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FUNDAMENTOS DA PSICOMOTRICIDADE Autoria: Rosana Pazim Nalesso Indaial - 2020 UNIASSELVI-PÓS 1ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Jairo Martins Marcio Kisner Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2020 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. N169f Nalesso, Rosana Pazim Fundamentos da psicomotricidade. / Rosana Pazim Nalesso. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 167 p.; il. ISBN 978-65-5646-233-2 ISBN Digital 978-65-5646-234-9 1. Psicomotricidade. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 152.334 Impresso por: Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 Psicomotricidade ........................................................................... 7 CAPÍTULO 2 Desenvolvimento Psicomotor ................................................... 61 CAPÍTULO 3 Diagnóstico dos Distúrbios e as Abordagens Teórico- Práticas de Aplicação da Psicomotricidade. ..........................115 APRESENTAÇÃO Não existe uma definição para psicomotricidade, pois ela não é uma pessoa. Portanto não apresenta uma definição única, mas unanimemente está relacionada à concepção de movimento de forma integrada e organizada, a qual em detrimento às experiências vivenciadas pelo indivíduo, cria uma ação que é o resultado de sua individualidade, linguagem e socialização. Envolve suas interações sensório- motoras, psíquicas e cognitivas, no entendimento das capacidades que compõe o seu único ser e sua expressão, partindo do movimento, dentro de um contexto psicossocial. Sua intervenção está subdividida em três grandes vertentes: a reeducação, a educação e a terapia, sendo a primeira dirigida para a soma dos movimentos, a segunda voltada para o âmbito educacional e a terceira se preocupando com a psique do movimento. Parte, portanto, de uma abordagem inter e transdisciplinar, compondo uma gama de conhecimentos distribuídos em várias áreas do saber, como a psicologia, fisiologia, antropologia, biologia, educação e as relacionadas a estas. Esses saberes possibilitam, usando o corpo como mediador, trazer uma abordagem do movimento humano, objetivando favorecer a integração deste indivíduo tanto internamente como externamente, com o mundo dos objetos e outros indivíduos. Em sua trajetória histórica e evolutiva, foi sustentada por várias teorias e práticas, até sua consolidação, apresentando como base o desenvolvimento psicomotor e o aprendizado, em que cada teórico contribuiu com suas fundamentações, aliadas ou isoladas a outros teóricos. Essas teorias, entre elas as de Wallon, Piaget e Ajuriaguerra, permearam entre observações das habilidades psicomotoras, a importância do movimento para o desenvolvimento da psique infantil, a construção da imagem e esquema corporal, a relação do tônus muscular com as habilidades motoras, os distúrbios do desenvolvimento psicomotor como fraqueza motora, entre outras. Fato é que a maneira como os psicomotricistas absorvem essas teorias e as compreendem interfere na prática profissional deles, condicionando a maneira como usam o instrumento corpo, objetivando otimizar as funções psíquicas. CAPÍTULO 1 PSICOMOTRICIDADE A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: Saber: Defi nir o conceito, principais teóricos, fundamentos e elementos básicos da psicomotricidade. Apresentar a história e emergência da psicomotricidade, bem como sua evolução até a atualidade. Conhecer a intervenção profi ssional em psicomotricidade e a atuação da equipe interdisciplinar dentro deste contexto. Fazer: Adquirir conhecimentos sobre o surgimento da psicomotricidade até os dias atuais. Reconhecer os elementos básicos que integram a psicomotricidade, bem como a atuação da equipe interdisciplinar nesta ciência. 8 Fundamentos da Psicomotricidade 9 PSICOMOTRICIDADE Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO A psicomotricidade é uma ciência que vem sofrendo, com o decorrer dos anos, até atingir seu processo de consolidação, diversas infl uências, contando com a contribuição de muitos campos do conhecimento. Está fundamentada em estimular o esquema e a imagem corporal; e um de seus elementos necessários é a afetividade, a qual consegue determinar a maneira como crianças, adolescentes, jovens e adultos visualizam o mundo, bem como a maneira como se manifestam nele. Durante esse processo de evolução da psicomotricidade, foram surgindo várias teorias e práticas, objetivando o trabalho e a compreensão do corpo. Quem nunca ouviu falar em Jean Piaget? Ele nasceu na Suíça e foi um psicólogo que dedicou seus estudos à psicologia evolutiva, revolucionando os conceitos de inteligência infantil e provocando grandes mudanças nos antigos conceitos de educação e aprendizagem (FRAZÃO, 2020). Esse teórico contribuiu muito para o desenvolvimento da psicomotricidade, tanto na áreas da biologia como da psicologia, interagindo fases de desenvolvimento cognitivo, corporal, social e afetivo. Fato é que, por meio dessas teorias, a psicomotricidade passa a ser encarada como uma atividade total do organismo, expressando a completa personalidade, correspondendo a uma análise global do indivíduo (BEE; BOYD, 2011). Contudo, essas teorias e práticas foram desenvolvidas para reforçar a ideia de que não se pode compreender o movimento somente sob a ótica anatômica, fi siológica, psicológica ou social, mas sim em uma dimensão holística. Essa dimensão necessita associar-se a uma gama de conhecimentos interdisciplinares e sistêmicos os quais associam as estruturas biopsíquicas e relacionais (COSTA, 2011). A intervenção interdisciplinar da psicomotricidade é desenvolvida por meio da terapia, educação e a reeducação psicomotora, que somadas com a ação de ensinar dos profi ssionais, devem formar cidadãos críticos, conscientes e refl exivos. Portanto, essas metodologias devem prestigiar, no indivíduo, qualquer que seja a faixa etária dele, seu lado afetivo, cognitivo, social, aspecto físico, o toque e quantos mais aspectos que estimulem os elementos psicomotores rumo à totalidade em sua assistência, caracterizando assim o ser humano em toda sua essência (SBP, 2003). 10 Fundamentos da Psicomotricidade 2 HISTÓRICO, EVOLUÇÃO E ABORDAGEM EMERGENTE DA PSICOMOTRICIDADE Antes de iniciarmos nosso estudo sobre o histórico, evolução e abordagens emergentes da psicomotricidade, gostaríamos de trazer a você algumas defi nições e entendimentos sobre o termo “psicomotricidade” e suas respectivas dimensões psíquica e motora. Vamos então a algumas dessas defi nições... 2.1 PSICOMOTRICIDADE: DEFINIÇÃO Podemos defi nir a psicomotricidade como uma área transdisciplinar voltada ao estudo e à investigação do desenvolvimento biocultural humano nas suas relações e infl uências, recíprocas e sistêmicas, que cursa entre o psiquismo e a motricidade (FERNANDES; GUTIERRES FILHO, 2012). Sobre algumas defi nições de psicomotricidade, vamos refl etir a respeito do que alguns autores descrevem: • É a ciência que tem como objeto de estudo o homem através do seu corpo em movimento e em relação ao seu mundo interno e externo, bem como suas possibilidades de perceber, atuar, agir com o outro, com os objetos e consigo mesmo. Está relacionada ao processo de maturação, em queo corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. Psicomotricidade, portanto, é um termo empregado para uma concepção de movimento organizado e integrado, em função das experiências vividas pelo sujeito cuja ação é resultante de sua individualidade, sua linguagem e sua socialização (ABP, 2019). • “A psicomotricidade é a otimização corporal dos potenciais neuro, psico-cognitivo funcionais, sujeitos as leis de desenvolvimento e maturação, manifestados pela dimensão simbólica corporal própria, original e especial do ser humano” (LOUREIRO apud ISPE-GAE, 2007, s.p.). • Para Nicola, uma conceituação atual de psicomotricidade é que esta ciência nova, cujo objeto de estudo é o homem nas suas relações com o corpo em movimento, encontra sua aplicação prática em formas de atuação que confi guram uma nova especialidade. A psicomotricidade estuda o homem na sua unidade como pessoa (NICOLA, 2004, p. 5). 11 PSICOMOTRICIDADE Capítulo 1 Após descrevermos alguns conceitos relacionados à psicomotricidade, queremos então, para que você possa compreender as duas dimensões dessa ciência, comentar sobre os seguintes cursos: psiquismo e motricidade, iniciando como a dimensão relacionada ao psiquismo. Podemos compreender o psiquismo como sendo constituído por um conjunto do funcionamento mental, que está integrado por: sensações, percepções, imagens, emoções, afetos, aspirações, representações, simbolizações, fantasmas, medos, projeções, conceptualizações, ideias, construções mentais etc., bem como a complexidade dos processos relacionais, que envolvem algum tipo de relação ou relacionamento, e sociais, que estão na sua origem. Já a dimensão motricidade é compreendida como a soma de expressões mentais e corporais, que envolvem funções posturais, tônicas, somatognósicas e práxicas que as mantêm e as sustentam. Devemos então conceber a motricidade como comportamento e resposta adaptativa, total e unifi cada, ação porque mobiliza sensibilidades corporais corticalizadas. Isso é representado pela interiorização dialética do mundo interior com o exterior, desde o corpo e a natureza, ao social e cultural, coordenando múltiplas representações em um raciocínio ideocinético e fl exível, cuja elaboração e execução gestual surgem profundamente conectadas e harmoniosas (FERNANDES; GUTIERRES FILHO, 2012). Considerando o termo técnico funções posturais, podemos defi nir a postura como o alinhamento biomecânico do corpo, tendo como funções a manutenção do equilíbrio, suporte e estabilização. Considerando o termo funções tônicas, podemos defi nir o tônus muscular como um executor (efetor) de suma importância no desenvolvimento motor da criança, garantindo, além das atitudes, todos os sentidos de postura, mímica e emoções dos quais vêm as atividades motoras. A qualidade tônica pode ser traduzida como rigidez/espasticidade ou relaxamento muscular. Portanto, a função tônica está relacionada à qualidade deste tônus. A função somatognósica é uma função superior do sistema nervoso, sendo defi nida como a percepção de que todo mundo tem essa percepção do próprio corpo. Em suma, é o conhecimento do próprio corpo em relação ao ambiente. Já a função práxica depende primordialmente do controle de áreas superiores do córtex encefálico: área motora primária, área suplementar e córtex pré-motor, sendo responsáveis por realizar a integração das funções mentais e motoras para que possa ocorrer a elaboração gestual com os movimentos adquiridos pelo aprendizado (FERNANDES; GUTIERRES FILHO, 2012). 