, abafou a revolta dos lacedemônios. Santo Agostinho conta que um pastor foi, em virtude das suas melodias eleito imperador. E a história do caça- dor de ratos de Hameln é um exemplo conhecidíssimo do efeito da música sobre o homem e o animal. Na literatura moderna, deparam-se nas numerosas obras de psicologia profunda em que as mais fortes excitações sentimentais são provocadas pela influência da música. [...] A vida é som, dissemos. A vida é movimento, e o som se origina do movimento. A acústica, é verdade, discerne fundamentalmente duas classes de sons: os sons propriamente ditos e os ruídos, conforme forem as vibrações uniformes, ou não. A música, segundo a antiga teoria, deve ocupar-se apenas dos primeiros. Mas não é tão fácil traçar claramente o limite. Muitos são os instrumentos que apenas produzem ruídos,e não sons, e que ocupam lugar importante na moderna orquestra: tambor, triângulo, pratos, tantãs, castanholas, tambo- rins! E quem já ouviu uma orquestra malaia de gongos, sem dúvida sentirá a fantástica har- monia desses instrumentos como forte impressão musical, apesar de a física afirmar dife- rentemente. Veremos mais tarde como, no nosso tempo, sofre violentos ataques o sistema de sons que há séculos constitui a base da música ocidental. Muitos desses ataques visam ao verdadeiro ponto fraco, o de nossos sistema, desenvolvido da série de tons superiores, ter-se tornado pelo tempero, mais simples, mas matemática e fisicamente tão impuro, que a ligação entre ciência e música não passa de simples ficção. 46 LEITURA COMPLEMENTAR Não discutiremos aqui teoria nem ciência. Sejam os números de vibrações puros ou falsos, o dó sustenido igual ou não ao ré bemol, o semitom a menor unidade ou não, subtônica uma imposição, o sistema dodecafônico um capricho, o que nos interessa apenas são as obras que o sistema produziu, é o desenvolvimento da música durante milhares de anos de história humana, desde as primeiras expressões de vida, desde o elemento instintivo até a obra de arte mais elevada e nobre da humanidade. Será um ciclo? Não, uma série de gran- des ciclos misteriosos, um eterno nascer, desaparecer e renascer um caminho misterioso pela vida e pela morte através de países e continentes, culturas e épocas, de tudo quanto soa ao redor de nós, imperscrutavelmente e de milhões de modos, só uma pequena parte é que nos penetra a consciência, pelos ouvidos e pelo cérebro, uma parte ainda menor nos penetra o inteiro... Que é a música? Quanto eu era jovem, um meu aluno surpreendeu-me com essa pergun- ta. Respondi-lhe: - A Música é um fenômeno acústico para o prosaico; um problema de melodia, harmonia e ritmo para o teórico; e o desdobrar das asas da alma, o despertar e a realização de todos os sonhos e anseios de quem verdadeiramente a ama. Ainda hoje assim penso. Fonte: Pahlen (1996). 47 material complementar Os metrônomos são muito utilizados por estudantes de música. Portanto, existem vários sites voltados para o ensino de música que disponibilizam esta ferramenta on-line. A seguir o endereço de alguns deles onde é possível acessar o metrônomo e utilizá-lo com diferentes andamentos. Web: <https://www.cifraclub.com.br/metronomo/>; <http://wimelo.com/material-multimidia/metronomo-online/>; <https://www.metronomeonline.com/>. Indicação para Acessar Atividades Rítmicas e Expressivas: no Ritmo do Cotidiano Escolar Priscila Raquel Tedesco da Costa Trevisan, Norma Ornelas Montebugnoli Catib, Daniel Amato e Gisele Maria Schwartz Editora: CRV Sinopse: Atividades Rítmicas e Expressivas apresenta, de modo simplificado e de fácil assimilação, as concepções teóricas sobre atividades rítmicas e expressivas, música, criatividade e temas afins. São também sugeridos exercícios, estratégias e princípios pedagógicos práticos sobre ritmo, música, danças circulares e populares. Indicação para Ler http://wimelo.com/material-multimidia/metronomo-online/ 48 referências ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ARTAXO, I.; MONTEIRO G. A. Ritmo e Movimento: Teoria e Prática. São Paulo: Phorte, 2003. BRAIT, L. F. R. Atividades Rítmicas e Linguagem Corporal na Educação Infan- til. 2006. 143f. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal do Mato Grosso, Cuiabá, 2006. DESCARTES, R. Meditações metafísicas. São Paulo: Martins Fontes, 2005. FAHLBUSCH, H. Dança moderna-contemporânea. Rio de Janeiro: Sprint, 1990. GARCIA, A.; HAAS, A. N. Ritmo e dança. Canoas: Ulbra, 2003. GREGUOL, M.; COSTA, R. F. Atividade Física Adaptada: qualidade de vida para pessoas com necessidades especiais. 3. ed. Barueri: Manole, 2013. JAEGER, W. W. Paidéia: a formação do homem grego. Tradução de Artur M. Parrei- ra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. JEANDOT, N. Explorando o Universo da Música. São Paulo: Scipione, 1993. MADUREIRA, J. R. Émile Jaques-Dalcroze: sobre a experiência poética da rítmica - uma exposição em 9 quadros inacabados. 2008. 209f. 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Movimento Nomenclatura Pulsos Figura 1º Mínima 2 2º Semínima 1 3º Colcheia ½ 4º Colcheia ½ 5º Semibreve 4 gabarito UNIDADE II Professora Dra. Meire Aparecida Lóde Nunes Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Dança e linguagem corporal • Dança: arte ou atividade física • Dança: construção do conhecimento na área da Educação Física Objetivos de Aprendizagem • Refletir acerca da dança enquanto linguagem não verbal. • Investigar as especificidades da dança para entendê-la como uma linguagem artística que tem o corpo como objeto. • Entender a dança como uma possibilidade para a construção do conhecimento efetivo na Educação Física. A DANÇA unidade II INTRODUÇÃO C aro(a) aluno(a), na segunda unidade de nosso livro, temos como objetivo central refletir acerca da dança como uma linguagem não verbal. Para isto, iniciamos nos questionando sobre o elemento presente nas manifestações dançantes que nos permite identificar os diferentes movimentos como dança. Esta reflexão nos conduz à com- preensão desta como uma linguagem, ou seja, uma linguagem não verbal. Contrariando o senso comum, veremos que a comunicação entre os seres humanos se efetiva, majoritariamente, pela linguagem “não verbal” e não pela “palavra falada”. Esta informação é muito importante para entender- mos a dança como um conteúdo necessário no processo educativo humano. Ao aceitarmos a dança como uma linguagem que se efetiva por meio do corpo, surge-nos a seguinte inquietação: a dança, por ser uma lin- guagem, é compreendida como arte; mas o fato de ela se concretizar por meio do movimento corporal a insere no contexto das atividades físicas e, portanto, é objeto da Educação Física. Esta dupla possibilidade de inser- ção da dança em disciplinas diferentes nos mostra que, ao trabalharmos com ela, é necessário o estabelecimento de objetivos muito bem defini- dos, pois é uma prática que pode ser caracterizada como arte ou atividade física, conforme a propostapor nós estabelecida. Neste sentido, é muito importante nos aprofundarmos acerca da compreensão das duas perspectivas (arte e atividade física) para que o(a) professor(a) e o(a) profissional de Educação Física desenvolvam a sua intervenção conforme o ambiente onde estão inseridos. Uma visão su- perficial pode ter, como consequência, discursos e práticas equivocados relativos à dança na Educação Física. Para pensarmos a potencialidade educativa da dança, recorremos ao pensador clássico Aristóteles e ao seu mestre Platão, e uma das principais obras aristotélicas que será trabalhada nesta unidade é a Poética. Ao revi- sitar os ensinamentos destes filósofos gregos, ampliamos a nossa compre- ensão dos processos formativos/educativos dos quais a Educação Física e a dança fazem parte. 56 Olá, caro(a) aluno(a)! Para compreendermos a dan- ça como uma linguagem corporal e a sua importân- cia no processo de desenvolvimento da humanida- de, é preciso, primeiramente, nos distanciarmos da questão específica para ampliarmos o nosso olhar, desvencilhando-nos da superficialidade, a qual não conduz ao conhecimento propriamente dito. Para isto, é necessário recordarmos e exercermos a incli- nação a qual, para todos os seres humanos, desde a sua gênese, é que “todos os homens, por nature- za, desejam conhecer” (ARISTÓTELES, Metafísica, I, 980a). No entanto, a inclinação ao conhecimento não basta para a sua efetivação, é preciso que os seres humanos se espantem, se admirem e se questionem. Estas atitudes conduzem a uma situação contrária à naturalização dos acontecimentos e fatos (aspecto este que propicia o comodismo), exercendo os ques- tionamentos das práticas habituais das pessoas e, consequentemente, o conhecimento. Desta forma, exercendo a natureza humana, que tende ao conhe- cimento, e buscando o distanciamento da naturali- zação, nos questionamos: o que é a dança? Podemos identificá-la quando vemos uma pessoa dançando, mas conseguimos defini-la? Vamos fazer um exercício. Para isto, observe as Figuras 1, 2 e 3. Dança e Linguagem Corporal EDUCAÇÃO FÍSICA 57 Figura 1 - Balé clássico Figura 2 - Apresentação de dança cênica Figura 3 - Pessoas dançando Agora responda: o que essas pessoas estão fazendo? Acredito que ninguém hesitou em dizer: “dançando”. No entanto o que, nas imagens, nos permite afirmar que elas estão praticando tal ação? Vejamos. Na Figura 1, a bailarina executa um movimen- to denominado grand développé à la second e está acompanhada por um bailarino, caracterizando o pas de deux, ou passo a dois, que faz parte de todas as composições dos balés de repertório. As- sim, não temos dúvidas de que a imagem expressa a dança. Balés de repertório são peças de balé que narram histórias e foram conservadas pela tradição. Há mais de 400 anos, no século XVI, nas cortes da Inglaterra e da França, muitas dan- ças eram usadas para homenagear reis e patronos, mostrando a coragem e a bravura deles. Outros contavam um pouco do dia a dia das pessoas, os seus hábitos, costumes e lendas. A partir de então, cada época teve a sua dança característica. Além do balé da corte, a sua modalidade clássica passou por diversas fa- ses. Por exemplo, o balé de ação contava his- tórias de homens comuns, e não de deuses, como era usual. Ou o romântico, frequente- mente dividido em dois planos, bem distintos: o mundo real, onde as personagens viviam e sofriam, e o mundo dos sonhos, onde a vida continuava mesmo para aqueles que já haviam morrido, num universo de fadas e seres imaginários. Fonte: adaptado de Bogea (2007). SAIBA MAIS 58 Na Figura 2, identificamos várias pessoas com os braços estendidos, energicamente, para cima. Eles estão dançando? Sim, mas o que nos possibilita fa- zer essa afirmação? As roupas iguais e a ilumina- ção nos induzem a afirmar que a cena se passa em um palco, ou seja, é uma apresentação artística. O movimento igual que as pessoas executam podem reforçar a argumentação de que ali acontece uma dança. Na Figura 3, entretanto, não temos movimentos específicos de dança, as roupas que as pessoas usam são comuns e não há iluminação de palco. Mas aquelas pessoas estão dançando. Então, o que nos permite identificar a dança? O movimento dos corpos! O que há de diferente entre os movimentos dançantes dos não dançantes? Em suma, o que nos faz identificar primeiro é a mensagem que eles nos transmitem, portanto, a dança é uma comunicação que se efetiva por meio da expressão corporal. É isso mesmo, o nosso corpo fala! Albert Mehrabian foi o pioneiro nas pesqui- sas sobre linguagem corporal e “[...] na década de 1950, apurou que, em toda comunicação interpes- soal, cerca de 7% da mensagem é verbal (somente palavras), 38% é vocal, incluindo tom de voz, infle- xão e outros sons [...] e 55% é não-verbal” (PEASE; PEASE, 2005, p.17). Assim, contrariando a ideia que, em um primeiro momento, nos parece óbvia, o corpo é o nosso maior meio de comunicação, e não as palavras. A comunicação não se efetiva, em sua totalida- de, pelas palavras que dizemos, mas pelo conjun- to de elementos que acompanham os signos orais, denominado linguagem não verbal. Para enten- dermos melhor este processo pelo qual os corpos dançantes se comunicam, passaremos a falar sobre a linguagem não verbal. COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL O convívio social requer que os seres humanos se comuniquem entre si, esta é uma condição para a manutenção de uma sociedade. Portanto, desde que o ser humano começou a viver no coletivo, percebeu a necessidade e a importância dos proces- sos comunicativos. Mas, nem sempre ele dominou a fala. Podemos ilustrar este pensamento por meio do texto de Engels (1999), Sobre o papel do traba- lho na transformação do macaco em homem que, ao refletir sobre a função do trabalho no processo de desenvolvimento humano, nos mostra que a neces- sidade da vida coletiva proporcionou o desenvolvi- mento da linguagem. Em face de cada novo progresso, o domínio so- bre a natureza que tivera início com o desenvol- vimento da mão, com o trabalho, ia ampliando os horizontes do homem, levando-o a descobrir constantemente nos objetos novas proprieda- des até então desconhecidas. Por outro lado, o desenvolvimento do trabalho, ao multiplicar os casos de ajuda mútua e de atividade conjunta, e ao mostrar assim as vantagens dessa atividade conjunta para cada indivíduo, tinha que contri- buir forçosamente para agrupar ainda mais os membros da sociedade. Em resumo, os homens em formação chegaram a um ponto em que ti- veram necessidade de dizer algo uns aos outros. A necessidade criou o órgão: a laringe pouco desenvolvida do macaco foi-se transformando, lenta mas firmemente, mediante modulações que produziam por sua vez modulações mais perfeitas, enquanto os órgãos da boca apren- diam pouco a pouco a pronunciar um som arti- culado após outro (ENGEL, 1999, p. 9-10). Este processo de desenvolvimento da fala não foi imediato, necessitou de muito tempo até o ser huma- no dominar o uso da linguagem falada como meio EDUCAÇÃO FÍSICA 59 comunicativo. Mas, então, como ele se comunicava antes deste momento? Por meio de sua potencialida- de visual e sonora. A capacidade comunicativa dos sons não se li- mita ao sentido que as palavras nos transmitem, é muito mais ampla. Pensemos, por exemplo, no que um trovão nos informa; ou quando ouvimos um carro freando os pneus. Não existem, nestes dois casos, o signo verbal, mas, pelo som que ouvimos do trovão, concluímos que choverá, e pelo som dos pneus, sabemos que um carro, provavelmente em alta velocidade, parou bruscamente, transmitindo a nós a sensação de perigo. Entenda o que é um signo Nossos sentidos elementares nos permitem perceber e captar signos. A palavra (falada ou escrita) é um signo verbal; uma placa de trânsito, um signo visual; o apito do guarda ou do juiz de futebol, um signo auditivo; um beliscão, um signo tátil; um aroma, um signo olfativo; umgosto (salgado ou doce), um sig- no gustativo. É própria dos signos a função de representar, segundo um grau maior ou menor de convencionalidade. O signo representa um objeto (ideia ou coi- sa) para alguém, provocando o aparecimen- to de outros signos, e assim infinitamente. Ao representar uma ideia, a palavra é um signo (linguístico ou verbal); ao mostrar, indicar ou simbolizar uma emoção, uma intenção ou uma atitude, o gesto é um signo (não verbal). Assim como a palavra, o gesto significativo é codificado segundo normas culturais. Fonte: Rector e Trinta (1990, p. 14). SAIBA MAIS Além da comunicação pelos sons, a comunicação visual é muito eficiente, pois também podemos en- tender que choverá ao olharmos para o céu e visua- lizarmos nuvens escuras. A linguagem visual é uma das principais fontes que os nossos antepassados nos deixaram como registros de suas sociedades. Tanto a forma de pensar dos seres humanos quanto a de se organizar coletivamente foram expostas em suas pinturas. Como exemplo, temos as pinturas rupes- tres que nos possibilitam, hoje, afirmar que os indi- víduos primitivos dançavam! Mesmo após o domínio da linguagem falada, a história nos apresenta vários exemplos da eficiência da comunicação visual, como é o caso dos vitrais e afrescos que decoraram as igrejas medievais. Muito mais que ambientar o local sagrado, as imagens trans- mitiam mensagens religiosas com o intuito de educar o povo. O amplo uso das imagens na Idade Média como elemento educativo encontrava as suas justifi- cativas nas palavras do Papa Gregório, em 600 d. C.: [...] elas permitem aos iletrados compreender a história sagrada (“nelas, podem ler aqueles que ignoram a escritura”). Elas são um substi- tuto do texto sagrado, que implicam, como este, uma operação de leitura, mas desvalorizada pelo estatuto subalterno de seus destinatários (BASCHET, 2006, p. 484). Baschet destaca o fato de esta ideia ser usada, tradicio- nalmente, para ressaltar a importância das imagens na cultura medieval, mas atenta ao fato de que o papa tinha consciência das abrangências afetivas das ima- gens, pois “[...] a devoção é mais facilmente suscitada pelas imagens que vemos do que pelas palavras que escutamos” (2006, p. 485). Desta forma, parece-nos que os medievais entendiam a amplitude do processo comunicativo causado pelas imagens. 60 Deste modo, fica-nos claro que os sons e as ima- gens são muito eficientes para os seres humanos expressarem os seus sentimentos e transmitirem informações. A palavra em si constitui apenas uma possibilidade comunicativa. Contudo acredita-se que a eficiência da comunicação se dá por meio da inter-relação destes recursos. Talvez seja por isto que Davis (1979, p. 13) menciona: Sou o tipo de pessoa que quase não confia em te- lefone. Não que eu ache que a companhia esteja caindo aos pedaços (embora isso sempre pareça verdade...), mas é porque, no telefone, eu nunca sei direito o que a outra pessoa está realmente querendo dizer. Se eu não posso vê-la, como sa- ber se o que ela está dizendo é importante ou não, se eu não sei como ela está se sentindo? Assim, fica-nos evidente que, para a autora, só é possível entender completamente a mensagem quando podemos relacionar o sentido das palavras com outros elementos, como a expressão facial e os movimentos do corpo. Isto nos leva a pensar que os gestos comple- tam o sentido das palavras. Conscientemente ou não, o nosso corpo as confirmam ou as contradizem. Sobre esta questão, Davis (1979, p. 19) menciona que: Pintores e escultores sempre souberam o quan- to um gesto ou uma pose podem conter. A ha- bilidade não-verbal é também a ferramenta do ator. Quando conta que o personagem “apagou o cigarro com fúria” ou que “esfregou o nariz pensativamente”, o romancista está mergulhado num folclore comum do gesto. Os psiquiatras têm sido também ótimos observadores, ano- tando as idiossincrasias não-verbais dos pa- cientes, denunciando-as e interpretando-as. É importante ressaltar que a linguagem não verbal não se limita aos movimentos corporais ou às ex- pressões faciais. No entanto, diante de tantos ele- mentos que a compõem, por que as palavras pare- cem ser a nossa principal fonte de comunicação? Historicamente, ocorreu a inversão dos meios comunicativos. O gesto foi a primeira forma de comunicação entre os humanos, porém, com o desenvolvimento da fala, o gesto passou a ser en- tendido apenas como um suporte. Segundo Francastel (1993), vivemos em uma época que, devido à descoberta do livro, toda a civilização foi dominada pelos signos escritos, mas o autor acredita que caminhamos rumo a um período em que o signo figurado e as técni- cas artísticas suplantarão o signo escrito. Veja- mos, hoje, o cinema, os cartazes, a arquitetura e até mesmo os painéis científicos, são apelos aos olhos e exigem rápida interpretação. O conhe- cimento de imagens (as suas origens e leis), de acordo com Francastel (1993), é o ponto-chave do nosso tempo. Em relação ao uso da palavra em detrimento das demais formas de comunica- ção, Davis (1979, p. 22) diz: [...] elas são apenas início, pois além delas está o solo firme sobre o qual se constroem as re- lações humanas: a comunicação não-verbal. As palavras são bonitas, excitantes, impor- tantes, embora tenham sido superestimadas em excesso, uma vez que não representam a mensagem total e nem parcial. Na verdade, segundo opinião de um cientista, “a palavra é aquilo que o homem usa quando todo o resto falha’”. EDUCAÇÃO FÍSICA 61 Gesto Você sabe diferenciar um gesto de um mo- vimento? Toda vez que nos referirmos ao gesto, deve- mos saber que ele é resultado de uma ação consciente, ou seja, é voluntário e possui um significado: “o gesto é, portanto, uma ação corporal visível, pela qual um certo significado é transmitido por meio de uma expressão voluntária”. Fonte: adaptado de Rector e Trinta (1990, p. 23). SAIBA MAIS Nesta perspectiva, se situa a cinética, área de estu- do dedicada à linguagem corporal, aos gestos e às expressões faciais. Esta ciência dialoga com outras áreas – como a Psicologia, a Sociologia e a Antro- pologia – mas ela entende que não pode haver sepa- ração, todas devem contribuir intrinsecamente para entender o movimento comunicativo do corpo. Tal questão fica-nos evidente quando Davis (1979, p. 20) explica que: [...] Um de seus princípios básicos é a crença de que a comunicação não pode ser estudada em unidades isoladas, mas sim, enquanto sistema integrado a ser analisado como um todo, dan- do-se atenção à maneira como cada elemento se relaciona com os demais. O pioneiro do estudo da cinética, Ray Birdwhistell (1918-1994), após análises de filmagens de sessões de psicanálise, conclui que apenas 35% do processo comunicativo ocorre no nível das palavras pronun- ciadas e 65%, na linguagem não verbal. Entendemos que estes números são muito significativos para a área da Educação Física, pois o seu objeto de estudo é o corpo, ou o movimento corporal. Neste sentido, a linguagem corporal se inclui como uma importante área de estudo da Educação Física, podendo trazer muitos benefícios educativos quando os professores conciliarem os objetivos tra- dicionais (esportivos, desenvolvimento motor, saú- de etc.) aos da linguagem corporal. Assim, destaca- mos a responsabilidade da disciplina de dança em atentar para essa manifestação humana como um processo comunicativo, não se limitando apenas às suas contribuições motoras. Passaremos, na sequên- cia, a tratar especificamente da dança. 62 Dança: Arte ou Atividade Física EDUCAÇÃO FÍSICA 63 A dança está presente em vários acontecimentos de nossas vidas, por exemplo, quando vamos a um show musical, dançamos; em festas de casamento, dança- mos; quando recebemos uma boa notícia, dançamos. Ela acompanha o ser humano desde a sua gênese até os dias de hoje, fazendo parte da história da humani- dade. Como Portinari (1989, p. 11) elucida:De todas as artes, a dança é a única que dispensa materiais e ferramentas, dependendo só do cor- po. Por isso dizem-na a mais antiga, aquela que o ser humano carrega dentro de si desde tem- pos imemoráveis. Antes de polir a pedra, cons- truir abrigo, produzir utensílio, instrumentos e armas, o homem batia os pés e as mãos ritmi- camente para se aquecer e se comunicar. Assim, das cavernas à era do computador, a dança fez e continua fazendo história. A dança nos acompanha porque é uma manifesta- ção expressiva. O ser humano se comunica por meio de sua dança. Caminada (1999, p. 22, grifo nosso) explica que: A dança nasceu da necessidade de expressar uma emoção, de uma plenitude particular do ser, de uma exuberância instintiva, de um ape- lo misterioso que atinge até mesmo o mundo animal. Sim, porque até nos macacos aparece a dança, embora, só com o homem ela se eleva à categoria de arte, em função mesmo de sua consciência. Podemos perceber que, nas duas citações, as autoras remetem a dança à linguagem artística. Todavia, por meio da passagem de Caminada (1999), nos parece que nem tudo que classificamos como dança é arte, nos induzindo a refletir sobre uma questão muito importante: quando a dança pode ser considerada arte? De acordo com a autora, a dança-arte está re- lacionada com a consciência, por isto, no mundo animal, onde não há consciência, não há arte. Mas, mesmo assim, existe dança. Partindo desta análise, podemos elaborar a hi- pótese de que existem duas formas de dança: arte e não arte. Para entendermos melhor as duas possi- bilidades, pensaremos, primeiramente, na Arte em uma perspectiva geral. Por isso, usaremos a palavra Arte com letra maiúscula: para designar todas as lin- guagens artísticas. Todavia a sua ampla compreen- são pode ser aproximada, particularmente, à dança, já que esta é nosso foco de interesse. Vamos iniciar nossa abordagem a partir da in- formação presente na reportagem de John Gapper (2015, on-line)1 que, ao tratar da arte como um ativo financeiro, nos informa que o quadro Swamped, do artista Peter Doig, foi vendido por US$ 29,5 milhões na noite de 11 de maio de 2015. Quando nos deparamos com os valores das obras de arte, a admiração é inevitável e surge o questiona- mento: por que um valor tão alto? O que faz um qua- dro custar tão caro? Por que as pessoas desprendem altas quantias para adquirirem um quadro que “não serve para nada”, apenas para decorar ambientes? Com certeza, todos nós, alguma vez, já fizemos perguntas semelhantes. Mas, e as respostas? Conseguimos en- contrar? O nosso objetivo não está em responder essas questões, mas sim, investigar o que é a arte e, assim, entender porque ela pode ser valorizada a ponto de custar verdadeiras fortunas e, em outros momentos, ser considerada inútil por não ter uma função prática. Iniciamos pela sua etimologia: a palavra arte, proveniente do grego teknè, e do latim ars; artis, refere-se, de forma geral, a habilidades especiais relacionadas ao fazer prático ou a um conjunto de atividades que pode dirigir o fazer humano. Nesta acepção, está implícita a compreensão da Arte como 64 um trabalho manual, como uma atividade relacio- nada apenas ao aspecto motor. Será que a Arte se remete apenas ao aspecto motor humano? Para pensarmos sobre isso, preste atenção nesta frase: “A poesia é indispensável – se ao menos eu sou- besse para quê [...]” (FISCHER, 1987, p. 11). A poesia é uma linguagem artística que se distancia da ação mo- tora, assim, a compreensão de arte ultrapassa a pers- pectiva etimológica do termo. A ideia de que a arte é indispensável se relaciona com “necessidade”, mas não uma necessidade material. Como vivemos em uma so- ciedade que entende a necessidade humana pela utili- dade material dos objetos, não temos muita consciên- cia da utilidade da Arte, dificultando a sua valorização. A necessidade pode ser constatada pela sua pre- sença em todos os momentos da história: ela é consi- derada tão antiga quanto o ser humano. Os registros históricos, a exemplo das pinturas rupestres, compro- vam que ela sempre acompanhou a humanidade: nas aventuras, nas descobertas; na vitória e na derrota; na dor e no prazer, no sonho e na realidade; na vida e na morte! Como uma atividade orgânica, ela se mantém e se adapta às mudanças temporais, tanto em seu con- ceito quanto em sua forma material. Com a sua po- tencialidade dinâmica e o seu caráter mutável, a Arte desempenhou, na história, papéis sociais distintos. Fischer (1987, p. 45) explica-nos que, nos pri- mórdios da Arte, a sua função era: [...] inequivocamente, a de conferir poder: po- der sobre a natureza, poder sobre os inimigos, poder sobre o parceiro de relações sexuais, po- der sobre a realidade, poder exercido no sentido de um fortalecimento da coletividade humana. Nos alvores da humanidade, a Arte pouco tinha a ver com a beleza e nada tinha a ver com a con- templação estética, com o desfrute estético: era um instrumento mágico, uma arma da coleti- vidade humana em sua luta pela sobrevivência. A Arte mágica, que conferia poder ao seu produ- tor e caracterizava a sociedade primitiva, adquiriu outras conotações com o passar dos tempos. Aos poucos, o envoltório mágico que revestia a consci- ência do indivíduo primitivo, dando oportunida- de à constituição de manifestações artísticas com estas mesmas características, começou a se dissol- ver. Fischer (1987) explica que a mudança acom- panhou o processo de “divisão de classes” e oferece como exemplo a passagem da função do feiticeiro, um servidor do coletivo nas sociedades primitivas, para a função do artista e do sacerdote na gênese da sociedade de classes. Segundo o autor, nesta nova organização social, o artista assumiu o papel que o feiticeiro ocupava anteriormente. A tarefa do artista era expor ao seu público a significação profunda dos acontecimentos, fazendo-o compreender claramente a neces- sidade e as relações essenciais entre o homem e a natureza e entre o homem e a sociedade, desvendando-lhe o enigma dessas relações. Cabia-lhe elevar o sentido de autoproteção do povo da sua cidade, da sua classe, da sua nação; cabia-lhe libertar da insegurança da vida e das angústias de uma individualidade ambígua e fragmentada os homens que tinham emergido da sólida comunidade primitiva para o mundo da divisão do trabalho e dos conflitos de classe; cabia-lhe conduzir a vida individual de volta à existência coletiva, unir o pessoal ao universal; cabia-lhe restaurar a unidade humana perdida (FISCHER, 1987, p. 52). Estes exemplos mostram que a Arte permaneceu nos diferentes contextos, mesmo exercendo fun- ções sociais diferentes, fato que torna nítida a sua “capacidade adaptativa” ao tempo e ao local. O uso deste termo ou até mesmo da expressão “mu- danças da Arte”, precisa de algumas ressalvas, pois EDUCAÇÃO FÍSICA 65 pode ser interpretado de forma equivocada. Ao admitir que a Arte se adapta, ou muda em uma nova situação, ela pode ser entendida como um produto acabado e independente, que pode so- frer alterações que garantem a sua permanência. Não é isso! A Arte expressa os contextos sociais, é condicionada pelo seu tempo e expressa uma situação histórica particular. Neste sentido, a sua “capacidade adaptativa” deve ser pensada não pela sua materialidade, mas por aquilo que a anima, ou seja, o ser humano. A linguagem artística, a técnica, o estilo, o tema e todos os demais elementos que conferem efetivi- dade ao objeto de Arte estão subordinados àquilo que promove a sua criação: o ser humano. Assim, compreendemos que a Arte permanece porque ela é uma extensão do próprio indivíduo. Portanto, entendemos que, enquanto existir o ser humano, existirá a Arte, e a valoração desta está relacionada à valoração do indivíduo. Se a Arte é extensão do ser humano, e a obra, um registro do que ele pensa, como podemos pensar esta questão diante da desvalorização da Arte? Como entendemos a sociedade eo ser humano que não têm consciência da necessidade dela? REFLITA A Arte pode ser entendida como um equilíbrio en- tre a exterioridade e a interioridade do ser humano: ela seria um “portal” para a interação entre as duas instâncias que formam a totalidade humana. Esta deve-se à necessidade que o indivíduo tem de que- rer ser mais do que é, de forma que ele busca absor- ver o mundo circundante, ao mesmo tempo em que imprime o seu “eu” individual à coletividade. Neste contexto, a Arte age como mediadora, possibilitan- do a dupla interação entre o social e o singular. Po- demos ilustrar o nosso pensamento com uma passa- gem de Fischer (1987, p. 13): O desejo do homem de se desenvolver e com- pletar indica que ele é mais do que um indiví- duo. Sente que só pode atingir a plenitude de se apoderar das experiências alheias que potencial- mente lhe concernem, que poderiam ser dele. E o que um homem sente como potencialmente seu inclui tudo aquilo de que a humanidade, como um todo, é capaz. A Arte é o meio indispensável para essa união do indivíduo com o todo; reflete a infinita capacidade humana para a associação, para a circulação de experiências e ideias. Assim, a Arte pode agir como mediadora para a re- alidade, fazendo o indivíduo se desvencilhar de seu estado de fragmentação, proporcionando-lhe a res- tauração da totalidade. Ilustramos esta questão com as palavras de Fischer (1987, p. 56), ao mencionar que: “mesmo o mais subjetivo dos artistas trabalha em favor da sociedade”. 66 Concluindo este item, apresentamos algumas infe- rências acerca da necessidade da Arte: o ser humano é condição da Arte – sem ele, ela não existe –, o que jus- tifica a impossibilidade de estudos que os dissociam; a Arte atua como mediadora entre os mundos interior e exterior do ser humano, por onde transitam informa- ções que participam da construção da subjetividade humana. Esta ação pode ter, como resultante, o equi- líbrio entre os hemisférios que compõem a totalidade humana, ou seja, a espiritualidade e a materialidade. Em suma, a permanência da Arte pode ser creditada à manutenção da totalidade dos indivíduos devido à sua potencialidade comunicativa e restauradora do equilí- brio entre as partes que os compõem. Agora, depois dessa exposição sobre o que é Arte, será que conseguimos entender quando a dan- ça é arte ou não? Vamos lá, tente elaborar um pe- queno texto diferenciando as duas possibilidades de compreensão da dança. Difícil? Talvez sim. Isto porque nós abordamos apenas a dança arte. No que se refere a este conteúdo, acreditamos que tenha ficado evidente, nos textos de vocês, que a principal característica da dança arte é a linguagem que expressa pensamentos, sentimen- tos, emoções e informações, relacionando a subje- tividade do indivíduo com o mundo que o cerca e, assim, possibilitando a efetivação da totalidade hu- mana. Em relação à dança não arte, é mais simples, ela pode ser entendida quando não tem o objetivo de linguagem, mas quando isto acontece? Se o objetivo não é a linguagem, qual seria? Para aumentar as nos- sas inquietações, inserimos mais uma questão: qual dança deve ser trabalhada na Educação Física? Todas essas questões não são particulares a nós, elas permearam muitas discussões a partir da regulamentação da profissão (Lei n. 9.696/1998), da criação do Conselho Federal de Educação Físi- ca (Confef) e dos Conselhos Regionais de Educação Física (CREFs) que, posteriormente, possibilitaram a especificação da área de atuação desse profissional no Art. 1 da Resolução Confef n. 046/2002. Art. 1º - O Profissional de Educação Física é especialista em atividades físicas, nas suas diversas manifestações - ginásticas, exercícios físicos, desportos, jogos, lutas, capoeira, artes marciais, danças, atividades rítmicas, expres- sivas e acrobáticas, musculação, lazer, recre- ação, reabilitação, ergonomia, relaxamento corporal, ioga, exercícios compensatórios à atividade laboral e do cotidiano e outras práticas corporais -, tendo como propósito prestar serviços que favoreçam o desenvolvi- mento da educação e da saúde, contribuindo para a capacitação e/ou restabelecimento de níveis adequados de desempenho e condicio- namento fisiocorporal dos seus beneficiários, visando à consecução do bem-estar e da qua- lidade de vida, da consciência, da expressão e estética do movimento, da prevenção de do- enças, de acidentes, de problemas posturais, da compensação de distúrbios funcionais, contribuindo ainda, para consecução da au- tonomia, da auto-estima, da cooperação, da solidariedade, da integração, da cidadania, das relações sociais e a preservação do meio ambiente, observados os preceitos de res- ponsabilidade, segurança, qualidade técnica e ética no atendimento individual e coletivo (CONFEF, 2002, p. 1). EDUCAÇÃO FÍSICA 67 A especificação genérica da atuação do profissional de Educação Física causou muitos embates envol- vendo a dança, justamente devido às várias possibili- dades em que ela pode ser compreendida. O fim das disputas foi estabelecido quando o Superior Tribunal da Justiça (2011, on-line) entendeu que a dança, as- sim como as artes marciais e a ioga, não pertencem à Educação Física, salvo quando o objetivo não for a técnica, e sim, o condicionamento físico, como nas aulas de aeroaxé, aeroboxe, zumba, ritmos etc. Esta contextualização e a solução para os embates sobre qual Conselho deveria fiscalizar o exercício da profissão são apresentados com o intuito ilustrativo, para refletir sobre o objetivo da dança na Educação Física. É importante ressaltar que, quando nos referi- mos à atuação do profissional de Educação Física em ambiente escolar, é a Lei de Diretrizes e Base (Lei n. 9.394/1996) que garante a sua obrigatoriedade como componente curricular na Educação Básica. Os documentos que orientam os conteúdos a serem desenvolvidos pela Educação Física escolar e que trazem a dança como conteúdo da disciplina são: Diretrizes Curriculares, Parâmetros Curricu- lares Nacionais e a recente Base Nacional Comum Curricular. No entanto, mesmo a dança tendo, na Educação Física, diferentes orientações documen- tais, parece-nos que, de forma geral, a ampla com- preensão de seu objetivo não está atrelado ao prin- cípio de arte. A dança na Educação Física, a grosso modo, parece estar relacionada à atividade/ao exer- cício físico. Essa questão, entretanto, merece ser repensada para que o(a) profissional tenha clareza em relação à potencialidade da dança como conteúdo da Edu- cação Física. Sendo assim, passamos para o próximo tópico, cuja proposta geral é refletir acerca do papel educativo/formativo da dança. 