Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CONTROLE COGNITIVO DO MOVIMENTO O controle dos nossos movimentos envolve uma ação integrativa harmônica entre vários sistemas, sob grande gerenciamento do Sistema Nervoso. Dentre estes, estão os sistemas sensoriais e perceptuais, os sistemas de ação motora, que englobam participações dos sistemas musculoesquelético e cardiopulmonar, além dos sistemas cognitivos. Os processamentos cognitivos influenciam os nossos movimentos? Mais do imaginamos. Sabem aqueles movimentos que são considerados como “automáticos”? Não é bem assim. Não é porque realizamos movimentos sem estarmos conscientes do mesmo ou sem prestar atenção ao mesmo que este movimento torna-se automático. O gerenciamento cognitivo permanece. Isto é bem evidente no esporte. Os atletas têm absoluto domínio de seus movimentos e das estratégias motoras treinadas exaustivamente. Porém, diante de uma competição em especial, são necessárias concentração, alerta e atenção para que se tenha o máximo desempenho. Então, o movimento não ocorre de forma “automática”. Será que basta estarmos conscientes de determinado movimento que já estamos diante de um controle cognitivo? Não necessariamente. Observe a você mesmo agora. Como estão seus membros inferiores? Cruzados, esticados? Está com alguma caneta ou celular por perto? Em qual lugar você os deixou? Já parou para pensar como você tomou a decisão de realizar estas ações motoras? Para começarmos a entender este processo, precisamos ter em mente que o ser humano manifesta comportamentos motores que são complexos, que são constituídos por ações motoras, que por sua vez são constituídas por movimentos. Se vocês estiverem sentados agora, cada qual levantará da cadeira de uma forma diferente – leia-se: cada um apresentará diferentes estratégias motoras para alcançarem o mesmo objetivo, que é realizar a ação motora de levantar da cadeira, por exemplo. Estas estratégias motoras complexas, direcionadas a um objetivo e que são moduladas a cada segundo, são permeadas por um controle cognitivo muito preciso. A elaboração dos planos de ações motoras exige muitos desafios, onde as experiências prévias e contexto do ambiente são levados em consideração pelo Sistema Nervoso. Vale ressaltar que estas ações devem ser flexíveis e adaptativas de forma a lidar com adaptações e eventos inesperados. Este controle cognitivo é conduzido por funções de ordem superior que são cruciais para a cognição, emoção e comportamento: as chamadas funções executivas. (KOERTS et al., 2011) Funções executivas podem ser definidas como “processos cognitivos que orquestram atividades direcionadas a um objetivo e alocam a atenção entre tarefas competitivas.” (SPRINGER et al., 2006; ROYALL; LAUTERBACH; CUMMINGS, 2002). Estas funções executivas estão relacionadas a alguns processos muito importantes no controle do movimento, tais como: determinação de estratégias para se atingir objetivos direcionados; ajustes de planejamento; controle de processos de atenção; gerenciamento de tarefas; flexibilidade de pensamento; tomadas de decisão. Em suma, podemos associar estas funções executivas à habilidade em lidar adequadamente com a novidade e em gerenciar objetivos pessoais. O controle cognitivo envolve ainda: monitorar as ações de forma que se esteja de acordo com a meta e se atinja determinado objetivo; inibir desejos pessoais e seguir regras, de forma a se adequar a convenções sociais e inibir respostas habituais para se atingir o objetivo proposto. ANATOMIA DO CONTROLE COGNITIVO A grande área de gerenciamento do controle cognitivo sobre nossos movimentos é dada no córtex pré-frontal, que é constituído por mais da metade do lobo frontal em humanos, mas também em outras áreas tanto corticais (como o lobo parietal) como subcorticais, como os núcleos da base. Essencialmente, o córtex pre-frontal está envolvido no comportamento direcionado a um objetivo, recrutamento de informações relevantes a tarefa, planejamento motor, monitoramento do movimento, simulação de consequências, iniciação, inibição e alternância de comportamentos. Anatomia das regiões envolvidas no controle cognitivo dos movimentos (fonte: netterimages.com) MECANISMOS ENVOLVIDOS NO CONTROLE COGNITIVO MECANISMOS DE MEMÓRIA A memória está envolvida no processamento da aquisição de novas informações. O processamento de novas informações envolve os processos de aquisição da informação, consolidação, armazenamento e posterior recuperação da informação, que servirá de base para executar um comportamento motor aprendido. Existem diversos tipos de memória, que são mediados por diferentes mecanismos. Em relação ao controle cognitivo, a memória mais influente é a memória dita operacional ou memória de trabalho. O conceito de memória operacional foi desenvolvido na intenção de estender o conceito de memória de curto prazo e elaborar as formas de processamento da informação que são envolvidas quando a informação é retida por um período de segundos ou minutos. A memória operacional representa um armazenamento de capacidade limitada para reter informações por um período curto de tempo (“manutenção”) e para a realização de operações mentais dentro do contexto deste armazenamento (“manipulação”). Memória operacional pode ser definida como “um conceito hipotético que refere-se ao arquivamento temporário de informações para o desempenho de uma diversidade de tarefas cognitivas”, sendo um sistema de capacidade limitada e com múltiplos componentes (HELENE; XAVIER, 2003). De acordo com Baddeley (2000), a memória operacional é gerenciada por um sistema regulador chamado “central executiva”, constituída por um sistema de controle de atenção, auxiliado por dois sistemas de suporte responsáveis pelo arquivamento temporário e manipulação de informações – um de natureza visuo-espacial (memória declarativa visual) e outro de natureza fonológica (ligado à linguagem – retenção temporária da informação verbal e acústica), além de um quarto componente inserido posteriormente pelo mesmo autor, denominado retentor episódico, que teria como função resgatar informações evocadas na memória de longa duração para controle consciente. Assim, esta central executiva seria responsável por conectar os sistemas de suporte à memória de longa duração, além da seleção de estratégias e planos. Sabe aquela hora em que você tenta memorizar a vaga e o piso do shopping onde você parou o carro? Ou memorizar um telefone para adicionar na pasta “contatos” do seu celular? Esta é a memória operacional. É esta memória que atua de forma importante no gerenciamento cognitivo do movimento voluntário, agindo como uma interface entre percepção, memória de curto prazo, ação, comportamento orientado a um objetivo, tomadas de decisão, entre outros processamentos. A memória operacional requer mecanismos para acessar a informação armazenada e formas de mantê-las “ativadas”. É necessária para manter informações relevantes à tarefa e manipular estas informações de forma a se atingir comportamentos direcionados a um objetivo. A memória operacional está envolvida também na habilidade em organizar e segregar o timing e a ordem dos eventos motores. O maior componente neural da memória operacional é a região lateral do córtex pré-frontal. MECANISMOS DE ATENÇÃO Segundo Mesulam, “atenção é um termo genérico que pode ser designado por uma família inteira de processos que medeiam a escolha entre vários eventos mentais ou externos que deverão ter acessos preferenciais aos portais estreitos da consciência e ação”. Ainda de acordo com Mesulam, os processos relativos à atenção incluem o despertar (o nível mais geral de responsividade); orientação (o realinhamento dos órgãos sensoriais); atenção seletiva (a preferência por algum estímulo dentre outros); atenção sustentada (vigilância)e atenção dividida (prestar atenção simultaneamente em vários eventos) (MESULAM, 1989). Esta última é muito considerada do ponto de vista comportamental, já que em situações normais do dia-a-dia existem várias tarefas que devem ser desempenhadas ao mesmo tempo, e portanto, os recursos atencionais deveriam ser gerenciados de modo a compensar a competição das várias demandas do ambiente. De acordo com Helene e Xavier em 2003, atenção é “um conjunto de processos que leva à seleção ou priorização no processamento de