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Lesão Celular e Necrose

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O extravasamento de proteínas intracelulares através da mem-
brana celular rompida e, por fim, para a circulação fornece meios de 
detectar a necrose tecido-específica, usando-se amostras de sangue 
ou de soro. Por exemplo, o músculo cardíaco contém uma iso-
forma única da enzima creatina cinase e da proteína contrátil 
troponina, enquanto o epitélio do ducto hepático biliar contém 
uma isoforma, resistente à temperatura, da enzima fosfatase 
alcalina, e os hepatócitos contêm transaminases. A lesão ir-
reversível e a morte celular nesses tecidos são caracterizadas 
por níveis séricos aumentados dessas proteínas, e as medidas 
desses níveis séricos são usadas clinicamente para diagnosticar 
o dano a esses tecidos.
RESUMO
Alterações Mor�ológicas nas Células Lesadas
• Lesão celular reversível: tume�ação celular, alteração gordu-
rosa, bolhas na membrana plasmática e perda das micro-
vilosidades, tume�ação das mitocôndrias, dilatação do RE, 
eosinoflia (devida à diminuição do RNA citoplasmático).
• Necrose: aumento da eosinoflia; retração, �ragmentação e 
dissolução nuclear; rompimento da membrana plasmática 
e das membranas das organelas; abundantes fguras de mie-
lina; extravasamento e digestão enzimática dos conteúdos 
celulares.
• Padrões de necrose tecidual: sob di�erentes condições, a ne-
crose tecidual assume padrões específcos: de coagulação, 
lique�ativa, gangrenosa, caseosa, gordurosa e fbrinoide.
MECANISMOS DA LESÃO CELULAR
Agora que já discutimos as causas da lesão celular e da necrose, 
e suas correlações morfológicas e funcionais, consideraremos 
em mais detalhes as bases moleculares da lesão celular e ilus-
traremos os princípios importantes com alguns exemplos sele-
cionados de tipos comuns de lesão.
Os mecanismos biológicos que ligam determinada lesão 
com as manifestações celulares e tissulares resultantes são 
com o cálc�o, produz�ndo áreas brancas gredosas macroscop�-
camente ��sí�e�s (sapon��cação da gordura), que perm�tem ao 
c�rurg�ão e ao patolog�sta �dent��car as lesões (F�g. 1-12). Ao 
e�ame h�stológ�co, os �ocos de necrose e��bem contornos 
sombreados de ad�póc�tos necrót�cos com depós�tos de cálc�o 
baso�íl�cos c�rcundados por reação �nfamatór�a.
•	 A 	necrose �brinoide é uma �orma espec�al de necrose, 
��sí�el à m�croscop�a ópt�ca, geralmente obser�ada nas rea-
ções �munes, nas qua�s comple�os de antígenos e ant�corpos 
são depos�tados nas paredes das artér�as. Os �munocom-
ple�os depos�tados, em comb�nação com a �br�na que te-
nha e�tra�asado dos �asos, resulta em aparênc�a amor�a 
e róseo-br�lhante, pela coloração do H&E, conhec�da 
pelos patolog�stas como �brinoide (semelhante à �br�na) 
(F�g. 1-13). As doenças �munolog�camente med�adas (p. e�., 
a pol�arter�te nodosa), nas qua�s esse t�po de necrose é 
obser�ado, são descr�tas no Capítulo 4.
Figura 1-11 Necrose caseosa. Pulmão tuberculoso com grande área 
de necrose caseosa contendo restos branco-amarelados e semelhantes 
a que�jo.
Figura 1-12 Necrose gordurosa na pancreat�te aguda. As áreas de de-
pós�tos gredosos, brancas, representam �ocos de necrose gordurosa com 
�ormação de sabão de cálc�o (sapon��cação) nos loca�s da degradação dos 
l�píd�os no mesentér�o.
Figura 1-13 Necrose �br�no�de na artér�a de pac�ente com pol�arter�-
te nodosa. A parede da artér�a mostra área c�rcun�erenc�al de necrose, 
róseo-br�lhante, com depós�to de proteína e �nfamação.
C A P ÍT U L O 112
complexos, interconectados e intimamente intercombinados 
com muitas vias metabólicas intracelulares. Contudo, vários 
princípios gerais são relevantes para a maioria das formas de 
lesão celular:
•	A resposta celular ao estímulo nocivo depende do tipo de lesão, 
sua duração e sua gravidade. Assim, pequenas doses de toxina 
ou breves períodos de isquemia podem levar a lesão celular 
reversível, enquanto altas doses de toxina ou isquemia mais 
prolongada podem resultar em lesão celular irreversível e 
morte celular.