68 Dança: Construção do Conhecimento na Área da Educação Física EDUCAÇÃO FÍSICA 69 A Educação Física está presente em todas as escolas, compondo a matriz curricular de cada ano/série, em forma de treinamento esportivo e projetos de cunho social e, neste caso, a dança é um dos temas mais abordados. Assim, nos perguntamos: qual o objetivo e a importância da Educação Física e, con- sequentemente, de seus conteúdos, em especial a dança, na escola? Para pensarmos acerca desta questão, é impor- tante esclarecermos que, por educação, compreen- demos um processo destinado à construção do ser humano: desde as sociedades primitivas, a sua fi- nalidade é a formação das novas gerações. Com a intencionalidade de criar hábitos que favoreçam o convívio com outros indivíduos e com o meio cir- cundante, o processo envolve todos os segmentos sociais e não apenas as instituições de educação for- mal (escolas). Assim, entendemos a educação como um pro- cesso de formação humana que se constrói pela substituição ou criação de novos hábitos. Desta for- ma, podemos aproximar a educação das reflexões de Norbert Elias (2006) sobre o processo civilizatório. Para o autor, o ser humano não é, por natureza, ci- vilizado, mas possui potencialidade para atingir este estado. De forma semelhante, muitotempo antes, Erasmo de Rotterdam (2008) afirmava que o ser hu- mano nasce inacabado e é pela educação que ele se aperfeiçoa, por isto, o autor aconselha: [...] não te amoldes à opinião e ao exemplo mui- to em voga, deixando decorrerem os primeiros anos do teu filho sem tirar proveito algum da instrução. Faze-o aprender as primeiras noções antes que a idade fique menos dúctil e o âni- mo mais propenso aos defeitos ou até mesmo infestado com as raízes de vícios tenacíssimos (ERASMO DE ROTTERDAM, 2008, p. 21). Embora, cada qual em seu momento histórico, tanto Erasmo, abordando a educação, quanto Elias, a civi- lização, mencionam que esses processos são promo- vidos por um conjunto de normas e regras voltados à constituição de hábitos que possibilitem o convívio social. Neste cenário educativo, o corpo ganha um papel considerável, pois é por meio dele que o indi- víduo expressa um comportamento educado ou não. No entanto, ao falarmos de corpo, não separamos a parte corpórea da intelectiva e da sensível, pois o que nos permite chamar o ser humano de humano é justamente essa totalidade. Neste contexto, Bracht (1999) menciona que a educação corporal deve ser pensada dentro do con- texto da educação porque ela é a educação do com- portamento que, por sua vez, não é corporal, e sim, humano. Educar o comportamento corporal é edu- car o próprio indivíduo. Assim, a Educação Física deve atender a esta pers- pectiva “educacional” e os seus conteúdos devem ser pensados e praticados para que esse fim seja alcançado. Entretanto, essa finalidade educativa da Educação Físi- ca será alcançada por meio da concepção de dança arte ou atividade/exercício físico? A opção pela concepção é consequência do ambiente (formal, não formal ou informal) onde a Educação Física está inserida? Avalie as suas respostas considerando estas duas questões: • É importante entendermos que a perspectiva do trabalho de dança em arte não visa, neces- sariamente, a formação de artistas/dançari- nos/bailarinos, mas considera a manifestação dançante como uma expressão humana. • Também é preciso pensar que a dança, en- quanto atividade física, é praticada por uma pessoa, que, por sua vez, não executa uma ação simplesmente por meio de suas capaci- dades motoras. A atividade motora é resulta- do de sua totalidade. 70 Qual é a centralidade da dança apresentada nas duas questões? É isto mesmo... O ser humano! Em ambas as perspectivas, ele é o ponto de partida para pensar- mos a dança. O único problema é que, muitas vezes, os(as) professores e profissionais de Educação Física têm consciência disso: mesmo quando o objetivo da aula de dança seja, por exemplo, o gasto calóri- co, sempre ocorrerá um processo educativo que não se limita ao aspecto físico do indivíduo. Como nos mostra Garaudy (1980, p. 9), a dança integra aspec- tos físicos, mentais e espirituais, pois é “[...] uma das raras atividades humanas em que o homem se encon- tra totalmente engajado: corpo, espírito e coração”. Então podemos pensar que toda esta discussão é inútil, pois sempre a dança cumprirá a sua função educativa de formação integral do ser humano. Não é bem assim! Ela tem esta potencialidade, mas o su- cesso ou não do processo educativo deve-se à forma de sua condução. Isto quer dizer que professores(as) e profissionais de Educação Física devem ter em mente o seu objetivo para explorar a potencialidade da dança neste aspecto. Pensemos o seguinte: a dança sempre será uma atividade física, pois a sua materialização ocorre por meio do movimento corporal. Podemos explorar/ focar mais ou menos uma habilidade motora do que outra durante uma aula de dança, mas sempre esta- remos trabalhando a coordenação motora, a agilida- de, o ritmo etc. Portanto, não seria mais enriquece- dor se o desenvolvimento das atividades dançantes conciliasse outros objetivos que extrapolassem o âmbito das capacidades físicas? Quando o trabalho em dança é fundamentado em sua capacidade co- municativa, considerando-a como pertencente ao processo histórico/cultural da humanidade, am- pliamos o seu campo de atuação e não a limitamos ao desenvolvimento físico, pois este acontecerá in- dependentemente da nossa vontade. Não estamos colocando em detrimento um aspecto em relação ao outro, mas sim, propondo um equilíbrio entre os objetivos a serem desenvolvidos. Peguemos como exemplo o contexto escolar. Geralmente, a dança na escola está presente em datas comemorativas, como Dia das Mães, festa junina e encerramento de períodos letivos. Esses eventos tornam a construção coreográfica o conte- údo da dança mais requisitado dentro da escola. A construção de uma coreografia requer dois proces- sos distintos, mas que se entrecruzam: idealização/ imaginação e execução. A primeira questão, a idealização ou imagina- ção, é entendida como a mediação entre sensibilida- de/racionalidade. Refletiremos sobre isso por meio dos ensinamentos de Aristóteles. O termo imaginação aproxima-se do sentido de aparecer e de phantasis, que significa imagem. Por- tanto, imaginar pode ser entendido como produzir imagens de algo ausente ou como sínteses de infor- mações emitidas pelos sentidos. No primeiro caso, é preciso entender que a imaginação não cria imagens, mas sim, presentifica o que não é visível no momento por meio das imagens armazenadas na memória. No segundo caso, a imaginação sintetiza as sen- sações provenientes dos órgãos dos sentidos. Pode- mos ilustrar, pela observação, o que ocorre quando apreciamos um concerto musical. Durante a apre- sentação, recebemos informações visuais e sonoras que são discriminadas pelos respectivos sentidos e, posteriormente, unificadas em uma única sen- sação do concerto. As duas ações da imaginação, presentificar e sintetizar, são entendidas como co- nhecimento sensorial e nos possibilita entendê-las como sinônimas do pensar, tal qual compreendiam os filósofos antigos: EDUCAÇÃO FÍSICA 71 A alma é definida especialmente por duas di- ferenças, isto é, pelo movimento espacial e por entender e pensar. O percepcionar assemelha- -se, com efeito, ao entender e ao pensar. É que, de facto, quer um, quer o outro são como per- cepcionar alguma coisa. Em ambos os casos, com efeito, a alma discrimina e conhece um ente. Os antigos diziam, igualmente, que pensar e percepcionar são o mesmo (ARISTÓTELES, Sobre a Alma, III, 3, 427a). Aristóteles, todavia, discordava de seus antecessores: “[...] é evidente que percepcionar e pensar não são o mesmo: de um participam todos os animais, en- quanto do outro participam poucos” (ARISTÓTE- LES, Sobre a Alma, III, 3, 427b). Para o filósofo, a imaginação, embora dependa da percepção, não é o mesmo que pensamento, pois: [...] é algo diferente da percepção e do pensa- mento discursivo. Ela não sucede, de facto, sem a percepção sensorial, e sem ela não existe su- posição. Que a imaginação não é, contudo, a mesma coisa que [o pensamento], nem que a suposição, isso é evidente (ARISTÓTELES, So- bre a Alma, III, 3, 427b). Desta forma, o autor esclarece que não entende a imaginação como pensamento, mas o fato de o uso das imagens ser necessário para pensar. Assim, po- demos entender que a imaginação transita entre as almas sensitivas e intelectivas, atuando como um elo entre a sensibilidade e a racionalidade. A coreografia, como materialidade da imagina- ção, representa, portanto, este equilíbrio entre sensí- vel e racional, contribuindo para a perspectiva edu- cativa que visa a formação integral do ser humano (sensível, racional e físico). No entanto, você deve estar se perguntando: o processo de composição co- reográfica não cabe aos alunos, mas sim, aos profes- sores. Portanto, qual o valor educativo das coreogra- fias para os praticantes? Esta é uma questão muito importante porque a dança, na perspectiva ampla de educação, deve propiciar aos alunos várias experiências, como a de interpretação (execução das coreografias); criação (composiçãocoreográfica) e fruição (apreciação da dança). Aceitando essa perspectiva, a criação coreo- gráfica não é atividade exclusiva do professor, pelo contrário, deve ser compartilhada com todos. A in- terpretação parece ser o aspecto mais explorado da dança, tanto no ambiente escolar como não escolar, mas será que os alunos estão executando/reprodu- zindo passos ou interpretando a dança? Existe dife- rença entre uma ação e outra? A resposta é sim, existe! A interpretação extra- pola os limites da execução e exige um processo de construção de conceitos e intenções, os quais são resultantes de experiências anteriores e/ou es- tudos. O intérprete cria um personagem, uma nar- rativa, um contexto ou, simplesmente, estabelece uma intencionalidade e a expressa corporalmente, possibilitando a distinção entre as diferentes exe- cuções, por exemplo, de um mesmo movimento ou coreografia. Esse processo propicia ao intérprete autoconhe- cimento e, consequentemente, maior domínio de si diante das diversidades da vida. Portanto, quando o trabalho for desenvolvido por meio de repertórios de dança (coreografias de domínio público), con- vém que a interpretação seja incentivada e não fi- que restrita à execução coreográfica. Neste sentido, a interpretação se aproxima da reflexão de Marques (2003, p. 24) sobre a dança/arte: “o fazer-sentir dan- ça enquanto arte nos permite um tipo diferenciado de percepção, discriminação e crítica da dança, de suas relações conosco mesmos e com o mundo”. 72 Por fim, chegamos à terceira forma de experiência que a dança pode proporcio- nar, a fruição. Neste contexto, nos pergun- tamos: quais os efeitos da dança sobre o seu apreciador? A apresentação de dança é externa ao apreciador, atua sobre os seus órgãos dos sentidos, especificamente a visão, ocasio- nando sensações. Lembremos Aristóteles, que nos mostra que as sensações estão re- lacionadas com o conhecimento: “todos os homens, por natureza, desejam conhecer. Sinal é a nossa afeição pela sensibilida- de; pois as sensações nos aprazem por si mesmas, utilidade à parte, e, mais que to- das as outras, as da vista” (ARISTÓTELES, Metafísica, I, 980a). Assim, não há dúvidas a respeito da ne- cessidade da sensibilidade para o conheci- mento, todavia, destacamos a importância que o filósofo credita à sensação da vista. EDUCAÇÃO FÍSICA 73 Desses [sentidos,] a considerar as meras ne- cessidades da vida e por si mesmo, a visão é o mais importante, embora do prisma do pensa- mento e de modo indireto a audição venha em primeiro lugar. A faculdade da visão, pelo fato de todos os corpos apresentarem cor, informa- -nos sobre uma grande quantidade de diferen- ças de todos os tipos; por conseguinte, é prin- cipalmente por meio dela que percebemos os objetos sensíveis comuns (ARISTÓTELES, Dos sentidos e dos sensíveis, I, 436b). A visão propicia muitas sensações: algumas decor- rentes da própria imagem contemplada, e outras, da relação com aquelas que se encontram na memória. No segundo caso, a imagem captada pelos olhos es- timula o surgimento de algo que não está presente. Esta dupla possibilidade da imagem é exposta por Aristóteles da seguinte forma: A figura pintada num painel é, simultaneamen- te, uma figura e um retrato e, embora una e idêntica, é ambos, mas, ainda assim, a essência de ambas não é idêntica, sendo inclusive possí- vel pensá-la tanto como uma figura quanto um retrato [...] (ARISTÓTELES, Da Memória e da Revocação, I, 450b). O filósofo grego usa esse exemplo para explicar que o mesmo ocorre com a imagem mental. Ela pode ser contemplada em si mesma ou representar algo que não esteja sendo visto: “[...] é como se contemplásse- mos uma figura num quadro como um retrato, por exemplo de Corisco, embora não tivéssemos visto Corisco” (ARISTÓTELES, Da Memória e da Revo- cação, I, 450b). É nesse contexto da imagem como figura ou retrato que pensamos a fruição em dança, a qual pode despertar várias sensações, como prazer, dor, euforia, tristeza etc., provocando a catarse. A catarse é entendida como purificação ou purga- ção, um termo médico que significa a depuração do mal. Entretanto, Gazoni (2006, p. 21) mostra que a catarse pode ser aplicada com diferentes conotações, como: “[...] preponderantemente ética, como prepon- derantemente estética/intelectualista ou como uma certa terapia medicinal”. Segundo esse autor, a conotação ética da catar- se pode ser tanto uma simples descarga emocional quanto um aprendizado das virtudes. É nesta última conotação que concentramos os nossos interesses. Para Gazoni (2006, p. 21), “o aprendizado das vir- tudes, ainda, pode ter sua ênfase colocada no sen- tir as emoções da maneira correta e com a intensi- dade correta”. Portanto, aquele que assiste a dança pode experimentar sensações sem ter que vivenci- á-las realmente, o que desencadeia a catarse desses sentimentos, criando a possibilidade de controle das emoções. Tal controle pode ser visualizado nas ações equilibradas ou virtuosas dos indivíduos, as quais constituem o fim dos processos formativos/ educativos. Assim, a apreciação da dança pode provocar a catarse ou o controle das paixões, contribuindo na construção de um sujeito equilibrado emocional- mente. Agora que analisamos a potencialidade da dança no processo formativo dos seres humanos, possibilitando, além da atividade física, o desenvol- vimento da criatividade necessária ao intercâmbio entre a sensibilidade e a racionalidade, bem como a criação de hábitos virtuosos por meio do controle das paixões que a fruição artística propicia, parece- -nos evidente que, quando a Educação Física tem como objetivo contribuir para a formação humana, neste sentido, a educação entendida amplamente, a opção de dança arte mostra-se mais completa para atuar nos aspectos social, afetivo, cognitivo e motor. 74 considerações finais Assim, chegamos ao final da segunda unidade de nossa disciplina de Fun-damentos de Rítmica e Dança. Os nossos estudos nos possibilitaram entender que a dança tem a linguagem como o seu principal elemento identificador, ou seja, ela se constitui como uma linguagem não verbal. Esta exerce um papel de extrema importância no processo comunicativo humano, sendo aceita pelos pesquisadores como 65% do processo geral da comunicação. Pelo fato de a dança ser uma linguagem, é considerada arte, mas por se efetivar pelos movimentos corporais, pertence também às atividades físicas. Essa questão alimentou vários embates e conduziu o estabelecimento da dança como conteúdo pertencente a dois campos de atuação: o da Educação Física e o da Arte. No entanto, isto não eliminou as dúvidas em relação a qual perspectiva assumir nos diferentes ambientes onde professores e profissionais de Educação Física podem atuar, deixan- do evidente a necessidade de uma reflexão acerca do conceito de Educação Física. Caso entenda-a como uma área do conhecimento que tem como pressuposto a for- mação humana, a opção pela dança enquanto um fazer artístico pode ser mais viável. Para refletir sobre essa questão, foram fundamentais as análises das potencialidades educativas da dança para além da prática física, ou seja, a interpretação, a criação da coreografia e a fruição. A análise dessas potencialidades da dança nos conduze a considerá-la como um conteúdo da Educação Física muito importante no processo de educação/formação humana, independentemente das perspectivas teóricas assumidas pelos professores e profissionais e os seus locais de trabalho. Todavia quando os objetivos estão atrelados à compreensão da dança arte, a sua prática extrapola o aspecto motor, sem deixar de desenvolvê-lo eficientemente, contribuindo para a formação de um sujeito criativo, autônomo e que exerça o seu papel de agente social. considerações finais 75 atividades de estudo 1. A dança é assim denominada devido à sua essência comunicativa, somente mo- vimentos expressivos são considerados dançantes. Portanto, a dança éuma lin- guagem não verbal muito importante no processo de desenvolvimento do ser humano, pois, como os historiadores e antropólogos afirmam, ela é a manifesta- ção artística mais antiga, nasceu mesmo antes de os seres humanos aprenderem a falar. A partir do exposto, analise as afirmativas a seguir. I - As pesquisas de Albert Mehrabian, na década de 50 do século passado, iden- tificaram que mais de 50% de nossa comunicação ocorre por meio da comu- nicação não verbal, ou seja, pelo conjunto de elementos que acompanham os signos orais. II - Por gesto, podemos entender uma ação corporal visível que pode ou não ter significado intencional. A sua importância nos processos educativos remonta à própria existência humana, no entanto, com a descoberta de outros signos comunicativos, perdeu-se a consciência de seu papel enquanto linguagem humana. Mas autores como Francastel acreditam que caminhamos rumo à inversão desta situação. Para eles, o signo figurado e as técnicas artísticas suplantarão o signo escrito. III - A linguagem visual é uma das principais fontes que os nossos antepassados nos deixaram como registros de suas sociedades, por exemplo, temos as pinturas rupestres que nos possibilitam afirmar que os indivíduos primitivos dançavam, e as pinturas nas igrejas medievais que transmitiam mensagens religiosas com o intuito de educar o povo. A justificativa para a popularidade das imagens medievais pode ser creditada ao fato de que a devoção é susci- tada mais facilmente pelas imagens do que pelas palavras. IV - A cinética é uma área de estudo que se dedica à linguagem corporal, aos gestos e às expressões faciais. Esta ciência dialoga com outras áreas, como a Psicologia, a Sociologia e a Antropologia, mas não pode haver separação, todas devem contribuir intrinsecamente para entender o movimento comu- nicativo do corpo. É correto o que se afirma em: a) I e II, apenas. b) II e III, apenas. c) I, apenas. d) I, III e IV, apenas. e) I, II, III e IV. 76 atividades de estudo 2. A dança está presente em vários acontecimentos de nossas vidas, ela acompa- nha o ser humano desde a sua gênese até os dias de hoje, fazendo parte da história da humanidade. No entanto, a pluralidade de manifestações dançantes possibilita a sua compreensão como manifestação artística ou não. Para enten- dê-la como arte, é necessário refletir sobre a Arte em uma perspectiva geral. A partir do exposto, analise as afirmativas a seguir. I - A Arte pode ser entendida como um equilíbrio entre a exterioridade e a in- terioridade do ser humano: ela seria um “portal” para a interação entre as duas instâncias que formam a totalidade humana. Neste sentido, a Arte age como mediadora, possibilitando a dupla interação entre o social e o singular. Assim, ela, por favorecer a interlocução com a realidade, pode levar o indiví- duo a abandonar o seu estado fragmentado, isolado, reconduzindo-o para um estado totalizante. II - A principal característica da dança arte é a linguagem, que expressa pensa- mentos, sentimentos, emoções e informações, relacionando a subjetividade do ser humano com o mundo que o cerca e, assim, possibilitando a efe- tivação da totalidade humana. Em relação à dança não arte, ela pode ser entendida quando não tem o objetivo de linguagem, mantendo-se no âmbito mecânico do movimento. III - A etimologia da palavra arte (grego, teknè; latim ars, artis) nos mostra que o seu significado relaciona-se às habilidades especiais do fazer prático, ou seja, ao trabalho manual. Todavia algumas linguagens compreendidas como artís- ticas, a exemplo da poesia, se distanciam do sentido prático, não podendo ser denominadas de arte. IV - A Arte permaneceu nos diferentes períodos históricos, exercendo papéis sociais distintos, o que nos mostra a sua “capacidade adaptativa”. Ela é con- dicionada pelo seu tempo e expressa uma situação histórica particular, nos permitindo pensar que a sua “capacidade adaptativa” concentra-se na mobili- dade dos objetos artísticos que acompanham as características tecnológicas de cada período histórico. É correto o que se afirma em: a) I e II, apenas. b) II e III, apenas. c) I, apenas. d) I, III e IV, apenas. e) I, II, III e IV. 77 atividades de estudo 3. A dança, como conteúdo da Educação Física, pode ser desenvolvida em âmbito formal, informal e não formal, e a sua aplicabilidade, direcionada a uma perspec- tiva artística ou não. De acordo com esta premissa, analise as afirmativas a seguir. I - A dança sempre será uma atividade física, pois a sua materialização ocorre por meio do movimento corporal. Assim, durante uma aula de dança, sempre trabalharemos a coordenação motora, a agilidade, o ritmo etc. Este fato vali- da a necessidade de a Educação Física objetivar, prioritariamente, o aspecto motor da dança quando o seu intuito é estabelecido pelos pressupostos ge- rais da educação na contemporaneidade. II - Quando a Educação Física assume a dança como uma manifestação artística, consegue entender esta como pertencente ao processo histórico/cultural da humanidade. Este posicionamento não exclui o desenvolvimento dos aspec- tos físicos da dança, mas representa um equilíbrio entre os objetivos a serem desenvolvidos pela Educação Física. III - Devido às festividades escolares, a construção coreográfica é o conteúdo da dança mais requisitado dentro da escola. A construção de uma coreografia requer dois processos distintos, mas que se entrecruzam: idealização e exe- cução. A idealização é entendida como a mediação entre sensibilidade/racio- nalidade e tem como elemento fundamental a imaginação; no que se refere à execução, é aconselhável que o(a) professor(a) fomente a interpretação ao invés da reprodução mecânica dos passos. IV - O espetáculo de dança, por requerer dançarinos tecnicamente preparados, não deve ser entendido como um conteúdo da Educação Física, o que não se adapta aos objetivos da dança escolar. Os espetáculos se destinam apenas a um público fruidor de arte, pois os seus objetivos se concentram na suscita- ção de sensações, algumas decorrentes da própria dança contemplada, e ou- tras, da relação com aquelas na memória. O despertar de sensações, como prazer, dor, euforia, tristeza etc., pode provocar a catarse (termo médico que significa depuração do mal). É correto o que se afirma em: a) I e II, apenas. b) II e III, apenas. c) I, apenas. d) I, III e IV, apenas. e) I, II, III e IV. 78 atividades de estudo 4. Rector e Trinta explicam que o ser humano percebe o mundo e o transforma em cultura por meio de seu próprio corpo. Isto se efetua por meio dos cinco senti- dos: a visão, a audição, o tato, o paladar, o olfato. Os sentidos são o instrumental que o ser humano dispõe para a apreensão e o desvelamento intelectual do uni- verso no qual o indivíduo está inserido. “É pelo corpo que, de múltiplas maneiras, o homem participa do mundo e, do mesmo modo, constitui ele próprio um mun- do” (RECTOR; TRINTA, 1990, p. 35). Considerando o exposto, faça uma reflexão ressaltando a importância do estudo da linguagem não verbal, e de como ela se constitui socialmente para o desenvolvimento das aulas de dança como conteú- do da Educação Física. 5. Davis (1979, p. 22) afirma que “a palavra é aquilo que o homem usa quando todo o resto falha”. Ou seja, as relações humanas também são construídas por meio da comunicação não verbal. Dado o exposto, explique o seu conceito e como, no cotidiano, a comunicação não verbal interfere no estabelecimento das relações interpessoais. 79 LEITURA COMPLEMENTAR Linguagem da dança: arte e ensino Em situações de ensino e aprendizagem da dança, nem sempre ela é entendida como lin- guagem, às vezes, tampouco como arte. Ao contrário, a dança é constantemente compre- endida por alunos, pais, professores e gestores como um repertório, ou seja, como “danças prontas que devemos aprender”. Neste texto, conversaremos sobre a dança como lingua- gem artística na construção de referenciaispara o ensino de dança nas instituições de ensino, partindo dos referenciais das danças de repertório. Não começarei este artigo, portanto, pelo conceito de linguagem, mas sim pelo de repertó- rio. Chamo de repertórios as “coreografias” já estabelecidas de dança: eles vão de Giselle, repertório famoso do balé clássico, às danças das bandas de axé, televisionadas. São re- pertórios conhecidos do universo das escolas a Quadrilha, o Maracatu, o Coco, a Capoeira, o Frevo, o Samba, o Forró. [...] Do ponto de vista do senso comum, coreografias são sequências, conjuntos de passos em uma determinada ordem que acompanham uma música. Isso não deixa de ser correto, mas podemos ir além do senso comum: as “coreografias” são articulações de signos, são escolhas pessoais e/ou da tradição que são in(corpo)radas e corporeificadas pelos intér- pretes dançantes para produção de sentidos. As coreografias podem ou não ser acompa- nhadas por músicas, e nem sempre se configuram como sequências preestabelecidas de passos conhecidos ou decorados a priori. Os diferentes repertórios de dança são como livros: necessitamos deles para a fruição da arte, para o aprendizado, para a produção pessoal e/ou coletiva de novos textos. Conhe- cemos de longa data o inestimável valor da leitura de livros, mas nem sempre estamos conscientes da importância de leituras de coreografias, os “textos da dança”. Ou seja, há muito tempo a escola rejeita a reprodução (“decoreba”) de textos escritos como processo de ensino e aprendizagem da linguagem verbal. Os professores já não aceitam mais – pelo menos em tese – processos de leituras que não estejam voltados para compreensões críti- cas dos textos lidos e produzidos. 80 LEITURA COMPLEMENTAR Ao contrário disso, na grande maioria das escolas em que a dança é ensinada, crianças, jovens e adultos continuam “decorando textos”, ou seja, aprendendo repertórios de dança de forma mecânica, superficial, acrítica, por meio de cópia e reprodução de sequências de passos preestabelecidas. Por mais significativo que um repertório seja em seu contexto – por exemplo, os repertórios das danças brasileiras –, se ele for ensinado de forma mecâni- ca e acrítica, pouco estará de fato contribuindo para a educação de nossos alunos e alunas. [...] Aqui entramos em outra seara do ensino de dança: é importante que o ensino da dança nas escolas seja focado nos processos de ensino e aprendizagem da linguagem, pois a dança não é só repertório, é, sobretudo, linguagem artística. Não estamos aqui afirmando que o ensino de repertórios nas escolas deva ser esquecido ou abandonado, seria o mesmo que dizer às crianças que abandonassem os livros. No entanto, a menos que compreendamos a dança como linguagem, nossos alunos e alunas serão incapazes de realmente compreen- der, perceber e ler criticamente os repertórios que estão dançando. A linguagem, por definição, é um “sistema de signos que permite a produção de significa- dos”. Ao pensarmos a dança como um sistema, queremos dizer que “a dança é um conjunto partilhável de possibilidades de combinação e arranjo dos campos de significação...” (MAR- QUES, 2010, p. 102), a dança é uma rede de relações. O signo é tudo aquilo que quer dizer alguma coisa para alguém – a palavra “mesa”, por exemplo, é um signo. Os signos produzem diferentes significados, pois cada ser humano atribui ao signo um ou mais sentidos além do sentido convencional. Por exemplo, no que se refere à palavra “mesa”, a depender do mo- mento histórico e da sociedade, há variantes de sentido. Por essa razão, dizemos que a lin- guagem – qualquer que seja – não espelha o mundo, ela é uma ação sobre o mundo. A arte, compreendida como linguagem, portanto, tampouco espelha o mundo, ela é, isto sim, ação sobre ele. Nessa linha de argumentação, a dança, compreendida como linguagem artística – e não somente como repertório – tem o potencial de agir sobre o mundo. O jogo articulado entre os signos da dança é que permite às crianças, jovens e aos adultos a descoberta de suas próprias possibilidades corporais, em diálogo com as possibilidades do sistema da dan- ça. Se entendermos a dança como linguagem em situação escolar, estaremos aprendendo/ ensinando nossos alunos a agir sobre o mundo de forma consciente, crítica e ética. 81 LEITURA COMPLEMENTAR A dança ensinada e aprendida como linguagem pode permitir, além das leituras de reper- tório pelos intérpretes e pelos apreciadores, a produção de textos de dança. Ou seja, ao conhecerem os elementos da linguagem, alunos e alunas podem “escrever seus próprios textos”, compor, coreografar. Conhecendo os elementos da linguagem, crianças, jovens e adultos serão capazes de criar suas próprias danças, tornando-se leitores autores, protago- nistas dos processos educacionais. Para concluirmos, o importante aqui é entendermos que a dança não pode se resumir ao aprendizado de repertórios, mesmo que esses sejam escolhidos com critérios e ensinados com amplitude e profundidade. Não podemos, como professores, nos limitar a “repassar” repertórios – precisamos fazer com que nossos alunos e alunas se tornem leitores críticos e, sobretudo, produtores, autores da dança. Com isso, poderão ser também leitores e co- criadores do mundo. Fonte: adaptada de Marques (2012). 82 material complementar Corpo, Comunicação e Cultura: a Dança Contemporânea em Cena Denise da Costa O. Siqueira Editora: Autores Associados Sinopse: a dança contemporânea é um setor em expansão na arte brasileira, com crescente reconhecimento em países europeus. A sua importância é destacada nesta obra, em que corpo e dança são estudados a partir do campo da comuni- cação. O livro ocupa-se de um tema pouco frequente no universo da teoria da comunicação, ao tomar como objeto de estudo o(s) corpo(s) da dança contem- porânea. Nesta pesquisa, a autora alia referencial teórico e trabalho de campo com companhias de dança cariocas dos anos de 90, estabelecendo relações, mas preservando espaço para os ricos depoimentos dos artistas entrevistados. Comentário: o tratamento transdisciplinar torna a obra interessante especial- mente para profissionais, professores e estudantes do universo da Comunicação, das Artes Cênicas (dança e teatro), da Educação Física e das áreas que se dedicam ao estudo do corpo na contemporaneidade. Indicação para Ler 83 referências ARISTÓTELES. Metafísica (livro I e livro II). Ética a Nicômaco. Poética. São Paulo: Victor Civita, 1979. ______. Da memória e da revocação. In: ______. Parva Naturalia. São Paulo: Edipro, 2012. ______. Dos sentidos e dos sensíveis. In: ______. ______. São Paulo: Edipro, 2012. ______. Sobre a alma. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2010. (Obras Completas de Aristóteles). Volume 3. BASCHET, J. A civilização feudal: do ano mil à colonização da América. São Paulo: Globo, 2006. BOGEA, I. Contos do balé. São Paulo: Cosac Naify, 2007. BRACHT, V. A constituição das teorias pedagógicas da educação física. Cadernos Cedes, v. 19, n. 48, p. 69-88, ago. 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ ccedes/v19n48/v1948a05.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2019. CAMINADA, E. História da dança: evolução cultural. Rio de Janeiro: Sprint, 1999. CONFEF. Conselho Federal de Educação Física. Resolução n. 046/2002, de 18 de fevereiro de 2002. Dispõe sobre a Intervenção do Profissional de Educação Física e respectivas competências e define os seus campos de atuação profissional. Dispo- nível em: <https://www.confef.org.br/confef/resolucoes/res-pdf/82.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2019. DAVIS, F. A comunicação não-verbal. São Paulo: Summus,1979. ELIAS, N. Escritos e ensaios. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. ENGELS, F. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. [S. l.]: Ridendo Castigat Mores, 1999. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/ adobeebook/macaco.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2019. referências 84 referências ERASMO DE ROTTERDAM. De pueris (dosmeninos). Texto Integral. 2. ed. Tra- dução, introdução e notas de Luiz Feracine. São Paulo: Escala, 2008. (Grandes Obras do Pensamento Universal). Volume 22. FISCHER, E. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: LTC, 1987. FRANCASTEL, P. A realidade figurativa. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1993. GARAUDY, R. Dançar a vida. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. GAZONI, F. M. A “Poética” de Aristóteles: tradução e comentários. 2006. 131f. Dis- sertação (Mestrado em Filosofia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Huma- nas, Departamento de Filosofia, Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Univer- sidade de São Paulo, São Paulo, 2006. MARQUES, I. Linguagem da dança: arte e ensino. In: MEC. Ministério da Educação. Dança na escola: arte e ensino. Brasília: MEC. Boletim 2, a. 21. abr. 2012. (Salto para o Futuro). 30p. Disponível em: <http://ambiente.educacao.ba.gov.br/conteudos/con- teudos-digitais/guias-pedagogicos/2629.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2019. ______. Dançando na escola. São Paulo: Cortez, 2003. PEASE, A.; PEASE, B. Desvendando os Segredos da Linguagem Corporal. 7. ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2005. PORTINARI, M. História da Dança. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. RECTOR, M.; TRINTA, A. R. A Comunicação Não-Verbal: a gestualidade brasilei- ra. Petrópolis: Vozes, 1990. 85 referências STJ. Superior Tribunal de Justiça. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSELHOS PROFISSIONAIS. EDUCAÇÃO FÍSICA. ATIVIDADES DIVERSAS (DANÇA, IOGA, ARTES MARCIAIS) INCLUÍDAS NA ATUAÇÃO DO CONSELHO REGIONAL PROFISSIONAL POR MEIO DE RESO- LUÇÃO DO CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. AUSÊNCIA DE CORRELAÇÃO COM A LEI. INEXISTÊNCIA DE JULGAMENTO EXTRA OU ULTRA PETITA. ADEQUAÇÃO DA VIAELEITA E LEGITIMIDADE DO PAR- QUET FEDERAL DECIDIDAS COM BASE EM FUNDAMENTAÇÃO CONS- TITUCIONAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 1º E3º DA LEI N. 9.696/1998.1. RECURSO ESPECIAL: REsp 1012692 RS 2007/0294222-7. Relator: Ministro Benedito Gonçalves. DJe 16/05/2011. Recurso Especial. JusBrasil, 2011. Disponível em: < https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19085886/recurso-es- pecial-resp-1012692-rs-2007-0294222-7-stj/relatorio-e-voto-19085888>. Acesso em: 28 mar. 2019. REFERÊNCIA ON-LINE 1Em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1629857-entenda-por-que- -obras-de-arte-sao-vendidas-por-precos-tao-altos.shtml>. Acesso em: 28 mar. 2019. 86 gabarito 1. D. 2. A. 3. B. 4. A resposta deve conter: reflexão que aborde a importância da linguagem não verbal, destacando que a maior parte da comunicação ocorre desta forma; ex- plicar que a comunicação não verbal se constitui por meio das relações inter- pessoais, as quais devem ser consideradas desde o nascimento do indivíduo; estabelecer a relação da dança a uma linguagem não verbal, enfatizando a ne- cessidade de ela ser desenvolvida como conteúdo efetivo da Educação Física. 5. A resposta deve conter: conceito de linguagem não verbal; explicação de que a aparência, o modo de se vestir e os gestos das pessoas participam do processo comunicativo, interferindo, assim, na recepção da mensagem e, posteriormente, na formação de ideias e conceitos. gabarito UNIDADEIII Professora Dra. Meire Aparecida Lóde Nunes Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • A dança como registro histórico • Dança: quando tudo começou • A dança na Antiguidade ocidental • A dança na Idade Média e no Renascimento: da proibição à arte • O mundo moderno expresso na arte de dançar: Dança Moderna e Contemporânea Objetivos de Aprendizagem • Propiciar a compreensão da dança como um registro histórico. • Investigar a dança como um registro histórico na Pré-história. • Refletir acerca da dança no contexto da Antiguidade. • Verificar como as mudanças sociais presentes na Idade Média e no Renascimento influenciaram a prática da dança. • Compreender como as concepções modernas e contemporâneas se expressam na dança de nossos dias. DANÇA: REGISTRO HISTÓRICO DO DESENVOLVIMENTO DOS HOMENS E DAS SOCIEDADES unidade III INTRODUÇÃO N esta terceira unidade, temos como objetivo nos aproximarmos da história da dança. Veremos, logo no início, que este propósito é muito complexo, pois a dança acompanha o ser humano desde os primeiros vestígios de sua existência. Portanto, falar de sua história é o mesmo que falar sobre a história da própria humanidade. Desta forma, nos limitaremos a apresentar uma possibilidade de abordagem que se estabelece por meio da compreensão de que a dança expressa diferentes pensamentos sobre os sujeitos, o mundo e as organizações sociais. Assim, lançamos o nosso olhar para a gênese da dança no período pré-histórico. O estudo deste período nos ensina que as necessidades hu- manas extrapolam as necessidades materiais, e a dança é exemplo disto, pois o caráter ritualístico que ela desempenhava constituía a própria es- sência daqueles seres humanos. O caráter sagrado presente na dança primitiva permanece na Anti- guidade. No entanto, podemos observar a dança grega, ao lado do teatro, desenvolvendo a sua forma artística e, consequentemente, fazendo parte do processo educativo daquela época. Este processo sofre uma interrup- ção durante a Idade Média, momento em que as manifestações corporais são relacionadas ao pecado, e a dança, especificamente, é aproximada da luxúria. No final desse período, ela ganha a simpatia dos nobres e passa a fazer parte das boas maneiras dos moradores da corte. Durante o Renascimento, a dança da corte italiana se desloca para a francesa, onde se desenvolve para a dança que, atualmente, conhecemos como balé. No século XIX, a sociedade está organizada diferentemente do período renascentista e os interesses e as perspectivas dos indivíduos não são mais os mesmos. Isto se expressa nos movimentos de dança que originaram as suas modalidades Moderna e Contemporânea. Esta é a jornada de uma história que não tem fim, que está em cons- trução. Assim como o próprio ser humano, a dança, em cada momento, se constrói e reconstrói, buscando novo significado para a sua existência. 