certas categorias de informação”, e os conceitos referentes aos mecanismos atencionais não devem estar distantes dos conceitos de memória. Os dois grandes modelos para controle atencional, os “de cima para baixo – top- down” que oferece uma ação de caráter antecipatório através de previsões sobre o ambiente, por meio de um controle voluntário atencional e os “de baixo para cima – bottom-up”, adaptados de acordo com mecanismos de aprendizagem que levam a modificações no funcionamento (controle atencional estímulo-dependente) dependem dos mecanismos de memória sobre as experiências passadas e planos de ação. Isto é, cada conjunto de circuitaria é dependente do outro, com muitas vias em comum ou situadas em regiões cerebrais semelhantes e/ou adjacentes (regiões frontais, pré-frontais) – o que gera certa dificuldade em se nomear as habilidades de gerenciamento de engajamento atencional – como atenção, memória operacional, entre outras (HELENE; XAVIER, 2003; BEDESCHI, C., 2008). E OS NOSSOS PACIENTES? E os nossos pacientes? Os pacientes podem apresentar alterações neuromotoras que manifestam-se sem causa aparente, mas que na verdade são decorrentes de acometimentos cognitivos. Podem apresentar paralelamente aos distúrbios motores outros sinais, tais como: alteração do comportamento, apatia, distração, impulsividade, dificuldades em tomar decisões, dificuldades em planejar ações, dificuldades em entender as consequências das ações, dificuldades em organizar os eventos na memória; dificuldades em recobrar eventos das memórias, e em seguir regras. É por esta razão que o fisioterapeuta deve estar atento a estes sinais, de forma, a saber, avaliar e elaborar estratégias de tratamento que sejam específicos aos aspectos cognitivos em consonância aos aspectos motores, pois esta inter-relação é sutil e importante. Para entendermos um pouco mais sobre este controle cognitivo dos nossos movimentos, vamos estudar um pouco mais a fundo dois dos comportamentos motores mais importantes do ser humano: a marcha e o controle postural. CONTROLE COGNITIVO DA MARCHA É importante salientar que a marcha é um comportamento motor complexo, que está muito além de locomoção por “alternância de passos”. É preciso um controle integrado entre os sistemas nervoso e musculoesquelético, que manifestam os movimentos voluntários de segmentos específicos do corpo além dos ajustes posturais necessários, antes e durante a marcha. De acordo com Takakusaki, 2013, a estrutura básica do controle locomotor da marcha é constituída por três processamentos: Ilustração esquemática dos processos envolvidos no controle da marcha. O processo cognitivo requer um processamento de informações corticais; as regiões do tronco encefálico (ponte, bulbo e mesencéfalo) estão envolvidos no processo automático. Os núcleos da base e cerebelo controlam e modulam ambos os processos (retirado de TAKAKUSAKI, 2013). - VOLICIONAL-COGNITIVO: por meio de comandos oriundos do córtex cerebral e com intensa participação da memória operacional para guiar os comportamentos futuros - EMOCIONAL: sinais oriundos do sistema límbico / hipotálamo - AUTOMÁTICO: ativações sequenciais de neurônios no tronco encefálico e medula espinhal. Estão envolvidos na geração de movimentos rítmicos dos membros e regulação do tônus muscular postural Notem que a marcha não é considerada um comportamento motor automático. Ela é planejada e executada sob intenso controle cognitivo e também emocional. É só repararmos na marcha das pessoas, que varia de acordo com o humor das mesmas. As pessoas felizes ou otimistas apresentam padrões de marcha diferentes das pessoas que estão tristes ou estão pessimistas. Além do processamento cognitivo e emocional, temos o processamento automático – este sim ocorre de forma a regular os movimentos rítmicos de alternância dos membros, e é regulado pela atividade harmônica de neurônios especializados do mesencéfalo e também da medula espinhal – estes últimos denominados “geradores centrais de padrão” (GCP) . O controle da marcha é adaptativo – há necessidade de constante recalibração dos padrões de marcha para se caminhar em diferentes terrenos e ambientes. Esta