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Alaor Carlos de oliveira Introdução O que é saúde?Capítulo 1 A história da saúde e da doença vem, desde tempos imemoriais, evoluindo como uma construção de significados sobre a natureza, as funções e a estrutura do corpo e ainda, sobre as relações entre o corpo e o espírito e os indivíduos e seus ambientes. A compreensão dos significados de saúde e de doença vem se alterando ao longo dos tempos, confundindo-se com a própria história da medicina e da evolução da humanidade. Entender a dinâmica dos processos e das interações bio-psíquico- sociais que impactam a qualidade de vida dos indivíduos e das populações e saber avaliar o papel e a influência dos inúmeros fatores condicionantes que interferem no resultado dessas múltiplas interações é a chave que permitirá ao Tecnólogo em Saúde Coletiva interferir nos processos de adoecimento, controlar e/ou eliminar riscos de agravos e promover saúde. Nesta unidade didática abordaremos a evolução histórica do conceito de saúde e a sua relação com a evolução dos métodos terapêuticos e dos modelos de intervenção. 2 UNIUBE Ao final deste estudo o aluno deverá ser capaz de: • relacionar a evolução histórica do conceito de saúde aos modelos de abordagem, intervenção e enfrentamento dos agravos; • distinguir doença de enfermidade; • reconhecer o caráter multifatorial do processo saúde/doença e identificar seus fatores determinantes e condicionantes; • correlacionar os fatores econômicos, sociais, culturais, históricos, ambientais e políticos que promovem alterações no estado de saúde das populações e compreender a sua sinergia; • explicar a importância da intersetorialidade e da participação social no enfrentamento dos problemas sanitários da população; • demonstrar o conceito ampliado de saúde; • justificar o modelo da Promoção da Saúde; • elaborar um conceito próprio de saúde; • avaliar o conhecimento adquirido. 1.1 Reflexão acerca do conceito de saúde 1.2 A complexidade do fenômeno saúde/doença 1.3 O período pré-cartesiano: da concepção mágico-religiosa à teoria naturalista da saúde 1.4 Da metodologia aristotélica para o método científico: o paradigma cartesiano 1.5 A saúde como ausência de doença – o modelo biomédico Objetivos Esquema UNIUBE 3 1.6 O bem-estar como fator condicionante e determinante da saúde 1.7 O modelo da promoção da saúde e o conceito ampliado de saúde 1.8 Considerações finais Reflexão acerca do conceito de saúde1.1 Inicialmente convidamos você a fazer uma reflexão preliminar sobre o tema que será abordado na unidade 1 do seu curso. O que é algo impossível de ser explicado e que apenas se pode sentir? Diante de um determinado estímulo, cada indivíduo ou organismo reage de modo peculiar e diferente do modo como reagirão outros indivíduos quando submetidos ao mesmo estímulo. Ou seja, do ponto de vista fisiológico, um mesmo impulso nervoso pode provocar sensações, reações e respostas diferentes em diferentes indivíduos. Exemplos: • a permanência em um ambiente a 35ºC de temperatura pode ser considerada tolerável para uns e muito desconfortável para outros; • quando várias pessoas ficam presas em um mesmo elevador, algumas permanecerão tranquilas, outras poderão demonstrar nervosismo, insegurança ou irritação, enquanto outras entrarão em pânico; PARADA PARA REFLEXÃO 4 UNIUBE • um mesmo tipo de vírus da gripe poderá levar alguns indivíduos a um simples estado febril seguido de leve indisposição enquanto outros indivíduos poderão ficar acamados e fora de combate por uma semana; • alguns indivíduos não temem injeções, enquanto outros chegam a desmaiar por medo e aflição antes da picada; • o período de gravidez pode passar praticamente despercebido para algumas gestantes e significar nove meses de muito padecimento para outras. • o mesmo pode ocorrer em relação ao medo da altura ou o medo do escuro. Por essa razão entendemos que uma dor, um mal-estar, um incômodo, uma emoção, uma insatisfação, uma preocupação, a tristeza e a alegria, assim como o ‘sentir-se doente’, serão sempre subjetividades do ser que as experimenta e vivencia. Tratam-se de ‘sensações íntimas’ intraduzíveis, impossíveis de serem explicadas e tampouco compreendidas, passíveis apenas de serem sentidas. O que é saúde para você? Como saber se uma pessoa se encontra, de fato, saudável? Em seu minucioso trabalho de investigação sobre o pensamento Cartesiano intitulado Animais, homens e sensações segundo Descartes, Rocha (2004), atribui ao filósofo, a tese de que algumas sensações que o ser humano vivo experimenta, por serem tão íntimas e pessoais tornam- se intraduzíveis aos outros pois, só podem ser ‘sentidas’ por seu titular. UNIUBE 5 Scliar (2007. p. 30), afirma: “Saúde não representa a mesma coisa para todas as pessoas. Dependerá da época, da idade, do lugar, da classe social. Dependerá de valores individuais, dependerá de concepções científicas, religiosas, filosóficas”. Sentir-se saudável, portanto, é uma percepção íntima, intraduzível e intrínseca ao seu portador. “Há uma parte do corpo humano vivo que é inacessível aos outros, que é, pura e exclusivamente, acessível ao seu titular” (CANGUILHEM apud BATISTELA, 2007, p. 57). Em seu artigo “A saúde: conceito vulgar e questão filosófica”, Canguilhem (2005), propõe que a definição de saúde não é um conceito científico e sim um simples constructo filosófico ao alcance de todos, ou seja, capaz de ser enunciado por qualquer ser humano vivo, a partir da sua forma de ver e ‘sentir’ seu próprio corpo e o mundo. Antes de continuar a leitura, faça o exercício a seguir. Ele irá contribuir e facilitar a apreensão e a compreensão do tema a ser estudado. Este exercício consiste em uma prévia reflexão sobre o título deste capítulo, na busca de uma “resposta pessoal” para a pergunta: “O que é saúde?” Considerando o pensamento de Canguilhem (2005) de que a definição de saúde não é um conceito científico e sim um simples constructo filosófico ao alcance de todos, ou seja, capaz de ser enunciado por qualquer ser humano vivo, a partir da sua forma de ver e ‘sentir’ seu próprio corpo e o mundo”, escreva, em uma ou mais frases, o seu conceito pessoal sobre “saúde”. Antes de começar a escrever sua definição pessoal de saúde e, para orientar o início do seu raciocínio, tente responder mentalmente às AGORA É A SUA VEZ 6 UNIUBE seguintes indagações: A saúde poderia ser definida como... • um estado físico de ausência de doenças? • um estado físico de pleno funcionamento dos órgãos? • um estado de completo bem estar físico, mental e social? Você respondeu “sim” para todas perguntas? Para nenhuma? Considera as perguntas como intercomplementares? Elas não contemplam a definição? Elas são restritivas e insuficientes? Elas poderiam ser mais objetivas? Agora que você já refletiu sobre o tema, escreva o seu conceito de saúde. Para isto, recomendamos que você separe uma folha de papel em branco e comece a escrever fazendo quantas alterações julgar necessárias. Depois de chegar a uma definição sobre saúde, fruto da sua opinião pessoal, guarde suas anotações até o final da leitura do texto que virá a seguir. Você necessitará consultá-la ao longo desta leitura. A complexidade do fenômeno saúde/doença1.2 Todo ser vivo é um organismo instável em constante processo de adaptação. Saúde e doença são manifestações desta perene instabilidade. Portanto, do ponto de vista biológico, tanto o aparente UNIUBE 7 estado de saúde, como as manifestações ou quadros característicos de doença, nada mais são do que consequências e resultados decorrentes de interações dinâmicas entre os diferentes órgãos de um dado organismo ou indivíduo e entre estes e o ambiente externo que com eles interage. O eminente médico sanitarista e historiador George Rosen publicou no final do século XX, sua concepção ecológica de saúde: [...] o termo saúde, quer se refira à boa ou à má (condição de saúde), designaum estado dinâmico de um organismo resultante da interação de fatores internos e ambientais que se dá em um cenário espaço- temporal. (ROSEN,1979, p. 47) Parafraseando o conceito acima, poder-se-ia afirmar que o estado de saúde de um indivíduo é determinado por um conjunto de diversos fatores internos e externos, objetivos e subjetivos, que interagem de diferentes modos e intensidades em um dado momento e local. À primeira vista, o conceito acima parece contemplar de forma bastante razoável e pertinente algo que se poderia entender como saúde, porém, ele se refere apenas às condições ou fenômenos que resultam – ou poderiam resultar – no estado de saúde sem abordar ou se referir propriamente ao objeto saúde. Ou seja, Rosen descreve o “como”, mas não o “que é”. Coelho e Almeida Filho (2003) reconhecem que a dificuldade para se encontrar um conceito positivo de saúde é antiga: [...] ao contrário da doença, cuja explicação foi perseguida de modo incessante pelo homem, a saúde parece ter recebido pouca atenção de filósofos e Subjetivo: em uma abordagem filosófica, é “relativo ao sujeito do conhecimento, à consciência humana, à interioridade espiritual que se apodera cognitivamente dos objetos que lhe são externos. 