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PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E SAÚDE: TEMAS CONTEMPORÂNEOS Centro Universitário La Salle - Unilasalle Reitor: Paulo Fossatti Vice-Reitor: Cledes Antonio Casagrande Pró-Reitora Acadêmica: Vera Lúcia Ramirez Pró-Reitor de Desenvolvimento: Luiz Carlos Danesi Editora Unilasalle Conselho Editorial: César Fernando Meurer, Cristina Vargas Cademartori, Evaldo Luis Pauly, Rafael Kunst, Tamára Cecília Karawejszyk, Vera Lúcia Ramirez, Zilá Bernd, Ricardo Figueiredo Neujahr (Secretário). Produção: Editora Unilasalle Preparação dos originais: Prisla Calvetti e Denise Quaresma Capa: Fernanda B. Guimarães e Ricardo F. Neujahr Projeto gráfico: Fernanda B. Guimarães e Ricardo F. Neujahr Diagramação: Fernanda B. Guimarães e Ricardo F. Neujahr Prisla Ücker Calvetti Denise Quaresma da Silva (Organizadoras) Editora Unilasalle Av. Victor Barreto, 2288 | Centro | Canoas | RS | 92.010-000 editora@unilasalle.edu.br 51 3476.8603 / 3476.8626 mailto:editora%40unilasalle.edu.br?subject=Editora%20Universit%C3%A1ria Prisla Ücker Calvetti Denise Quaresma da Silva Organizadoras PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E SAÚDE: TEMAS CONTEMPORÂNEOS Canoas, 2014 5 Sumário Apresentação / 7 Parte I – Interfases do desenvolvimento humano Fatores de risco e de proteção ao desenvolvimento infantil / 13 Andrea Rapoport, Sabrina Boeira da Silva A pele e o toque no desenvolvimento humano: da prevenção em saúde aos aspectos biopsicossociais implicados no adoecimento / 27 Prisla Ücker Calvetti Gênero, psicologia e educação: notas sobre a subjetivação/construção da sexualidade normal/anormal / 41 Denise Quaresma da Silva Parte II – Das teorias às práticas Reprodução assistida: revelar ou não revelar aos filhos? / 57 Gisleine Verlang Lourenço, Daniela Knauth, José Roberto Goldim, Luiz Eduardo T. Albuquerque, Ana Rosa Detílio Monaco, Maria Lucia Tiellet Nunes, Eduardo Pandolfi Passos Violência na infância: um olhar a partir da prática clínica / 69 Lúcia Belina Rech Godinho Uso de drogas na contemporaneidade: perspectivas de compreensão e práticas de intervenção / 87 Luciane Raupp 6 Parte III – Olhares contemporâneos Contribuições de Freud à psicoterapia / 103 Julio Cesar Walz Donald Winnicott: para pensar saúde e educação / 117 Cleber Gibbon Ratto Autores / 139 7 Apresentação O séc. XXI estava prestes a engatar e já se encontrava delineado certo sen- timento de que a psicologia repensava os processos humanos na contemporanei- dade. Nessa assertiva, profissionais da Psicologia apresentam nesta obra questões pertinentes a este repensar e lançam múltiplos olhares sobre a interlocução com a saúde e a educação, dialogando desde as interfaces do desenvolvimento huma- no às teorias e práticas, culminando esta proposta acadêmica com a exposição de alguns olhares contemporâneos. Ao elencarmos as interfaces do desenvolvimento humano como ponto de partida deste livro, propomos o entendimento da infância apresentando sub- sídios par a compreensão dos fatores de risco e de proteção no desenvolvimento infantil, bem como na prevenção em saúde e os aspectos biopsicossociais impli- cados no adoecimento do bebê humano, reiterando a importância do toque na pele para seu desenvolvimento sadio. Sabemos que essa não é uma equação sim- ples para predizer resultados, ou seja, considerando-se vários aspectos podemos falar em probabilidades e que as influências sobre o desenvolvimento provêm tanto da hereditariedade quanto do ambiente. Neste sentido, assinalamos que a escolarização tem papel fundamental na vida de uma criança, não apenas por todo potencial que a educação terá na sua vida, mas também porque na escola muitas crianças em situação de vulnerabilidade social, desestruturação familiar, pobreza e maus-tratos estão em contato com profissionais que podem intervir em seu desenvolvimento servindo como fatores de proteção e que, muitas vezes, são capazes de redirecionar os caminhos destas crianças. A educação também é ponto de reflexão na continuidade, quando pro- pomos olhares sobre a interlocução entre Gênero, Psicologia e Educação: notas sobre a subjetivação/construção da sexualidade normal/ anormal. Cada pessoa fala a partir de um lugar que expressa o cruzamento de características específicas de gênero, raça/etnia, classe social, religião, orientação sexual, localização, ge- ração etc. Referindo-se ao gênero, essas características remetem às construções sobre o papel de homem e de mulher em nossa sociedade que se relacionam com determinadas normas, regras e papéis sociais. A Psicologia, enquanto campo de pesquisa, formação e atuação relacio- nada ao ser humano tem muito a contribuir no que se refere à desconstrução das 8 desigualdades sociais e de gênero. Para tanto, esse estudo tem que ser efetivado em um terreno transversal, pois estudar gênero no âmbito da Psicologia perpas- sa o entendimento de que categorias transversais de gênero, raça/etnia, classe social, orientação sexual e geração se cruzam construindo sujeitos com certas especificidades que precisam ser observadas. Os estudos de gênero têm confirmado que existem padrões ou ideais de masculinidades e feminidades hegemônicas e que esses padrões que se instituem como normas e expectativas são, de maneira acentuada, os mais valorizados e aceitos socialmente, sendo os demais comportamentos considerados anormais. Na continuidade, seguimos indagando questões pertinentes a contem- poraneidade ao problematizar: reprodução assistida: revelar ou não revelar aos filhos? Apontamos que estima-se que a cada ano 3.5 milhões de crianças nascem através de processos de reprodução assistida, o que torna a temática relevante e atual. Mergulhando nas famílias atuais, propomos para além da problemática sugerida que possamos pensar nas violências vivenciadas na infância. A expe- riência clínica leva o profissional a se deparar com realidades que vão de um extremo a outro completamente oposto quando se trata da educação de crianças e é justamente nestes extremos que dialogamos sobre as violências praticadas, se- jam físicas, psicológicas, negligências, violência sexual, Síndrome de Münchau- sen por procuração ou Síndrome do bebê sacudido. Propomos entendimentos e discussões sobre seus efeitos na e para a infância. Todas estas problemáticas relevantes nos levam a pensar no mal estar social vigente e por isso, nossas reflexões dirigem-se ao uso de drogas na contem- poraneidade, discutindo perspectivas de compreensão e práticas de intervenção, pensando sobre a questão do uso de substâncias psicoativas na atualidade sob uma perspectiva histórico social, destacando a forma de compreensão das Ciên- cias Humanas e Sociais acerca da relação dos seres humanos com as drogas, as- sim como as transformações nas práticas de uso e prejuízos a elas associados. Em um segundo momento, articula-se essa perspectiva com as modalidades de compreensão e intervenção sobre os problemas decorrentes do abuso de drogas, destacando as concepções que orientam as políticas públicas que regulam o setor. Finalizamos nossa tarefa acadêmica entregando para os/as leitores/as subsídios teóricos advindos de Donald Winnicott para pensar saúde e educação e da teoria freudiana, com as contribuições de Freud à psicoterapia, onde pos- 9 tula-se que a psicoterapia foi um passo importante na história da humanidade. Formula o autor: trata-se de uma chance real de podermos nos tornar mais hu- manos, sem dúvida nenhuma, pois a neurose é o oposto disso, ela é uma obtura- ção completa da capacidade de aprender com a experiência da vida como ela é. Tomamos emprestadas essas palavras para sintetizar nosso pensamento ao finalizarmos esta apresentação: falar, discutir, aproximar a Psicologia da Saú- de e da Educação, trata-se de uma chance muito importante de tornarmos a vida mais humana, mais saudável e com muito mais potência de vida. As Organizadoras 11 Parte I – Interfases do Desenvolvimento Humano 13 Capítulo 1 FATORES DE RISCOE DE PROTEÇÃO AO DESENVOLVIMENTO INFANTIL Andrea Rapoport Sabrina Boeira da Silva Ao se abordar o tema sobre fatores de risco e de proteção ao desenvolvi- mento infantil torna-se importante explicar que esta não é uma equação simples para predizer resultados, ou seja, considerando-se vários aspectos podemos fa- lar em probabilidades. Segundo Papalia, Olds e Feldman (2006) durante muito tempo se discutiu o que influenciaria o desenvolvimento humano, se os aspectos do ambiente, a maturação ou os fatores hereditários. Embora tenham existido explicações ambientalistas que sugeriam que as pessoas seriam resultado de suas experiências