12 Fundamentos da Psicomotricidade 2.2 HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DA PSICOMOTRICIDADE Quando nos remetemos ao histórico da psicomotricidade, lidamos com o fato de que sempre se valorizou o corpo humano, desde os primórdios da antiguidade. Gregos, na cultura deles, exaltavam excesso do culto ao esplendor, visto que as imagens de esculturas estavam comumente presentes em locais públicos. Havia, naquela época, sob concepções distintas entre os fi lósofos, o dualismo entre corpo e alma. Platão apresentava uma dicotomia entre psico – motricidade, em que havia cisão entre corpo e alma. Essa dicotomia era considerada na antiguidade um dualismo radical dentro do ser humano, havendo, portanto, essas duas realidades (MACHADO; TAVARES, 2010). Temos então a França como imprescindível para o surgimento da psicomotricidade, sendo conhecida como o “berço da psicomotricidade”, conforme será contextualizado posteriormente. No decorrer da história, o termo psicomotricidade surge partindo de um discurso médico, neurológico, por Karl Wernick, neuropsiquiatra austríaco (1870), que realizava estudos na área das afasias (áreas relacionadas a perda total ou parcial da capacidade de expressão e/ou compreensão da linguagem falada ou escrita). No início do século XIX, houve a necessidade de atribuir nomes para as zonas do córtex cerebral localizadas além das regiões motoras. Psiquiatras também se apropriaram da psicomotricidade para classifi car os fatores patológicos. Entendam, portanto que o termo psicomotricidade parte de uma necessidade médica de achar uma área de estudo que explicasse alguns fenômenos clínicos (MACHADO; TAVARES, 2010; MORIZOT, 2019). Agora vamos nos remeter ao início do século XX, quando, no campo da patologia, partindo dos estudos de Dupré (1907), renomado psiquiatra francês, que observa a psicomotricidade através de uma linha psiquiátrica (psiquismo- motricidade), as pesquisas são direcionadas à debilidade motora nos débeis mentais, com a preocupação básica voltada aos distúrbios psicomotores (MACHADO; TAVARES, 2010; MORIZOT, 2019). Devemos ressaltar que esse foi um período em que a preocupação apenas fazia abrangência ao corpo e seus respectivos distúrbios, descartando-os de áreas relacionadas às emoções e ao cognitivo. Aqui a síndrome era o destaque e havia três estigmas principais: falta de destreza, sincinesias e paratonias, as quais não se atribuíam como lesões do sistema piramidal, mas apenas a uma insufi ciência. Durante várias gerações, predominaria o paralelismo psicomotor, ou seja, a associação estreita entre o desenvolvimento da psicomotricidade, inteligência e afetividade. Também cabe ressaltar que, durante as primeiras décadas desse século, pela ocorrência da 1ª Guerra Mundial, quando as mulheres davam fi rme entrada no trabalho formal, suas crianças eram abrigadas em creches, sendo que a escola 13 PSICOMOTRICIDADE Capítulo 1 francesa teve aqui sua infl uência em nível mundial para a psiquiatria infantil, pedagogia e psicologia (LUSSAC, 2008). Seguindo na história, a partir de 1925, as pesquisas de Henri Wallon, médico psicólogo, tornam-se relevantes. Ele se ocupa do movimento humano e o atribui conotação fundamental como instrumento na construção do psiquismo. Enfatiza o comportamento tônico e o vincula à emoção e à estruturação do caráter. Considera o movimento a primeira estrutura relacionada ao meio. Essas características permitiram a Wallon integrar o movimento ao afeto, à emoção, ao meio ambiente e aos hábitos do indivíduo, discursando sobre o tônus e o relaxamento (LUSSAC, 2008; MORIZOT, 2019). Ainda nesse ano começam a despertar as primeiras práticas reeducativas, por Georges Heuyer, membro titular da primeira cadeira europeia de psiquiatria infantil. Utilizando a nomenclatura “psico-motricidade”, designa a estreita relação entre o desenvolvimento motor, inteligência e afetividade, de indicação da terapêutica e de prognóstico. Já na década de 30, incorporam-se novas noções, partindo de pesquisas no campo da Psicologia e da Psicanálise. Em 1935, Edouard Guilmain, neurologista, desenvolve um exame psicomotor, através do qual era realizado um diagnóstico, determinando então as vias terapêuticas. Esse fato tinha infl uência no prognóstico, propondo exercícios de atenção, educação sensorial e trabalhos manuais. Também nessa década despertam as contribuiçõesde Jean Piaget (1936), tanto nas áreas da Biologia como da Psicologia, interagindo fases de desenvolvimento cognitivo, corporal, social e afetivo. Já Gesell elabora uma escala de desenvolvimento, a qual apresenta vínculos com faixas etárias. Vamos agora adentrar no segundo período da evolução da psicomotricidade, marcado por uma identidade que precedia a institucional, a teórica e prática. No século XX, 1947, Julian de Ajuriaguerra, médico psiquiatra, associando as contribuições de Dupré, Wallon e Piaget, realiza com clareza a delimitação dos transtornos psicomotores que tramitam entre o neurológico e o psiquiátrico, partindo das técnicas reeducativas. Ele redefi ne o conceito de debilidade motora, considerando-a como uma síndrome com suas próprias particularidades. Ajuriaguerra aproveitou os subsídios de Wallon em relação ao tônus ao estudar o diálogo tônico. O psiquiatra faz uma atualização no conceito de psicomotricidade, unindo-a ao movimento, passando para a história da psicomotricidade como o único que rompeu de forma efetiva com o imperialismo neurológico e com o conceito de paralelismo psicomotor de Dupré (LUSSAC, 2008; MACHADO; TAVARES, 2010). A psicomotricidade passa então a ser vista como uma atividade total do organismo, expressando a completa personalidade, correspondendo a uma análise global do indivíduo. Essa nova visão refl ete uma forma motora aliada às 14 Fundamentos da Psicomotricidade características da totalidade do comportamento do indivíduo e isso caracteriza então a ruptura do imperialismo neurológico. Podemos traduzir isso como a libertação do polo psicomotor do polo orgânico. Aqui a abordagem torna- se psicofi siológica, aliada aos afetos e emoções. Está então concretizado o afastamento da óptica do dualismo cartesiano e, agora sim, o termo psico- motricidade perde o seu hífen (MORIZOT, 2019). O diálogo tônico é um termo bastante utilizado em nosso estudo, motivo pelo qual merece ser melhor explorado. As reações emocionais se inserem no enredo da evolução geral, manifestando-se através de todo tipo de atitude, mímica e vocalização consequentes da perda do equilíbrio ou, pelo contrário, como expressões de alegria do lactente ao conseguir maior controle sobre o seu equilíbrio. Em todas essas manifestações, o tônus está presente e os estágios da teoria de Henri Wallon destacam o aspecto tônico-emocional no contexto da psicomotricidade. Para auxiliá-lo em sua pesquisa, sugiro como leitura: Movimentos espontâneos do diálogo tônico-postural e atividades expressivas. Estilos clin. São Paulo, v. 18, n. 3, p. 613- 625, dez. 2013. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1415-71282013000300012&lng=pt&nr m=iso>. Acesso em: 13 jul. 2020. Convidamos você para uma refl exão sobre o seguinte questionamento: Na trajetória da história e evolução da psicomotricidade, em qual momento a palavra psico-motricidade perde o hífen, passando a ser escrita da seguinte forma: psicomotricidade? Chegamos à década de 50, na qual há o afl oramento das técnicas reeducativas dirigidas aos distúrbios psicomotores, resultado dos incansáveis trabalhos de Ajuriaguerra, Diatkine, Lebovici, entre outros, no Hospital Henri-Rouselle. Elabora- se, portanto, nova abordagem terapêutica, incluindo exame psicomotor, métodos e técnicas adaptadas aos diversos transtornos. Essa metodologia assinala 15 PSICOMOTRICIDADE Capítulo 1 importantes eixos da psicomotricidade dos tempos modernos: equilíbrio dinâmico e estático, coordenação viso-motora, organização espacial e temporal, estruturação do esquema corporal, lateralidade e domínio tônico. Em 1963, a psicomotricidade torna-se uma especialidade ofi cial, sendo criado o Certifi cado de Reeducação concedido pelo Hospital Henri Rouselle (MORIZOT, 2019). Atualmente o mundo está crescendo com maior rapidez e as exigências sociais com o indivíduo estão cada vez maiores. A sociedade demanda de indivíduos atuantes, críticos, que se expressem, posicionem-se e se comuniquem com clareza. Aqui reside a enorme necessidade do desenvolvimento motor no processo de ensino aprendizagem. Isso fará com que o ser humano enfrente as situações do dia a dia com maior capacidade e desenvoltura. 