modulação neural da marcha é realizada pelo cerebelo pelos tratos espinocerebelar (por meio de feedback) e trato olivocerebelar (feedforward do córtex cerebral). Outro sistema modulatório da marcha são os núcleos da base, influentes em controlar todos os processamentos citados. A relação entre os distúrbios da marcha e funções cognitivas de ordem superior tem recebido maior atenção nesta última década (AMBONI et al., 2012; MARTIN et al.; 2012), pois sabe-se que existem componentes cognitivos na generalização e manutenção de um padrão de marcha consistente e harmônico, mesmo em indivíduos saudáveis. (SRYGLEY et al., 2009). Entretanto, sabe-se que a cognição exerce um papel dominante na preservação da marcha, em especial quando uma doença degenerativa ou a idade avançada alteram as capacidades de automaticidade (LORD; GALNA; ROCHESTER, 2013). Algumas deficiências em variáveis específicas da marcha são associadas a um aumento do declínio cognitivo e à incidência de doenças degenerativas, como a Doença de Alzheimer, por exemplo (VERGUESE et al., 2007). Um estudo com 422 indivíduos idosos mostrou que deficiências nas funções cognitivas, atenção e velocidade de processamento estavam relacionadas a baixos desempenhos em medidas absolutas de marcha, como a velocidade (MARTIN et al., 2012). O declínio cognitivo associado à diminuição da atenção e alerta podem influenciar negativamente a marcha e o equilíbrio (EBERSBACH et al.; 2013), e os principais fatores para a perda da independência são as deficiências na marcha e declínio cognitivo. Estudos mostram que baixos desempenhos em três domínios cognitivos (atenção, funções executivas e memória operacional) estavam associados à lentidão de marcha especialmente em condições de dupla-tarefa, o que sugere que estes domínios cognitivos específicos são relevantes na manutenção de um padrão normal de marcha na presença de uma demanda cognitiva (MONTERO-ODASSO et al., 2009). O interessante é considerar que estas interrelações entre alterações cognitivas e instabilidade da marcha podem ser causais e, portanto, preditivas entre si. Um estudo mostrou lentidão na marcha com início em até 12 anos previamente à apresentação de alterações cognitivas em idosos que tardiamente apresentariam declínios cognitivos moderados. É o que mostra a figura a seguir, retirada de Montero-Odasso, 2012. Pela visão A, dita tradicional, a instabilidade de marcha leva a uma lentidão da mesma, e posterior tendência à quedas e fraturas; ao passo que os acometimentos cognitivos, primeiramente brandos (ou declínio cognitivo leve – MCI, em inglês) tornam-se mais acentuados e graves, estabelecendo a demência. De acordo com a visão B, considerada alternativa, é que a cognição também é preditiva para o declínio de mobilidade e quedas, e o declínio da mobilidade e a lentidão da marcha também são preditivos para a deterioração cognitiva (MONTERO-ODASSO et al., 2012). De acordo com Yogev-Seligmann, Hausdorff , Giladi , 2008, a associação entre cognição e marcha pode ser demonstrada pelos seguintes fatores: (1)pelo alerta do indivíduo à sua destinação; (2) pela habilidade em controlar adequadamente os movimentos dos membros para produzir a marcha; (3) pela habilidade em lidar com ambientes complexos: diretamente proporcional ao caráter desafiador da tarefa de locomoção (marcha com obstáculos, por exemplo) e à marcha já alterada devido à doença de base. Algumas funções cognitivas são mais importantes na geração e monitoramento da marcha, e estão descritas a seguir: (YOGEV- SELIGMANN, HAUSDORFF, GILADI , 2008) VOLIÇÃO A volição está relacionada com a capacidade para um comportamento intencional e motivação para a formulação de um objetivo. Essencialmente, é a iniciação para a iniciação do movimento. A volição é a porta de entrada para a ocorrência do movimento voluntário e está fortemente vinculada com a recompensa que pode-se atingir com determinada ação motora. Quanto maior a motivação, maior a volição. Quando o indivíduo apresenta alterações cognitivas, pode apresentar por consequência alterações na volição, e, em decorrência, perda de mobilidade devido à motivação reduzida. Há uma diminuição dos