ou as inatistas que explicavam as características de uma pessoa a partir da hereditariedade, hoje é praticamente consenso que estes não podem ser separados embora ainda se discuta o peso que cada um tem. Dessa forma, as influências sobre o desenvolvimento provêm tanto da hereditariedade quanto do ambiente. Buscando-se prevenir e também reduzir riscos, assim como intervir de forma adequada nos casos de crianças já afetadas por fatores que possam preju- dicar o seu desenvolvimento torna-se importante o conhecimento de quais são os fatores que podem afetá-las negativamente e quais, de forma contrária, podem servir de proteção. Este conhecimento não deve restringir-se aos profissionais da área da saúde, mas deve ser realizado um trabalho de formação constante com aqueles que em seu cotidiano trabalham com as crianças que estão frequentando as escolas, embora saibamos que muitas ainda estão fora delas. A escolarização tem papel fundamental na vida de uma criança, não ape- nas por todo potencial que a educação terá na sua vida, mas também porque na escola muitas crianças em situação de vulnerabilidade social, desestruturação Currículo Lattes http://lattes.cnpq.br/0900474597349858 http://lattes.cnpq.br/0900474597349858 14 familiar, pobreza e maus-tratos estão em contato com profissionais que podem intervir em seu desenvolvimento servindo como fatores de proteção e que, mui- tas vezes, são capazes de redirecionar os caminhos destas crianças. Vulnerabilidade social O termo vulnerabilidade social tem recebido diversas definições, assim como tem sido empregadas outras denominações para o mesmo tema, como famílias em situação de risco, famílias pobres, famílias de baixa renda, famílias de camadas populares entre outros para denotar o mesmo sentido (Prati, Couto e Koller, 2009). O estudo desses termos apontou para um único foco: trata-se de famílias que se apresentam vulneráveis por estarem fragilizadas e suscetíveis a fatores de risco. A vulnerabilidade social pode ser identificada em uma única fa- mília ou em uma comunidade inteira, o que é mais comum e é definida por Prati e colaboradores (2009, p. 404) da seguinte forma: Vulnerabilidade social é uma denominação usada para caracterizar famí- lias expostas a fatores de risco, sejam de natureza pessoal, social ou ambiental, que coadjuvam ou incrementam a probabilidade de seus membros virem a pade- cer de perturbações psicológicas. A pobreza extrema seguidamente acompanha a vulnerabilidade, no en- tanto não é o que a define. Vulnerabilidade caracteriza-se também pela impossi- bilidade de modificar a condição atual em que se encontra (Kaztman apud Silva, 2007). Geralmente estas pessoas ou grupos sobrevivem em condições precárias no que se refere à alimentação, higiene, educação e saúde, sem acesso a melhores oportunidades de emprego. Fatores de risco ao desenvolvimento infantil O impacto no desenvolvimento das experiências vivenciadas pelas crian- ças, em situação de vulnerabilidade social ou não, será influenciado pelo que chamamos de fatores de risco e de proteção. Fatores de risco são todas as adversidades que podem interferir no desen- volvimento humano, seja na infância, na adolescência ou qualquer outra fase da vida (Sapienza & Pedromônico, 2005). A possibilidade de danos é agravada pelo o que Sapienza e Pedremônico chamaram de riscos cumulativos e também da 15 associação de vários fatores de risco. Coll et al., 2004) referem uma diversidade de fatores que incluem fatores da criança, do microssistema familiar, do micros- sistema de iguais, da escola, a conexão entre estes sistemas e por fim fatores do macrossistema. Ou seja, esta criança que tem suas próprias características como sexo, idade, tipo de temperamento, ausência presença de problemas evolutivos está inserida em uma família que também tem sua forma de funcionamento e especificidades, a criança está numa escola ou não, tem um determinado tipo de relações com outras crianças e está inserida num contexto socioeconômico e cul- tural. Esta gama de fatores tem polos positivos (fatores de proteção) e negativos (fatores de risco). Grande parte dos fatores de risco encontra-se no próprio lar da criança e na comunidade em que esta habita. Alguns destes são identificados como po- breza extrema, violência física e/ou psicológica, desestruturação familiar, vul- nerabilidade social, maus-tratos, negligência (Amparo et al., 2008), assim como criminalidade, drogas ilícitas, álcool, desemprego e baixa escolaridade (Siqueira & Dell’aglio, 2010). Algumas situações vivenciadas no próprio lar da criança caracterizam-se como fatores de risco comuns em comunidades em situação de vulnerabilidade social, por exemplo, os maus-tratos físicos e/ou psicológicos. Segundo Sapienza e Pedromônico (2005, p. 210) “aquelas crianças com dificuldades socioeconômi- cas cujas mães sejam também jovens, solteiras e pobres ou que tenham vindo de famílias desorganizadas, ou ainda crianças que tenham pais com desordens afe- tivas [...] são vulneráveis a eventos estressores”. Entre as modalidades de maus- tratos, as que apresentam maior ocorrência nas comunidades vulneráveis são o abuso físico, o abuso sexual, a negligência e a violência psicológica. O abuso físico envolve maus-tratos corporais e está presente principal- mente no ambiente familiar ou em seu entorno, sendo geralmente praticado por pessoas que possuem laços afetivos ou sanguíneos. Utilizando castigos físicos, coercivos e práticas violentas para a “educação” dos filhos, pais/responsáveis que apresentam um modelo familiar com relações agressivas, adotam o discurso de estarem educando, porém não percebem que a violência por eles praticada contra seus filhos poderá causar sérios danos ao desenvolvimento desta criança (Ferreira & Marturano, 2002). Em estudo realizado com professoras que possuíam em sua sala de aula crianças vítimas de abuso físico e violência familiar, verificou-se que o desempe- 16 nho escolar dessas crianças é inferior ao dos outros alunos, assim como foram observados comportamentos agressivos e indisciplina (Pereira e Williams, 2008). Esses problemas de comportamento causados pelo abuso físico trazem danos ao desenvolvimento psicológico também em outras fases da vida, pois o compor- tamento da criança com características antissociais que repercute nas relações na escola e no desempenho possivelmente conduzirá o jovem a um grupo de amigos de risco e a uma posterior delinquência (Bee, 1997). Dessa forma, muitas vezes, a família, que deveria ser a primeira a proteger de agressões e situações de conflito e violência, acaba sendo a responsável por uma futura delinquência que poderá decorrer da vivência e da violência sofrida quando criança. Segundo Maia e Williams (2005) a negligência refere-se ao fato de privar a criança de algo que ela necessita, quando isto é fundamental para um desen- volvimento sadio. Por exemplo, alimentação, vestuário, segurança, estudo, afeto, etc. Esta pode ser decorrência de fatores que fogem à vontade da família, mas que se relacionam a falhas do Estado em lhes prover condições que são direito como cidadãos. Por outro lado, podem estar diretamente ligadas a falhas na atuação da família como cuidadora e protetora da criança, responsável por seu desenvolvi- mento físico, emocional, cognitivo e social (Bérgamo& Faleiros, 2010). A violência psicológica refere-se tanto às ameaças e humilhações como também à privação emocional. O Conselho Americano de Pediatria (Maia & Williams, 2005, p. 94) elenca prejuízos em várias áreas decorrentes deste tipo de violência: Pensamentos intrapessoais (medo, baixa autoestima, sintomas de ansiedade, depressão, pensamentos suicidas, etc.), saúde emocional (instabilidade emocional, problemas em controlar impulso e raiva, transtorno alimentar e abuso de substâncias), habilidades sociais (comportamento antissocial, problemas de apego, baixa simpatia e empatia pelos outros, delinquência e criminalidade), aprendizado (baixa realização acadêmica, prejuízo moral), e saúde física (queixa somática, falha no desenvolvimento, alta mortalidade). Já o abuso sexual, uma das modalidades que implica mais seriamente no desenvolvimento da criança, refere-se ao fato de um ou mais adultos buscarem prazer sexual utilizando a criança. Há uma relação de poder da pessoa agresso- ra, geralmente mais velha, de quem a vítima depende intelectual, emocional ou economicamente. De acordo com Williams (apud Meira & Williams, 2005, p. 95) a criança vítima de abuso sexual pode manifestar comportamento sexualizado, ansiedade, depressão, queixas somáticas, agressão, regressão no seu desenvolvi- 17 mento, autoagressão, problemas