92 A primeira questão que precisamos entender é que a história é uma ciência cujo fio condutor são as atividades humanas, ou seja, o seu objeto de in- vestigação é o próprio ser humano. Como podemos verificar: [...] o objecto da história é, por natureza, o ho- mem. Ou melhor, os homens [...] são exacta- mente os homens que a história pretende apre- ender. Quem não conseguir será, quanto muito e na melhor das hipóteses, um servente da eru- dição. O bom historiador, esse, assemelha-se ao monstro da lenda. Onde fareja carne humana é que está a sua caça (BLOCH, 1974, p. 28). Assim, quando investigamos as manifestações dan- çantes ao longo da história da humanidade, não es- tamos estudando apenas a dança em si, mas o ser humano. As danças são construções humanas e car- regam consigo muitas informações sobre os sujeitos e as suas sociedades. No entanto, é preciso que haja a consciência desta potencialidade da dança, como adverte Curt Sachs (apud CAMINADA, 1999, p.1): Olá, aluno(a)! Iniciamos este tópico pensando sobre a importância do estudo da história da dança. Muitas pessoas ou alunos, diante de um texto ou de uma dis- ciplina que trata da história, questionam-se: por que estudar acontecimentos tão distantes de nossa reali- dade? Qual o sentido deste conhecimento para o con- texto atual? Se você faz parte desse grupo de pessoas que, vez ou outra, se questiona sobre a importância do conhecimento histórico, o texto introdutório lhe auxiliará a enxergar o passado com outros olhos! Nos ateremos, neste primeiro momento, na im- portância das pesquisas históricas para, posteriormen- te, revisitarmos a dança nos diferentes momentos e contextos sociais a fim de, nos próximos capítulos, re- fletirmos sobre a dança na sociedade em que vivemos. POR QUE ESTUDAR A HISTÓRIA DA DANÇA? Para respondermos a esta pergunta, é preciso reto-marmos a importância da história de forma geral, pois, assim, compreenderemos, particularmente, a história da dança. A Dança como Registro Histórico EDUCAÇÃO FÍSICA 93 Se considerarmos a dança como uma predis- posição herdada que se manifesta em diversas formas de movimento e em diferentes grupos humanos e a associarmos, com todo o seu po- tencial de energia, a outros fenômenos da civi- lização, sua história poderá se constituir num fator de enorme importância para o estudo da espécie. Desta forma, a história propicia ao(a) estudante/pes- quisador(a), enquanto sujeito, o conhecimento de si mesmo. Certeau (2008, p. 47) nos leva a refletir sobre essa potencialidade da história por meio da seguinte afirmação: “efetivamente, ela é humana, não enquan- to tem o homem por objeto, mas porque sua prática reintroduz no ‘sujeito’ da ciência aquilo que se havia diferenciado como seu objeto”. Assim, ao estudar- mos a história desenvolvendo um processo que leva à aproximação do sujeito pesquisador com o sujeito “objeto de estudo”, temos, como resultado, o conhe- cimento de nós mesmos. No entanto, é importante entender que não estudamos o passado para trazê-lo ao presente, a história investiga as ações humanas de acordo com o tempo em que elas ocorreram. Os acontecimentos não podem ser deslocados de seu tempo, pois as ações são determinadas pela tota- lidade que envolve os indivíduos, e as necessidades coletivas são decorrentes da estrutura social. Para Certeau (2008), a pesquisa historiográfica está vin- culada a um determinado lugar, no qual se observa a produção socioeconômica, política e cultural par- ticular. Neste sentido, podemos entender o tempo histórico como um invólucro dos fenômenos sociais. [...] nunca um fenômeno histórico se explica plenamente fora do estudo do seu momento. E isto é válido para todas as etapas da evolução. Para aquela em que vivemos, como para outras. Já um provérbio árabe o dissera: “Os homens parecem-se mais com o seu tempo que com os seus pais”. Foi por se ter olvidado esta sabedoria oriental que se desacreditou, às vezes, o estudo do passado (BLOCH, 1974, p. 36). Ainda para Bloch, a falta de credibilidade a respeito dos estudos históricos pode ser resultante da ausên- cia de compreensão de que a sociedade e os indiví- duos mudam, mas existe “[...] na natureza humana e nas sociedades humanas, um fundo permanente. Se assim não fosse, os próprios vocábulos de ‘homem’ e de ‘sociedade’ não significariam coisa nenhuma” (BLOCH, 1974, p. 42). O conhecimento desse “fundo permanente” contribui para a reflexão sobre o nosso próprio tem- po e, consequentemente, para um posicionamen- to ético/moral. Ressaltamos que é o interesse pelo tempo presente que move os estudos históricos, pois concordamos com Marc Bloch (1974, p. 42) ao afir- mar que: “a incompreensão do presente nasce fatal- mente da ignorância do passado”. Esta questão nos remete à relação passado/presente apresentada por Panofsky (2007, p.43-44): “Não há nada menos real do que o presente. Uma hora atrás, essa conferência pertencia ao futuro. Dentro de quatro minutos, per- tencerá ao passado”. Assim, podemos pensar a transitoriedade tem- poral: a dicotomia do pensamento entre passado, presente e futuro pode ser considerada inexistente, já que o futuro é consequência do hoje, e este é o resultado do ontem. É preciso recordar, ainda, que, para a compreensão do tempo presente, é preciso um referencial possibilitador das analogias que nos conduzam a novas propostas. Agora que já compreendemos a importância do estudo da história, iniciaremos a nossa investigação pela história da dança. Iniciaremos pela sua origem. 94 No entanto, é importante entender que as mudan- ças não ocorreram de “um dia para o outro”, elas são gradativas; e mesmo após o marco histórico que indica a mudança de período, os indivíduos mantêm os seus costumes e a mesma mentalida- de por anos. Entretanto é importante termos em mente essa divisão, pois trataremos, na medida do possível, da história da dança de acordo com ela. Então, vamos lá! Para nos remetermos à origem da dança, é preci- so retomarmos a história do próprio ser humano. Por isto, antes de iniciarmos os nossos estudos, relembraremos a divisão cronológica da história: Pré-história (até 4.000 a. C.); Antiguidade (até 476 d. C.); Idade Média (1500); Modernidade (até 1789); Contemporaneidade (dias atuais). A divisão cronológica da história tem intuito didático e facilita a nossa localização no tempo. Dança: Quando Tudo Começou EDUCAÇÃO FÍSICA 95 Os primeiros registros encontrados que de- monstram a presença humana na terra também correspondem aos primeiros vestígios da dança. Portanto, podemos entender que ela acompanha o ser humano desde sua origem, é isto que nos mostra Portinari (1989, p. 11) quando explicita que, De todas as artes, a dança é a única que dispensa materiais e ferramentas, dependendo só do cor- po. Por isso, dizem-na a mais antiga, aquela que o ser humano carrega dentro de si desde tem- pos imemoráveis. Antes de polir a pedra, cons- truir abrigo, produzir utensílio, instrumentos e armas, o homem batia os pés e as mãos ritmi- camente para se aquecer e se comunicar. Assim, das cavernas à era do computador, a dança fez e continua fazendo história. Ao recordarmos, no entanto, as condições de vida humana na pré-história, podemos nos perguntar: por que aqueles indivíduos que dependiam quase que exclusivamente do corpo para sobreviver - para comer tinham que caçar e pescar, para se proteger dos predadores, se escondiam em lugares de difícil acesso e, para vencer as batalhas com os seus seme- lhantes, guerreavam utilizando como principal arma o próprio corpo - gastavam a energia dançando? A resposta para esta questão é que a dança fazia parte de sua “sobrevivência”! Além das necessida- des materiais para a manutenção da vida, a dança possibilitava a manutenção da vida espiritual do in- divíduo primitivo e conduzia a organização da vida coletiva daquela “sociedade”. Faro (2011, p. 13) nos auxilia a entender a dança no mundo primitivo ao mencionar que: Há quem distinga nas figuras gravadas nas ca- vernas de Lascaux, pelo homem pré-histórico, figuras dançando. E como o homem da Idade da Pedra só gravava nas paredes de suas caver- nas aquilo que lhe era importante, como a caça, a alimentação, a vida e a morte, é possível que essas figuras dançantes fizessem parte de rituais de cunho religioso, básicos para a sociedade de então, a cujos costumes esse tipo de manifesta- ção já estaria incorporado. Podemos entender melhor as informações de Faro ao olharmos a Figura 1 a seguir, na qual podemos identificar pessoas em posturas dançantes. As cinco pessoas que foram gravadas na parede da caverna demonstram movimentos muito similares aos en- contrados nas manifestações dançantes, por exem- plo, os dois indivíduos (esquerda para direita) que se olham e parecem executar uma dança de pares. A inclinação dos troncos, um para frente e outro para trás, das pessoas que estão no centro da figura ex- pressam posturas que lembram movimentos de dan- çarinos. O mesmo acontece com indivíduo que se encontra, no lado direito da figura, em uma posição próxima ao solo, mas mantém uma postura ereta, podendo indicar que aquela posição é intencional. Acompanhando as figuras dançantes, observa-se, ainda, um grande animal, o qual é um elemento in- dispensável à vida do indivíduo primitivo. Desta forma, é evidente que a dança exercia uma função significativa naquela sociedade e estava pre- sente em todos os momentos importantes da vida daquelas pessoas. Para refletirmos sobre o papel da dança no mundo primitivo, destacaremos três as- pectos: dança e religião; dança e poder; dança e con- dicionamento físico. 96 DANÇA E RELIGIÃO Sabe-se que a dança nasce da necessidade comuni- cativa dos indivíduos. Assim como as demais artes, a sua gênese está pautada na expressividade.Esta co- municação refere-se ao seu semelhante, mas também com as divindades. O indivíduo primitivo acreditava que a dança era um veículo de comunicação entre ele e os seus deuses. Faro (2011, p. 13) explica que se “[...] a arquitetura veio da necessidade de morar, a dança, provavelmente, veio da necessidade de aplacar os deuses ou de exprimir a alegria por algo de bom concedido pelo destino”. O cunho místico da dança permeia todas as suas demais execuções, pois, como o sujeito daquela época acreditava que tudo o que ele não conseguia explicar era vontade dos deuses, considerando ser pouco o conhecimento que ele ti- Figura 1 - Figuras dançantes e figura animal Fonte: Wikimedia ([2019], on-line)1. nha sobre o desenvolvimento da vida, a dança atuava como elemento imprescindível naquelas sociedades. Era por meio da dança que eles agradeciam aos deuses pela boa colheita, que pediam chuva e enca- minhavam ao mundo divino a alma de seus mor- tos. Esta característica da dança não se perdeu com o tempo, sofreu modificações, mas a sua essência permanece em muitas culturas, mesmo que passe despercebida aos nossos olhos. Para compreender melhor esta questão, deixamos, na sequência, um fragmento do texto de Faro (2011), no qual ele se re- porta às cerimônias religiosas do candomblé. Consi- deramos importante este excerto para pensarmos o movimento histórico presente na dança, ou seja, as suas permanências e mudanças. EDUCAÇÃO FÍSICA 97 A dança faz parte intrínseca das cerimônias de candomblé abertas ao público. Quem já presen- ciou esses rituais deve ter notado que eles, nor- malmente, se dividem em duas partes: a primei- ra delas, chamada xiré, dá início às cerimônias – os filhos de santo, ainda não incorporados, cantam e dançam, invocando, em determinada ordem, cada um dos orixás; na segunda parte, alguns membros do culto, com seus “santos” incorporados, interpretam as diversas danças características das entidades. [...] No candomblé, a dança funciona, na verda- de, como elo entre iniciados e assistentes. Ela serve para invocar, apaziguar ou agradecer aos deuses por graças obtidas. Trata-se, na verda- de, de um dos alicerces sobre os quais se apoia toda uma religião, um dos exemplos mais dire- tos e claros do que expusemos anteriormente (FARO, 2011, p. 21-22). DANÇA E PODER Fischer (1987) nos auxilia a compreender a impor- tância da dança nas sociedades primitivas ao abor- dar a arte de maneira geral. Para o autor, a criação da arte fez com que aqueles indivíduos desenvolvessem a consciência de seu poder. As agitadas danças tribais que precediam uma caçada realmente aumentavam o sentido do poderio da tribo; a pintura guerreira e os gritos de guerra realmente tornavam o combate mais resoluto e mais apto para atemorizar o inimigo. As pinturas de animais nas cavernas realmente ajudavam a dar ao caçador um sentido de segu- rança e superioridade à presa. As cerimônias re- ligiosas, com suas convenções estritas, realmen- te ajudavam a instilar a experiência social em cada membro da tribo e a tornar cada indivíduo parte do corpo coletivo. O homem, aquela fraca criatura que se defrontava com uma natureza perigosa e incompreensivelmente aterradora, era muitíssimo ajudado em seu desenvolvimen- to pela magia (FISCHER, 1987, p. 45-46). Assim, a fragilidade do ser humano perante a na- tureza foi superada com o auxílio de manifestações que hoje entendemos como arte, as quais expressam a importância do aspecto coletivo presente naquelas sociedades. O coletivo constituiu-se com a possibili- dade de sobrevivência, pois, para aqueles seres, não havia nada de mais terrível do que ser excluído do âmbito coletivo: “a separação do indivíduo em rela- ção ao grupo ou à tribo significava morte: o coletivo significava a vida e o conteúdo da vida” (FISCHER, 1987, p. 47). Neste sentido, as manifestações artísticas expres- sam esse caráter coletivo da vida primitiva. Mesmo sendo o registro artístico um produto individual, ou seja, feito por um indivíduo, tal registro reflete o pensar de toda uma sociedade, mesmo que de forma inconsciente. Isto pode ser evidenciado na seguinte passagem de Fischer: A arte em todas suas formas – a linguagem, a dança, os cantos rítmicos, as cerimônias má- gicas – era a atividade social par excellence, comum a todos e elevando todos os homens acima da natureza, do mundo animal. A arte nunca perdeu inteiramente esse caráter coleti- vo, mesmo muito tempo depois da quebra da comunidade primitiva e da sua substituição por uma sociedade dividida em classes (FISCHER, 1987, p. 47). Desta forma, fica-nos evidente que a dança, que se relacionava com as questões mágicas no mundo primitivo, contribuiu para o desenvolvimento da humanidade ao fazer com que aqueles sujeitos esta- belecessem o seu poder sobre a natureza, chegando a dominá-la. 98 DANÇA E CONDICIONAMENTO FÍSICO O aspecto físico da dança nas culturas primitivas foi também muito significativo, pois auxiliava no condicionamento físico necessário às atividades de guerra e caça. Rengel e Langendonck (2006, p. 8) in- formam que: Em cavernas como as da Serra da Capivara, no Piauí (Brasil), de Altamira (Espanha) e de Lascaux (França) é possível observar desenhos traçados nas paredes com cenas de pessoas em roda, correndo, saltando, dançando. Vemos, também, nessas pinturas rupestres, homens vestidos com peles de animais e imitando suas posturas. Movimentos como a corrida e os saltos, que faziam parte das danças, auxiliavam os indivíduos no de- senvolvimento de suas qualidades físicas, tornando- -os mais aptos às demais atividades que desempe- nhavam. Assim, desenvolvendo o físico e atendendo às necessidades emotivas e espirituais, a dança foi considerada uma das manifestações físicas mais im- portantes no mundo primitivo, como é evidenciado por Oliveira (1994, p. 7): Uma das atividades físicas mais significativas para o homem antigo foi a dança. Utilizada como forma de exibir suas qualidades físicas e de expressar os seus sentimentos, era prati- cada por todos os povos, desde o paleolítico superior (60 000 a. C.). A dança primitiva po- dia ter características eminentemente lúdicas como também um caráter ritualístico, onde havia demonstrações de alegria pela caça e pesca feliz ou a dramatização de qualquer evento que merecesse destaque, como os nas- cimentos e funerais. Além disso, os primeiros povos perceberam que o exercício corporal, produzindo uma ex- citação interior, podia levá-los a estados altera- dos de consciência. Acompanhadas por ruídos que tinham por fim exorcizar os maus espíritos, estas danças duravam horas ou mesmo dias, levando os seus praticantes a acreditar estarem entrando em contato com o poder dos deuses. As danças representavam um papel fundamen- tal no processo da Educação, na medida em que se faziam presentes em todos os ritos que pre- paravam os jovens para a vida social. Este fato evidenciava-se nas danças rituais a partir do culto, pois a religião era a única preocupação sistemática na educação primitiva A passagem acima, entretanto, nos mostra que o de- senvolvimento físico proporcionado pela dança pa- rece nunca ser desvinculado das questões religiosas, sociais e lúdicas. Fato que evidencia a dança como forma de atingir a totalidade do ser humano e não uma manifestação isolada, fortalecendo, assim, a tese acerca da importância da dança no processo de desenvolvimento da humanidade. EDUCAÇÃO FÍSICA 99 CARACTERÍSTICAS GERAIS DA DANÇA NA PRÉ-HISTÓRIA As características das danças primitivas expressa- vam os valores e a intencionalidade de cada uma delas. Uma das principais características presentes em todas as danças primitivas era a circularidade, ou seja, coreografias executadas em círculos. Che- valier (2003) explica a simbologia do círculo, mas, para isto, se remete ao significado do ponto, como podemos verificar no seguinte excerto: Em primeiro lugar, o círculo é um pontoes- tendido; participa da perfeição do ponto. Por conseguinte, o ponto e o círculo possuem pro- priedades simbólicas comuns: perfeição, ho- mogeneidade, ausência de divisão ou divisão... O círculo pode ainda simbolizar não mais as perfeições ocultas do ponto primordial, mas os efeitos criados; noutras palavras, pode simboli- zar o mundo, quando distingue de seu princí- pio [...] (p. 250). Esta ideia parece justificar a formação circular das danças primitivas. Acredita-se que a circularidade colocava todos os seus participantes em uma posi- ção de igualdade, participando/contribuindo para a concentração de energia no centro do círculo e abrindo um canal (portal) de comunicação entre os indivíduos e as suas divindades. Assim, o círculo ex- pressa os valores de uma sociedade que se fortalecia pelo coletivo, além de evidenciar a carga religiosa na organização social pela crença da interação entre o mundo físico e o divino por meio das danças. Além da formação circular, os movimentos dançantes eram significativos, ou seja, expressavam os sentimentos, por exemplo, de alegria e tristeza, como podemos conferir na passagem de Rengel e Langendonck (2006, p. 9): [...] quando sentia alegria em viver, os movimen- tos eram vigorosos e rápidos. A morte era mos- trada com movimentos pesados e muito lentos. As danças de plantio e colheita eram feitas ba- tendo-se os pés no chão e com gestos de mãos e braços que representavam os atos de espalhar a semente e recolher o alimento plantado. Estas características estavam de acordo com o tema das danças, os quais eram muito variados, mas que se destacam três: fecundidade e fertilidade; fúne- bres; danças de iniciação. • As danças de fecundidade e fertilidade es- tavam relacionadas à figura feminina como consequência da ideia de “mãe terra”. Essas danças se desenvolveram nas sociedades que desempenhavam atividades agrícolas. • Danças fúnebres tinham como propósito estabelecer um vínculo entre o mundo dos vivos e dos mortos com o intuito de pedir proteção à alma do falecido. O círculo é a for- mação estabelecida que tinha, em seu centro, um elemento, podendo ser um animal, ali- mentos ou qualquer outro item que favore- cesse a conexão entre os dois mundos. • Danças de iniciação eram de caráter ritualísti- co e executadas em cerimônias de circuncisão, da menarca e de casamentos. A intenção era a passagem de uma forma de viver para outra e, para isso, eram utilizados, como referencial, o nascer e o pôr do sol. Caminada (1999) ex- plica que essas danças eram, geralmente, exe- cutadas ao redor do fogo e com o rosto virado para o leste, por ser o lado relacionado ao fu- turo (o amanhecer), se opondo ao oeste, que remete à ideia do passado (o anoitecer). Essas características das danças primitivas não se per- deram com o passar dos tempos. Nas culturas subse- quentes, elas continuaram vivas e incorporaram novos valores, desenvolvidos, por sua vez, pelas estruturas que organizavam a vida dos sujeitos. Vejamos como isto aconteceu no período conhecido como Antiguidade. 100 A Dança na Antiguidade Ocidental EDUCAÇÃO FÍSICA 101 Sabe-se que a dança esteve presente em pratica- mente todas as civilizações antigas, mas a grega merece um olhar mais atento, pois é considerada “o berço da civilização ocidental”. Devemos aos gregos muitos dos costumes e valores que ainda hoje estabelecem a base de nossa sociedade. Entre as heranças que a Grécia nos legou, destacamos a filosofia, a arte e o esporte (Olimpíadas). Como veremos, a dança está relacionada a estes três seg- mentos que faziam parte da totalidade da socie- dade grega. Todos nós conhecemos um pouco da mitolo- gia grega. As produções cinematográficas se en- carregaram de nos apresentar alguns deuses, he- róis e narrativas que compunham a mitologia, por exemplo, os titãs, a guerra de Tróia, Hércules etc. A mitologia era muito importante na vida dos gre- gos, por meio dela, os valores educativos encon- travam as suas justificativas, explicando aquilo que era desconhecido aos gregos. Neste conjunto de conhecimentos, encontramos a explicação para o surgimento da dança! De acordo com a mitologia, Crono, o titã que reinava sobre o universo, com medo de ser destro- nado por seus filhos, os engolia assim que nasciam. Reia, a sua esposa, para proteger o caçula (Zeus), o escondeu em uma caverna em Creta e o deixou sob os cuidados das Ninfas e dos Curetes. Grimal (2010, p. 28) explica que os Curetes eram: [...] demônios turbulentos que tinham inventa- do o uso de armas de bronze e que passavam o tempo dançando e entrechocando lanças e escudos. Reia achava que a barulheira que eles produziam seria capaz de abafar os vagidos do bebê, impedindo Crono de descobrir o embus- te de que tinha sido vítima. Em outras versões do mito, foi Reia quem ensinou aos Curetes uma dança guerreira em que os dançari- nos batiam fortemente os pés no chão para produzir barulho e abafar o choro do bebê. Assim, indiferen- temente da versão, é importante observarmos que o nascimento de Zeus, o deus dos deuses, é acompa- nhado pela dança, o que revela a sua importância na sociedade grega. Os mitos eram transmitidos oralmente pelos aedos e rapsodos, poetas ambulantes que declama- vam epopeias de cidade em cidade. O grande poe- ta da Antiguidade é Homero, considerado o autor de Ilíada e Odisseia, as quais propagavam o ideal de indivíduo a ser formado pela sociedade. Em suas narrativas, são encontradas várias menções sobre a dança, como fica-nos evidente na seguinte passagem de Caminada (1999, p. 49): O grande poeta épico Homero foi o principal informante de quanto se conhecia ao tempo da civilização micênica, sucessora da minóica, so- bre rituais muito antigos; nessas narrações des- tacam-se músicas, cânticos e danças de aqueus e feácios, em luta contra Tróia, cinco séculos antes de os cantores ambulantes, que recitavam poemas heróicos, terem composto seus versos em hexâmetros. Esses costumes cretenses, reco- lhidos pela tradição, foram mencionados como sendo plenos de frescor e beleza. Das danças de Dédalo e Ariadne participavam crianças e ado- lescentes, utilizando como formação não só fi- leiras mais elaboradas, tais como o movimento serpentino, tão absolutamente associado ao la- birinto. Nas Ilíada e na Odisséia, encontram-se várias referências a danças bélicas, funerárias, agrícolas, nupciais e astrais, ainda segundo a narrativa de Homero; também a poetisa da ilha de Lesbos, Safo, mencionava danças de mulhe- res cretenses em volta de altares. 102 Entre todas as menções da dança na sociedade gre- ga, a sua relação mais estreita é com o deus Dioniso. De acordo com Grimal (2010), Dioniso representa a personificação dos poderes da vinha e do vinho. O deus do vinho era filho de Zeus e da mortal Sêmele. Esta, por ciúmes de suas irmãs, foi induzida a pedir a Zeus que se apresentasse a ela em toda sua glória, assim como ele se revelava a Hera, a sua esposa. Zeus cedeu ao pedido da amante e surgiu em meio de raios e relâmpagos, o que provocou a morte de Sêmele. Zeus retirou a criança de seis meses que ela carregava em seu ventre e a costurou em sua própria coxa, onde Dioniso permaneceu até o final da gesta- ção. Mas, com receio da fúria de Hera, Zeus enviou a criança para um lugar longe da Grécia – o país de Nisa – onde o bebê foi criado pelas Ninfas, sob a for- ma de um cabrito (bode) e, assim, esse filho de Zeus descobriu a videira e o vinho. Mas Hera soube de tudo e provocou em Dioniso a loucura que o impulsionou a uma desordenada corrida pelo mundo, que só teve fim quando a deusa Cibele o livrou da loucura. Desde então, Dioniso inicia as suas conquistas viajando por vários lugares acompanhado por um cortejo de demônios femininos e masculinos, de- nominados bacantes. São várias as representações iconográficas do cortejo de Dioniso e os rituais em sua homenagem, como o de Bouguereau (Figura 2), na qual podemos observar as mênades,ou bacantes, dançando nuas e seminuas; Sileno (fundo esquerdo da pintura) montado em seu burro, sendo apoiado pelos sátiros. As sacerdotisas de Dioniso, mênades, realiza- vam rituais em homenagem ao deus, rituais esses que as relacionavam à selvageria, pois, durante os cultos, elas dançavam livremente, em concordância com as forças da natureza. O estado de êxtase que as acometia fazia com que os demais as consideras- sem violentas, o que se justificava por suas práticas ritualísticas que incluíam derramamento de sangue. As mênades dançavam nuas em volta de fogueiras e jogavam cinzas sobre os seus corpos, além de come- rem carne crua. Figura 2 - A juventude de Baco Fonte: Wikimedia ([2019], on-line)2. EDUCAÇÃO FÍSICA 103 As seguidoras de Dioniso se refugiavam no alto das montanhas para realizarem os seus rituais longe dos olhos da sociedade. Fischer (1987, p. 49) explica que o comportamento das mênades expressa uma mudança social: Na medida em que os homens se vão separando cada vez mais da natureza, na medida em que a unidade tribal vai sendo gradualmente destru- ída pela divisão do trabalho e pela propriedade privada, o equilíbrio entre o indivíduo e o mun- do exterior vai sendo cada vez mais perturba- do. A falta de harmonia com o mundo exterior conduz à histeria, aos transes, aos acessos de loucura. A postura característica das mênades ou bacantes – corpo arqueado, a cabeça jogada para trás, é a postura clássica da histeria. Como podemos verificar, a dança das adorado- ras de Dioniso expressa uma situação interior, um sentimento provocado por uma situação exterior (social), que se materializava nos movimentos his- téricos dançados por elas. Esta questão parece ser consenso entre os pesquisadores, pois Caminada (1999, p. 49) expõe um pensamento muito próximo ao de Fischer: A postura característica das mênades ou bacan- tes (possessas) – o corpo arqueado e a cabeça jogada para trás –significava a postura clássica da histeria provocada pela falta de harmonia com o mundo exterior, destruída pela divisão do trabalho e pela propriedade privada, ao se dar a ruptura com a unidade tribal anterior. A dança não estava ligada a Dioniso apenas pelas mênades. Os ritos em homenagem ao deus eram compostos por música e dança e eram conhecidos como ditirambos. São escassos os documentos acer- ca dos ditirambos, mas sabe-se que este termo pode ter a sua origem no próprio nome Dioniso, sendo uma de suas variações. Os ditirambos compõem um corpus poético, dedicado ao deus do vinho, os quais evidenciam a existência de danças corais direcio- nadas pelo arrebatamento das paixões, com movi- mentos de instabilidade devido ao efeito do vinho. Caminada (1999, p. 49) explica que: O ritual ditirâmbico compunha-se de uma dança de saltos, acompanhada de movimen- tos dramáticos e dotada de hinos apropriados. Muita pantomima era executada pelo coro de dançarinos, vestidos com pele de bode, numa alusão à ressurreição do deus bode; seus líde- res trabalhavam sobre uma história completa a cujas danças foram acrescentados improvisos. Nos ditirambos, encontramos a origem do teatro grego, tanto a tragédia como a comédia. O teatro era considerado o principal meio de formação do indi- víduo grego. Nas peças trágicas, eram encenadas as condutas dos heróis e o fim trágico para aqueles que infringissem o desejo dos deuses, os quais eram vin- gativos e puniam impiedosamente aqueles que os de- safiavam. As comédias, consideradas inferiores às tra- gédias, tratavam, geralmente, de questões políticas e personagens públicos, satirizando-os. Falavam sobre assuntos sérios de forma cômica. Mas por que esta- mos nos reportando ao teatro? Porque ele e a dança são duas linguagens artísticas que o tempo fez com que seguissem os seus próprios caminhos, mas, na gê- nese, compunham intrinsecamente a arte mimética. As apresentações de teatro aconteciam durante as festas em homenagem a Dioniso que, conforme Berthold (2008), tiveram a sua origem na época de Péricles e eram conhecidas como as Grandes Dio- nisíacas, ou Dionisíacas Urbanas, e as Rurais. As urbanas, que tinham a duração de seis dias, eram 104 festividades que abarcavam o âmbito religioso, inte- lectual e artístico de Atenas. Podemos compreender um pouco mais essas festas quando Berthold (2008, p. 103) explica que, na origem do teatro ocidental: [...] encontram-se nas ações recíprocas de dar e receber que, em todos os tempos e lugares, pren- dem os homens aos deuses e os deuses ao homem: elas estão nos rituais de sacrifício, dança e culto. Para a Grécia homérica, isso significa os sagrados festivais báquicos, menádicos, em homenagem a Dioniso, o deus do vinho, da vegetação e do cres- cimento, da procriação e da vida exuberante. Seu séquito é composto por Sileno, sátiros e bacantes. Os festivais rurais da prensagem do vinho, em de- zembro, e as festas das flores de Atenas, em feve- reiro e março, eram dedicadas a ele. As orgias de- senfreadas dos vinhateiros áticos honravam-no, assim como as vozes alternadas dos ditirambos e das canções báquicas atenienses. Vemos que, a partir de rituais místicos e festivida- des consagradas pela tradição antiga, desenvol- veram-se manifestações artísticas com caráter de “espetáculo”: estamos nos referindo às danças tea- trais. Como a própria denominação já nos indica, as danças teatrais surgem conjuntamente com o teatro grego (tragédia e comédia), com destaque a Ésquilo (525-426), considerado o primeiro grande tragedió- grafo grego. Ésquilo é importante para a história das danças teatrais devido ao papel que elas tinham no desenvolvimento de suas peças, como fica-nos explí- cito na passagem de Caminada (1999, p. 50): [...] foi diretor de coros, mestre de danças pro- fissional e, sob esse aspecto, privilegiou até as partes cantadas e dançadas; contudo, logrou aumentar as representações em suas peças e introduziu mais dois atores; fez também pro- gredir a dança trágica. Desenvolvendo grande variedade de posturas e movimentos. A dança na Antiguidade, no entanto, se destacava devido ao seu caráter educativo, tanto na perspecti- va intelectual como física, pois não podemos esque- cer que as riquezas daquela época eram provenientes das guerras, que requeriam corpos saudáveis, ágeis e fortes, os quais poderiam ser conquistados com o auxílio da prática da dança. As danças guerreiras cumpriam muito bem este propósito, as quais “[...] faziam parte dos treinamentos militares. De difícil execução, tinham movimentos muito atléticos. Sa- bemos que os dançarinos usavam, em algumas des- sas danças, saltos muito altos e máscaras” (RENGEL; LANGENDONCK, 2006, p.13). A relação entre a dança e a educação grega é pos- sível de ser investigada por meio do grande legado que os gregos nos deixaram, a filosofia. De acordo com Rengel, para Sócrates (470-399 a. C.) “[...] a dança formava um cidadão completo e nunca era tarde para se aprender a dançar” (RENGEL; LAN- GENDONCK, 2006, p.12). No entanto, é com o dis- cípulo de Sócrates, Platão, que se evidencia a impor- tância da dança na formação do cidadão. Ela aparece em algumas obras do filósofo, mas, no livro II de As Leis, a relação entre a dança e a educação é nítida. A discussão, que procura definir o que é educa- ção, apresenta as relações entre prazer/dor e a dis- ciplina destas sensações. Neste momento, a dança é abordada da seguinte maneira: [...] quase sem exceção, todos os indivíduos jovens são incapazes de conservar seja o cor- po, seja a língua imóveis, estando tais jovens sempre procurando incessantemente se mo- verem e gritarem, saltando, pulando e se deli- ciando com danças e jogos, além de produzi- rem ruídos de todo tipo. Ora, enquanto todos os outros animais carecem de qualquer senso de ordem ou desordem nos seus movimentos EDUCAÇÃO FÍSICA 105 que chamamos de ritmo e harmonia, a nós, os próprios deuses, que se prontificaram a ser nossos companheiros na dança, concederam a agradávelpercepção do ritmo e da harmonia, por meio do que nos fazem nos mover e con- duzir nossos coros, de modo que nos ligamos mutuamente mediante canções e danças; e o nome coro provém do júbilo que dele extraí- mos (PLATÃO, As Leis, II, 653e- 654b). Podemos perceber que, para os gregos, era inacei- tável a separação entre educação e religião, portan- to, os elementos que constituíam os rituais, como a dança, o canto e a poesia, eram entendidos como elementos educativos à formação dos indivíduos para estes exercerem as suas funções sociais (vida pública) na polis. Quando o centro do mundo antigo se desloca da Grécia para Roma, a dança deixa de ter o mes- mo papel social. Caminada (1999) atribui este fato à própria característica dos romanos, ou seja, a ra- cionalidade e a intelectualidade constituíam uma barreira para o desenvolvimento da imaginação e do estado de êxtase. A autora menciona que “quando Cícero afirmava que ‘quase todas as pessoas que se consideravam sérias não dançavam’, nada mais fazia do que interpretar um temperamento e uma manei- ra de entender a existência, peculiar àquele povo” (CAMINADA, 1999, p. 61). O temperamento do sujeito romano pode ser compreendido por meio dos espetáculos mais apre- ciados por eles: as lutas de gladiadores. Os roma- nos enchiam as arenas para assistir a estes eventos, expressando o espírito conquistador que tornava a morte um espetáculo. No entanto, isto não significa que as danças foram banidas daquela sociedade, elas continuaram a se desenvolver de acordo com as ca- racterísticas deste povo. Em relação ao teatro, é importante lembrar que o romano se mantém inserido na perspectiva de um Es- tado militar característico do seu império. Neste senti- do, o teatro assumiu o novo caráter político do Estado. Este povo racional, técnica e organizadamente tão bem dotado, deve ter achado bastante na- tural aplicar aos arranjos de suas cerimônias religiosas a mesma resoluta determinação que distinguia suas expedições militares. O teatro de Roma fundamentava-se no mote político panem et circenses – pão e circo – que os esta- distas astutos têm sempre tentado seguir (BER- THOLD, 2008, p.139). A autora explica que os teatros se mantiveram, mas o espírito que os movia se distinguia completamente do grego, pois não eram mais palco dos poetas, mas sim, de exibições violentas. Servia de palco aos jogos de gladiadores e às lutas de animais, para combates navais, espe- táculos acrobáticos e de variedades. Quando a perseguição aos cristãos se iniciou com Domi- ciano, o sangue humano correu aos borbotões do Coliseu, no mesmo local onde multidões de cinquenta mil pessoas aplaudiam os atletas e os atores de mimos e de pantomimas. Seu teatro era o espelho do imperium romanum – para melhor ou para pior, e era muito mais um show business organizado do que um lugar dedicado às artes (BERTHOLD, 2008, p.140). É com este cenário que a dança finaliza, em tese, a sua evidência como elemento constitutivo do indi- víduo e da sociedade. O seu caráter religioso, educa- tivo e político passa a ser condenado, e a sociedade medieval empenha-se em eliminá-la das práticas humanas, mediante a alegação de que ela aproxima- va as pessoas do pecado. Assim, passamos estudar a dança na Idade Média. 106 A Dança na Idade Média e no Renascimento: da Proibição à Arte Fonte: Wikimedia ([2019], on-line)3. EDUCAÇÃO FÍSICA 107 A Idade Média não foi um período muito promissor para o desenvolvimento da dança. O sujeito medie- val acreditava que a felicidade plena consistia em sua aproximação com Deus, o que não poderia ser al- cançado em vida. Para isto, era preciso uma vida não pecaminosa, o que tornava o corpo um obstáculo à salvação por ser veículo do pecado, principalmente, os da gula e luxúria, os pecados corpóreos. O cami- nho para o indivíduo se distanciar das tentações e se aproximar de Deus era o controle racional de seus desejos. O corpo e as suas manifestações se opõem a este ideal e passam a ser condenados neste período. Na Idade Média, a dança atravessará um perío- do marcante, onde as características espontâneas das danças pagãs serão fortemente combatidas pelos cânones eclesiásticos, por haverem tido seu cordão umbilical ligado aos ritos e cerimônias ar- caicos, que deixaram arraigados fortes costumes da tradição pagã (BERTONI, 1992, p. 48). Assim, o teatro e a dança entram em um período de pouco desenvolvimento. O caráter ritualístico da dança, presente em toda a Antiguidade, deixa de ser considerado, mas isto não significa que ela deixou de ser praticada. No início da Idade Média, para a conso- lidação do cristianismo, foi necessário um movimen- to de oposição à cultura pagã, desta forma, a Igreja: [...] proibiu toda e qualquer manifestação cor- poral, vinculando a dança ao pecado. Mais tar- de, felizmente, a dança reapareceu nas festas comemorativas dos santos, em grandes procis- sões que começavam dentro das igrejas e saíam às ruas. Pouco a pouco, o caráter litúrgico foi desaparecendo e a dança, por algum tempo, tornou-se uma distração popular. Por volta do século XII, foi introduzida nos castelos e nas festas da nobreza (RENGEL; LANGENDON- CK, 2006, p.16). Durante esse período, o posicionamento da Igreja era impreciso, pois quando as danças tinham cará- ter religioso, eram aceitas, quando não, abominadas. Como explica Bertoni (1992, p. 48), “a Religiosidade Cristã acolherá a Dança na concepção formal de sua Liturgia, como um ‘patrimônio Cultural’, no entan- to, moldando-a dentro dos parâmetros conceituais e retóricos da Igreja”. Assim, a dança medieval era dividida em sacra e profana. As danças sacras tinham um lugar reservado den- tro das próprias igrejas, como explica Ossona (1988, p. 61): “[...] em algumas catedrais da Idade Média, havia um lugar sob a porta que apontava para o Ocidente denominado ballatoria ou choraria, que era reservado para dança”. Ali os fiéis dançavam para honrar a Deus. No entanto, diante de vários obstáculos impostos pela Igreja, a dança sacra não foi inserida na liturgia cristã. Paralelamente, pode-se encontrar várias evidên- cias de danças populares que sobreviveram às proibi- ções da Igreja, entre elas, as que mais se destacam são a Carola – dança de roda – e o Tripudium – dança sem contato físico e executada em três tempos. Es- sas danças eram praticadas por qualquer pessoa em momentos de festas e comemorações. O fato de elas terem sobrevivido às imposições religiosas pode ser atribuído ao gosto que os medievais tinham por elas, como explica Pernoud (1996, p. 190, grifo do autor): Depois do espectáculo, seja de que género for, a distracção preferida na Idade Média é a dança. Não há banquete que não seja seguido por um baile: danças dos donzéis nos castelos, carolas aldeãs, rondas em torno da árvore de Maio; ne- nhum passatempo é mais apreciado, sobretudo pela juventude: romances e poemas fazem-lhe frequentes alusões. Aprecia-se a mistura de cantos e de danças, e certos refrães servem de pretexto para bailar e cantarolar, tal como as fogueiras de São João para saltar e fazer ronda. 