• 	As consequências de um estímulo nocivo dependem do tipo, 
status, adaptabilidade e fenótipo genético da célula lesada. A 
mesma lesão gera diferentes resultados dependendo do 
tipo celular; assim, o músculo estriado esquelético da per-
na se acomoda à isquemia completa por 2-3 horas sem 
lesão irreversível, ao passo que o músculo cardíaco morre 
depois de apenas 20-30 minutos. O estado nutricional ou 
hormonal também pode ser importante; evidentemente, um 
hepatócito repleto de glicogênio poderá tolerar a isquemia 
muito melhor do que um hepatócito que tenha acabado de 
consumir sua última molécula de glicose. A diversidade 
geneticamente programada nas vias metabólicas também 
contribui para as diferentes respostas aos estímulos. Por 
exemplo, quando expostos à mesma dose de uma toxina, os 
indivíduos que herdam variantes nos genes que codificam 
o citocromo P-450 podem catabolizar a toxina em diferentes 
taxas, levando a diferentes resultados. Os esforços têm sido 
direcionados para o entendimento do papel dos polimorfis-
mos genéticos nas respostas a drogas e toxinas. O estudo 
de tais interações é denominado farmacogenômica. De 
fato, as variações genéticas influenciam a suscetibilidade 
a muitas doenças complexas, bem como a resposta a vários 
agentes terapêuticos. O uso do mapeamento genético de um 
paciente para orientar a terapia é um exemplo de “medicina 
personalizada”.
• 	A lesão celular resulta de alterações bioquímicas e funcionais 
em um ou mais dos vários componentes celulares essenciais 
(Fig. 1-14). Os alvos mais importantes dos estímulos nocivos 
são: (1) as mitocôndrias e sua habilidade em gerar ATP e 
ERO em condições patológicas; (2) desequilíbrio na homeos-
tasia do cálcio; (3) danos às membranas celulares (plas-
mática e lisossômica) e (4) danos ao DNA e ao dobramento 
das proteínas.
•	As múltiplas alterações bioquímicas podem ser disparadas por 
qualquer lesão nociva. É difícil determinar qualquer mecanis-
mo a uma lesão ou situação clínica em particular na qual a 
lesão celular seja proeminente. Por essa razão, as terapias que 
visam mecanismos individuais de lesão celular podem não 
ser eficazes.
Discutiremos brevemente os principais mecanismos de lesão 
celular.
Depleção de ATP
O ATP, o estoque de energia da célula, é produzido principal-
mente por fosforilação oxidativa do difosfato de adenosina 
(ADP) durante a redução do oxigênio no sistema de transporte 
de elétrons das mitocôndrias. Além disso, a via glicolítica pode 
gerar ATP, na ausência de oxigênio, usando a glicose derivada a 
partir da circulação ou a partir da hidrólise do glicogênio intra-
celular. As principais causas de depleção de ATP são a redução 
do suprimento de oxigênio e nutrientes, o dano mitocondrial e as 
ações de algumas toxinas (p. ex., cianeto). Os tecidos com maior 
capacidade glicolítica (como o fígado) são capazes de sobreviver 
melhor à perda de oxigênio e ao decréscimo de fosforilação 
oxidativa do que os tecidos com capacidade limitada para a 
glicólise (p. ex., o cérebro). O fosfato de alta energia, na forma de 
ATP, é necessário para virtualmente todos os processos de sín-
tese e degradação dentro da célula, incluindo o transporte de 
membrana, a síntese de proteínas, a lipogênese e as reações 
de diacilação-reacilação, necessárias para a renovação dos fos-
folipídios. Estima-se que, no total, as células de um indivíduo 
saudável gastem 50-75 kg de ATP a cada dia!
A depleção significativa de ATP tem amplos efeitos em muitos sis-
temas celulares críticos (Fig. 1-15):•	A 	atividade	da	bomba de sódio na membrana plasmática depen-
dente de ATP é reduzida, resultando em acúmulo intracelu-
lar de sódio e efluxo de potássio. O ganho final de soluto é 
acompanhado por um ganho iso-osmótico de água, causando 
tumefação celular e dilatação do RE.