4 FIL válido para um só sujeito; individual.” (VILLAR; HOUAISS, 2009, 1779). 8 UNIUBE cientistas. Lembrando que a dificuldade de definir a saúde é reconhecida desde a Grécia antiga. (COELHO e ALMEIDA FILHO, 2003 apud BATISTELLA, 2007,p. 51). Em que pese o esforço de alguns filósofos e pesquisadores do passado para conceituar a saúde, este é um desafio que perdura até os dias atuais. Segundo Batistella (2007), as condições multifatoriais responsáveis pelo estado de saúde e sua decorrência de um conjunto de interações biológicas, psíquicas, sociais, culturais e ambientais que envolvem diferentes dimensões e inúmeras subjetividades, torna quase impossível uma definição objetiva de saúde. Para o objeto deste estudo, levando em conta a subjetividade inerente à complexidade dos indivíduos e, admitida a diversidade dos fenômenos que concorrem e interagem no processo saúde/doença, seria presunçoso pretender lograr nesta breve abordagem, uma conceituação objetiva e definitiva sobre o que é saúde. Contudo, acreditamos ser possível chegarmos a uma compreensão mais abrangente de um significante para a saúde, construindo esse processo a partir da revisitação e do cotejamento de algumas das mais destacadas abordagens conceituais sobre o tema, surgidas ao longo da história da medicina. Vejamos. 1.3 O período pré-cartesiano: da concepção mágico-religiosa à teoria naturalista da saúde O significado de saúde, concebido como um conceito de valor, emergiu provavelmente a partir do sofrimento imposto aos seres humanos pelas doenças. Ao longo do processo civilizatório, à medida em que o homem experimentava a doença e sofria por seus agravos, ele se despertava para o valor da saúde passando a atribuir-lhe uma importância cada vez maior. Quanto mais terríveis eram os padecimentos causados pelas doenças e quanto mais numerosas eram as mortes provocadas pelas UNIUBE 9 epidemias, maior era o pavor originado e sentido diante da sensação de total impotência para enfrentar males tão terríveis. Frente a sua impotência, ignorância e ingenuidade, o homem primitivo interpretava a doença como um castigo dos deuses que puniam os pecadores pelas perversidades cometidas. Segundo Scliar (2007, p.30), “a doença era sinal de desobediência ao mandamento divino. A enfermidade proclamava o pecado, quase sempre em forma visível, como no caso da lepra”. Havia o entendimento de que, mediante o apaziguando da ira dos deuses, seria possível livrar-se dos padecimentos e restabelecer o estado de harmonia do corpo. Acreditava-se, que no “antigo Egito, Sekhmet, deusa da pestilência, provocava epidemias, se irritada, e as extinguia quando acalmada” (ROSEN, 1994, p. 34). Nas civilizações tribais, os curandeiros e xamãs executavam rituais para expulsar demônios e anular feitiços e maldições. Os povos semitas, os filisteus e os gregos sacrificavam animais e faziam oferendas aos deuses dos templos para aplacar sua ira e obter misericórdia. Esta concepção teúrgica, mágico-religiosa da doença e de suas causas perdurou por séculos na cultura dos mais diferentes povos e locais do mundo primitivo e da antiguidade. Teúrgica: relativo à teurgia. Segundo o dicionário, temos que teurgia é: “s.f. 1. Ciência do maravilhoso; arte de fazer milagres 2. Espécie de magia fundada em relação com os espíritos celestes [...] 4. MED cura das doenças por suposta intervenção sobrenatural, doutrina que dominou a medicina por muitos séculos e de que ainda existem vestígios na medicina popular.” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p.1840). Você conhece a história dos povos da antiguidade, especialmente a que se refere aos sacrifícios de animais? PESQUISANDO NA WEB 10 UNIUBE Se você quiser saber um pouco mais acerca da história de um desses povos - os gregos – em relação a essas práticas, sugerimos a leitura do capítulo “Dos homens aos deuses: o sacrifício”, do livro “Mito e Religião na Grécia Antiga” (2006), do historiador Jean-Pierre Vernant (2014), doutor honoris causa das universidades de Chicago, de Bristol, de Brno, de Nápoles e de Oxford. Para isso, acesse: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/293510/mod_resource/content/1/ Vernant,%20Jean-Pierre%20-%20Mito%20e%20Religi%C3%A3o%20na%20 Gr%C3%A9cia%20Antiga.pdf A leitura do capítulo possibilita você entender um pouco mais acerca dessas práticas, especialmente em relação a como eram realizadas, mostrando a perspectiva e a grande relevância que elas tinham naquela época, para aquele povo. O texto é uma importante fonte de conhecimento cultural. Vale a pena! No final do século V e início do século IV aC., a concepção teúrgica deu lugar à teoria fisiológica-racionalista de Hipócrates (460-370 aC), cujas concepções, apoiadas no raciocínio filosófico e na observação empírica, entendiam o corpo humano como uma unidade organizada que deveria existir em equilíbrio com a natureza. A teoria hipocrática atribuía o adoecimento à desorganização ou ao desequilíbrio dos fluidos ou humores que constituíam o organismo humano. O mais famoso texto atribuído a Hipócrates, “Ares, Águas e Lugares”, relaciona os fatores climáticos e ambientais às doenças e discute uma causalidade ecológica para os problemas de saúde. Ao relacionar a poluição de lugares, a insalubridade dos pântanos e as alterações climáticas ao surgimento das doenças, Hipócrates e seus discípulos, não apenas refutaram o ‘caráter divino’ da doença, como instituíram a teoria das causas naturais, atribuindo aos “miasmas” (emanações e fedores de regiões insalubres) à UNIUBE 11 causa de doenças como, por exemplo, a malária (do latim: maus ares), uma das doenças responsáveis pelo declínio do império romano. A medicina grega foi adotada e incorporada pelos romanos durante a expansão do seu império. Deve-se ao médico romano de descendência grega, Claudius Galeno (129-199), a minuciosa compilação, interpretação e difusão do legado hipocrático. O trabalho de Galeno, influenciou a prática e o ensino da medicina por mais de mil anos até o final da idade média. Naquele período, a saúde era interpretada como produto da harmonia entre as diferentes forças ou elementos constituintes do corpo humano. Quando essa harmonia era perturbada, surgia a doença. Por isto, era importante manter hábitos de vida saudáveis e desenvolver cuidados para reduzir ao mínimo os riscos da ocorrência de distúrbios. Neste sentido, a alimentação e a influência dos fatores externos eram entendidos como ameaças potenciais à perturbação da harmonia corpórea e, portanto, a medicina recomendava especial atenção com a comida e com os hábitos de vida. Concomitantemente, na Europa da Idade Média, devido à forte influência da igreja católica,a interferência divina na concepção da doença volta a ganhar força, tendo o pecado como causa e a possibilidade da cura como questão de fé. Neste período, expandiu-se a criação de hospitais de caridade pelas ordens religiosas que, segundo Scliar (2007, p. 33), eram mantidos “não como um lugar de cura, mas de abrigo, oração e conforto para os doentes.” O hipocratismo galênico, como ficou conhecido, só foi superado com a publicação, em 1543, do atlas de anatomia humana, De Humani Corporis Fábrica pelo médico, professor e anatomista belga Andreas Vesálius (1514-1564). A obra de Vesalius acrescentou luz sobre pontos obscuros e/ou equivocados de Galeno e é considerada como uma das mais importantes obras da literatura médica de todos os tempos, sobretudo 12 UNIUBE pela riqueza e precisão de detalhes das suas ilustrações. A partir do século XVI, com o aumento das epidemias e a atenta observação ao modo como a doença se proliferava, retoma-se a ideia do contágio entre os homens, sendo suas causas atribuídas principalmente ao envenenamento das águas pelos leprosos e pelos judeus. Preconceito recorrente surgido desde a grande epidemia de peste negra (peste bubônica) ocorrida em meados do século XIV. 1.4 Da metodologia aristotélica para o método científico: o para- digma cartesiano Por falta de um método normativo que definisse critérios para o trabalho investigativo e norteasse seus princípios, a ciência evoluiu de modo relativamente lento e bastante desorganizado até o final da Idade Média. A partir de então, na segunda metade do século XVI, sob forte influência dos grandes filósofos e pesquisadores da época, iniciou-se um processo de revisão no modo de pesquisar e praticar ciência. Deve-se a Francis Bacon (1561-1626), eminente filósofo, cientista e ensaísta inglês, a criação do empirismo como prática investigativa. Galileo Galilei (1564-1642), físico, matemático, astrônomo e filósofo italiano, desenvolveu e propôs o método científico e tornou-se reconhecido como o ‘pai da ciência moderna’. Rene Descartes (1596-1650), eminente filósofo e matemático francês, criador da geometria analítica, desenvolveu o método científico racional dedutivo. Para ele, a construção do Empirismo: em uma abordagem filosófica, empirismo é uma doutrina segundo a qual “todo conhecimento pode ser captado do mundo externo, pelos sentidos, ou do mundo subjetivo, pela introspecção, sendo geralmente descartadas as verdades reveladas e transcendentes do misticismo, ou apriorística e inatas do racionalismo”. (VILLAR; HOUAISS, 2009, p. 742). Método científico: Podemos dizer que, “é o conjunto das normas básicas que devem ser seguidas para a produção de conhecimentos que têm o rigor da ciência, ou seja, é um método usado para a pesquisa e comprovação de um determinado conteúdo. O método UNIUBE 13 De modo simplificado, o paradigma cartesiano (como se convencionou popularmente chamar) pressupõe que o método científico, que conduz ao conhecimento do todo, passa, necessariamente, pelo estudo e pela compreensão do funcionamento de cada uma de suas partes separadamente, ou seja, o todo é o resultado do funcionando sinérgico dos seus componentes, exatamente como em uma máquina, cujo funcionamento pode ser entendido a partir da compreensão da função de cada uma das suas peças. PONTO-CHAVE conhecimento embasava-se unicamente na razão e no raciocínio dedutivo. Considerava que o funcionamento dos corpos materiais, incluindo o homem, obedeciam a princípios mecânicos. Segundo Descartes, por ser formado de matéria física, o corpo humano tem propriedades comuns a qualquer matéria. Portanto, o corpo humano, como qualquer outro corpo material, é regido pelas mesmas leis que regem a física. Por seu trabalho, Descartes é considerado um dos pensadores mais importantes e influentes da História do Pensamento Ocidental. Após sua morte, o método racional dedutivo de Descartes foi adotado e consolidado pelo físico ê matemático inglês, Isaac Newton (1643-1727), dando origem ao paradigma newtoniano- cartesiano que influenciou e influencia ainda hoje praticamente todos os campos do conhecimento científico. científico parte da observação sistemática de fatos, seguido da realização de experiências, das deduções lógicas e da comprovação científica dos resultados obtidos. Para diversos autores o método científico é a lógica aplicada à ciência.” (SIGNIFICADOS, 2019, p. 1) Raciocínio dedutivo: Raciocínio por dedução. De acordo com a abordagem filosófica e lógica, dedução é o processo de raciocínio “através do qual é possível, partindo de uma ou de mais premissas acei tas como verdadeiras (p. ex., A é igual a B e B é igual a C), a obtenção de uma condição necessária e evidente (no exemplo anterior A é igual a C).” (VILLAR; HOUAISS, 2009, p. 604). 14 UNIUBE O método analítico cartesiano foi, certamente, um dos principais suportes indutores do enorme avanço da ciência na modernidade. Foi a partir dos seus conceitos que a medicina se fragmentou em compartimentos ou especialidades dedicadas ao conhecimento cada vez mais aprofundado da função de determinados órgãos e ou sistemas do corpo humano. Essa abordagem mecanicista do corpo contribuiu para que os sentimentos humanos fossem relegados a um segundo plano. A intenção terapêutica voltou seu foco para a doença e o ser humano passou a ser visto como ‘doente’ e não como pessoa. Abordagem mecanicista: no contexto, entendemos que é a abordagem que compara o corpo humano ao funcionamento mecânico de uma máquina. A saúde como ausência de doença – o Modelo Biomédico1.5 O século XVIII, conhecido como século das luzes e da filosofia, deu lugar ao chamado período iluminista e foi palco de significativas e profundas transformações sociais, notadamente no campo político (declaração da independência dos Estados Unidos); no campo das ciências (fundação da Academia Real de Ciências na Europa); e no campo da medicina moderna quando se firmou o chamado “Modelo Biomédico” centrado na descrição dos processos patológicos, nos sinais e nos sintomas das doenças e, também, na medicalização. Neste período, segundo Batistella (2007), a doença se transforma em patologia e os pesquisadores procuravam a causa da doença dentro do corpo e não fora dele. No âmbito da estrutura perceptiva que sustentará o pensamento médico científico emergente, estão os valores da ‘localização’, ‘especificidade’ e ‘intervenção’. Os fenômenos são explicados pela nova racionalidade [período iluminista] a partir do estudo, baseado na observação e na experiência das mudanças morfológicas, orgânicas e estruturais. Por conseguinte, a saúde passa a ser entendida como o seu oposto lógico: a ausência de patologia. (BATISTELLA, 2007, p. 53). UNIUBE 15 Nas primeiras décadas do século XIX, toda a atenção dos pesquisadores estava majoritariamente concentrada na análise e na compreensão das doenças, então definidas como ‘alterações patológicas’. Os esforços para se chegar a uma conceituação objetiva de saúde seguiam relegados a um segundo plano. O funcionamento dito normal dos órgãos (fisiologia), passou a ser considerado como parâmetro e era aceito como a forma mais conveniente para descrever o estado de saúde. Tornou-se consensual interpretar o bom funcionamento dos órgãos como o estado de não doença. François Xavier Bichat (1771-1802), grande médico francês, descrevia a saúde como o silêncio dos órgãos. (SCLIAR, 2007, p. 34). Ademais, conceituar a saúde não parecia ser uma necessidade ou uma importante meta da qual deveriam se ocupar os médicos, filósofos e pensadores da época, aparentemente contemplados com o conceito negativo de que a saúde ou o estado de saúde poderia ser compreendido ou explicado como a ausência de doença ou o ‘silêncio dos órgãos’. Embora a conceituação da saúde como ausência de doença continue, ainda hoje, sendo aceita pela maioriada população, Batistella (2007, pg. 55), pondera que “é uma definição muito limitada, pois nem sempre a ausência de sinais e sintomas indicam a condição saudável”. Muitos indivíduos se consideram normais e saudáveis, ainda que portadores de uma determinada doença. Para Almeida Filho e Andrade (2003, p.101), “saúde não é o oposto lógico da doença e, por isso, não poderá de modo algum ser definida como ausência de doença”. Do ponto de vista filosófico/antropológico, a doença e a enfermidade são consideradas constructos diferentes e, a ausência de enfermidade não implica necessariamente a saúde pois, um indivíduo clinicamente doente que não apresente sintomas perceptíveis da doença pode se sentir plenamente saudável. Ou seja, a pessoa pode estar doente sem se 16 UNIUBE sentir enferma. Assim como, um indivíduo, simplesmente por ser portador de surdez ou limitação visual, não pode ser considerado enfermo. No que diz respeito à relação entre a saúde e a doença, a saúde tanto pode implicar a ausência de doença quanto a sua presença, desde que temporária. [...] a definição tradicional e restrita da saúde como ausência de doença se mostrou insatisfatória, na medida em que ela revela apenas o que a saúde não é, sem explicitar do que se trata. (ROSENQUIST, 1940 apud COELHO; ALMEIDA FILHO, 2003, p.102). No campo da psicanálise, o contraponto entre a saúde e a doença adotado pela medicina biologicista (modelo biomédico) também encontrou resistências. Freud, (apud Coelho e Almeida Filho, 2003, p. 102) afirma que todo e qualquer indivíduo, em algum momento da vida, em maior ou menor grau, poderá aproximar-se de um quadro neurótico ou psicótico. Assim, a existência de indivíduos ditos normais está pontuada de sintomas neuróticos, sendo que os episódios mais leves corresponderiam à normalidade e, apenas as ocorrências mais acentuadas seriam interpretadas como manifestação patológica. Albuquerque e Oliveira (2002), argumentam que o Modelo Biomédico pressupõe a doença como um ser em si mesmo (concepção ontológica) que deve ser eliminado para que o corpo retorne à situação de não doença. Para isto, direciona sua prática para a elaboração de um diagnóstico exato, capaz de identificar os órgãos corporais perturbados que provocam os sintomas. Segundo os autores, trata-se de uma concepção redutora que ignora as relações do fenômeno doença com a personalidade, a constituição física ou o modo de vida do paciente. Os autores reforçam suas críticas ao modelo biomédico ao concluírem que ele se apoia na visão cartesiana de mundo, que compara o corpo humano a uma máquina, terminando por considerar que a doença consiste numa avaria temporária ou permanente no funcionamento de uma peça ou de um componente do organismo humano. UNIUBE 17 Nesta perspectiva, curar a doença equivaleria ao conserto de uma máquina. Tal abordagem, em tese, representaria a coisificação da doença e a desumanização do paciente que restaria sem identidade, sem sentimentos e reduzido a uma complexa maquinaria cujas peças ou componentes seriam os órgãos do corpo. Segundo Camargo Júnior (2007), uma das críticas mais estruturadas ao modelo