108 Isto nos faz pensar na necessidade de entender os fatos históricos sem posicionamento radical. Mesmo diante de uma situação que, aparentemente, é geral, podem existir movimentos opostos que devem ser considera- dos. Este é o caso do jogral, personagem que foi mui- to importante para a conservação da dança durante o período de sua repressão pela Igreja. Este era um ar- tista itinerante que desempenhava várias habilidades, como as de cantor, dançarino, poeta, ator e ilusionista. Caminada (1999, p. 73) explica que “[...] foi ele que, perambulando de terra em terra, manteve vi- vas muitas tradições e as expandiu, apresentando-as inclusive a povos para quem a arte da dança e seus motivos aparentemente foram estranhos”. Figura 3 - Psalterium Caroli VIII regis Fonte: Wikimedia ([2019], on-line)4. Esses artistas estavam presentes emtodos os acon- tecimentos festivos da nobreza, como nascimentos e casamentos, e também nas feiras e festas popula- res. Assim, divertindo todos os segmentos sociais, os jograis: [...] exibem os seus talentos, desde os que reci- tam, ao som do alaúde ou da viola, fragmentos de canções de gesta, até aos simples lutadores que, com as suas carantonhas, acrobacias e malabarismos, atraem um círculo de pacóvios; por vezes efectuam pantominas —antepassa- dos de Tabarin —, mostram animais inteligen- tes, ou fazem equilíbrio sobre uma corda esti- cada a alturas impressionantes (PERNOUD, 1996, p.190). A partir do século XI, observa-se um movimento que ficou conhecido como dançomania, que tinha como princípio uma perspectiva pessimista. Esse movimento, que faz parte das manifestações folclóri- cas medievais, pode ter se desenvolvido porque “[...] a segurança obtida pela Igreja Católica levou a um óbvio relaxamento dos costumes e, com isso, reavi- varam diversas práticas folclóricas, inclusive a dança” (FARO, 2011, p. 35). As danças que faziam parte do movimento eram a dança do Flautista de Hamelin, a Tarantela, a Dança Macabra e a Dança de Vito. A dança do Flautista de Hamelin, também co- nhecido como o Flautista Mágico, é decorrente do conto dos irmãos Grimm. De acordo com o conto, a cidade de Hamelin foi invadida por ratos que tudo destruíam, e os moradores, sem êxito nenhum, em todas as tentativas de se livrarem dos ratos, pro- meteram uma recompensa para quem conseguisse limpar a cidade daqueles animais. O problema foi resolvido por um flautista que, ao tocar uma suave melodia, hipnotizou os ratos que o acompanharam até um rio, onde morreram afogados. EDUCAÇÃO FÍSICA 109 Os moradores, depois de se verem livres da pra- ga, negaram-se a pagar a recompensa ao flautista. Ele novamente tocou o seu instrumento, mas agora quem o seguiu foram as crianças da cidade, que nunca mais foram vistas por seus pais. Sobre a dança, Camina- da (1999, p. 75) conta que “[...] a dança do flautista de Hamelin impelia homens e crianças, que, levados por uma alucinação mórbida, saiam a pé carregando ramos e círios, até sofrerem sérias consequências ou morrerem de esgotamento, pelo esforço despendido”. A essência trágica contida na dança do Flautista de Hamelin traduzia o espírito de todas as danças agregadas no movimento da dançomania, assim como a Tarantela, que se desenvolveu na Itália do século XIII até o século XVIII. Essa dança, que hoje conhecemos como pertencente ao folclore italiano, se originou: [...] do torpor produzido pela mordida da ara- nha lycosa tarentula e, segundo consta, o movi- mento frenético tinha a propriedade de expelir, através do suor, o veneno do animal. A esta dan- ça deu-se o nome de “tarantela”, e tanto o nome da aranha quanto o da dança derivaram da ci- dade de Tarentum (CAMINADA, 1999, p. 75). Podemos verificar que a Tarantela é decorrente de um mal, mas não tem um fim trágico para os dan- çarinos, contrariamente, a dança torna-se condição da vida por proporcionar a eliminação do veneno da aranha. O mesmo sentido não está presente na dan- ça de São Vito, a qual recebeu a denominação devido a uma epidemia que acometeu as pessoas no século XIV e, posteriormente, no século XVI. As pessoas começavam a dançar freneticamente “[...] até cair, com a boca espumando, e morto de exaustão” (CAMINADA, 1999, p. 75). Sem enten- der a causa deste comportamento, acreditavam que era uma praga de São Vito, o santo protetor dos epi- léticos. O historiador John Waller (2008) investigou esses acontecimentos com o intuito de comprovar que foram reais e não apenas lendas. Reuniu vári- os documentos e escreveu o livro A time to dance a time to die: the extraordinary story of the dancing plague of 1518. A dança que melhor reflete o medo e a angústia que pairava no final da Idade Média é denominada de Dança Macabra. Sobre os sentimentos dos indi- víduos na Baixa Idade Média, Huizinga (1924, p. 22) menciona que: Nos fins da Idade Média, pesava na alma do povo uma tenebrosa melancolia. Quer se leia uma crônica, um poema, um sermão ou até um documento legal, a mesma impressão de tris- teza nos é transmitida por todos eles. Dir-se-ia que todo este período foi particularmente in- feliz, como se tivesse deixado apenas memória de violências, de cobiça, de ódio mortal e não tivesse conhecido outras satisfações que não fossem as da intemperança, do orgulho e da crueldade. A Dança Macabra torna-se expressiva no período do século XIV, quando a peste negra dizimou em torno de 30% da população europeia e, neste mo- mento, ocorreu uma grande produção iconográfica com o tema dessa dança. A ideia da dança macabra é o ponto central de todo um grupo de concepções associadas. A prioridade pertence ao motivo de três mortos e três vivos que se encontra na literatura france- sa do século XIII em diante. Três jovens nobres encontram subitamente três mortos que os hor- rorizam, lhes falam das passadas grandezas e os avisam de que o seu fim está próximo. A arte não tardou a tomar conta deste sugestivo tema (HUIZINGA, 1924, p.108-109). 110 Vejamos algumas dessas iconografias: Figura 5 - Bernt Notke. Danse Macabre in Tallinn Fonte: Wikimedia ([2019], on-line)6. Figura 4 - Dança Macabra na Basileia Fonte: Wikimedia ([2019], on-line)5. EDUCAÇÃO FÍSICA 111 Para entendermos a importância da dança enquan- to forma de expressar e de registrar as mudanças de os indivíduos entenderem a si próprios e como estão inseridos no mundo, faremos algumas obser- vações sobre as Figuras 4 e 5. Para isso, é importan- te, primeiramente, lembrarmos que a Idade Média era uma sociedade hierarquizada e as pessoas não contestavam a posição que ocupavam. Veja o que Le Goff (1989, p. 29) menciona: O dever do homem medieval era permanecer onde Deus o tinha colocado. Elevar-se era sinal de orgulho, baixar era um pecado vergonhoso. Era necessário respeitar a organização da socie- dade pretendida por Deus e essa organização estava de acordo com o princípio da hierarquia. Edificada sobre o modelo da sociedade celestial, devia reproduzir a hierarquia minuciosa dos an- jos e dos arcanjos que o monge oriental do século VI — traduzido posteriormente para o latim — conhecido pelo nome de Dionísio, o Aeropagita (Pseudo-Dionísio, para os historiadores moder- nos), descrevera nas suas obras. De acordo com o seu grau de cultura, sob uma forma erudita ou popular, o homem da Idade Média foi dionisia- no, adoptando uma concepção hierárquica da es- trutura do mundo. Todavia, a partir dos séculos XII e XIII, dá-se uma importante evolução nesse domínio e, ao lado de uma hierarquia vertical, aparece uma hierarquia horizontal, a dos «esta- dos» do mundo que terá como consequência, no final da Idade Média, a “dança macabra”. Essa sociedade hierarquizada era dividia em três ordens: dos oratores, belatores e laboratores. Duby (1994) explica que: • Oratores eram aqueles que deveriam rezar pela salvação de toda a sociedade e se consti- tuía pelos religiosos. • Bellatores eram aqueles que receberam a missão de proteger a sociedade, ou seja, são os guerrei- ros. Esta ordem era formada pelos nobres. • Laboratores eram todos os demais, que têm como destino prover a manutenção dos indi- víduos, ou seja, os camponeses. Os laboratores são aqueles que, pelo seu trabalho, procuram a nossa subsistência, os oratores são os que intercedem por nós junto de Deus, os bellatores são os que protegem as nossas cidades e defendem o nosso solo contra o exército que nos invade. Na verdade, o trabalhador (aqui a palavra vem em saxão) deve trabalhar para nos alimentar, o soldado deve lutar contra os nossos invasores e os servidores de Deus devem orar por nós e combater espiritualmente os inimigos invisíveis (DUBY, 1994, p. 126). Para os medievais, essa divisão foi estabelecida por Deus e, portanto, os oratores e bellatores eram os que mais estavam próximos do Senhor.Contudo, essa forma de compreender a sociedade apresenta- -se diferentemente nas imagens da Dança Macabra. Ao olharmos para as Figuras 4 e 5, podemos obser- var que o sentimento do fim dos tempos que pairava sobre o indivíduo medieval atinge todos os segmen- tos sociais, pois todos os sujeitos pintados são con- duzidos à morte por um esqueleto. As mãos dadas dos mortos aos vivos expressam que a vida é uma dança que tem o mesmo fim para todos, ou seja, a morte. Desta forma, pode-se en- tender que a hierarquia social medieval estava sen- do contestada, a desigualdade é anulada e eviden- ciada pela dança da morte, como explica Huizinga (1924, p. 109-110): Enquanto lembra aos espectadores a fragili- dade e a vaidade das coisas terrenas, a dança da Morte ao mesmo tempo prega a igualdade social tal como era compreendida na Idade Média, a morte nivelando as várias categorias sociais e profissões. 112 A Dança Macabra de Notke (Figura 5) recebe acompa- nhamento musical, o primeiro esqueleto (da esquerda para a direita) toca um instrumento que proporciona a constituição do cenário onde aconteciam as danças, as festas. Estas últimas, de forma geral, eram divididas em religiosas e pagãs, sendo que a dança sempre esta- va presente na segunda. Isto nos remete aos princípios educativos daquela época, que eram pautados na reli- gião cristã e condenava os costumes pagãos. Assim, podemos pensar a crítica dos costumes presentes naquela sociedade, pois observamos que, além dos nobres, os religiosos também estão partici- pando da dança, o que pode nos remeter a um des- vio de conduta dos clérigos, já que a primeira pessoa conduzida pelo esqueleto (Figura 5) é um papa, o qual é identificado pelas vestes litúrgicas e a férula (haste com uma cruz na extremidade superior). Seguindo o papa, Notke pinta um rei, que se identifica pela coroa e a espada, símbolo do poder temporal, e o globo com a cruz, símbolo do poder divino. Logo após o rei, observa-se uma nobre dama seguida por outros personagens da nobreza e do clero. Isto poderia justificar a compreensão da peste como um castigo de Deus à humanidade, principal- mente para os dirigentes da sociedade por causa do comportamento vicioso. Assim, a iconografia da Dança Macabra registra um determinado contexto social e a mentalidade cole- tiva de uma época. Desta forma, as danças medievais que compõem o movimento da dançomania aproxi- mam ideias macabras à dança, no entanto, tal carac- terística não é inédito do período, mas é resultado do: [...] antiqüíssimo e universal conceito de que a dança teria enorme poder de permitir a co- municação com os mortos, com o não menos antigo, de que os mortos se movimentam em alguma outra existência ou outro mundo, asso- ciado à ideia de que a aparição de um morto e sua dança poderiam significar um presságio, um aviso de que alguém vivo estava para mor- rer (CAMINADA, 1999, p. 74). A dançomania não foi a única forma de existência da dança no medievo, paralelamente às manifestações populares, observa-se o seu desenvolvimento nos meios aristocráticos. Neste ambiente, ela deixou o seu caráter ritualístico e religioso, passando a de- sempenhar uma função de entretenimento. O surgimento do feudalismo na Europa e todas as mudanças políticas e sociais que se seguiram às invasões bárbaras, sem dúvida tiveram parte importante na transferência das danças da pra- ça da aldeia para os salões da nobreza. E com essa transferência veio a diferença entre o que pertence à população menos favorecida e o que pertence ao grupo mandatário e minoritário que, abrigado em suas poderosas fortalezas, poderia permitir-se o uso da dança, não mais como manifestação ligada a um evento, mas como pura diversão (FARO, 2011, p. 34). As danças passaram a protagonizar os eventos mais importantes que reuniam a nobreza: os bailes. Elas ficaram conhecidas como danças da corte, que re- ceberam esta denominação devido ao local onde eram executadas, ou seja, na corte. A dança prati- cada pelos nobres e demais que com eles viviam se caracterizava por uma execução “[...] ao rés do chão, sem saltos, caracterizando-se por movimentos len- tos e deslizados, apresentava-se, no século XV, sem passos determinados e com aspecto de dança ceri- monial de deslizamento [...]” (GIFFONI, 1974, p. 4). Essas danças abandonaram a espontaneidade das modalidades populares, assumindo sequências coreográficas que exigiam o aprendizado por meio de um professor, o mestre-de-baile, figura que pas- EDUCAÇÃO FÍSICA 113 sou a ser indispensável no meio aristocrático. Desta forma, a dança passou a ser inserida como uma prá- tica educativa, pois era entendida como sinônimo de requinte. Giffoni (1974, p. 5) explica que as danças “[...] constituem lições práticas de boas maneiras, re- presentando valiosa contribuição para o refinamen- to de gestos e atitudes das crianças e adolescentes”. As principais danças da corte eram la gavotte, le minuet e la pavane. Elas tinham, em suas gêneses, ins- pirações populares que foram adaptadas ao requintado gosto da nobreza. Le minuet, ou o minueto, tornou-se a dança preferida de Luís XIV, o Rei Sol, personalidade de extrema importância para o desenvolvimento artís- tico da dança. A sua vertente teatral como conhecemos hoje, especificamente o balé clássico, se consolidou du- rante o reinado de Luís XIV. Para entendermos como a dança de entretenimento, a da corte, tornou-se espetá- culo, elevando-a à categoria de arte, direcionaremos o nosso olhar para este processo de transição. BALÉ: A DANÇA SE TRANSFORMA EM ARTE Para iniciamos a nossa abordagem, é importante entendermos que o balé não é sinônimo de dança, como muitas vezes parece ser. Bertoni (1992, p. 71) explica que: O Ballet é uma forma de expressão plástica e ciné- tica, desenvolvido através do corpo e para deter- minado número de pessoas, necessitando uma técnica de movimento específica. Sua linguagem é regida por determinadas formas estéticas e suas estrutura fundamenta-se na Teoria da Poética de Aristóteles (na estrutura do Drama). A autora afirma que essa arte utiliza a música como veículo condutor essencial e requer os seguintes ele- mentos externos: roteiro, libreto, cenário, adereços e iluminação. Um balé pode ser criado utilizando qualquer técnica de dança (clássica, moderna, con- temporânea). O nome tem a sua origem no termo italiano ballo, que significa baile, dança. É na Itália que, a partir do século XV, o balé começa a se cons- tituir como tal. Naquela época, os Médici eram uma importante família que cultivava o gosto pelas artes e foram os principais financiadores da arte renas- centista italiana. A nobre italiana Catarina de Médici se casou aos 14 anos com Henrique II da França, para onde se transferiu e se tornou rainha. Para divertir a corte francesa, Catarina levou bailarinos italianos, cons- tituindo, assim, o que podemos chamar de primeira companhia de dança, conhecido como Balé Cômico da Rainha. O primeiro espetáculo da companhia, montado na França, foi Circe. Contava a História do herói Ulisses que, com ajuda dos deuses, escapou da feiticeira Circe, que tinha o poder de transfor- mar as pessoas em animais e era capaz também de escurecer o céu, escondendo o sol atrás da lua. Até então a dança era quase exclusivamente masculina, mas no balé Circe algumas damas da corte aparecem e formam o que se pode chamar de primeiro corpo de baile da história da dança (RENGEL; LANGENDONCK, 2006, p.17). O espetáculo, apresentado em 15 de outubro de 1581, foi criado pelo italiano Baldassaro de Belgioso que, em solo francês, passou a se chamar Balthasar Beaujoieux. Os passos que compunham as coreogra- fias estavam de acordo com as condições dos baila- rinos que não recebiam treinamento técnico, mas o cuidado de Beaujoieux para que a sua criação fosse impecável contribuiu para a constituição posterior da técnica clássica. 114 A base da técnica clássica foi estabelecidano sécu- lo XVII, quando Pierre Beauchamp (1636-1704) criou as cinco posições dos pés pelas quais todos os passos do balé clássico são desenvolvidos e nos possibilitam entendê-lo como uma dança acadêmica, ou seja, com passos codificados conhecidos internacionalmente. Figura 6 - Posições de pés do balé Fonte: a autora. Faro (2011) lembra que a história do desen- volvimento do balé está relacionada a do ves- tuário porque as longas e pesadas roupas usadas na corte de Luís XIV dificultavam os movimentos verticais. O autor conta que a primeira bailarina a saltar foi Camargo que, em 1721, escandalizou a sociedade ao man- dar diminuir a sua saia, deixando à vista parte do seu pé. O autor conta que: A batalha entre as pesadas saias e a liber- dade muscular continuou até a Revolução Francesa, quando Mailot, modista da Ópera francesa, inventou a malha, que daria li- berdade de movimento a todos os artistas. A malha ganhou o beneplácito do papa, que aceitou seu uso nos teatros sob sua jurisdição, só insistindo em que elas fossem azuis para não sugerirem a perigosa cor da carne (p. 41). Fonte: adaptado de Faro (2011). SAIBA MAIS Desde de a gênese do balé, presente em Circe, per- cebe-se que o objetivo desses espetáculos, até então um entretenimento elegante do monarca e de toda a sua corte, relacionava-se com interesses sociais e po- líticos. Faro (2011, p. 37) explica que esses eventos: Também propiciavam ocasiões para o esbanja- mento de fortunas e, principalmente, possibilita- va a indecente adulação que a corte fazia ao rei. Os temas escolhidos eram geralmente mitológicos, e o rei sempre desempenhava o papel da divindade vencedora, adorada pela corte circundante. Esse gênero de espetáculo serviu até como uma propa- ganda nacionalista francesa, pois através dele se mostrava aos embaixadores estrangeiros o pode- rio francês. Os maiores cérebros artísticos da épo- ca contribuíram para esses espetáculos. Cenários, roteiros, músicos e roupas luxuosas eram pagos com o dinheiro que, sem dúvida, vinha dos es- corchantes impostos a que o povo estava sujeito. Desta forma, podemos pensar que o processo de desenvolvimento da dança como uma linguagem artística ocorreu sem desconsiderar o seu caráter utilitarista. A dança tinha como função evidenciar as diferenças sociais, bem como registrar, inclusive, aspirações políticas. Este é o caso do reinado de Luís XIV, que, ao impor aos artistas o seu gosto, cons- truiu um padrão de comportamento social que se tornou referência de conduta a toda a Europa. As- sim, o seu reinado representou um momento ímpar para o desenvolvimento da: [...] arte e cultura. Espelhando o absolutismo monárquico, o classicismo, com seu rigor for- mal, ditou normas para toda a civilização eu- ropéia. Esse rigor reflete o espírito de um so- berano que, desde a infância, sob a vigilância do cardeal ministro Jules Mazarin, desenvolveu apurado gosto pela arte, elegância e ostentação, tal como revela o Palácio de Versalhes, símbolo do período (PORTINARI, 1989, p. 65-66). EDUCAÇÃO FÍSICA 115 Luís XIV influenciou o desenvolvimento de prati- camente todas as linguagens artísticas, mas, em es- pecial, da música e da dança. O rei ficou conhecido como o Rei Sol, pois, quando ele nasceu, foi cunha- da uma medalha que o associava ao astro-rei pela frase “O Sol nascente da Galia”. Esta designação se consolidou com sua participação no Ballet La Nuit (A Noite), em 1653. Portinari (1989, p. 66) mencio- na que esse balé foi encenado quando o rei tinha 14 anos, o qual, com a sua aparência esguia e elegante, entrou em cena com um “[...] traje magnífico, plu- mas brancas, personificando o Rei-Sol que derro- tava as trevas. Tal personagem se tornaria símbolo permanente daquilo que foi como monarca”. Esta interpretação de Luís XIV aconteceu no final, e a en- trada do sol tinha a finalidade de trazer a salvação a uma casa em chamas. A sua interpretação consis- te em uma metáfora: o governo do Rei Sol tiraria a França das trevas. A cena do Ballet La Nuit pode ser visualizada logo no início de Le Roi Danse, filme francês de 2000, dirigido por Gèrard Cobiau, que expõe o relacionamento de Luís XIV com Jean-Ba- tiste Lully (1632-1687) e Molière (1622-1673). No filme de Corbiau, a cena da aparição de Luís XIV é antecedida por um diálogo entre o músico Lully e o rei. O músico traz um sapato com um salto mais alto do que o convencional e insiste para que Luís XIV o coloque, pois ele o tornaria mais alto, as- sim como deveria ser seu reinado. Lully - Venha! Eu tenho uma surpresa. Luís XIV - O sol subirá logo. Eu nunca estarei pronto. Lully - “Per favore”, uma surpresa real. Assim eles poderão vê-lo como nunca antes. O Senhor é teimoso como eu, mas, felizmente, curioso como eu. Uma boa falha, até mesmo em um rei. Lully - Um tipo de pequena plataforma pessoal. Um pequeno palco para levar consigo, de onde Sua Majestade pode dominar o mundo. Luís XIV - Você é louco! Eu nunca conseguirei dançar com isso. Lully - Eu mesmo os usei, para amaciá-los. São suaves, veja. E pense, com eles poderá sobressair- -se aos mais altos! Eu juro sobre a cabeça de mi- nha mãe, eu quero o melhor para você. Eu quero que eles babem com temor... O aclamem, porque assim eu poderia vê-lo feliz (LE ROI..., 2000). Como podemos verificar neste diálogo, Lully não está apenas se referindo à performance do rei como bailarino, mas expressa um ideal de governo. O mes- mo sucesso dos palcos deveria ser transportado ao trono. Na sequência do filme, o Rei Sol é elevado do subsolo ao palco por uma máquina, dando a impres- são de um movimento divino, como a aparição de um deus aos mortais. No centro de um círculo formado por artifícios luminosos, a roupa do rei reluzia o luxo e o esplendor dos bordados e adereços dourados que a compunham. À sua volta, bailarinos realizam movi- mentos que passam pelo solo, como um rastejar em torno do poder absoluto que crescia diante dos olhos de todos. Enquanto o rei mantinha uma postura estáti- ca, realizava movimentos com os braços em direção ao céu, que combinavam leveza e força. O poder de seus movimentos e a energia de sua expressão facial são acompanhados pela música de Lully que, ao estabele- cer o elo entre o audível e o visível, harmoniza a cena. A imagem de Luís XIV em sua representação do Rei Sol também é registrada pela pintura, por meio da obra de Stefano della Bella (Figura 7). Esta imagem nos mostra o rei com uma postura elegante, requin- tada. Os seus braços, levemente separados do corpo, ampliam o seu porte, mas as mãos acentuam a quebra da linearidade dos membros e expressam a delicade- 116 za e a polidez dos movimentos. As suas pernas estão cruzadas (quarta posição de pés do balé clássico) com os pés en dehors (voltados para fora). Essa posição, assim como a dos membros superiores, nos possibi- lita a compreensão do controle e da força, permeado pelo refinamento: ao mesmo tempo em as que as suas pernas estão separadas, ocupando um lugar maior no espaço, estão cruzadas, representado o pudor do comportamento civilizado; os pés, delicadamente voltados para fora, adquirem maior amplitude, pos- sibilitando melhor estabilidade, sendo esta a base de sustentação de Luís XIV. A conciliação entre força e fragilidade que a postu- ra do rei apresenta é acompanhada pelo seu traje na cor dourada, representando a força do Sol, mas também a preciosidade do ouro. Os adereços na forma do astro, com os seus longos e poderosos raios fundidos pela delicadeza dos contornos, estão espalhados por todo o figurino. É o Sol que se eleva na cabeça de Luís XIV, na forma de um chapéu cujo ponto mais alto tem plumas. Podemos concluir que o governo do Rei Sol é determi- nado pelo intelecto, cujo lócus é a cabeça, a qual tem, na sua base, a força e a energia do astro, sendo conduzi- da pela delicadeza, suavidade e beleza das plumas. A partir da descrição da cena do filme de Corbiau, e a breve análise da imagemdo Rei Sol, podemos des- tacar um dos principais elementos que estabelecerão a racionalidade da sociedade na corte de Luís XIV: a etiqueta. Em relação a ela, entendemos todas as regras de comportamento polido, incluindo, nesta esfera, as cerimônias que são regidas por convenções preesta- belecidas de comportamento. O rei é o maior repre- sentante do refinamento, é o exemplo a ser seguido por aqueles que almejam a ascensão na sociedade da corte. Elias (1983, p. 117-118) nos mostra que o pres- tígio e a posição social são mediados pelo comporta- mento de cada indivíduo. Figura 7 - Luís XIV Fonte: Wikimedia ([2019], on-line)7. A prática da etiqueta consiste, em outras pala- vras, numa autoapresentação da sociedade de corte. Através dela, cada indivíduo, e antes de to- dos, o rei, tem o seu prestígio e a sua posição de poder relativa confirmados pelos outros. A opi- nião social que forja o prestígio dos indivíduos se expressa através do comportamento de cada um em relação ao outro, dentro de um desem- penho conjunto que segue determinadas regras. Ao mesmo tempo, nesse desempenho conjun- to, torna-se visível imediatamente, portanto, o vínculo existencial entre os homens singulares e a sociedade na corte. Sem a confirmação de seu prestígio por meio do comportamento, esse prestígio não é nada. A importância conferida à demonstração de prestígio, à observância da eti- queta, não diz respeito a meras “formalidades”, mas sim, ao que é mais necessário e vital para a identidade individual de um cortesão. EDUCAÇÃO FÍSICA 117 Diante desse cenário, entendemos que a vida na corte é direcionada pela aparência e, para man- tê-la, é necessário que os indivíduos tenham um autoconhecimento que possibilite o domínio dos sentimentos, a ponto de tornar os seus atos apre- ciados por todos. A descrição do sujeito possui- dor desta habilidade é feita por Elias (2001, p. 121) como aquele que: [...] é senhor de seu gesto, de seus olhos, de seu semblante; ele é profundo, impenetrável; dissi- mula os maus serviços, sorri a seus inimigos, domina o seu humor, disfarça suas paixões, desmente seu coração, fala, age contra seus sen- timentos. Esta disciplina para o convívio em sociedade pode- ria ser adquirida pela observação do outro, mas tam- bém pelas regras que conduziam a arte. Consciente deste potencial, Luís XIV aplicou grande parte do tesouro real financiando a arte, como nos lembra Portinari (1989, p. 66): Cioso de comandar homens e formas de ex- pressão, ele criou uma série de instituições des- tinadas a promover e regulamentar as artes. E como o ballet o entusiasmava, a primeira, em 1661, foi a Académie Royale de La Danse. A criação dessa escola de dança não foi significati- va para o desenvolvimento da arte. O balé ganhou maior impulso com a criação da Académie Royale de Musique, em 1669, composta por uma escola de dança, a “[...] semente da futura Ópera de Paris. Di- rigida inicialmente por Pierre Perrin, essa Académie conheceu extraordinário desenvolvimento sob o co- mando de seu sucessor, Jean-Baptiste Lully, a partir de 1672” (PORTINARI, 1989, p. 66). Assim, inves- tindo na arte, Luís XIV propaga o modelo de com- portamento que passa a direcionar e a determinar a personalidade dos indivíduos e o seu ideal absoluto de governo. A dança como um espelho da sociedade não foi exclusiva da corte do Rei Sol, posteriormente, pode- mos observar que o balé passa por fases que corres- pondem ao contexto social onde ele se insere. Como exemplo, podemos destacar o período do balé ro- mântico e do balé clássico. De acordo com Faro (2011), o romântico é um dos principais períodos e se estende de 1820 a 1847. O autor explica que estes anos representam o apogeu do período que teve, como fundamentação, os ideais da [...] Revolução Francesa e cuja decadência ocorre após 1847, quando o balé romântico se transforma, na mão de gênios como Marius Pe- tipa, no balé clássico, o qual tem como primeira obra de importância uma remontagem russa de Paquita (p. 57). O balé romântico substituiu as narrativas mitológi- cas, acompanhando o espírito revolucionário pre- sente na arte no início do século XIX, que buscava romper os padrões rígidos do classicismo – princí- pio que tinha como inspiração os clássicos gregos e romanos. Faro (2011, p. 61) explica que: A palavra de ordem dos românticos era a li- berdade, o que, na criação artística, significa- va, principalmente, libertar-se dos grilhões do classicismo. A grande maioria da nova geração de artistas crescera durante a instabilidade da Revolução Francesa e do Império Napoleônico. Crescendo num mundo que ruía à sua volta, foram buscar dentro de si mesmos, dentro de seus ideais mais pessoais e íntimos, uma nova forma de expressão. Esta viria da imaginação, do talento e da inspiração desses artistas que, em virtude de uma nova era política, puderam voar livremente até maiores alturas. 118 A liberdade nos balés poderia ser observada nos temas que tratavam de questões sobrenaturais. Per- sonagens místicos que viviam em mundos paralelos estavam presentes nos balés românticos. Estes temas já eram percebidos anteriormente, mas, após a Re- volução Francesa e o enfraquecimento da Igreja, o sobrenatural dominou as composições artísticas. O desenvolvimento da técnica dos bailarinos e o avan- ço das produções de cenário e adereços caracteriza- ram os espetáculos do período e também foram as causas de seu declínio. O público acabou se cansando de cenários complicados e histórias arrebatadoras. E a esse cansaço se juntou a decadência do bailarino. O endeusamento das grandes bailarinas pela imprensa e pela literatura contribuiu para que o homem fosse relegado a um segundo plano, nada favorável ao balé (FARO, 2011, p. 84). Figura 8 - A Bela Adormecida Assim, encerra-se a fase do balé romântico e inicia-se a da sua vertente clássica. O grande nome deste é Ma- rius Petipa (1818-1910), russo, filho de um bailarino e de uma atriz, comandou por 42 anos o Balé Imperial Russo. As condições de vida na Rússia, naquela época, eram bem distintas da França e da Itália, o que propi- ciou o desenvolvimento do balé como arte teatral e não apenas como divertimento da nobreza. Faro (2011, p. 90) esclarece essas questões mencionando que: O sistema de vida na Rússia teria uma influência distinta sobre o balé, muito diferente do que na França. A época da Revolução de Outubro ain- da estava distante, e o balé não era apenas um divertimento do czar e de sua corte, mas uma arte teatral que pertencia à vida do povo russo. Ao mesmo tempo, as diversas convulsões polí- ticas por que haviam passado a França e a Itália no século XIX não atingiram a Rússia, pelo que não houve quebra de continuidade no trabalho. EDUCAÇÃO FÍSICA 119 Petipa se dedicou ao desenvolvimento da técnica exigindo o máximo de seus bailarinos para que eles atingissem um nível técnico primoroso. Utili- zava, com recursos didáticos, o estímulo da com- petição entre os bailarinos, os quais deveriam se preocupar com a qualidade e a quantidade, ou seja, não deveriam abandonar a tradicional técnica do balé romântico francês, mas tinham que acolher as inovações provenientes da inserção de habilidades pertencentes à outras artes, a exemplo do circo. Po- demos ilustrar essa ideia com o exemplo que Faro apresenta a respeito do equilíbrio que as bailarinas precisam ter sobre as pontas e os 32 giros fouettés que compõem as coreografias finais dos grandes balés clássicos que, hoje, para nós, são normais, “[...] mas que, na época, foram classificados como truques de circo” (FARO, 2011, p. 92). Petipa reunia esses elementos em uma fórmu- la que aplicava em todos os seus balés, mas com raras exceções, pois as suas composições apresen- tavam um divertissement, (diversão/divertimen- to), que é uma parte desnecessária ao enredo, mas cuja função é exibir as habilidades dos bailarinos: encerrava-se com uma grande festa apoteótica, na qual osheróis eram enaltecidos. Esses elementos foram a causa da exuberância das composições de Petipa, mas também contribuíram para o fim da era do balé clássico. Não precisamos ir mais longe para verificar- mos os fatores e as razões, ao mesmo tempo, do crescimento e da queda desse tipo de balé. Bailarinos de técnica cada vez mais primorosa, um coreógrafo de gênio que não soube parar quando devia, e uma nova fórmula que substi- tuía a do balé romântico, mas que, como todas as fórmulas, acabou deixando de agradar àque- la parcela de público que tem noção de que a arte morre se não evolui (FARO, 2011, p. 94). A decadência do balé clássico não significa o seu fim, mas sim, a abertura para o surgimento de uma nova proposta de dança que defendia a expressivida- de livre do rigor acadêmico. Estamos nos referindo à dança moderna, a qual abordaremos na sequência. 120 O Mundo Moderno Expresso na Arte de Dançar: Dança Moderna e Contemporânea As mudanças sociais presentes na moderni- dade alteraram o olhar do indivíduo para si mesmo e para o mundo em seu entorno. Isto provocou um movimento de oposição às pro- duções dançantes utópicas e instigou criações que contemplassem a liberdade expressiva dos corpos. Como consequência, surgem a dança moderna e a contemporânea. Vejamos cada uma delas separadamente. EDUCAÇÃO FÍSICA 121 DANÇA MODERNA A norte americana Isadora Duncan (1878-1927) é considerada a preceptora da dança moderna. Rebel- de desde a infância, não aceitava o rigor da dança acadêmica e, sob a inspiração da vertente grega, pro- pôs uma “dança livre”, como chamava a sua forma de dançar por não seguir nenhuma escola ou técnica específica, pois como Bourcier (2001, p. 248) mostra: A técnica lhe parece sem interesse: fazer gestos naturais, andar, correr, saltar, mover seus bra- ços naturalmente belos, reencontrar o ritmo dos movimentos inatos do homem, perdidos há anos, “escutar as pulsações da terra”, “obedecer à ‘lei de gravitação’, feita de atrações e repulsas, de atrações e resistências”, consequentemente, en- contra uma “ligação” lógica, onde o movimento não para, mas se transforma em outro, respirar naturalmente, eis seu método. Quanto aos temas de suas danças, inspiram-se na contemplação da natureza; será “onda, nuvem, vento, árvore”. Figura 9 - Isadora Duncan dança na praia Fonte: Wikimedia ([2019], on-line)8. Duncan foi a primeira bailarina a se libertar das sapa- tilhas de ponta, dançando de pés descalços, e a substi- tuir os apertados tutus por túnicas esvoaçantes, assim como as gregas. Para ela, a dança era um movimento interno, ou um movimento do espírito que deveria rejeitar a herança cultural em prol da liberdade. Aos 14 anos, a jovem bailarina torna-se professora em sua cidade natal – São Francisco – mas logo parte para Europa em busca do reconhecimento de sua arte. Duncan inicia a sua trajetória por Londres e Paris e, na sequência, faz uma turnê de oito anos pela Ale- manha, pela Europa Central e pela Rússia. Em 1905, a bailarina “[...] funda uma escola em Grünewald, nos subúrbios de Berlim: confia sua direção à irmã” (BOURCIER, 2001, p. 249). Em 1921, depois de pas- sar por Nova York e Paris, viaja para União Soviética e cria uma escola em Moscou, que é fechada em 1929. Em sua trajetória, propaga uma dança que preza pela: [...] volta às origens do ser como a redescober- ta da parcela de divindade que, acredita, todo homem carrega em si mesmo. Seus mestres de pensamento, Schopenhauer e Nietzsche, foram escolhidos em função desta profunda convic- ção: “Vim à Europa para provocar um renasci- mento da religião através da dança, para expri- mir a beleza e santidade do corpo humano pelo movimento” (BOURCIER, 2001, p. 251). A bailarina dos pés descalços, como ficou conheci- da, teve uma vida intensa, mas cheia de tragédias, assim como a sua própria morte. Em 1913, os seus dois filhos morreram afogados no rio Sena, em Pa- ris, e “a própria Isadora morrerá tragicamente em 1927, estrangulada pela sua echarpe que ficara presa na roda do automóvel em que passeava com Bugatti” (BOURCIER, 2001, p. 250). 