•	Ocorre	aumento compensatório na glicólise anaeróbica, na tenta-
tiva de manter as fontes de energia celular. Como consequên-
cia, as reservas de glicogênio intracelular são rapidamente 
exauridas e o ácido lático se acumula, levando à diminuição 
do pHintracelular e à diminuição da atividade de muitas 
enzimas celulares.
•	A falência na bomba de Ca2+ leva ao influxo de Ca2+, com efei-
tos danosos em vários componentes celulares, descritos 
adiante.
•	A 	depleçã o	prolongada	ou	crescente	de	A TP	causa	o	rompi-
mento estrutural do aparelho de síntese proteica, manifestado 
Figura 1-14 Pr�nc�pa�s mecan�smos b�oquím�cos e sít�os de lesão celular. ATP, tr��os�ato de adenos�na; ERO, espéc�es de o��gên�o reat��o.
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como desprendimento dos ribossomos do retículo endo-
plasmático granular (REG) e dissociação dos polissomos 
em monossomos, com consequente redução da síntese de 
proteína. Finalmente, ocorre dano irreversível às membranas 
mitocondriais e lisossômicas, e a célula sofre necrose.
Danos e Dis�unções Mitocondriais
As mitocôndrias podem ser vistas como “minifábricas” que 
produzem energia de sustentação da vida, na forma de ATP, 
mas são também componentes críticos da lesão e morte celular 
(Fig. 1-16). As mitocôndrias são sensíveis a vários tipos de es-
tímulos nocivos, incluindo hipóxia, toxinas químicas e radiação. 
Os danos mitocondriais resultam em graves anormalidades 
bioquímicas:
•	Falha	na	fosforilaçã o	oxidativa	levando	a	depleçã o	progres-
siva de ATP, culminando na necrose da célula, como descrito 
anteriormente.
•	Fosforilaçã o	oxidativa	anorm al	leva	também 	à	formaçã o	de	
espécies reativas de oxigênio, com muitos efeitos deletérios, 
descritos adiante.
•	A 	lesã o	m itocondrial	frequentem ente	resulta	na	form açã o	de	
um canal de alta condutância na membrana mitocondrial, 
chamado de poro de transição de permeabilidade mitocon-
drial. A abertura desse canal leva à perda do potencial de 
membrana da mitocôndria e à alteração do pH, comprome-
tendo a fosforilação oxidativa.
•	A s	m itocôndrias	contêm 	tam bé m 	várias	proteínas	que,	
quando liberadas para o citoplasma, informam à célula que 
há uma lesão interna e ativam a via de apoptose, discutida 
adiante.
In�uxo de Cálcio
A importância do Ca2+ na lesão celular foi estabelecida pelo 
achado experimental de que o cálcio extracelular depletado 
retarda a morte celular após hipóxia e exposição a algumas 
toxinas. Normalmente, o cálcio livre no citosol é mantido 
por transportadores de cálcio dependentes de ATP, em con-
centrações 10.000 vezes menores do que a concentração do 
cálcio extracelular ou do cálcio intracelular sequestrado nas 
mitocôndrias e no RE. A isquemia e certas toxinas causam 
aumento da concentração do cálcio citosólico, inicialmente 
por causa da liberação de Ca2+ armazenado intracelularmente 
e, mais tarde, do cálcio que resulta do influxo aumentado 
através da membrana plasmática. O aumento do cálcio citosólico 
ativa várias enzimas , com efeitos celulares potencialmente 
prejudiciais (Fig. 1-17). Essas enzimas incluem as fosfolipases 
(que causam danos à membrana), as proteases (que clivam as 
proteínas de membrana e do citoesqueleto), as endonucleases 
(que são responsáveis pela fragmentação da cromatina e do 
DNA) e as trifosfatases de adenosina (ATPases), acelerando 
a depleção de ATP. O aumento dos níveis de Ca2+ intracelular 
resultam, também, na indução da apoptose, através da ativa-
ção direta das caspases e pelo aumento da permeabilidade 
mitocondrial.
Acúmulo de Radicais Livres Derivados 
do Oxigênio (Estresse Oxidativo)
Os radicais livres são espécies químicas que possuem um único 
elétron não pareado em órbita externa. Tais estados químicos são 
extremamente instáveis e reagem prontamente com químicos 
orgânicos e inorgânicos; quando gerados nas células, atacam 
Figura 1-15 Consequênc�as mor�ológ�cas e �unc�ona�s da d�m�nu�ção 
de tr��os�ato de adenos�na �ntracelular (ATP). RE, retículo endoplas-
mát�co.
