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LINGUAGEM E FONOAUDIOLOGIA EM PSICOPEDAGOGIA Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autoria: Christiane Regina Souza de Carvalho CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof.ª Cláudia Regina Pinto Michelli Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz Prof.ª Cláudia Regina Pinto Michelli Prof. Ivan Tesck Revisão de Conteúdo: Prof.ª Carolina dos Santos Maiola Revisão Gramatical: Profa.ª Marli Helena Faust Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2017 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 414 C3311 Carvalho, Christiane Souza de Linguagem e fonoaudiologia em psicopedagogia / Christiane Souza de Carvalho. Indaial : UNIASSELVI, 2017. 126 p.: il. ISBN 978-85-7830-186-6 1. Fonologia. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. Impresso por: Christiane Regina Souza de Carvalho Possui graduação em Fonoaudiologia pela Universidade do Vale do Itajaí (1996), Mestrado em Distúrbios da Comunicação pela Universidade Tuiuti do Paraná (2000), Especialização em Linguagem pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia (2002), e Aperfeiçoamento em Fonoaudiologia Clínica e Hospitalar pelo Hospital Beneficência Portuguesa (2003). Tem experiência como fonoaudióloga clínica, hospitalar e em saúde pública, docência na graduação e pós-graduação, supervisora de estágio e orientadora de TCC. Sumário APRESENTAÇÃO ......................................................................7 CAPÍTULO 1 Linguagem e Fonoaudiologia .................................................9 CAPÍTULO 2 Desenvolvimento Normal de Linguagem ............................19 CAPÍTULO 3 Alterações de Linguagem.....................................................33 CAPÍTULO 4 Alterações de Fala e Voz .....................................................65 CAPÍTULO 5 Alterações Auditivas ............................................................85 CAPÍTULO 6 Alterações das Funções Neurovegetativas ou de Motricidade Oral ........................................................97 CAPÍTULO 7 Alterações de Aprendizagem .............................................113 APRESENTAÇÃO Seja bem-vindo à disciplina Linguagem, Fonoaudiologia e Psicopedagogia! Tenho certeza de que ela chamará sua atenção pela variedade de conteúdos. Alguns até podem ser novidade para você, que talvez nunca tenha tido contato com a Fonoaudiologia. Você alguma vez já teve contato com um fonoaudiólogo? Ou talvez já tenha lido um texto escrito por esse profissional? Ou até mesmo já precisou de acompanhamento fonoaudiológico, para você, alguém da sua família ou um conhecido? O fonoaudiólogo adquiriu fama nos últimos tempos por “ensinar as pessoas a falar ou por fazer exames de audição”. Talvez seja esse conceito que você também tenha formado. Mas, a Fonoaudiologia é uma ciência muito mais abrangente, e utiliza diversas áreas do conhecimento humano para embasar sua prática. No primeiro capítulo deste caderno, você terá a oportunidade de conhecer um pouquinho desta profissão e entender por que está tão ligada à Psicopedagogia, de forma teórica e prática. Você, que está fazendo esta especialização, provavelmente veio em busca de novos conhecimentos que possam melhorar ou aperfeiçoar sua prática profissional. Então vou lhe fazer o seguinte questionamento: Você já parou para pensar que, como psicopedagogo, você utilizará o conhecimento de outras ciências? E, neste momento, você já está se questionando: Uma dessas ciências é a Fonoaudiologia? E por que eu preciso conhecer seus conceitos? Nesta apresentação, brevemente discutiremos alguns motivos desse estudo, que serão aprofundados ao longo dos capítulos. O objeto de estudo do Fonoaudiologia é a linguagem, independente da forma que se apresente, e você, como psicopedagogo, estará utilizando-se da linguagem para fazer a mediação entre você e seu aluno ou cliente, e também para orientar as pessoas com quem irá trabalhar em instituição. Este é o primeiro motivo para termos uma disciplina que enfoque conteúdos de Fonoaudiologia e Linguagem. Além disto, na Psicopedagogia você estará lidando com crianças com alterações de linguagem, que você precisará reconhecer para orientar a família e a instituição. E para reconhecer o alterado, terá também que conhecer a normalidade. No segundo capítulo estaremos discutindo o desenvolvimento normal da linguagem, para então, nos capítulos seguintes, falarmos sobre algumas patologias fonoaudiológicas, com que você já teve ou terá contato na sua vida profissional. No final de alguns capítulos, estaremos estudando maneiras de orientar seu cliente ou seu aluno, e descobrindo também em que situações devemos encaminhá- lo a um especialista. Espero que goste da disciplina e que possa aproveitá-la no seu dia a dia profissional. A autora. CAPÍTULO 1 Linguagem e Fonoaudiologia A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Conhecer a ciência Fonoaudiologia. Conhecer a função do fonoaudiógo e suas áreas de atuação. Articular a Fonoaudiologia e a Psicopedagogia. Diferenciar o papel do fonoaudiólogo e do psicopedagogo. Apresentar o conceito de linguagem, fala e voz. Aplicar os conceitos de linguagem, fala e voz em casos clínicos. 10 Linguagem e Fonoaudiologia em Psicopedagogia 11 Linguagem e Fonoaudiologia Capítulo 1 Contextualização Neste primeiro capítulo, faremos um panorama breve da Fonoaudiologia e discutiremos a sua relação com a Psicopedagogia. Você verá que a Fonoaudiologia vai além de “ensinar as pessoas a falar e fazer exames de audição”, conhecerá suas áreas e locais de atuação e também seus principais objetos de estudo, como a linguagem, a fala, a voz, a audição e a deglutição, etc. Poderemos assim, juntos, entender por que a Psicopedagogia e a Fonoau- diologia estão intimamente ligadas, e como uma pode ajudar na solução de prob- lemas da outra. Para que você possa aprofundar seus conhecimentos a respeito da Fonoau- diologia, veremos alguns conceitos como linguagem, fala e voz, e como eles são diferentes quando aparecem em patologias. No dia a dia, parece-nos ser a mesma coisa, pois falamos, então usamos linguagem e voz. Mas, quando nos perguntamos se uma criança surda que não fala tem lingua- gem, nossa primeira resposta seria dizer que não, pois é óbvio, ela não fala, então não tem linguagem. Engano nosso, essa criança que não fala expressa sua linguagem das mais diversas formas, através da linguagem de sinais (libras), através de seu olhar, seus desenhos, da escrita, etc. Examinaremos os conceitos, sempre procurando entender como eles inter- ferem na nossa vida e no nosso entendimento quando estudamos algo ou precis- amos atender um cliente. Fonoaudiologia e Psicopedagogia A idealização da profissão de fonoaudiólogo no Brasil data da década de 30, e teve origem na preocupação da Medicina e da Educação com a profilaxia, bem como com a correção de erros de linguagem apresentados pelos escolares. Nessa época, muitas pessoas acreditavam que todo tipo de sotaque ou regionalismo era um erro de linguagem, que descendentes de outras nacionalidades falam errado ao emitirem o som de uma letra ou outras particularidades, que também os regionalismos,os costumes de uma região, cultura ou época deveriam ser “limpos” da nossa língua. 12 Linguagem e Fonoaudiologia em Psicopedagogia De lá pra cá, o fonoaudiólogo passou a ser um profissional que se fundamenta em uma ciência. Profilaxia: Prevenção de doenças, que se ocupa das medidas necessárias à preservação da saúde da coletividade. (Moderno Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis). Ou seja, tudo que fosse diferente de um modelo estabelecido de fala era considerado doença, que o fonoaudiólogo deveria corrigir. Mas, o que é afinal Fonoaudiologia? Quais as funções do fonoaudiólogo? Quais suas áreas de atuação? E, mais importante, qual a relação e as diferenças entre o fonoaudiólogo e o psicopedagogo? Você percebeu que a Fonoaudiologia surgiu de uma necessidade na Educação? A Fonoaudiologia é a ciência que tem por objeto o estudo da comunicação e seus distúrbios. Para tanto, focaliza os processos e aspectos participantes das ações do organismo em ambiente que requeira a comunicação, quais sejam, a linguagem oral e escrita, a articulação dos sons da fala, a voz, a fluência da fala e a audição. (Conselho Federal de Fonoaudiologia, 2007). Você já viu este símbolo? Este é o símbolo da Fonoaudiologia! Figura 1 – Símbolo da fonoaudiologia Fonte: Disponível em: <www.fonoaudiologia.org.br/cffa/index.php/ simbolo-da-fonoaudiologia>. Acesso em: 29 jan. 2016. A Fonoaudiologia é a ciência que tem por objeto o estudo da comunicação e seus distúrbios. Para tanto, focaliza os processos e aspectos participantes das ações do organismo em ambiente que requeira a comunicação, quais sejam, a linguagem oral e escrita, a articulação dos sons da fala, a voz, a fluência da fala e a audição. (Conselho Federal de Fonoaudiologia, 2007). 