na escola, entre outras manifestações a curto prazo. Os prejuízos não são apenas a curto prazo, a longo prazo podem ocorrer “depressão, ansiedade, prostituição, problemas de relacionamento sexual, pro- miscuidade, abuso de substâncias, ideação suicida entre outros”. Por outro lado, algumas vezes a criança vitimizada pode apresentar ma- nifestações minimamente perceptíveis (Inoue & Ristum, 2008). De acordo com Inoue e Ristu (2008), estudos demonstram que a escola tem papel significativo para a descoberta de casos de abuso infantil, já que é lá que a criança passa boa parte do dia. As professoras são mencionadas como quem mais identifica a vio- lência sexual, seja através da verbalização das crianças ou comportamentos que indiquem o abuso, e por isso seria importante oferecer a estas uma formação para que a abordagem e encaminhamento sejam feitos de forma correta e não prejudiquem ainda mais a criança. Vê-se a importância de abordar também a questão do trabalho infantil como fator de risco, pois esta realidade está fortemente presente no cotidiano das comunidades que apresentam situação de vulnerabilidade social. Gomes (1998) trata o trabalho infantil como um adoecimento da família e não só da criança, referindo que não se pode querer culpar somente os pais pela situação, já que estes são também vítimas muitas vezes de um sistema que os deixa sem opção ou sem conhecimento dos danos que estão causando ao desenvolvimento dos filhos, já que esta prática pode ser vista como natural por estes pais. Muitas vezes pobreza extrema faz com que o grupo familiar se mobilize, todos em prol da sobrevivência, para prover o seu sustento (Gomes, 1998). No entanto, existe ainda a exploração do trabalho infantil, que se diferencia pelo caráter nocivo à saúde física e psicológica da criança e do adolescente, e também por estar relacionado ao benefício de um sobre o outro, no caso da exploração do trabalho infantil, do adulto sobre a criança, no intuito de obter vantagem ou lucro. Diferindo do trabalho em prol do núcleo familiar, a exploração pode estar explícita em casos onde pais que não trabalham exploram seus filhos para que estes promovam o sustento do lar (Gomes, 1998). A exploração do trabalho in- fantil, segundo escolarização regular, tão imprescindível à preparação deles para a cidadania plena. Uma das sérias consequências trazidas pelo trabalho infantil é, então, a evasão escolar, pois a criança abandona a escola para dedicar-se somente à ati- vidade remunerada. Para contrapor essa necessidade, os programas que buscam 18 erradicar o trabalho infantil e incentivar a frequência escolar são de fundamental importância. Entretanto, Kassouf (2007) analisa que os programas governamen- tais de auxílio financeiro para que as crianças frequentem a escola não inibem o trabalho das crianças, pois não garantem que no turno inverso à escola estas crianças deixarão de trabalhar. Fatores de proteção ao desenvolvimento infantil Ao pensar em casos de crianças que passaram por maus-tratos e vivem em situação de vulnerabilidade social nem todas são igualmente afetadas por estas situações. Como uma possível resposta a esse questionamento se apresen- tam os fatores de proteção, que se caracterizam das mais diversas formas, contri- buindo para o desenvolvimento e para a redução dos traumas sofridos. Segundo Branden (apud Amparo et al., 2008, p. 167) se dividem em três categorias: (1) Fatores individuais, tais como autoestima positiva, autocontro- le, autonomia, características de temperamento afetuoso e flexível; (2) fatores familiares, como coesão, estabilidade, respeito mútuo, apoio/suporte; (3) e, fatores relacionados ao apoio do meio ambien- te, como bom relacionamento com amigos, professores ou pessoas significativas que assumam papel de referência segura à criança e a faça sentir querida e amada. De acordo com o autor, estão envolvidos nos fatores de proteção carac- terísticas pessoais, influenciadores familiares e sociais. A criança poderá buscar não somente em si, mas principalmente na família e na escola apoio para de- senvolver-se adequadamente. Os fatores de proteção pessoais estão diretamente relacionados à forma como se dá o desenvolvimento da criança. Por exemplo, quando ela desenvolve relações seguras de apego com os pais ou cuidadores, principalmente no primeiro ano de vida, estará mais fortalecida para enfrentar as adversidades, tornando a criança menos suscetível a danos decorrentes do meio social (Bee, 1997). Segundo Sapienza e Pedromônico (2005) o bom rela- cionamento dos pais com os filhos pode ser considerado importante fator de proteção, talvez o mais relevante, pois influenciará diretamente a criança. Por constituir-se em um importante fator de proteção para a criança, de- rivado das relações familiares, mas que depois se transforma numa característica que acompanhará o indivíduo pelo resto de sua vida, entendemos ser importante explicar sobre a teoria do apego. 19 Bowlby (1989) ao abordar a teoria do apego refere a importância dos primeiros três anos de vida, mas em especial do primeiro, para o desenvolvi- mento de uma pessoa segura, tendo um desenvolvimento emocional saudável e estando mais apta para enfrentar as adversidades da vida. Para o autor, o bebê e a criança pequena precisam contar com cuidados adequados, que respondam às suas necessidades afetivas, de proteção, assim como as necessidades básicas, transmitindo-lhes que têm com quem contar quando necessitam e que o mundo é bom e confiável. O autor descreveu em sua obra três tipos de apego e relacionou-os às con- dições familiares vivenciadas pela criança. Segundo Bowlby (1989) os tipos de apego são: apego seguro e inseguro ansioso ou inseguro com evitação. No apego seguro, a criança tem confiança de que os pais estarão disponíveis, oferecendo ajuda em caso de situação adversa ou amedrontadora. É promovido por um dos pais, especialmente a mãe, que nos primeiros anos se mostra disponível, sensível aos sinais da criança e com respostas amáveis quando esta busca conforto e/ou proteção. O apego inseguro e ansioso caracteriza-se pela incerteza da criança na disponibilidade dos pais para ajudá-la caso necessite. Devido a isto, ela tende a ficar grudada, demonstrar ansiedade de separação e dificuldade de explorar o mundo. É promovido por pais que se mostram instavelmente disponíveis e pres- tativos, por separações e ameaças de abandono usadas como forma de controle. Já o apego inseguro com evitação ocorre quando a criança não tem nenhuma confiança de que se procurar ajuda e cuidado irá recebê-lo, esperando ser rejeita- da. Este modelo épromovido por uma mãe que rejeita constantemente a criança, sempre que ela a busca para conforto e proteção. Por fim, o apego desorganizado, descrito posteriormente por Main e colegas foi observado em crianças que sofre- ram abuso físico ou foram completamente negligenciadas pelos pais. Resiliência Mesmo passando por situações múltiplas de adversidades algumas pes- soas permanecem resistentes e são pouco afetadas de forma negativa em seu desenvolvimento. Esse tipo de fenômeno passou a ser estudado, uma vez que desperta, no mínimo, estranheza o fato de alguns indivíduos serem capazes de superar os traumas e outros não. A resiliência configura-se pela capacidade que um indivíduo ou um grupo possui de se recuperar psicologicamente após viven- ciar situações extremas (Amparo et al., 2008). Segundo Sapienza e Pedromônico 20 (2005) a resiliência configura-se como um fator de proteção para a adaptação do indivíduo às demandas cotidianas, estando relacionada à autoestima e ao auto- conceito de cada um, pois dependerá da forma como este recebe e interpreta as situações de risco. O indivíduo resiliente passa por situações adversas, porém com perspectivas otimistas, apresentando estratégias de enfrentamento eficazes que os tornam capazes de superar e progredir apesar dos obstáculos que lhes são postos. Silva, Elsen e Lacharité (2003) citam uma pesquisa longitudinal realizada por Werner (1995) em que foram acompanhadas durante trinta e dois anos 698 crianças nascidas na ilha de Kauai-Hawaii. Os resultados desta pesquisa mostra- ram que as crianças que se desenvolveram adequadamente contaram com fatores de proteção como laços afetivos positivos dentro da família com pelo menos um cuidador, especialmente durante o primeiro ano de vida e encontraram suporte emocional fora de casa, geralmente de um professor na escola, de amigos ou outra pessoa que as apoiavam, principalmente nos períodos de maior estresse. A pesquisa confirma a importância dos laços familiares e redes de apoio, sejam elas na