Figura 1-16 Papel da m�tocôndr�a na lesão e morte celular. As m�tocôn-
dr�as são a�etadas por �ár�os estímulos noc��os, e suas anormal�dades 
le�am à necrose ou à apoptose. A ��a de apoptose é descr�ta em ma�s 
detalhes ad�ante. ATP, tr��os�ato de adenos�na; ERO, espéc�es reat��as de 
o��gên�o.
C A P ÍT U L O 114
avidamente os ácidos nucleicos, assim como uma variedade de 
proteínas e lipídios celulares. Além disso, os radicais livres ini-
ciam reações autocatalíticas; as moléculas que reagem com eles 
são, por sua vez, convertidas em radicais livres, propagando, 
assim, a cadeia de danos.
As espécies reativas do oxigênio (ERO) são um tipo de radical 
livre derivado do oxigênio, cujo papel na lesão celular está 
bem estabelecido. Em muitas circunstâncias, a lesão celular 
envolve danos causados pelos radicais livres; essas situações 
incluem a lesão de isquemia-reperfusão (discutida adiante), a 
lesão química e por radiação, a toxicidade do oxigênio e outros 
gases, o envelhecimento celular, a destruição dos micróbios 
pelas células fagocíticas e a lesão tecidual causada por células 
inflamatórias.
Existem diferentes tipos de ERO produzidos por duas vias 
principais (Fig. 1-18);
•	Normalmente as ERO são produzidas em pequenas quantidades, 
em todas as células, durante as reações de oxidação e redução 
que ocorrem durante a respiração e a geração de energia 
mitocondrial. Nesse processo, o oxigênio molecular é se-
quencialmente reduzido nas mitocôndrias através da adição 
de quatro elétrons para gerar água. Entretanto, essa reação 
é imperfeita, e pequenas quantidades de intermediários 
tóxicos altamente reativos são geradas quando o oxigênio é 
apenas parcialmente reduzido. Esses intermediários incluem 
o superóxido (O2• ), convertido em peróxido de hidrogênio 
(H2O2) espontaneamente ou pela ação da superóxido dis-
mutase. O H2O2 é mais estável que o O2• e pode atravessar 
membranas biológicas. Na presença de metais, como Fe2+, 
o H2O2 é convertido ao radical hidroxila altamente reativo 
(•OH) pela reação de Fenton.
•	As ERO são produzidas pelos leucócitos, principalmente neutrófilos 
e macrófagos, como uma arma para destruição de micróbios e 
outras substâncias durante a inflamação e defesa do hos-
pedeiro (Capítulo 2). As ERO são geradas nos fagossomas 
e fagolisossomas dos leucócitos por um processo similar 
à respiração mitocondrial, conhecido como surto respirató-
rio (ou surto oxidativo). Nesse processo, uma enzima da 
Figura 1-18 v�as de produção de espéc�es reat��as de o��gên�o. A, Em todas as células, o superó��do (O2•) é produz�do durante a resp�ração m�tocon-
dr�al pela cade�a de transporte de elétrons e é con�ert�do a H2O2 e rad�cal l��re h�dro��la (•OH) ou a pero��n�tr�to (ONOO−). B, Nos leucóc�tos 
(pr�nc�palmente neutró�los e macró�agos), a enz�ma o��dase presente na membrana do �agossoma gera superó��do, que pode ser con�ert�do a outros 
rad�ca�s l��res. A m�elopero��dase (MPO) dos �agossomas também gera h�poclor�to a part�r de espéc�es reat��as de o��gên�o (ERO). NO, ó��do nítr�co; 
SOD, superó��do d�smutase.
Figura 1-17 Fontes e consequênc�as do aumento do cálc�o c�tosól�co 
na lesão celular. ATP, tr��os�ato de adenos�na; ATPase, tr��os�atase de 
adenos�na.
15
membrana do fagossoma catalisa a geração de superóxido, 
que é convertido a H2O2. O H2O2 é, por sua vez, convertido 
a um composto hipoclorito altamente reativo pela enzima 
mieloperoxidase, presente nos leucócitos. O papel das ERO 
na inflamação é descrito no Capítulo 2.
•	O	óxido nítrico (NO) é outro radical livre reativo produzido 
pelos leucócitos e outras células. Ele pode reagir com o O2• e 
formar um composto altamente reativo, o peroxinitrito, que 
também participa da lesão celular.