13 Linguagem e Fonoaudiologia Capítulo 1 Se tiver curiosidade sobre a profissão de fonoaudiólogo, você pode acessar o site do Conselho Federal de Fonoaudiologia: www. fonoaudiologia.org.br. Mas apesar de ter uma história antiga, a profissão de fonoaudiólogo só foi reconhecida por lei em 1981, com a lei nº 6965, de 9 de dezembro de 1981 e pelo decreto nº 87218, de 31 de maio de 1982. Fonoaudiólogo é o profissional com graduação plena em Fonoaudiologia, que atua em pesquisa, prevenção, avaliação e terapia fonoaudiológicas na área da comunicação oral e escrita, voz e audição, bem como em aperfeiçoamento dos padrões da fala e da voz.” (lei nº 6.965, de 9 de dez de 1981, art. 1º, parágrafo único). Especialidades em Fonoaudiologia: Linguagem Voz Neuropsicologia Audiologia Disfagia Motricidade oral Educacional Gerontologia Fonoaudiologia neurofuncional Fonoaudiologia do trabalho Saúde coletiva Talvez você não conheça alguns desses termos, então, aguce sua curiosidade! Iremos falar de cada um deles nos capítulos seguintes. Os locais de atuação do fonoaudiólogo são: • unidades Básicas de Saúde; • ambulatório de especialidades; • hospitais e maternidades; • consultórios; • clínicas; • home care; Fonoaudiólogo é o profissional com graduação plena em Fonoaudiologia, que atua em pesquisa, prevenção, avaliação e terapia fonoaudiológicas na área da comunicação oral e escrita, voz e audição, bem como em aperfeiçoamento dos padrões da fala e da voz.” (lei nº 6.965, de 9 de dez de 1981, art. 1º, parágrafo único). 14 Linguagem e Fonoaudiologia em Psicopedagogia • domicílios; • asilos e casas de saúde; • creches e berçários; • escolas regulares e especiais; • instituições de ensino superior; • empresas; • meios de comunicação; • associações; • ONGs. Destacamos esses dentre outros que possam advir do trabalho fonoaudiológico. (CRFa, 2007). Agora já sabemos o que é Fonaudiologia, e quais as funções do fonoaudiólogo, mas qual a sua relação com a Psicopedagogia? A Psicopedagogia busca a compreensão sobre os variados processos inerentes ao aprender humano, e para que ocorra a aprendizagem, as pessoas precisam da mediação da linguagem. É através da linguagem que ocorre a aprendizagem, seja linguagem falada, gestual, escrita ou visual. O psicopedagogo necessita compreender os processos de aprendizagem e entender as possíveis dificuldades situadas nesse processo. Durante esse processo, ocorre a transmissão e apropriação de conhecimentos, que é perpassado pela comunicação, ou seja, pela linguagem. Nos processos de aprendizagem ocorre a transmissão e apropriação de conhecimentos, que é perpassado pela comunicação, ou seja, pela linguagem. Por mais de uma década a American Speech-Language-Hearing Association (ASHA) tem publicado artigos, comprovando a relação entre distúrbios de linguagem e fracasso escolar. Você está percebendo por que a Fonoaudiologia e a Psicopedagogia estão intimamente ligadas? E você já parou para pensar o que é a linguagem? É a mesma coisa que fala e que voz? É comum as pessoas confundirem esses termos, que usualmente acabam sendo empregados como sinônimos. 15 Linguagem e Fonoaudiologia Capítulo 1 Atividade de Estudos: 1) Como exercício, elabore um conceito de linguagem: que é linguagem para você? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Linguagem, Fala e Voz Existem inúmeros conceitos de linguagem. Se você fizer uma pesquisa, perceberá que cada autor conceitua linguagem de forma diferente, mas todos têm em comum que a linguagem é um processo complexo que envolve função cerebral e participa da comunicação. A linguagem pode ser verbal ou não verbal. A linguagem verbal acontece quando utilizamos as palavras, sejam elas faladas ou escritas. Podemos citar como exemplos um discurso, um diálogo ou uma carta. Já na linguagem não verbal não utilizamos palavras. É o que podemos observar em uma placa, um semáforo, gestos e até mesmo no choro do bebê. Um apito no jogo de futebol, o cartão vermelho e amarelo e uma dança são outros exemplos de linguagem não verbal. Alguns exemplos de linguagem não verbal: A linguagem é um processo complexo que envolve função cerebral e participa da comunicação. A linguagem pode ser verbal ou não verbal. Figura 2 - linguagem não verbal Fonte: Disponível em: <http://images.google.com.br/images?client=firefox-a&rls=org. mozilla%3Apt-BR%3Aofficial&hl=pt-BR&source=hp&q=linguagem+n%C3%A3o+ve rbal&btnG=Pesquisar+imagens&gbv=2&aq=f&oq=>. Acesso em: 10 ago. 2009. 16 Linguagem e Fonoaudiologia em Psicopedagogia Quando nos comunicamos, geralmente usamos a linguagem verbal e a não verbal juntas, com palavras, expressões da nossa face e gestos. Vejamos alguns conceitos: Linguagem é um sistema de comunicação natural ou artificial, humano ou não-humano. Assim, podemos nos referir à linguagem corporal (humana), às expressões faciais, às reações do nosso organismo (tanto aos estímulos do meio, como do nosso pensamento, ou, mesmo, dos aspectos fisiológicos), à linguagem de outros animais, aos sinais de trânsito, à música, à maneira de nos vestirmos, à pintura, enfim, todos os meios de comunicação, sejam cognitivos (internos), socioculturais (relativos ao meio) ou da natureza, como um todo (FERNANDES, 1998, p.10). Halliday (1978) diz que a linguagem é um produto do processo de socialização, pois a criança inicialmente cria sua própria linguagem, e depois a língua materna na interação com seu grupo social. Quando a criança aprende a linguagem, ela está construindo sua noção da realidade externa e internae, ao mesmo tempo, aprendendo coisas através da linguagem. Já a língua é um sistema abstrato de regras gramaticais. É através dela que podemos mais facilmente transmitir as informações. A língua é formada por palavras e regras gramaticais. A língua é uma construção unicamente humana, constituída por um povo. Ou seja, a língua é o idioma falado por um povo. A língua é uma construção unicamente humana, constituída por um povo. Ou seja, a língua é o idioma falado por um povo. Em algumas línguas como o inglês, há apenas uma palavra para designar língua e linguagem (language), mas, mesmo em português, em que existem vocábulos diferentes para designar os conceitos de língua e linguagem, fazemos confusão. Também encontramos dois termos em francês (langage/langue) e em espanhol (lengaje/lengua). 17 Linguagem e Fonoaudiologia Capítulo 1 Atividade de Estudos: 1) Vamos então ver se entendemos! Escreva o que é linguagem, fala e voz. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ A unidade mínima da comunicação linguística é o ato da fala, ou seja, a produção de uma frase sob certas condições (ou de um grupo de frases em um determinado contexto). Então a fala é a materialização da linguagem e da língua, ou seja, é a utilização da voz com palavras e significados. A fala é a utilização da língua articulada com todo o aparato anatômico e fisiológico das estruturas do corpo humano. Voz é o som produzido pela vibração das pregas vocais (também conhecidas como cordas vocais) na laringe, pelo ar vindo dos pulmões. Cada pessoa tem uma voz diferente. Podemos notar alguma semelhança de voz entre familiares, mas as vozes não são exatamente iguais, em virtude da anatomia de cada laringe. A fala é a materialização da linguagem e da língua, ou seja, é a utilização da voz com palavras e significados. Voz é o som produzido pela vibração das pregas vocais na laringe, pelo ar vindo dos pulmões. Atividade de Estudos: 1) Qual a principal diferença entre língua e linguagem? Cite um exemplo. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 18 Linguagem e Fonoaudiologia em Psicopedagogia Referências BRASIL. Lei no 6.965, de 9 de dezembro de 1981. Dispõe sobre a regulamentação da profissão de Fonoaudiólogo, e determina outras providências. Diário Oficial da União. Brasília: 1981. CFFa. Conselho Federal de Fonoaudiologia. Disponível em: <www. fonoaudiologia.org.br>. Acesso em: 15 jan. 2016. CRFa. Conselho Regional de Fonoaudiologia: 2º Região. Disponível em: <www. fonosp.org.br>. Acesso em: 15 jan. 2016. Algumas Considerações Podemos considerar que a linguagem é a base para a comunicação. Não adianta falarmos ou termos voz, se não desenvolvemos a linguagem. A linguagem expressa a forma como nos comunicamos com os outros e com o mundo. Para a fala ter sentido, utilizamos a língua. Podemos falar sons combinados que não significam nada, e esses sons não deixariam de ser fala, mas a outra pessoa não nos entenderia. E por fim, a voz é o som que fazemos quando usamos a fala e a linguagem. Ela só é possível de ser produzida porque temos um aparato anatômico e fisiológico preparado para isso no nosso corpo. Podemos assim perceber que esses conceitos que parecem tão semelhantes vão fazer diferença, principalmente quando estudamos as patologias. Uma professora que está rouca porque forçou demais a voz não está com um problema de fala ou de linguagem, mas sim de voz, porque suas pregas vocais não estão cumprindo seu papel fisiológico para que essa professora possa falar. E uma criança em idade escolar que não fala não tem um problema de voz, e sim de linguagem, pois é a forma de ela se comunicar com os outros e com o mundo que está com déficit e não apenas uma alteração das pregas vocais. Nos próximos capítulos estaremos falando mais a respeito desses conceitos. CAPÍTULO 2 Desenvolvimento Normal de Linguagem A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Descrever o desenvolvimento normal de linguagem. � Examinar as fases de desenvolvimento de linguagem na criança. � Relatar a sequência de aquisição fonética e fonológica na criança. � Valorizar a fase crítica de desenvolvimento de linguagem para a criança. 