2.3 HISTÓRIA E ABORDAGEM EMERGENTE DA PSICOMOTRICIDADE NO BRASIL Estamos iniciando agora nossos estudos sobre a emergência da psicomotricidade no Brasil, onde a ciência surge no século XX. Como então a psicomotricidade torna-se emergente? Saiba que esse fato iniciou durante o período da 1ª Guerra Mundial, visto, conforme relatado anteriormente na França, onde as mulheres trocavam sua função doméstica pelo trabalho industrial, repassando os cuidados com os fi lhos às creches. Surge então grande atenção dirigida para a psicomotricidade, por estar no ambiente escolar o lugar onde as crianças podem ser melhor observadas em relação aos movimentos corporais que apresentam. Antônio Lefévre, sob a infl uência das obras de Ajuriaguerra, foi um dos principais difusores da psicomotricidade; Helena Antipoff também foi uma grande difusora, retratando sua experiência teórica e prática em defi ciência mental para ser aplicada em escolas brasileiras; doutora Dalila de Costallat, atuando junto ao ministério da educação brasileiro, a partir dos anos 70, com Helena Antipoff, trocam experiências de experiências desenvolvidas na Argentina com as pesquisas realizadas no Brasil (SANTOS, 2013). Vamos agora remontar essa história partindo dos anos 60, em que corpo e o movimento eram valorizados como elementos coadjuvantes em áreas diversifi cadas da reabilitação. Referia-se muito pouco à “psicomotricidade”, pois nós a desconhecíamos. Conhecíamos sim a assistência, a defi ciência mental, motora e sensorial, em que o público-alvo era a comunidade das Escolas Especiais, Instituições e Classes hospitalares. 16 Fundamentos da Psicomotricidade Somente pudemos ter acesso às primeiras informações e cursos de psicomotricidade, através de profi ssionais que vinham da Europa, visto nossa literatura ser escassa nesse assunto. Em 1967, Marly Guimarães Froes Peixoto contribuiu com um trabalho precursor, quando retornou de cursos na Itália e na França, divulgando relevantes dados, elaborando um rico documento sobre a psicomotricidade (1967). Um ano depois (1968), em Belo Horizonte, introduz- se a Reeducação Psicomotora, em que a avaliação psicomotora foi introduzida como parte do diagnóstico psico-pedagógico. Em 1968, Simonne Ramain traz ao Brasil o método Ramain, iniciando a primeira formação no Brasil. Esse curso tinha duração de três anos e contemplava práticas vivenciais e técnicas com estágio. O livro Distúrbios neuróticos da criança foi publicado por Grünspun em 1976, no qual cinquenta páginas de um só capítulo foram dedicadas aos distúrbios da psicomotricidade. Um fato importante também veio com a contribuição de Antonio Lefebvre, neuropsiquiatra, que realizou um trabalho com crianças brasileiras, publicando posteriormente uma escala de desenvolvimento psicomotor, utilizando em sua pesquisa o público infantil na faixa de 3 a 7 anos. Em São Paulo no Sedes Sapientiae, ocorreu a inclusão de atividades psicomotoras na clínica infantil do curso de Psicologia, conduzidas por Ana Maria Poppovic, em 1953. Em 1969 foi incluída no currículo a disciplina “Psicomotricidade”, tendo como professora Berenice Villela de Andrade. 2.4 EVOLUÇÃO E ECLOSÃO DA PSICOMOTRICIDADE NO BRASIL A psicomotricidade teve sua eclosão aqui no Brasil no início da década de 70, quando foram destacadas suas tendências, uma generalista, que consistia em práticas motoras na área da educação ou reeducação da abordagem corporal. A outra abordagem diz respeito às correntes que aplicavam métodos ou linhas de trabalho, resultado dos cursos iniciais, nos quais eram utilizados métodos Ramain, Le Boulch, Picq & Vayer, Hughette Bucher e Dalila Costallat. Havia profi ssionais que faziama opção por linhas ecléticas, utilizando partes de várias correntes. Regina Morizot (ABP, 2019) cita que nessa década o acesso à área da psicomotricidade era muito limitado e as informações eram apenas obtidas por profi ssionais em seu retorno a cursos no exterior. Mesmo assim, houve a eclosão da prática no país, em que a tônica designava que qualquer abordagem corporal era considerada como psicomotricidade (ABP, 2019; MORIZOT, 2019). O quadro a seguir retrata alguns marcos da evolução da Ppicomotricidade no Brasil. 17 PSICOMOTRICIDADE Capítulo 1 QUADRO 1 – MARCOS DA EVOLUÇÃO DA PSICOMOTRICIDADE NO BRASIL ANO EVOLUÇÃO 1970 Subdivisão da disciplina de Psicomotricidade em I e II. Psicomotricidade I, lecionada por Stella Leme Sampaio, com conteúdo programático: Psicomotricidade I: Lateralidade; Desenvolvimento motor; Mensuração de orientação espacial e temporal; Noção evolutiva do esquema corporal; Problemas de linguagem. Psicomotricidade II: diferentes tratamentos, materiais e instrumentos utilizados no trabalho com crianças, adolescentes e adultos. 1976 Françoise Desobeau, uma das fundadoras da Sociedade Internacional de Terapia Psicomotora, realiza um curso no Rio de Janeiro, sendo um marco revolucionário, introduzindo outra ótica da prática: a terapia psicomotora. 1977 Beatriz Sabóia é titulada pela Sociedade Internacional de Terapia Psicomotora, cumprindo todas as normas e exigências de uma Banca Internacional, sendo reconhecida ofi cialmente como psicomotricista. 1979 1° Encontro Nacional de Psicomotricidade em São Paulo com a Dra. Soubiran e Dra. Costallat. 1980 Fundada a Sociedade Brasileira de Terapia Psicomotora, na Clínica Beatriz Sabóia no Rio de Janeiro. 1982 A Sociedade efetiva os primeiros sócios titulares, com a inclusão de currículo e monografi a, apresentada a uma banca formada pelo Conselho; realização do I Congresso Brasileiro de Psicomotricidade no estado do Rio de Janeiro. 1983 Realizado o primeiro Curso de Pós-Graduação em Psicomotricidade no Instituto Brasileiro de Medicina e de Reabilitação (IBMR/RJ). 1984 II Congresso Brasileiro de Psicomotricidade foi em Belo Horizonte com otema: Corpo Integrado. 1986 Iniciados Cursos de Pós-Graduação em Psicomotricidade na Faculdade Estácio de Sá e um Curso de Educação e Reeducação como Especialização em Terapia Psicomotora na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). 1990 Autorizada e reconhecida pelo MEC a primeira Graduação em Psicomotricidade, com a duração de quatro (4) anos, no Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação (IBMR-RJ). SócioPsicomotricidade Ramain – Thiers criou sua formação que se transformou logo em especialização, no Rio de Janeiro. 1991 Solange Thiers desenvolveu uma teoria, fruto de muita experiência, estudos e pesquisas e apresentou ao mundo científi co a SocioPsicomotricidade Ramain –Thiers. 1998 A Psicomotricidade Aquática é desenvolvida e coordenada por Jocian Machado Bueno, em Curitiba e Fortaleza. 2000 A TransPsicomotricidade é desenvolvida por Marta Lovisaro e Carlos Eduardo Costa, sediada na UERJ(R.J.). 2004 Formação em Psicomotricidade: Multiplicidades do Cuidar, coordenada por Etelvina França e Vânia Belli, com sede na Clínica Agathon, no Rio de Janeiro. 2005 II Seminário Mineiro de Psicomotricidade: Interfaces da Psicomotricidade. 2009 III Seminário Mineiro de Psicomotricidade: Imagem Corporal na Contemporaneidade: o brincar e a virtualidade. 2013 Presença do psicomotricista Ricardo Alves com o curso: Jogo Psicomotor na Educação e lançamento de seu livro: O corpo do Professor. 2017 Psicomotricidade Heurística, coordenada por Martha Lovisaro, Lecy Consuelo Neves e Claudia Lovisaro, no Rio de Janeiro. Curumin, formação desenvolvida e coordenada por Ricardo Alves e Sabrina Toledo, no Rio de Janeiro. 2018 Aión, formação criada e coordenada por Marcelo Antunes, no Rio de Janeiro. O plenário da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de Lei nº 795/03, regularizando a profi ssão do psicomotricista. FONTE: Adaptado de ABP (2019) e Morizot (2019) 18 Fundamentos da Psicomotricidade Como você pôde acompanhar, neste tópico pudemos nos remeter à história, trazendo uma abordagem sobre conceitos da psicomotricidade sob o ponto de vista de alguns autores. A história da psicomotricidade no Brasil e no mundo se fez emergente sob a infl uência de vários de seus teóricos, que contribuíram para sua evolução e importância nos dias de hoje. Alguns marcos dessa história foram destacados, objetivando que você possa ter a compreensão de todos os fatos que a colocam hoje como uma ciência, aliada ao pleno desenvolvimento infantil. 3 PRINCIPAIS TEÓRICOS E FUNDAMENTOS EM PSICOMOTRICIDADE A psicomotricidade, como toda área da ciência, vem sofrendo, com o passar dos anos, até se consolidar, distintas infl uências científi cas e a contribuição de vários campos do conhecimento. Foram surgindo, então, teorias e práticas objetivando o trabalho e a compreensão do corpo. É necessário que você compreenda que não se pode entender o movimento apenas por um ponto de vista anatômico, fi siológico, psicológico ou social, mas como uma dimensão holística, associada a um conjunto de conhecimentos interdisciplinares e sistêmicos que associam as estruturas biológicas, psíquicas e relacionais. Vamos agora fazer uma abordagem para que possamos adquirir conhecimentos que nos permitam construir um modelo teórico que dê legitimidade científi ca à psicomotricidade. São relevantes, para esse constructo, os seguintes aspectos (FERNANDES; GUTIERRES FILHO, 2012): • A descoberta, pelos neurologistas, de problemas psicomotores, quando perceberam que alguns sintomas de expressão motora, comuns a determinadas lesões corticais, também teriam a chance de ser detectados em pessoas fi siologicamente sãs, associando-os, assim, a questões psicológicas e à noção de problemas psicomotores. • A aquisição de conhecimentos oriundos da circunstância do hospitalismo, como pelo desenvolvimento das teorias da vinculação, que mostram o fundamental papel da ligação afetiva da criança com a mãe, bem como consequências de carências afetivas. • A inteligência ter origem na ação que se fundamenta na teoria de Piaget ao demonstrar como a inteligência é um processo progressivo de assimilação e acomodação ao envolvimento, indo desde os primeiros gestos refl exos até