escola, amigos ou qualquer outra pessoa ou instituição que acolha esta criança em momentos de conflito. Está explicitado ainda que o apego desenvolvido no primeiro ano de vida torna o indivíduo mais confiante e seguro, capaz de enfren- tar situações adversas e desenvolver resiliência. O estudo sobre resiliência traz ainda questões relativas às possibilidades de reversão do quadro social em que o resiliente está inserido, pois nega o con- ceito de que uma criança que se desenvolve em uma comunidade vulnerável, em uma família desestruturada ou passa por qualquer outra adversidade estará destinada a viver tal como foi criada e reproduzir a violência que sofreu (Silva, Elsen, & Lacharité, 2003). Entretanto, não se pode desprezar o fato da pobreza extrema ser identificada como um fator de risco capaz de reduzir a possibilidade de a criança ser resiliente, pois acarreta diversos outros fatores adversos já am- plamente citados acima. A família, a escola e a criança em situação de vulnerabilidade social Sabe-se que grande parte das escolas, onde existem as queixas em relação ao desempenho dos alunos, encontram-se situadas em comunidades carentes e vulneráveis e, segundo Ferreira e Marturano (2002), neste contexto as crianças tendem a apresentar mais problemas de desempenho escolar e de comportamen- 21 to. Talvez, devido ao fato de muitos dos pais ou responsáveis por essas crianças apresentarem baixa escolaridade e não reconhecerem na escola uma oportuni- dade de ascensão social (Pereira, Santos, & Williams, 2009). Em um estudo rea- lizado foi constatado que mães com mais anos de estudo se envolvem mais com a escolaridade de seus filhos, e que esse maior envolvimento está associado a um melhor desempenho da criança (Stevenson & Backer, apud D’avila-bacarji, Marturano & Elias, 2005). O incentivo dos pais e a importância que estes direcionam à escola são fatores que contribuirão para o comprometimento da criança com a educação de forma que pais que acompanham seus filhos, que se preocupam com seu desem- penho e disponibilizam algum tempo para verificar as atividades da escola junto com as crianças aumentam as chances de seus filhos obterem um bom desempe- nho (Marturano, apud D’avila-bacarji, Marturano, & Elias, 2005). O bom relacio- namento com os pais ou cuidadores também pode ser um fator importante no interesse e na preocupação da criança em realizar as tarefas da escola, observam D’avila-Bacarji, Marturano e Elias (2005). Existem ainda outros fatores que dependem da família e que poderão in- fluenciar no desempenho escolar das crianças. Crianças cujos pais não possuem hábitos de leitura, não costumam ler ou contar histórias a seus filhos, podem influenciar seu interesse. O fato de muitas crianças estarem distantes de formas de estimulação intelectual, que poderiam lhes despertar interesse e curiosidade, pode acarretar altas taxas de problemas e de fracasso escolar, principalmente em bairros pobres (Bee, 1997). Na vida de uma criança a escola desempenha funções imprescindíveis. Neste ambiente serão proporcionadas vivências que farão parte do desenvolvi- mento e contribuirão para a aprendizagem, podendo significar ainda local de proteção, onde a criança se sentirá acolhida. Os laços formados com professores e colegas servirão para que a criança sinta-se inserida em um grupo onde ela po- derá aprender a reelaborar seus sentimentos de medo, agressividade, frustração, bem como seus colegas e professores (Sampaio, 2004). Acredita-se que, principalmente em comunidades vulneráveis, a escola assume funções que vão além do ensino. A carência afetiva e social das crianças obriga o corpo docente a oferecer mais do que a legislação delega à escola (Sam- paio, 2004). Segundo a autora, a escola acaba assumindo funções que antes eram ocupadas pela família, mas que com a desestruturação que nos dias de hoje é 22 quase comum à maioria dos alunos, recaem sobre a instituição escolar. É necessário considerar ainda a qualidade do trabalho e o comprometimento investido na escola por aqueles que a compõe. Sabe-se que o modo como o ensino é conduzido, a estrutura da escola, a metodologia usada pelo professor e o investimento destes em relação aos alunos serão fatores determinantes na aprendizagem das crianças que lá estudam. Mais do que recursos financeiros e boa estrutura, para a escola funcionar bem são necessários também profissionais motivados, preocupados com a formação de seus alunos. Dessa forma, quando o foco do ensino é a qualidade que se oferece ao aluno, mesmo com poucos recursos torna-se possível a escola proporcionar um ambiente favorável ao de- senvolvimento e à aprendizagem. Quando a escola encontra-se situada em um bairro onde a vulnerabi- lidade social faz parte da vida das famílias, o professor tem pela frente ainda mais um desafio que se caracteriza pelas dificuldades em lecionar em uma classe que une especificidades em um único núcleo. Nessas comunidades podem ser encontrados em uma mesma sala de aula alunos que passaram por experiências extremas, muitos deles com privações e déficits que se colocam como empeci- lhos ao desenvolvimento e à aprendizagem. Entretanto, o professor que se dispõe a trabalhar com este perfil precisa ter o cuidado de não determinar a capacidade de seus alunos pela situação em que estes vivem. Silva (2011, p. 69) refere que muitos professores criam rótulos da capacidade intelectual segundo a classe so- cial dos alunos. A partir disso, os professores seguindo uma visão determinista deixam de investir nesta criança e aí poderá se perder um grande talento, uma possibilidade de sucesso e superação. Por outro lado, um professor que atua em uma comunidade vulnerável possui nas mãos a possibilidade desenvolver um trabalho diferenciado com estes alunos, que certamente é privado de muitas ou- tras possibilidades. Considerações finais São muitos os fatores que interferem no desenvolvimento de uma crian- ça, principalmentequando esta vivencia situações traumáticas e permanece em situação de vulnerabilidade social. Conhecer esses fatores e compreender a for- ma como influenciam no seu desenvolvimento é fundamental para aqueles pro- fissionais que atuam com estas crianças. Embora não tenha-se abordado, no pre- 23 sente artigo, fatores de risco como negligência e maus-tratos físicos, psicológicos e abuso sexual não são exclusivos de comunidades que vivem em situação de vulnerabilidade social, embora sejam mais prevalentes pelo acúmulo de fatores de risco ao qual estão submetidas. Neste espaço também não foi possível enfati- zar todos os fatores de risco e de proteção, pois é uma temática bastante ampla. Por exemplo, a idade em que a criança é submetida a um evento adverso, carac- terísticas de seu temperamento, condições de saúde incluindo deficiências físicas e psicopatologias são alguns fatores que deixaram de ser abordados podendo constitui-se em uma limitação do presente estudo, mas também em um convite para outras leituras. Outro aspecto que merece atenção é o trabalho de prevenção que pode ser feito não apenas na escola, mas também na esfera da saúde pública através de ações de prevenção primária em saúde mental intervindo diretamente com as famílias e fortalecendo os laços afetivos e orientando para práticas parentais que promotoras de um desenvolvimento saudável. Referências Agência Notista de Jornalismo Científico (2011). O que são os maus-tratos às crianças? Revista Psique, 64, ano 6, (caderno especial), pp. 1-15. Amparo, D. M. do et al. (2008, maio). Adolescentes e jovens em situação de risco psicos- social: redes de apoio social e fatores pessoais de proteção. Estudos de Psicologia, 13(2), pp. 165-174. Bee, H. (1997). O ciclo Vital. Porto Alegre: Artmed. Bérgamo, L. P. D., & Faleiros, J. M. (2010). Negligência infantil: estudo comparativo do nível socioeconômico, estresse parental e apoio social. Temas em Psicologia, 18(1), pp. 71-84. Bowlby, J. (1989). 