122 A morte trágica, no entanto, contrasta com o le- gado que Duncan deixou para a dança. Ela não só lançou as bases para a estruturação de uma nova pro- posta de dança que se distanciava do rigor dos balés, a dança moderna, mas também contribuiu para a inovação das danças acadêmicas, direcionando-as ao que podemos denominar de balé moderno, por ter influenciado coreógrafos das grandes companhias de dança. Entre as personalidades da área que sofreram a influência de Duncan, podemos citar Fokine e Dia- ghlilev, sobre os quais Faro (2011, p. 101) menciona: Se muitos, por exemplo, consideram Michel Fokine “o pai do balé moderno”, por ter sido o coreógrafo que rompeu definitivamente com as regras até então vigentes, Diaghilev seria o homem que, como empresário e administrador, possibilitaria a emergência do balé moderno como organização concreta. Assim, o balé moderno, ou o movimento de reno- vação de sua vertente clássica, tem, como princi- pal local de desenvolvimento, o solo russo do iní- cio do século XIX. Fokine, Diaghlilev e Nijinsky são as personalidades que contribuíram para essa renovação, mas sem abandonar a técnica clássica. O desenvolvimento desse movimento possibilitou a criação de uma nova maneira de dançar, a qual ficou conhecida como dança moderna. Faro (2011, p. 142) explica que ela pode ser entendida como “[...] um pas- so adiante na liberdade preconizada por Diaghilev”. Rengel e Langendonck (2006) nos auxiliam a entender a dança moderna explicando que, além do abandono das sapatilhas de ponta, pode-se observar os movimentos com maior flexibilidade de tronco e a exploração dos movimentos no solo. Contrariamen- te às bailarinas clássicas, que objetivavam o distan- ciamento do solo, visivelmente pelo uso das pontas, as modernas o usam como colaborador de seus mo- vimentos, os quais ocorrem, frequentemente, com os bailarinos sentados, ajoelhados ou deitados. Esta característica em relação à execução da dança revela a mudança das ideias que orientavam as construções coreográficas. Os personagens principais deixaram de ser figuras mitológicas e passaram a ser sujeitos inseridos no mundo real, com os seus problemas e conflitos vivenciados no cotidiano. Esta nova forma de execução fez com que a dan- ça moderna fosse definida como primitiva, o que, no entanto, não deixa de ser verdade. Não primitiva no sentido de pouco desenvolvida, mas sim, como retorno à essência da dança, como fica claro na pas- sagem de Faro (2011, p. 142): A dança moderna é primitiva no sentido de que voltou aos essenciais, ou seja, ao início da dan- ça, liberada de artifícios como sapatos de ponta, tutus ou temas fantásticos. Ela procura ser não uma criação artificial fertilizada pela fusão de ideias literárias com as convenções vigentes na dança acadêmica, mas um meio através do qual o artista possa expressar seus anseios mais de acordo com a vida do homem atual, seja numa forma específica ou de maneira comparativa. Três pesquisadores contribuíram decisivamente para a efetivação da dança moderna: Delsarte, Dal- croze e Laban. Os seus estudos não formalizaram movimentos específicos de dança moderna, esta não era a preocupação deles. O objetivo era o estudo do movimento humano para a ampliação da consciên- cia do bailarino no momento da execução de seus gestos dançantes. Rengel e Langendonck (2006, p. 42) explicam que “[...] seus amplos estudos abran- giam bases de anatomia, ritmo, percepção do espa- ço, das sensações e dos sentimentos do corpo que se movimenta e dança”. EDUCAÇÃO FÍSICA 123 O resultado desses estudos proporcionou o apa- recimento de certa individualidade por parte dos bailarinos, a busca por movimentos que expressas- sem ideias e sentimentos fez com que as criações não fossem iguais, mas sim, o resultado da idiossincrasia de cada dançante. A relaçãoideia/sentimento/mo- vimento tornou os espetáculos de dança moderna mais intelectualizados, refletindo a própria caracte- rística dos coreógrafos: Os coreógrafos modernos parecem ser todos altamente intelectualizados, o que se reflete, sem dúvida, em seus trabalhos, muitos dos quais são uma tentativa de colocar diante do público seus próprios problemas interiores. Nesse aspecto, eles estão em perfeita sintonia com a poesia e o romance dos nossos tempos. É o uso da arte além, da simples diversão, como manifestação do intelecto, através do qual se pretende aumentar o nível de experiência e de comunicação do intérprete ou da plateia (FARO, 2011, p. 148). Mesmo não tendo uma técnica específica, como os métodos acadêmicos de dança, alguns estilos da vertente moderna podem ser reconhecidos, como os de Martha Graham e Merce Cunningham. Esses estilos direcionam-se à preparação do corpo para a execução das criações coreográficas por meio de movimentos livres e, inclusive, utilizando elementos técnicos da dança clássica. Com quase um centená- rio do movimento que deu origem à dança moder- na, no entanto, alguns já consideram as perspecti- vas consolidadas como ultrapassadas. Faro (2011) menciona que a busca desenfreada pela inovação faz com que muitos, ao projetarem o seu olhar para o futuro, esqueçam que o futuro é consequência do passado e, ao tentarem esquecê-lo, estarão “[...] apagando as próprias bases da arte que dizem amar. E como nenhum edifício se sustenta sem alicerces, aquilo que constroem é, na maioria das vezes, um castelo de areia” (FARO, 2011, p. 151). Com esta ci- tação, Faro nos chama a atenção para a necessidade de entendermos a história. É o conhecimento desta que nos permite questionar o presente e caminhar para o futuro. Figura 10 - Dança moderna pela companhia Martha Graham Assim como Isadora Duncan, Martha Graham (1894-1991) é uma grande personalidade da dança moderna por ter influenciado pratica- mente todos os que vieram depois dela. [...] aperfeiçoou a sua técnica, que se baseia, principalmente, em dois movimentos: con- tração e descontração do abdômen. Esses movimentos trabalham todo o tórax e a res- piração, trazendo para a dança uma maior expressividade do tronco, o que repercute em todo o corpo (RENGEL; LANGENDONCK, 2006, p. 49). Fonte: adaptado de Rengel e Langendonck (2006). SAIBA MAIS 124 DANÇA CONTEMPORÂNEA Entramos, neste momento, em uma área ainda nebulosa. Sim, nebulosa porque a dança contem- porânea pode ser compreendida como tudo que se cria em nosso tempo, como nos mostra Faro (2011, p. 153): “é tudo aquilo feito em nosso tem- po, por artistas que nele vivem”. Isto se torna com- plicado porque estamos inseridos nesse processo, ele ainda está acontecendo, portanto, não há a possibilidade de distanciamento do olhar, o que permitiria a análise completa. Tudo aquilo que se fala e que se faz em dança contemporânea se re- fere a processos inacabados, a experiências cujos resultados são provisórios. Entre esses resultados provisórios, entretanto, já é possível identificarmos algumas características e tendências da dança contemporânea, ou melhor, pós-moderna. Caminada (1999, p. 453) nos possibi- lita entender o caminho que a dança está trilhando na pós-modernidade, vejamos: De uma maneira geral, pode-se admitir, como dança de vanguarda ou pós-moderna, aque- la que protesta contra o que está estabelecido, contra o mundo tal como ele foi construído e, consequentemente, também contra o homem, tal como ele hoje se apresenta. Nas últimas dé- cadas, a dança cindiu, negou, infringiu, sepa- rou, para, no fim, fundir todas as tendências estéticas, admitir todos os recursos técnicos, códigos, concepções de mundo e de vida, o Oriente e o Ocidente, o acadêmico e o mo- derno, a exaltação da técnica e sua completa negação, num retorno, muitas vezes, à dança entretenimento, sem, contudo, se distanciar da preocupação de integrar o mundo que o cerca. Assim, podemos entender que a dança contem- porânea não tem os seus limites estabelecidos por técnicas e temas, nem precisa ser estabelecida, ne- cessariamente, pela inovação. No entanto, o que se convencionou a entendermos por dança contem- porânea, na perspectiva artística, configura-se, de forma geral, por atender, exatamente, a esta falta de “limites”. Isto pode ser observado pela própria estru- tura das coreografias e dos espetáculos que, diferen- temente de outras linguagens dançantes, não eviden- cia a superioridade de uns bailarinos sobre os outros. A igualdade e a valorização das diferenças pa- recem ser algumas das questões que impulsionam a dança contemporânea. Tal aspecto fica-nos evidente quando Rengel e Langendonck (2006, p. 63) men- cionam que “[...] todos têm a mesma importância. Pode existir um solo ou um duo num espetáculo, porém não com esse sentido de hierarquia, de haver um bailarino ‘principal’, que dança melhor do que os outros”. A “democracia” presente na dança contem- porânea se estende aos espaços de apresentações, que deixam de ser, exclusivamente, os teatros. Ruas, shoppings centers e praças transformaram-se em palcos para receber bailarinos com diferentes bióti- pos que, na maioria das vezes, se opõem à “magreza” da bailarina clássica. Corpos atléticos, esguios e gor- dos se empenham na escrita de um novo capítulo na história da dança. É preciso, porém, reconhecer que, neste espaço insólito da dança contemporânea, nem tudo repre- senta uma nova perspectiva da arte de dançar. Faro (2011) atenta para o fato da existência de muitos “aventureiros” que, segundo ele: EDUCAÇÃO FÍSICA 125 [...] são pessoas de técnica e conhecimento de- veras incipientes que buscam, através de uma atitude agressiva, inscrever à força o seu nome no livro da dança. Em nome do contemporâ- neo, do atual, procuram demolir o trabalho mais acadêmico, declarando, peremptoriamen- te, que só eles estão em sintonia com o mundo moderno. E como as aplicações da dança vêm sendo cada vez maiores, essas suas necessida- des de expressão são coibidas, em boa parte, por seus parcos conhecimentos sobre as pró- prias bases dessa arte (p. 154). Neste sentido, não é difícil encontrar declarações de coreógrafos e bailarinos que se opõem ao balé clássico e às danças acadêmicas, de forma geral, sob a justifi- cativa de que essas linguagens não correspondem aos anseios dos sujeitos contemporâneos. A recusa total da técnica e do conhecimento construído historicamen- te na/pela dança para considerar somente a liberdade do movimento corporal, pode tornar-se um abismo para essa arte. É necessário estabelecer um equilíbrio entre a inovação e a liberdade para que as caracterís- ticas da dança não se percam, fazendo com que toda ou qualquer manifestação corporal seja erroneamente denominada de dança. Assim, não podemos esquecer as palavras de Faro (2011, p. 156) ao mencionar que: Um bom balé, tal como um bom conto, uma boa música ou uma boa peça, deve aguçar nos- sa vontade de voltar a vê-lo outras vezes. E, cada vez que o virmos, haverá sempre uma renova- ção das emoções que devem ser despertadas. A arte imediatista é como um panfleto político: a gente lê, amassa e joga fora. Entre aqueles que se dedicam a pesquisar e a cons- truir um trabalho consistente em dança contem- porânea, podemos nominar duas personalidades que ilustram a seriedade nessa nova vertente: Pina Bausch (1940-2009) e Deborah Colker. Figura 11 - Cravos, por Pina Bausch Fonte: Wikimedia ([2019], on-line)9. 126 Pina Bausch é expoente no que conhecemos como dança-teatro, cuja proposta é a intensificação da expressividade por meio da inter-relação entre movimento, música e texto (palavras). A bailarina e coreógrafa alemã expõe trabalhos que represen- tam bailarinos como pessoas comuns que andam pelas ruas, riem, gritam e, hora ou outra, se de- param com situações inusitadas. Pina Bausch de- monstra grande interesse na reação do público e, para observá-la,parece provocá-lo, colocando os seus bailarinos para executarem [...] várias vezes a mesma sequência de passos numa repetição exasperante que faz com que boa parte do público, ao final de três ou qua- tro horas de espetáculo, se levante e saia do teatro. Naturalmente, Bausch fica entre o pú- blico, prestando mais atenção às reações do que ao que acontece no palco (FARO, 2011, p.158). Assim como Pina Bausch, parece-nos que a brasi- leira Deborah Colker constrói as suas coreografias fundamentando-se no desafio. No entanto, o desafio em questão parece não estar centrado, no primeiro momento, na reação do público, mas nos limites dos bailarinos, que podem ser confundidos com atle- tas. A bailarina que parece brincar com os limites da gravidade, do corpo humano e da própria arte, ganhou reconhecimento internacional e apresentou a vários países a dança contemporânea brasileira. De acordo com a ideia de que as linguagens artísticas, dança e música, refletem o modo como os indivíduos pensam sobre si mesmos e o mundo em que estão inseridos, como podemos pensar a sociedade contemporânea por meio das letras e coreografias dos funks brasileiros? REFLITA Figura 12 - Coreografia de Deborah Colker para o Cirque du Soleil Fonte: Wikimedia ([2019], on-line)10. 127 considerações finais Chegamos ao final desta unidade. Podemos perceber que a dança expressa a essência da humanidade e se modifica conforme a vida se modifica. Os seres humanos mudam e ela assume novas características e novos obje-tivos, possibilitando a sua distinção, como artística, popular, educativa etc. Isto nos faz inferir que a dança, assim como os indivíduos, desempenha vários papéis sociais porque pode ser entendida como a própria extensão do ser humano. Os nossos mais remotos antepassados tinham a dança como ponto central de suas vidas, nela estavam depositados os seus conceitos de ser humano e de mundo, ou seja, um ser que possuía crenças, que organizava a vida coletivamente e que se constituía como tal pela comunhão do corpo e do espírito. Os questionamentos dos seres humanos sobre a sua existência levaram estes à criação de sistemas racionais de pensamento que, por sua vez, foram registrados nas danças gregas, as quais eram essenciais no processo formativo do sujeito pensante. Mesmo quando a dança parece ter sido banida da sociedade, ela continua repre- sentando o embate humano na busca pelo seu próprio entendimento. A sua negação, no medievo, não significa a sua inferioridade, mas, contrariamente, a sua forte pre- sença na constituição do indivíduo. Este precisa lutar contra a carne para se apro- ximar do divino, mas a sobrevivência da dança representa a impossibilidade desta anulação, pois tal relação (corpo e alma) é o que permite a sua denominação como ser humano. Embates como estes são atemporais, representam o desejo de conheci- mento e são eles que modelam as diferentes formas dançantes que surgem e desapa- recem em cada sociedade. Conhecer a história da dança nos possibilita olhar para o presente e questionar quem nós somos. Gostar ou não gostar das danças de hoje, é uma questão que extra- pola o âmbito do gosto, mas revela se estamos contentes ou não com a nossa socie- dade e os valores que a edificam. Portanto, agora que conhecemos um pouco de como os seres humanos dança- ram em outros momentos, convidamos você a refletir sobre como estamos dançando hoje e pensarmos o que essas danças revelam sobre nós. 128 atividades de estudo 1. A dança é uma manifestação humana que acompanha o ser humano desde os primeiros vestígios de sua existência, por isso, falar sobre a história da dança é falar da própria história da humanidade. O estudo da dança como um registro histórico pode nos revelar como os indivíduos pensaram sobre si mesmos e so- bre o mundo e como organizaram a vida coletiva em diferentes períodos históri- cos. Assim, em relação aos estudos da história e da história da dança, analise as afirmativas a seguir. I - O estudo do passado não tem o objetivo de trazê-lo para o presente. Os acontecimentos não podem ser deslocados de seu tempo, pois as ações são determinadas pela totalidade que envolve os indivíduos, e as necessidades coletivas são decorrentes da estrutura social. O estudo da história nos co- loca em contato com o que o historiador Marc Bloch denomina de “fundo permanente”, o qual contribui para a boa leitura da contemporaneidade e, em consequência, para a adoção do posicionamento ético/moral diante da sociedade. II - A pesquisa histórica se concretiza pela investigação de vestígios deixados pe- los nossos antepassados. A falta de vestígios (fontes) dificulta os estudos da história da dança e, consequentemente, dificulta compreendê-la em outras sociedades, fato que nos possibilita inferir que a dança, uma arte efêmera, não participou efetivamente da história da humanidade. III - A vida dos indivíduos na Pré-história dependia, quase que exclusivamente, das atividades corporais e, mesmo assim, eles gastavam energia dançando. Isto evidencia que a dança exercia uma função significativa naquela socieda- de e estava relacionada à religião, ao poder e ao condicionamento físico. IV - O sujeito primitivo acreditava que a dança era um veículo de comunicação entre eles e os seus deuses. A sua execução ocorria por meio da formação circular, pois acreditavam que a circularidade colocava todos os seus partici- pantes em posição de igualdade, participando/contribuindo para a concen- tração de energia no centro do círculo, abrindo, desta forma, um canal (por- tal) de comunicação entre os indivíduos e as suas divindades. Assim, o círculo expressava os valores de uma sociedade que se fortalecia pelo coletivo, além de evidenciar a carga religiosa na organização social pela crença da interação entre o mundo físico e o divino, o qual se manifesta pelas danças. É correto o que se afirma em: a) I e II, apenas. b) II e III, apenas. c) I, apenas. d) I, III e IV, apenas. e) I, II, III e IV. 129 atividades de estudo 2. Devemos aos gregos muitos dos costumes e valores que ainda hoje estabelecem a base de nossa sociedade. Entre as heranças que a Grécia nos legou, destaca- mos a filosofia, a arte e o esporte, sendo que a dança se relacionava com estes três segmentos constituintes da totalidade na sociedade grega. No entanto, para a consolidação do cristianismo na Idade Média, foi necessário um movimento de oposição à cultura pagã e, assim, manifestações como o teatro e a dança deixaram de ocupar o papel social que tinham na Antiguidade. Sobre a dança, nestes dois períodos históricos, Antiguidade e Idade Média, analise as afirmativas a seguir. I - A mitologia era muito importante na vida do grego porque era por meio dela que os valores educativos encontravam as suas justificativas, explicando aquilo que era desconhecido a ele. Neste conjunto de conhecimentos, en- contramos a explicação para o surgimento da dança, a qual estava relaciona- da ao nascimento de Zeus, o deus dos deuses, identificando a importância da dança para aquela sociedade. II - As sacerdotisas de Dionísio, as mênades, realizavam rituais em homenagem ao deus, nos quais dançavam livremente, em concordância com as forças da natureza. O estado de êxtase que as acometiam fazia com que os demais as considerassem violentas, fato justificado por suas práticas ritualísticas, as quais incluíam derramamento de sangue. As mênades dançavam nuas em volta de fogueiras e jogavam cinzas sobre os seus corpos, além de comerem carne crua. O seu comportamento expressava uma mudança social que cau- sava uma situação interior, provocada por um fator exterior (social), materia- lizado nos movimentos histéricos dançados por aquelas mulheres. III - As danças teatrais surgem posteriormente ao teatro grego, o que revela a sua inferioridade educativa frente ao desenvolvimento intelectual. A dança fazia parte da formação física, pois não podemos esquecer que as riquezas daquela época eram provenientesdas guerras, as quais, por sua vez, reque- riam corpos saudáveis, ágeis e fortes, e estes poderiam ser conquistados com o auxílio da prática das danças guerreiras. IV - A partir do século XI, observa-se um movimento que ficou conhecido como dançomania, cujo princípio era a perspectiva otimista em relação à dança, opondo-se à sua negação dos séculos anteriores. As danças que faziam parte desse movimento eram a dança do Flautista de Hamelin, a Tarantela, a Dança Macabra e a Dança de Vito. Mas a dança que melhor reflete este movimento é a Macabra, mais expressiva no século XIV, quando a peste negra extinguiu em torno de 30% da população europeia. É correto o que se afirma em: a) Apenas I e II. b) Apenas II e III. c) Apenas I. d) Apenas I, III e IV. e) Nenhuma das alternativas está correta. 130 atividades de estudo 3. No final da Idade Média, a dança perde o seu caráter ritualístico e passa a ocupar importante papel nos eventos sociais da aristocracia. Essa dança ficou conhecida como dança da corte e deu origem, posteriormente, ao balé clássico. A partir de então, podemos observar o desenvolvimento da dança artística e o surgimento de linguagens dançantes, como as danças moderna e contemporânea. Em rela- ção a estas últimas, analise as afirmativas a seguir. I - Um balé pode ser criado utilizando qualquer técnica de dança (clássica, moderna, contemporânea). Habitualmente, o associamos à técnica clássica de dança, a qual foi estabelecida no século XVII, quando Pierre Beauchamp (1636-1704) criou as cinco posições dos pés. A origem destes espetáculos vincula-se ao entretenimento do monarca e da sua corte, mas atendia tam- bém a interesses sociais e políticos. Este é o caso de Luís XIV, o Rei Sol, que representou, nos balés, os seus ideais políticos. II - Isadora Duncan é considerada a preceptora da dança moderna. Sob a ins- piração da dança grega, propôs uma vertente vigorosa, baseada no fortale- cimento físico necessário ao guerreiro no mundo antigo. Este pensamento pode ser observado pelos movimentos com maior flexibilidade de tronco e pela exploração dos movimentos no solo. Estas características revelam a mu- dança das ideias que orientavam as construções coreográficas. Os bailarinos modernos representam si mesmos, sujeitos inseridos no mundo real, com seus problemas e conflitos que muito os aproximam do guerreiro grego. III - Por dança contemporânea, podemos entender as danças que não se pren- dem a uma técnica específica criada em nosso tempo. Tudo aquilo que se fala e que se faz em dança contemporânea se refere a processos inacabados e a experiências, cujos resultados são provisórios. IV - O movimento de dança contemporânea se opõe ao balé clássico e às dan- ças acadêmicas de forma geral, sob a justificativa de que essas linguagens não correspondem aos anseios dos indivíduos contemporâneos. A recusa total da técnica e do conhecimento construído historicamente na/pela dança apenas em nome da liberdade do movimento corporal pode se tornar um abismo para a arte da dança, pois qualquer manifestação corporal poderá ser denominada de dança. É correto o que se afirma em: a) Apenas I e II. b) Apenas II e III. c) Apenas I. d) Apenas I, III e IV. e) Nenhuma das alternativas está correta 131 atividades de estudo 4. As danças teatrais, ou artísticas, desenvolveram-se com o Rei Luís XIV (1638 -1715), que se autodenominava o Rei Sol. Nas apresentações, o rei era sempre o protagonista dos espetáculos, os quais tinham, como intenção, expressar os ideais do governo e reforçar o seu poder. De acordo com este pressuposto (as danças podem refletir ideias de governo), como podemos analisar as danças pro- duzidas na contemporaneidade? 5. Na Antiguidade, a dança sempre esteve presente nas festas em homenagem a Dionísio. Desenvolva uma reflexão, apresentando argumentos fundamentados nesta relação (dança e Dionísio), mas que sejam compatíveis com o pensamento cristão da Idade Média, o qual condenava a maioria das manifestações dançantes. 132 LEITURA COMPLEMENTAR A dança como modo de viver Desde a origem das sociedades, é pelas danças e pelos cantos que o homem se afirma como membro de uma comunidade que o transcende. É que esse momento ascendente do homem não se registrou apenas uma vez na origem das grandes civilizações, com a paixão de Osíris ou de Dioniso, com a dança de Shiva. Ele nasce da experiência incessante do trabalho dos homens: em cada organização coletiva do trabalho a comunidade se realiza, e se realiza de maneira rítmica. Durante séculos, todas as vezes que, cadenciadamente, marinheiros içavam a vela ou davam voltas ao cabrestante, que barqueiros sirgavam suas barcas ao longo dos rios, que ferreiros malhavam, no mes- mo ritmo, o mesmo ferro, a força do grupo, uma vez coordenada e ritmada, mostrava-se superior à soma das forças individuais dos participantes. O homem adquire assim um novo poder e toma consciência dessa transcendência da comunidade com relação aos indivídu- os. Este poder e essa transcendência estão ligados ao ritmo dos gestos e à comunhão que esse ritmo permite concretizar. A dança opera essa metamorfose: transformando os ritmos da natureza e os ritmos biológicos em ritmos voluntários, ela humaniza a natureza e dá poder para dominá-la. Como então não acreditar, com o xamã, que a dança pode curar o indivíduo insuflando-lhe a vida maior do todo? Como não crer, com o feiticeiro de Casamance, que ela pode, a um só tempo, conjurar os mortos e evocar ou reativar o poder do ancestral nos ritos funerários ou nas festas da tribo? 133 LEITURA COMPLEMENTAR Como não crer nas virtudes da dança de guerra para inspirar, naqueles que vão para o combate, o sentimento de coesão interna de seu destacamento, quer se trate das danças pírricas descritas por Homero no canto XVII da Ilíada, em que os guerreiros dançavam com a habilidade necessária para escapar aos golpes no combate, quer da dança de Kriss, de Bali, que provoca o transe a tal ponto que o dançarino, voltando sua lâmina contra si pró- prio, torna-se insensível à ferida, que sequer sangra. A dança torna o deus presente e o homem potente. A dança exprime a coesão e o poder transcendente da comunidade. Por isso, revela a grandeza ou o declínio de uma civilização. Na China do século VI, o sábio Confúcio dizia: “Mostre-me como dança um povo e eu lhes direi se sua civilização está doente ou tem boa saúde”. O explorador Livingstone conta que o Banto, quando encontra um estrangeiro, não lhe pergunta “Quem és?” mas “O que dan- ça?” Para um africano, o que um homem dança é sua tribo, seus costumes, sua religião, os grandes ritmos humanos de sua comunidade. Fonte: Garaudy (1980, p.19-20). 134 material complementar E O Príncipe Dançou... O Conto de Fadas, da Tradição Oral à Dança Contemporânea Katia Canton Editora: Ática Sinopse: investiga a incorporação de valores aos contos de fadas, abordando tan- to os autores clássicos, os irmãos Grimm, Charles Perrault etc., quanto algumas das principais adaptações da dança-teatro contemporânea. Indicação para Ler 135 referências BERTHOLD, M. História Mundial do Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2008. BERTONI, I. G. A dança e sua evolução; o ballet e seu contexto teórico; programa- ção didática. 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A resposta deve abordar o pensamento cristão que entendia o corpo como um veículo para o pecado; a dança relacionada ao pecado da carne; Dionísio, o deus pagão do vinho, bebida que libera os desejos carnais e provoca o pe- cado, distanciando o indivíduo da vontade de Deus. gabarito UNIDADEIV Professora Dra. Meire Aparecida Lóde Nunes Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Dança, educação e formação humana: fragilidades herdadas do pensamento clássico • A origem do movimento dançante como aspecto norteador para a dança na Educação Física • Dança, Educação Física e saúde Objetivos de Aprendizagem • Refletir acerca das fragilidades conceituais que interferem na compreensão da dança enquanto atividade reflexiva que atua no processo de formação humana. • Investigar a possibilidade de estabelecer um princípio a ser considerado como central na dança para o conteúdo da Educação Física. • Refletir acerca do impulso interno como princípio da dança nos diferentes ambientes e objetivos da Educação Física. DANÇA E FORMAÇÃO HUMANA unidade IV INTRODUÇÃO C aro(a) aluno(a), neste momento de nosso curso, apresentamos a proposta de compreender a dança como uma possibilidade edu- cativa. É importante entender que, ao nos referirmos à educação, estamos entendendo-a em seu sentido amplo, como um processo de formação humana e, neste sentido, aplicada em ambiente formal, não formal e informal. Como já estudamos nos capítulos anteriores, a dança acompanhou o desenvolvimento da humanidade, no entanto, são escassos os estudos, dentro da tradição acadêmica, que a considerem um elemento relevante na constituição do indivíduo em sua totalidade. Percebemos que a própria tradição filosófica, que tudo questionou, não se preocupou com a dança, tratando-a apenas como apêndice para outros interesses. Tratare- mos destas questões na primeira seção desta unidade, na qual inferimos que esta falta de tradição pode ser a causa de, ainda hoje, existir uma fra- gilidade no reconhecimento dos aspectos intelectuais presentes na dança, considerando-a apenas como atividade virtuosística ou recreativa. Com o intuito de pensarmos a potencialidade da dança em atuar na totalidade humana, envolvendo os aspectos motor, biológico, psíquico e social, buscamos retomar, da Unidade 2, a sua essência enquanto movi- mento que se inicia por meio de impulsos internos e torna-se visível, aos olhos dos apreciadores, na forma de dança. Quando esta se constrói desta forma, não sendo unicamente condicionada pelo desejo do virtuosismo, ocorre uma relação íntima do dançarino consigo e com o seu exterior. Desta forma, a dança, como ação motora, é resultado da mobilização afe- tiva, intelectual, corporal e social, processo que pode influenciar a forma- ção do sujeito: ser físico, intelectual e social. 144 Ao olharmos para a história da dança, verificamos que a sua presença e função social na vida dos indiví- duos se diferencia conforme o contexto onde ela está inserida. Vemos a dança passar de linguagem ritua- lística para artística e, por fim, para entretenimento. Neste processo de mudanças, ocorreu a conscien- tização de seu papel educativo e muitos esforços para justificar a sua inserção no contexto escolar, princi- palmente nas áreas das Artes e da Educação Física. De um lado, a Arte reconhece a dança como lingua- gem artística que se efetiva por meio da linguagem corporal, por outro, a Educação Física a justifica em seus currículos por ser uma manifestação da cultura corporal que, além de favorecer o desenvolvimento das qualidades físicas e promover a saúde, contribui para a formação do sujeito social. Nesta perspectiva, as políticas educacionais reafirmam a importância das danças africanas e indígenas para a conscientiza- ção/formação/manutenção da identidade nacional. Além dos embates travados para a inserção da dança em ambiente escolar, observamos a proliferação de aulas de dança com nomenclaturas variadas, substi- Dança, Educação e Formação Humana: Fragilidades Herdadas do Pensamento Clássico EDUCAÇÃO FÍSICA 145 tuindo, muitas vezes, as tradicionais aulas de ginástica nas academias e clubes. A conscientização dos benefí- cios físicos, com destaques para o aumento da capaci- dade aeróbica, coloca a dança no topo do ranking das atividades fitness. Fato que pode ser comprovado pelo surgimento de empresas que oferecem, para as acade- mias, “pacotes” de aulas coreografadas com embasa- mento técnico proveniente de diferentes linguagens de dança, como o do balé clássico, do jazz dance, do street dance, das danças latinas, entre outras. Em contrapartida, parece que se mantêm a ocu- pação de diferentes espaços para a dança e a falta de tradição em estudos acadêmicos, os quais se pre- ocupam em entendê-la de forma desfragmentada. É evidente que, dependendo do contexto, públicoe objetivo, os desenvolvimentos das práticas dan- çantes se diferenciam, assim como os argumentos que as justificam. No entanto, cabe ao professor ou profissional conhecer os aspectos gerais que poten- cializam a dança como conteúdo da Educação Física para haver a consciência de que, por mais que a sua prática tenha objetivos específicos, a atuação dela não se fragmenta, podendo atuar efetivamente em aspectos não objetivados pelo profissional. A falta de conhecimento amplo sobre a atuação da dança na formação humana pode ser um empe- cilho para a sua legitimação como área do conhe- cimento. No entanto, podemos nos questionar: por que essa falta de tradição acadêmica em relação à dança e à formação humana, já que a sua presença no percurso da história da humanidade é inques- tionável? Por que ela, atividade inerente ao ser hu- mano, não foi estudada pelos pensadores de outros momentos históricos? Podemos pensar mais pro- fundamente estes questionamentos nos reportando, na sequência, aos autores clássicos, aqueles que for- jaram o conhecimento moderno e contemporâneo. DANÇA: UMA RESPOSTA ÀS INDAGAÇÕES HUMANAS QUE SE PERDEU NA TRADIÇÃO DO PENSAMENTO CLÁSSICO O conhecimento, de forma geral e em suas diferen- tes áreas, tem as suas raízes nas inquietações dos indivíduos que deixaram de aceitar as explicações mitológicas e buscaram a racionalidade. A partir de então, desenvolvem-se várias formas de conheci- mento cada vez mais específicas, mas, ao buscarmos as suas gêneses, nos deparamos sempre com a filo- sofia. Como mencionam Reale e Antiseri (2003, p. 3): “[...] por causa de suas categorias racionais, foi a filosofia que possibilitou o nascimento da ciência e, em certo sentido, a gerou”. As ciências se preocupam com as particularidades, enquanto a filosofia, com a totalidade, o que faz com que as ciências possam ser compreendidas como decorrentes da filosofia clássica. As questões particulares investigadas pelas diferentes ciências são recortes das grandes preocu- pações filosóficas. A filosofia nasce da necessidade do saber que to- dos os indivíduos possuem. A busca pelo saber, que faz parte da natureza humana, é impulsionada pela capacidade de os seres humanos se espantarem ou se maravilharem com os elementos pertencentes ao mundo que os cerca. Reale e Antiseri (2003, p. 12, grifos dos autores) explicam o pensamento aristoté- lico sobre o princípio da reflexão filosófica mencio- nando que os seres humanos: [...] no princípio, ficavam maravilhados diante das dificuldades mais simples; em seguida, pro- gredindo pouco a pouco, chegaram a se colocar problemas sempre maiores, como os relativos aos fenômenos da lua, do sol e dos astros e, de- pois, os problemas relativos à origem de todo o universo. 146 Podemos, todavia, observar uma discrepância en- tre esta hipótese e as produções filosóficas acerca da dança, pois, como observou Feitosa (2001), parece que a filosofia esqueceu da dança. A comprovação desta observação pode vir por meio de investigações dos escritos clássicos, como em Platão e em Aris- tóteles. A dança aparece, com certa relevância, em apenas um diálogo platônico, As Leis. Vejamos rapi- damente como isto ocorre. O Livro II de As Leis é composto pelo diálogo entre o Ateniense (Platão) e Clínias. A questão dia- logada é sobre os banquetes: se eles se destinam ape- nas à diversão ou se trazem benefícios que merecem serem investigados. A hipótese é de que a educação, entendida no diálogo como aquisição de virtude, acontece, também, durante estas festas, nas quais a dança está presente. Platão explica que as virtudes são consequências das experiências que as crianças têm em relação ao prazer e à dor mesmo antes de terem adquirido a razão, como podemos observar na seguinte passagem do diálogo: Quando o prazer e o amor, a dor e ódio nascem com justeza nas almas antes do despertar da ra- zão, e uma vez a razão desperta, os sentimentos se harmonizam com ela no reconhecimento de que foram bem treinados pelas práticas ade- quadas correspondentes, e essa harmonização, vista como um todo, constitui a virtude; mas a parte dela que e corretamente treinada quanto aos prazeres e os sofrimentos, de modo a odiar o que deve ser odiado desde o início até o fim, e amar o que deve ser amado, esta é aquela que a razão isolará para denominá-la educação, o que é a meu ver, denominá-la corretamente (PLA- TÃO, As Leis, Livro II). Podemos nos perguntar: por que se remeter à filoso- fia se o nosso assunto é dança? A resposta é simples. O ser humano, ao maravilhar-se ou espantar-se, co- meça a buscar respostas para as suas indagações, é neste momento que se constrói a hipótese a qual es- tamos nos propondo a refletir: a dança como uma resposta para as indagações humanas em diferentes momentos históricos. Recordemos a teoria que sus- tenta o seu surgimento. A origem da dança é creditada às necessidades comunicativas dos indivíduos, ou seja, ela surge para transmitir ideias. Portanto, é uma resposta ao desejo do saber humano, o qual é consequência de ques- tionamentos e análises que podem ser desenvolvi- dos por meio de movimentos dançantes. Podemos pensar essa questão nos reportando a Bardet (2016) , quando diz que Xenofonte, no Banquete, menciona o fato de Sócrates dançar em frente ao espelho: Não um olhar objetivante, mas um Sócrates que, por um lado, se vê dançando em um espe- lho, estuda seus movimentos e suas atitudes em uma confrontação confusa com o seu reflexo; e, por outro, faz isso afastado dos olhares alheios. Estamos, portanto, em uma situação completa- mente diferente de uma medida das mudanças em algumas referências espaciais. Estamos em um encontro. Um encontro consigo dançando, do qual saber, o que ele era para Sócrates, talvez permaneça enigmático. O que será que ele exa- minava e o que será que procurava observando seu corpo em movimento? Que relação havia entre os seus gestos e esse eu habitado, ao mes- mo tempo, por razão e por um demônio? Quais seriam as articulações entre pensar e mover por meio de seus gestos e de seus reflexos? Apostamos que ele tentava decifrar algumas concordâncias e discordâncias, suas atitudes conhecidas e desconhecidas, na situação singu- lar de dançar e de se ver dançar. EDUCAÇÃO FÍSICA 147 Podemos perceber que, para o filósofo, a educação, ou a aquisição da virtude, é um processo que se adquire por meio de experiências, as quais devem ser direcionadas para que, desde cedo, as crianças se aproximem do bem e se afastem do mal. Neste processo educativo, concentra-se a reflexão sobre as experiências produzidas nos banquetes, cujos corais (dança e música) fazem parte. A compreensão de Platão sobre a importância dos banquetes no processo formativo é positiva. Para ele, o processo de treinamento infantil em re- lação aos prazeres e às dores fica fragilizado com o decorrer dos anos, e os deuses, compadecidos desta situação, ofereceram os banquetes como momen- to de se tornarem companheiros dos humanos nas danças e músicas. Desta forma, podemos entender que, para Platão, a dança e a música são experiências disciplinadoras dos prazeres e das dores necessários no processo educativo. Tal ideia fica-nos mais evi- dente na seguinte passagem: O ateniense: Podemos supor que o homem não-educado não conta com o treinamento nos corais e que o educado conta inteiramente com tal treinamento? Clínias: Certamente. O ateniense: O treinamento nos corais como um todo, inclui, é claro, tanto a dança quanto as canções. Clínias: Não há dúvida. O ateniense: E, portanto, o homem bem-educa- do terá a capacidade de tanto de cantar quanto de dançar bem. (PLATÃO, As Leis, Livro II). Assim, por meio desta breve apresentação do diá- logo, podemos verificar que a dança está presente na reflexão filosófica como um meio educativo. Essa ideia também pode ser observada na República, mas de forma menos explícita, quando Platão mencio- na a função educativa da ginástica,na qual a dança, de certa forma, era inserida. No entanto, é preciso destacar que Platão continua fiel a seu posiciona- mento contrário às artes, por estas serem imitações das cópias existentes no mundo sensível. Por isto, ele indica a necessidade de critérios para determinar quando a obra é boa ou má eticamente e, no caso da dança, qual deve ser praticada ou não. Esta é a mesma vertente – dança e educação – que o discípulo de Platão, Aristóteles, atribui à dança. Na Poética, ele se dedica a tratar da poesia, ou das artes imitativas, especialmente, a tragédia. No capítulo 6, que tem como objetivo definir a tragédia, é possível verificar a função educativa dessa arte imitativa: E pois, a tragédia, imitação de uma ação de ca- ráter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada e com as várias espé- cies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes [do drama], [imitação que se efetua] não por narrativa, mas mediante atores, e que, sus- citando o “terror e a piedade, tem por efeito a purificação dessas emoções” (ARISTÓTELES, Poética, cap. VI, p. 27). 