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11 O extravasamento de proteínas intracelulares através da mem- brana celular rompida e, por fim, para a circulação fornece meios de detectar a necrose tecido-específica, usando-se amostras de sangue ou de soro. Por exemplo, o músculo cardíaco contém uma iso- forma única da enzima creatina cinase e da proteína contrátil troponina, enquanto o epitélio do ducto hepático biliar contém uma isoforma, resistente à temperatura, da enzima fosfatase alcalina, e os hepatócitos contêm transaminases. A lesão ir- reversível e a morte celular nesses tecidos são caracterizadas por níveis séricos aumentados dessas proteínas, e as medidas desses níveis séricos são usadas clinicamente para diagnosticar o dano a esses tecidos. RESUMO Alterações Mor�ológicas nas Células Lesadas • Lesão celular reversível: tume�ação celular, alteração gordu- rosa, bolhas na membrana plasmática e perda das micro- vilosidades, tume�ação das mitocôndrias, dilatação do RE, eosinoflia (devida à diminuição do RNA citoplasmático). • Necrose: aumento da eosinoflia; retração, �ragmentação e dissolução nuclear; rompimento da membrana plasmática e das membranas das organelas; abundantes fguras de mie- lina; extravasamento e digestão enzimática dos conteúdos celulares. • Padrões de necrose tecidual: sob di�erentes condições, a ne- crose tecidual assume padrões específcos: de coagulação, lique�ativa, gangrenosa, caseosa, gordurosa e fbrinoide. MECANISMOS DA LESÃO CELULAR Agora que já discutimos as causas da lesão celular e da necrose, e suas correlações morfológicas e funcionais, consideraremos em mais detalhes as bases moleculares da lesão celular e ilus- traremos os princípios importantes com alguns exemplos sele- cionados de tipos comuns de lesão. Os mecanismos biológicos que ligam determinada lesão com as manifestações celulares e tissulares resultantes são com o cálc�o, produz�ndo áreas brancas gredosas macroscop�- camente ��sí�e�s (sapon��cação da gordura), que perm�tem ao c�rurg�ão e ao patolog�sta �dent��car as lesões (F�g. 1-12). Ao e�ame h�stológ�co, os �ocos de necrose e��bem contornos sombreados de ad�póc�tos necrót�cos com depós�tos de cálc�o baso�íl�cos c�rcundados por reação �nfamatór�a. • A necrose �brinoide é uma �orma espec�al de necrose, ��sí�el à m�croscop�a ópt�ca, geralmente obser�ada nas rea- ções �munes, nas qua�s comple�os de antígenos e ant�corpos são depos�tados nas paredes das artér�as. Os �munocom- ple�os depos�tados, em comb�nação com a �br�na que te- nha e�tra�asado dos �asos, resulta em aparênc�a amor�a e róseo-br�lhante, pela coloração do H&E, conhec�da pelos patolog�stas como �brinoide (semelhante à �br�na) (F�g. 1-13). As doenças �munolog�camente med�adas (p. e�., a pol�arter�te nodosa), nas qua�s esse t�po de necrose é obser�ado, são descr�tas no Capítulo 4. Figura 1-11 Necrose caseosa. Pulmão tuberculoso com grande área de necrose caseosa contendo restos branco-amarelados e semelhantes a que�jo. Figura 1-12 Necrose gordurosa na pancreat�te aguda. As áreas de de- pós�tos gredosos, brancas, representam �ocos de necrose gordurosa com �ormação de sabão de cálc�o (sapon��cação) nos loca�s da degradação dos l�píd�os no mesentér�o. Figura 1-13 Necrose �br�no�de na artér�a de pac�ente com pol�arter�- te nodosa. A parede da artér�a mostra área c�rcun�erenc�al de necrose, róseo-br�lhante, com depós�to de proteína e �nfamação. C A P ÍT U L O 112 complexos, interconectados e intimamente intercombinados com muitas vias metabólicas intracelulares. Contudo, vários princípios gerais são relevantes para a maioria das formas de lesão celular: • A resposta celular ao estímulo nocivo depende do tipo de lesão, sua duração e sua gravidade. Assim, pequenas doses de toxina ou breves períodos de isquemia podem levar a lesão celular reversível, enquanto altas doses de toxina ou isquemia mais prolongada