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Órgão sensorial primário, a pele divide-se entre a epiderme, constituída de tecido epitelial, é formada por células mortas na camada mais externa. A derme, formada por tecido fibrilar que proporciona a sua elasticidade e o hipo- derme, tecido celular subcutâneo, também chamado panículo adiposo. Origina- se da mais extensa das três camadas embriônicas, a ectoderme de onde derivam também a epiderme e os sistemas nervosos periféricos e central. Conforme Caminha, Soares e Kreitchmann (2011) a pele humana é com- posta de diferentes classes de receptores que são sensíveis a fatores como calor, pressão, temperatura e movimento (entre outros), mas cujas respostas são pro- cessadas e depois unificadas para criar a sensação do toque. A pele é como um sistema de abrigo de nossa individualidade, atuando como limite dentro-fora, eu e o outro, eu e o mundo. Ao mesmo tempo em que nos protege, é a fachada que nos expõe (Strauss, 1989, p. 1221). Toque e desenvolvimento humano saudável É importante salientar que a pele tem origem embrionária, desde a Currículo Lattes http://lattes.cnpq.br/4536354617246701 http://lattes.cnpq.br/4536354617246701 28 gestação a ectoderme é formada interligada ao sistema nervoso, mostrando a relação entre este órgão e o psiquismo. Em relação ao desenvolvimento humano o toque tem importante papel na promoção da saúde desde o início da vida até o envelhecimento. Na gestação o toque da mãe na barriga proporciona fortale- cimento do vínculo com seu bebê. Desde então, o toque é promotor de saúde. A amamentação posteriormente ao nascimento, além de proporcionar nutrientes necessários para o desenvolvimento da criança, é importante para melhorar as funções respiratórias e a oxigenação do sangue, além de receber o toque carinho- so da mãe. O sistema imunológico do bebê é fortalecido. Efeitos fisiológicos do toque também são manifestos em relação a sexua- lidade. O tato é a verdadeira linguagem do sexo. A presença ou ausência apre- senta-se relacionada a experiências prévias ligadas ao tato. A privação cutânea no início da vida nas relações podem estar implicadas na dificuldade de casais ao contato físico e afetivo. O toque está diretamente relacionadoa experiências de prazer, elemento de intimidade. Ainda discorrendo sobre o desenvolvimento humano, o tato é uma das experiências mais negligenciadas ao envelhecer, em especial na terceira idade. Sabe-se que o contato físico é inclusive preventivo de depressão, em especial nes- ta etapa do ciclo da vida. Portanto, pode-se observar que a presença ou ausência do toque desde o início da vida tem suas repercussões na saúde e na doença. A seguir apresento os aspectos biopsicossociais implicados no desenvolvimento humano quando a pele é acometida pelo adoecimento. A pele e o adoecimento De acordo com Gupta e Gupta (1996), é estimado que pelo menos um terço dos pacientes com doença dermatológica apresenta aspectos emocionais associados. Os prejuízos em suas vidas são evidentes, incluindo sofrimento psí- quico, como referido no estudo de Taborda, Weber e Freitas (2005), em que fo- ram avaliados pacientes dermatológicos do espectro psicocutâneo através do Self Reported Questionnaire (SRQ-20), instrumento de triagem de doença mental. Verificou-se presença de sofrimento psíquico em 25% da amostra. O estudo de Ludwig (2007) também encontrou sofrimento psicológico em pacientes der- matológicos. Avaliando 205 pacientes com diferentes dermatoses, os resultados 29 demonstraram que 65,9% apresentavam sintomas de estresse. A maioria dos pa- cientes estava na fase de resistência (50,7%) e apresentava predominantemente sintomas psicológicos (46,8%) se comparados aos físicos (10,2%). Sabe-se que o estresse é um fator que está relacionado com o surgimento e desenvolvimento de doenças, desde os estudos de Selye em 1936. Muitos pes- quisadores têm buscado aprofundar os conhecimentos sobre a relação entre o es- tresse e as doenças de pele. Rodríguez, Celis e Sosa (2002) referem que extensos estudos indicam que o estresse emocional pode exacerbar alguns eventos, como na psoríase, por exemplo. A questão psicossomática está implicada no adoeci- mento da pele, já que o estresse é uma variável psicológica importante, influen- ciando tanto no surgimento, quanto no desenvolvimento de uma manifestação orgânica, neste caso a doença de pele. A constante relação entre mente e corpo nas doenças, neste caso as der- matológicas, tem suscitado interesse de médicos internacionalmente. Panconesi (Grimalt & Cotterill, 2002), dermatologista italiano, menciona a importância de uma relação estreita entre médico e paciente, de forma que o primeiro se coloque à disposição do segundo, podendo escutá-lo e verificar os fatores de estresse e as questões emocionais envolvidas. Refere também que certas doenças, dentre elas as de pele, são influenciadas, desencadeadas ou causadas por fatores que pertencem à esfera psíquica, podendo ser genericamente definidos como fatores emocionais. Os dermatologistas Azulay e Azulay (1992) falam que a necessidade de resolver conflitos psíquicos pode transformar-se em doenças e manifestações psicossomáticas “onde o papel do psiquismo torna-se bastante mais complexo”. No Brasil, existem produções de dermatologistas que abrangem os as- pectos emocionais envolvidos. Azambuja (2000) discorre sobre a Dermatologia Integrativa como a psiconeuroimunologia aplicada a atentar aos aspectos físico, mental e emocional do indivíduo, podendo reduzir o estresse e aumentar a efi- ciência dos tratamentos através de recursos complementares. O mesmo autor refere que é impossível fragmentar o ser humano e cuidar só de seu corpo ou apenas de sua mente, porque um aspecto depende do outro, um influencia o outro o tempo todo, e ambos compõem uma unidade (Azambuja, 2001). Uma de suas considerações é de que “medicina e psicologia deverão buscar juntas as origens mais remotas das doenças para não só delas tratar, mas para primordial- mente expandir a saúde”. 30 Rocha (2003) menciona a validação de aspectos fisiológicos, comporta- mentais, cognitivos, afetivos, sistêmicos e ecológicos, presentes na abordagem integrativa em relação ao paciente, tendo como objetivo “alcançar a excelência no relacionamento médico/paciente”, não só na dermatologia, mas em toda a medicina. A autora refere ainda a importância da precaução de se cuidar emo- cionalmente bem como de verificar suas próprias questões pessoais antes de abordar estes aspectos no paciente. Também conforme depoimento verbal, esta dermatologista, Tânia Rocha, a avaliação do estresse é feita na primeira consulta. Considerando o sofrimento psíquico envolvido, Hoffmann, Zogbi, Fleck e Müller (2005) mencionam estar o vitiligo associado a fatores psicológicos, visto que, em estudo da última autora, o aparecimento da doença se deu após situação de estresse emocional. Neste estudo, comparou-se dois grupos de pacientes com vitiligo, um recebendo tratamento médico por 6 meses, e o outro, tratamento médico e psicológico durante o mesmo período. Os resultados demonstraram que o grupo que obteve os dois tratamentos teve melhoras bem mais representa- tivas do que o outro. Os temas de ansiedade e depressão também estão sendo estudados na sua relação com as doenças de pele por diversos autores. Amorim-Gaudencio, Roustan e Sirgo (2004), numa pesquisa sobre a evolução da ansiedade nas der- matoses crônicas, avaliando diferenças entre os sexos, encontraram relação entre o impacto psicológico produzido pelo problema de pele e sua condição crônica com o alto nível de ansiedade nesses pacientes. O’leary, Creamer, Higgins e Weinman (2004) estudaram as causas atribuí- das pelos pacientes psoriáticos à sua doença, verificando a relação entre estresse percebido, qualidade de vida, bem estar psicológico e severidade da psoríase. Os resultados demonstraram que do total da amostra, 61% acredita no estresse e em atributos psicológicos como fatores causais da psoríase, e esta crença foi signifi- cativamente associada a altos níveis de ansiedade, depressão e estresse percebido. As pessoas têm formas diferentes de interpretar as situações de vida, assim como distintas formas de lidar com elas, como estudado por Silva, Müller e Bonamigo (2006), avaliando estratégias de coping e níveis de estresse em pa- cientes com psoríase. Desta forma, aponta-se à necessidade de conhecer as estra- tégias utilizadas pelos pacientes para enfrentar a sua doença de pele, sendo pos- sível, através disto, ensinar maneiras mais adequadas e que possam beneficiá-lo. Qualidade de Vida (QV) é um dos construtos que diz respeito a elemen- 31 tos do sentir-se bem; pode ser definida como a harmonização de diferentes mo- dos de viver e dos níveis: físico, mental, social, cultural, ambiental e espiritual (Fleck, Borges, Bolognesi, & Rocha, 2003). É compreendida como sendo “a per- cepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (Fleck, Louzada, Xavier, Chachamovich, Vieira, Santos, & Pin- zon, 2000). A preocupação com a QV se refere a um movimento nas ciências hu- manas e biológicas destinado a valorizar parâmetros mais amplos que o controle de sintomas, a diminuição da mortalidade ou aumento da expectativa de vida. A importância de novos estudos, principalmente no Brasil, que busquem avaliar a influência dos aspectos