O dano causado pelos radicais livres é determinado por suas taxas 
de produção e remoção (Fig. 1-19). Quando a produção de ERO 
aumenta ou quando os sistemas de remoção são ineficientes, 
o resultado é um excesso desses radicais livres que leva a uma 
condição chamada de estresse oxidativo.
A geração de radicais livres aumenta sob várias circunstâncias:
•	Na	absorçã o	de	energia	radiante	(p. ex.,	luz	ultravioleta,	raios	X ).	 
A radiação ionizante pode hidrolisar a água em radicais livres 
hidroxila (•OH) e hidrogênio (H• ).
•	No	metabolismo	enzim ático	de	substâ ncias	quím icas	exóge-
nas (p. ex., tetracloreto de carbono — ver adiante).
•	Na	inflam açã o,	onde	os	radicais	livres	sã o	produzidos	pelos	
leucócitos (Capítulo 2).
As células desenvolveram múltiplos mecanismos para a remoção de 
radicais livres e, desse modo, minimizar a lesão. Os radicais livres 
são inerentemente instáveis e decompõem-se espontaneamente. 
Existem vários sistemas enzimáticos e não enzimáticos que 
contribuem para a inativação das reações de radicais livres 
(Fig. 1-19).
•	A 	taxa	de	decom posiçã o	espontâ nea	do	superóxido	é	aum en-
tada significativamente pela ação das superóxido dismutases 
(SODs) encontradas em muitos tipos celulares.
•	A s	glutationa	peroxidases	(G SH )	constituem 	uma	fam ília	
de enzimas cuja principal função é proteger as células da 
lesão oxidativa. O membro mais abundante dessa família, a 
glutationa peroxidase 1, é encontrada no citoplasma de todas 
as células. Ela catalisa a degradação do H2O2 pela reação 2 
GSH (glutationa) + H2O2 → GS-SG + 2H2O. A proporção 
intracelular de glutationa oxidada (GSSG) para glutationa 
reduzida (GSH) reflete a atividade da enzima e a habilidade 
das células em catabolizar radicais livres.
•	A 	catalase,	presente	nos	peroxisom as,	direciona	a	decom -
posição do peróxido de hidrogênio (2H2O2 → O2 + 2H2O). 
A catalase é uma das mais importantes enzimas conhecidas, 
capaz de degradar milhões de moléculas de H2O2 por se-
gundo.
•	Os	antioxidantes	endógenos	ou	exógenos	(p. ex.,	as	vita-
minas E, A, C e o b-caroteno) podem bloquear a formação 
de radicais livres ou removê-los, uma vez que tenham sido 
formados.
As espécies reativas do oxigênio causam lesão celular através de três 
principais reações (Fig. 1-19):
•	Peroxidação lipídica das membranas. Ligações duplas de lipídios 
polinsaturados na membrana são vulneráveis ao ataque por 
radicais livres derivados do oxigênio. As interações lipí-
dio-radical geram peróxidos, que são instáveis e reativos, e 
sobrevém uma reação em cadeia autocatalítica.
•	Ligação cruzada e outras alterações das proteínas. Os radicais 
livres promovem ligação cruzada das proteínas mediadas por 
sulfidrila, resultando no aumento da degradação ou perda 
da atividade enzimática. As reações radicais livres também 
podem causar a fragmentação dos polipeptídios.
•	Lesões do DNA. As reações radicais livres com a timina no 
DNA mitocondrial e nuclear produzem quebra do filamento 
único no DNA. Essa lesão no DNA foi implicada na morte 
celular, envelhecimento celular e transformação maligna das 
células.
Além do papel das ERO na lesão celular e destruição de mi-
cróbios, baixas concentrações de ERO estão envolvidas em 
numerosas vias de sinalização celular e em muitas reações 
fisiológicas. Portanto, essas moléculas são produzidas nor-
malmente, mas, para evitar seus efeitos lesivos, suas concen-
trações intracelulares são rigorosamente reguladas nas células 
saudáveis.
De�eitos na Permeabilidade da Membrana
O aumento da permeabilidade da membrana, levando pos-
teriormente a lesão franca da membrana, é uma característica 
consistente da maioria das formas de lesão celular que culmina 
em necrose. A membrana plasmática pode ser danificada por 
Figura 1-19 Geração, remoção e papel das espéc�es reat��as de o��gên�o (ERO) na lesão celular. A produção de ERO é aumentada por mu�tos 
estímulos noc��os. Esses rad�ca�s l��res são remo��dos por decompos�ção espontânea e por s�stemas enz�mát�cos espec�al�zados. A produção e�ces-
s��a ou a remoção �nadequada resulta em acúmulo de rad�ca�s l��res na célula que lesa os l�píd�os (por pero��dação), proteínas e DNA, resultando 
em lesão celular.