biomédico diz respeito ao reducionismo da abordagem centrada na profilaxia da doença, o que colocaria excessiva ênfase na perspectiva curativa e acabaria por direcionar o foco das ações na produção de diagnósticos e limitando a terapêutica à prescrição medicamentosa. Canguilhem (2006, p. 55) reconhece que a clínica médica necessita de uma patologia objetiva, porém, reforça a crítica ao reducionismo da concepção biomédica mecanicista ao afirmar: “A clínica coloca o médico em contato com indivíduos completos e concretos, e não com seus órgãos ou funções”. Assim, sob a perspectiva do modelo biomédico, e entendida como a simples ausência de doença, a saúde excluiria do seu contexto toda a dinâmica social e todas as subjetividades que dão sentido à existência humana. Nesse sentido, infelizmente, o foco de atenção, estudo e tratamento é a doença em si. Todas as ações são realizadas com a intenção de controlar a evolução da doença fazendo com que o indivíduo retorne ao estado de não doença. Em nossa percepção, esse aspecto negligencia a dignidade do ser que adoece, pois passa a ser visto a partir de sua patologia e não como um ser humano com fragilidades e potencialidades e, sobretudo, com responsabilidades e direitos sociais (LOURENÇO et al, 2012, p.29). Considerando as razões dos pesquisadores e sanitaristas que vêm trazendo luz e importantes reflexões sobre o campo da saúde coletiva, não restam dúvidas de que, muito além da simples ausência de doença, a saúde envolve muito mais que o bom funcionamento dos órgãos, pois implica na capacidade dinâmica do indivíduo interagir e adaptar-se 18 UNIUBE positivamente ao meio e suas constantes alterações. Contudo, e infelizmente, diante da prevalência e da grande influência do modelo biomédico, sobretudo nos países em desenvolvimento como o Brasil, para a maioria da população, saúde significa não estar doente. Todavia, agora já sabemos que esta definição é muito limitada pois, como bem reforça Batistella (2007, p. 55), “nem sempre a ausência de sinais e sintomas indicam condição saudável, [...] muitos se consideram normais, ainda que portadores de uma determinada doença”. Antes de prosseguirmos com este ensaio sobre a evolução do conceito de saúde recomendamos que você faça uma breve pausa para refletir sobre o que leu até aqui e, se julgar necessário, promova alterações na sua conceituação inicial sobre o que é saúde. NÃO APAGUE NEM DESTRUA O TEXTO ANTIGO. Fique à vontade para reescrever seu conceito incorporando as novas percepções apreendidas na sua leitura. Guarde sua nova versão para utilizá-la mais à frente, ao longo deste estudo! AGORA É A SUA VEZ Ao retomar seus estudos, conheça um pouco do contexto histórico do período iluminista e alguns dos principais vultos da ciência cujos trabalhos resultaram nos avanços científicos que impactaram progressos no campo da ciência médica. UNIUBE 19 Alguns vultos da ciência que marcaram a revolução científica desencadeada na transição do século XVIII para o século XIX Giovanni Battista Morgagni (1682-1771), eminente médico italiano, considerado o fundador da anatomia patológica, publicou em 1761 uma monumental obra em cinco volumes denominada “Da sede e causa das doenças”. Dentre os seus relatos mais importantes cumpre destacar os de aneurisma sifilítico da aorta, atrofia amarela aguda do fígado, câncer do estômago, úlcera gástrica, endocardite, estenose mitral, insuficiência aórtica, estenose pulmonar, esclerose das coronárias e coarctação da aorta. (LONG, 1965); Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794), eminente químico, botânico, matemático e astrônomo francês, considerado o pai da química moderna. Dentre suas muitas contribuições, a maior de todas, que trouxe prodigioso avanço à medicina, foi a identificação do “ar vital” necessário à vida e à combustão, a que deu o nome de oxigênio e descreveu o seu papel na respiração e na produção do calor animal. (PORTER, 1995); Pierre-Simon Laplace (1749-1827), matemático, astrônomo e físico francês, amigo e colaborador de Lavoisier, organizou a astronomia matemática e publicou, no final do século XVIII, entre os anos 1799 a 1825, o seu famoso tratado em cinco volumes denominado Méchanique Céleste. (PORTER, 1995); Edward Jenner (1749-1823), médico inglês, realizou uma das maiores descobertas científicas da medicina moderna – a vacina antivariólica. Convencido de que o “vírus” da varíola bovina imunizava a pessoa para a varíola humana, realizou em 1796 sua experiência crucial: inoculou no braço de um menino de oito anos um material colhido em uma pústula da SAIBA MAIS 20 UNIUBE mão de uma pessoa infectada pela varíola bovina. A criança apresentou reação eritêmato-pustulosa no local da escarificação e escassos sintomas gerais. Decorridas seissemanas, Jenner inoculou o pus da varíola humana na criança, com resultado negativo. Estava descoberta a vacina antivariólica! (MAJOR, 1954). O bem-estar como fator condicionante e determinante da saúde1.6 No seu brilhante ensaio que trata das grandes epidemias que ocorreram ao longo da história da humanidade, Barata (1987) afirma: Inúmeros são os relatos de epidemias durante a Antiguidade e a Idade Média, entretanto, é no período de transição entre o modo de produção feudal e o modo de produção capitalista (mercantilismo) que as epidemias assumem proporções devastadoras (BARATA, 1987, p. 9). Em decorrência das agruras sanitárias do século anterior e, impulsionado pelo avanço das ciências, o século XIX emergiu em meio a uma revolução industrial, tecnológica e econômica com progressivos avanços na medicina. Esta, por sua vez, esforçava-se para enfrentar e responder aos problemas impostos pela nova organização social e pelas péssimas condições de saúde dos grandes aglomerados urbanos que, segundo relato de Albuquerque e Oliveira (2002), deram lugar a enormes desequilíbrios ecológicos que geraram grandes problemas sanitários. Era imenso o contingente de pessoas mais pobres que migravam para as grandes cidades em busca de trabalho. A promiscuidade e as péssimas condições de higiene favoreciam o contágio e a disseminação das doenças. Concomitantemente, as grandes transformações no mundo do trabalho, iniciadas na Inglaterra e que se espalharam pela Europa e para a América do Norte, deram impulso ao surgimento de diversas UNIUBE 21 sociedades científicas, academias de ciências, escolas médicas e às sociedades de estatística que passaram a se dedicar ao equacionamento e à organização de um saber global e quantificável dos fenômenos de morbidade e mortalidade que envolviam o coletivo social. “O laboratório de Louis Pasteur, assim como outros laboratórios, estavam revelando a existência dos microrganismos causadores de doença e possibilitando a introdução de soros e vacinas; as doenças passavam a ser preveníveis e curáveis” (SCLIAR, 2007. p. 34). A saúde e a doença como fenômenos de grupamentos e de população passaram a ser problematizadas a partir de múltiplas instâncias ligadas direta e indiretamente à administração pública. Segundo Foucaut (1982), a saúde começava a ser reconhecida como objeto da atenção do poder público. O surgimento progressivo da grande medicina do século XIX não pode ser dissociado da organização, na mesma época, de uma política da saúde e de uma consideração das doenças como problema político e econômico que se coloca às coletividades e que elas devem tentar resolver ao nível de suas decisões de conjunto. [...]. Não há sem dúvida, sociedade que não realize uma certa "noso−política". O século XVIII não a inventou, mas lhe prescreveu novas regras e, sobretudo, a fez passar a um nível de análise explícita e sistematizada que ela ainda não tinha conhecido. (FOUCAULT,1982, p. 107). De acordo com Rosen (1979, p.78), a partir do início do século XIX, a associação causal entre a miséria social e a doença passou a ser uma característica comum do pensamento médico. Como exemplo, o relatório de Rudolph Virchow cita sobre a epidemia de febre tifoide, ocorrida, em 1847, na Alta Silésia, cujas causas Virchow atribuiu a um conjunto de fatores econômicos e sociais negativos ao enfatizar que “riqueza, educação e liberdade dependem umas das outras e, assim, inversamente, fazem fome, ignorância e servidão”. Rudolf Virchow: Rudolf Ludwig Karl Virchow - 1821/1902) foi um médico, an- tropólogo e po- lítico alemão. É considerado o pai da patolo- gia moderna e da medicina so- cial. Graduou-se 22 UNIUBE Para o enfrentamento das epidemias, Virchow, pioneiramente, propunha uma radical reforma social que implicaria na democracia plena, na educação, na liberdade e na prosperidade. Amigo e contemporâneo de Virchow, Neumann (1841), afirmava: as condições econômicas e sociais tem um efeito importante sobre a saúde e a doença e que tais relações devem ser submetidas à investigação científica [...] o maior número de doenças que impedem o gozo completo da vida ou matam um número considerável