biopsicossociais presentes em pacientes com doenças de pele são relevantes devido a escassos estudos na área a fim de elabo- ração de propostas para a melhora da qualidade de vida desta população. Mello filho (2002) menciona que toda doença humana é psicossomática, já que incide em um ser provido de soma e psique, inseparáveis, anatômica e funcionalmente. Dermatoses na infância e suas implicações no desenvolvimento hu- mano A pele pode ser compreendida como espelho das emoções, e como tal pode estar implicado nela manifestações de conflitos que aparecem por meio de alguma dermatose. É possível encontrar conexões entre as relações iniciais mãe- -bebê e a pele, uma vez que os primeiros modelos de vinculação com o mundoexterno começam a ser “impressos no corpo, e a partir disso, no psiquismo da criança”. Desta forma, as dificuldades experienciadas pela díade podem ter di- ferentes vias de manifestação, sendo a doença de pele uma delas. A dermatose pode representar, de alguma forma, a “não existência de um limite claro entre eu e não-eu”, tanto pelo excesso quanto pela falta de estímulo (Jorge, Muller, Ferreira, & Cassal, 2004). A Dermatite Atópica (DA), ou eczema, é uma doença crônica de pele que acomete entre 10 a 20% da população infantil mundial. Caracteriza-se pela presença de episódios cíclicos de prurido, com alterações imunológicas cutâneas que causam inflamação. Ocorre com mais frequência em famílias em que há rinite alérgica, asma e alergia alimentar, e em países industrializados (Alvaren- ga & Caldeira, 2009; Ricci, Dondi, & Patrizi, 2009; Myssior, Fontes, Ferreira, & 32 Marques, 2008). Sua etiopatogenia não está completamente esclarecida, entre- tanto, observa-se que há uma complexa inter-relação envolvendo fatores imu- nitários, genéticos, infecciosos, ambientais, alimentares e psicossomáticos. Ferreira, Müller e Jorge (2006) acreditam que a DA está associada com o aumen- to do nível de ansiedade, assim como os próprios sintomas da dermatose geram ansiedade e causam um grande impacto na qualidade de vida. Após o surgimento dos sintomas de DA, as famílias precisam se reor- ganizar, e a vida familiar gira em torno desta doença de pele, de modo que esta instituição passa a evitar situações que possam desencadear crises. As origens das crises provêm de diferentes fatores, como mudanças climáticas, ingestão de alimentos, exposição à alérgenos e situações emocionais (Ferreira, Müller, & Jorge, 2006). A DA, devido a sua cronicidade, ao intenso prurido, a perturbações no sono e nas atividades diárias e pela associação potencial com doenças respira- tórias, pode ser considerada como uma dermatose social e psicologicamente relevante, pois além de acometer o próprio paciente, todo o ambiente familiar e profissional é afetado. É relatado, também, um impacto financeiro, social e emocional na família do acometido por esta doença de pele. Pais com crianças portadoras de DA possuem dificuldade na disciplina e no cuidado delas, espe- cialmente devido à exaustão, à privação do sono, a dificuldades no custo e na administração da medicação tópica e sistêmica. Não obstante, esta sobrecarga gerada pelos cuidados das crianças com DA gera conflitos entre o casal e entre os irmãos saudáveis, alterando a estrutura familiar (Alvarenga & Caldeira, 2009; Ferreira et al., 2006). Os pacientes crianças com DA sofrem com o prurido, enquanto a mãe sente-se culpada por relutar em tocar o bebê, afastando-o de si. Quando a família apresenta altos escores de independência e organização, a área corporal acometi- da por DA é significativamente mais baixa (Ferreira et al., 2006). Torna-se necessário compreender o significado da pele para um melhor entendimento da dermatose. Jorge, Muller, Ferreira e Cassal (2004) corroboram com esta afirmação ao crer que a doença de pele pode ser reflexo das relações iniciais da criança. Isso denota a importância tanto da pele quanto do contato inicial com o outro para a constituição psíquica da criança. As relações iniciais entre a mãe e seu bebê têm grande importância para o desenvolvimento emocio- nal deste, visto que a partir da atitude emocional da genitora e de seu afeto, ela 33 orienta a criança, cujo aparelho perceptivo e discriminação sensorial se encontra imaturo. Não obstante, a formação das primeiras relações entre esta dupla serve como modelo para as futuras relações sociais do infante (Thomaz, Lima, Tavares, & Oliveira, 2005). Muitos sintomas físicos infantis, tais como cólica, eczema, hostilidade materna, manipulação fecal, entre outros, são advindos da relação mãe-bebê, como forma patológica decorrente das relações objetais. Pode-se dizer que a criança fica contaminada pelo clima afetivo materno, e, quando a mãe depressiva se afasta, a criança fica impossibilitada de completar a fusão, necessária nesta eta- pa do ciclo vital, e, se estiver no período de formação do psiquismo, estes distúr- bios deixam cicatrizes tanto na estrutura quanto no funcionamento do aparelho psíquico (Pio, 2007). Piccinini, Marin, Alvarenga, Lopes e Tudge (2007) acrescentam ser críti- co o primeiro ano de vida para o desenvolvimento afetivo, cognitivo e social da criança. Desta forma, é imprescindível que os pais respondam com afeto e sen- sibilidade ao comportamento do filho, a fim de favorecer a formação do apego e seu desenvolvimento sócio-emocional. O apego representa a propensão de os se- res humanos construírem “fortes vínculos afetivos com outros e de explicarem as diferentes formas de consternação emocional que ocorrem quando da separação ou perda involuntárias do outro, é construído a partir do processo de interação entre o bebê e o círculo maternante” (Piccinini, Moura, Ribas, Bosa, Oliveira, Pinto, Schermann, & Chahon, 2001). Do ponto de vista evolucionista, o sistema de apego aumenta as chances de sobrevivência do bebê, por permitir ao cérebro imaturo da criança a utilização do funcionamento maduro de seus pais, a fim de atender suas necessidades vi- tais. O vínculo materno adequado é crucial para o surgimento do apego seguro, o qual necessitará da retro-alimentação do comportamento do bebê (Motta et al., 2005; Pio, 2007). Filhos de mães mais sensíveis e responsivas tendem a ter um apego se- guro, caracterizado pela confiança na disponibilidade emocional e responsivida- de materna, bem como na promoção de uma orientação positiva e confiante da criança em relação à mãe, ao mundo e a si mesma. Entretanto, quando o bebê recebe cuidados com pouca sensibilidade e baixa responsividade materna, ele tende a desenvolver um apego inseguro, o qual representa uma falta de confian- ça na disponibilidade emocional da mãe e acarreta em uma atitude negativa e 34 pouco confiante em relação à genitora, ao mundo e a si mesmo (Piccinini et al., 2007; Motta et al., 2005). É necessário salientar que a responsividade corresponde a um domínio, o qual consiste de um complexo de construtos e variáveis relacionadas, tais como empatia, sensibilidade a pistas sociais, não-intrusividade, capacidade de previsão, disponibilidade emocional e envolvimento positivo (Piccinini et al., 2007). Deve-se valorizar elementos saudáveis referentes aos padrões de paren- talidade, tais como cuidados físicos, promoção de experiências iniciais, favore- cimento do desenvolvimento físico e psíquico, defesa da vida e da saúde, entre outros. Entretanto, é necessário identificar, também, os aspectos de omissão, depreciação, rejeição, descontinuidade, abandono, os quais correspondem à pa- rentalidade patogênica, que conduz a desajustes e a sintomas psicofuncionais na criança, ou, ainda, psicopatologias mais graves (Piccinini et al., 2001). As configurações familiares que, além da mãe, contam com a presença e auxílio de outros adultos favorecem a maternidade e o desenvolvimento infantil, especialmente quando o pai é a figura presente, pois este também compartilha com a esposa a responsabilidade da criação, incluindo êxitos e fracassos. Estudos realizados constataram a existência de uma relação positiva entre a presença do pai e o cuidado maior da mãe pelo filho, favorecendo o desenvolvimento infan- til saudável. Em pesquisa realizada por Piccinini et al. (2007) verificou-se que mães casadas demonstram maior responsividade, principalmente nas questões referentes ao desconforto ou aflição de seus bebês do que mães solteiras. Assim, inferiu-se que o apoio da figura paterna e a relação desta com a genitora pode favorecer o aumento da disponibilidade da mãe para atender, de forma sensível e contingente, os desconfortos do filho. Outro fator de grande relevância é a questão de haver menor impacto de depressão materna quando não há outros fatores de risco associados,tais como baixo apoio marital ou familiar e baixo status socioeconômico (Motta et al., 2005). Esses achados só reforçam a importância de a mãe poder contar com uma rede de apoio no cuidado com o filho, pois, desta forma, ela poderá exercer sua maternagem de forma mais adequada (Rapoport & Piccinini, 2006). É ne- cessário ressaltar que além da mãe, a criança está cercada de outras pessoas que a influenciam emocionalmente, como irmãos, parentes, amigos, podendo ou não ter algum significado emocional (Pio, 2007). 