o pensamento hipotético e dedutivo na adolescência, tendo como estrutura-base a iniciativa motora exploratória da criança. Sobre os termos citados, a assimilaç ã o sugere um processo de 19 PSICOMOTRICIDADE Capítulo 1 A linguagem ou diálogo tônico-emocional, encontrado nos trabalhos de Wallon e Ajuriaguerra, consiste em um dos elementos mais importantes da prática psicomotora e que lhe confere maior especifi cidade. Note que a tonicidade consiste em uma função indispensável para o alerta e a vigilância, assegurando condições seletivas e energéticas. Sem elas, nenhuma atividade mental seria executada. No contexto da organização da psicomotricidade, a tonicidade é o seu alicerce primordial, garantindo atitudes, posturas, mímicas e emoções, de onde surgem todas as atividades motoras humanas. Saiba, portanto, que ela faz parte da primeira unidade do modelo de organização funcional do cérebro humano de Lúria, que consiste na unidade de regulação tônica de alerta e dos estados mentais. Alexander Romanovich Luria é um neuropsicólogo russo, que, sem dúvida, é um dos expoentes do século XX em pesquisas para a compreensão dos processos psíquicos. Para que você aprofunde seus estudos sobre o diálogo tônico-emocional, indicamos que futuramente faça as seguintes leituras: MARTINS, Rui Fernando Roque. O diálogo tónico-emocional na intervenção e na formação do psicomotricista. Dissertação de Mestrado em Reabilitação Psicomotora. Universidade de Lisboa. Faculdade de Motricidade Humana. Rui Dias Florêncio, 2018. Disponível em: https:// www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/15160/1/2018_%20Mestrado%20O%20Dia%CC%81logo%20To%CC%81nico-Emocional%20na%20 Interven%C3%A7%C3%A3oe%20na%20forma%C3%A7%C3%A3o%2- 0da%20psicomotricidade_%20Flor%C3%AAncio%2C%20Rui.pdf. Acesso em: 8 jul. 2020. FONSECA, Vitor da. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem [recurso eletrô nico]. Porto Alegre: Artmed, 2008. pp. 41-55. adaptaç ã o dos estí mulos externos às estruturas mentais internas do sujeito, enquanto a acomodaç ã o sugere um processo complementar de adaptar essas estruturas mentais à estrutura dos mesmos estí mulos. • A linguagem tônico-emocional de Wallon, sendo essa fundamental para o desenvolvimento da psique da criança, tendo sua origem nas primeiras trocas tônico-emocionais com a mãe ou seu substituto. 20 Fundamentos da Psicomotricidade 3.1 PRINCIPAIS TEÓRICOS DA PSICOMOTRICIDADE Como um dos principais teóricos da psicomotricidade apontamos Henri Wallon (1879-1962). Vamos então partir para um estudo sobre as teorias dele. Nasceu em Paris e iniciou sua vida profi ssional com a fi losofi a e a medicina psiquiátrica. Revolucionou vários conceitos da época, tendo sido consagrado com a psicologia e a quebra de paradigmas sobre educação convencional. Em sua teoria pedagógica, afi rma que, para que haja desenvolvimento intelectual, há necessidade da interação afetiva, movimento, inteligência e formação do eu como pessoa, ou seja, não basta apenas de um simples cérebro (SANTOS, 2011). Com relação aos esquemas ciberné ticos e triunfais desenvolvidos por Piaget, conforme veremos adiante, Wallon contrapõ e uma maneira de pensar a crianç a e o seu desenvolvimento em uma perspectiva dialé tica de globalidade- unidade (FONSECA, 2008). Portanto, saiba que vários autores ligados a obra dele, como Zazzo, consideram a obra de Wallon como um dos melhores meios de estudo e de aná lise para a compreensão do desenvolvimento biopsicossocial da crianç a (FONSECA, 2008). “Para Wallon, o estudo da crianç a nã o é apenas um instrumento para a compreensã o do psiquismo humano, mas també m um modo particularmente privilegiado para contribuir para a sua educaç ã o” (FONSECA, 2008, p. 12). Defende que a infâ ncia é uma idade ú nica e fecunda para a compreensão da natureza humana, em que o atendimento é a tarefa primordial da educaç ã o. Sua preocupaç ã o pedagó gica é extremamente forte e concreta, motivo pelo qual sua obra é muito importante para a psicomotricidade. No pensamento Wallonriano, torna-se impossí vel dissociar a aç ã o da representaç ã o, a tonicidade da emoç ã o, o gesto da palavra, o psiquismo do motor, ao passo que esta é o resultado da inteligê ncia das circunstâncias. Esse autor nos remete às contradiç õ es e à versatilidade mental como as expressõ es da dialé tica da personalidade da crianç a. Portanto, Wallon confere a sua teoria uma dimensã o dialé tica que reside entre o orgâ nico e o social, entre o indiví duo e a sociedade, entre o corpo e o cé rebro, entre o psí quico e o motor, entre o emocional e o racional. Para Wallon, portanto, o objetivo da psicologia é acabar de vez com os “clá ssicos dualismos” corpo-alma, indiví duo-sociedade, bioló gico-social, natura- cultura etc. (FONSECA, 2008; SANTOS, 2011). São alguns p relú dios psicomotores do pensamento de Wallon (FONSECA, 2008): • Motricidade: no decorrer do desenvolvimento intrauterino e após o nascimento, ela é uma das mais ricas maneiras de se interagir com o envolvimento externo, sendo um instrumento privilegiado de comunicaç ã o da vida psí quica. Por meio dela, a crianç a expressa suas necessidades 21 PSICOMOTRICIDADE Capítulo 1 neurovegetativas de bem ou mal-estar, contendo em si uma abordagem afetiva e de interação, traduzida em comunicaç ã o somá tica nã o-verbal bastante complexa, muito prévia ao surgimento da linguagem verbal propriamente dita. • Simbiose fi sioló gica: o bebê inicia mergulhado em uma absoluta dependência social, dependendo da intencionalidade vigilante do adulto que o cerca, sem o qual a sua pró pria sobrevivê ncia poderia ser colocada em risco. Essa fase é denominada pelo autor como simbiose fi sioló gica, na qual o bebê nã o é capaz de distinguir suas necessidades de sobrevivê ncia com respostas motoras adaptativas que permitam satisfazê -las. Essa simbiose tem sua compensação na simbiose afetiva segura, executada pelos adultos experientes e estes sim podem realizar respostas motoras prontas e efi cazes, em que a signifi caç ã o afetiva securizante é de uma enorme relevância relacional e emocional, provocando entre o adulto e a crianç a (ser experiente e o ser inexperiente) uma relaç ã o íntima e profunda. • Hipotonicidade: anteriormente à aquisição da motricidade autô noma, o bebê apresenta uma motricidade relacional, um diá logo tô nico que cria vínculos e um contá gio emocional bastante intensos, contrastando então com uma inaptidã o total. É nessa fase que a hipotonicidade que caracteriza os mú sculos da coluna vertebral e do controle da cabeç a são condicionantes para toda a motricidade, partindo de um equilí brio fundamentalmente co-equilibrado pelos outros, o qual se identifi ca descontí nuo e sincré tico em muitas das suas manifestaç õ es. Sincré tico: que foca a totalidade, o conjunto, o global, o indiferenciado. É uma síntese de elementos diferentes que possuem sua origem em pontos de vista, teorias fi losófi cas ou visões de mundo distintas. • Deslocamentos ativos ou autó genos: A partir dos deslocamentos exó genos vã o emergir, de forma endó gena e neurologicamente integrada, os deslocamentos autó genos, que se apresentam como respostas e reaç õ es do pró prio corpo para com o mundo exterior. A integraç ã o sensorial proprioceptiva cede espaço à integraç ã o e à produç ã o de posturas e de movimentos do corpo no espaç o, estando incluída aqui a interaç ã o com o mundo dos outros e dos objetos. 22 Fundamentos da Psicomotricidade Em todos estes deslocamentos, os sentidos tá til-cinesté sico e vestibular adotam papé is preferenciais da interaç ã o com o mundo, culminando em apropriar-se em defi nitivo da postura bí pede e preensã o, sugerindo uma transiç ã o autô noma que passa da vinculaç ã o dependente anterior à desvinculaç ã o independente posterior, conferindo à motricidade e à aç ã o a funç ã o de construç ã o do psiquismo e da percepç ã o (FONSECA, 2008, p. 17). • Deslocamentos prá xicos: os deslocamentos prá xicos, também denominados como deslocamentos dos segmentos corporais, baseia-se no diá logo entre si e o meio, cada vez mais distinto e com respostas da totalidade do corpo, com integrações de puras atitudes gestuais e mí micas, concretizando o que foi adquirido nos primeiros há bitos sociais, permitindo funç õ es criadoras e construtivas, co-criadoras e co-construtivas das coordenaç õ es e das aprendzagens psicomotoras. A integraç ã o sensorial exteroceptiva diverge das anteriores, visto agora se projetar a exploraç ã o, na descoberta e no conhecimento do mundo exterior, ao invés do mundo interior do eu corporal. Essa integração está centrada em telerreceptores auditivos e visuais, possibilitando que os deslocamentos locomotores do corpo no espaç o e os deslocamentos preensores da mã o com os objetos forneçam à crianç a uma nova concepç ã o de si mesma e da realidade. • Integraç ã o sensorial proprioceptiva e exteroceptiva: saiba você que Wallon é um dos primeiros autores europeus que vai em busca de uma justifi cativa neuropsicoló gica, em termos de comportamento e neurofi sioló gica para a funç ã o tô nica. Sem sombra de dúvidas, Wallon é o precursor das relaç õ es entre a funç ã o tô nica, a expressã o emocional, o comportamento e a aprendizagem humana e que o tô nus é o suporte e a segurança da motricidade e que a sua expressã o nos estados de hipertonia, hipotonia, paratonia, distonia, eutonia etc. é a representação da acomodaç ã o perceptiva e expressiva da sua afetividade. • Dados interoceptivos, proprioceptivose exteroceptivos: Wallon defende a premissa que a coordenaç ã o/motricidade frente a uma resposta ao meio se baseia na integraç ã o das reaç õ es interoceptivas, que posteriormente vã o se basear nas reaç õ es proprioceptivas, que, por sua vez, irão preparar as reaç õ es exteroceptivas. O quadro a seguir descreve sistemas e ações que exemplifi cam essas reações. 