C A P ÍT U L O 116
isquemia, várias toxinas microbianas, componentes líticos do 
complemento e por uma variedade de agentes químicos e físi-
cos. Vários mecanismos bioquímicos podem contribuir para os 
danos à membrana (Fig. 1-20):
•	Diminuição da síntese de fosfolipídios. Nas células, a produção 
de fosfolipídios pode ser reduzida sempre que houver queda 
dos níveis de ATP, levando ao decréscimo das atividades 
enzimáticas dependentes de energia. A redução de síntese de 
fosfolipídios afeta todas as membranas celulares, incluindo 
as membranas mitocondriais, exacerbando, assim, a perda 
de ATP.
•	Aumento da degradação dos fosfolipídios. Uma lesão celular 
acentuada está associada ao aumento da degradação dos 
fosfolipídios da membrana, provavelmente devido à ativação 
de fosfolipases endógenas por elevação dos níveis de Ca2+ 
citosólico.
•	ERO. Os radicais livres do oxigênio causam lesão às mem-
branas celulares através da peroxidação lipídica, discutida 
inicialmente.
•	Alterações do citoesqueleto. Os filamentos do citoesqueleto fun-
cionam como âncoras que conectam a membrana plasmática 
ao interior da célula e exerce muitas funções na manutenção 
da arquitetura, na motilidade e na sinalização celulares nor-
mais. A ativação de proteases pelo Ca2+ citosólico aumentado 
pode danificar os elementos do citoesqueleto, levando a lesão 
da membrana.
•	Produtos de degradação de lipídios. Incluem ácidos graxos livres 
não esterificados, acil-carnitina e lisofosfolipídios, produtos 
catabólicos que são conhecidos por acumularem-se nas cé-
lulas lesadas, em consequência da degradação fosfolipídica. 
Possuem efeito detergente sobre as membranas. Também 
se inserem na bicamada lipídica da membrana ou trocam 
de posição com os fosfolipídios da membrana, causando 
potencialmente alterações na permeabilidade e alterações 
eletrofisiológicas.
Os sítios mais importantes da membrana, durante a lesão celu-
lar, são as membranas mitocondriais, a membrana plasmática 
e as membranas lisossômicas.
•	Danos na membrana mitocondrial. Como já discutido, os danos 
às membranas mitocondriais resultam em decréscimo da 
produção de ATP, culminando em necrose.
•	Danos à membrana plasmática. Os danos à membrana plas-
mática levam à perda do equilíbrio osmótico e influxo de 
fluidos e íons, bem como à perda dos conteúdos celulares. 
As células podem, também, perder metabólitos que são vitais 
para a reconstituição do ATP, depletando, então, os estoques 
de energia.
•	Danos às membranas lisossômicas resultam em extravasamento 
de suas enzimas para o citoplasma e ativação das hidrolases 
ácidas, em pH intracelular ácido da célula lesada (p. ex., célu-
la isquêmica). Os lisossomos contêm ribonucleares (RNases), 
DNases, proteases, glicosidases e outras enzimas. A ativação 
dessas enzimas leva à digestão enzimática dos componentes 
celulares, e a célula morre por necrose.
Danos ao DNA e às Proteínas
As células possuem mecanismos que reparam as lesões de DNA, 
porém se o dano é muito grave para ser corrigido (p. ex., após 
lesão por radiação ou estresse oxidativo) a célula inicia seu pro-
grama de suicídio e morre por apoptose. Uma reação semelhante 
é iniciada por proteínas impropriamente dobradas, as quais 
podem ser resultantes de mutações herdadas ou disparadores 
externos, como os radicais livres. Como esses mecanismos de 
lesão celular causam tipicamente a apoptose, eles serão dis-
cutidos mais adiante no capítulo.
RESUMO
Mecanismos da Lesão Celular
• Depleção de ATP: �alha das �unções dependentes de energia 
→ lesão reversível → necrose.
• Lesão mitocondrial: depleção de ATP → �alha nas �unções 
celulares dependentes de energia → fnalmente, necrose; 
sob algumas condições, extravasamento de proteínas que 
causam apoptose.