148 Aristóteles entende que a tragédia, pela verossimi- lhança – conceito entendido como imitação, mas de uma ação possível de acontecimentos reais –, pro- porciona a catarse, ou a purificação dos sentimentos. Este processo é aceito como educativo, pois possi- bilita ao indivíduo experimentar sensações e senti- mentos que favorecerão a disciplina das emoções. Assim como a tragédia, a dança é entendida como uma arte imitativa, podemos verificar no primeiro capítulo, no qual o filósofo se propõe a apresentar as artes que compõem este gênero: Pois tal como há os que imitam muitas coisas, exprimindo-se com cores e figuras (por arte ou por costume), assim acontece nas sobreditas ar- tes: na verdade, todas elas imitam com o ritmo, a linguagem e a harmonia, usando estes elemen- tos separada ou conjuntamente. Por exemplo, só de harmonia e ritmo usam a aulética e a citarís- tica e quaisquer outras artes congêneres, como a siríngica; com o ritmo e sem harmonia, imita a arte dos dançarinos, porque também estes por ritmos gesticulados, imitam caracteres, afetos e ações. (ARISTÓTELES, Poética, cap. I, 3). Assim, para Aristóteles, a dança, ou a arte dos dan- çarinos, é imitativa porque, por meio dos gestos rit- mados, pode reproduzir ações e sentimentos. A dança é mencionada na obra pela segunda vez no segundo capítulo, cujo objetivo é abordar as diferen- tes poesias imitativas conforme o seu objeto de imi- tação. O filósofo explica que a imitação pode ser de ações superiores ou inferiores e feita por qualquer arte, como menciona: “[...] tanto na dança como na aulética e na citarística, pode haver tal diferença” (ARISTÓTELES, Poética, cap. II.) No capítulo 4, que trata da origem da tragédia, a dança é abordada para explicar que a tragédia ad- quiriu o seu alto estilo quando abandonou os ele- mentos satíricos, inclusive metro tetrâmetro, como podemos verificar a seguir: Com efeito, os poetas usaram primeiro o tetrâ- metro porque as suas composições eram satíricas e mais afins à dança; mas, quando se desenvol- veu o diálogo, o engenho natural logo encontrou o metro adequado; pois o jambo é o metro que mais se conforma ao ritmo natural da linguagem corrente (ARISTÓTELES, Poética, cap. IV). O satírico pode ser interpretado como movimentos mais vivos e alegres e, por isto, mais apropriados à dança. Tal ideia é retomada no capítulo 24, quando o filósofo trata da métrica e menciona que “pelo con- trário, são o trímetro jâmbico e o tetrâmetro trocaico mais movimentados: este convém à dança, e aquele, à ação” (ARISTÓTELES, Poética, cap. XXIV). A última referência que Aristóteles faz à dança está no capítulo 26, onde ele discute a superioridade entre a epopeia épica e o poema trágico. Para tal, remete à ges- ticulação exagerada, reprovando-a e aceitando-a con- trolada: “[...] nem toda espécie de gesticulação é de re- provar, se não reprovamos a dança, mas tão-somente a dos maus atores — que tal se repreendia em Calípides, e agora nos que parecem imitar os meneios de mulhe- res ordinárias” (ARISTÓTELES, Poética, cap. XXVI). EDUCAÇÃO FÍSICA 149 Por meio dessa breve investigação da dança no primeiro tratado da arte, podemos verificar que Aristóteles a entende como uma arte mimética, pois, assim como as demais, pode imitar ações e emoções. No entanto, apenas se remete a ela para ilustrar ou- tras questões, não desenvolvendo nenhuma reflexão específica sobre a dança. Como podemos compreender, nem Platão e nem Aristóteles se dedicaram a refletir sobre a dan- ça em si mesma. Parece-nos que ambos entende- ram o seu valor educativo, mas não a trataram com profundidade. Se na Antiguidade, quando a dança fazia parte daquela cultura, as preocupações filosóficas eram modestas, no período seguinte, na Idade Média, os filósofos/teólogos parecem ter excluído a dança de seus pensamentos, o que não é difícil de entender, devido ao posicionamento medieval em relação ao corpo. O pensamento cristão, que entendia o corpo como veículo do pecado, favoreceu a exclusão, acen- tuando a ausência da dança nos textos filosóficos. Esta justificativa pode ser aceita para a Idade Média, mas o argumento medieval não é válido para o Renasci- mento, quando se reformulam as concepções acerca do corpo a partir do pensamento greco-romano. Neste sentido, podemos nos perguntar: por que os renascentistas do século XVI não incluíram a dança em suas reflexões, já que ela era elemento educativo presente na sociedade greco-romana e ocupou, por exemplo, importante papel na corte de Luís XIV? A falta de resposta permanece se questionarmos as produções filosóficas da modernidade. A situação permanece sem alterações, mesmo diante de outra concepção de sociedade, ser humano e universo. Mais admirável é o fato de Hegel, ao ministrar o seu curso de Estética na Universidade de Berlim entre 1820 e 1829 que, posteriormente, originou o livro O sistema das Artes, não se reportou à dança. Hegel trata de arquitetura, pintura, música, poesia e tragé- dia, apresentando a sua admiração pela arte grega, mas não menciona a dança, apenas a cita, a exemplo da jardinagem, como uma arte imperfeita. Diante da falta de resposta para este vazio que os filósofos deixaram sobre a dança, o qual, aparen- temente, não existe uma razão plausível, podemos investigar a argumentação de Feitosa (2001, p. 35), fundamentada em Nietzsche. Nietzsche diz frequentemente que os filósofos temem e odeiam o corpo. Toda arte está rela- cionada com o corpo, seja sob o aspecto da per- cepção sensorial, seja sob o aspecto dos afetos mais fundamentais, tais como a alegria, a tris- teza, a angustia etc... Ora, talvez a dança seja a forma de manifestação artística que guarda a ligação mais íntima com o corpo. É a única forma de expressão em que o corpo do artista se torna plenamente uma obra de arte. Ainda, segundo Nietzsche, toda a história da filosofia pode ser resumida como uma má interpretação do corpo. Isso talvez ajude a responder por uma outra via a incúria frente à dança. Enquanto se dança, o corpo não é uma “coisa extensa” carte- siana ou um instrumento da alma ou da men- te, enquanto se dança, não temos nem alma, nem mente. Dançar é a forma mais efetiva de superar a metafísica (há de se recordar isso na próxima vez em que estivermos dançando). Na dança, se mostra toda a inteligência do corpo. Se a dança se reduzisse a movimentos aleató- rios, então não seria dança, nem arte. A dança é uma mistura estranha de espontaneidade e de elaboração. O homem é o único ser que dança. O homem é capaz de dançar porque existe no modo de um corpo que pensa. O desprezo da filosofia pelo corpo e por sua irredutível sen- sualidade traduz-se em indiferença pela dança. 150 Feitosa (2001), ao apresentar a perspectiva nietzs- chiana sobre a dança, mostra-nos uma possibilida- de de pensar a ausência da dançanos pensamentos filosóficos por meio do desprezo pelo corpo e pela valorização da mente que, historicamente, frag- mentaram o ser humano em dois hemisférios. No entanto, isto nos conduz a entender a dança como a expressão do indivíduo em sua totalidade, pois dançar é uma ação mental/espiritual/corpórea in- dissolúvel. Ela expressa essa totalidade como uma extensão do próprio indivíduo, do que ele é interna e externamente. Esta questão nos conduz à relação pensamento e movimento, que pode não ter sido objeto de estudo dos filósofos, mas parece ter ocu- pado papel considerável no pensamento do húnga- ro Rudolf von Laban (1879-1958). Laban, considerado o maior teórico da dança do século XX e fundador dos fundamentos da dança moderna, dedicou-se ao estudo do movimento hu- mano criando o sistema conhecido como Laban Mo- vement Analysis – LMA, ou simplesmente, Sistema Laban. Ele desenvolveu um estudo dos movimentos no espaço, nos ritmos, nas formas e nos esforços, in- cluindo um sistema preciso para a notação dos mo- vimentos, denominado de Labanotation. No livro organizado por Lisa Ullmann, Domínio do Movimento (1978), podemos verificar a relação entre movimento e pensamento por meio da reflexão desenvolvida por Laban sobre as brincadeiras e dan- ças primitivas. Para ele, estas manifestações culturais representam tentativas dos sujeitos de tomar a cons- ciência por meio de movimentos para a fixação das combinações de esforços, os quais são entendidos, pelo autor, como estímulos internos que provocam movimentos e, posteriormente, podem ser revertidos em hábitos. As brincadeiras e danças são compreen- didas como um pensar por meio de movimentos: Trata-se de uma construção muito singular de ideias acerca das qualidades de movimento e de seu uso. Talvez não seja muito inusitado introdu- zir a ideia de se pensar em termos de movimento, em oposição a se pensar em palavras. O pensar por meio de movimentos poderia ser considera- do como um conjunto de impressões de aconte- cimentos na mente de uma pessoa, conjunto para o qual falta uma nomenclatura adequada. Este tipo de pensamento não se presta à orientação no mundo exterior, como faz o pensamento através das palavras, mas, antes, aperfeiçoa a orientação do homem em seu mundo interior, onde con- tinuamente os impulsos surgem e buscam uma válvula de escape no fazer, no representar e no dançar (LABAN, 1978, p. 42). Laban nos possibilita entender que, ao aceitarmos este posicionamento do pensar por meio do movi- mento, podemos entender a dança como uma forma de atividade mental/corporal que auxilia o ser hu- mano a trabalhar com o seu mundo interior, com as causas que originam os movimentos. Ao fazer isso, ele estaria em contato íntimo consigo, desvendando e se aproximando da complexidade do seu ser. Entender a dança por essa perspectiva, porém, pa- rece ser uma tarefa que a maioria das pessoas ainda não iniciaram. Como indício desta afirmação, retomemos EDUCAÇÃO FÍSICA 151 a própria ausência da dança no pensamento clássico. A justificativa para isto, no pensamento de Laban (1978, p. 45-46), pode ser: “[..] durante um longo período, o homem não foi capaz de descobrir a conexão entre seu pensamento-movimento e sua palavra-pensamento”. Este parece ser o desafio que aqueles que traba- lham com a dança em nosso tempo precisam en- frentar. O senso comum nos conduz a pensar que a maioria dos professores e profissionais de Educação Física que trabalham com tal prática estão distantes dessa perspectiva acerca da dança como movimento integrador do sujeito e de tudo aquilo que confere a ele a condição de “humano”. A partir do século XVII, a revolução metodoló- gica iniciada por Galileu promove a autonomia da ciência e o seu desligamento da filosofia. Pouco a pouco, desse período até o século XX, aparecem as chamadas ciências particu- lares - física, astronomia, química, biologia, psicologia, sociologia etc. -, delimitando um campo específico de pesquisa. [...] as ciên- cias se especializam e observam “recortes” do real, enquanto a filosofia jamais renuncia a considerar o seu objeto do ponto de vista da totalidade. A visão da filosofia é de con- junto, ou seja, o problema tratado nunca é examinado de modo parcial, mas sempre sob a perspectiva de conjunto, relacionando cada aspecto com os outros do contexto em que está inserido. Se a ciência tende cada vez mais para a especialização, a filosofia, no sentido inverso, quer superar a fragmentação do real, para que o homem seja resgatado na sua inte- gridade e não sucumba à alienação do saber parcelado. Por isso, a filosofia tem uma função de interdisciplinaridade, estabelecendo o elo entre as diversas formas do saber e do agir. Fonte: Aranha e Martins (1993, p.113-114). SAIBA MAIS 152 A Origem do Movimento Dançante como Aspecto Norteador para a Dança na Educação Física EDUCAÇÃO FÍSICA 153 Nesta seção, nos propomos a investigar a possibilida- de de estabelecermos um princípio a ser considerado como central na dança enquanto conteúdo da Educa- ção Física. A relevância dessa proposta se estabelece por meio do movimento que impulsionou o reconhecimen- to da Educação Física nos últimos anos, o qual a inseriu em ambientes não ocupados anteriormente. Após os embates para o reconhecimento desta disciplina como conteúdo educacional, vemos a sua expansão para seto- res específicos da saúde, com ênfase na promoção desta. Hoje, podemos encontrar profissionais de Educa- ção Física atuando em academias, clubes, clínicas, Uni- dades Básicas de Saúde (UBS), empresas, hotéis, spas, organizações não governamentais (ONGs) etc., além dos professores que atuam em escolas da Educação Básica. Em consequência desta expansão de locais de atuação, muitas dúvidas se estabelecem em relação à formação dos profissionais. Neste sentido, questiona- mos: o que deve ser prioridade na formação do(a) pro- fissional ou professor(a) de Educação Física para atuar nestes diferentes segmentos da sociedade que, por sua vez, permitem a inserção do vasto rol de conteúdos componentes do campo da Educação Física? A dificul- dade em responder a esta indagação pode se intensifi- car se a redirecionarmos especificamente à dança. Atualmente, encontramos a dança nas matrizes curriculares dos cursos de Educação Física de acor- do com os pressupostos estabelecidos pelas habilita- ções: a licenciatura, que, de forma geral, compreende a dança sob a concepção da cultura corporal do mo- vimento; e o bacharelado, que a insere na perspectiva da promoção da saúde e dos seus desdobramentos. No entanto, será que, mesmo sendo trabalhado em ambientes diversos e com objetivos distintos, não existe um princípio no movimento dançante que permanece em todas as situações? Esta subseção se desenvolve buscando refletir acerca desta indagação. Iniciamos pela questão mais elementar: o mo- vimento. Toda dança se constrói por ele, mas nem todo movimento é dança. Este pensamento é im- portante para refletirmos sobre as características dele como dançante, pois, mesmo o movimento em si constituindo a materialização da dança, compre- endê-la apenas sob tal perspectiva parece ser muito impreciso. Assim, compreende-se a importância de pensarmos sobre o movimento dançante: [...] a dança é o meio de dizer o indizível, da mesma forma que a característica da poesia é ultrapassar o sentido estrito das palavras. Acre- dita que a dança seja um meio de introspecção profunda: revela ao homem suas tendências fundamentais; a partir deste ponto, projeta-o para o futuro, fazendo-o pressentir sua perso- nalidade virtual, que poderia realizar indo até o fim de suas pulsões (BOURCIER, 2001, p. 295). Todo movimento humano ocorre para atender a uma necessidade, ou seja, tem um propósito. Isto pode ser confirmado ao observarmos as imagens a seguir: Figura 1 - Movimentos do cotidiano 154 Podemos facilmente dizer o objetivo que move as pessoas das imagens anteriores.Provavelmente, a pessoa da Figura 1 está com sede e/ou fome e, para satisfazer a esta necessidade, é necessário apanhar o copo. Já na Figura 2, a pessoa está pintando uma parede, portanto, precisa movimentar um rolo para espalhar a tinta sobre a superfície. Estas descrições são óbvias porque temos visivelmente a indicação da necessidade e do objeto que o atenderá. Mas nem sempre estes elementos são explícitos. Laban (1978, p. 19) reporta-se a essa questão, mencionando que: “é fácil perceber o objetivo do movimento de uma pessoa, se é dirigido para algum objeto tangível. Entretanto, há também valores in- tangíveis que inspiram movimentos”. Ele está cha- mando a atenção para a existência de formas dis- tintas de movimentos que podem indicar objetivos diferentes, ou seja, os movimentos podem atender a uma necessidade material, mas também podem ser consequência de outras condições: mental, afetiva, espiritual, etc. Ainda, para o autor, as formas e os ritmos dos movimentos “[...] mostram a atitude da pessoa que se move numa determinada situação. Pode tanto caracterizar um estado de espírito e uma reação, como atributos mais constantes da personalidade” (LABAN, 1978, p. 20-21). Estas diferentes formas de movimentos são construções resultantes da ar- ticulação entre valores tangíveis e intangíveis. Todo movimento visível possuiu um estado interno que não é visível. É nesta relação entre valores tangíveis e intangí- veis; movimentos internos e externos que estamos concentrando a nossa compreensão de movimentos dançantes. A arte do bailarino, ou de qualquer pes- soa que dança, é construída por meio dos movimen- tos de seu próprio corpo, diferentemente do artesão que trabalha com objetos externos a si. Portanto, é por meio do corpo em movimento interno e externo que entendemos a atividade da dança. É preciso entender que o dançarino, na maioria das vezes, preocupa-se com o aspecto motor e esté- tico da atividade, pois este é o resultado visível da dança. Todavia, ao deslocarmos a nossa atenção dos aspectos externos do movimento, produzimos outra forma de movimento, mais amplo e próximo da es- sência do movimento dançante. Laban (1978, p. 27) nos auxilia a entender a questão comentando sobre o trabalho que não visa, de imediato, o virtuosismo: Este tipo de artista concentra-se na atuação dos impulsos internos da conduta, que precedem aos seus movimentos, dando pouca atenção, em princípio, à habilidade necessária à apre- sentação. Resulta, deste modo, uma qualidade diferente de contato com o público, quando é enfatizada a participação interna ao invés da habilidade. Laban entende que essas duas formas contrastan- tes de trabalhar com o movimento – virtuosismo ou impulsos internos – destinam-se a objetivos re- presentativos diferentes. Quando o trabalho visa o movimento virtuoso, a representação refere-se aos aspectos externos da vida; e quando o movimento parte dos impulsos internos, espelha os processos ocultos do interior humano. Para Laban (1978, p. 28), o trabalho centrado nesta segunda possibi- lidade “[...] tem uma inclinação mais profunda e uma chance maior de penetrar nos mais remotos recessos daquilo que vimos denominando oficina de pensamento”. EDUCAÇÃO FÍSICA 155 Por meio da afirmação de Laban, podemos estabe- lecer a ação do pensar e do dançar como uma ligação intrínseca. O raciocinar por meio de movimentos é uma potencialidade humana que acompanha o desenvolvi- mento das sociedades, por auxiliar os indivíduos na to- mada de consciência de si e das organizações onde estão inseridos. Isto é o que nos mostra a seguinte passagem: A estranha poesia do movimento, que acabou sendo expressa na dança sacra, capacitou o ho- mem a organizar suas ações de esforço segundo uma ordem que, em última instância, é válida e compreensível ainda hoje. Somente o homem tornou-se consciente da existência dos deuses, quer dizer, o homem é único ser vivo que tem consciência de suas ações e é responsável por ela; deste modo, tornou-se o rei das criaturas e o senhor da terra. As convenções das várias formas de ordem política e econômica, na so- ciedade humana, surgiram da percepção do es- forço nas danças regionais e nacionais. Ao en- sinar suas crianças e ao iniciar os adolescentes, o homem primitivo tentou transmitir padrões morais e éticos, por intermédio do desenvolvi- mento do raciocínio em termos de esforço, na dança. Nessa época tão remota, a introdução do jovem ao esforço humanitário constituiu a base de toda civilização (LABAN, 1978, p. 45). Parece, no entanto, que a consciência desta potencia- lidade foi adormecendo, o que provocou o distancia- mento entre o pensar e o agir corporalmente materiali- zado em dança. Neste sentido, parece que o movimento virtuoso tornou-se o único objetivo dos dançarinos, fazendo com que a dança pareça uma atividade des- provida de pensamento, dependendo apenas das habi- lidades motoras dos seus praticantes. Quando a dança se reduz ao movimento motor, distancia-se de sua pró- pria essência, que se traduz pelo embate que o indiví- duo trava constantemente consigo. Esta é a origem da dança, uma resposta que as pessoas encontraram para comunicar os seus embates internos. 156 Tal compreensão da dança, uma manifestação corporal que se concentra nos impulsos internos de movimentos, precisa chamar a atenção dos profes- sores e profissionais de Educação Física como ponto de partida para as suas propostas de trabalho com a dança. Podemos justificar este posicionamento com as palavras de Laban (1978, p. 28): Poder-se-ia, atualmente, justificar, até certo pon- to, essa preferência, porque parece que o homem contemporâneo tem necessidade de uma pro- funda penetração nos mais íntimos recessos da vida e da existência humana que, se traduzidos à tona, poderiam ajudá-lo a recuperar algumas de suas qualidades essenciais perdidas. As pessoas que parecem ter crescido demais para a venera- ção da pura habilidade de movimento buscam novos alvos para o seu desejo admirativo. O autor, ao expor que essa perspectiva de dança pode auxiliar os sujeitos contemporâneos na tomada de consciência de si e de sua própria existência, faz uma crítica àqueles que se concentram apenas nos aspectos externos da dança, ou na sua virtuosidade. Para ele, tal fenômeno causa a busca incessante por novidades e, além disso, a superficialidade cansa fa- cilmente e provoca novas necessidades. Ele explica: [...] a simples imitação das peculiaridades dos movimentos externos, pois uma imitação deste teor não penetra nos mais remotos recantos do esforço interior do homem. Temos necessidade de um símbolo autêntico da visão interna que efetue contato com o público, e ele só é atingido quando se aprendeu a raciocinar em termos de movimento (LABAN, 1978, p. 46). É importante entender que, ao propormos a com- preensão da dança como uma atividade reflexiva e um pensar corporal, não estamos limitando-a a uma atividade puramente intelectualizada, distante dos demais objetivos que a ela pode levar os seus prati- cantes a alcançar. Pelo contrário, estamos buscando ampliar a compreensão da potencialidade da dança e, consequentemente, das possibilidades de utiliza- ção desse conteúdo na área da Educação Física para além dos aspectos puramente físicos. Os benefícios físicos sempre ocorrerão com o ato de dançar, pois uma atividade física sistemati- zada promoverá, assim, como as demais ativida- des, muitos ganhos aos praticantes. No entanto, a conscientização de que o impulso para o movi- mento dançante é resultante da integração de vá- rios elementos que nos possibilitam denominar o animal homem de humano, poderá tornar o tra- balho dos professores e profissionais de Educação Física mais significante e eficiente, no sentido de atender aos diferentes objetivos quando a dança é desenvolvida em ambientes distintos. Partindo desse pressuposto, da origem de um movimento interior que se torna visívelpor meio dos movimentos dançantes, os professores e profis- sionais de Educação Física podem elaborar as suas propostas de trabalho atendendo às demandas dos ambientes onde estão lotados sem desconsiderar a essência da dança e a questão que norteia, de for- ma geral, a Educação Física: a promoção da saúde. Para entender melhor esta questão, passaremos para a próxima seção. Como podemos aproximar/justificar a rela- ção/importância da filosofia e da dança na sociedade contemporânea, na qual a valori- zação material se sobrepõe às necessidades humanas? REFLITA EDUCAÇÃO FÍSICA 157 Dança, Educação Física e Saúde 158 De acordo com o que estudamos até o momento, é possível aceitarmos o impulso interno que se mate- rializa em movimento dançante, ou simplesmente a dança, como uma possibilidade eficaz para estabele- cermos uma centralidade para a dança na Educação Física. No entanto, como justificar esta premissa de forma mais evidente quando pensamos nos diferen- tes locais de atuação e, consequentemente, nos obje- tivos da dança no campo da Educação Física? É esta questão que nos propomos a tratar nesta seção. Parece ser consenso entre os profissionais da Educação Física a aceitação da dança como cultu- ra corporal do movimento. No livro Metodologia do Ensino de Educação Física (1992), um clássico da área, a dança é compreendida como: [...] uma expressão representativa de diversos aspectos da vida do homem. Pode ser consi- derada como linguagem social que permite a transmissão de sentimentos, emoções da afe- tividade vivida nas esferas da religiosidade, do trabalho, dos costumes, hábitos, da saúde, da guerra etc. (SOARES et al., 1992, p. 58). Coletivo de Autores é como ficou conhecido o livro Metodologia do Ensino de Educação Física, que tem como autores seis personalidades da Educação Física: Carmen Lúcia Soares; Celi Nelza Zülke Taffarel; Elizabeth Varjal; Lino Castellani Filho; Micheli Ortega Escobar e Valter Bracht. O livro é entendido como re- ferência na área por trazer, sob a perspecti- va Crítico-Superadora, reflexões sobre o ob- jeto da Educação Física escolar. Assim, é uma leitura indispensável para todo(a) professor(a) desta disciplina. Fonte: a autora. SAIBA MAIS Assim, podemos entender que a dança se efetiva pelo movimento humano influenciado pelos aspec- tos históricos, sociais e culturais de cada sociedade. A dança como conteúdo escolar é reconhecida nos documentos que regem a educação brasileira. Por exemplo, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Marques (2003, p. 15) reconhece a impor- tância deste fato, “em 1997, a Dança foi incluída nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e ga- nhou reconhecimento nacional como forma de co- nhecimento a ser trabalhado na escola”. Os PCNs são formados por uma coleção de do- cumentos cujo objetivo é orientar o trabalho docen- te, norteando as atividades para que as práticas pe- dagógicas atinjam os propósitos almejados. Nos PCNs, a dança é mencionada como con- teúdo pertencente à Artes e à Educação Física. Em Artes, é compreendida como “[...] parte das culturas humanas e sempre integrou o trabalho, as religiões e as atividades de lazer. Os povos sempre privilegiaram a dança, sendo esta um bem cultural e uma ativida- de inerente à natureza do homem” (BRASIL, 1997, p. 49). No documento referente à Educação Física, a compreensão é similar. A dança está inserida no bloco denominado “Atividades Rítmicas e Expressi- vas”, o qual indica que o PCN de Artes deve ser con- sultado para o aprofundamento dos conteúdos da dança enquanto um fazer artístico. O fato da indi- cação do PCN de Artes nos possibilita entender que, mesmo no âmbito da Educação Física, o caminho da dança escolar é o da arte, como podemos verificar no próprio documento: Este bloco de conteúdos inclui as manifestações da cultura corporal que têm como característi- cas comuns a intenção de expressão, comunica- ção mediante gestos e a presença de estímulos sonoros como referência para o movimento EDUCAÇÃO FÍSICA 159 corporal. Trata-se das danças e brincadeiras cantadas. O enfoque aqui priorizado é com- plementar ao utilizado pelo bloco de conteúdo “Dança”, que faz parte do documento de Arte. O professor encontrará, naquele documento, mais subsídios para desenvolver um trabalho de dança, no que tange aos aspectos criativos e à concepção da dança como linguagem artística (BRASIL, 1997, p. 38-39). Esta ideia de a dança ser trabalhada na escola se- guindo os pressupostos da arte também é admitida pelos autores da Educação Física. Para Soares et al. (1992), a questão fica explícita ao mencionar que o ensino da dança escolar deve considerar a sua exe- cução como resultado do confronto entre os aspec- tos expressivos e técnicos. [...] deve-se entender que a dança como arte não é uma transposição da vida, senão sua re- presentação estilizada e simbólica. Mas, como arte, deve encontrar os seus fundamentos na própria vida, concretizando-se numa expressão dela e não numa produção acrobática (SOA- RES et al., 1992, p. 58). Por meio das indicações dos PCNs e de Soares et al. (1992), é evidente a aceitação da dança como conteúdo escolar e também que o encaminhamento pedagógico deve ser estabelecido pela compreensão dela enquan- to linguagem artística. Entretanto, devemos conside- rar que estas referências já possuem quase 20 anos, o que as tornam passíveis de questionamentos em re- lação ao posicionamento atual do encaminhamento pedagógico referente à dança escolar. Podemos investigar a permanência ou não de posicionamento por meio da Base Nacional Co- mum Curricular (BNCC), elaborada com o propó- sito de estabelecer um referencial para Educação Básica brasileira. A BNCC é um documento plural, contempo- râneo, e estabelece com clareza o conjunto de aprendizagens essenciais e indispensáveis a que todos os estudantes, crianças, jovens e adultos, têm direito. Com ela, redes de ensino e insti- tuições escolares públicas e particulares passam a ter uma referência nacional obrigatória para a elaboração ou adequação de seus currículos e propostas pedagógicas (BRASIL, 2017, p. 5). Vejamos como o documento apresenta a Educação Física: É fundamental frisar que a Educação Física oferece uma série de possibilidades para enriquecer a experiência das crianças, jovens e adultos na Educação Básica, permitindo o acesso a um vasto universo cultural. Esse universo compreende saberes corporais, experiências estéticas, emotivas, lúdicas e agonistas, que se inscrevem, mas não se restringem, à racionalidade típica dos saberes científicos que, comumente, orienta as práticas pedagógicas na escola. Experimentar e analisar as diferentes formas de expressão que não se alicerçam apenas nessa racionalidade é uma das potencialidades desse componente na Educação Básica. Para além da vivência, a experiência efetiva das práticas corporais oportuniza aos alunos participar, de forma autônoma, em contextos de lazer e saúde (BRASIL, 2017, p. 211). A inserção autônoma dos sujeitos em contextos de lazer e saúde como consequência das experiências oportunizadas pela Educação Física, que aparece na redação final da BNCC, estava presente na segunda versão preliminar revisada (abril de 2016), no entan- to, quando o documento tratava especificamente da dança. O anterior, ao trazer a dança como conteúdo da Educação Física, entendia-a como um conjunto de práticas corporais que se caracteriza por: 160 [...] movimentos rítmicos, organizados em passos e evoluções específicas, muitas vezes também integradas a coreografias. As danças caracterizam-se por serem realizadas de for- ma individual, em duplas ou em grupos, sen- do estas duas últimas as formas mais comuns. Diferentemente de outras práticas corporais rítmico-expressivas, estas se desenvolvem em codificações particulares, historicamente cons- tituídas, que permitem identificar movimentos e ritmos musicais peculiares, associadosa cada uma das danças. Nesse sentido, é importante salientar que a Educação Física, neste docu- mento, entende esse universo a partir das in- terfaces específicas com o campo do lazer e da saúde, ocupa-se dos conhecimentos que poten- cializam o envolvimento dos/as estudantes com manifestações populares dessas práticas, cen- tradas na sociabilidade e na diversão (BRASIL, 2016, p. 103-104, grifo nosso). Podemos perceber, de forma subliminar, a tendência em entender a dança como um exercício físico que pode proporcionar a saúde e o bem-estar decorrente de sua potencialidade recreativa e, também, a atua- ção na promoção da saúde. Esta ideia parece ter sido reconsiderada e, na versão final da BNCC (2017), a redação omitiu “o lazer e a saúde” ao se referir à dan- ça, como podemos verificar: [...] a unidade temática Danças explora o con- junto das práticas corporais caracterizadas por movimentos rítmicos, organizados em passos e evoluções específicas, muitas vezes, também integradas a coreografias. As danças podem ser realizadas de forma individual, em duplas ou em grupos, sendo essas duas últimas as formas mais comuns. Diferentes de outras práticas cor- porais rítmico-expressivas, elas se desenvolvem em codificações particulares, historicamente constituídas, que permitem identificar movi- mentos e ritmos musicais peculiares associados a cada uma delas (BRASIL, 2017, p. 216). O fato de o lazer e a saúde terem sido relacionados à dança na versão de 2016 da BNCC e manterem-se na perspectiva geral da Educação Física na versão de 2017, possibilita inferir que a compreensão da atuação da Educação Física no ambiente escolar, na atualidade, foi ampliada para além da cultura cor- poral do movimento e se aplica também à promo- ção da saúde. Esta questão é de extrema relevância, pois a promoção da saúde configura-se como um dos principais objetivos da Educação Física e, conse- quentemente, da dança nos ambientes não formais de ensino. Diante deste pressuposto de a dança es- tar relacionada à saúde tanto em ambiente formal quanto informal de ensino, será que ainda é pos- sível considerar, como centralidade de sua prática, os impulsos internos que geram os movimentos/ externos, enfim, a dança? Para refletirmos sobre essa questão, é preciso retomarmos o conceito de saúde, o que faremos com mais propriedade na próxima unidade. Para o momento, é importante ressaltarmos que a au- sência ou a presença da doença na vida das pes- soas é compreendida, na atualidade, como uma situação decorrente das relações afetivas, sociais e do estilo de vida das pessoas. Portanto, a saúde é resultante de um processo amplo, que envolve o indivíduo em sua totalidade, assim, ao conside- rarmos a dança nesta mesma perspectiva, estamos aproximando-a dos objetivos da Educação Física e contribuindo com a formação de uma sociedade saudável por meio das práticas que não fragmen- tam os sujeitos em corpo e alma, mas que os en- tendam pela união intrínseca de ambos. Assim, um corpo que dança é um corpo que pensa, sente e se relaciona com outros corpos e se reconhece como um ser único. 161 considerações finais Chegamos ao final da Unidade 4 e esperamos que as reflexões desenvolvi-das tenham possibilitado a compreensão de nossa proposta para a fun-ção da dança como elemento educativo, sendo próximo do conceito de “formação humana”. Vimos que, apesar de ela ser considerada uma das mais antigas artes, não possui tradição entre os pensadores clássicos. Quando é men- cionada, o intuito é auxiliar o pensamento sobre outras questões, como educação e arte. A sua ausência como objeto filosófico pode ser atribuída ao medo dos filósofos em relação ao corpo, como foi denunciado por Nietzsche. A ausência da dança como objeto de estudo pode interferir na formação de seus conceitos e na forma como os professores de Educação Física desenvolvem as suas práticas pedagógicas. Seguindo o pressuposto de uma educação integral por meio da aproximação da dança e da filosofia, na última seção desta unidade, nos dedicamos a investigar a possibilidade de estabelecermos um princípio a ser considerado como central na dança enquanto conteúdo da Educação Física. O ponto de partida foi a origem do movimento dançante, estudado por meio do pensamento de Laban. Inferimos que, ao considerarmos a dança como resultado de um movimento que se origina de as- pectos internos e se materializa em movimentos externos, poderemos desenvolver um trabalho mais amplo e contribuir, assim, para que a Educação Física alcance os seus objetivos efetivamente. Esperamos que essas questões tenham ficado claras para que possamos evoluir em nossos estudos! 162 atividades de estudo 1. De acordo com o filósofo grego Aristóteles, todos os seres humanos aspiram, por natureza, o conhecimento. Portanto, é deste desejo de conhecer que nasce a filosofia. Neste sentido, a dança pode ser entendida como uma forma de filosofia, pois o seu surgimento nos revela que ela nasce como resposta às inquietações e necessidades comunicativas dos indivíduos. Sobre a dança e a filosofia, leia as assertivas a seguir. I - O diálogo de Platão em As Leis apresenta uma inquietação: se os banquetes se destinam apenas à diversão ou se trazem benefícios que merecem ser investigados. A hipótese é de que a educação, entendida no diálogo como aquisição de virtude, acontece também durante estas festas, onde as danças estão presentes. Para o filósofo, as virtudes são consequências das experi- ências que as crianças têm em relação ao prazer e à dor, mesmo antes de terem adquirido a razão. Desta forma, podemos entender que, para Platão, a dança e a música são experiências disciplinadoras dos prazeres e das dores, necessários ao processo educativo. II - O pensamento cristão, que entendia o corpo como veículo do pecado, fa- voreceu a exclusão ao acentuar a ausência da dança nos textos filosóficos. Devido ao fato de o argumento medieval não ser válido para o Renascimento, quando se reformulam as concepções acerca do corpo a partir do pensa- mento greco-romano. Assim, observa-se a retomada reflexiva sobre a dança, que se materializa como elemento educativo presente na corte de Luís XIV. III - Na Poética, Aristóteles se dedica a tratar da poesia, ou artes imitativas, espe- cialmente da tragédia. No entanto, a dança também é compreendida como uma arte mimética, pois, assim como as demais, ela pode imitar ações e emo- ções. Mas, nesta obra, o filósofo se atém à dança apenas para ilustrar outras questões, não desenvolvendo nenhuma reflexão específica sobre ela. IV - A perspectiva nietzschiana sobre a dança nos mostra a possibilidade de pen- sar a ausência da dança nos pensamentos filosóficos por meio do desprezo pelo corpo e pela valorização da mente, o que, historicamente, fragmentou o ser humano em dois hemisférios. Possibilita-nos entender, ainda, que a dança é a expressão do sujeito em sua totalidade, pois dançar é uma ação mental/espiritual/corpórea indissolúvel. É correto o que se afirma em: a) I e II, apenas. b) II e III, apenas. c) I, apenas. d) I, III e IV, apenas. e) I, II, III e IV. 163 atividades de estudo 2. A expansão de locais de atuação da Educação Física trouxe dúvidas às questões centrais a serem trabalhadas na formação de seus profissionais. Em busca de estabelecer um ponto de partida para todo o trabalho em dança, para que esta possa proporcionar todos os benefícios que carrega em potencial, é proposta a reflexão acerca da origem do movimento dançante. Sobre esta questão, leia as assertivas a seguir. I - Toda dança se constrói pelo movimento, e este sempre é dança. Tal pensa- mento é importante para refletirmos sobre as características do movimento dançante, pois, sempre que houver movimento, a dança estará presente. II - Todo movimento humano ocorre para atender a uma necessidade, ou seja, tem um propósito (ex.: quando estamos com sede, nos movimentamos para apanhar um copo d’água). Os objetivos dos movimentospodem ser direcio- nados a algo (objeto) tangível ou intangível, o segundo caso pode se aplicar à dança. III - Na dança, os movimentos podem ser focados no virtuosismo e/ou nos im- pulsos internos. Quando o trabalho visa o movimento virtuoso, a represen- tação refere-se aos aspectos externos da vida, e quando o movimento parte dos impulsos internos, espelha os processos ocultos do interior humano. Por meio deste pensamento, podemos estabelecer as ações do pensar e do dan- çar como uma ligação intrínseca. É correto o que se afirma em: a) I e II, apenas. b) II e III, apenas. c) I, apenas. d) III, apenas. e) I, II e III. 164 atividades de estudo 3. Os documentos que regem a Educação Física, de forma geral, entendem que o seu propósito está centrado na promoção da saúde. Neste sentido, surge a dúvi- da acerca da permanência de considerar “os impulsos internos que geram a dan- ça” como a centralidade do seu exercício em ambientes formais e não formais de ensino. Sobre esta questão, leia as assertivas a seguir. I - A saúde é resultante de um processo amplo, que envolve o indivíduo em sua totalidade, assim, ao considerarmos a dança nesta mesma perspectiva, estamos aproximando-a dos objetivos da Educação Física, contribuindo com a formação de uma sociedade saudável por meio das práticas que não frag- mentam os sujeitos em corpo e alma, mas que o entenda pela união intrín- seca de ambos. II - Os objetivos da Educação Física voltados à promoção da saúde se concen- tram na melhoria da saúde física, o que torna imprescindível o trabalho da dança voltado para o virtuosismo e a performance. Quando o(a) professor(a) ou profissional de Educação Física foca a sua prática profissional em dança neste aspecto, as qualidades físicas são melhoradas e, consequentemente, a qualidade de vida do praticante é potencializada. III - Ao considerarmos a saúde como resultante de um processo amplo que en- volve o sujeito em sua totalidade, entendemos que a dança pode contribuir muito para essa totalidade pelo fato de trabalhar com precisão os aspectos físicos do indivíduo. Quando há a saúde física, os demais aspectos determi- nantes da boa saúde mental tornam-se menos relevantes e, de forma geral, aumenta-se o bem-estar e a qualidade de vida do indivíduo. É correto o que se afirma em: a) I e II, apenas. b) II e III, apenas. c) I, apenas. d) III, apenas. e) I, II e III. 165 atividades de estudo 4. Elabore um pequeno texto posicionando-se sobre as possíveis causas do esque- cimento da dança por parte da filosofia. Construa argumentações por meio do conteúdo estudado e, se necessário, pesquise sobre o assunto. 