23 PSICOMOTRICIDADE Capítulo 1 QUADRO 2 – REAÇÕES E RESPECTIVAS AÇÕES Reações / sistemas Ações Interoceptivas (Sistemas Interoceptivos Subentendem os mecanismos fi logené ticos de sobrevivê ncia pré - fi gurando a memó ria da espé cie humana). Sucç ã o, deglutiç ã o, nutriç ã o, respiraç ã o, eliminaç ã o, vigilâ ncia, bem-estar etc. Proprioceptivas (Sistema Proprioceptivo - os sentidos vestibular e tá til-cinesté sicos assumem a preferê ncia na interaç ã o com o mundo exterior, culminando na apropriaç ã o da postura bí pede e da preensã o. Interaç ã o mã e-fi lho, diá logo tô nico- emocional, conforto tá til, atenç ã o visual sustentada, seguranç a vestibular e gravitacional, posturas, atitudes etc. Exteroceptivas (Sistemas Exteroceptivos – as aquisiç õ es motoras sã o neurologicamente assumidas, as redes siná pticas e o crescimento axo-dendrí tico orienta já a crianç a para as funç õ es pré -simbó licas). Exploraç ã o de objetos, comunicaç ã o e interaç ã o, jogo, praxias etc. FONTE: Adaptado de <https://www.larpsi.com.br/media/ mconnect_uploadfi les/c/a/cap_01_82_.pd>. A fi gura a seguir ilustra o sistema de integração psicomotora, citado no Quadro 2. FIGURA 1 – SISTEMA DE INTEGRAÇÃO PSICOMOTORA FONTE: Fonseca (2008, p. 20) • Evoluç ã o da psicomotricidade: Wallon processa a evoluç ã o da crianç a sob uma dialé tica de desenvolvimento em que se apresentam fatores metabó licos, 24 Fundamentos da Psicomotricidade morfoló gicos, psicotô nicos, psicoemocionais, psicomotores e psicossociais. Vamos aqui ressaltar os aspectos psicomotores mais especí fi cos, em que Wallon destaca os seguintes está dios (propostos por ele): impulsivo, tô nico- emocional, sensó rio-motor, projetivo, personalí stico, da puberdade e da adolescê ncia. No quadro a seguir vejamos cada qual de maneira resumida. QUADRO 3 – ESTÁDIOS DO DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR Estádio Características Está dio impulsivo (recé m-nascido) Os movimentos e os refl exos se apresentam como simples descargas de energia muscular, nos quais reaç õ es tô nicas e clô nicas se apresentam sob a forma de espasmos descoordenados sem signifi cado ou intenç ã o. Está dio tô nico- emocional (dos 6 aos 12 meses) A consciê ncia demonstra suas primeiras aquisiç õ es que, embora ainda sincré ticas e confusas, anunciam a chegada do movimento signifi cativo, isto é , do movimento para alguma coisa e para algum fi m. O movimento emerge como um dos principais meios de comunicaç ã o da vida psí quica do bebê , visto ser por meio dele que ocorre o relacionamento e a interação com o envolvimento exterior, quer das coisas quer das pessoas. Está dio sensó rio-motor (dos 12 aos 24 meses) Aumentam e multiplicam-se as relaç õ es da crianç a com o seu ambiente, sendo assim a maturidade na organizaç ã o das suas sensaç õ es, aç õ es e emoç õ es, do está dio anterior impulsivo e dependente do outro, passa a novos encadeamentos de causa e efeito, provocando no outro novas disposiç õ es para satisfazer as suas necessidades. Está dio projetivo (dos 2 aos 3 anos) A percepç ã o dos objetos e a sua descoberta pela respectiva manipulaç ã o (Wallon 1958, 1959, 1963, 1969) torna possí vel a organizaç ã o das primeiras representaç õ es, verdadeiras intenç õ es gestuais e fi guraç õ es motrizes baseadas nas mú ltiplas associaç õ es sensó rio-motoras adquiridas. A atitude postural adquire, neste está dio, a sua verdadeira autonomia, com uma seguranç a gravitacional emocionalmente projetada no mundo, o que lhe proporciona maior disponibilidade para a conquista do real. Está dio personalí stico (dos 3 aos 4 anos) Está voltado para a pessoa e o enriquecimento do eu, com a construç ã o da personalidade, em que a consciê ncia corporal adquirida paulatinamente ao longo dos está dios anteriores e a aquisiç ã o da linguagem se tornam os principais componentes integrados. Está dio categorial (dos 6 aos 11 anos) Marca uma separaç ã o mais ní tida entre o eu e o nã o eu e concomitantes subuniversos. A diferenciaç ã o internalizada entre o espaç o subjetivo e o objetivo leva igualmente à separaç ã o do outro de forma mais consistente e nã o tã o dependente ou confusional, dando iní cio a uma relaç ã o com os outros e com os objetos mais independente. Está dio da puberdade e da adolescê ncia A “crise da puberdade” registra a passagem da infâ ncia à adolescê ncia, visí vel em termos somá ticos e bioló gicos, em que se operam transformações evolutivas signifi cativas, como em termos psicoló gicos e sociais. A intensidade e o volume dos seus efeitos irão variar muito com a cultura e a é poca em que o jovem estará inserido. Complexas transformaç õ es somá ticas e modifi caç õ es psicofi sioló gicas decorrentes da maturaç ã o sexual irão novamente ocorrer no tripé motor-afetivo-cognitivo. FONTE: Adaptado de Fonseca (2008) 25 PSICOMOTRICIDADE Capítulo 1 FIGURA 2 – ESTÁDIOS DO DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR POR WALLON (1945) FONTE: Fonseca (2008, p. 37) A psicogené tica walloniana nos retrata uma perspectiva dialé tica do desenvolvimento da pessoa em sua totalidade, em que o motor, o afetivo e o cognitivo interagem com coerência ao longo da ontogê nese. Nessa óptica multifuncional, a dimensã o bioló gica do ser humano já é social, visto o bioló gico ser geneticamente social. Partindo dessa premissa é que o psí quico assume simultaneamente o social e o bioló gico e só internamente a esta integraç ã o e interaç ã o de elementos pode-se entender a natureza biopsicossocial do ser humano. Passamos agora aos estudos do teórico Eduard Guilman (1901-1983), médico neurologista, que tem a base de seu estímulo calcada nas pesquisas de Henri Wallon. Inicia a prática psicomotora, direcionando os estudos sobre a reeducação psicomotora por meio do desenvolvimento de um exame com o intuito de estabelecer um diagnóstico, a indicação de um tratamento terapêutico e um prognóstico. O teórico acreditava que os distúrbios de comportamento apresentavam na reeducação psicomotora o tratamento indicado. As fi nalidades dessa reeducação eram apontadas para três linhas de ação, a saber: por meio de exercícios de atitudes reeducar a atividade tônica, de equilíbrio e de mímica; por meio do exercício de dissociação e a coordenação motora melhorar a atividade de relação, sendo o lúdico sua ferramenta de apoio; desenvolver o controle motor (SANTOS, 2011). Agora faremos uma abordagem sobre o teórico Julian de Ajuriaguerra (1911- 1993), mé dico formado na Franç a, mundialmente reconhecido pelos seus trabalhos no contexto da neurofi siologia e neuropatologia e, fundamentalmente, no campo 26 Fundamentos da Psicomotricidade que interessa mais à teoria da psicomotricidade, ou seja, o da neuropsiquiatria infantil. Nã o podemos protelar por mais tempo uma primeira abordagem da perspectiva multifacetada desse autor. Ele nos permite completar e concretizar um sentido multi e transdisciplinar da psicomotricidade, que devemos agora entender ser hoje indispensá vel a todos os especialistas em desenvolvimento humano, quando aqui a questão é o estudo, compreensã o, caracterizaç ã o e intervenç ã o sobre a personalidade total, completa e evolutiva da crianç a e do jovem. Esse teórico aprofundou seus estudos no âmbito da patologia, descrevendo de maneira objetiva os transtornos psicomotores que se situam entre o neurológico e o psiquiátrico, com uma nova redefi nição sobre o conceito de debilidade motora quando a considera uma síndrome com todas as suas particularidades. Suaatuação é maior na neuropsiquiatria infantil, atrelando o desenvolvimento infantil ao neurológico (FONSECA, 2008; SANTOS, 2011). Precisamos ressaltar que, em sua trajetória, calcado em suas teorias, pesquisas e experiências clínicas, elimina defi nitivamente o dualismo cartesiano da psico-motricidade, em que a grafi a da palavra perde o hífen, cedendo lugar a um novo grafi smo: psicomotricidade. Os trabalhos desse autor contextualizam (FONSECA, 2008): 1. Esquema corporal: é a representação global que se tem do próprio corpo, situando-se em um plano mais neurofuncional. Envolve integraç ã o neuroló gica de posturas e de programas motores, interagindo com a percepç ã o espacial de objetos. É um subsistema necessá rio à realizaçã o da aç ã o, sendo a imagem mental do corpo registrada no â mbito cerebral, mais exatamente no â mbito parietal, visto o lobo parietal apresentar como funções a integraç ã o das percepç õ es e a elaboraç ã o das respectivas praxias. 2. Imagem do corpo: traduz-se como uma expressã o com maior foco na abstraç ã o e na representaç ã o consciente e inconsciente, envolvendo a autopercepç ã o. É uma expressã o que enfatiza a abstraç ã o e representaç ã o inconsciente e consciente do corpo. Além da autopercepç ã o, envolve o autoconceito conceitualizado, a pró pria noç ã o do eu, denominado como self, o indivíduo de emoç õ es vividas e integradas à atitude. 3. Membro fantasma: revela a persistê ncia alucinató ria, a ilusã o dolorosa, a representaç ã o mental de membro ou membros ausentes ou desenervados (Figura 1), sensação experienciada pelo indivíduo amputado apó s situaç ã o traumá tica. A ilusã o do membro fantasma no amputado refl ete a persistê ncia no indiví duo da consciê ncia do corpo na sua totalidade, não importando a subtraç ã o ou a diminuiç ã o anatô mica ou fí sica ocorrida ou existente, em situações de agenesia (ausência congênita completa ou parcial de um órgão ou tecido). 27 PSICOMOTRICIDADE Capítulo 1 FIGURA 3 – REPRESENTAÇÃO DO HOMÚNCULO SENSORIAL FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:1421_Sensory_ Homunculus_-_PT.png>. Acesso em: 8 jul. 2020. 