20 Linguagem e Fonoaudiologia em Psicopedagogia 21 Desenvolvimento Normal de Linguagem Capítulo 2 Contextualização Você sabe como a criança desenvolve a linguagem? Com certeza, você já estudou isso como pedagogo(a), e já deve ter se perguntado, muitas vezes, se esta ou aquela criança estaria com o desenvolvimento de linguagem adequado para a sua idade. Quando nos deparamos com uma criança que troca ou omite sons na fala, procuramos saber se ela já não deveria estar falando corretamente ou se aquele tipo de troca ainda é normal para a sua idade. O desenvolvimento de linguagem é muito complexo, e depende de muitos fatores: orgânicos, ambientais, sociais, etc. É difícil entender, por exemplo, por que uma criança que tem o biológico e o cognitivo adequados não fala na idade em que já deveria estar falando. Ou por que aquela criança que não consegue manter uma comunicação com outra pessoa, nem mesmo para expressar suas necessidades, decora listas de nomes de rua ou números de telefone. Nós veremos, neste segundo capítulo, que cada criança é única, e vai desenvolver a linguagem da sua maneira e no seu tempo, mas que existem marcos nesse desenvolvimento que nos mostram se ele está ocorrendo dentro do esperado ou não. Veremos, também, como a interação com o outro é importante nesse processo, e que quando a criança tem o aparato físico adequado, a interação é que faz toda a diferença. Conhecendo o desenvolvimento normal de linguagem, conseguimos perceber quando algo não vai bem nesse processo, e poderemos mais cedo tomar atitudes que minimizem os transtornos para a criança e sua família. Linguagem Conforme conversamos, você, como profissional da educação e saúde, necessitará conhecer o desenvolvimento normal da linguagem. O desenvolvimento de linguagem é muito complexo, e depende de muitos fatores: orgânicos, ambientais, sociais, etc. 22 Linguagem e Fonoaudiologia em Psicopedagogia A linguagem tem dois grandes papéis: o de organizadora da cultura e o de organizadora dos processos mentais superiores. Mas por quê? Não me basta identificar as patologias de linguagem? Aqui é que está o X da questão... como você irá identificar o patológico sem conhecer a normalidade? Você concorda comigo? Então começaremos com alguns pontos importantes a serem discutidos: • A linguagem tem dois grandes papéis, segundo Vygotsky (1896-1934) e Luria (1902-1977): o de organizadora da cultura e o de organizadora dos processos mentais superiores. • Cada criança tem seu próprio tempo para desenvolver as habilidades linguísticas, mas todas seguem um mesmo padrão de desenvolvimento, então temos marcos de desenvolvimento, se acreditarmos que o desenvolvimento da criança é fruto do biológico e da interação com seu meio sociohistórico (VYGOTSKY, 1987). • O desenvolvimento se constrói com a participação ativa da criança. • É a partir dalinguagem que o homem constrói formas superiores de comportamento, que passa da relação direta com a natureza a uma relação mediada pelos signos socialmente compartilhados, que passa do mundo concreto ao simbólico (SILVEIRA, 1998). Nossa, quanta coisa! É mesmo! Este capítulo é a base para os seguintes. É ele que dará suporte para que você entenda as próximas aulas. Como a linguagem seria, então, organizadora da cultura? O homem, segundo Vygotsky, é capaz de pensar, planejar, agir e transformar a natureza com o uso de instrumentos, criados por ele e passados às gerações seguintes, e principalmente por causa da linguagem, que lhe permite passar esses conhecimentos de geração em geração. O homem pode, através da linguagem, lidar com situações passadas, presentes e futuras, passando do concreto ao simbólico. O homem pode, através da linguagem, lidar com situações passadas, presentes e futuras, passando do concreto ao simbólico. 23 Desenvolvimento Normal de Linguagem Capítulo 2 OK! Entendemos que, a partir do desenvolvimento da linguagem, cada criança que nasce não precisa descobrir o fogo, por exemplo, pois os conhecimentos são passados, pela linguagem oral e escrita, de geração em geração. Mas como a linguagem teria o papel de organizadora dos processos mentais superiores e quais são os processos mentais superiores? Segundo Luria (1979), os processos mentais superiores são a atenção, a percepção, a memória, o movimento, o pensamento e a linguagem, sendo a linguagem a organizadora dos processos cognitivos. A linguagem cria um universo simbólico. Eu não preciso estar vendo uma praia paradisíaca para desejar estar nela, ou para conseguir imaginá-la através de uma gravura ou da descrição do agente de viagem. E é através da palavra que organizamos nossas experiências e aprendizados. Atividade de Estudos: 1) Como a linguagem pode ser organizadora da cultura? Dê um exemplo. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 24 Linguagem e Fonoaudiologia em Psicopedagogia “O elemento fundamental da linguagem é a palavra. A palavra designa as coisas, individualiza suas características. Designa ações, relações, reúne objetos em determinados sistemas. Dito de outra forma, a palavra codifica nossa experiência.” (LURIA, 1987, p. 27). A palavra é o componente essencial da linguagem e também da fala, que é um meio especial de comunicação, como já discutimos no capítulo anterior. Atividade de Estudos: 1) Tente explicar para você mesmo, pode ser mentalmente, o caminho da sua casa até o trabalho, sem palavras. Agora tente imaginar como você contaria a um amigo como foi a festa de aniversário ontem à noite, sem usar as palavras. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Desenvolvimento De Linguagem É por meio da fala do adulto que a criança começa a desenvolver sua própria linguagem. Silveira (1998) descreve as fases de desenvolvimento da linguagem, e também da sua organização frente ao mundo, como dependente da mediação da fala do adulto, baseada em Vygostsky, sendo que não determina idades para cumprir determinadas funções, e sim marcos de desenvolvimento: Quando dizemos à criança “olha a bola”, “pega a outra bola”, “chuta a bola”, “olha a bola grande”, “veja quantas bolas coloridas”, estamos fazendo com que oriente sua ação de determinadas formas, nesse caso: olhar, pegar, chutar, observar, perceber. Estamos fazendo com que desenvolva uma capacidade de orientar seu comportamento. Em primeiro lugar, destaca-se É por meio da fala do adulto que a criança começa a desenvolver sua própria linguagem. 25 Desenvolvimento Normal de Linguagem Capítulo 2 um objeto frente a vários outros, ou seja, educa-se a atenção ao fazer com que a criança selecione um estímulo específico e torne-o relevante dentro de um determinado quadro perceptivo. Em segundo lugar, o fato de designar um objeto sempre pelo mesmo significante, no caso bola, faz com que a criança abstraia suas características essenciais (objeto esférico) e as separe dos seus atributos variáveis (cor, tamanho, textura, material e outros), generalizando e estabilizando sua percepção. (SILVEIRA, 1998, p. 41). Dessa maneira, podemos perceber que aprender a falar não é só aprender a articular sons ou aprender palavras novas, mas sim conhecer e organizar o mundo que cerca a criança. E é através da fala do adulto, e da sua própria fala, que ela organiza seus processos mentais, como vimos anteriormente. Vejamos no quadro 1 o que acontece com a linguagem, enquanto a criança interage com o adulto. Aprender a falar não é só aprender a articular sons ou aprender palavras novas, mas sim conhecer e organizar o mundo que cerca a criança. Quadro 1 – A fala como reguladora da conduta 1º momento A criança ainda não fala.É a fala do adulto que orienta o comportamento da criança. 2º momento A criança começa a falar as primeiras palavras, mas só nomeia o que vê (fala dirigi-da para o presente) ou ações que acabaram de acontecer (passado recente). 3º momento A criança fala enquanto age, é a “fala egocêntrica” que se constitui num exercício de autorregulação. É a fala se internalizando. 4º momento A criança fala antes de agir (fala dirigida para o futuro). A fala se internalizou. A fala se converte em instrumento de planejamento e organização do próprio comportamento. Exemplo do quadro 1 é o desenho infantil. No início, a criança só o nomeia após tê-lo terminado. Num segundo momento, ela o vai nomeando e organizando enquanto desenha e, por último, nomeia antes de desenhar, caracterizando a função planejadora da linguagem. Por volta de 1 ano e meio, 1 ano e 8 meses, a palavra começa a adquirir o caráter de substantivo, passando a ter uma significação mais precisa. Isso faz Fonte: Silveira (1998, p. 42). 