podem resultar em lesão celular irreversível e morte celular. • As consequências de um estímulo nocivo dependem do tipo, status, adaptabilidade e fenótipo genético da célula lesada. A mesma lesão gera diferentes resultados dependendo do tipo celular; assim, o músculo estriado esquelético da per- na se acomoda à isquemia completa por 2-3 horas sem lesão irreversível, ao passo que o músculo cardíaco morre depois de apenas 20-30 minutos. O estado nutricional ou hormonal também pode ser importante; evidentemente, um hepatócito repleto de glicogênio poderá tolerar a isquemia muito melhor do que um hepatócito que tenha acabado de consumir sua última molécula de glicose. A diversidade geneticamente programada nas vias metabólicas também contribui para as diferentes respostas aos estímulos. Por exemplo, quando expostos à mesma dose de uma toxina, os indivíduos que herdam variantes nos genes que codificam o citocromo P-450 podem catabolizar a toxina em diferentes taxas, levando a diferentes resultados. Os esforços têm sido direcionados para o entendimento do papel dos polimorfis- mos genéticos nas respostas a drogas e toxinas. O estudo de tais interações é denominado farmacogenômica. De fato, as variações genéticas influenciam a suscetibilidade a muitas doenças complexas, bem como a resposta a vários agentes terapêuticos. O uso do mapeamento genético de um paciente para orientar a terapia é um exemplo de “medicina personalizada”. • A lesão celular resulta de alterações bioquímicas e funcionais em um ou mais dos vários componentes celulares essenciais (Fig. 1-14). Os alvos mais importantes dos estímulos nocivos são: (1) as mitocôndrias e sua habilidade em gerar ATP e ERO em condições patológicas; (2) desequilíbrio na homeos- tasia do cálcio; (3) danos às membranas celulares (plas- mática e lisossômica) e (4) danos ao DNA e ao dobramento das proteínas. • As múltiplas alterações bioquímicas podem ser disparadas por qualquer lesão nociva. É difícil determinar qualquer mecanis- mo a uma lesão ou situação clínica em particular na qual a lesão celular seja proeminente. Por essa razão, as terapias que visam mecanismos individuais de lesão celular podem não ser eficazes. Discutiremos brevemente os principais mecanismos de lesão celular. Depleção de ATP O ATP, o estoque de energia da célula, é produzido principal- mente por fosforilação oxidativa do difosfato de adenosina (ADP) durante a redução do oxigênio no sistema de transporte de elétrons das mitocôndrias. Além disso, a via glicolítica pode gerar ATP, na ausência de oxigênio, usando a glicose derivada a partir da circulação ou a partir da hidrólise do glicogênio intra- celular. As principais causas de depleção de ATP são a redução do suprimento de oxigênio e nutrientes, o dano mitocondrial e as ações de algumas toxinas (p. ex., cianeto). Os tecidos com maior capacidade glicolítica (como o fígado) são capazes de sobreviver melhor à perda de oxigênio e ao decréscimo de fosforilação oxidativa do que os tecidos com capacidade limitada para a glicólise (p. ex., o cérebro). O fosfato de alta energia, na forma de ATP, é necessário para virtualmente todos os processos de sín- tese e degradação dentro da célula, incluindo o transporte de membrana, a síntese de proteínas, a lipogênese e as reações de diacilação-reacilação, necessárias para a renovação dos fos- folipídios. Estima-se que, no total, as células de um indivíduo saudável gastem 50-75 kg de ATP a cada dia! A depleção significativa de ATP tem amplos efeitos em muitos sis- temas celulares críticos (Fig. 1-15):• A atividade da bomba de sódio na membrana plasmática depen- dente de ATP é reduzida, resultando em acúmulo intracelu- lar de sódio e efluxo de potássio. O ganho final de soluto é acompanhado por um ganho iso-osmótico de água, causando tumefação celular e dilatação do RE. • Ocorre aumento compensatório na glicólise anaeróbica, na