5. Você concorda com a afirmação de que a falta de tradição teórica sobre a dança interfere no direcionamento das práticas pedagógicas na contemporaneidade? Justifique o seu posicionamento (positivo ou negativo) de forma argumentativa. 166 LEITURA COMPLEMENTAR Dança e Filosofia A dança é a arte do efêmero. Nesse sentido, é possível afirmar que o grande encontro da filosofia com a dança, ou vice-versa, dá-se justamente graças à fragilidade que marca am- bas, como pensamento, como movimento. No entanto, se o equilíbrio da dança é definido pelo desequilíbrio, isto é, por uma forma outra de equilíbrio, esta não poderia ser também uma bela definição da filosofia? Filosofia como arte do desequilíbrio. Filosofia como dança das palavras e dos conceitos, sempre em movimento, errante, aberta às transfigurações e transvalorização? Ao falar, porém, da dança como estética do efêmero, não estaria eu a criar um paradoxo entre as duas artes: filosofia e dança? A filosofia, de fato, não se inscreve historicamente numa eternidade, numa verdade verdadeira? Não é outra a leitura canônica do pensamento, trespassada pela história da filosofia e pela teologia nela inserida como uma ferida da língua, desde a emergência do cristianismo. Filosofia e dança não seriam opostos: a efemeridade da dança e a suposta eternidade da filosofia? Essa leitura ideoló- gica cria um abismo entre a dança e a filosofia: de um lado, o movimento do dançarino, de outro, a imobilidade do filósofo. Ora, um pensamento imóvel é uma filosofia morta, isto é, uma doutrina, uma crença, uma teologia. Um pensamento imóvel não pertence ao campo do pensar, pois o que move a arte e o pensar é a mobilidade, o movimento. Pensar e dançar são produções marcadas pelo risco, pelo perigo, pela audácia, cujo traço maior é a força imperceptível do equilibrista, do dançarino, do filósofo, sempre em devir, fluxos inventivos e instabilidade – criança. O devir criança da dança, o devir criança do pensamen- to, como palcos abertos às invenções, sem as quais não há movimento nem vida pensante, dançante. Assim, pois, o que mais aproxima a dança e a filosofia é a característica peculiar compartilhada por ambas: a alegria, a felicidade, o desejo permanente de novos hábitos. O homem é feliz não apenas na supressão de uma insatisfação, mas também no exercício da força, da energia, da vontade livre, inventiva. Força como vitalidade, criação constante de novos olhares e encontros. A felicidade é a arte de não se deixar morrer pelos hábitos duradouros, em todos os campos da existência. Cabe fazer da felicidade uma força, riqueza maior de homens plenos, ativos, que não separam a felicidade da ação. Para eles, como diz Nietzsche (1998, p. 66), ser ativo é parte necessária da felicidade. Há, pois, uma felicidade 167 LEITURA COMPLEMENTAR que liberta, gera inventores. Na dança, um gesto morre para dar à luz um outro, esboço de novos possíveis, escapando, assim, às sacralizações mortíferas. Agir é filho da alegria, do movimento, que é puro pensamento: eis por que, para a filosofia como para a dança, a beatitude é o intermezzo, e não um fim. Pensar, como dançar, é auto realização, autoinven- ção que encontra sua realização na errância, na autonomia inventiva de uma criatura que se passa do Criador. Por que marcar, então, a diferença, ao escrever filosofia e dança? Por que não escrever filosofia/dança? Porque ambas são multiplicidades transeuntes, singulari- dades férteis que levam coreógrafos a se inspirar da filosofia, e filósofos a buscar na dança, no teatro, na literatura, na poesia e nas lendas ferramentas para elaborar suas práticas e pensamentos – Descartes (1963), Hegel (2008), Nietzsche (1996), Nancy (1988), Deleuze e Guattari (1973), Foucault (1979) etc. Nesse sentido, Descartes (1963, p. 61) é exemplar: “as ciências estão agora mascaradas; uma vez, porém, retiradas as máscaras, elas aparecem em toda a sua beleza”. Ele associa, assim, o trabalho do cientista ao ideal de beleza do artista, mediante sua tarefa comum ao desvelamento da verdade. É importante notar que não só na dança, como no campo das artes em geral, a filosofia deleuziana – mas não só – toma corpo; seus conceitos mesclam-se aos movimentos, às cores, aos sentidos e aos sabores/saberes. Não se trata, em absoluto, para artistas, cineastas, coreógrafos, de fazer dos conceitos os derivados de sensações, nem, ao inverso, traduzir as obras em termo de bula, razão ou verdade verdadeira. Não. O pensamento de Deleuze ama respirar, deixar-se contaminar; detesta a prisão, inclusive, quando dourada ou maquilada pelos efeitos de moda, ou pela tirania de um modelo ideal, linear. Felizmente, a maioria dos artistas, em todas as áreas tocadas pelo sopro inventivo de Deleuze, insere a filosofia vitalista da arte para apreender o mundo e seus fluxos de invenção permanente. Inventar ou morrer de inanição. Inventar ou correr o risco de se enclausurar no saber transformado em conheci- mento, detentor de uma única verdade. Ora, a história da verdade é a história de um erro. Nesse universo, os fragmentos do pensamento filosófico, e, sobremodo, alguns textos de Deleuze, alimentaram, desde os anos 1980, as obras de coreógrafos situados à margem de sua arte. Aqui, Balzac (2003) encontra sua atualidade:só há vida nas margens. Fonte: Lins (2011, p.101-103). 168 material complementar A Filosofia da Dança: Um Encontro entre Dança e Filosofia Marie Bardet Editora: Martins Fontes Sinopse: quais posturas uma filosofia deve inventar para capturar os gestos? A que passos comuns e divergentes somos convidados quando dançamos e filoso- famos? Nesta obra, esboça-se a paisagem de um encontro entre dança e filosofia, onde são redistribuídos, por meio da experiência da gravidade, os pesos e as le- vezas, as imagens e os gestos, os pensamentos e os movimentos. Uma paisagem povoada de verbos, de passos, de pontos de interrogação e de limites móveis. Uma paisagem conceitual de Schopenhauer a Bergson, e a Deleuze, atravessada por uma inquietude: a da imediatez e do imprevisível como potências limites do exercício filosófico, aí onde ela ressoa com a improvisação como questionamen- to incessante da composição coreográfica (da geração do Judson Dance Theater à criação contemporânea). Indicação para Ler 169 referências ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando, introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1993. ARISTÓTELES. Metafísica (livro I e livro II). Ética a Nicômaco. Poética. São Paulo: Victor Civita, 1979. BARDET, M. A Filosofia da dança: um encontro entre dança e filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2016. BOURCIER, P. História da Dança. São Paulo: Martins Fontes, 2001. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017. ______. ______. 2. ed. rev. Brasília: MEC, 2016. ______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais – Educação Física. Brasília: MEC; SEF, 1997. Volume 7. Disponível em: <http://portal. mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro07.pdf>. Acesso em: 03 abr. 2019. FEITOSA, C. Por que a filosofia esqueceu a dança? In: BARRENECHEA, M. A.; CASANOVA, M. A.; DIAS, R.; FEITOSA, C. (Orgs.). Assim falou Nietzsche III. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2001. LABAN, R. Domínio do movimento. In: ULLMANN, L. (Org.). Domínio do movi- mento. São Paulo: Summus, 1978. LINS, D. Dança e Filosofia. Trama interdisciplinar, v. 2, n. 1, p.101-108, 2011. Dis- ponível em: <http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/tint/article/view/3970>. Acesso em: 03 abr. 2019. MARQUES, I. Dançando na Escola. São Paulo: Cortez, 2003. PLATÃO. As leis, ou da legislação e epinomis. São Paulo: Edipro, 1999. REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: filosofia pagã antiga. São Paulo: Paulus, 2003. SOARES, C. L. et al. Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992. 170 gabarito 1. D. 2. B. 3. C. 4. A resposta, de acordo com o conteúdo estudo, deve abordar a perspectiva nietzschiana de que o esquecimento da dança pela filosofia deve-se ao fato de os “filósofos não gos- tarem do corpo”. No entanto, outros argumentos podem ser aceitos, desde que haja a apresentação de argumentos fundamentados teoricamente. 5. Resposta de caráter subjetivo, mas deve apresentar claramente o posicionamento favo- rável ou contrário ao questionamento, incluindo argumentos que validem o posiciona- mento. gabarito UNIDADE V Professora Dra. Meire Aparecida Lóde Nunes Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Dança e Educação Física na sociedade contemporânea • A formação dos professores e profissionais de Educação Física e o ensino da dança Objetivos de Aprendizagem • Analisar as características da sociedade contemporânea com o intuito de verificar o contexto em que a Educação Física e a dança estão inseridas. • Verificar como a dança está presente na formação dos professores e profissionais de Educação Física. DANÇA NA EDUCAÇÃO FÍSICA: DESAFIOS PRESENTES NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA unidade V INTRODUÇÃO C aro(a) aluno(a), para encerrar a nossa disciplina, a Unidade V, intitulada Dança na Educação Física: desafios presentes na sociedade contemporânea, propõe-se a refletir sobre o contexto em que a Educação Física e a dança estão inseridas. A organização da sociedade, as relações interpessoais, os valores e tudo que constitui o modus vivendi contemporâneo atua diretamente nas práticas dos professores e profissionais de Educação Física. Os seus ambientes de inserção, objetivos e conteúdos são indicados pelas necessidades e características da sociedade em que vivemos. Portanto, se professores e profissionais de Educação Física pretendem atuar em harmonia com os anseios de seus alunos, atletas, clientes e/ou praticantes é necessário compreender o lócus de onde emergem estes seres e, consequentemente, as suas necessidades. A busca pela compreensão da sociedade contemporânea e como a dança e a Educação Física se en- contram nesse contexto percorrem toda esta unidade. Assim, temas como corpos adoecidos são tratados com o propósito de compreendermos como o estilo de vida produzido em uma sociedade globalizada e tecnológica afeta a saúde das pessoas e eleva o status da Educação Física no campo da promoção da saúde. A dança, conteúdo da Educação Física, não se desvincula desta realidade e, em todos os ambientes onde pode ser aplicada, ela tem como objetivo a formação de sujeitos saudáveis, no sentido amplo do termo, o qual nos possibilita agregar predicados para além da saúde física como autoconfiança, equilíbrio emocio- nal, interação social e autonomia. Para que a dança atenda aos anseios dessa sociedade, no entanto, é preciso que os professores e pro- fissionais de Educação Física tenham a formação que os qualifiquem para isto. Na segunda seção desta unidade, nos dedicamos a investigar como o componente curricular de dança está presente nos cursos de graduação de Educação Física. Destacamos a importância desta questão por entendermos que as experi- ências acadêmicas com a dança são cruciais para a ruptura de pré-conceitos e para a tomada de consciên- cia acerca de sua importância na formação humana. Na terceira e última seção, apresentamos alguns caminhos que podem ser seguidos pelos professores e profissionais de Educação Física. Mesmo considerando as diferenças existentes entre os ambientes onde a dança pode ser desenvolvida, apresentamos algumas questões que podem ser consideradas e adaptadas pelos profissionais diante das especificidades de seu ambiente de trabalho. A dança faz parte da história da humanidade e se mantém presente até os nossos dias devido à sua essência, portanto, é nessa essência que devemos nos concentrar. A dança, uma atividade completa, sempre atingirá os diferentes objetivos esta- belecidos por professores e profissionais de Educação Física quando a consideramos em sua totalidade. 176 Ao pensarmos em dança e Educação Física, as pos- sibilidades são muitas, tanto uma como a outra nos possibilitam um leque de manifestações corporais que podem ser desenvolvidas com objetivos distintos. Assim, destaca-se a necessidade de considerarmos, como conteúdo da Educação Física, o local onde a dança será desenvolvida. Pereira e Hunger (2006) mencionam que o ensi- no da dança no Brasil ocorre em clubes, academias, escolas especializadas de dança e em escolas formais de ensino como atividade extracurricular, para além dos conteúdos programáticos das aulas de Educa- ção Física. Esta pluralidade de ambientes reflete a sua relevância social, mas pode contribuir para o surgimento de dúvidas em relação aos objetivos e às práticas propostas. Tais dúvidas podem ser amenizadas se professo- res e profissionais de Educação Física relacionarem as especificidades do seu local de atuação com as carac- terísticas da sociedade contemporânea. Por meio des- ta relação, o profissional poderá elaborar propostas de acordo com a realidade de seus alunos/clientes, traba- lhando efetivamente com os motivos que os levaram a buscar a prática da dança ou, em caso de ambiente escolar, contribuir para a formação de sujeitos aptos a lidar com os desafios do meio em que se inserem. Dança e Educação Física na Sociedade ContemporâneaEDUCAÇÃO FÍSICA 177 É importante, porém, não perdermos a base que edifica o pensamento proposto: a dança na Educação Física sempre estará relacionada à saú- de e à educação, independentemente do local onde ela se insere. Lembremos que, por educação, esta- mos entendendo a formação humana que ocorre por meio de todas as experiências vividas, as quais determinam a forma de pensar e agir dos indivídu- os. Os hábitos adquiridos em decorrência das rela- ções interpessoais e dos ambientes em que os in- divíduos habitam constituem um fator de extrema relevância para a promoção da saúde e, consequen- temente, para pensar objetivos, conteúdos e práticas da dança na Educação Física. Neste sentido, propomos, como ponto de parti- da para os nossos estudos, olharmos para sociedade atual, a qual se constitui de um emaranhado de ca- racterísticas que têm forte impacto no estilo de vida do sujeito contemporâneo. Você sabe a distinção entre educação formal, não formal e informal? “[...] a educação formal é aquela desenvolvi- da nas escolas, com conteúdos previamente demarcados; a informal como aquela que os indivíduos aprendem durante seu proces- so de socialização - na família, bairro, clube, amigos etc., carregada de valores e culturas próprias, de pertencimento e sentimentos herdados: e a educação não-formal é aquela que se aprende ‘no mundo da vida’, via os processos de compartilhamento de experi- ências, principalmente em espaços e ações coletivas cotidianas”. Fonte: Gohn (2006, p. 28). SAIBA MAIS SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: CORPO E EDUCAÇÃO FÍSICA Ao voltarmos o nosso olhar para o passado, veremos que o processo de modernização social é constante, mas a sua velocidade, nem tanto. Algumas mudan- ças levaram séculos para se concretizarem, provo- cando alterações lentas, quase imperceptíveis, no modo de vida das pessoas. Situação oposta ao que presenciamos nos dias de hoje. Vivenciamos um período jamais visto anterior- mente, cuja velocidade com que as novidades são propagadas modifica drasticamente o modo de vida, a ponto de não conseguirmos manter a regularidade cotidiana. Harari (2006) expõe esta ideia com a se- guinte metáfora: No despertar do terceiro milênio, a humani- dade acorda, distende os membros e esfrega os olhos. Restos de algum pesadelo horrível ain- da atravessam sua mente. “Havia algo como arame farpado, e nuvens enormes em forma de cogumelo. Ah, bem, foi apenas um sonho ruim.” A humanidade vai até o banheiro, lava o rosto, examina as rugas diante do espelho, prepara uma xícara de café e abre o jornal. “O que será que nos espera hoje?” (p.11). A dúvida que gera a indagação “o que será que nos espera hoje?” surge como consequência de profundas transformações sociais, culturais, eco- nômicas e políticas que desfilam diante de nossos olhos e nos fazem experimentar, dia a dia, um turbilhão de novas situações que impactam di- retamente o nosso estilo de vida. A vida produ- zida pela sociedade tecnológica e globalizada se distancia, incomensuravelmente, da organização social tradicional. A acentuada dinâmica de nos- sa sociedade desenha as nossas vidas e os nossos 178 seres ao nos proporcionar tantas comodidades e, em contrapartida, nos leva à exaustão frente a exigências que garantem a sobrevivência em um universo regido pela ultravelocidade e a gama de informações recebidas a todo instante. Não há es- tabilidade, padrão ou certezas. O incerto, as mu- danças e o novo movem a nossa sociedade! No meio deste contexto de incertezas, um fato é certo: estamos inseridos em um processo sem retor- no. Sevcenko (2001, p. 55) ressalta a necessidade de se compreender que não há [...] mais a possibilidade de retorno a um contexto anterior, situado no passado remo- to ou recente, ao qual pudéssemos regressar. As mudanças históricas ou tecnológicas não são fatalidades, mas, uma vez desencadea- das, estabelecem novos patamares e confi- gurações de fatos, grupos, processos e cir- cunstâncias, exigindo que o pensamento se reformule em adequação aos novos termos para poder interagir com eficácia no novo contexto (p. 55). Diante desta necessidade de compreender as novas configurações desencadeadas pela tecnologia, passa- mos a expor algumas das questões apresentada por Sevcenko na obra Corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa (2001), as quais nos auxiliarão a refletir acerca do contexto em que a dança poderá ser trabalhada pelos professores e profissionais de Educação Física. Para abordar o percurso do desenvolvimento tecnológico, Sevcenko utiliza uma metáfora: um passeio de montanha-russa. O passeio é dividido em três momentos, os quais se remetem a dife- rentes tensões que caracterizam o desenvolvi- mento tecnológico. O autor estabelece, como primeira fase, a subi- da na montanha-russa e a relaciona com a ascensão do século XVI até meados do século XIX, período quando alguns países europeus iniciaram um pro- cesso que os proporcionariam “[...] o domínio de poderosas forças naturais, de forças de energia cada vez mais potentes, de novos meios de transporte e comunicação, de armazenamento e conhecimentos especializados” (SEVCENKO, 2001, p.14). A segunda fase do passeio vem logo após a subi- da, é o momento da queda, quando ocorre a perda de referências e o controle da consciência. O autor interpreta esse momento como: [...] um novo salto naquele processo de de- senvolvimento tecnológico, em que a incor- poração e aplicação de novos potenciais ener- géticos de escala prodigiosa. Isso ocorreu ao redor de 1870, com a chamada revolução Científica-Tecnológica, no curso as quais se desenvolveram as aplicações da eletricidade, com as primeiras usinas hidro e termelétri- cas, o uso dos derivados de petróleo, que da- riam origem aos motores de combustão in- terna e, portanto, aos veículos automotores; o surgimento das indústrias químicas, de novas técnicas de prospecção mineral, dos altos- fornos, das fundições, usinas siderúrgicas e dos primeiros materiais plásticos. No mesmo impulso foram desenvolvidos novos meios de transporte, como os transatlânticos, carros, caminhões, motocicletas, trens expressos e aviões, além de novos meios de comunicação, como o telégrafo com e sem fio, o rádio, os gramofones, a fotografia e o cinema (SEVCENKO, 2001, p.15). Quando a humanidade passou para o século XX, o mundo já estava estruturado da forma como o co- nhecemos hoje, sendo a terceira parte do passeio de EDUCAÇÃO FÍSICA 179 Sevcenko. Para o autor, estamos vivemos o loop da montanha-russa, o momento da “[...] síncope final e definitiva, o clímax da aceleração precipitada, sob cuja intensidade extrema, relaxando nosso impulso de reagir, entregando os pontos entorpecidos, acei- tando resignadamente ser conduzidos até o fim pelo maquinismo titânico” (SEVCENKO, 2001, p.16). Essa fase do desenvolvimento tecnológico se carac- teriza pela Revolução da Microeletrônica. A veloci- dade do desenvolvimento desse período se dá em uma escala vertiginosa que faz o ritmo dos momen- tos anteriores parecerem em câmera lenta. As inovações tecnológicas ocorrem em escala multiplicativa e desenvolvem-se em rede, fazendo com que a velocidade das alterações aconteça em curtíssimos intervalos de tempo, o que propicia um salto qualitativo dos aparatos tecnológicos. A po- tencialidade tecnológica proporciona possibilidades imprevisíveis, fazendo os sujeitos sentirem-se in- capazes de prever o rumo que as situações podem tomar. O autor alerta que, diante desse contexto, as pessoas, geralmente, adotam o posicionamento de relaxar e aproveitar a situação sem se preocuparem com os prejuízos. A falta de tempo para refletir e, até mesmo, a fal- ta de disposição para isto, aumenta a gravidade do problema. Essa é a questão central que o autor julga necessário compreendermos. Não é negar a impor- tância da tecnologia em nossas vidas e na sociedade, mas sim, pararmos para pensar, refletir e compreen- der o processodo qual fazemos parte. Neste sentido, Sevcenko (2001, p. 19) destaca que: “nesse momento tumultuoso, em que a celeridade das mudanças vem sufocando a reflexão e o diálogo, mais que nunca é imperativo investir nas funções judiciosas, correti- vas e orientadoras da crítica”. O autor sugere que este processo reflexivo ocor- ra em três momentos distintos, sendo eles sintetiza- dos da seguinte forma: • Primeiramente, devemos procurar o distan- ciamento da realidade, do ritmo acelerado das mudanças. Isto possibilitará o discernimento crítico, o envolvimento com as constantes transformações prejudica a ação reflexiva. • Após o distanciamento, é preciso voltar a atenção ao tempo histórico. O olhar para o momento anterior possibilita compreender as mudanças, avaliar os seus benefícios e pre- juízos. • Por fim, é preciso lançar o olhar para o fu- turo a partir do passado, ponderando acerca dos benefícios para a humanidade como um todo. A reflexão realizada por meio desses três passos não deve ser direcionada apenas pelos interesses da sociedade atual, tal contexto deve ser extrapolado e o fio condutor da análise deve ser estabelecido pelas questões pertinentes à sobrevivência da humanidade e à qualidade de vida das próximas gerações. Assim, a reflexão deve ser pautada em: [...] valores de longa duração, como participação democrática e decisões que dizem respeito a to- dos, distribuição equitativa dos recursos e opor- tunidades gerados pelas transformações tecno- lógicas, luta contra todas as formas de injustiça, violência e discriminação, e preservação dos recursos naturais (SEVCENKO, 2001, p.19-20). Ao retomar a metáfora da montanha-russa, o autor afirma que o loop retira das pessoas a percepção de tempo, tornando necessário restabelecer a conexão entre presente, passado e futuro. Além do tempo, a noção de espaço também é, pouco a pouco, retirada. 180 O surto vertiginoso das transformações tecno- lógicas não apenas abole a percepção do tempo: ele também obscurece as referências do espaço. Foi esse o efeito que levou os técnicos a for- mular o conceito de globalização, implicando que, pela densa conectividade de toda a rede de comunicações e informações envolvendo o conjunto do planeta, tudo se tornou uma coi- sa só. Algo assim como um único e gigantesco palco onde os mesmos atores desempenham os mesmos papéis na única peça em que se resume todo o show (SEVCENKO, 2001, p. 20-21). A sociedade onde vivemos caracteriza-se pela ten- dência contínua de mudanças com efeitos múltiplos em toda a esfera da vida humana, não se comparan- do a nenhum outro período que o antecedeu, fato que também se aplica ao processo adaptativo no que se refere à relação ser humano e máquina. “Nessa sociedade altamente mecanizada, são os homens e mulheres que devem se adaptar ao ritmo e à aceleração das máquinas, e não o contrário. Um drama que foi representado com singela beleza no clássico Tempos Modernos [...]” (SEVCENKO, 2001, p. 60). As mudanças comportamentais impactam os valores sociais, os quais passaram a ser estabelecidos por referenciais valorativos externos à subjetivida- de das pessoas. Sevcenko (2001, p. 64) justifica esta afirmação pautando-se no acelerado ritmo de vida urbano que não permite às pessoas conhecerem as diferenças que tornam cada um de nós seres únicos. Nessa grandes metrópoles em rápido cresci- mento, todos vieram de algum outro lugar; portanto, praticamente ninguém conhece nin- guém, cada qual tem uma história à parte, e são tantos e estão todos o tempo todo tão ocupados, que a forma prática de identificar e conhecer os outros é a mais rápida e direta; pela maneira como se vestem, pelos objetos simbólicos que exibem, pelo modo e pelo tom com que falam, pelo jeito de se comportar. Esta nova forma de reconhecer as pessoas atua- rá diretamente na percepção sensível, pois a visão assume o papel de orientadora e intérprete dos acontecimentos e das pessoas, o que significa uma modificação sensorial com efeitos na sensibilidade, imaginação e criatividade. A modificação da percepção humana trouxe muitos avanços, mas as imagens serem valorizadas em maior grau que o conteúdo é uma questão que afeta diretamente as relações humanas. O resultado é uma situação na qual as ima- gens são mais importantes do que os conteú- dos, em que as pessoas são estimuladas a con- correr agressivamente umas com as outras, em detrimento de solidariedade, e na qual as relações ou comunicações mediadas pe- los recursos tecnológicos predominam sobre os contatos diretos e o calor humano. É um mundo, sem dúvida, vistoso; potencializado por novas energias e recursos, mas cada vez mais carente de laços e de coesão social (SEVCENKO, 2001, p. 89). As pessoas estão tornando-se indiferentes aos seus próprios destinos e, consequentemente, aos dos pró- ximos. O senso de convívio coletivo é prejudicado e, assim, os indivíduos tornam-se mais solitários, mesmo vivendo rodeados por pessoas. [...] se fechando num “nós’ cada vez mais ex- clusivo, tendendo a se restringir, no limite, a um “eu” conectado numa rede infinita de cir- cuitos virtuais. Casais que se falam por meio de secretárias eletrônicas, pais que se comu- nicam com os filhos pela internet, professo- res que ensinam por teleconferência a alunos que respondem por e-mail. Ao redor deles, um mar de gente relegada, sucateada como máquinas obsoletas, abandonadas ao relento (SEVCENKO, 2001, p. 92). EDUCAÇÃO FÍSICA 181 Assim, podemos verificar que, ao lado de tantos be- nefícios proporcionados pela sociedade tecnológica, esta nova forma de ser e de viver pode ter consequ- ências negativas. Entre elas, destacamos o surgimento de doenças que, em outros tempos, não preocupavam a população. Para pensarmos especificamente sobre esta questão, passamos para a próxima seção, cuja te- mática se concentra nos corpos adoecidos. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: CORPOS ADOECIDOS Na seção anterior, pudemos verificar como as mu- danças tecnológicas impactaram o estilo de vida atu- al. Destacamos, nesse momento, o crescimento urba- no – ambiente que requer características singulares de vida – como lócus de reflexão da relação entre o ambiente e a saúde, relação essa que já foi estudada com perspectivas distintas. Uma delas é a compreen- são do ambiente como causa de doenças, e a saúde como equilíbrio entre o indivíduo e o ambiente. Nesta perspectiva, o equilíbrio pode ser entendi- do como a adaptação do sujeito ao ambiente, o qual é resultante da própria ação humana. Ribeiro e Var- gas (2015, p. 23) mencionam que: Finalmente, a vida urbana é afetada pelos avan- ços nas comunicações, com o crescimento expo- nencial das mídias virtuais e dos equipamentos que lhe abrem cada vez mais espaço. A quebra das barreiras do tempo e do espaço, que conec- tam países distantes em tempo real, o funciona- mento 24 horas de atividades que não podem ser interrompidas (hospitais, gráficas, indústrias, imprensa, abastecimento), o trabalho noturno, o aumento de horas efetivamente trabalhadas nem sempre contabilizadas e a ausência de descanso real (sem interrupções de mídias virtuais) impli- cam alterações metabólicas nos seres humanos, ainda não devidamente estudadas. O uso exces- sivo das mídias virtuais, com impactos na saúde ainda desconhecidos, bem como as distrações que elas oferecem, facilitando acidentes, no ca- minhar ou no dirigir, insinuam novos desafios em termos de saúde urbana. Como nos mostram as autoras, a nossa vida como um todo é alvo dessas transformações. Desde as atividades profissionais até os momentos de lazer, 182 a população contemporânea está submetida a con- dições que implicam em sua saúde física e mental. É neste contexto que todas as ações dos professores e profissionais de Educação Física devem ser consi- deradas, pois a saúde constitui-se como o ponto de partida para a prática interventiva. Como está pre- visto nos documentos que regularizam a profissão,a promoção da saúde é o objetivo da ação nessa área. Assim, não dá para desvincular a dança, como con- teúdo da Educação Física, da saúde. Art. 3º A Educação Física é uma área de co- nhecimento e de intervenção acadêmico-pro- fissional que tem como objeto de estudo e de aplicação o movimento humano, com foco nas diferentes formas e modalidades do exer- cício físico, da ginástica, do jogo, do esporte, da luta/arte marcial, da dança, nas perspectivas da prevenção de problemas de agravo da saúde, promoção, proteção e reabilitação da saúde, da formação cultural, da educação e da reeduca- ção motora, do rendimento físico-esportivo, do lazer, da gestão de empreendimentos re- lacionados às atividades físicas, recreativas e esportivas, além de outros campos que opor- tunizem ou venham a oportunizar a prática de atividades físicas, recreativas e esportivas (BRASIL, 2004, p. 1). Quando falamos de saúde na contemporaneidade, dois dados se destacam entre os demais: o índice de doenças relacionadas à obesidade e ao estresse. Am- bos são problemas relacionados ao estilo de vida e não devem ser considerados separadamente. Além da diminuição da atividade física e a inserção do fast-food no cotidiano das pessoas, é consenso entre os profissionais da saúde que a ingestão excessiva de alimentos atua como compensação para problemas relacionados à saúde mental, o que contribui com o aumento de uma população obesa. O crescimento exacerbado da obesidade é des- taque internacional e o Brasil acompanha este au- mento em todas as faixas etárias, em ambos os sexos e em vários níveis de renda social. As causas desse crescimento são decorrentes de vários fatores que perpassam a relação entre o sujeito e o ambiente, o que requer estratégias que contemplem desde as mudanças de hábitos alimentares, o aumento de ati- vidade física na rotina diária e a promoção da saúde mental, assim como ações que atingem as indústrias alimentícias e a mídia. Diante da complexidade do problema, a obesidade no Brasil também é objeto de políticas públicas, sendo o Ministério da Saúde o principal propositor de ações que visam a promo- ção e a prevenção da saúde por meio da prática de atividades físicas. Entre as medidas já efetivadas, podemos destacar: • Inserção do profissional de Educação Física no quadro dos profissionais da saúde. • Ressalva à importância da prática da ativida- de física na Política Nacional de Promoção da Saúde (2006). • Aprovação da Portaria n. 154/2008, que cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família, onde o profissional de Educação Física passa a trabalhar na Unidades de Atenção Básica à Saúde. • Aprovação da Portaria n. 719/2011, que cria a Academia da Saúde, programa que visa a mudança de hábitos e a adoção do estilo de vida ativo. Essas ações são decorrentes da Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), a qual foi “[...] instituída pela Portaria MS/GM nº 687, de 30 de março de 2006, e ratificou o compromisso do Estado brasileiro com a ampliação e a qualificação de ações de promoção da saúde nos serviços e na gestão do SUS [...]” (BRASIL, 2015, p. 5). Em 2013, frente aos dos desafios impostos EDUCAÇÃO FÍSICA 183 pelo contexto nacional e internacional, a PNPS pas- sou por uma reformulação e tornou como seu fun- damento “[...] o próprio SUS, que traz em sua base o conceito ampliado de saúde, o referencial teórico da promoção da saúde e os resultados de suas práticas desde a sua institucionalização” (BRASIL, 2015, p. 6). É importante destacar que o conceito ampliado de saúde entende esta como resultado do contexto geral e não se limita à visão reducionista da ausência de doença, preconizada pela perspectiva biologicis- ta. A partir deste posicionamento é que se estabelece o objetivo geral da PNPS: Promover a equidade e a melhoria das condi- ções e dos modos de viver, ampliando a po- tencialidade da saúde individual e coletiva e reduzindo vulnerabilidades e riscos à saúde de- correntes dos determinantes sociais, econômi- cos, políticos, culturais e ambientais (BRASIL, 2015, p. 11). O SUS, Lei Orgânica da Saúde (Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990), incorporou o conceito ampliado de saúde resultante dos modos de vida, de organização e de produção em um determinado contexto histórico, social e cultural, buscando superar a concepção da saúde como ausência de doença, centrada em aspectos biológicos. Fonte: Brasil (2015, p. 7). SAIBA MAIS A PNPS ainda nos auxilia a entender um conceito muito presente na Educação Física e que se configu- ra como a questão motriz da maioria das atividades dos profissionais de Educação Física: a promoção da saúde, definida como [...] um conjunto de estratégias e formas de produzir saúde, no âmbito individual e cole- tivo, que se caracteriza pela articulação e coo- peração intrassetorial e intersetorial e pela for- mação da Rede de Atenção à Saúde, buscando se articular com as demais redes de proteção social, com ampla participação e amplo contro- le social. Assim, reconhece as demais políticas e tecnologias existentes visando à equidade e à qualidade de vida, com redução de vulnerabili- dades e riscos à saúde decorrentes dos determi- nantes sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais (BRASIL, 2015, p. 7). Assim, a promoção da saúde, entendida como estra- tégias de produção de saúde com o objetivo de me- lhorar a condição de vida, tem a mudança de hábitos como medida preventiva central no processo. Isto indica um desafio, pois o sucesso dessas medidas requer a conscientização da população sobre a ne- cessidade das mudanças cotidianas, entendendo-as como fundamentais na prevenção de doenças e na aquisição de uma vida melhor. Para alcançar esta meta, o PNPS apresenta oito temas prioritários, que são: I. Formação e educação permanente; II. Alimentação adequada e saudável; III. Práticas corporais e atividades físicas; IV. En- frentamento do uso do tabaco e de seus derivados; V. enfrentamento do uso abusivo de álcool e de outras drogas; VI. Promoção da mobilidade segura; VII. Promoção da cultura da paz e dos direitos humanos; VIII. Promoção do desenvolvimento sustentável. O terceiro tema, práticas corporais/atividade fí- sica, tem como objetivo Promover ações, aconselhamento e divulgação de práticas corporais e de atividades físicas, in- centivando a melhoria das condições dos espaços públicos, considerando a cultura local e incorpo- rando brincadeiras, jogos, danças populares, en- tre outras práticas (BRASIL, 2015, p. 22). 