de pessoas se deve não às causas naturais mas a condições sociais artificialmente produzidas tais como a fome e a miséria que, se não eram idênticas à morte, à doença e ao sofrimento crônico, eram como seus inseparáveis companheiros – o preconceito, a ignorância e a estupidez – fontes inesgotáveis do seu aparecimento. (NEUMANN, apud ROSEN, 1979, p.82). As críticas de Virchow e Newmann em relação ao risco à saúde, representado pelas condições promíscuas das periferias urbanas; as grandes epidemias de Gripe Espanhola e Tifo ocorridas entre 1918 e 1922; e, também, à prevalência da tuberculose e da varíola, contribuíram para que o século XX surgisse marcado por uma medicina de tendência higienista/sanitarista. Esta medicina concentrava boa parte de seus esforços no controle das doenças transmissíveis. Sendo assim, predominava, na prática médica, uma crença generalizada nos procedimentos de controle do meio (higiene e assepsia) como principal medida de combate às infecções. em medicina pela Academia Militar da Prússia (Berlin, 1843). Tornou-se professor da cáte- dra de anatomia patológica da Universidade de Berlim (1856). Durante a Guerra Franco-Prussiana, liderou pessoal- mente o primeiro hospital móvel para atender os soldados no front. Também envolveu- -se em atividades sociais, como sa- neamento básico, arquitetura hospi- talar, melhoramen- to de técnicas de inspeção sanitária e higiene escolar. N e u m a n n : Neumann Salomon ( 1 8 1 9 - 1 9 0 8 ) , cidadão de Berlim, médico e pioneiro das estatísticas sociais e médicas, foi um dos fundadores do Movimento para reforma do tratamento médico prussiano, a fim de melhorar a saúde dos setores mais pobres da sociedade. Em 1861, organizou o recenseamento dos cidadãos de Berlin, visando melhorar os serviços sociais e a higiene na cidade. É dele a afirmação: “a ciência médica UNIUBE 23 possui em seu cerne a essência de uma ciência social”. Segundo relato de Franco (2009), por meados de 1920, Charles Winston, bacteriologista e editor do American Journal of Bacteriology, já enfatizava a importância dos hábitos higiénicos e concebia a influência do ambiente sobre os agravos à saúde numa perspectiva mais ampla e abrangente. Considerava a ciência e o desenvolvimento social como fundamentais para a saúde e afirmava: [...] a ciência é a arte de prevenir a doença, prolongar a vida e promover a saúde física e a eficiência, através de esforços comunitários organizados para o saneamento do meio ambiente, o controle das infecções na comunidade, a educação do indivíduo nos princípios da higiene pessoal assegurando a cada membro da comunidade um padrão de vida adequado para a manutenção da saúde. (CHARLES WINSTON, 1920 apud FRANCO, 2009). Além do esforço desempenhado no sentido de expandir o saneamento básico e proteger os cidadãos mais abastados das doenças surgidas nas periferias urbanas, o Estado via-se também obrigado a oferecer melhores condições de saúde aos pobres e proletários como forma de garantir oferta de mão de obra para o setor produtivo e alavancar a economia. Assim, os governos e a sociedade passaram gradativamente a adotar abordagens mais humanistas na implementação das suas políticas de saúde. Os males do capitalismo, denunciados por Karl Marx, impunha modificações na relação capital versus trabalho. Nas palavras de Otto von Bismarck (1815-1898), o “chanceler de ferro” alemão, “os capitalistas e latifundiários precisavam, serem salvos de si mesmos, de sua ganância que ameaçava sacrificar a mão-de-obra operária”. (SCLIAR, 2007, p.36). Assim, avanços substanciais na conquista por melhor qualidade de vida ocorreram após a Segunda Guerra Mundial. Sensibilizada pelo enorme sofrimentoimposto pelos conflitos armados e motivada pela política do Welfare System instituído pela Grã-Bretanha em 1942, a civilização do pós-guerra passou a esperar e exigir, cada vez mais, dos seus governos 24 UNIUBE um compromisso crescente com a saúde e o bem-estar da população. Não se tratava mais de oferecer apoio a uma parcela mais pobre e particularmente frágil − perturbada e perturbadora − da população, mas da maneira como se poderia elevar o nível de saúde do corpo social em seu conjunto. O imperativo da saúde – e o bem-estar de todos – passou a ser gradativamente interpretado como dever de cada um e objetivo geral das sociedades. Os diversos aparelhos de poder deveriam se encarregar dos indivíduos não simplesmente para exigir deles o serviço ou extorquir-lhes as rendas, mas para ajudá−los a garantir sua saúde. (FOUCAULT, 1982). Finalmente, a importância de uma política de Estado para a saúde pública tornara-se um consenso entre os governos das nações industrializadas. Entretanto, para se estabelecer uma diretriz capaz de nortear o planejamento das políticas de saúde dos diferentes governos interessados na melhoria dos seus indicadores sociais, seria prioritário chegar-se a um conceito de saúde que pudesse ser universalmente aceito e imediatamente adotado como meta a ser atingida pelos países alinhados. Para a realização de tal intento, seria necessário construir um acordo multilateral intermediado por meio de um organismo internacional. Um esforço neste sentido já havia sido tentado, porém, sem alcançar êxito, com a malograda criação da Liga das Nações ao final da primeira guerra mundial. Apenas após a Segunda Guerra mundial, reunidos em uma assembleia Welfare System: ou Estado do Bem- estar, tal como foi definido, surgiu após a Segunda Guerra Mundial com o intuito de oferecer ao povo inglês uma espécie de compensação pelas agruras sofridas com o conflito bélico. Seu desenvolvimento está intimamente relacionado ao processo de industrialização e aos problemas sociais gerados a partir dele. A Grã- Bretanha foi o país que se destacou na construção do Estado de Bem-estar com a aprovação, em 1942, de uma série de providências nas áreas da saúde e escolarização que prometiam proteção “do berço à tumba” e atenção integral à saúde a toda a população, com recursos dos cofres públicos. Nas décadas seguintes, outros países seguiriam essa direção. UNIUBE 25 internacional realizada na cidade de São Francisco, na Califórnia, cinquenta países assinaram, em junho de 1945, a Carta das Nações Unidas que propunha a criação da Organização das Nações Unidas – ONU. Embora a Carta das Nações Unidas tenha sido aprovada em junho de 1945, a Organização das Nações Unidas – ONU, só passou a existir oficialmente em 24 de outubro de 1945, após a ratificação da Carta pelos cinco países membros do Conselho de Segurança: China, Estados Unidos, França, Reino Unido e a ex-União Soviética, bem como pela maioria dos demais signatários. O dia 24 de outubro é comemorado em todo o mundo como o “Dia das Nações Unidas”. SAIBA MAIS Posteriormente, um dos organismos da ONU, o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, convocou uma Conferência Internacional de Saúde, realizada em Nova York, para discutir a criação da Organização Mundial de Saúde – OMS cujos estatutos foram aprovados, durante a citada conferência, em 22 de julho de 1946. Ainda que seus estatutos tivessem sido aprovados quase dois anos antes, a OMS só foi oficialmente fundada em 7 de abril de 1948 (data considerada, desde então, como Dia Mundial da Saúde), quando 26 membros das Nações Unidas ratificaram os seus estatutos e promulgaram a sua Carta de Princípios que reconhecia a saúde como um direito das populações e atribuía ao Estado a obrigação por sua promoção e proteção. Na Carta de Princípios da OMS, a saúde passou a ser conceituada com o seguinte enunciado. Saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade. (OMS, 1948). 