movimentos, que pode ser confundida com bradicinesia. AUTO-CONSCIÊNCIA A auto-consciência está relacionada à habilidade do indivíduo em se colocar (psicologicamente e fisicamente) no ambiente físico e na situação atual. Está envolvida no reconhecimento dos riscos ambientais e possíveis possibilidades de adaptação motora. Os pacientes com alterações cognitivas podem por consequência apresentar uma marcha cautelosa, com estimação pobre de limitações físicas. Estas alterações podem levar a uma incorreta avaliação de perigos no ambiente, e consequentemente, aumento do risco de quedas. PLANEJAMENTO MOTOR O planejamento motor envolve a identificação e organização dos passos e elementos necessários para se levar adiante uma intenção motora. Está relacionado também à consideração de alterações das circunstâncias presentes, possíveis alternativas, realização de escolhas e controle de impulsos. O planejamento ocorre sob forte influência da memória operacional. É o planejamento motor que envolve a tomada de decisão durante a realização de ações motoras. Indivíduos com acometimentos em planejamento apresentam alterações nas habilidades de tomadas de decisão durante a marcha em ambientes complexos, apresentando escolhas arriscadas ou ineficientes. INIBIÇÃO DE RESPOSTA A função de ignorarmos estímulos sensoriais irrelevantes e filtrar as distrações para resolver problemas é uma função cognitiva importantíssima na realização do ato motor. Está intimamente relacionada à chamada atenção seletiva. As pessoas que apresentam alterações nestas funções não conseguem alocar e engajar as reservas atencionais para a realização dos atos motores pretendidos, e por consequência perdem desempenho motor principalmente em ambientes complexos e na presença de inúmeros distratores. MONITORAMENTO DE RESPOSTA O monitoramento da resposta motora é uma função executiva que permite comparação de ações em andamento com um plano interno pretendido e portanto permite que ocorra a detecção de erros. É de extrema importância a participação dos sistemas cerebelares e dos núcleos da base nestas funções – o primeiro principalmente na aprendizagem de movimentos novos, e os segundos para programas motores previamente aprendidos e armazenados nos arquivos de memória. Facilitam a tomada de decisão e o ajuste flexível do comportamento motor e são particularmente importantes e influentes durante a marcha em ambientes complexos. Os indivíduos com prejuízos cognitivos que gerem alterações no monitoramento de resposta apresentam alterações de velocidade de marcha e consequente aumento do risco de quedas, bem como diminuição também da função de inibição atencional. ENGAJAMENTO ATENCIONAL / DUPLA TAREFA O engajamento da atenção é uma função cognitiva relacionada à habilidade em alocar adequadamente a atenção entre tarefas que são desempenhadas simultaneamente. Muitas tarefas do dia a dia envolvem a realização de mais de uma tarefa ao mesmo tempo – onde ocorre competição pelas reservas atencionais, que são reservas de processamento de informações que são necessárias para completar determinada tarefa. Inevitavelmente, quando temos duas ou mais tarefas para resolver ao mesmo tempo, perdemos desempenho em alguma tarefa – ocorre um processo que denominamos “Interferência em dupla tarefa”: quando duas tarefas estão sendo executadas ao mesmo tempo, a competição por reservas atencionais disponíveis pode causar a diminuição no desempenho de uma ou mais tarefas. Diante do exposto, o sistema nervoso não consegue gerenciar as tarefas da mesma forma e acaba priorizando algumas, geralmente as tarefas que exigem controle postural – as estratégias denominadas “posture first”. (BLOEM et al., 2001). É interessante considerar que pesquisas mostram que alterar o foco da atenção para a tarefa secundária pode melhorar o controle postural do que focar a atenção para a postura. Assim, os pacientes que apresentam alterações cognitivas invariavelmente apresentarão inabilidade em engajar o foco atencional em situações de duas ou mais tarefas, gerando uma queda de desempenho na marcha, por exemplo, desaceleração. CONTROLE COGNITIVO POSTURAL Outro comportamento motor que