tenta- tiva de manter as fontes de energia celular. Como consequên- cia, as reservas de glicogênio intracelular são rapidamente exauridas e o ácido lático se acumula, levando à diminuição do pHintracelular e à diminuição da atividade de muitas enzimas celulares. • A falência na bomba de Ca2+ leva ao influxo de Ca2+, com efei- tos danosos em vários componentes celulares, descritos adiante. • A depleçã o prolongada ou crescente de A TP causa o rompi- mento estrutural do aparelho de síntese proteica, manifestado Figura 1-14 Pr�nc�pa�s mecan�smos b�oquím�cos e sít�os de lesão celular. ATP, tr��os�ato de adenos�na; ERO, espéc�es de o��gên�o reat��o. 13 como desprendimento dos ribossomos do retículo endo- plasmático granular (REG) e dissociação dos polissomos em monossomos, com consequente redução da síntese de proteína. Finalmente, ocorre dano irreversível às membranas mitocondriais e lisossômicas, e a célula sofre necrose. Danos e Dis�unções Mitocondriais As mitocôndrias podem ser vistas como “minifábricas” que produzem energia de sustentação da vida, na forma de ATP, mas são também componentes críticos da lesão e morte celular (Fig. 1-16). As mitocôndrias são sensíveis a vários tipos de es- tímulos nocivos, incluindo hipóxia, toxinas químicas e radiação. Os danos mitocondriais resultam em graves anormalidades bioquímicas: • Falha na fosforilaçã o oxidativa levando a depleçã o progres- siva de ATP, culminando na necrose da célula, como descrito anteriormente. • Fosforilaçã o oxidativa anorm al leva também à formaçã o de espécies reativas de oxigênio, com muitos efeitos deletérios, descritos adiante. • A lesã o m itocondrial frequentem ente resulta na form açã o de um canal de alta condutância na membrana mitocondrial, chamado de poro de transição de permeabilidade mitocon- drial. A abertura desse canal leva à perda do potencial de membrana da mitocôndria e à alteração do pH, comprome- tendo a fosforilação oxidativa. • A s m itocôndrias contêm tam bé m várias proteínas que, quando liberadas para o citoplasma, informam à célula que há uma lesão interna e ativam a via de apoptose, discutida adiante. In�uxo de Cálcio A importância do Ca2+ na lesão celular foi estabelecida pelo achado experimental de que o cálcio extracelular depletado retarda a morte celular após hipóxia e exposição a algumas toxinas. Normalmente, o cálcio livre no citosol é mantido por transportadores de cálcio dependentes de ATP, em con- centrações 10.000 vezes menores do que a concentração do cálcio extracelular ou do cálcio intracelular sequestrado nas mitocôndrias e no RE. A isquemia e certas toxinas causam aumento da concentração do cálcio citosólico, inicialmente por causa da liberação de Ca2+ armazenado intracelularmente e, mais tarde, do cálcio que resulta do influxo aumentado através da membrana plasmática. O aumento do cálcio citosólico ativa várias enzimas , com efeitos celulares potencialmente prejudiciais (Fig. 1-17). Essas enzimas incluem as fosfolipases (que causam danos à membrana), as proteases (que clivam as proteínas de membrana e do citoesqueleto), as endonucleases (que são responsáveis pela fragmentação da cromatina e do DNA) e as trifosfatases de adenosina (ATPases), acelerando a depleção de ATP. O aumento dos níveis de Ca2+ intracelular resultam, também, na indução da apoptose, através da ativa- ção direta das caspases e pelo aumento da permeabilidade mitocondrial. Acúmulo de Radicais Livres Derivados do Oxigênio (Estresse Oxidativo) Os radicais livres são espécies químicas que possuem um único elétron não pareado em órbita externa. Tais estados químicos são extremamente instáveis e reagem prontamente com químicos orgânicos e inorgânicos; quando gerados nas células, atacam Figura 1-15 Consequênc�as mor�ológ�cas e �unc�ona�s da d�m�nu�ção de tr��os�ato de adenos�na �ntracelular (ATP). RE, retículo endoplas- mát�co. Figura 1-16 Papel