26 Linguagem e Fonoaudiologia em Psicopedagogia Atividade de Estudos: 1) Dê um exemplo de atividade infantil, caracterizando os 4 momentos de desenvolvimento descritos por Silveira no quadro 1. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ com que a criança tenha necessidade de mais palavras para diferentes objetos, provocando um aumento quantitativo no seu vocabulário. Antes, um mesmo som podia significar várias coisas, tendo a criança que estar realizando as suas ações para o entendimento de sua fala. Inicialmente, a criança faz maior uso dos substantivos, verbos e adjetivos (mamãe, caiu, grande). Em um segundo momento, a partir da reflexão das relações estabelecidas entre objetos do mundo que a cerca, começa a incluir preposições, pronomes, conjunções, advérbios, etc., como mostra o quadro 2. 1º momento A criança faz uso basicamente de substantivos, verbos e adjetivos. 2º momento A criançaamplia seu vocabulário, passando a fazer uso também de prepo- sições, pronomes, conjunções, advérbios, etc. Quadro 2 – Desenvolvimento linguístico da fala infantil Fonte: Silveira(1998, p. 43). A Importância Do Modelo Do Adulto As fases do desenvolvimento linguístico, propostas por Luria (1979), nos mostram a importância do modelo do adulto no desenvolvimento da linguagem da criança. São elas: repetição, nomeação e fala narrativa. 27 Desenvolvimento Normal de Linguagem Capítulo 2 Por volta de 1 ano de idade, quando começa a falar as primeiras palavras, a criança depende totalmente do modelo do adulto para realizar suas emissões. É a etapa da repetição. Por volta de 1 ano e 6 meses, desenvolve-se a nomeação. Nessa fase, se pedirmos para uma criança contar uma estória seguindo um livro, ela irá virar as páginas e apenas nomear as gravuras. A terceira etapa, a da fala narrativa, introduz a frase. Até então, a criança usava a palavra-frase, uma palavra designando uma ação. Por exemplo: bola poderia significar me dá a bola. O quadro 3 nos mostra os três momentos do desenvolvimento de linguagem: 1º momento Repetição: necessidade do modelo do adulto. 2º momento Nomeação: estabilização dos significados; diferenciação da percepção; uso de pala-vra-frase. 3º momento Fala narrativa: formação de frases; introdução de elementos de encadeamento (preposições, conjunções, pronomes, advérbios, etc.); expressão de pensamento e julgamentos. Quadro 3 – Desenvolvimento da linguagem expressiva Fonte: Silveira(1998, p. 44). Etapas do Desenvolvimento de Linguagem Além de estudar o desenvolvimento da linguagem como ocorrendo de forma processual e ativa por parte da criança, também precisamos ter ideia das etapas de desenvolvimento da linguagem de forma cronológica, para que tenhamos um parâmetro, quando nos depararmos com uma criança em fase de aquisição de linguagem. ...a linguagem aparece em todas as crianças normais em marcos cronológicos muito semelhantes. A aquisição da linguagem e a comunicação se desenvolvem segundo etapas de ordem constante, ainda que o ritmo de progressão possa variar de um sujeito para outro. Segundo o processo normal de desenvolvimento pode-se esperar uma variação de seis meses aproximadamente. (CRYSTAL, 1981 apud DEL RIO; VILASECA, 1992, p. 22). 28 Linguagem e Fonoaudiologia em Psicopedagogia Olharemos para o quadro de desenvolvimento de linguagem não como uma regra pré-fixada, em que todas as crianças terão que seguir as idades indicadas. Mas poderemos, se tivermos o quadro em mente, perceber se esta criança está com seu desenvolvimento de linguagem alterado. A classificação de categorias por idade, listadas a seguir, é baseada no protocolo utilizado na Clínica Uni Duni Tê, em Brusque, SC. De 1 ano a 1 e 6 meses 1. Usa uma palavra com sentido, como “dá”, ou alguma produção verbal referente a uma palavra, quando deseja algum objeto; 2. A criança bate palmas, manda beijo, dá tchau; 3. A criança compreende ordens simples; 4. A criança executa ordens simples; 5. Fala pelo menos uma palavra com sentido, parte do corpo, nome de um animal, nome de um alimento; 6. A criança brinca simbolicamente; 7. A criança aceita a intervenção do outro na brincadeira; 8. A criança apresenta intenção comunicativa. De 1 e 6 meses a 2 anos 1. A criança une de duas a três palavras em uma frase; 2. Fala durante a brincadeira, referindo-se a acontecimentos imediatos; 3. Pede coisas de seu desejo com palavras; 4. Reconhece e fala partes do corpo; 5. Usa o pronome EU; 6. Diz oi e tchau; 7. Fala o nome de alguns objetos de casa, brinquedos, ou alimentos; 8. Usa sons onomatopéicos na brincadeira ou para se referir ao nome dos objetos; 9. As ações simbólicas são efetivas; 10. A criança tem o outro como um parceiro de troca na brincadeira; 11. Tem interesse por pequenas histórias e mantém atenção às mesmas; 12. Interessa-se por figuras. De 2 a 3 anos 1. Usa frases com mais de três palavras sobre situações do dia a dia ou situações presentes; 2. Compreende ordens gramaticais; 29 Desenvolvimento Normal de Linguagem Capítulo 2 3. Usa efetivamente pronomes, principalmente o “EU”, há presença de outros pronomes; 4. Diz seu próprio nome; 5. Usa o plural; 6. Seu vocabulário abrange 100 a 200 palavras; 7. Segue ordens complexas; 8. Faz perguntas; 9. Usa recorte da fala do outro como organizadora de sua linguagem; 10. A criança é capaz de relatar pequenos fatos, principalmente acontecimentos imediatos; 11. É capaz de narrar fatos do passado com o auxílio do adulto; 12. A criança já é capaz de ampliar a brincadeira e nestas inventar contextos simbólicos; 13. A fala da criança é inteligível. 3 a 4 anos e meio 1. A criança é capaz de narrar fatos passados sem o auxílio do adulto; 2. É capaz de narrar fatos com coerência de acontecimentos e coesão de idéias; 3. A criança compreende onde, quando; 4. O simbolismo é usado referenciando eventos passados e futuros; 5. Faz comentários sobre acontecimentos; 6. Toma a iniciativa para relatar eventos e ações; 7. As aquisições cognitivas estão presentes em seu discurso, classificação, noção temporal, noção de tamanho, conhecimento sobre funções. Atividade de Estudos: 1) O que podemos considerar como individual de cada criança no desenvolvimento de linguagem? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 30 Linguagem e Fonoaudiologia em Psicopedagogia Aquisição dos Fonemas Também é importante termos ideia da sequência de aquisição de fonemas (sons), no vocabulário brasileiro, por parte das crianças, para que possamos perceber por exemplo, se aquele /r/ que a criança está trocando por /l/ ainda está em período de aquisição ou já deveria ter sido adquirido. Lembremos que, dentro de um mesmo idioma, ocorrem variações articulatórias. O que pode parecer inadequado em uma região é o adequado em outra. Temos como exemplo o sotaque alemão nas cidades colonizadas pelos alemães. Com base em estudos de Wertzner (2000) apud Castro (2006), sobre a aquisição dos fonemas, a maioria deles já está adquirida aos três anos e meio, como: /p b t d k g f v s z l j r m n nh x/. Outros são adquiridos aos 5 anos, como o R de carro. Os encontros consonantais que terão sido adquiridos aos 4 anos são: /pr br kr gr vr gl/; dos 4 aos 6: /dr fr kl fl/; aos 5 anos: /tr/; dos 5 aos 6: /bl/ e aos 6 anos e meio: /pl/. Claro que não é tão simples assim observar a fala de uma criança e dizer se ela está no processo normal de desenvolvimento de fala ou não, já que são muitas as variações e condições dependentes para que este processo aconteça. Sobre a aquisição dos fonemas, a maioria deles já está adquirida aos três anos e meio, como: /p b t d k g f v s z l j r m n nh x/. Outros são adquiridos aos 5 anos, como o R de carro. Algumas Considerações Como vimos, segundo Vygotsky (1896-1934) e Luria (1902-1977), a linguagem tem dois grandes papéis: o de organizadora da cultura e o de organizadora dos processos mentais superiores. Graças à linguagem, o homem pode passar informações e conhecimentos de geração em geração, e também lidar com situações passadas, presentes e futuras, com a passagem do concreto ao simbólico. Vimos também que aprender a falar não é só aprender a articular sons ou aprenderpalavras novas, mas sim conhecer e organizar o mundo que nos cerca. Por isso, a interação torna-se tão importante: é através desta com o adulto que a criança desenvolve a linguagem e organiza os seus processos mentais superiores, além de aprender a falar ou comunicar-se de outra forma 31 Desenvolvimento Normal de Linguagem Capítulo 2 na impossibilidade de utilização da linguagem oral, como, por exemplo, com a utilização da língua de sinais. Podemos considerar como fases de desenvolvimento linguístico a repetição, a nomeação e a fala narrativa, sendo que essas fases são dependentes da interação da criança com o adulto. Além de estudar o desenvolvimento da linguagem como ocorrendo de forma processual e ativa por parte da criança, também precisamos ter ideia das etapas de desenvolvimento da linguagem de forma cronológica, para que tenhamos um parâmetro, quando nos depararmos com uma criança em fase de aquisição de linguagem. Existem marcos importantes no desenvolvimento linguístico, que podem variar em detalhes de autor para autor, mas acabam seguindo mais ou menos a mesma ordem, e podemos considerar que de 1 ano a 1 e 6 meses, a criança usa uma palavra com sentido, como “dá”, ou alguma produção verbal referente a uma palavra, quando deseja algum objeto. De 1 ano e 6 meses a 2 anos, a criança une de duas a três palavras em uma frase; já dos 2 aos 3 anos, ela usa frases com mais de três palavras sobre situações do dia a dia ou situações presentes; e dos 3 aos 4 anos e meio, a criança é capaz de narrar fatos passados sem o auxílio do adulto. Também é importante termos ideia da sequência de aquisição de fonemas (sons), no vocabulário brasileiro, por parte das crianças, para que possamos perceber por exemplo, se aquele /r/ que a criança está trocando por /l/ ainda está em período de aquisição ou já deveria ter sido adquirido. Este capítulo, como dissemos anteriormente, serve de base para os próximos, em que iremos estudar as patologias de linguagem. Referências CASTRO, M. M. Distúrbio Fonológico. In: Cadernos do Fonoaudiólogo: Linguagem. São Paulo: Lovise, 2006. DEL RIO, M. J.; VILASECA, R. Sobre a aquisição e desenvolvimento da linguagem. In: CASANOVA, J.P. Manual de Fonoaudiologia. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. p. 22. 32 Linguagem e Fonoaudiologia em Psicopedagogia LURIA, A. R. El cérebro em acción. Barcelona, Editorial Fontanella, S.A.: 1979. _____. Pensamento e linguagem: as últimas conferências de Luria. Porto Alegre, Artes Médicas: 1987. MORGOF, K.; BISHOP, D. Desenvolvimento da Linguagem em condições normais. In: Desenvolvimento da Linguagem em circunstâncias excepcionais. Rio de Janeiro: Revinter, 2002. p. 19. SILVERIA, V. P. Linguagem: Cultura, Fala e Cognição – Um estudo da contribuição de Vygotsky e Luria. In: Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia – ano 2 – nº4, dez. 1998, p. 41- 44. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987. CAPÍTULO 3 Alterações de Linguagem A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Conhecer o conceito de atraso no desenvolvimento da linguagem, e de desvio fonológico e fonético. � Apontar os sintomas do atraso no desenvolvimento da linguagem, do desvio fonológico e fonético. � Conhecer os conceitos de gagueira, afasia e autismo. � Apontar os sintomas da gagueira, afasia e autismo. � Aplicar as orientações práticas para a escola e família. 34 Linguagem e Fonoaudiologia em Psicopedagogia 35 Alterações de Linguagem Capítulo 3 Contextualização Podemos considerar que o trabalho, a linguagem e a vida humana estão intimamente relacionados, não podendo ser concebidos de forma independente das vivências humanas e de um processo constante de reelaboração e transformação do estabelecido (VARGENS, 2006). Para Bakhtin (1979, 1929), apud Vargens, 2006, a língua não é vista como mera estrutura, concebendo-a a partir do seu uso concreto. Para o autor, a linguagem está diretamente relacionada à ação sobre o outro e se tem no enunciado uma constante resposta aos enunciados do outro e aos seus próprios enunciados. O sujeito, para expressar-se, considera a reação de seu co- enunciador ao que lhe está sendo dito e isso influencia sua fala. Poderemos perceber, ao longo deste terceiro capítulo, essas características da linguagem na criança, principalmente nas patologias, em que esses processos ficam bastante explícitos, no momento, por exemplo, em que uma criança não considera o outro como seu interlocutor, no caso do autismo, ou como a expressão de estranhamento na face dos pais de uma criança que troca os fonemas na fala faz com que a mesma (a criança) tente corrigir sua fala e aproximar-se do modelo dado pelo adulto. Com este capítulo iniciamos o estudo sobre as patologias fonoaudiológicas relacionadas com a linguagem, como atraso no desenvolvimento de linguagem, desvio fonético e fonológico, afasia, gagueira, e autismo. Este texto não tem o objetivo de prepará-lo para atender terapeuticamente uma patologia fonoaudiológica, mas, sim, dar noções básicas e gerais sobre algumas patologias, cujo tratamento é de competência do fonoaudiólogo, mas que podem aparecer no seu percurso profissional. Afinal, as pessoas não vêm repartidinhas em pedacinhos, este pedacinho vai ao fono, este pedacinho ao psicopedagogo e este pedacinho ao pediatra... Poderíamos até achar graça desse exemplo, mas ele nos faz pensar que em nossa profissão lidamos com pessoas e não com patologias. Por isso, é responsabilidade de todos saber e dar resolubilidade às demandas do nosso cliente. E essa resolubilidade pode acontecer através de uma orientação ou até mesmo de um encaminhamento a outro profissional, mas temos que saber a que profissional encaminhar, certo? 36 Linguagem e Fonoaudiologia em Psicopedagogia Atraso no Desenvolvimento de Linguagem Para falarmos de atraso no desenvolvimento de linguagem, teremos que considerar que a linguagem não pode se desenvolver separadamente dos aspectos orgânicos, emocionais, cognitivos e sociais, e que ela só tem significado em relação ao contexto em que se manifesta (CERVONE; FERNANDES, 2005). Estudos mostram que até o 15º mês de vida as crianças usam principalmente os gestos e que estes, por volta dessa idade, são substituídos pela fala. Aos dois anos, a criança desenvolve estratégias mais elaboradas para expressar seu repertório linguístico, que já se encontra mais desenvolvido devido à aquisição de regras semânticas e sintáticas. Dos dois aos três anos, as crianças demonstram maior significação linguística através de revisões do discurso, e ocorrem então trocas rápidas no tópico do mesmo. Aos quatro anos, já é capaz de adaptar seu discurso à idade do ouvinte, começa a produzir sentenças indiretas e aos cinco anos já possui padrão linguístico semelhante ao do adulto (CERVONE; FERNANDES, 2005). Em pesquisa realizada com crianças de 4 e 5 anos, percebeu-se que As crianças mais novas chamavam a atenção da avaliadora na maior parte do tempo, pediam sua afirmação ou atenção nas atividades. As crianças mais velhas pareciam mais independentes... as crianças maiores não apresentaram as funções de exibição, pedido de consentimento e pedido de rotina social, que são funções mais interativas e que requerem maior atenção e participação do ouvinte. Por outro lado, as crianças mais velhas contavam histórias, suas e dos livrinhos disponíveis (CERVONE; FERNANDES, 2005, p. 104). Por que voltamos ao ponto do desenvolvimento de linguagem? - você poderia me perguntar. Porque, de forma bem sucinta e até reducionista, poderíamos dizer que a criança que aos dois anos não estiver expressando-se verbalmente,que aos três não faça troca de turno com seu interlocutor ou que aos cinco não estiver utilizando a linguagem em todas as suas formas, terá um atraso no desenvolvimento de linguagem. 37 Alterações de Linguagem Capítulo 3 Uma criança com atraso no desenvolvimento de linguagem é aquela que se apresenta em uma fase do desenvolvimento de linguagem não condizente com sua idade, mas que as características que está apresentando não são diferentes da linguagem de uma criança mais nova. Troca de turno com interlocutor: duas pessoas conversando são dois interlocutores. A passagem da fala de um para o outro é a troca de turno de interlocutores. Simples assim? Não! Teremos que considerar vários aspectos, como já vimos no início do capítulo. Vejamos algumas nomenclaturas: Atraso: a progressão da linguagem processa-se na sequência correta, mas em ritmo mais lento, sendo o desempenho semelhante ao de uma criança de idade inferior. Dissociação: existe uma diferença significativa entre a evolução da linguagem e a das outras áreas do desenvolvimento. Desvio: o padrão de desenvolvimento é mais alterado, verifica- se uma aquisição qualitativamente anômala da linguagem. É um achado comum nas perturbações do espectro autismo. (SCHIMER et al., 2004). Se levarmos esses conceitos em consideração, podemos então dizer que uma criança com atraso no desenvolvimento de linguagem é aquela que se apresenta em uma fase do desenvolvimento de linguagem não condizente com sua idade, mas que as características que está apresentando não são diferentes da linguagem de uma criança mais nova. Ou seja, ela está no processo de desenvolvimento de linguagem, só que atrasada. Parece redundante, mas, para ficar mais claro, vamos aos sintomas: 38 Linguagem e Fonoaudiologia em Psicopedagogia • a criança compreende, mas não fala, ou sua fala é ininteligível; • geralmente, não tem deficiência auditiva, deficiência mental, transtorno global do desenvolvimento, ausência dos órgãos fonoarticulatórios; • geralmente sua brincadeira também é bastante empobrecida, em decorrência da ausência ou deficiência de interação com o adulto; • quando quer pedir algo, aponta ou leva o adulto até o objeto desejado; • fica nervosa ou furiosa quando não é atendida. Uma criança com uma patologia associada que irá interferir no