26 UNIUBE É bom que se diga que o conceito de saúde da OMS nunca foi um consenso entre os sanitaristas. Ao longo dos últimos 70 anos da publicação de seu enunciado e, considerando tanto as frequentes alterações nas políticas de saúde dos países membros como as permanentes mudanças nos processos de adoecimento das populações, acendeu-se na comunidade científica um grande interesse por escrutinar epistemologicamente a definição de saúde da OMS. Centenas de pesquisadores, filósofos, estudantes e sanitaristas vêm manifestando sua opinião sobre o que seria um ‘estado de completo bem-estar’, em sua maioria, tecendo críticas acerca da subjetividade e do caráter genérico e utópico do conceito. Entendendo tratar-se de um esforço para ampliar o entendimento da atenção à saúde para além da clínica médica, Rabelo (2010, p. 26), considera a definição de saúde da OMS: “uma primeira tentativa de superação da perspectiva de saúde fundamentada apenas no conhecimento científico aplicado”. Scliar (2007, p. 37) reconhece que a definição de saúde proposta pela OMS “refletia, de um lado, uma aspiração nascida dos movimentos sociais do pós-guerra: o fim do colonialismo e a ascensão do socialismo” e julga louvável que o conceito de saúde expresse o direito a uma vida plena, sem privações. Apesar de fazer ressalvas quando à subjetividade e a imprecisão da expressão “completo bem-estar”, o autor admite tratar- se de “um conceito útil para analisar os fatores que intervêm sobre a saúde, e sobre os quais a saúde pública deve, por sua vez, intervir” (SCLIAR, 2007, p.37). Entre os mais prodigiosos pesquisadores e sanitaristas brasileiros, Almeida Filho (2000, p. 5), critica a imprecisão do conceito de saúde da OMS que, segundo o autor, incorpora uma espécie de “síndrome da saúde” e acaba despertando um certo “misticismo sanitário” ao tentar UNIUBE 27 definir o objeto saúde como um “todo completo” informando apenas que não se trata do “nada da doença”. Ainda sobre os esforços voltados para novas teorizações sobre saúde, Almeida Filho e Jucá (2002) relatam que, em 1975, fundamentando- se na impossibilidade lógica de considerar o “bem-estar” como um valor concreto e quantificável, Christopher Boorse, filósofo americano e professor de ética médica da faculdade de medicina de Delaware (USA), afirmava ser plenamente possível concluir objetivamente sobre uma situação de saúde ou de doença a partir da comparação das funções orgânicas dos órgãos do paciente com o desempenho funcional estatisticamente definido como normal para estes mesmos órgãos. Assim, insistindo ainda em uma concepção negativa da saúde como ausência de doença, Boorse enuncia sua teoria funcionalista ou teoria bioestatística, fundamentada no conhecimento prévio da fisiologia de cada órgão e na normalidade estatística das suas funções: “a saúde de um organismo consiste no desempenho da função natural de cada uma de suas partes”. (BOORSE, 1975, apud ALMEIDA FILHO & JUCÁ, 2002, p. 881). Prosseguindo com sua análise sobre a teoria bioestatística ou funcionalista de Boorse, Almeida Filho e Jucá (2002), na mesma linha de outros autores, também a consideram limitada por excluir tanto a dimensão clínica como as dimensões subjetivas da base teórica saúde/ doença tais como, as influências culturais, geográficas, psicológicas, políticas e econômicas. Opinião com a qual também corrobora Batistella (2007, p. 57), “as tentativas de definir objetivamente a saúde por meio de constantes funcionais e médias estatísticas produzem o apagamento do corpo subjetivo”. Sob a ótica psicanalítica, Segre e Ferraz (1997), apesar de reconhecerem que o conceito de saúde da OMS foi avançado para a época, consideram- 28 UNIUBE no irreal e ultrapassado para os atuais padrões da pesquisa e da prática em saúde coletiva. Irreal porque o estado de “completo bem-estar” remete ao conceito de perfeiçãoque, do ponto de vista objetivo, transforma a definição da OMS numa utopia, ou seja; estabelece uma meta inalcançável para a saúde. Segundo os mesmos autores (p. 539), “perfeito bem-estar” traduz uma categoria de felicidade que não existe por si mesma. “Só poder-se-ia assim falar de bem-estar, felicidade ou perfeição para um sujeito que, dentro de suas crenças e valores, desse sentido de tal uso semântico e, portanto, o legitimasse”. No mesmo trabalho, os autores consideram o referido conceito ultrapassado, principalmente por incorporar o superado modelo cartesiano da separação entre o físico, o mental e o social, modernamente refutado pela ciência psicanalítica. [...] graças a vivência psicanalítica, percebe-se a inexistência de uma clivagem entre mente e soma, sendo o social também interagente, de forma nem sempre muito clara [...] Se o psíquico responde ao corporal e vice-versa, fala-se, então, de um sistema onde não se delineia uma nítida divisão entre ambos. (SEGRE e FERRAZ, 1997, p. 540) Assim, a partir de suas experiências clínicas e observacionais, Segre e Ferraz (1997, p. 542), sugerem que a saúde poderia ser melhor entendida como “um estado de razoável harmonia entre o sujeito e a sua própria realidade”. 1.7 O modelo da promoção da saúde e o conceito ampliado de saúde Em meio às críticas e às buscas para se encontrar um conceito mais adequado para o objeto saúde, pesquisadores, filósofos, antropólogos, sanitaristas, profissionais de governos e de organismos internacionais convergem para um ponto comum que se expressa pela quebra do paradigma flexneriano, marcadamente biologicista e individualista. UNIUBE 29 Abraham Flexner (1866/1959) foi um Educador de origem judia, comissionado pela Carnegie Foundation. Foi o responsável, em 1910, pelo Relatório Flexner que resultou na reforma do ensino médico na América do Norte, posteriormente adotada por diversos outros países. No Brasil, as recomendações de Flexner passaram a ser conhecidas como paradigma flexneriano ou Modelo Biomédico. Segundo alguns pesquisadores, as observações de Flexner sobre o ensino médico conduziram à fragmentação do conhecimento médico e induziram a especialização precoce dos profissionais. De caráter excessivamente cientificista, individualista, medicalizante e hospitalocêntrico, em detrimento do lado humano do exercício da medicina, o paradigma dificulta a abordagem do paciente em seu conjunto. Modernamente, alguns autores têm discordado desta interpretação. Para saber mais leia o texto “Sobre o modelo flexneriano da medicina científica”, do blog Sou+SUS. Para isso, acesse: <https://soumaissus.blogspot.com/2018/01/sobre-o-modelo- flexneriano-da-medicina.html> SAIBA MAIS Nas primeiras décadas do século XX, apesar da prática médica permanecer majoritariamente concentrada no objeto doença, surge uma nova área da medicina, identificada como medicina social, cujas atenções passam a priorizar o entendimento dos processos de adoecimento no sentido de identificar as “causas” das doenças, visando encontrar alternativas para intervir preventivamente no controle dos riscos. John Snow (1813/1858): Médico inglês, considerado pai da epidemiologia moderna. Em 1854, na cidade de Londres, demonstrou que o cólera era causado pelo consumo de água contaminadas com matérias fecais, ao comprovar que os casos dessa doença se agrupavam nas zonas onde a 30 UNIUBE Em 1854, pesquisando uma epidemia de cólera em Londres, John Snow, considerado o pai da epidemiologia, associou o adoecimento dos indivíduos ao consumo de água contaminada por fezes de doentes. Esta descoberta marcou o início da Epidemiologia e forneceu embasamento para o surgimento da teoria da História Natural da Doença e do modelo de prevenção primária, proposto por Leavell e Clark no final da década de 1940. Estes autores preconizavam como medidas de prevenção primária, a boa nutrição, o atendimento às necessidades afetivas, a educação sexual, a orientação familiar, as boas condições de moradia, trabalho e lazer, além de exames periódicos e da educação para a saúde. (FRANCO, 2009). Na América, ainda na primeira metade do século XX, segundo Fee (1996), as ideias de Henry Sigerist sobre a necessidade de incrementar a intervenção do Estado nos cuidados da saúde da população, assim como havia sido proposto por Virchow no século anterior, foram amplamente aceitas e apoiadas pelos defensores da medicina liberal, incluindo representantes de algumas das mais poderosas fundações privadas e por influentes professores das escolas de medicina do país. Essas pessoas acreditavam que o atendimento médico deveria ser mais eficiente e racionalmente organizado pelo Estado, desde que seu custo não colocasse em risco o equilíbrio água consumida estava contaminada com fezes das pessoas adoecidas. História natural da doença: Refere- se ao conjunto de processos interativos compreendendo as inter-relações do agente causal, do hospedeiro suscetível e do meio ambiente que interferem na evolução do processo patogênico, desde a ocorrência do estímulo patológico no meio ambiente, ou em qualquer outro lugar, passando pela resposta do homem ao estímulo, até as alterações que levam a uma limitação, invalidez, recuperação ou morte. Prevenção primária: Estratégia ou modelo de atenção à saúde que procura evitar a ocorrência de doenças por meio da redução dos riscos, seja alterando comportamentos ou exposições aos agentes causais, ou aumentando a resistência dos indivíduos. A prevenção primária ultrapassa os problemas médicos e inclui o controle dos fatores ambientais e sociais. UNIUBE 31 político e os fundamentos econômicos da sociedade americana. Ainda segundo Fee (1996, p. 1640), em 1934, numa de suas memoráveis palestras cujo tema versava sobre a socialização da medicina, Sigerist argumentava que, na medida em que a sociedade evolui tornando-se gradativamente mais complexa, cabe ao Estado instituir normas e diretrizes no sentido de evitar que a atenção à saúde se reduza unicamente à relação individual médico-paciente. Segundo ele, seria papel do governo introduzir políticas de fomento para estimular a cooperação entre a sociedade e os profissionais de saúde, visando tornar as formas de intervenção e os cuidados sanitários cada vez mais compatíveis aos riscos sob os quais a população se encontrava submetida. Com argumentos convincentes