da m�tocôndr�a na lesão e morte celular. As m�tocôn- dr�as são a�etadas por �ár�os estímulos noc��os, e suas anormal�dades le�am à necrose ou à apoptose. A ��a de apoptose é descr�ta em ma�s detalhes ad�ante. ATP, tr��os�ato de adenos�na; ERO, espéc�es reat��as de o��gên�o. C A P ÍT U L O 114 avidamente os ácidos nucleicos, assim como uma variedade de proteínas e lipídios celulares. Além disso, os radicais livres ini- ciam reações autocatalíticas; as moléculas que reagem com eles são, por sua vez, convertidas em radicais livres, propagando, assim, a cadeia de danos. As espécies reativas do oxigênio (ERO) são um tipo de radical livre derivado do oxigênio, cujo papel na lesão celular está bem estabelecido. Em muitas circunstâncias, a lesão celular envolve danos causados pelos radicais livres; essas situações incluem a lesão de isquemia-reperfusão (discutida adiante), a lesão química e por radiação, a toxicidade do oxigênio e outros gases, o envelhecimento celular, a destruição dos micróbios pelas células fagocíticas e a lesão tecidual causada por células inflamatórias. Existem diferentes tipos de ERO produzidos por duas vias principais (Fig. 1-18); • Normalmente as ERO são produzidas em pequenas quantidades, em todas as células, durante as reações de oxidação e redução que ocorrem durante a respiração e a geração de energia mitocondrial. Nesse processo, o oxigênio molecular é se- quencialmente reduzido nas mitocôndrias através da adição de quatro elétrons para gerar água. Entretanto, essa reação é imperfeita, e pequenas quantidades de intermediários tóxicos altamente reativos são geradas quando o oxigênio é apenas parcialmente reduzido. Esses intermediários incluem o superóxido (O2• ), convertido em peróxido de hidrogênio (H2O2) espontaneamente ou pela ação da superóxido dis- mutase. O H2O2 é mais estável que o O2• e pode atravessar membranas biológicas. Na presença de metais, como Fe2+, o H2O2 é convertido ao radical hidroxila altamente reativo (•OH) pela reação de Fenton. • As ERO são produzidas pelos leucócitos, principalmente neutrófilos e macrófagos, como uma arma para destruição de micróbios e outras substâncias durante a inflamação e defesa do hos- pedeiro (Capítulo 2). As ERO são geradas nos fagossomas e fagolisossomas dos leucócitos por um processo similar à respiração mitocondrial, conhecido como surto respirató- rio (ou surto oxidativo). Nesse processo, uma enzima da Figura 1-18 v�as de produção de espéc�es reat��as de o��gên�o. A, Em todas as células, o superó��do (O2•) é produz�do durante a resp�ração m�tocon- dr�al pela cade�a de transporte de elétrons e é con�ert�do a H2O2 e rad�cal l��re h�dro��la (•OH) ou a pero��n�tr�to (ONOO−). B, Nos leucóc�tos (pr�nc�palmente neutró�los e macró�agos), a enz�ma o��dase presente na membrana do �agossoma gera superó��do, que pode ser con�ert�do a outros rad�ca�s l��res. A m�elopero��dase (MPO) dos �agossomas também gera h�poclor�to a part�r de espéc�es reat��as de o��gên�o (ERO). NO, ó��do nítr�co; SOD, superó��do d�smutase. Figura 1-17 Fontes e consequênc�as do aumento do cálc�o c�tosól�co na lesão celular. ATP, tr��os�ato de adenos�na; ATPase, tr��os�atase de adenos�na. 15 membrana do fagossoma catalisa a geração de superóxido, que é convertido a H2O2. O H2O2 é, por sua vez, convertido a um composto hipoclorito altamente reativo pela enzima mieloperoxidase, presente nos leucócitos. O papel das ERO na inflamação é descrito no Capítulo 2. • O óxido nítrico (NO) é outro radical livre reativo produzido pelos leucócitos e outras células. Ele pode reagir com o O2• e formar um composto altamente reativo, o peroxinitrito, que também participa da lesão celular. O dano causado pelos radicais livres é determinado por suas taxas de produção e remoção (Fig. 1-19). Quando a produção de ERO aumenta ou quando os sistemas de remoção são ineficientes, o resultado é um excesso desses