desenvolvimento de linguagem, como surdez, paralisia cerebral, autismo, etc., também pode apresentar, e é bem provável que apresente, um atraso no desenvolvimento de linguagem, mas nesse caso não diremos que é um atraso simples no desenvolvimento de linguagem, e sim associado à patologia causadora. O atraso no desenvolvimento de linguagem não significa ausência da fala ou fala distorcida. Exemplo: é possível que uma criança com fisssura labiopalatal tenha algumas características de fala como fala soprosa e/ou nasalisada. Mas isto não caracteriza um atraso de linguagem, ela pode desenvolver a linguagem no tempo esperado. Se pensarmos no atraso de desenvolvimento de linguagem em uma criança com desenvolvimento global adequado para sua idade, sem patologias associadas, poderíamos arriscar dizer que as possíveis causas desse atraso seriam a diminuição ou a ausência de estímulos, a superproteção familiar, a deficiência na interação entre adulto e criança e a falta de limites dos pais para a criança. Vejamos o seguinte: por que uma criança irá pedir algo falando se, quando ela aponta, ganha de imediato o objeto de seu desejo? Você falaria? “Por que eu vou falar? Se eu chorar todos vão me dar atenção e vão fazer o que eu quero”. Por que uma criança irá pedir algo falando se, quando ela aponta, ganha de imediato o objeto de seu desejo? Você falaria? 39 Alterações de Linguagem Capítulo 3 Atividade de Estudos: 1) Caracterize uma criança com atraso no desenvolvimento de linguagem. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ a) Orientações para pais e professores de crianças com atraso no desenvolvimento de linguagem O fonoaudiólogo irá acompanhar essa criança, sua família e a escola; e você poderá auxiliar neste processo de orientação, seja na instituição ou na clínica. A valorização da criança enquanto interlocutor e da linguagem enquanto meio de conhecer e atuar no mundo são tão essenciais para o desenvolvimento da linguagem quanto o oferecimento de padrões de fala corretos e hábitos orais adequados. (FERNANDES, 1998, p. 24). Para que a pessoa que estamos orientando entenda o que deve ser feito, precisamos primeiro dar uma breve noção do desenvolvimento de linguagem, como acontece e a melhor forma de estimulá-la. Precisamos explicar que a criança aprende, inclusive, a falar, através da brincadeira; que nós, adultos, aprendemos estudando, lendo, conversando com um amigo, etc., mas que a criança só aprende brincando e interpretando as coisas do dia a dia através da brincadeira. Devemos orientar esta família a sentar-se na altura da criança e brincar com ela, com brincadeiras de faz de conta (casinha, fazenda, posto de gasolina,etc) , que estimulam a criança a falar, mesmo que seja apenas o som das coisas e dos animais. Devemos orientar esta família a sentar-se na altura da criança e brincar com ela, com brincadeiras de faz de conta (casinha, fazenda, posto de gasolina,etc) , que estimulam a criança a falar, mesmo que seja apenas o som das coisas e dos animais. 40 Linguagem e Fonoaudiologia em Psicopedagogia O adulto deve falar corretamente com a criança, para que o modelo adequado de fala seja dado a ela, evitando usar diminutivos, pois repetir casa é mais fácil do que repetir casinha e pé do que pezinho. Quando a criança pede as coisas apontando, não entregar imediatamente. Sempre perguntar o que ela quer, dando duas opções de resposta, por exemplo, “o que você quer? É o pão ou a bolacha? Porque, se apenas perguntamos o que ela quer, no início da aquisição da linguagem, a criança pode não saber a palavra correspondente àquele objeto, mas se dermos o modelo fica mais fácil para que ela repita. Precisamos também explicar que não é na primeira emissão de fala que a criança irá falar a palavra corretamente, por exemplo, para bolacha, ela vai começar falando “bo” ou “acha”. E que isto é o processo de aquisição normal, mesmo que ela seja uma criança mais velha. Desvio Fonético e Fonológico Segundo Castro (2006, p. 33), “A aquisição dos sons da língua ocorre naturalmente e sem dificuldades, entretanto, para algumas crianças, essa tarefa é árdua. Trata-se das crianças que possuem o distúrbio fonológico”. A aquisição dos fonemas segue padrões universais, e cada criança apresenta suas características individuais. A criança é ativa durante todo o processo, e é comum ocorrerem vários processos fonológicos (erros que acontecem durante a aquisição, que são normais) simultaneamente, sendo a fase de maior uso produtivo até os 4 anos. O processo de aquisição e desenvolvimento do conhecimento fonológico ocorre de modo gradual até que haja o estabelecimento do sistema fonológico de acordo com a comunidade linguística em que a criança está inserida. A idade esperada para o término deste aprendizado ocorre por volta dos cinco anos, podendo estender-se dos quatro até, no máximo, os seis anos de idade (GRINDI-VIEIRA et al., 2004, p. 144). Os processos fonológicos pertencem a diferentes categorias,como substituição, omissão ou distorção. Esses processos são considerados normais durante a fase inicial de aquisição de linguagem. Como exemplo, citamos uma criança de 2 anos de idade que fala /alala/ ao invés de /arara/. Ela está substituindo o /r/ pelo /l/. Outro exemplo de substituição seria / xícara/ por /sícala/. Aqui a criança substituiu o /x/ pelo /s/ e o /r/ pelo /l/. A aquisição dos fonemas segue padrões universais, e cada criança apresenta suas características individuais. Sendo a fase de maior uso produtivo até os 4 anos. 41 Alterações de Linguagem Capítulo 3 Um exemplo de omissão, também normal no início da aquisição da linguagem, seria a troca de /bolacha/ por /boacha/, ou de /guarda/ por /gada/. As distorções acontecem quando a criança modifica um som, mas mesmo assim esse som, continua inteligível, apenas distorcido, como falar o /s/ com um chiado. A dificuldade pode estar relacionada com a representação mental do som, com o armazenamento do som (quanto ao acesso e/ou recuperação) e/ou com a produção do som. a) Desvio Fonético Quando uma criança tem uma dificuldade de articulação envolvendo a produção da fala, manifestado por inabilidade em articular os sons, esta dificuldade é considerada fonética. Por exemplo, a criança que distorce o som, mas mesmo assim ele continua a ser entendido, como o “s” falado com a língua para fora dos dentes, ou jogando o ar da cavidade oral para as bochechas e não para os lábios. As manifestações fonéticas manifestam-se principalmente por meio de distorções, ou seja, dificuldades na produção do som. A regra fonológica encontra-se respeitada. Em resumo, a criança não troca os sons da fala por outros. Utiliza os corretos, mas com a articulação imprecisa ou distorcida. b) Desvio Fonológico Já as dificuldades de comunicação de ordem linguística, envolvendo a distinção dos sons usados para diferenciar o significado entre as palavras, são consideradas de ordem fonológica. Para algumas crianças, o processamento das informações fonológicas acontece de maneira diferente do esperado. Essas crianças têm dificuldade na organização mental dos sons que ocorrem contrastivamente na língua, no estabelecimento do sistema fonológico alvo, bem como na adequação do input recebido. Estes casos são denominados desvio fonológico. O desvio fonológico caracteriza-se pela desorganização, inadaptação ou anormalidade no sistema de sons da criança, em relação ao sistema padrão de sua comunidade lingüística, inexistindo quaisquer comprometimentos orgânicos. O quadro clínico é representado pela fala espontânea ininteligível em idade superior a quatro anos, condições de desenvolvimento global adequadas à sua faixa etária, nível cognitivo, Quando a criança tem uma dificuldade de comunicação envolvendo a produção da fala, manifestado por inabilidade em articular os sons da fala, esta dificuldade é considerada fonética. As manifestações fonéticas manifestam- se principalmente por meio de distorções, ou seja, dificuldades na produção do som. A regra fonológica encontra-se respeitada. 