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Impresso por Caleb Lopes, E-mail caleb.ramos@edu.ufes.br para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 11/11/2022 00:19:54 Resumo “O modo de produção escravista”. In: “Passagens antiguidade ao feudalismo”. Perry Anderson A gênese do feudalismo na Europa deriva de um colapso “catastrófico” e convergente de dois modos de produção distintos e anteriores, e foi a recombinação dos seus elementos desintegrados que verdadeiramente libertou a síntese feudal, a qual, por isso, conservou sempre um caráter híbrido. Esses dois predecessores foram, é claro, o decadente modo de produção escravista, cuja principal base foi o enorme Império Romano, e os modos de produção germânico, que sobreviveram em suas novas pátrias, distendidos e deformados, depois das conquistas bárbaras. A Antiguidade greco-romana sempre constituiu um universo centrado nas cidades. O esplendor das primeiras cidades helênicas e, depois, da República Romana constituíam um apogeu cultura e organização que não viria a ser ultrapassado por mais um milênio. O desenvolvimento das ciências o conhecimento técnico emergiu e se desenvolveu até níveis inigualáveis de força e sofisticação. Porém, por trás dessa organização política e dessa cultura não havia uma economia urbana equiparável. Ao contrário, a riqueza material que sustentava essa vitalidade cívica e intelectual provinha esmagadoramente do campo. As cidades greco-romanas jamais foram comunidades com predomínio de manufatureiros, negociantes ou artesãos: elas foram, desde a origem e por princípio, aglomerados urbanos de donos de terras. Sua renda provinha dos cereais, do azeite e do vinho - os três alimentos básicos do mundo antigo, produzidos em terras e fazendas que ficavam fora do perímetro físico da cidade. As manufaturas eram raras e rudimentares: a variedades de produtos, nunca passou de têxteis, cerâmicas, móveis e utensílios de vidro. A técnica era simples, a demanda limitada e o transporte exorbitante. O que ditava os custos relativos de produção era a distância, e não a divisão de trabalho. Apesar da produção ser fortemente concentrada no campo as cidades da Antiguidade tomam sua importância pelas trocas comerciais urbanas. A base agrária e a prosperidade urbana são explicadas pelo caráter costeiro, pelo comércio inter-regional que se processava através da navegação. O Mediterrâneo possibilitou o crescimento das cidades e sua sofisticação: o transporte marítimo era o único viável para trocas de mercadorias a médias e longas distâncias. O porto de Alexandria se tornou a maior cidade do Egito, primeira capital marítima de sua história. Em última instância, a combinação específica entre campo e cidade que definiu o mundo clássico só foi operacional por causa do lago que ocupava seu centro. O Mediterrâneo é único grande mr cercado por terra em toda a circunferência do planeta e só ele oferecia a velocidade do transporte marítimo, com proteção terrestre contra ondas e ventos fortes. O modo de produção escravista foi a invenção decisiva do mundo greco-romano, proveu as bases definitivas, tanto para suas realizações quanto para seu declínio. A Impresso por Caleb Lopes, E-mail caleb.ramos@edu.ufes.br para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 11/11/2022 00:19:54 escravidão em si já tinha existido sob várias formas ao longo da Antiguidade no Oriente Próximo; mas sempre fora uma condição juridicamente impura - tomando com frequência a forma de servidão por dívidas ou de trabalho penal. Impérios Sumério, Babilônico, Assírio e Egípcio, não eram economia escravistas. A escravidão também nunca fora o tipo predominante de apropriação de excedente nessas monarquias pré-helênicas: era um fenômeno residual que existia às margens da força de trabalho. As cidades-estados gregas foram as primeiras a tornar a escravidão absoluta na forma e dominante na extensão, transformando o que antes era um recurso auxiliar em um modo de produção sistêmico. O mundo helênico jamais se baseou exclusivamente no uso do trabalho escravo, camponeses livres, arrendatários dependentes e artesãos urbanos sempre coexistiram com os escravos. O mundo antigo como um todo nunca foi contínua ou ubiquamente marcado pela predominância do trabalho escravo. Mas suas épocas clássicas, quando a civilização da Antiguidade floresceu - a Grécia entre os séculos V e IV a.C, Roma do século II a.C, ao século II da era cristã -, foram aquelas em que a escravidão era massiva e geral, entre outros sistemas de trabalho. Uma análise recente diz que a razão entre escravos e cidadãos livres na Atenas de Péricles girava em torno de 3:2, mas é bem provável que o número