de um exímio conhecedor da história da medicina, Sigerist (1935 apud Fee, 1996, p. 1640) afirmava: “as tendências reveladas pela história apontam claramente para a necessidade de se instituir formas e modelos mais estruturados e equitativos de prestar a assistência médica”. [...] a saúde promove-se proporcionando condições de vida decentes, boas condições de trabalho, educação, cultura física e formas de lazer [...] que se logra com o esforço coordenado de políticos, setores sociais e empre sariais, educadores e médicos, cabendo a estes últimos, definir normas e protocolos. (SIGERIST, apud RABELLO, 2010, p.21). Na esteira e na emergência do ideal socialista de um Estado provedor que desempenhasse o papel de agente promotor de um modelo de Henry E. Sigerist – (1891/1957), médico poliglota, nascido na França, filho de pais suíços e radicado nos EUA, foi professor de história da medicina em Baltimore. Desempenhou um influente papel na política médica americana na década de 1930 e início dos anos 40, tornando-se um dos principais proponentes de um seguro social de saúde nacional e o principal defensor de uma medicina socializada para o país. Como escritor e militante socialista, argumentava que a história da medicina não era e nem deveria ser uma história de progresso científico apenas, mas também, de progresso social. 32 UNIUBE atenção à saúde mais amplo e resolutivo, conforme propôs Sigerist e, influenciado pelo modelo da prevençãoprimária introduzido por Leavell e Clark, Marc Lalonde, então ministro da Saúde e Bem-Estar do Canadá, publica em 1974, um relatório de trabalho com o seguinte título “Uma nova perspectiva sobre a saúde dos canadenses”. Neste documento, posteriormente denominado Relatório Lalonde, seu autor admite a ineficácia do modelo de saúde até então vigente no Canadá e condena a priorização da prática clínica individual como estratégia básica de atenção à saúde. O então ministro da saúde entendia que o enfrentamento dos problemas sanitários da população não poderia seguir desconhecendo a implicação dos fatores sociais como determinantes dos agravos que, por sua complexidade e diversidade, demandavam novos atores e novas estratégias de abordagem e tratamento. Em seu histórico relatório, Lalonde demonstra que os determinantes ambientais e os estilos de vida exercem impactos sobre os fatores de risco e sobre a qualidade de vida da população sendo, portanto, capazes de influenciar favoravelmente (ou não) os níveis de saúde da população. Além disto, sempre que tais indicadores são levados em conta, no planejamento das ações, resultam em economia de recursos quando comparados ao sistema tradicional de saúde, fundamentado exclusivamente na clínica médica tradicional. (FRANCO, 2009). Considerado como o grande marco conceitual do modelo da Promoção da Saúde por tratar-se do primeiro documento a mencioná-la oficialmente, o Relatório Lalonde consolida e define as bases de uma nova política de Estado para a saúde, “trazendo como consigna básica adicionar não só anos à vida, mas vida aos anos” (PAIM, J.S; ALMEIDA FILHO, 1998, p. 305). De acordo com Rabello (2010, p. 23), ao introduzir o conceito de “campo da saúde” e subdividi-lo em quatro grandes componentes: biologia UNIUBE 33 humana, meio ambiente, estilo de vida e organização da atenção à saúde, Marc Lalonde cria novos caminhos para a superação da hegemonia da clínica médica nos serviços de saúde e abre espaços para a introdução de um conjunto de práticas sociais viabilizadoras dos interesses difusos que se configuram num dado espaço social coletivo. Para Souza e Kalichman (apud Schraiber e Mendes-Gonçalves, 2000, p. 43) o trabalho de Lalonde resultou na amplificação do leque das situações passíveis de serem consideradas como situação de risco à saúde e possibilitou a complexificação das formas de intervenção alargando os limites da prevenção e da atenção primária para os conceitos de qualidade de vida e da promoção da saúde, [...] a dimensão de ações que promovem diretamente a saúde, mais que ações de restauração ou prevenção, tornaram a promoção à saúde um conceito a ser melhor delimitado. Esta noção [...] traz novas questões para a assistência, como por exemplo uma melhor definição do conceito de qualidade de vida (SOUZA e KALICHMAN apud SCHRAIBER e MENDES-GONÇALVES, 2000, p. 43). Quatro anos após a publicação do Relatório Lalonde, em setembro de 1978, os Estados Membros da OMS reúnem-se, na cidade de Alma-Áta no Cazaquistão, para uma Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde e formulam um documento denominado Declaração de Alma-Ata, que acaba se tornando um marco referencial para o desenvolvimento das políticas de saúde no mundo. Além de propor a meta “saúde para todos no ano 2000” (OMS, 1978, p.1), a Declaração de Alma-Ata amplia o âmbito do cuidado à saúde, rompe com o monopólio dos “saberes” técnicos (do médico e demais profissionais da equipe de saúde) e incentiva a participação ativa da população nas questões que envolvem a saúde e a qualidade de vida. Define também, a Atenção Primária à Saúde como componente central do desenvolvimento humano e estratégia fundamental para a reorganização da saúde pública 34 UNIUBE com vistas às correções das desigualdades sociais decorrentes das iniquidades e da falta de equidade na cobertura e na oferta dos serviços. Embora tenha sido essencial para a o aprimoramento dos modelos de saúde adotados no mundo, a Conferência de Alma-Ata restringiu- se exclusivamente às questões relacionadas à Atenção Primária, não tendo, portanto, se referenciado ao Relatório Lalonde e, tampouco, considerado as novas perspectivas representadas pelas propostas da promoção da saúde. Esta omissão, embora involuntária, resultou numa espécie de anomia que motivou, em novembro de 1986, na cidade de Ottawa/Canadá, com o apoio da OMS, a realização da I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde que resultou na Carta de Ottawa. Segundo Rabello (2010, p. 21), a Conferência de Ottawa foi responsável pela quebra do paradigma flexneriano até então vigente e hegemônico; e pelo surgimento de um novo paradigma sanitário reconhecido como o modelo da Promoção da Saúde. Você conhece a Declaração de Alma-Ata e a Carta de Ottawa? Sugerimos que faça uma pesquisa na Internet acerca desses dois textos, por meio de sites de buscas, como o Google. É importante conhecer os documentos na íntegra. Faça um esquema de palavras-chaves acerca das ideias que considerar principais. PESQUISANDO NA WEB Na Carta de Ottawa (1986, p.1), os fundamentos da Promoção da Saúde assumem uma conceituação mais abrangente e dinâmica para a saúde: • corroboram e fortalecem as recomendações de Alma-Ata, associando-as à promoção da saúde; • inauguram a discussão sobre a qua lidade de vida; • defendem a autonomia das comunidades e dos indivíduos; UNIUBE 35 • propõem a mobilização da sociedade; • abordam o papel da intersetorialidade no equacionamento e na solução dos problemas comunitários, ao mesmo tempo em que reforçam a importância do planejamento e do poder local. A Carta de Ottawa também reforça a meta de “Saúde para todos no ano 2000” e destaca a importância de mantê-la nos anos subsequentes. Cita ainda os requisitos fundamentais para que a meta proposta possa ser alcançada: paz no mundo, abrigo, educação, alimentação, recursos econômicos, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social e equidade. Realça, também, a importância do ambiente de trabalho como fonte de saúde e a importância da proteção e da conservação dos recursos ambientais (FRANCO, 2009). Com efeito, a Saúde Pública não pode e não deve ficar restrita unicamente à simples oferta dos serviços de saúde. A promoção da saúde exige Requisitos considerados fundamentais para que a meta saúde para todos possa ser alcançada Paz no mundo Recursos econômicos Abrigo Ecossistema estável Equidade Educação Recursos sustentáveis Ambiente de trabalho como fonte de saúde Alimentação Justiça social um processo dinâmico que envolve transformações políticas, sociais e econômicas, necessárias e indispensáveis à consecução do bem-estar social. Neste sentido, Rabello (2010, p.26) destaca a importância da equidade como a chave para alcançar a meta saúde para todos. Muito além de simplesmente fomentar o desenvolvimento econômico, caberá 36 UNIUBE ao Estado e à sociedade como um todo, promover a justiça distributiva por meio da articulação de um processo de desenvolvimento geral e socialmente includente que incorpore a saúde e a educação como prioridades. Cabe aqui resgatar o pensamento do brilhante filósofo Georges Canguilhem (apud Rabello, 2010, p. 31), “a saúde pode ser definida pela capacidade humana de coexistir em seu ambiente, não somente físico, mas também social”. Desta forma, [...] saúde e doença responderão às transformações do meio ambiente; às inserções das pessoas socialmente, tanto em suas famílias como nas atividades de