35 A partir do explanado, percebe-se a importância de uma relação familiar para a saúde da pele e do desenvolvimento da criança. Dentro disso, cabem as práticas educativas parentais, as quais podem ser compreendidas como conjun- tos de condutas dos pais no processo de educação e socialização dos filhos. Essas práticas estão associadas a vários indicadores de desenvolvimento psicossocial e comportamental, tais como a autoestima, a depressão, a ansiedade, psicopa- tologia, desempenho escolar, entre outros (Teixeira, Oliveira, & Wottrich, 2006; Teixeira & Lopes, 2005; Cecconello, De Antoni, & Koller, 2003). Teixeira e Lopes (2005) salientam que os estilos parentais referem-se a metas ou valores considerados importantes pelos genitores tanto em suas vidas quanto na educação de seus filhos. Os pais que conseguem ser mais amorosos, acolhedores, encorajadores e aceitadores das perspectivas singulares de cada indivíduo e de seus desejos, satisfazem as necessidades psicológicas da pessoa, como autonomia e relações interpessoais, aumentando a probabilidade de que esta possa se expressar e sentir mais confiante. Por outro lado, quando o ambiente de desenvolvimento é frio, controla- dor e rejeitador, o sujeito procura aprovação e segurança por meio do estímulo externo, pois há maior dificuldade de relacionamento interpessoal e de autono- mia, especialmente se os genitores exercem excessivo controle, sem apoio emo- cional, de forma a prejudicar a internalização, isto é, as metas e os valores são buscados a partir de uma autoridade externa, valorizando mais a opinião alheia do que a sua própria (Teixeira & Lopes, 2005). Quando a pele adoece em qualquer etapa do desenvolvimento humano a pessoa e família se depara com as repercussões que este órgão reflete na vida. Se uma criança desencadeia a dermatite atópica esta doença impacta além dos pais, a família. Inclusive dermatologistas que atuam na perspectiva interdisciplinar da compreensão da relação entre pele e psiquismo recomendam que a mãe da criança ao aplicar a medicação tópica (na pele) faça carícias na mesma. Desta forma, a criança sente o contato mais prazeroso. Este aspecto tende a auxiliar na recuperação da saúde integral da pessoa, além do fortalecimento imunológico e vínculo. Considerações finais A pele sendo o maior órgão do corpo, reflete nela o mundo interno e 36 externo. Emoções são manifestadas na pele desde o nascimento e durante todo o ciclo vital. A cada etapa do desenvolvimento, o toque repercute na promoção do fortalecimento do sistema imunológico e das relações interpessoais. Destaca-se que são escassas as pesquisas sobre a relação entre Psicologia e Dermatologia no Brasil, sendo necessário o avanço de novos estudos sobre esta inter-relação entre pele e aspectos psicológico no desenvolvimento humano. Novas pesquisas permitem o diálogo entre pesquisadores brasileiros com outros internacionais para a produção de conhecimentos sobre o processo saúde-doen- ça implicado na saúde da pele. O desenvolvimento de novas pesquisas poderá contribuir para a prevenção e tratamento de dermatoses e promoção da qualida- de de vida do nascimento ao envelhecimento no âmbito da saúde da pele. Nesse sentido, destaca-se a necessidade de aprofundamento de estudos no que diz respeito às questões de intervenções terapêuticas relacionadas as der- matoses. Além disso, a importância dos profissionais da área da saúde trabalha- rem de forma interdisciplinar, como promover um melhor resultado no trata- mento das doenças de pele crônicas. Cumpre salientar que existe uma ligação muito forte entre a pele e os fatores psicológicos, os quais acabam desencadean- do o surgimento ou agravamento das dermatoses. Referências Alvarenga, T. M. M., & Caldeira, A. P. (2009). Qualidade de vida em pacientes pediátri- cos com dermatite atópica. Jornal de Pediatria, 85(5), pp. 415-420. Azambuja, R. D. (2000). Dermatologia integrativa: a pele em novo contexto. Anais Bra- sileiros de Dermatologia, 75(4). 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Cada pessoa fala a partir de um lugar que expressa o cruzamento de ca- racterísticas específicas de gênero, raça/etnia, classe social, religião, orientação sexual, localização, geração, etc. No que se refere ao gênero, essas características remetem às construções sobre o papel de homem e de mulher em nossa socieda- de que se relacionam com determinadas normas, regras e papéis sociais. O termo gênero foi conceitualizado numa perspectiva feminista em fins da década de 1970 (Sardenberg, 2004). Inicialmente, era uma palavra usada ape- nas em oposição a sexo, como construção social das identidades sexuais, descre- vendo o que é socialmente construído. Já nas décadas de 70 e 80, de acordo com Sorj (1992), os estudos de gênero passaram a envolver duas dimensões: a ideia de que o gênero seria um atributo social institucionalizado e a noção de que o po- der estaria distribuído de modo desigual entre os sexos, subordinando a mulher. Com o avanço nas discussões, o termo gênero passou a ser considerado como ca- tegoria múltipla e relacional que abarca códigos linguísticos institucionalizados e representações políticas e culturais (Butler, 2003). Scott (1995) conceitua o gênero como uma categoria de análise histórica que implica em quatro elementos: 1) símbolos culturais disponíveis (da tradição cristã ocidental) – que evocam representações múltiplas e contraditórias, por Currículo Lattes http://lattes.cnpq.br/9874159368391364 http://lattes.cnpq.br/9874159368391364 42 exemplo, Eva e Maria como símbolos de mulher; 2) conceitos normativos – que colocam em evidência interpretações do sentido dos símbolos, limitando e con- tendo suas possibilidades metafóricas; 3) inclusão da noção do político – como referência às instituições e organizações sociais; e 4) identidade subjetiva – re- ferenciada pela psicanálise lacaniana que concebe a formação da identidade de gênero a partir das relações objetais estabelecidas com o Complexo de Édipo, nas primeiras etapas do desenvolvimento humano. Ampliando o conceito, De Lauretis (1994) propõe pensar o gênero como produto de tecnologias sociais, discursos, epistemologias e de práticas institucio- nalizadas que o sustentam dentro de um aparato social e representacional absor- vido subjetivamente por cada pessoa. A autora também traz quatro proposições sobre o gênero: 1) o gênero é uma representação; 2) a representação do gênero é a sua construção; 3) a construção do gênero vem se efetuando hoje nos apare- lhos ideológicos do Estado; e 4) a construção do gênero se faz por meio de sua desconstrução. Postulo que as/os diversos profissionais e a sociedade como um todo pre- cisam refletir sobre os impactos nas produções de subjetividade para homens e mulheres que se entrecruzam com relações de poder. A Psicologia, enquanto campo de pesquisa, formação e atuação relacionada ao ser humano tem muito a contribuir no que se refere à desconstrução das desigualdades sociais e de gê- nero. Para tanto, esse estudo tem que ser efetivado em um terreno transversal, pois estudar gênero no âmbito da Psicologia, perpassa o entendimento de que categorias transversais de gênero, raça/etnia, classe social, orientação sexual e geração se cruzam construindo sujeitos com certas especificidades que precisam ser observadas. Ocupo-me da articulação da Psicologia com a Educação, a partir de pesquisas no campo da Educação sexual. Os temas da sexualidade, da educação sexual e das diversidades de gêne- ro estão ocupando crescentemente diversos espaços da mídia, da política, acadê- micos e da sociedade civil brasileira. A amostra mais evidente da extensão des- tes temas pode ser a atual polêmica dentro e fora do Congresso Nacional sobre a pertinência de uma proposta do Ministério da Educação para incluir temas de homofobia e a respeito da diversidade da instrução da educação sexual nas instituições escolares. A articulação deste debate e seus desenlaces confirmam a consolidação da educação sexual como um campo de interesses e lutas, onde diferentes discursos participam de uma disputa