42 Linguagem e Fonoaudiologia em Psicopedagogia auditivo, psicomotor, normalidade anatomofisiológica do aparelho fonador e capacidades de linguagem expressiva e compreensiva bem desenvolvidas. O desvio fonológico trata-se de um desvio (afastamento de uma linha), e não de uma desordem ou um distúrbio, no sentido de que a fala com desvios constitui um sistema fonológico, embora inadequado e afastado do esperado. Esse desvio é fonológico, de um dos componentes da linguagem, e não no nível articulatório. O desvio ocorre no desenvolvimento, como parte do processo de aquisição, e tem etiologia desconhecida, embora alguns trabalhos mostrem possíveis fatores influentes, como memória de trabalho, processamento auditivo e consciência fonológica.” (GRINDI-VIEIRA et al., 2004, p.145). As alterações fonológicas manifestam-se principalmente por meio de omissões e /ou substituições, em que a criança omite ou substitui o som-alvo por outro presente em seu inventário fonético (CASTRO, 2004 apud CASTRO, 2006). Alterações fonéticas e fonológicas podem ocorrer simultaneamente, comprometendo a articulação e o conhecimento internalizado do sistema de sons da língua. Tais crianças geralmente apresentam audição normal, assim como os aspectos cognitivos, emocionais e social (CASTRO, 2006, p. 32). Os distúrbios fonológicos estão entre os mais frequentes distúrbios da comunicação em crianças. Afetam aproximadamente 10% da população, e 80% dos indivíduos apresentam distúrbio severo que requer tratamento (GIERUT, 1998 apud CASTRO, 2006). As alterações fonológicas manifestam-se principalmente por meio de omissões e /ou substituições, em que a criança omite ou substitui o som-alvo por outro presente em seu inventário fonético. Caro(a) Pós-graduando(a), para facilitar a compreensão dos processos fonológicos, adaptei o quadro usando o grafema correspondente ao fonema. Quadro 4 – Processos fonológicos usuais no desenvolvimento normal Processos fonológicos Exemplo Redução de sílaba /xícara/ → /xíca/ Harmonia consonantal /macacu/ → /cacacu/ Plosivização de fricativa /sapu/ → /tapu/ Posteriorização para velar /tatu/ → /kaku/ Posteriorização para palatal /sapu/ → /xapu/ Frontalização de velar /karu/ → / taru/ Frontalização de palatal /xavi/ → /savi/ 43 Alterações de Linguagem Capítulo 3 Simplificação de líquida /kara/ → /kaya/ Simplificação de consoante final /iskola/ → /ikola/ Simplicação do encontro consonantal /pratu/ → /patu/ Fonte: Adaptação de Castro(2006). Quadro 5 – Processos fonológicos não usuais no desenvolvimento normal Processos fonológicos Exemplo não usuais Sonorização de plosivas /patu/ → /batu/ Sonorização de fricativas /faca/ → /vaca/ /selu/ → /zelu/ Ensurdecimento de plosivas /bolu/ → /polu/ /dadu/ → /tatu/ Ensurdecimento de fricativas /vasu/ → /fazu/ Fonte: Adaptação de Castro(2006). Velleman (2002) apud Castro (2006) alertou que as palavras derivam sua estrutura não somente dos sons que as incluem, mas também da organização desses sons dentro da palavra. A criança pode produzir consoantes e vogais adequadas à idade, mas nem sempre é hábil para produzí-las nas configurações requeridas pela língua, como consoante final, encontros consonantais, palavras multissilábicas. Atividade de Estudos: 1) Dê exemplo de fala de uma criança com desvio fonético e um exemplo de fala de criança com desvio fonológico. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 44 Linguagem e Fonoaudiologia em Psicopedagogia c) Orientações para pais e professores de crianças com desvio fonético ou fonológico O tratamento das alterações fonéticas e/ou fonológicas deve ser realizado pelo fonoaudiólogo, mas algumas orientações são úteis para facilitar a aquisição dos fonemas, e a principal delas é falar corretamente com a criança. Para facilitar a aquisição de linguagem, o adulto deve falar as palavras corretamente e não usar diminutivos, como já foi colocado nas orientações de linguagem. Uma estratégia que a família e o professor podem usar para auxiliar a criança a perceber que está falando errado é a seguinte: quando a criançatrocar sons na fala, o adulto deve fazer expressão de dúvida, repetindo a palavra exatamente como a criança falou, para que ela possa ouvir a sua produção, e esperar que ela se corrija. Se a mesma não conseguir, você então fala a palavra correta para que a criança tenha um modelo de fala para copiar. É importante observar que, se a criança se aproximar do período de alfabetização e não estiver falando corretamente, deve ser encaminhada a um fonoaudiólogo, para que seja avaliada. A linguagem escrita tem relação direta com a falada, e uma alteração na fala pode interferir neste processo. Algumas crianças ficam irritadas quando pedimos que elas repitam a palavra correta. Se este for o caso da sua criança, basta repeti-la corretamente que, aos poucos, juntamente com o trabalho terapêutico do fonoaudiólogo, ela vai adequando sua fala ao modelo dado pelo adulto. Para facilitar a aquisição de linguagem, o adulto deve falar as palavras corretamente e não usar diminutivos. Gagueira Na fluência, há uma transição articulatória de um fonema a outro, com regularidade e facilidade. Todos nós já ficamos disfluentes em algum momento da nossa vida, quando ficamos nervosos, quando tivemos que falar em público, dar uma explicação, ou quando mentimos. Você já se percebeu disfluente? Qual foi a sensação? a) Fluência Há um período na vida da criança, entre dois e quatro anos de idade, em que ela pode apresentar fala disfluente. Isso acontece em momentos em que 45 Alterações de Linguagem Capítulo 3 ela quer contar algo, pois o pensamento ainda é mais rápido que a capacidade articulatória, e a organização do discurso está se desenvolvendo. Na maioria das vezes, a criança não percebe que está gaguejando. Tendo em vista que 80 por cento das crianças com gagueira conseguem se recuperar espontaneamente, a recomendação usual para um pai preocupado costumava ser, até pouco tempo atrás, ter calma e esperar. O problema é que esperar pode ser muito desvantajoso para crianças que se beneficiariam da intervenção precoce. Hoje, a maioria dos especialistas em fluência recomenda que os pais procurem tratamento especializado caso a criança esteja gaguejando por mais de 6 meses, principalmente se for algo que a incomode. (CHANG, 2008, p. 1333-1344) b) Gagueira Segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), a gagueira é caracterizada como um distúrbio ou transtorno de fluência de fala, com o código F98.5. Muitas pessoas acreditam que a gagueira é um distúrbio emocional ou psicológico, em virtude de sua intensidade variar e da existência de momentos de fluência. Mas, com o uso moderno de neuroimagem, em exames funcionais, pode-se constatar cientificamente que pessoas que gaguejam e pessoas fluentes exibem claras diferenças nos padrões de atividade no cérebro durante a produção da fala. Além disso, pessoas que gaguejam também exibem sutis déficits estruturais envolvendo primariamente áreas do hemisfério esquerdo responsáveis pela produção da fala fluente. (CHANG, 2008). Então, o senso comum de que a gagueira é causada por um susto, stress, por pais rígidos, etc, está sendo desmistificado graças a exames objetivos de neuroimagem. Podemos pensar na gagueira como um sintoma de linguagem que carrega sofrimento e não apenas uma fala que se interrompe no fluxo do tempo (OLIVEIRA; FRIEDMAN, 2006). Algumas características: 1. esforço físico durante a fonação; 2. estado de ansiedade, tensão e medo, em relação à fala; Hoje, a maioria dos especialistas em fluência recomenda que os pais procurem tratamento especializado caso a criança esteja gaguejando por mais de 6 meses, principalmente se for algo que a incomode. 46 Linguagem e Fonoaudiologia em Psicopedagogia 3. conflitos em relação à fala; 4. alterações fisiológicas durante a fonação, como: suor exagerado, alteração das batidas cardíacas; 5. dificuldade em manter o contato visual durante a fala; 6. nas palavras que considera difícil, uso de sinônimos, e às vezes, mudança até do conteúdo da mensagem; 7. desenvolvimento de manias, como passar a mão no rosto quando falar, ter sempre algo na mão; 8. fazer expressões corporais de sofrimento, como torcer as mãos, bater na mesa, bater um dos pés no chão. CARACTERIZAÇÃO DA GAGUEIRA O problema central na gagueira consiste em uma dificuldade do cérebro para sinalizar o término de um som ou uma sílaba e passar para o próximo. Desta forma, a pessoa consegue iniciar a palavra, mas fica presa em algum som ou sílaba (geralmente o primeiro) até que o cérebro consiga gerar o comando necessário para dar prosseguimento com o restante da palavra. Acredita-se que as estruturas cerebrais envolvidas com a gagueira sejam os núcleos da base, os quais são envolvidos com a automatização de tarefas (dirigir, calcular, escrever, falar, etc). Em relação a fala, os núcleos da base atuam principalmente em situações de fala espontânea. O envolvimento dos núcleos da base tendem a diminuir em situações que não envolvem fala espontânea (exemplos, falar com animais, com crianças pequenas, sozinho), e é por isso que estas situações geralmente induzem a fluência em pessoas que gaguejam. A dificuldade do cérebro em gerar comandos para terminar um som ou sílaba no tempo previsto manifesta-se externamente como bloqueios, prolongamentos e/ou repetições de sons e sílabas. A dificuldade do cérebro em gerar comandos para terminar um som ou sílaba no tempo previsto manifesta- se externamente como bloqueios, prolongamentos e/ou repetições de sons e sílabas. 