radicais livres que leva a uma condição chamada de estresse oxidativo. A geração de radicais livres aumenta sob várias circunstâncias: • Na absorçã o de energia radiante (p. ex., luz ultravioleta, raios X ). A radiação ionizante pode hidrolisar a água em radicais livres hidroxila (•OH) e hidrogênio (H• ). • No metabolismo enzim ático de substâ ncias quím icas exóge- nas (p. ex., tetracloreto de carbono — ver adiante). • Na inflam açã o, onde os radicais livres sã o produzidos pelos leucócitos (Capítulo 2). As células desenvolveram múltiplos mecanismos para a remoção de radicais livres e, desse modo, minimizar a lesão. Os radicais livres são inerentemente instáveis e decompõem-se espontaneamente. Existem vários sistemas enzimáticos e não enzimáticos que contribuem para a inativação das reações de radicais livres (Fig. 1-19). • A taxa de decom posiçã o espontâ nea do superóxido é aum en- tada significativamente pela ação das superóxido dismutases (SODs) encontradas em muitos tipos celulares. • A s glutationa peroxidases (G SH ) constituem uma fam ília de enzimas cuja principal função é proteger as células da lesão oxidativa. O membro mais abundante dessa família, a glutationa peroxidase 1, é encontrada no citoplasma de todas as células. Ela catalisa a degradação do H2O2 pela reação 2 GSH (glutationa) + H2O2 → GS-SG + 2H2O. A proporção intracelular de glutationa oxidada (GSSG) para glutationa reduzida (GSH) reflete a atividade da enzima e a habilidade das células em catabolizar radicais livres. • A catalase, presente nos peroxisom as, direciona a decom - posição do peróxido de hidrogênio (2H2O2 → O2 + 2H2O). A catalase é uma das mais importantes enzimas conhecidas, capaz de degradar milhões de moléculas de H2O2 por se- gundo. • Os antioxidantes endógenos ou exógenos (p. ex., as vita- minas E, A, C e o b-caroteno) podem bloquear a formação de radicais livres ou removê-los, uma vez que tenham sido formados. As espécies reativas do oxigênio causam lesão celular através de três principais reações (Fig. 1-19): • Peroxidação lipídica das membranas. Ligações duplas de lipídios polinsaturados na membrana são vulneráveis ao ataque por radicais livres derivados do oxigênio. As interações lipí- dio-radical geram peróxidos, que são instáveis e reativos, e sobrevém uma reação em cadeia autocatalítica. • Ligação cruzada e outras alterações das proteínas. Os radicais livres promovem ligação cruzada das proteínas mediadas por sulfidrila, resultando no aumento da degradação ou perda da atividade enzimática. As reações radicais livres também podem causar a fragmentação dos polipeptídios. • Lesões do DNA. As reações radicais livres com a timina no DNA mitocondrial e nuclear produzem quebra do filamento único no DNA. Essa lesão no DNA foi implicada na morte celular, envelhecimento celular e transformação maligna das células. Além do papel das ERO na lesão celular e destruição de mi- cróbios, baixas concentrações de ERO estão envolvidas em numerosas vias de sinalização celular e em muitas reações fisiológicas. Portanto, essas moléculas são produzidas nor- malmente, mas, para evitar seus efeitos lesivos, suas concen- trações intracelulares são rigorosamente reguladas nas células saudáveis. De�eitos na Permeabilidade da Membrana O aumento da permeabilidade da membrana, levando pos- teriormente a lesão franca da membrana, é uma característica consistente da maioria das formas de lesão celular que culmina em necrose. A membrana plasmática pode ser danificada por Figura 1-19 Geração, remoção e papel das espéc�es reat��as de o��gên�o (ERO) na lesão celular. A produção de ERO é aumentada por mu�tos estímulos noc��os. Esses rad�ca�s l��res são remo��dos por decompos�ção espontânea e por s�stemas enz�mát�cos espec�al�zados. A produção e�ces- s��a ou a remoção �nadequada resulta em acúmulo de rad�ca�s l��res na célula que lesa os l�píd�os (por