relativo de escravos em Quios, Egina ou Corinto tenha sido ainda maior durante quase todo o período. Assim, na Grécia clássica os escravo foram, pela primeira vez, habitualmente empregados nos ofícios, na indústria e na agricultura, além da escala doméstica. Mas sua natureza foi se transformando de uma relativa servidão entre outras, para uma condição polarizada de completa perda de liberdade, em oposição a uma nova liberdade sem impedimentos. Essa profunda mudança jurídica foi o correlato social e ideológico do “milagre” econômico forjado pelo advento do modo de produção escravista. A civilização da Antiguidade clássica representou a anômala supremacia da cidade sobre o campo dentro de uma economia esmagadoramente rural: antítese do mundo mundo feudal que viria a sucedê-la. Até mesmo as funções administrativas eram delegadas a feitores e supervisores escravos, que punham turmas de escravos para trabalhar nas lavouras. Havia uma disjunção entre residência e renda: o excedente que proporciona fortunas para a classe proprietária podia ser extraído sem a sua presença. Este vínculo que ligava o produtor rural ao apropriador urbano não era mediado pela localização da terra (como mais tarde estaria na servidão ligada a propriedade). Ao contrário, era tipicamente o ato comercial universal da compra de mercadorias realizado nas cidades, onde o comércio de escravos tinha seus próprios mercados. O trabalho escravo da Antiguidade clássica incorporou dois atributos contraditórios. Por um lado, representava completa degradação do trabalho, homens convertidos em meios inertes de produção e completa privação de direitos. Por outro lado, a drástica comercialização urbana do trabalho que podia se conceber: a total redução da pessoa do trabalhador a um objeto de compra e venda no Impresso por Caleb Lopes, E-mail caleb.ramos@edu.ufes.br para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 11/11/2022 00:19:54 mercados metropolitanos. Assim, o escravo era trabalhador (na agricultura) e mercadoria (nas feiras, nas cidades). Porém, o destino da imensa maioria dos escravos na Antiguidade era o trabalhoagrícola. Assim, a escravidão era a articulação econômica que unia campo e cidade, com desmesurados benefícios para a polis. A riqueza e o conforto da classe de proprietários urbanos da Antiguidade clássica - sobretudo a de Atenas e de Roma em seus apogeus - repousavam sobre o vasto excedente produzido pela presença difundida desse sistema de trabalho, o qual não deixava nenhum outro sistema intacto. As relações escravistas de produção impuseram certos limites intransponíveis às forças de produção antigas na época clássica. Essas relações tenderam a paralisar a produtividade, tanto na agricultura quanto na indústria. O modo de produção escravista registrou em seus primórdios importantes avanços no aparelhamento econômico implantado no âmbito de sua nova divisão social do trabalho. Entre eles, a disseminação de lavouras mais lucrativas de vinho e azeite; uso de moinhos; uso de prensas e parafusos; refino do sistema de aquecimento. Não houve, portanto, uma simples interrupção técnica no mundo clássico. Mas, ao mesmo tempo, jamais ocorreu um grande conjunto de invenções que impulsionasse a economia antiga para forças de produção qualitativamente novas. A tecnologia manual da Antiguidade era exígua e primitiva, não apenas para os padrões externos de uma história posterior, mas sobretudo para a medida de seu próprio firmamento intelectual - que, na maioria dos aspectos mais críticos, sempre permaneceu muito superior ao vindoura Idade Média. Uma vez que o trabalho manual ficou profundamente associado à perda da liberdade, não houve mais uma razão social livre para a invenção. A técnica, como instrumentalização progressiva e premeditada do mundo natural do homem, era incompatível com toda a assimilação dos homens ao mundo natural enquanto “instrumentos que falam”. A produtividade estava presa à rotina perpétua dos “instrumentum vocale”. Na Antiguidade, o caminho típico da expansão, em qualquer Estado, era, portanto, “lateral” - uma conquista geográfica, e não um avanço econômico. A civilização clássica tinha um caráter colonial inerente: nas fases de ascensão, a célula da cidade-estado se reproduzia, invariavelmente, pelo povoamento e pela guerra. Pilhagem, tributos e escravos eram os objetivos centrais do engrandecimento. O poderio militar estava estreitamente ligado ao crescimento econômico, talvez mais do que qualquer outro modo de produção anterior ou posterior, porque a principal fonte do trabalho escravo, era, em geral, a captura dos prisioneiros de guerra.
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