sofre alterações decorrentes das alterações cognitivas é o controle postural. As alterações cognitivas, principalmente os déficits de atenção, causam instabilidade postural e podem levar à ocorrência de quedas, em especial em condições de duas ou mais tarefas (SIU et al., 2008, 2009). As demandas atencionais requeridas variam dependendo da tarefa postural, da idade do indivíduo e das habilidades de equilíbrio do mesmo (SHYMWAY-COOK & WOOLLACOTT, 2017). Estas demandas atencionais também variam em função do contexto sensorial. Vale ressaltar que quanto maior a demanda para a estabilidade postural, maior a demanda de reservas atencionais para o controle postural. A figura abaixo mostra a demanda atencional associada a três diferentes tarefas posturais (sedestação, bipedestação e bipedestação com os pés unidos) em indivíduos com acidente vascular encefálico (AVE) e controles pareados pela idade. O tempo de reação (RT) para uma tarefa secundária verbal são maiores nos indivíduos com AVE em todas as três condições. Ademais, o RT é menor em sedestação comparando-se com bipedestação nos indivíduos com AVE e não nos controles, o que sugere que o controle postural é mais dispendioso após AVE. (BROWN et al., 2002; SHUMWAY-COOK & WOOLLACOTT, 2017). As tarefas de equilíbrio mais complexas demandam maiores recursos atencionais. A figura abaixo mostra a comparação da variação do centro de pressão em situações de tarefa única (controle postural) e condições de dupla-tarefa em uma criança com desenvolvimento neuromotor típico e uma com encefalopatia crônica não progressiva da infância (paralisia cerebral) atáxica. A criança com PC apresenta uma variação do centro de pressão maior em comparação com a criança com desenvolvimento típico, que torna-se ainda mais evidente em condições de dupla-tarefa. (adaptado de REILLY et al, 2008; SHUMWAY-COOK & WOOLLACOTT, 2017). As figuras abaixo de estudos com posturografia mostram os efeitos de uma tarefa secundária na área do centro de pressão durante o equilíbrio em bipedestação em indivíduos com Doença de Parkinson (PD) e indivíduos saudáveis (NC) sob três condições (tarefa única (“single”), tarefa dupla com cálculos (“calc”) e tarefa dupla com sequenciamento de oposição de dedos (“seq”). Na figura A, nota-se que não há alteração no centro de pressão dos indivíduos saudáveis de acordo com as tarefas, mas os indivíduos com DP apresentam aumento da área do centro de pressãonas condições em dupla- tarefa, em especial a de cálculos. Na figura B, onde temos somente indivíduos com DP, a interferência em dupla-tarefa é mais evidente entre os indivíduos com DP que são mais instáveis (com tendência a quedas – “fallers”), em comparação com DP que apresentam bom equilíbrio (“non-fallers”). (adaptado de MARCHESE et al., 2003; SHUMWAY-COOK & WOOLLACOTT, 2017). Para finalizar, esta relação entre cognição e motricidade ocorre de forma muito intrínseca e é de extrema importância. O fisioterapeuta deve estar comprometido e engajado em avaliar de forma geral as alterações cognitivas em diversas condições motoras e posturais, para que possa elaborar estratégias de tratamento fisioterapêuticas que sejam constituídas de abordagens cognitivo-motoras, para desta forma potencializar o funcionamento do sistema nervoso durante a geração e realização do movimento voluntário, desde as fases prévias à execução propriamente dita. E esta atuação não está intrínseca somente a quem trabalha com Neurologia, e sim a todas as áreas da Fisioterapia. PARA SABER MAIS: GAZZANIGA, M.; IVRY, R.B.; MANGUN, G.R. Cognitive Neuroscience: The Biology of the Mind. (Quarta Edição), W. W. Norton & Company, 2013. SHUMWAY-COOK, A.; WOOLLACOTT, M.H. Motor Control. (Quinta Edição), Lippincott Williams & Wilkins, 2017. BEDESCHI, C. Treino de Marcha com Demandas Motoras e Cognitivas Integradas em um Contexto Funcional em Pacientes com Doença de Parkinson. 2013. 160f. Tese (Doutorado em Neurociências e Comportamento). Universidade de São Paulo, 2013. KOERTS, J.; TUCHA, L.; LEENDERS, K.L.; VAN BEILEN, M.; BROUWER, W.H., TUCHA, O. Subjective and objective assessment of executive functions in Parkinson´s Disease. J Neurol Sci, v. 310, p. 172-175, 2011. BEDESCHI, C. Efeitos de um treinamento em condição de dupla- tarefa sobre o desempenho motor e habilidade de dividir a atenção em pacientes com Doença de Parkinson. 