47 Alterações de Linguagem Capítulo 3 A gagueira é então, um distúrbio neurológico e as variações de fluência podem ser explicadas pelo maior ou menor envolvimento dos núcleos da base na fala. A gagueira é involuntária, ou seja, a pessoa que gagueja não tem controle sobre a sua fala e não consegue evitar a ocorrência da gagueira, por mais que se esforce. Além dos sinais esternos, a gagueira está associada com grande sofrimento interno, porque a pessoa tem o que falar, sabe o que falar, mas não consegue. Interfere na comunicação e nos desempenhos escolar e profissional. Fonte: Disponível em: <http://www.gagueira.org.br/conteudo. asp?id_conteudo=29>. Acesso em: 20 jan. 2016. A gagueira é então, um distúrbio neurológico e é involuntária c) Orientações aos Professores Os professores normalmente tem dúvidas sobre como proceder com crianças que gaguejam. Diante disso, apresentamos a seguir algumas orientações. Veja: ORIENTAÇÕES AOS PROFESSORES: A CRIANÇA QUE GAGUEJA NA ESCOLA Criança na pré escola e jardim de infância: Todas as crianças nessa faixa de idade estão ativamente aprendendo a falar, e é natural que cometam erros de fala, como hesitações/ disfluências. Algumas apresentam mais do que outras e isso é normal. Se você estiver preocupado quanto a possibilidade de gagueira em uma dessas crianças, não deixe que ela perceba qualquer atenção especial neste momento. Ao invés disso, procure um fonoaudiólogo especializado em gagueira para receber orientações e sugestões. A criança do ensino fundamental: Nesta faixa de idade, há crianças que não somente repetem e prolongam os sons, mas também que fazem esforço e ficam tensas e frustradas com suas tentativas de falar. Elas precisam de ajuda. Sem a ajuda necessária, é provável que a gagueira afete negativamente seu desempenho em sala de aula. Fale com os pais, e sugira que procurem um fonoaudiólogo. 48 Linguagem e Fonoaudiologia em Psicopedagogia Os professores frequentemente tem dúvidas sobre como agir com uma criança que gagueja em sala de aula. Ela deve ser cobrada para fazer apresentações orais, ler em voz altaou responder perguntas? O professor deve comentar com a criança a respeito de sua fala ou simplesmente ignorar? Fale com a criança - mostre seu apoio: Normalmente, é aconselhável que você converse com a criança de forma reservada. Explique a ela que quando falamos às vezes cometemos erros (assim como acontece com outras tarefas). Nós nos atrapalhamos com os sons, repetimos palavras e nos confundimos com elas. Com a prática, melhoramos. Explique que você está lá para ajudá-la. Falar com a criança desta forma permitirá que ela saiba que você esta ciente da dificuldade e que a compreende e aceita. Responder oralmente à perguntas: Ao fazer perguntas em sala de aula, é possível adotar certos procedimentos para tornar a situação mais fácil para a criança que gagueja: – Até que ela se ajuste a turma, faça perguntas que possam ser respondidas com poucas palavras. – Se cada criança tiver que responder uma pergunta, chame a criança que gagueja no início, porque a tensão e a ansiedade podem aumentar a medida que ela espera sua vez. – Informe a classe que eles terão o tempo que precisarem para responder às questões e que você quer que raciocinem antes de responder e não apenas que respondam rapidamente. Leitura em voz alta: A maioria das crianças que gaguejam são fluentes quando lêem em uníssono com outras. Ao invés de chamar a criança que gagueja, permita que leia junto com outra criança. Permita que a classe inteira leia em duplas algumas vezes, para que a criança que gagueja não fique se sentindo especial. Gradualmente, ela pode se sentir mais confiante e conseguir ler em voz alta por conta própria. As ridicularizações: As ridicularizações podem ser muito dolorosas para a criança que gagueja e devem ser eliminadas o mais rápido possível. Ajude a criança a entender porque os outros reagem assim e sugira formas de responder assertivamente às provocações. 49 Alterações de Linguagem Capítulo 3 Sugestões para falar com a criança que gagueja: – Não diga para a criança falar mais devagar ou relaxar. – Fale com a criança de forma calma, sem pressa, pausando frequentemente. Antes de começar a falar, ouça a criança até o fim e espere alguns segundos após ela ter concluído aquilo que queria dizer. Isso desacelerará o ritmo geral da conversa. – Ajude todos os alunos da classe a aprender que há momentos de falar e momentos de escutar. Todas as crianças, especialmente aquelas que gaguejam, acham mais fácil falar quando há poucas interrupções e quando tem a atenção dos ouvintes. – Use expressões faciais, contato visual e outras formas de linguagem corporal para comunicar à criança que você está prestando atenção ao conteúdo da mensagem e não somente à forma como ela está falando. – Não subestime a criança. Espere a mesma qualidade e quantidade de trabalhos por parte das crianças que gaguejam. – Procure reduzir as críticas, padrões rápidos de fala e interrupções. – Não complete as palavras para a criança, nem fale por ela. – Converse individualmente com o aluno que gagueja sobre as modificações necessárias para sua adaptação em sala de aula. Respeite suas necessidades, sem subestimá-lo. – Não torne a gagueira algo vergonhoso. Fale sobre a gagueira como se estivesse falando sobre qualquer outro assunto. Fonte: Disponível em: <http://www.gagueira.org.br/conteudo. asp?id_conteudo=118>. Acesso em: 25 jan. 2016. Para mais informações sobre a gagueira, acesse o site do Instituto Brasileiro de Fluência, que contém muitos artigos científicos. <www.gagueira.org.br>. 50 Linguagem e Fonoaudiologia em Psicopedagogia Atividade de Estudos: 1) Quais as primeiras providências a tomar quando você percebe que seu aluno está gaguejando? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Afasia Para você entender o que é a afasia, vamos começar estudando a afasia no adulto, que não é uma doença rara ou nova, mas é ainda pouco conhecida pela população e até mesmo no meio acadêmico. a) Afasia no adulto Em um conceito simplificado, a afasia é uma alteração de linguagem, em decorrência de um dano neurológico. A afasia ou disfasia é uma patologia de linguagem, classificada no CID 10 com o código R47.0, e caracteriza-se por dificuldades na comunicação após um insulto neurológico, podendo a dificuldade apresentar-se na linguagem oral e/ou escrita. Então vamos aos conceitos: Joanette et al. (1995, p. 3), define afasia como: Dificuldade para entender a linguagem dos outros, encontrar o nome das coisas, produzir sua própria linguagem, organizar o conjunto dos comandos motores responsáveis pela boa articulação das palavras: esses são alguns dos sinais possíveis desse tipo de comprometimento; é o conjunto de perturbações da linguagem oral e/ou escrita que acompanha uma lesão cerebral que designamos com o termo afasia. Joanette et al., 1995, 8, também diz que: “A afasia não afeta o indivíduo em sua própria essência, quer dizer, no nível de seu pensamento. A afasia afeta principalmente o instrumento de comunicação a serviço deste pensamento.” 51 Alterações de Linguagem Capítulo 3 A afasia não afeta o pensamento ou a inteligência do sujeito acometido e sim a capacidade de expressar-se através da fala. Em alguns casos, afeta a capacidade de entender as palavras que escuta. Alguns relatos sugerem que o afásico escute sua língua materna como se estivesse ouvindo uma língua estrangeira nunca ouvida antes, as palavras não fazem sentido. Por isso, na maioria das vezes, tem- se a impressão de que o raciocínio está afetado, pois o mesmo não consegue entender ou fazer-se entender. Se falarmos com o sujeito afásico por meio de gestos, ele nos responderá com coerência, pois não terá que usar palavras. Alguns afásicos também terão problemas com a linguagem escrita, pois ao perder a lembrança das palavras ouvidas, também perdem sua representação gráfica. Alguns conseguem escrever somente seu nome. A afasia tem sido definida como a perda ou debilidade da função da linguagem causada por um prejuízo no cérebro. Ela é um enfraquecimento, devido a lesão cerebral, da capacidade para interpretar e formular símbolos linguísticos. A afasia é uma desordem multimodal (isto é, manifestada por dificuldades em falar, ler e escrever) e envolve uma redução na capacidade de decodificar (interpretar) e codificar (formular) elementos linguísticos com significado, (por exemplo, palavras e unidades sintáticas maiores, tais como as sentenças). O paciente afásico tem debilitada a compreensão, a formulação e a expressão da linguagem. (MURDOCH, 1997, p. 42). Mas o que causaria esses distúrbios no cérebro? As principais doenças do sistema nervoso que produzem distúrbios da linguagem são as doenças cerebrovasculares (conhecidas como derrame ou AVC), desordens neoplásicas (tumores benignos ou malignos), traumatismo craniano, condições tóxicas (drogas lícitas ou ilícitas, álcool), doenças degenerativas (Doença de Alzheimer, Parkinson, Esclerose múltipla, etc), e doenças infecciosas. Lesão neurológica, ou cerebral, ou encefálica (podem ser usadas as três nomenclaturas), é a mesma coisa, só muda o nome. 52 Linguagem e Fonoaudiologia em Psicopedagogia O homem que confundiu sua mulher com um chapéu. É um livro no qual o autor descreve em forma de contos, com linguagem simples e divertida, vários casos de distúrbios neurológicos, entre eles a afasia. Vale a pena ler! SACKS, O. O homem que confundiu sua mulher com um chapéu. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. As afasias têm
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