• Infuxo de cálcio: ativação de enzimas que danifcam os com-
ponentes celulares e podem também disparar a apoptose.
• Acúmulo de espécies reativas do oxigênio: modifcação cova-
lente de proteínas celulares, lipídios, ácidos nucleicos.
• Aumento da permeabilidade das membranas celulares: pode 
a�etar a membrana plasmática, membranas lisossômicas, 
membranas mitocondriais; tipicamente culmina em necrose.
• Acúmulo de DNA dani�cado e proteínas mal dobradas: dispara 
a apoptose.
CORRELAÇÕES CLINICOPATOLÓGICAS: 
EXEMPLOS DE LESÃO CELULAR 
E NECROSE
Para ilustrar a evolução e os mecanismosbioquímicos da lesão 
celular, concluímos esta seção discutindo alguns exemplos 
comumente encontrados de lesão celular reversível e necrose.
Figura 1-20 Mecan�smos da lesão à membrana, na lesão celular. A d�m�-
nu�ção de O2 e o aumento c�tosól�co de Ca2+ são t�p�camente obser�ados 
na �squem�a, mas podem acompanhar outras �ormas de lesão celular. As 
espéc�es reat��as de o��gên�o, que �requentemente são produz�das na lesão 
de reper�usão nos tec�dos �squêm�cos, também causam lesão à membrana 
(não mostrado).
17 necrose
Lesão Isquêmica e Hipóxica
Isquemia ou redução do fluxo sanguíneo para um tecido é a 
causa mais comum de lesão celular aguda na doença humana. 
Ao contrário da hipóxia, na qual a produção de energia através 
da glicólise anaeróbica continua (embora menos eficientemente 
do que pelas vias oxidativas), a isquemia, por causa da redução do 
fluxo sanguíneo, também compromete a distribuição de subs-
tratos para a glicólise. Consequentemente, a geração de energia 
anaeróbica também cessa nos tecidos isquêmicos depois que os 
substratos são exauridos ou quando a glicólise é inibida pela 
acumulação de metabólitos que normalmente poderiam ser 
removidos pelo fluxo sanguíneo. Por essa razão, a isquemia lesa 
os tecidos mais rapidamente que a hipóxia. As principais alterações 
celulares em células privadas de oxigênio são a diminuição de 
geração de ATP, a lesão mitocondrial e a acumulação de ERO, 
com suas consequências.
A alteração bioquímica mais importante nas células hipóxicas que 
leva a lesão celular é a redução da geração de ATP intracelular, como 
consequência do suprimento reduzido de oxigênio. Como descrito 
anteriormente, a perda de ATP ocasiona a falha de muitos sis-
temas celulares dependentes de energia, que incluem (1) bombas 
de íons (levando à tumefação celular e ao influxo de Ca2+, com 
suas consequências deletérias); (2) depleção dos estoques de 
glicogênio e acumulação de ácido lático, diminuindo o pH in-
tracelular; e (3) redução da síntese de proteínas.
Nesse estágio, as consequências funcionais podem ser 
graves. Por exemplo, o músculo cardíaco cessa a contração 
dentro de 60 segundos de oclusão coronária. Se a hipóxia 
continuar, a piora da depleção de ATP causará degeneração 
adicional, com perda das microvilosidades e a formação de 
“bolhas” (Fig. 1-6). Nesse ponto, toda a célula e suas organelas 
(mitocôndrias, RE) estão notavelmente tumefatas, com concen-
trações aumentadas de água, sódio e cloreto, e concentração 
reduzida de potássio. Se o oxigênio for restaurado, todas essas 
perturbações serão reversíveis e, no caso do miocárdio, a con-
tratilidade retornará.
Se a isquemia persistir, sobrevirá lesão irreversível e necrose. 
A lesão irreversível está associada à intensa tumefação das 
mitocôndrias, lesão intensa das membranas plasmáticas 
e tumefação dos lisossomos. Pode ocorrer influxo maciço de 
cálcio para dentro da célula e acumulação de ERO. A morte 
é principalmente por necrose, mas a apoptose também con-
tribui; a via apoptótica é ativada pela liberação de moléculas 
pró-apoptóticas das mitocôndrias. Os componentes celulares 
são progressivamente degradados e há um extravasamento 
difuso das enzimas celulares para o espaço extracelular. 