pero��dação), proteínas e DNA, resultando em lesão celular. C A P ÍT U L O 116 isquemia, várias toxinas microbianas, componentes líticos do complemento e por uma variedade de agentes químicos e físi- cos. Vários mecanismos bioquímicos podem contribuir para os danos à membrana (Fig. 1-20): • Diminuição da síntese de fosfolipídios. Nas células, a produção de fosfolipídios pode ser reduzida sempre que houver queda dos níveis de ATP, levando ao decréscimo das atividades enzimáticas dependentes de energia. A redução de síntese de fosfolipídios afeta todas as membranas celulares, incluindo as membranas mitocondriais, exacerbando, assim, a perda de ATP. • Aumento da degradação dos fosfolipídios. Uma lesão celular acentuada está associada ao aumento da degradação dos fosfolipídios da membrana, provavelmente devido à ativação de fosfolipases endógenas por elevação dos níveis de Ca2+ citosólico. • ERO. Os radicais livres do oxigênio causam lesão às mem- branas celulares através da peroxidação lipídica, discutida inicialmente. • Alterações do citoesqueleto. Os filamentos do citoesqueleto fun- cionam como âncoras que conectam a membrana plasmática ao interior da célula e exerce muitas funções na manutenção da arquitetura, na motilidade e na sinalização celulares nor- mais. A ativação de proteases pelo Ca2+ citosólico aumentado pode danificar os elementos do citoesqueleto, levando a lesão da membrana. • Produtos de degradação de lipídios. Incluem ácidos graxos livres não esterificados, acil-carnitina e lisofosfolipídios, produtos catabólicos que são conhecidos por acumularem-se nas cé- lulas lesadas, em consequência da degradação fosfolipídica. Possuem efeito detergente sobre as membranas. Também se inserem na bicamada lipídica da membrana ou trocam de posição com os fosfolipídios da membrana, causando potencialmente alterações na permeabilidade e alterações eletrofisiológicas. Os sítios mais importantes da membrana, durante a lesão celu- lar, são as membranas mitocondriais, a membrana plasmática e as membranas lisossômicas. • Danos na membrana mitocondrial. Como já discutido, os danos às membranas mitocondriais resultam em decréscimo da produção de ATP, culminando em necrose. • Danos à membrana plasmática. Os danos à membrana plas- mática levam à perda do equilíbrio osmótico e influxo de fluidos e íons, bem como à perda dos conteúdos celulares. As células podem, também, perder metabólitos que são vitais para a reconstituição do ATP, depletando, então, os estoques de energia. • Danos às membranas lisossômicas resultam em extravasamento de suas enzimas para o citoplasma e ativação das hidrolases ácidas, em pH intracelular ácido da célula lesada (p. ex., célu- la isquêmica). Os lisossomos contêm ribonucleares (RNases), DNases, proteases, glicosidases e outras enzimas. A ativação dessas enzimas leva à digestão enzimática dos componentes celulares, e a célula morre por necrose. Danos ao DNA e às Proteínas As células possuem mecanismos que reparam as lesões de DNA, porém se o dano é muito grave para ser corrigido (p. ex., após lesão por radiação ou estresse oxidativo) a célula inicia seu pro- grama de suicídio e morre por apoptose. Uma reação semelhante é iniciada por proteínas impropriamente dobradas, as quais podem ser resultantes de mutações herdadas ou disparadores externos, como os radicais livres. Como esses mecanismos de lesão celular causam tipicamente a apoptose, eles serão dis- cutidos mais adiante no capítulo. RESUMO Mecanismos da Lesão Celular • Depleção de ATP: �alha das �unções dependentes de energia → lesão reversível → necrose. • Lesão mitocondrial: depleção de ATP → �alha nas �unções celulares dependentes de energia → fnalmente, necrose; sob algumas condições, extravasamento de proteínas que causam apoptose. • Infuxo de cálcio: ativação de enzimas que danifcam os com- ponentes celulares e podem também disparar a