184 O objetivo geral destas proposições está pautado no aumento dos níveis de atividade física da população como medida para o controle e a prevenção de do- enças crônicas não transmissíveis. Para que os objetivos e as metas sejam alcança- dos, contudo, não basta a elaboração de políticas, programas, projetos. É preciso que a população en- tenda a importância da atividade física e, para além disso, assuma um estilo de vida ativo. Isto não é fácil! A consciência e o incentivo cada vez maiores à necessidade da prática de atividades física pode ser “torturante” para aquelas pessoas que não conse- guem se manter ativas. O fato de estarmos inseri- dos em rotinas diárias inchadas de atividades des- gastantes contribui para a não regularidade de uma atividade física. Ao lado desta situação, as séries de exercícios repetitivos que exigem grande esforço fí- sico podem ser massacrantes para aqueles que não têm predisposição à atividades física. Isto é com- provado pela grande rotatividade dos alunos nas academias, as quais mantêm baixos números de alunos regulares quando comparados ao número de alunos evadidos. É neste sentido que a dança torna-se grande aliada das estratégias voltadas à promoção da saúde, pois, entre os seus benefícios, destacam-se: bem-es- tar, prazer e alegria. Estas especificidades da dança se revertem em aumento do nível de disposição e da autoestima, agindo como impulsionadores para que o praticantenão desanime e consiga manter um esti- lo de vida mais ativo. Leal (1998, p. 14), ao descrever a dança, afirma: É puro e simples prazer! Não só pelo fator fisiológico que o movimento propicia, desencadeando trocas energéticas e ativando reações orgânicas, quanto para o bom desen- volvimento da mente, visto que, com sua enig- mática estrutura, precisa liberar muitos impul- sos nervosos para o perfeito funcionamento do corpo, necessitando, principalmente, dos mo- mentos de descanso e relax. Muitos são os benefícios que podem ser elencados pela dança, pois ela própria se constitui como uma prática ampla que conecta o ser humano consigo e com o mundo em seu entorno. Ela requer que os seus praticantes organizem os seus movimentos considerando o espaço e o tempo, levando-os a con- frontar a sua subjetividade com o contexto externo. Esta estruturação do movimento corporal oferece a experiência completa por meio das ações motora, emocional e cognitiva. Vários estudos mostram que: [...] a saúde tem sido relatada como um dos principais motivos para a prática da dança, alia- da ao prazer e estados de ânimo, assim como a procura por condicionamento físico, bem-estar e sociabilização, destacando-se também que, através da dança, proporciona-se a sensação de bem-estar, a inclusão em grupo, reduz a ansie- dade, gera responsabilidade mútua, promove a saúde e o desenvolvimento da função motora, equilíbrio, habilidade musical e criatividade (ANDRADE et al., 2015, p. 231). Entre todos os benefícios da dança para a saúde, a mudança da condição física dos praticantes torna-se visível, contagiando, inclusive, os seus espectadores. Para Haas (2011, p. 7), o ato de dançar é uma extra- ordinária demonstração de habilidade física: “Poses bem delineadas, coreografias inovadoras e apresen- tações impressionantes são as características des- sa forma de arte [...] A dança representa equilíbrio impecável, controle muscular intenso, graça, ritmo e velocidade”. A princípio, parece-nos que estas habili- dades físicas mencionadas são exigências específicas das linguagens artísticas da dança, no entanto, quan- EDUCAÇÃO FÍSICA 185 do analisamos as diferentes formas de sua execução, podemos verificar que as afirmações de Haas (2011) se aplicam a todas as linguagens. Vejamos alguns be- nefícios, de forma geral, proporcionados pela dança. A realização das sequências de movimentos coreográficos direcionada pelas indicações rítmi- cas dos diferentes estilos musicais só é possível por meio do equilíbrio. Todo movimento é resultante da constante troca de equilíbrio e desequilíbrio corpo- ral, o que faz o indivíduo travar uma constantemen- te “luta” muscular para realizar as ações desejadas. Pees (2010, p. 6) afirma que são “necessárias adapta- ções constantes no corpo do indivíduo, em resposta à força da gravidade, nas reações musculares e mu- danças de equilíbrio; estas servem de treino para fa- vorecer maior integração percepto-motora”. Na dança esse ‘trabalho’ se intensifica, os movi- mentos organizados ritmicamente provocam uma constante perda e recuperação de equilíbrio que re- quer uma maior atuação muscular para se evitar a queda. Como consequência do aumento do traba- lho muscular o praticante poderá ter melhor tônus muscular. A diminuição da força e da potência muscular faz parte do processo natural do envelhecimento. Com o passar dos anos, as aptidões físicas entram em declínio, o que pode ser agravado com o estilo de vida sedentário, principalmente nos centros ur- banos. O mesmo se aplica à flexibilidade, cujas con- sequências podem ser o maior número de lesões, o prejuízo na mobilidade e na autonomia do sujeito. [...] a dança enquanto atividade física tem mui- tos benefícios, melhora a elasticidade muscular, melhora os movimentos articulares, diminui o risco de doenças cardiovasculares, problemas no aparelho locomotor e sedentarismo, reduzindo o índice de pressão (SZUSTER, 2011, p. 29). Aliado a todos esses benefícios, a dança se desta- ca especificamente em relação à potência aeróbica, pois o prazer proporcionado por ela faz com que o praticante permaneça por períodos prolongados em atividade física desenvolvendo, quase que im- perceptivelmente, a sua resistência aeróbica, a qual é muito importante para a prevenção de doenças cardiorrespiratórias e da obesidade. Assim, pode-se ressaltar que: Como atividade física, a dança talvez seja a mais completa de todas, por dar manutenção da for- ça muscular, sustentação, equilíbrio, potência aeróbica, movimentos corporais de total ampli- tude e mudanças no estilo de vida (FRITZEN; OLIVEIRA; ARAÚJO, 2015, on-line). Quando pensamos, todavia, em dança, em promo- ção à saúde e em qualidade de vida, é preciso olhar para os indivíduos com vistas não apenas ao corpo físico. É importante entendê-lo como um ser cons- tituído de outras dimensões, como a psíquica, a so- cial, a econômica e a cultural, as quais refletem a sua totalidade. O desequilíbrio dessas partes pode afetar o estado de saúde e de doença do indivíduo. A dança, como prática integradora das di- mensões humanas, é importante no tratamento e na prevenção das doenças psicossomáticas que, a grosso modo, se referem à unidade mente e corpo. Aparentemente, a medicina psicossomática é re- cente, no entanto, a sua gênese pode ser encontrada nos estudos do pai da medicina, Hipócrates (VI a. C.), o qual entendia o ser humano como um siste- ma integrado composto por corpo (matéria), alma (psiquismo) e ambiente. Na concepção de Hipócrates, o corpo não po- deria ser analisado separadamente da alma por- que “o corpo humano é um todo cujas partes se 186 interpenetram. Ele possui um elemento interno de coesão, a alma; ela cresce e diminui, renasce a cada instante até a morte. É uma grande parte or- gânica do ser” (VOLICH, 2000, p. 23). Seguindo este pressuposto dos resultados positivos da atu- ação da dança no bem-estar e do crescente índice de doenças mentais, trataremos, na sequência, da potencialidade da dança na melhora da qualidade de vida por possibilitar a diminuição do estresse causado pelo estilo de vida contemporâneo. Entre as diferentes formas de compreender o termo “qualidade de vida”, podemos ressaltar que este estado resulta da forma como as pessoas se co- locam diante das situações estressantes impostas pela vida. Por situações estressantes, estamos enten- dendo aquelas que retiram o sujeito de sua “zona de conforto”, exigindo esforço para reagir e se adaptar a algo que não lhe é natural. Foi neste sentido que, em 1936, Hans Selye utilizou pela primeira vez o termo “stress” para conceituar a Síndrome Geral de Adaptação ou Síndrome do Stress. Selye entendia o estresse como reações, em conjunto, desenvolvidas pelo organismo quando submetido a uma situação que requer grande esforço de adaptação. O estresse, em si, não é necessariamente nega- tivo. Pode agir como forma de impulsionar o pró- prio desenvolvimento humano, no entanto, quando ocorre o esforço exagerado do organismo para en- contrar um recurso adaptativo, o resultado pode ser o adoecimento. Geralmente, as situações estressan- tes são desencadeadas por tensões referentes a desa- fios, ameaças e/ou conquistas, as quais podem ser de ordem interna ou externa ao indivíduo. [...] os fatores relacionados à origem exter- na são representados por situações cotidianas ou por pessoas com as quais se lida rotineira- mente, ou seja, perdas ocasionais, acidentes, trabalho em excesso, família em conflito, en- tre outros. Os fatores internos correspondem à maneira como se imagina e interpreta uma situação, sendo essa perigosa ou ameaçadora. O organismo se coloca em situação de alerta sempre que necessário, provocando uma série de modificações fisiológicas nesses momentos (SILVA; MÜLLER, 2007, p. 250). As consequências das situações de estresse, positivas ou negativas, são derivadas das diferenças indivi- duais, que também estão interligadas àscondições socioculturais. Uma situação que, para alguns, é re- solvida com facilidade, para outros, pode provocar um estado de adoecimento. Assim, ao enfrentar as consequências negativas do estresse, é imprescindí- vel o conhecimento dos estímulos estressantes e de como eles podem afetar a vida dos indivíduos para que, desta forma, estratégias de como lidar com as ameaças sejam encontradas. Para o conhecimento das situações e dos elemen- tos estressores, é necessário que o indivíduo se dedi- que a este propósito, pois, em algumas situações, são desencadeados estados de ansiedade em níveis leves, moderados e elevados, mas sem que a pessoa consiga identificar o que causou/causa a situação. É neste sen- tido que o autoconhecimento é de suma importância, conhecer a si mesmo é o começo para o controle e a prevenção de doenças causadas pelo estresse. A dança aplicada a esse propósito tem ótimos resultados, pois é pelo corpo que os indivíduos interagem com o mundo. O corpo em movimento transmite mensagens, exprime individualidades e revela o nosso ser como um todo. Ele recebe, sen- te e absorve todas as nossas experiências positivas e negativas, as quais são expostas pelo movimento, o qual expressa sempre as nossas verdades, pois EDUCAÇÃO FÍSICA 187 [...] o corpo não pode mentir. Essa linguagem não verbal é de uma riqueza enorme e denota os estados interiores, ou seja, nosso mundo interno; e o faz com tal expressividade que se o analista, o psicólogo ou o psiquiatra pudessem reconhe- cê-lo, conheceriam mais seus pacientes assim do que através da palavra (FUX, 1988, p. 21). Considerando que analistas, psicólogos e psiquia- tras não dominam a linguagem corporal de seus pa- cientes, abre-se uma possibilidade de atuação para os profissionais que têm o corpo como objeto de es- tudo: bailarinos, dançarinos e profissionais de Edu- cação Física. Estes últimos são os mais recorrentes na busca da dança com o propósito de melhoria da qualidade de vida e de promoção à saúde. A deno- minação aceita para a dança com estes objetivos é dançaterapia. A sua idealizadora, a bailarina argen- tina María Fux (1988, p. 10), nos conta como o seu trabalho foi considerado terapêutico: Pouco a pouco, essa experiência de ver as trans- formações importantes que se manifestavam nos meus grupos me fez compreender que as aulas cumpriam um papel terapêutico. Eu não usava a palavra “terapia”, mas os psiquiatras e psicólogos que viam meu trabalho me confirmaram que o era e fizeram com que crescesse em mim aquilo que estava realizando: dançaterapia. A dançaterapia se aproxima dos preceitos da saúde pública por prevenir doenças, promover a saúde fí- sica/mental e, consequentemente, a longevidade. Podemos compreender tais benefícios por meio da explicação de Fux (1988, p. 10): “os potenciais ador- mecidos no corpo se transformam quando ele, ao mover-se, se expressa numa linguagem não-verbal, que vai produzindo, ostensivamente, mudanças posi- tivas, não apenas corpóreas, mas também psíquicas”. A dança como terapia pode despertar o indiví- duo para situações que o acelerado ritmo cotidiano não permitem, como a percepção e a exploração do espaço, estimulando a conscientização acerca do ambiente e das relações nele estabelecidas. O resul- tado pode ser a percepção do processo de constru- ção das respostas aos embates travados diariamen- te. É como se desligássemos o “piloto automático” e nos tornássemos “donos” de nossas ações. Para Santos (2010), a dançaterapia conduz a uma inte- gração total do indivíduo, pois estimula o corpo a despertar áreas adormecidas. Ao despertá-las e expressá-las representamos nosso mundo oculto, isto nos faz sentir melho- res. Expomos os nossos traumas, dificuldades, mágoas em movimentos, sentimentos e formas. Existe a possibilidade de liberarmos esta ener- gia estagnada que se encontra em nosso corpo, acumulado em forma de tensão e dor. Por isto é uma terapia não verbal. Diferente da terapia tradicional, da psicoterapia, ou mesmo da mu- sicoterapia (SANTOS, 2010, p. 7). Esta terapia não verbal traz grandes contribuições por trabalhar dimensões que outras terapias não conseguem atingir, isto porque “[...] através da pa- lavra podemos esconder e mentir, mas nosso cor- po, unido ao movimento, não pode enganar nem mentir” (FUX, 1988, p. 21). Quando não mentimos para nós mesmos, nos obrigamos a enfrentar e a su- perar fragilidades que buscamos esconder e que nos perseguem eternamente. Quando ocorre o confronto e a aceitação, esta- belece-se a superação, tornando o ser mais confian- te em si próprio. Estes resultados são impulsiona- dos pela própria característica da dança, ou seja, a atuação na sensibilidade, o que é potencializado pela música. Esta, por sua vez, agrega muitos aspectos 188 positivos. Fux (1988, p. 42) menciona que o movi- mento corporal, “[...] unido à música, é vivido numa totalidade criadora, como pude comprovar em di- ferentes idades: crianças, adolescentes e adultos; em todos pude ver que a música se transforma em corpo e que o corpo é a música”. A inter-relação corpo e música parece ser ine- rente ao ser humano, mas conforme as convenções sociais são assimiladas por nós por meio dos proces- sos educativos aos quais somos submetidos, deixa- mos adormecida esta nossa característica. É evidente que, se déssemos liberdade a nossos corpos, nos movimentaríamos; mas nossos tabus culturais, nossos preconceitos, impe- dem-nos de mover-nos quando escutamos música, apesar de sentirmos que nossos corpos querem fazê-lo. O corpo é estimulado pela música e produz imagens que se comunicam entre si. De que ín- dole é essa movimentação que se produz com a música, ou a que elementos responde? Res- pondem à totalidade. Ou seja, a música é uma estrutura que se dá em forma global. O movi- mento liberado pode refletir a complexidade musical (FUX, 1988, p. 41). Assim, ao libertarmos essa relação, podemos propi- ciar o desenvolvimento da sensibilidade e da percep- ção subjetiva do ser, atuando e despertando para o que muito se remete à Educação Física: a corporei- dade, ou a forma que o cérebro reconhece o corpo como um meio de se relacionar com o mundo. A corporeidade, entendida como uma for- ma de pensar corporalmente, uma relação entre o mundo interior e exterior mediada pela sensi- bilidade proveniente do movimento corpóreo, pode recuperar memórias sensíveis por meio de sensações corporais despertadas pela dança, con- tribuindo para o conhecimento do próprio corpo, das potencialidades e limitações, favorecendo a expressividade e a criatividade. Apesar de não haver contraindicação para a dançaterapia e nem idade específica para ser pra- ticada, nota-se que o seu desenvolvimento ocorre quando os indivíduos apresentam algum tipo de comprometimento físico ou mental. Geralmen- te, os praticantes de dançaterapia são adultos com quadros de doença mental, crianças com algum tipo de limitação e idosos. Nos questionamos: se a dança fosse uma prática sistematizada e inserida no cotidiano das pessoas, ela não poderia minimizar o surgimento de quadros como os mencionados? Seria necessário o desenvolvimento da dança como terapia se educadores a utilizassem como um pro- cesso de formação humana que preparasse as no- vas gerações para os desafios presentes na realidade globalizada e tecnológica, a qual impulsiona o sur- gimento do estresse? Entendemos que a dançaterapia sempre será ne- cessária, pois os seus objetivos estão relacionados à formação do sujeito como um todo. No entanto, os motivos que a tornam necessária podem ser dimi- nuídos se considerarmos a dança em sua totalida- de: da mesma forma que é uma atividade física que sempre trará benefícios para o “corpo biológico”, ela também, por sua essência, é uma atividade “espiritu- al” que atua na psique humana. Assim, os objetivos podem ser estabelecidos de forma a intensificar determinadas potencialidades, mas a sua atuação nunca serálimitada a um único aspecto. Em função desta compreensão é que a dan- ça é indicada no processo de educação, seja em am- biente formal ou não formal, por atuar na totalidade do ser, favorecendo a formação de sujeitos mais sau- dáveis e autônomos. EDUCAÇÃO FÍSICA 189 Para que a dança, entretanto, alcance estes ad- jetivos e exerça a sua potencialidade educativa/ formativa, necessita-se que os professores e profis- sionais de Educação Física, de forma geral, com- preendam a sua importância e sintam-se aptos a desenvolvê-la. Como a dança não é uma atividade “democrática” no Brasil, ou seja, mesmo o nos- so país sendo considerado dançante, são baixos os índices de pessoas que experienciaram a dança de forma sistematizada no decorrer de suas vidas, cabem aos cursos de graduação capacitar os seus futuros profissionais para a atuação efetiva em dança. Assim, passamos para a próxima seção, cujo propósito é investigar como os professores e profissionais de Educação Física estão sendo preparados pelos cursos de graduação para atua- rem com a dança. Para se ter uma ideia da amplitude e densi- dade dessas mudanças tecnológicas, conside- rando alguns dados relativos ao século XX. Se somássemos todas as descobertas científicas, invenções e inovações técnicas realizadas pe- los seres humanos desde as origens da nossa espécie até hoje, chegaríamos à espantosa conclusão de que mais de oitenta por cen- to de todas elas se deram nos últimos cem anos. Dessas, mais de dois terços ocorreram concentradamente após a Segunda Guerra. Verificaríamos também que cerca de setenta por cento de todos os cientistas, engenheiros, técnicos e pesquisadores produzidos pela es- pécie humana estão ainda vivos atualmente, ou seja, compõem o quadro das gerações nascidas depois da Primeira Guerra. Fonte: Sevcenko (2001, p. 24). SAIBA MAIS 190 A Formação dos Professores e Profissionais de Educação Física e o Ensino da Dança Quando os professores de Educação Física são ques- tionados sobre o porquê de não trabalharem a dança em suas aulas, a maioria responde que a falta de ex- periência prejudica a aplicação desse conteúdo. Di- ferentemente de outras atividades, como os esportes, os quais as crianças têm acesso desde cedo tanto em ambiente escolar como não escolar, a prática da dan- ça é frequentemente limitada. Tradicionalmente, no Brasil, o gênero feminino possui mais experiências dançantes do que o mas- culino, pois são as meninas que fazem cursos de dança, como balé clássico e jazz dance. Mesmo com o avanço das discussões sobre os preconceitos rela- tivos à dança, percebe-se que esta forma de pensar ainda persiste em nossa sociedade. Marques (2003) explica que esse preconceito é decorrente de vários fatores, mas que está, na maioria das vezes, associa- do ao imaginário social, o qual aproxima a dança a feminilidades. Ou seja, as pessoas: [...] mesmo nunca tendo assistido a um espe- táculo de balé clássico, muitas vezes, a dança é diretamente associada a ele, e, consequente- mente, à “graça, delicadeza, meiguice” que, no Brasil, são, muitas vezes, tidas como caracte- rísticas absolutamente a avessas à virilidade (MARQUES, 2003, p. 39). EDUCAÇÃO FÍSICA 191 A autora nos conduz, ainda, a refletir o porquê deste pensamento em um país como o nosso, onde existem: [...] inúmeros grupos de dança e trios elétricos formados majoritariamente por homens du- rante o carnaval (o Olodum, por exemplo); nas danças de salão que o Brasil exporta; nas dan- ças de rua; capoeira; entre tantas outras mani- festações em que a dança não está associada ao corpo delicado da bailarina clássica, mas, ao contrário, à virilidade, à força, à identida- de cultural do homem brasileiro (MARQUES, 2003, p. 20). Esta forma de entender a dança torna-se prejudi- cial por favorecer a exclusão, principalmente, em ambiente escolar. Quando os professores são “obri- gados” a criarem coreografias para apresentações, valem-se da vivência das meninas, colocando-as na frente como modelos para os demais alunos. Isto gera um círculo vicioso, pois quem já tem contato com a dança se sobressai, inibindo os demais que, geralmente, se afastam da prática. Estes alunos, se futuros professores de Educação Física, tenderão a reproduzir a mesma situação. Marques (2003, p. 21) valida tal afirmação, mencionando que: Tanto o corpo quanto a dança ainda são cober- tos por um mistério, um buraco negro que a grande maioria da população escolar ainda não conseguiu investigar, explorar, perceber, sentir, entender, criticar! Ou seja, embora não se aceite mais o preconceito em relação ao contato com o corpo e com a arte, as gerações que não tiveram dança na escola, muitas vezes, não conseguem entender seu significado e sentido em contexto educacional. Há, às vezes, um entendimento estritamente intelectual em relação a essa disciplina, sem que haja um entendimento corporal crítico e, portanto, aceitação e valorização baseadas na experiência. Para que ocorra a quebra desse círculo, é preciso a intervenção dos cursos de graduação em Educa- ção Física. No entanto, aqui nos deparamos com outro problema, como nos lembra Sborquia e Gallardo (2006, p. 65), “no contexto curricular da formação inicial em Educação Física, a dança qua- se não aparece e, quando aparece, se apresenta na forma de disciplina ou como conteúdo de outros componentes”. Geralmente, as matrizes curriculares desses cur- sos trazem o conteúdo de dança em disciplinas de, no máximo, dois semestres. Assim, nos colocamos no lugar dos alunos que nunca tiveram contato an- terior com a dança e nos perguntamos: será que um ano de estudos de dança poderá superar a falta de contato anterior a ponto de qualificar esses professo- res a trabalharem com a dança em suas aulas? Considerando que muitas linguagens de dança requerem anos de aprendizado – por exemplo, no balé clássico são nove anos –, a resposta imediata será: não! No entanto, uma reflexão menos superfi- cial poderá indicar uma resposta contrária. Isto de- penderá de como os docentes dos cursos superiores estão entendendo e transmitindo os conceitos e ob- jetivos da dança na Educação Física. Este é um pro- blema que merece ser considerado, pois, como lem- bram Sborquia e Gallardo (2006, p. 66) “[...] a dança nos cursos de Educação Física tem sido canalizada como sequência de exercícios físicos que ressaltam mais o aspecto motor, relegando a segundo plano os movimentos estéticos e expressivos”. Em oposição a essa realidade, as propostas atuais sugerem que a formação em Educação Física deve ser fundamentada nos aspectos interpretativos que se vinculem com o fazer/pensar dança. Marques (2003, p. 22) explica-nos a proposta, indicando a necessidade de os professores buscarem: 192 [...] conhecimento prático-teórico também como interpretes, coreógrafos e diretores de dança. Ou seja, conhecimento que envolva o fazer-pensar dança e não somente seus aspectos pedagógicos. A dissociação entre o artístico e o educativo, que geralmente é enfatizado na formação dos profis- sionais nos cursos de Licenciatura e Pedagogia, tem comprometido de maneira substancial o de- senvolvimento do processo criativo e crítico que poderia estar ocorrendo na educação básica. De acordo com a autora, podemos entender que o conhecimento do professor transcende a questão técnica da dança que, na maioria das vezes, os in- timida por acharem que devem ser um exemplo na execução técnica. A indicação para a formação do professor de dança concentra-se no pensar-fazer que envolve, além da interpretação, experiências de cria- ção e direção. Desta forma, podemos entender que o acadêmico deve vivenciar/experimentar a dança em sua amplitude e não receber um processo de ensino concentrado na reprodução de repertórios. O professor deve ser apto a lidar com os desafios coreográficos como pertencentes ao processo edu- cativo, e não se “esconder” em repertórios, reprodu- zindo-os de formamecanizada, sem conexão como a reflexão ou o pensar-fazer dança. O professor em formação deve passar por um processo de ensino que desenvolva as suas poten- cialidades, e não que transmita “receitas prontas” de como ensinar dança. Se os professores forem forma- dos nesta perspectiva, eles serão capazes de desen- volver práticas pedagógicas que tenham os mesmos objetivos vivenciados por eles em suas formações. Em consequência, a aula de dança assumirá o seu papel de formadora de sujeitos conscientes sobre si e a sociedade onde vivem, o que se aproxima do pen- samento de Marques (2003, p. 23-24) sobre a dança em ambiente formal de ensino. A escola pode, sim, fornecer parâmetros para sistematização e apropriação crítica, consciente e transformadora dos conteúdos específicos da dança e, portanto, da sociedade. A escola teria, assim, o papel não de “soltar” ou de reprodu- zir, mas sim de instrumentalizar e de construir conhecimento em/por meio da dança com seus alunos, pois ela é forma de conhecimento, ele- mento essencial para a educação do ser social. Apesar de parecer claro o caminho que os cursos e professores devem seguir, será que está evidente como isto deve ocorrer? Com o intuito de nos aprofundar- mos nessa questão, passaremos, na sequência, a tratar especificamente dos conteúdos da dança. ALGUMAS PERSPECTIVAS PARA O ENSINO DE DANÇA EM AMBIENTE FORMAL E NÃO FORMAL A forma como a sociedade, de forma geral, entende a função da dança, se reflete nos conteúdos e objetivos pro- postos em suas práticas. Não são raras as vezes em que as aulas de dança são entendidas como mero “passatempo”, cujos objetivos são a diversão e o relaxamento. Quando não, a sua prática é associada à disciplina, o que faz com que muitos pais procurem os cursos de dança como auxi- liadora do controle comportamental de seus filhos. É preciso entender que a dança tem particularida- des que devem ser exploradas, elementos que somente por meio dela podem ser desenvolvidos. O caminho que indicamos é o de compreendê-la como linguagem artística/expressiva. Qual a diferença entre entender a dança como puramente movimento físico e, por outro, como movimento expressivo? A dança se torna arte quando o movimento ar- ticulado ao som (ou ritmo) e ao espaço for fruto de uma relação simbólica, ou seja, quando o movimento EDUCAÇÃO FÍSICA 193 é uma ação significativa entre o dançarino e o meio que o envolve. Podemos entender a dança/arte como a relação do eu com o meio expresso, não por palavras, mas por movimentos. O eu é o indivíduo em sua tota- lidade que, ao desenvolver a sua potencialidade racio- nal, pensa, reflete e se sensibiliza, dando significado ao meio (mundo) que o cerca. É dessa relação entre o eu, o meio e o movimento simbólico que devem ser retira- dos os conteúdos da dança. O desenvolvimento da dança, nesta perspectiva, pode ocorrer de formas variadas, e destacamos duas possibilidades que podem ser adaptadas de acordo com o ambiente. São elas: vivência prática (o fazer dança); e o olhar reflexivo para a dança como fruidor e crítico. Para que estas possibilidades fiquem mais claras, passaremos a abordá-las separadamente. No entanto, é importante entender que, mesmo se consti- tuindo como possibilidades distintas, o fazer, o fruir, o pesquisar e o criticar sempre são elementos intrínsecos nas práticas de dança. O fazer dança na escola O fazer dança refere-se ao ato de dançar. No entanto podemos nos questionar: toda a vez que dançamos, es- tamos fazendo dança? Já que, no caso de repertórios, as coreografias estão prontas. Assim, o termo fazer dan- ça seria a denominação mais apropriada, uma vez que nem sempre estamos construindo danças/coreografias? O fazer dança tem sentido mais amplo do que a cria- ção ou a construção coreográfica, apesar deste processo também fazer parte de seu significado. O fazer dança está fundamentado no pensamento de que, cada vez que executamos uma dança, estamos reconstruindo-a, pois as condições externas e internas não são constan- tes. Lembremos o pensamento do filósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso: há mais de 2.000 anos, ele menciona- va que os indivíduos não podiam banhar-se duas vezes no mesmo rio porque as águas já teriam passado, assim como os indivíduos também não seriam os mesmos. Cada vez que dançamos a mesma coreografia, a fazemos diferentemente, por isto, fazemos danças di- ferentes a cada execução. Assim, quando nos referimos ao fazer dança, estamos nos referindo, basicamente, a dois processos: o de criação e o de interpretação. Tra- temos de cada um deles. Criação A criação de dança justifica-se, a princípio, por pro- piciar a vivência de movimentos dançantes diferen- tes das coreografias oferecidas pela mídia ou aquelas de fácil acesso. Além de que, por meio da criação, os praticantes podem se expressar de acordo com seus vocabulários próprios de movimento, libertando-se das imposições dos repertórios prontos. Como ex- plica Marques (2003, p. 27): Ao contrário do que nos dita o senso comum, as aulas de dança podem ser verdadeiras prisões dos sentidos, das ideias, dos prazeres, da percep- ção e das relações que podemos traçar com o mundo. De fora para dentro, regras posturais ba- seadas na anatomia padrão, sequências de exercí- cios preparadas para todas as turmas do mesmo modo, repertórios rígidos e impostos (por exem- plo, as festinhas de fim-de-ano) podem estar nos desconectando de nossas próprias experiências e impondo tanto idéias de corpo (em forma e pos- tura) quanto de comportamento em sociedade. A criação, entretanto, não é algo simples e pode trazer frustrações, assim como as exigências técni- cas dos repertórios, caso o professor não entenda e conduza o processo criativo. Podemos pensar essa frustração a partir de uma autoavaliação: quem se 194 considera criativo? Será que a resposta da maio- ria foi positiva ou negativa? É possível que te- nha sido negativa! Imagine, portanto, como se sentem os alunos da Figura 1 a seguir. Esta cena não está muito distante de nossas experiências escolares com a dan- ça. Muitos professores, com o intuito de desenvolverem um trabalho seguindo as indicações de que a criação coreográfica é o melhor caminho, transformam as suas aulas em um espaço propício a frustrações e à inatividade. Para que isto não ocorra, é im- portante esclarecermos o que é criação e como desenvolvê-la. Comecemos por entender a primeira. Sempre que pensamos em criação, temos que considerar, primeiramente, que criar é fazer algo, uma produção. No entanto, a compreensão do ter- mo, na contemporaneidade, nos remete a um fazer inédito, inovador, ou seja, em um sentido mais am- plo do simples fazer. Para pensarmos nesse proces- so, tomemos como base os conceitos grego e medie- val de criação. Para os medievais, o sentido de criação associa- va-se à “criação divina”, que ocorre a partir do nada. Deus é o criador do universo, antes dele não existia nada. Tal ideia se opõe ao conceito de criação do pe- ríodo anterior. Entre os gregos da Antiguidade, este pensamento é inaceitável, pois, para eles, a criação parte de algo, de uma realidade preexistente. Diante dessas duas formas de entender a criação, nós esta- mos mais próximos de qual delas hoje? Parece-nos que a herança do conceito medie- val de criação divina ainda está muito presente em nossos dias, tanto que muitos artistas, considerados “supercriativos”, recebem a denominação de gênios e, muitas vezes, são tratados quase como “deuses”. Entretanto, o processo não é bem assim. Bom dia pessoal! Na aula de hoje iremos montar uma coreografia. Que tipo de movimentos podemos usar? Que estilo musical podemos podemos dançar? Será indicado um tema para a coreografia? Quero que formem grupos de 5 pessoas e criem uma coreografia do jeito que quiserem. EDUCAÇÃO FÍSICA 195 Figura 1 - Aula de dança: processo de criação a imaginação artística. O artista presentifica as suas experiênciasanteriores, as reorganiza em forma de imaginação e materializa as suas sínteses como ob- jeto artístico. Assim, cabe ao professor fornecer ex- periências sensíveis dançantes para que os alunos possam construir a memória corporal, a qual subsidiará a criação em dança. Por isto, a interpretação de repertórios não deve ser descartada, mas sim, valorizada, pois a execução de criações de outras pessoas pode se constituir como importante elemento para a criação coreográfica. Figura 2 - Imaginação Fonte: a autora. Interpretação Iniciamos convidando todos a pensarem sobre o que significa interpretar em dança. O termo interpretar está relacionado à ideia de “explicar algo” por um mecanismo diferente do qual a mensagem original foi enviada. Podemos pensar este Vocês têm total liberdade para escolher os movimentos, o tema e a música, desde que tudo seja bem criativo! Agora podem começar..... no final da aula volto para ver o que vocês fizeram. Aliás, essa será a avaliação do bimestre e as notas serão atribuídas conforme a criatividade dos grupos. A criação está diretamente envolvida com a imagi- nação, a qual significa “fazer aparecer imagens”. Isto quer dizer que, quando temos uma experiência sen- sível, a guardamos em nós em forma de “imagem/ sensação/conceito”. A imaginação necessita das sen- sações ou percepções sensoriais anteriores para se formar, o que nos leva a entender que são as expe- riências concretas e as vivências que proporcionam 196 conceito de várias formas: por exemplo, a interpreta- ção dos sonhos, que consiste na busca de significados para tornar possível a sua compreensão; a interpreta- ção como tradução de uma língua para outra; e inter- pretação artística, muito conhecida nas artes cênicas. Quando uma pessoa, de forma geral, executa uma dança (coreografia) de criação própria ou não, ela pode estar interpretando ou apenas executando a dan- ça. No que consiste a diferença entre as duas ações? Para respondermos a esta indagação, lembremos que a interpretação requer a transposição de mensa- gem/ideia/sentimento de um signo para outro. Há a necessidade de o intérprete/bailarino possuir “algo” que possa comunicar por meio de seus movimentos. Este é um processo que extrapola a execução pura- mente física, requer que o sujeito mobilize todas as suas potencialidades em prol de um trabalho que possibilite a criação/elaboração de uma mensagem a ser transmitida. Tal processo não se difere do desen- volvido pelos atores, por exemplo. O diferencial está na linguagem utilizada para a comunicação: atores utilizam a linguagem teatral, e bailarinos, a dançante. Assim, para pensarmos tal processo, nos remetere- mos a Constantin Stanislavski (1863-1938) que, em sua obra A Construção da Personagem (1983), nos mostra o procedimento dessa construção, nos auxiliando a re- fletir sobre como interpretar em dança e como isto é importante no processo de formação humana. Cada indivíduo desenvolve uma caracterização exterior a partir de si mesmo e de outros; tiran- do-a da vida real ou imaginária conforme sua in- tuição, e observando a si mesmo e aos outros. Ti- rando-a da sua própria experiência da vida ou da de seus amigos, de quadros, gravuras, desenhos, livros, contos, romances, ou de algum simples in- cidente, tanto faz. A única condição é não perder seu eu interior enquanto estiver fazendo essa pes- quisa exterior (STANISLAVSKI, 1983, p. 31-32). Podemos perceber que a caracterização refere-se à composição externa do personagem, ou seja, à forma com a qual ele se apresentará ao público em relação a figurino, adereços e maquiagem. A caracterização também é um elemento muito presente na dança, por exemplo, quando dançamos a quadrilha, os meninos usam roupas remendadas, chapéus de palha e dese- nham em seus rostos barbas e bigodes exagerados; as meninas vestem vestidos de chita, usam cabelos com tranças e se maquiam com cores fortes. Ambos costumam pintar os dentes de preto para simular fa- lhas, além de adotarem andares, posturas e fala cari- caturados. No entanto, quem dança a quadrilha não deixa de ser quem é, apenas cede espaço para que o “caipira” presente em seu interior possa se expressar. Para que esse “caipira” seja real, é preciso mais do que roupas estereotipadas, é preciso que o intérprete descubra dentro de si esse personagem, para que ele próprio possa acreditar no que está mostrando aos demais. Stanislavski (1983, p. 51) deixa isto evidente quando apresenta o relato de um ator: Antes de mais nada, acreditava plena e sincera- mente na realidade daquilo que estava fazendo e sentindo. Disso nasceu um sentimento de con- fiança em mim mesmo e na correção da ima- gem que eu criara, na sinceridade de suas ações. Assim, podemos pensar que um bailarino, ao dançar um repertório tradicional, como as danças da cultu- ra popular brasileira, um tango argentino, um funk americano etc., precisa da aproximação daquela rea- lidade, o que requer um trabalho laborioso para que haja verdade em seus gestos. A sua simples execução não expressa a verdade do movimento, há a necessi- dade de o intérprete entender que existe, por exem- plo, um “dançarino de frevo” dentro de si. Todavia é importante ressaltar que o propósito não é a fusão EDUCAÇÃO FÍSICA 197 da identidade do intérprete com o “dançarino de frevo”. Cada um é um, coabitando o mesmo espaço, como podemos verificar na seguinte passagem: Enquanto tomava banho, lembrei-me de que, representando o papel de Crítico, ainda assim não perdia a sensação de que era eu mesmo. Concluí que isso era porque, enquanto repre- sentava, eu sentia um prazer imenso em acom- panhar a minha transformação. De fato, era o meu próprio observador, ao mesmo tempo que outra parte de mim estava sendo uma criatura crítica, censuradora. Mas, posso acaso afirmar que essa criatura não faz parte de mim? Devei-a da minha própria natureza. Dividi-me, por assim dizer, em duas personalidades. Uma permanência em ator, a outra era um observador (STANISLAVSKI, 1983, p. 42-43). Tal processo de construção e a descoberta de outros eus que coabitam o mesmo corpo são importantes para a conscientização das diferenças sociais e das relações interpessoais, pois, somente descobrindo e vivenciando “os outros eus” é possível a criação de uma visão de mundo mais tolerante às diferenças. A interpretação de repertórios pode, ainda, tor- nar-se eficiente para que os indivíduos se observem e compreendam quem realmente são, podendo lidar e trabalhar com as suas dificuldades e limi- tações que, na maioria das vezes, são escondidas no íntimo de cada um por medo de exposições e julgamentos externos. Como Stanislavski (1983, p. 52-53) questiona: [...] será que ele teria a coragem de nos mostrar essas mesmas emoções sem usar a máscara de uma imagem criada? [...] Mas se você se escon- desse atrás da figura de uma personagem, ainda ficaria embaraçado? Após a resposta negativa, o autor ainda afirma que Vimos como um rapaz recatado, que mal seria capaz de se dirigir a uma mulher, tornar-se de súbito insolente e, detrás da máscara, expor os seus traços e instintos mais intimamen- te secretos, coisas que, na vida comum, não sonharia mencionar nem em secreto a quem quer que fosse (STANISLAVSKI, 1983, p. 53). A utilização de repertórios nas aulas de dança pode ser muito frutífera, propicia vivências com os ou- tros eus e, ao mesmo tempo, constrói vocabulários em dança que serão requisitados nos processos de criação. É necessário que o professor tenha clara a diferença entre reproduzir danças consagradas pela tradição e interpretá-las. A reprodução traz benefí- cios motores, mas não possibilita o alcance de todos os benefícios que a dança pode proporcionar. Considerando que a justificativa das danças folclóricas é o resgate/a construção da iden- tidade nacional, e que a quadrilha retrata o contexto vivido por nossos pais, avós e bisa- vós, podemos pensar: quem eram aqueles