Finalmente, as células mortas podem ser substituídas por 
grandes massas compostas de fosfolipídios na forma de 
figuras de mielina. Estas, então, são fagocitadas por leucó-
citos ou degradadas em ácidos graxos que podem se tornar 
calcificados.
Lesão de Isquemia-Reper�usão
A restauração do fluxo sanguíneo pode resultar em restau-
ração das células se elas foram lesadas de modo reversível. 
No entanto, sob certas circunstâncias, a restauração do fluxo 
sanguíneo para tecidos isquêmicos, mas não mortos, resulta, para-
doxalmente, em morte das células que não estavam irreversivelmente 
lesadas. Essa tão conhecida lesão de isquemia-reperfusão é um 
processo clinicamente importante que pode contribuir signi-
ficativamente para danos no tecido, em infartos do miocárdio 
e isquemia cerebral.
Vários mecanismos podem ser responsáveis pela exacerbação 
da lesão celular resultante da reperfusão dentro dos tecidos 
isquêmicos:
•	Um a	nova	lesã o	pode	ser	iniciada	durante	a	reoxigenaçã o	
devido a uma produção aumentada de ERO pelas células 
endoteliais, do parênquima e dos leucócitos infiltrantes. 
Quando o suprimento de oxigênio é aumentado, ocorre au-
mento correspondente na produção de ERO, especialmente 
porque a lesão mitocondrial leva a uma redução incompleta 
de oxigênio e devido à ação das oxidases dos leucócitos, das 
células endoteliais ou das células do parênquima. Os meca-
nismos de defesa antioxidantes celulares também podem ser 
comprometidos pela isquemia, favorecendo a acumulação de 
radicais livres.
•	A 	inflamação, que é induzida pela lesão isquêmica, pode 
aumentar com a reperfusão devido ao influxo aumenta-
do de leucócitos e proteínas plasmáticas. Os produtos dos 
leucócitos ativados podem causar lesão adicional ao tecido 
(Capítulo 2). A ativação do sistema complemento também con-
tribui para a lesão de isquemia-reperfusão. As proteínas do 
complemento ligam-se aos tecidos lesados ou a anticorpos 
depositados nos tecidos isquêmicos, e uma subsequente 
ativação do complemento acentua a inflamação e a lesão 
celular.
Lesão Química (Tóxica)
As substâncias químicas induzem lesão celular por um dos dois 
mecanismos gerais:
•	Algumas substâncias químicas atuam diretamente pela com-
binação com um componente molecular crítico ou com uma 
organela celular. Por exemplo, no envenenamento por clo-
reto de mercúrio (como ocorre com a ingestão de frutos do 
mar contaminados — Capítulo 7), o mercúrio se liga aos 
grupamentos sulfidrila das várias proteínas de membrana 
celular, causando inibição do transporte dependente de ATP 
e aumento da permeabilidade da membrana. Muitos agentes 
quimioterápicos antineoplásicos também induzem lesão 
celular por efeitos citotóxicos diretos. Nesses casos, o maior 
dano é mantido pelas células que usam, absorvem, excretam ou 
concentram os compostos.
• 	Muitas outras substâncias químicas não são biologicamen-
te ativas, mas devem ser primeiro convertidas a metabólitos 
tóxicos reativos, que então agem sobre as células-alvo. Es-
sa modificação é normalmente realizada pelo citocromo 
P-450, no retículo endoplasmático agranular do fígado 
e outros órgãos. Embora os metabólitos possam causar 
danos à membrana e lesão celular, por ligação covalente 
direta a proteínas e lipídios, o mecanismo mais importante 
de lesão envolve a formação de radicais livres. O tetra-
cloreto de carbono (CCl4) — que é amplamente utilizado 
na indústria de limpeza a seco, mas agora proibido — e 
o analgésico paracetamol pertencem a essa categoria. O 
efeito do CCl4 é ainda instrutivo como exemplo de lesão 
química. O CCl4 é convertido, principalmente no fígado, ao 
radical livre tóxico CCl3• , e esse radical é a causa da lesão 
celular, principalmente, pela peroxidação dos fosfolipídios 
de membrana. Em menos de 30 minutos após exposição ao 
CCl4, ocorre um declínio de síntese de enzimas hepáticas e 
proteínas plasmáticas; dentro de duas horas, já ocorreram 
tumefação e desprendimento dos ribossomos no retículo 
endoplasmático agranular. Nos hepatócitos, a exportação 
dos lipídios é reduzida, em consequência da incapacidade

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