4. Anosognosia: refere-se ao desconhecimento ou negligê ncia de membros hemiplé gicos, em detrimento a lesã o hemisfé rica. São exemplos de anosognosia o não reconhecimento da paralisia de um hemicorpo; a não aceitação em reconhecer um distúrbio corporal. 28 Fundamentos da Psicomotricidade FIGURA 4 – ÁREAS AGNÓSICAS HEMISFERIAISDIREITA E ESQUERDA FONTE: Fonseca (2008, p. 112) 5. Somatognosia: é sinônimo de noção corporal, que nada mais é do que o conhecimento das partes do corpo. É uma noç ã o criada e proposta pelo pró prio Ajuriaguerra, que incorpora a ontogê nese da psicomotricidade e da aprendizagem. Ajuriaguerra a compreende como a tomada de consciê ncia do corpo tanto em sua totalidade como em suas respectivas partes, apresentando ligação e interrelação com a evoluç ã o dos movimentos intencionais, ou seja, a tomada de consciê ncia do corpo como realidade vivida e convivida (FONSECA, 2008). 29 PSICOMOTRICIDADE Capítulo 1 FIGURA 5 – SOMATOGNOSIA FONTE: Fonseca (2008, p. 110) Ontogênese (ou ontogenia) diz respeito à origem e ao desenvolvimento de um organismo, sendo comum falar em ontogenia em referência ao período que vai do momento da fertilização do ovo até que o organismo alcance sua forma madura e completamente desenvolvida. Dando prosseguimento aos nossos estudos sobre os teóricos da psicomotricidade, passamos então a falar sobre Jean Piaget (1896-1980), fi gura central na teoria cognitivo-desenvolvimental. Seu nome soa como grande infl uente no campo da educação durante a segunda metade do século 20, ao ponto de praticamente se tornar sinônimo de pedagogia. Não existe, entretanto, um método Piaget, como ele próprio gostava de frisar. Piaget nunca atuou como pedagogo. Antes de mais nada, Piaget foi biólogo, tendo dedicado a vida dele a submeter à observação científi ca rigorosa o processo de aquisição de conhecimento pelo ser humano, particularmente pela criança (FERRARI, 2008). Suas descobertas tiveram forte impacto na pedagogia, entretanto, de alguma maneira, demonstraram que transmitir conhecimentos é uma limitada 30 Fundamentos da Psicomotricidade possibilidade. Acreditava que não é possível fazer com que uma criança aprenda o que ainda não apresenta condições de absorver e, mesmo que apresente condições, só se interessará por aquilo que lhe faça falta em termos cognitivos (FERRARI, 2008). Para o cientista suíço, isso ocorre porque o conhecimento ocorre por descobertas que a própria criança faz, mecanismo este que outros pensadores anteriormente a ele já haviam intuído, no entanto, ele submeteu esse feito à comprovação na prática. Piaget observa que todas as crianç as parecem passar pelos mesmos tipos de descobertas sequenciais sobre seu mundo, cometendo os mesmos tipos de erros e chegando às mesmas conclusõ es. Esse suíço, doutor em ciências naturais, é considerado um dos grandes detentores do conhecimento do desenvolvimento cognitivo, tornando-se um dos mais respeitáveis representantes da psicologia da aprendizagem e do desenvolvimento, demolindo o que era considerado como padrão educacional de sua época. Durante sua trajetória, pesquisou e observou o processo de aquisição do conhecimento. Inserido em criteriosa metodologia científi ca, explicava o desenvolvimento da inteligência nas pessoas, enfatizando a fase infantil, motivo pelo qual sua ciência é denominada de Epistemologia Genética, sendo considerado pela fundamentação de sua teoria como o “pai do construtivismo”. O teórico compreende que, desde o nascimento até o início da adolescência, o pensamento infantil passa por quatro estágios, os quais fi ndam quando se atinge o alcance da capacidade plena de raciocínio (BEE; BOYD, 2011). Piaget defende a identidade e a continuidade dos vá rios perí odos do desenvolvimento, enquanto Wallon encara e pesquisa as diferenç as e as descontinuidades desses períodos. Aponta como objetivo atingir, ao contrá rio de Wallon e també m de Vygotsky, a lei geral do pensamento, considerando a inteligê ncia como uma forma superior de adaptaç ã o bioló gica, nã o especifi cando como ela decorre igualmente do surgimento de processos de adaptaç ã o de inequí voca origem social (BEE; BOYD, 2011, p. 12). Nesta contextualização sobre inteligência e os processos de adaptação, o meio ambiente transforma-se em agente do desenvolvimento do intelecto, ao passo em que oferta exercícios e estímulos, que irão potencializar a inteligência, afi rmando que a inteligência humana pode e necessita ser exercitada para que possa ser aperfeiçoada e assim possa evoluir. A tradução de sua teoria fornece a compreensão que é por meio do simbólico e dos movimentos corporais que o intelecto atua, sendo que sua construção começa partindo da atividade motora da criança, aproximadamente e primordialmente nos primeiros sete anos de vida. Dessa maneira, o teórico compreende o corpo como um instrumento da inteligência, levando em consideração que a interferência da motricidade no intelecto ocorre anteriormente à aquisição da linguagem. Partindo dessa premissa, 31 PSICOMOTRICIDADE Capítulo 1 a função tônica e a coordenação dos esquemas terão reconhecimento da psicologia para que se torne objeto de estudo. Nesse contexto, a teoria genética de Jean Piaget está fortalecida e passa a ter sua extensão para a educação sob a denominação Construtivismo Piagetiano (FON SECA, 2008; BEE; BOYD, 2011). O termo intelecto é defi nido como inteligência e a inteligência como a capacidade ou faculdade do aprendizado, compreensão ou fácil adaptação. Está relacionado ao cognitivo, que está relacionado ao movimento para o estabelecimento da comunicação com o meio. A teoria de Wallon atribui à maturação e aprendizagem um processo de desenvolvimentodo intelecto, enriquecidas pelo intercâmbio emocional e a comunicação com o outro. • Construtivismo piagetiano Piaget defi ne quatro conceitos como básicos no processo de desenvolvimento infantil e intelectual, conforme é ilustrado no quadro a seguir. QUADRO 4 – CONCEITOS BÁSICOS NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO INFANTIL E INTELECTUAL Conceito Processo de desenvolvimento Assimilação Como assimilação defi ne-se a capacidade do indivíduo na incorporação de uma ideia ou um novo objeto ou ideia em estruturas já consolidadas ou já construídas pela criança. Subjetiva, a assimilação é um termo que faz alusão a uma parte do processo de adaptação do ser humano. Acomodação O indivíduo após assimilar as características externas, as acomoda para suportar as pressões do ambiente. Portanto, a acomodação seria uma tendência orgânica para ajustar-se a um novo objeto, uma reestruturação da assimilação Esquemas de ação São maneiras de como o indivíduo interage com o mundo, organizando em sua mente a realidade para poder compreendê-la, desenvolvendo então a inteligência. Partindo da assimilação e acomodação, a criança apresenta comportamentos baseados em refl exos, podendo-se observar que o movimento, um dos conhecimentos básicos da psicomotricidade, é a primeira forma de comunicação do indivíduo, relacionando ao desenvolvimento da psicomotricidade. Esses refl exos são transformados posteriormente, segundo Piaget, em esquemas de ação. Equilibração Forma de adaptação que procura maximizar as interações organismo-meio através da construção de novos instrumentos de compreensão e ação sobre a realidade. Trata-se de um ponto de equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, sendo considerada como um mecanismo auto-regulador, primordial para garantir à criança uma interação efi ciente dela com o meio-ambiente. FONTE: Adaptado de Gross (2020) 32 Fundamentos da Psicomotricidade Sugiro a você que faça uma pesquisa sobre refl exos primitivos, que são respostas automáticas e estereotipadas apresentadas frente a um determinado estímulo externo. Eles fazem-se presentes no nascimento, devendo ser inibidos ao longo dos primeiros meses, quando há o surgimento dos refl exos posturais. Essa pesquisa faz- se relevante visto a presença destes refl exos mostrar integridade do sistema nervoso central. Já a sua persistência mostra disfunção neurológica. Para que você possa aprofundar seus conhecimentos sobre refl exos primitivos, agregando maiores conhecimentos às teorias de Piaget, acesse o site: <https://www.fcm.unicamp.br/fcm/neuropediatria-conteudo- didatico/exame-neurologico/refl exos-primitivos>. • Os estágios de desenvolvimento segundo Piaget Vamos agora apresentar, segundo Piaget, os quatro períodos que marcam o desenvolvimento intelectual da criança, ou seja, os períodos no processo evolutivo da espécie humana, que o teórico classifi ca como “o que o indivíduo consegue fazer melhor”, em diferentes faixas etárias no decorrer de seu processo de desenvolvimento. São eles: • 1º período: sensório-motor (0 a 2 anos). • 2º período: pré-operatório (2 a 7 anos). • 3º período: operações concretas (7 aos 11 anos). • 4º período: operações formais (11 aos 15-16 anos). 