política de gênero e sexualidade 43 que envolve relações desiguais de poder por legitimar ou estigmatizar algumas identificações e práticas (Furlani, 2008). Estes enfrentamentos destacam um acentuado interesse pela educação sexual que transcende a preocupação pela higiene do corpo, a prevenção do HIV/AIDS, o aumento da gravidez na adolescência e o início cada vez mais cedo das relações sexuais; falam de um acentuado interesse por produzir- ou não- corpos e subjetividades ajustados aos ideais sexuais e de gênero predominantes. Minhas indagações vêm se fundamentando ultimamente dentro desta perspectiva da análise e tem seu inícioa partir de um estudo com adolescentes grávidas em situação de risco social que revelou as limitações das famílias para dialogar sobre sexualidade (Quaresma da Silva, 2007). Na sequência, desenvolvi uma pesquisa institucional onde entrevistei professores e estudantes das escolas públicas municipais de ensino fundamental da cidade de Novo Hamburgo/RS, objetivando analisar as práticas de educação sexual e a sua transversalidade no currículo escolar. Nesta direção, examinar as práticas de educação sexual com uma pers- pectiva de gênero nas instituições escolares de nível fundamental em Novo Hamburgo/RS significa revelar as pedagogias de gênero que ali são articuladas, descrever o que elas ensinam sobre como ser homens e mulheres, analisar os discursos de gênero que circulam nestas práticas, verificar como são significadas, representadas, valorizadas e ordenadas diversas identidades e quais homens e mulheres são legitimados, estigmatizados e marginalizados. Concluí, através das análises das entrevistas, que quando as/os professo- ras/es explicam a importância e a finalidade da educação sexual, destacam preo- cupações e propósitos que não tem a ver somente com a prevenção das doenças e da prevenção da gravidez adolescentes. Em suas explanações se evidenciam que nas práticas de educação sexual se ensina muito mais que órgãos e partes do corpo, muito mais do que como colocar um preservativo, muito mais que infec- ções de transmissão sexual. Acompanhando estes temas, circulam discursos e representações sobre gênero e sexualidade que indicam como devem ser homens e mulheres e quais comportamentos, atitudes, gestos e práticas sexuais são ade- quadas para cada um (Quaresma da Silva, 2011). As reflexões que apresento neste texto, podem ser úteis para justificar ações dirigidas a sensibilizar e implicar a todos/as no questionamento das suas 44 práticas cotidianas sobre como nos posicionamos frente à questão da sexualida- de humana, na análise dos efeitos de inclusão-exclusão, aceitação-discriminação, legitimação-desaprovação e normalidade-aberração que elas nossas posturas produzem. Entendo a subjetividade como o encontro do social e do individual, for- mando a teia que constitui o sujeito e se manifesta nas suas relações, na práxis. Reitero a importância de (re)conhecer como se institucionalizam as práticas so- ciais, visto que estas são responsáveis pela transmissão de valores, incorporados nas subjetividades. Não podemos pensar em relações que se efetivem entre sujeitos que não estejam inseridas em determinado contexto, e que não sofram influência deste. Neste sentido, as subjetividades, são compostas de determinantes estruturais e singularidades. Minha concepção é de que aquilo que se traduz nas interações entre sujeitos é o reflexo de valores culturais internalizados no processo de socia- lização, embora nas relações se expressem de forma única. Desta forma, assumo a posição de que o gênero, na construção das subjetividades se efetiva nas inte- rações singulares, no âmbito social, cada caso se configurando de forma única, mas tendo como “pano de fundo”, as práticas histórico/culturais onde os sujeitos se constituem. Postulo que toda educação é sexual e que a educação sexual constitui um espaço onde circulam identidades de gênero valorizadas e desacreditadas e para este propósito, são ativadas diversas táticas regulamentares para registrar nos corpos características de gênero e sexualidade legitimadas e dominantes na lógica heteronormativa. Louro (2010, p. 15) afirma: O ato de nomear o corpo acontece no interior da lógica que supõe o sexo como um ‘dado’ anterior à cultura e lhe atribui um caráter imutável, a-histórico e binário. Tal lógica implica que esse ‘dado’ sexo vai determinar o gênero e induzir a uma única forma de desejo. Neste sentido, Roudinesco (2003, p. 117) destaca que “quando se con- sidera que o sexo anatômico prevalece sobre o gênero, a unidade se esfacela e a humanidade é dividida em duas categorias imutáveis: os homens e as mulheres. As outras diferenças são então desprezadas ou abolidas”. Diversas instâncias (escola, família, lei, igreja, mídia, ciência, cinema, organizações) participam ativamente e suportam esta lógica para produzir os 45 corpos – e as subjetividades – acordes à norma que privilegia a heterossexua- lidade. Nessas instâncias podem ser desconstruídos processos articulados que privilegiam identidades e práticas hegemônicas enquanto negam, desvalorizam e marginam outras identidades e práticas. Louro (2010) descreve este “fazer os corpos” como um trabalho pedagógico ininterrupto, reiterado e ilimitado que é desenvolvido para inscrever nos corpos o gênero e a sexualidade legítimos. Refiro as pedagogias culturais que nos ensinam hábitos, formas de com- portamentos e valores através de diferentes artefatos como os filmes, a moda, as revistas, os programas de televisão, a literatura, a publicidade e a música. Através das pedagogias de gênero se ensinam quais comportamentos se devem valorizar, quais atitudes e gestos são adequados para cada gênero, bem como se deve ser e fazer (Louro, 2008). Quando falamos destas identificações ensinadas, valorizadas, permitidas e estimuladas, é impossível não ter em conta a participação da mídia nesse pro- cesso, e especificamente das revistas como mídia impressa. As revistas, segundo Bassanizi (1996, p. 16): [...] tentam corresponder à demanda do público leitor, consideran- do seu modo de agir e pensar, ao mesmo tempo em que procu- ram discipliná-lo e enquadrá-lo nas relações de poder existentes, funcionando como um ponto de referência, oferecendo receitas de vida, impingindo regras de comportamento, dizendo o que deve e principalmente o que não deve ser feito. Ou seja, as revistas, transmitem conselhos e recomendações que indicam caminhos, atitudes, comportamentos a serem seguidos pelos homens e pelas mulheres, algumas vezes na lógica heteronormativa, outras vezes na direção da legitimação da diversidade. Isso confirma a convergência de diversas representa- ções sobre como devem ser homens e mulheres. Por isto, as/os pesquisadoras/es envolvidas/os neste campo buscam apontar: [...] os modos pelos quais características femininas e masculinas são representadas como mais ou menos valorizadas, as formas pe- las quais se re-conhece e se distingue feminino de masculino, aqui- lo que se torna possível pensar e dizer sobre mulheres e homens que vai constituir, efetivamente, o que passa a ser definido e vivido como masculinidade e feminilidade, em uma dada cultura, em um determinado momento histórico (Meyer, 2003, p. 14). Nesse sentido, torna-se um imperativo com altas implicações políticas a problematização da constituição cultural e o governo das identidades de gênero 46 através das revistas, buscando desconstruir tais representações para desestabili- zar ou interpelar as “verdades” sobre gênero, que ali são veiculadas. Para Foucault (2003), a sexualidade é um dispositivo histórico muito concreto de poder. O dispositivo de sexualidade é uma criação social e inscre- vem-se nas mais variadas relações de poder existentes na sociedade, do pai para o filho, do homem para a mulher, do professor para o aluno, do médico para o paciente, do governo para a população, etc. Este autor descreve um conjunto de técnicas e táticas com a finalidade de produzir corpos dóceis e úteis para o sistema onde eles se encontram inseridos, configurando-se, segundo ele, uma anatomia política do detalhe. É assim como meninos e meninas vão apropriando se de um conjunto de ‘mandamentos’ sobre como devem ser homens e mulheres para ser aceitos, respeitados e valorizados. Através do discurso, as crianças e jovens aprendem quais comportamentos devem valorizar, quais as atitudes e gestos adequados a cada um dos gêneros, bem como o que podem e devem fazer cada um deles. Esse processo complementa-se com o reconhecimento dos sujeitos em uma identidade frente às constantes interpelações
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