2008. 192f. Dissertação (Mestrado em Neurociências e Comportamento). Universidade de São Paulo, 2008. SPRINGER, S.; GILADI, N.; PERETZ, C.; YOGEV, G.; SIMON, E.S.; HAUSDORFF, J.M. Dual-Tasking Effects on Gait Variability: The Role of Aging, Falls and Executive Function. Mov Disord, v. 21, n. 07, p. 950-957, 2006. ROYALL, D.R.; LAUTERBACH, E.C.; CUMMINGS, J.L. Executive Control Function: A Review of its Promise and Challenges for Clinical Research – a Report from the Committee on Research of the American Neuropsychiatric Association. J Neuropsychiatry Clin Neurosci, v. 14, p. 377-405, 2002. HELENE, A.F.; XAVIER, G.F. A construção da atenção a partir da memória. Rev Bras Psiquiatr, v. 25 (Suplemento II), p. 12-20, 2003. BADDELEY A. Development of working memory: should the Pascual-Leone and the Baddeley and Hitch models be. J Exp Child Psychol, v. 77, n. 2, p. 128-137, 2000. MESULAM, M.M. Attentional Networks, Confusional States and Neglect Syndromes. Principles of Behavioral and Cognitive Neurology, p. 174-177, 1989. TAKAKUSAKI, K. Neurophysiology of Gait: From the Spinal Cord to the Frontal Lobe. Mov Disord, v. 28, n. 11, p. 1483-1491, 2013. AMBONI, M.; BARONE, P.; LUPPARIELLO, L.; LISTA, I.; TRANFAGLIA, R.; FASANO, A.; PICILLO, M.; VITALE, C.; SANTANGELO, G.; AGOSTI, V.; IAVARONE, A.; SORRENTINO, G. Gait Patterns in Parkinsonian Patients With or Without Mild Cognitive Impairment. Mov Disord, v. 27, n. 12, p. 1536-1543, 2012. MARTIN, K.L.; BLIZZARD, L.; WOOD, A.G.; SRIKANTH, V.; THOMSON, R.; SANDERS, L.M.; CALLISAYA, M.L. Cognitive Function, Gait and Gait Variability in Older People: A Population-Based Study. J Gerontol A Biol Sci Med Sci, v. 68. N. 6, p. 726-732, 2012. SRYGLEY, J.M.; MIRELMAN, A.; HERMAN, T.; GILADI, N.; HAUSDORFF, J.M. When does walking alter thinking? Age and task associated findings. Brain Res, v. 1253, p. 92-99, 2009. LORD, S.; GALNA, B.; ROCHESTER, L. Moving Forward on Gait Measurement: Toward a More Refined Approach. Mov Disord, v. 28, n. 11, p. 1534-1543, 2013. VERGHESE, J.; WANG, C.; LIPTON, R.B.; HOLTZER, R.; XUE, X. Quantitative gait dysfunction and risk of cognitive decline and dementia. J Neurol Neurosurg Psychiatry, v. 78, p. 929-935, 2007. EBERSBACH, G.; MOREAU, C.; GANDOR, F.; DEFEBVRE, L.; DEVOS, D. Clinical Syndromes: Parkinsonian Gait. Mov Disord, v. 28, n. 11, p. 1552-1559, 2013. MONTERO-ODASSO, M.; VERGHESE, J.; BEAUCHET, O.; HAUSDORFF, J.M. Gait and Cognition: A Complementary Approach to Understanding Brain Function and the Risk of Falling. JAGS, v. 60, n. 11, p. 2127-2136, 2012. MONTERO-ODASSO, M.; BERGMAN, H.; PHILLIPS, N. A.; WONG, C.H.; SOURIAL, N.; CHERTKOW, H. Dual-tasking and Gait in People with Mild Cognitive Impairment. The Effect of Working Memory. BMC Geriatr, v. 9, n. 41, p. 1-8, 2009. YOGEV-SELIGMANN, G.; HAUSDORFF, J.M.; GILADI, N. The Role of Executive Function and Attention in Gait. Mov Disord, v. 23, n. 03, p. 329-342, 2008. SIU, K.C.; CHOU, L.S.; MAYR, U.; DONKELAAR, P.V.; WOOLLACOTT, M.H. Does Inability to Allocate Attention Contribute to Balance Constraints During Gait in Older Adults? J Gerontol, v. 63, n. 12, p. 1364-1369, 2008. BROWN LA, SLEIL RJ, WINDER TR. Attentional demands for static postural control after stroke. Arch Phys Med Rehabil; 83:1732–1735, 2002. REILLY DS, WOOLLACOTT MH, VAN DONKELAAR P, et al. The interaction between executive attention and postural control in dual-task conditions: children with cerebral palsy. Arch Phys Med Rehabil, 89:834–842, 2008 MARCHESE R, BOVE M, ABBRUZZESE G. Effect of cognitive and motor tasks on postural stability in Parkinson's disease: a posturographic study. Mov Disord, 18:652–658, 2013. BEDESCHI, C., GUEDES, K., IOTTI, F., BAUER, D., MANFREDI, A., RODRIGUES, L., POMPEU, J. E., & PIEMONTE, M.E.P. Is it Possible to Improve Cognitive Functions through Complex Gait Training in Patients with Parkinson’s Disease? International Journal of Psychology and Neuroscience ,3(2), 50-60, 2017.
Compartilhar