1) Período sensório-motor (zero a dois anos, há literatura que faz essa referência de 3 a 7 anos): neste período, a inteligência sensório-motora apresenta como características a ausência de pensamento, representação ou linguagem. Saiba que nesse período a atividade intelectual é estritamente sensorial e motora quando 33 PSICOMOTRICIDADE Capítulo 1 há interação com o meio ambiente. Esse período se subdivide em seis subestádios, que serão abordados mais profundamente no Capítulo 2. São eles: o exercício dos refl exos (até 1 mês); as primeiras adaptações adquiridas e a reação circular primária (1 a 4 meses); as adaptações sensório-motoras intencionais e as reações circulares secundárias (4 a 8 meses); a coordenação dos esquemas secundários e sua aplicação às situações novas (8 a 12 Meses); a reação circular terciária e a descoberta dos meios novos por experimentação ativa (12 a 18 Meses); a invenção dos meios novos por combinação mental e a representação (18 a 24 meses) (FONSECA, 2008; SOUZA; WECHSLER, 2014). QUADRO 5 – SUB ESTÁGIOS DO PERÍODO SENSÓRIO-MOTOR Estágio Características Estágio refl exo Os efeitos da experiência estão centrados nos mecanismos providos de hereditariedade: sucção, preensão, choro etc. ainda que as aprendizagens estão ainda submetidas à esfera dos refl exos. Estágio das reações circulares primárias Tendência de exercitar os esquemas descobertos a partir dos refl exos e por meio de comportamento repetitivos. Os exercícios dos primeiros esquemas mentais são denominados reações circulares primárias, sendo que neste estágio as reações circulares estão centradas no corpo do bebê, como aprender a levar o dedo na boca. Estágio das reações circulares secundárias Elementos externos ao corpo do bebê passam a ser incorporados aos esquemas até então construídos. Há o início do engatinhar e manipular coisas com mais intensidade, sendo que as imitações passam a ser sistemáticas. O bebê torna-se capaz de produzir eventos interessantes descobertos, por acaso, o que envolve atividades de maior complexidade e intencionalidade. Estágio da coordenação dos esquemas secundários As atitudes do bebê objetivam uma meta pré-determinada, emergindo um comportamento instrumental e a busca ativa por objetos desaparecidos. O bebê tenta usar meios tais quais esquemas desenvolvidos em outras situações, generalizando padrões de comportamento previamente adquiridos, sendo que no decorrer das generalizações, os esquemas vão sendo modifi cados, porém o bebê apenas retém os que funcionam para remover o obstáculo. Estágio das reações circulares terciárias O bebê ou já aprendeu ou está aprendendo a andar, saindo em busca de novidades. Muda seu foco, não se atendo apenas na ação ou nos objetos que servem de meios para alcançar determinados fi ns, passando a ter curiosidade pelos objetos sob um outro ponto de vista. Coloca em prática, o ensaio-e-erro para a descoberta de propriedades dos objetos, enquanto vai acomodando seu próprio comportamento a eles e passa a assimilar novos esquemas sem difi culdade. Início da representação Transição para o próximo período de desenvolvimento, no qual a criança torna- se capaz de usar símbolos mentais e palavras para fazer referência a objetos ausentes. Esse fato representa a libertação do aqui e agora, introduzindo a criança no mundo das possibilidades. Por conta da capacidade desta representação mental, a criança pode elaborar a reconstrução de vários deslocamentos invisíveis do objeto, fase essa que revela o início da descentração. FONTE: O autor 34 Fundamentos da Psicomotricidade 1) Período pré-operatório (2 a 7 anos): após o estágio anterior (sensório- motor), dá-se sequência a esse estágio, que compreende a faixa etária de dois até aproximadamente sete anos. Há literatura que compreende esse período como de 3 a 7 anos. Saiba que aqui ocorre um grande avanço do desenvolvimento, visto estar nesse período o desenvolvimento da linguagem. Há, portanto, maior sociabilização, com intercomunicação, o que Piaget denominou de “socialização da ação”. Note que ainda existe o egocentrismo, em que é difícil (ou impossível) colocar de forma abstrata o ponto de vista de outro indivíduo, sendo que o mundo é contextualizado a partir da sua perspectiva. Podemos então afi rmar que a socialização é colocada pela metade, visto o egocentrismo da criança difi cultar a comunicação com o próximo. Podemos exemplifi car da seguinte forma, conforme o que Piaget denominou de “monólogos coletivos”: imagine você muitas crianças falando simultaneamente, sem que uma tenha compreensão da outra. Agora veja que interessante, na ótica do teórico, assim que a linguagem estiver mais aprimorada, ocorreráa fase dos “porquês”, que surge por volta de cinco anos e meio. Talvez você já tenha tido essa vivência, em que a criança quer que tudo tenha uma explicação, que nada acontece por acaso e que você não tem resposta para satisfazê-la, devido às perguntas serem sobre assuntos triviais (GOULART, 2005; SOUZA; WECHSLER, 2014). 2) O período operatório concreto (7-11 anos) e formal (11 a 15- 16 anos): período caracterizado por uma fase de transição entre a ação e as estruturas lógicas mais gerais, em que há duas ordens de operações: operações lógico-matemáticas e infralógicas. Há literatura que compreende estes estágios no período de 8 a 11 anos (concreto) e após os 12 anos (formal). Vamos descrever cada qual. Operações lógicas: apresentam como referência operações lógicas matemáticas, as quais Piaget denominou “agrupamentos”. Essas operações são detectadas durante dois períodos de desenvolvimento (GOULART, 2005; SOUZA; WECHSLER, 2014): a) Operatório concreto, em que as principais aquisições cognitivas matemáticas desenvolvidas residem na classifi cação e seriação, subsequentemente se desenvolvem a multiplicação lógica e compensação simples. Poderá haver aquisição de conhecimentos tais quais a consolidação e conservação de número, operações infralógicas que estão contextualizadas à conservação física, como peso, volume e substância. Pode-se também constituir o espaço, o qual lida com a conservação de comprimento, superfície, perímetros, horizontais e verticais, entre outras aquisições. Essas operações infralógicas e lógicas 35 PSICOMOTRICIDADE Capítulo 1 aparecem neste período, pois têm como base algo concreto. Note que aqui ainda não há formação para a capacidade de abstração, que ocorre somente no período operatório formal. É por esse motivo que este período é o penúltimo estágio para se desenvolver o nível mais alto de raciocínio: a abstração. b) Operatório formal, que ocorre a partir dos doze anos, em que já há formação do pensamento para abstrações. Aqui o indivíduo já é capaz de desenvolver maiores conhecimentos matemáticos. São exemplos a realização de compensações complexas, razão/proporção, seguida pela probabilidade e indução de leis ou correlação. As operações infralógicas, embora se desenvolvam paralelamente às operações lógico-matemáticas, apresentam algumas diferenças. Apresentam como propriedades características o apoio em objetos e fi guras contínuas, dependem da proximidade espaço-temporal, dependem da posição e distância dos objetos discretos que podem ser classifi cados e seriados. Conforme Piaget, a descrição em termos gerais do desenvolvimento das relações entre indivíduo e meio identifi ca que, na fase das operações concretas, as operações lógico-aritméticas e infralógicas se associam em sistemas de conjunto das transformações para que sejam realizadas atividades perceptivas, bem como outras atividades. Portanto, a representação oferece possibilidades para que a criança aprenda um conjunto das transformações e realize as atividades perceptivas e outras atividades, em nível de coordenação de pontos de vista ( GOULART, 2005; SOUZA; WECHSLER, 2014). Para que você aprimore seus conhecimentos referentes às operações infralógicas, leia a matéria O Estágio das Operações Concretas: Suas Características Mais Relevantes, acessando o site: <http://www.gestaouniversitaria.com.br/artigos/o-estagio-das- operacoes-concretas-suas-caracteristicas-mais-relevantes>. 36 Fundamentos da Psicomotricidade Passamos agora para a abordagem do teórico Lev Semyonovich Vygotsky (1896-1934), russo, estudioso em psicologia, considerado pertencente ao campo cognitivo-desenvolvimental devido ao fato de ter como primeira preocupação o entendimento das origens do conhecimento da crianç a. Vygotsky foi um pioneiro nas pesquisas das funções psíquicas superiores na antiga União Soviética. A teoria dele recebeu forte infl uência do Materialismo Histórico de Marx. Defendeu que as formas complexas de pensamento são geradas nas interações sociais e que a intervenção adulta é de suma importância nas aprendizagens infantis. O que então o diferenciava das teorias de Piaget? “Um aspecto fundamental: ele estava convencido de que formas complexas de pensamento tê m suas origens em interaç õ es sociais” ( BEE; BOYD, 2011, p. 37). Conforme o teórico, o aprendizado de novas habilidades cognitivas tem a condução de um adulto ou crianç a mais habilidosa, como um irmã o mais velho, que estrutura e modela a experiê ncia de aprendizagem da crianç a. Esse processo posteriormente foi denominado por Jerome Bruner como “andaimagem”. Vygotsky sugere que, para essa prática ser alcançada, há necessidade de orientaç ã o e denomina esse processo interativo como “zona de desenvolvimento proximal”, a qual constantemente é ampliada, sempre com a inclusão de tarefas mais difíceis (BEE; BOYD, 2011). O signifi cado do termo empregado por Vygotsky, em sua teoria, zona de desenvolvimento proximal, refere-se a gama de tarefas que sã o muito difí ceis para uma crianç a fazer sozinha, porém podendo ser executadas com sucesso por intermédio da orientaç ã o de um adulto ou de uma crianç a com maior experiência. Vygostsky era um dos teóricos adeptos das teorias cognitivo- desenvolvimentais, tal qual Piaget. Porém, haviam distinções entre o pensamento desses dois teóricos. No que consistiam essas distinções? Vale trazer aqui uma abordagem sobre as Teorias da aprendizagem, por representarem uma tradiç ã o teó rica bastante distinta daquelas apresentadas pelos teóricos cognitivo-desenvolvimentalistas, em que o enfoque é dado da maneira como o ambiente molda a crianç a do que em como a crianç a compreende suas experiê ncias. Esses teóricos, portanto, nã o trazem a concepção que a 37 PSICOMOTRICIDADE Capítulo 1 gené tica ou as tendê ncias inatas sã o relevantes, considerando o comportamento humano grandemente plá stico e podendo ser modelado por processos de aprendizagem previsí veis. São trê s teorias da aprendizagem importantes: o modelo de condicionamento