apoptose. • Acúmulo de espécies reativas do oxigênio: modifcação cova- lente de proteínas celulares, lipídios, ácidos nucleicos. • Aumento da permeabilidade das membranas celulares: pode a�etar a membrana plasmática, membranas lisossômicas, membranas mitocondriais; tipicamente culmina em necrose. • Acúmulo de DNA dani�cado e proteínas mal dobradas: dispara a apoptose. CORRELAÇÕES CLINICOPATOLÓGICAS: EXEMPLOS DE LESÃO CELULAR E NECROSE Para ilustrar a evolução e os mecanismosbioquímicos da lesão celular, concluímos esta seção discutindo alguns exemplos comumente encontrados de lesão celular reversível e necrose. Figura 1-20 Mecan�smos da lesão à membrana, na lesão celular. A d�m�- nu�ção de O2 e o aumento c�tosól�co de Ca2+ são t�p�camente obser�ados na �squem�a, mas podem acompanhar outras �ormas de lesão celular. As espéc�es reat��as de o��gên�o, que �requentemente são produz�das na lesão de reper�usão nos tec�dos �squêm�cos, também causam lesão à membrana (não mostrado). 17 necrose Lesão Isquêmica e Hipóxica Isquemia ou redução do fluxo sanguíneo para um tecido é a causa mais comum de lesão celular aguda na doença humana. Ao contrário da hipóxia, na qual a produção de energia através da glicólise anaeróbica continua (embora menos eficientemente do que pelas vias oxidativas), a isquemia, por causa da redução do fluxo sanguíneo, também compromete a distribuição de subs- tratos para a glicólise. Consequentemente, a geração de energia anaeróbica também cessa nos tecidos isquêmicos depois que os substratos são exauridos ou quando a glicólise é inibida pela acumulação de metabólitos que normalmente poderiam ser removidos pelo fluxo sanguíneo. Por essa razão, a isquemia lesa os tecidos mais rapidamente que a hipóxia. As principais alterações celulares em células privadas de oxigênio são a diminuição de geração de ATP, a lesão mitocondrial e a acumulação de ERO, com suas consequências. A alteração bioquímica mais importante nas células hipóxicas que leva a lesão celular é a redução da geração de ATP intracelular, como consequência do suprimento reduzido de oxigênio. Como descrito anteriormente, a perda de ATP ocasiona a falha de muitos sis- temas celulares dependentes de energia, que incluem (1) bombas de íons (levando à tumefação celular e ao influxo de Ca2+, com suas consequências deletérias); (2) depleção dos estoques de glicogênio e acumulação de ácido lático, diminuindo o pH in- tracelular; e (3) redução da síntese de proteínas. Nesse estágio, as consequências funcionais podem ser graves. Por exemplo, o músculo cardíaco cessa a contração dentro de 60 segundos de oclusão coronária. Se a hipóxia continuar, a piora da depleção de ATP causará degeneração adicional, com perda das microvilosidades e a formação de “bolhas” (Fig. 1-6). Nesse ponto, toda a célula e suas organelas (mitocôndrias, RE) estão notavelmente tumefatas, com concen- trações aumentadas de água, sódio e cloreto, e concentração reduzida de potássio. Se o oxigênio for restaurado, todas essas perturbações serão reversíveis e, no caso do miocárdio, a con- tratilidade retornará. Se a isquemia persistir, sobrevirá lesão irreversível e necrose. A lesão irreversível está associada à intensa tumefação das mitocôndrias, lesão intensa das membranas plasmáticas e tumefação dos lisossomos. Pode ocorrer influxo maciço de cálcio para dentro da célula e acumulação de ERO. A morte é principalmente por necrose, mas a apoptose também con- tribui; a via apoptótica é ativada pela liberação de moléculas pró-apoptóticas das mitocôndrias. Os componentes celulares são progressivamente degradados e há um extravasamento difuso das enzimas celulares para o espaço extracelular. Finalmente, as células mortas podem ser substituídas por grandes massas compostas de fosfolipídios na forma de figuras de mielina. Estas, então, são fagocitadas por leucó- citos ou degradadas em ácidos graxos que