trabalho, constituindo estados sociais. Da mesma forma, responderão às ações das políticas públicas, do saber e da prática médicos, por sua vez calcados nas configurações do Estado (ADAM; HERZLICH, 2001, apud RABELLO, 2010, p. 31) Ainda segundo Rabello (2010), a forma de incorporar o modelo da promoção da saúde nas Políticas de Estado define os níveis de organização da sociedade e, portanto, difere de um paíspara outro. Assim, apesar dos países membros da OMS e da Organização Pan-americana de Saúde – OPAS serem igualmente signatários dos acordos fundados nos princípios da Declaração de Alma-Ata e da Carta de Ottawa, cada um, de forma autônoma e soberana, passou a adotar sua própria estratégia de implementação das políticas sanitárias voltadas para o atingimento da meta ‘Saúde para todos no ano 2000’. Assim, a exemplo do que já vinha ocorrendo em países como o Canadá, Reino Unido, Austrália e Bélgica, a partir de 1990, com amplo apoio da OPAS, o modelo da promoção da saúde começou Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS): criada em 1902, é a mais antiga agência internacional de saúde do mundo. Sediada em Washington nos EEUU, atua como escritório regional da Organização Mundial de Saúde para as Américas e faz parte dos sistemas da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas (ONU). UNIUBE 37 a ser gradativamente inserido na agenda da saúde pública dos países da América Latina, ampliando as possibilidades dos serviços públicos responderem de maneira mais resolutiva aos problemas de saúde da população (RABELLO, 2010). No Brasil, após anos de muitas lutas e muito trabalho em favor de um movimento nacional reconhecido como Movimento da Reforma Sanitária Brasileira, a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 196, passou a considerar: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988, p. 1). Na forma como ficou explicitado no artigo 196 da Constituição Federal do Brasil, a saúde passa a ser entendida como um direito básico de cidadania inerente a todos os brasileiros. Posteriormente, em 1990, a Lei 8.080/90, conhecida como Lei orgânica da Saúde, ao regulamentar o texto constitucional, reafirma e reconhece, em seu artigo 3º, que “os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País” e estabelece, como indicadores de saúde, um conjunto de fatores condicionantes que deverão ser impulsionados pelo Estado e implementados pela sociedade para que os objetivos de ‘saúde para todos’ possam ser alcançados: Art. 3º. A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; [...] Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social. (BRASIL. Lei nº 8.080 de 19/09/1990). Embora o objetivo da Carta Magna Brasileira tenha sido o de reconhecer 38 UNIUBE a saúde como um direito de cidadania, paralelamente, além do seu propósito precípuo, o texto constitucional fornece subsídios para a compreensão e para formulação de um conceito mais ampliado de saúde. O fenômeno saúde passa a ser “concebido como expressão do modo de vida (estilo e condições de vida), capaz de explicar, juntamente com as condições de trabalho e do meio ambiente, o perfil epidemiológico da população” (PAIM, J.S.; ALMEIDA FILHO, 1998, p.311). Na mesma linha de pensamento, Batistella (2007) argumenta que a saúde é um constructo que emerge de uma dada realidade social e espelha a conjuntura econômica, social e cultural de uma época e lugar. Portanto, a compreensão de como se dão as complexas relações entre homem e o seu espaço/território de vida e trabalho é fundamental para a identificação de suas vulnerabilidades e potencialidades. Deste modo, constata-se que a saúde resulta da mútua interferência entre os seres humanos e o ambiente em que vivem e com o qual interagem, ou seja, não é apenas o homem que interfere e altera o ambiente em que vive, mas também, o ambiente exerce influência sobre a saúde física e mental do homem, podendo causar-lhe bem ou mal. Isto posto, pode-se, por decorrência, afirmar que saúde e desenvolvimento sustentável são interdependentes e que, em razão desta interdependência, cabe ao conjunto da sociedade: poder público, instituições, famílias e indivíduos desenvolverem políticas, atitudes e comportamentos que resultem e/ou promovem as condições necessárias à conquista da qualidade de vida e do bem-estar social. Resgatando, em parte, o pensamento de Canguilhem (2006, p.148) que explica a saúde como a habilidade natural ou a “margem de tolerância ou de segurança que cada um possui para enfrentar e superar as infidelidades do meio”, poderíamos então concordar que, diante das ameaças e tensões físicas, biológicas, psicológicas e sociais decorrentes do modo de vida dos indivíduos, o que irá nos permitir chegar a um UNIUBE 39 conceito positivo de saúde será, talvez, entendê-la como a capacidade humana de enfrentar e superar positivamente as adversidades da vida. Considerações finais1.8 Como vimos até aqui, além do conceito de saúde variar e evoluir ao longo dos tempos; e das condições sanitárias mostrarem-se sensíveis às diferentes realidades sociais, fica claro que tanto o reconhecimento, como o compromisso das sociedades sobre o estar doente ou saudável, pode ser também, significativamente desuniforme. Apesar do conceito de saúde como oposição à doença continuar enraizado na sociedade, a saúde jamais poderá ser interpretada como sinônimo de cura, uma vez que não existe cura definitiva, pois, sob a luz dos modernos sistemas de diagnóstico atualmente disponíveis, sempre será possível detectar algum nível de desequilíbrio nas funções do organismo humano. À título de conclusão, diríamos que saúde pertence à ordem do “é” e não do “que é”. A partir deste ponto de vista, o estado de saúde pode ser considerado como uma condição decorrente das interações dinâmicas dos contextos biológico, espiritual e social do indivíduo com as complexidades do seu entorno, em cada momento da sua existência e das quais resulte um estado relativo de bem-estar físico, mental, social e espiritual. Saúde é, pois, vida em curso, materialização e manifestação de subjetividades. Um valor universal inerente à vida que deveria instituir- se e plenificar-se isento dos encargos de mercado e das iniquidades do mundo. Muito bem, você chegou ao final destes estudos. É hora de retomar o exercício do início deste módulo e escrever a sua versão final sobre o que é saúde. Incorpore todos os conhecimentos adquiridos ao longo do estudo, compare as três definições e analise o seu progresso! Depois, comente e discuta suas dúvidas com seu professor-tutor. AGORA É A SUA VEZ 40 UNIUBE Referências ALBUQUERQUE, C. M. S; OLIVEIRA, C. P. F. Saúde e Doença: Significações e Perspectivas em Mudança. Millenium – Revista do ISPV. n. 25. Viseu: IPV. 2002. Disponível em: <http://www.ipv.pt/ millenium/millenium25/25_27.htm>. Acesso em: 15 jan. 2019. ALMEIDA FILHO, N. O conceito de saúde: ponto-cego da epidemiologia? Rev. Bras. Epidemiol. Vol. 3, N. 1-3, 2000. ALMEIDA FILHO, N; JUCÁ, V. Saúde como ausência de doença: crítica à teoria funcionalista de Christopher Boorse. Ciência e Saúde Coletiva, 7(4): 879-889, 2002. BARATA, R. C. B. Epidemias. Cadernos de Saúde Pública, Vol. 3(1), 9-15. 1987. BATISTELLA, C. 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É por meio da Seguridade Social que um povo ou nação busca construir e alcançar uma sociedade livre, justa e solidária; garantir seu desenvolvimento, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades; eliminar preconceitos e promover o bem de todos, conforme preconiza o Art. 3º da Constituição Federal (BRASIL, 1988). 46 UNIUBE Ao final deste estudo, o aluno deverá ser capaz de: • definir Direitos humanos; • conceituar Seguridade Social; • distinguir Seguridade Social de Previdência e Assistência Social; • correlacionar a evolução histórica do conceito Seguridade Social às políticas de proteção social implementadas no mundo e no Brasil; • relacionar os fatores econômicos, sociais, culturais, históricos e políticos que impactaram avanços e ou retrocessos na implementação das políticas de Seguridade Social no mundo e no Brasil; • explicar a importância da Seguridade Social para o Estado Democrático de Direito e a justiça social; • avaliar o conhecimento construído. 2.1 A Seguridade Social – fundamentos e objetivos 2.2 A Seguridade Social – breve histórico 2.3 A Seguridade Social – evolução 2.4 A Seguridade Social – evolução no Brasil 2.5 Considerações finais Objetivos Esquema Nesta unidade didática, abordaremos o conceito, os fundamentos e a evolução histórica da Seguridade Social e a sua relação com as políticas de proteção social no mundo e no Brasil. UNIUBE 47 A Seguridade Social – fundamentos e objetivos2.1 Do ponto de vista dos seus fundamentos e princípios, a Seguridade Social se alicerça no respeito e na garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana. Os direitos
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