clá ssico de Pavlov, o modelo de condicionamento operante de Skinner e a teoria sociocognitiva de Bandura (BEE; BOYD, 2011). Vamos, portanto, trazer aqui uma abordagem sucinta sobre essas teorias, seus precursores e suas respectivas concepções: • Condicionamento clássico: consiste em uma resposta automática ou não condicionada, consistindo em uma emoção ou refl exo, podendo ser desencadeada por um novo indício, que aqui chamamos de estímulo condicionado, após ter sido combinada inúmeras vezes com esse estímulo. Ivan Pavlov (1849-1936) desenvolve essa teoria com a salivação de seu cão, a qual envolve adquirir novos sinais para respostas já existentes. Com relação ao ser humano, o que o teórico preconiza que ao tocar um bebê no queixo, ele se voltará na direção do toque, iniciando o “sugar”. Portanto, na terminologia técnica do condicionamento clássico, esse toque é um estímulo não condicionado e “virar e sugar” apresentam-se como respostas nã o condicionadas, visto o bebê estar programado para agir dessa forma, por refl exos automáticos. Em suma, o aprendizado acontece quando algum estímulo novo é introduzido ao sistema (BEE; BOYD, 2011). • Condicionamento operante: (condicionamento instrumental). É o processo por meio do qual a frequência de um comportamento pode aumentar ou diminuir em detrimento ao comportamento de suas consequências. Vamos entender isso...Se o comportamento aumenta, fala-se em “reforço”; se diminui, fala-se em “punição”. Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), psicólogo, descobriu esses princípios realizando uma série de estudos com animais, acreditando infl uenciarem muito o desenvolvimento humano (BEE; BOYD, 2011). Se há um reforço positivo, há um estímulo adicionado ou a consequência aumenta um comportamento. Vamos exemplifi cá-los: elogio, sorriso, comida, abraço ou atenção atuam como reforços positivospara a maioria dos indivíduos na maior parte do tempo. Já o reforço negativo poderá aumentar um comportamento, visto poder envolver o término ou a remoção de um estímulo desagradá vel. Exemplifi cando, se uma mãe se depara com seu fi lho chorando e pedindo colo e a princípio você̂ o ignora, mas fi nalmente o pega no colo, o que acontecerá? Ele irá parar de chorar. Como resultado podemos deduzir que o comportamento de dar colo ao fi lho foi negativamente reforçado pela cessação do choro e, dedutivamente, essa mãe fi cará propensa a pegá -lo no colo da próxima vez que ele chorar. Simultaneamente, o choro do fi lho provavelmente foi positivamente reforçado por ter ganho atenção. Resultado: provavelmente o fi lho irá chorar em ocasiões semelhantes (BEE; BOYD, 2011). 38 Fundamentos da Psicomotricidade • Teoria sociocognitiva de Bandura: esta variação de teoria de aprendizagem de Albert Bandura (1986, 1989) não obteve grande adesão entre psicólogos do desenvolvimento, porém acrescentou várias outras ideias fundamentais. O que então o teórico afi rma? Que o aprendizado nem sempre requer reforço direto; que o aprendizado também pode acontecer meramente como resultado de observar alguém realizando alguma aç ã o, sendo denominada aprendizagem observacional ou modelação, a qual está envolvida em uma larga variedade de comportamentos. O teórico também defende outra classe de reforço, que denomina de reforços intrínsecos, sendo internos, como o sentimento de orgulho de uma criança quando descobre como desenhar uma estrela. No entanto, mais relevante em sua contribuição foi a transposição da brecha entre teoria da aprendizagem e teoria cognitivo-desenvolvimental, quando enfatiza elementos cognitivos (mentais) importantes na aprendizagem observacional. Denomina, a partir de então, sua teoria de “teoria sociocognitiva” substituindo o termo de “aprendizagem social”, como foi originalmente rotulada (1986, 1989). Para entendermos essa transição, citamos como exemplo que o teórico inicia seu enfoque no fato de que a modelação pode ser utilizada como um veículo para aprender informação abstrata e habilidades concretas (BEE; BOYD, 2011). Na modelaç ã o abstrata, o observador deduz uma regra que pode ser a base do comportamento do modelo, entã o aprende a regra e o comportamento especí fi co. Uma crianç a que vê seus pais sendo voluntá rios um dia por mê s em um banco de alimentos pode deduzir uma regra sobre a importâ ncia de “ajudar os outros”, mesmo se forem seus pais (BEE; BOYD, 2011, p. 41). O termo reforç o positivo, dentro do contexto apresentado, refere-se ao processo de fortalecimento de um comportamento pela apresentaç ã o de algum estí mulo prazeroso ou positivo. Já reforç o negativo faz alusão ao processo de fortalecimento de um comportamento pela remoç ã o ou cessaç ã o de um estí mulo desagradá vel. 39 PSICOMOTRICIDADE Capítulo 1 Neste tópico você aprendeu que vários teóricos contribuíram para a evolução da psicomotricidade, que, como toda ciência, foi baseada em teorias e experiências, cada qual contribuindo com seus respectivos fundamentos. Hoje, consolidada, passou por distintas infl uências científi cas e a contribuições de vários campos do conhecimento. Todos os estudiosos nos mostraram que não se pode compreender o movimento apenas por um ponto de vista anatômico, fi siológico, psicológico ou social, mas como uma dimensão holística. Toda essa adesão de conhecimentos descrita nesta abordagem no faz compreender que a psicomotricidade foi construída a partir de vários fundamentos teórico-prático que, hoje, consolidados, garantem a legitimidade científi ca à psicomotricidade. 4 ELEMENTOS BÁSICOS DA PSICOMOTRICIDADE O estudo dos principais elementos psicomotores e suas respectivas etapas de evolução permitirá a você compreender melhor o desenvolvimento psicomotor que será abordado posteriormente, sendo essa compreensão de suma importância para a atuação do profi ssional atuante na educação e psicomotricidade infantil. 4.1 PRINCIPAIS ELEMENTOS PSICOMOTORES E RESPECTIVAS ETAPAS DE EVOLUÇÃO Vamos agora realizar uma análise sobre os elementos, suas respectivas etapas de evolução e sua ação na prática da psicomotricidade. 4.1.1 Esquema corporal O esquema corporal se defi ne como organização das sensações relativas aos dados do mundo exterior, notando-se aí dois sentidos na atividade motora cinética, dirigida para o mundo exterior. O sistema nervoso desenvolvido e amadurecido é o grande responsável pela construção e elaboração do Esquema Corporal, sendo simultaneamente paralelo a evolução sensório-motora. Saiba, portanto, que a educação do Esquema Corporal é o ponto-chave de toda prática educativa (FETAC, 2009). 40 Fundamentos da Psicomotricidade Wallon defi ne o esquema corporal como “um elemento de base indispensável à criança para formação da sua personalidade; é a representação mais ou menos global, mais ou menos específi ca e diferenciada que tem do seu próprio corpo” (WALLON, 1975, p. 105). Portanto, deve estar claro para você que o esquema corporal não é algo que se possa ser ensinado, nem adquirido com treinamento, mas sim é construído gradativamente e na mente da criança, conforme a utilização que ela faz de seu corpo. Quando então a criança constrói o esquema corporal? Jean Le Boulch, educador físico, médico e psicólogo, é precursor (1966) do Método da Psicocinética que propõe uma ciência do movimento humano aplicada ao desenvolvimento humano. Isso é, propõe a educação pelo movimento no contexto das ciências da educação. Vamos então descrever essa construção sob sua ótica (LE BOULCH, 1992 apud IMAI, 2007), que, em sua concepção, defi ne três etapas para essa construção: • Primeira etapa: “corpo vivido” (até os 3 anos): correspondente ao período sensório-motor, descrito por Piaget, em que a criança, desde o nascimento, organiza-se em várias sensações que vão aparecendo, na medida em que acontece o amadurecimento do sistema nervoso. Essa primeira etapa, do corpo vivido, fi naliza quando a criança passa a reconhecer seu corpo como objeto. Até esse momento, ela nomeava ela mesma na terceira pessoa, em que passa então a utilizar os pronomes: meu, minha, eu (IMAI, 2007). • Segunda etapa: “corpo percebido” (3 aos 7 anos): etapa correspondente à organização do esquema corporal. Na etapa anterior, esse conceito era infundado, ao passo que descrevia uma atividade perceptiva, em que só era possível o desenvolvimento após a chegada da maturação da função de interiorização. Agora, associado à imagem visual do corpo estarão as sensações táteis e cinestésicas correspondentes. Ocorre, portanto, a partir dos três anos, a função de interiorização, possibilitando, “o retorno da criança a si própria”. A origem desse processo está no reconhecimento da imagem do outro, que está externo a ela e tem início com a imagem do corpo materno, em que então ela adquire o conhecimento de seu corpo (IMAI, 2007); • Terceira etapa: “corpo representado” (7 aos 12 anos): última etapa, na qual a criança estrutura seu esquema corporal, adquirindo a noção tanto do todo como de partes do seu corpo. Gradativamente a criança passa à descentralização, em que seu corpo é um objeto no espaço, não como referência. Esse fato possibilita à criança a criação de outros pontos de referência que são externos a ela, não se encontrando centrados no próprio corpo (IMAI, 2007). 41 PSICOMOTRICIDADE Capítulo 1 4.1.2 Tônus Podemos conceituar o tônus como a tensão fi siológica dos músculos, permitindo assim que a criança relaxe e movimente suas articulações, assegurando seu equilíbrio estático e dinâmico, coordenação e postura independentemente da posição que seu corpo adote, esteja ela parada ou se movimentando. É, portanto, um estado normal de resistência e elasticidade, tanto de um tecido como órgão, preparando e sustentando o movimento, bem como determina
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