podem se tornar calcificados. Lesão de Isquemia-Reper�usão A restauração do fluxo sanguíneo pode resultar em restau- ração das células se elas foram lesadas de modo reversível. No entanto, sob certas circunstâncias, a restauração do fluxo sanguíneo para tecidos isquêmicos, mas não mortos, resulta, para- doxalmente, em morte das células que não estavam irreversivelmente lesadas. Essa tão conhecida lesão de isquemia-reperfusão é um processo clinicamente importante que pode contribuir signi- ficativamente para danos no tecido, em infartos do miocárdio e isquemia cerebral. Vários mecanismos podem ser responsáveis pela exacerbação da lesão celular resultante da reperfusão dentro dos tecidos isquêmicos: • Um a nova lesã o pode ser iniciada durante a reoxigenaçã o devido a uma produção aumentada de ERO pelas células endoteliais, do parênquima e dos leucócitos infiltrantes. Quando o suprimento de oxigênio é aumentado, ocorre au- mento correspondente na produção de ERO, especialmente porque a lesão mitocondrial leva a uma redução incompleta de oxigênio e devido à ação das oxidases dos leucócitos, das células endoteliais ou das células do parênquima. Os meca- nismos de defesa antioxidantes celulares também podem ser comprometidos pela isquemia, favorecendo a acumulação de radicais livres. • A inflamação, que é induzida pela lesão isquêmica, pode aumentar com a reperfusão devido ao influxo aumenta- do de leucócitos e proteínas plasmáticas. Os produtos dos leucócitos ativados podem causar lesão adicional ao tecido (Capítulo 2). A ativação do sistema complemento também con- tribui para a lesão de isquemia-reperfusão. As proteínas do complemento ligam-se aos tecidos lesados ou a anticorpos depositados nos tecidos isquêmicos, e uma subsequente ativação do complemento acentua a inflamação e a lesão celular. Lesão Química (Tóxica) As substâncias químicas induzem lesão celular por um dos dois mecanismos gerais: • Algumas substâncias químicas atuam diretamente pela com- binação com um componente molecular crítico ou com uma organela celular. Por exemplo, no envenenamento por clo- reto de mercúrio (como ocorre com a ingestão de frutos do mar contaminados — Capítulo 7), o mercúrio se liga aos grupamentos sulfidrila das várias proteínas de membrana celular, causando inibição do transporte dependente de ATP e aumento da permeabilidade da membrana. Muitos agentes quimioterápicos antineoplásicos também induzem lesão celular por efeitos citotóxicos diretos. Nesses casos, o maior dano é mantido pelas células que usam, absorvem, excretam ou concentram os compostos. • Muitas outras substâncias químicas não são biologicamen- te ativas, mas devem ser primeiro convertidas a metabólitos tóxicos reativos, que então agem sobre as células-alvo. Es- sa modificação é normalmente realizada pelo citocromo P-450, no retículo endoplasmático agranular do fígado e outros órgãos. Embora os metabólitos possam causar danos à membrana e lesão celular, por ligação covalente direta a proteínas e lipídios, o mecanismo mais importante de lesão envolve a formação de radicais livres. O tetra- cloreto de carbono (CCl4) — que é amplamente utilizado na indústria de limpeza a seco, mas agora proibido — e o analgésico paracetamol pertencem a essa categoria. O efeito do CCl4 é ainda instrutivo como exemplo de lesão química. O CCl4 é convertido, principalmente no fígado, ao radical livre tóxico CCl3• , e esse radical é a causa da lesão celular, principalmente, pela peroxidação dos fosfolipídios de membrana. Em menos de 30 minutos após exposição ao CCl4, ocorre um declínio de síntese de enzimas hepáticas e proteínas plasmáticas; dentro de duas horas, já ocorreram tumefação e desprendimento dos ribossomos no retículo endoplasmático agranular. Nos hepatócitos, a exportação dos lipídios é reduzida, em consequência da incapacidade
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