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SUMÁRIO 1. Introdução .................................................................................................3 2. Resposta Celular ao Estresse a aos Estímulos Nocivos .........5 3. Mecanismos de Lesão Celular ..........................................................8 4. Acúmulos Intracelulares ...................................................................17 Referências Bibliográficas ...................................................................26 3MECANISMOS DE LESÃO CELULAR 1. INTRODUÇÃO Lesões e doenças são provocadas por agressões muito diversas e re- sultam quase sempre da interação do agente agressor com os mecanis- mos de defesa do organismo. A lesão celular ocorre quando as células são estressadas tão excessivamente que não são mais capazes de se adaptar, podendo ser reversível até um certo ponto, mas se o estímulo persistir ou for intenso o suficiente desde o início, a célula sofre lesão irreversível. As causas de lesões e doenças são divididas inicialmente em dois gran- des grupos: exógenas e endógenas, porém nem todas as causas são co- nhecidas e, nesses casos, recebem a denominação de causa criptogenéti- ca, idiopática ou essencial. As causas exógenas são represen- tadas por agentes físicos como for- ça mecânica, radiação, variação de temperatura e alteração da pressão atmosférica; agentes químicos como os agrotóxicos, poluentes ambien- tais, medicamentos e drogas ilícitas; agentes biológicos como vírus, bac- térias, protozoários, etc; e pelos dis- túrbios da nutrição que envolvem tanto a deficiência como o excesso de nutrientes. Já as causas endóge- nas estão relacionadas com a heran- ça genética, o sistema imunológico e os fatores emocionais, estes influen- ciados também pelo ambiente social. As agressões atuam por mecanismos muito diversos, sendo os mais conhe- cidos e importantes: redução na dis- ponibilidade de O2 às células; radi- cais livres; anormalidades em ácidos nucleicos e proteínas; resposta imuni- tária; distúrbios metabólicos. 4MECANISMOS DE LESÃO CELULAR Temperatura Força mecânica Radiação Pressão atmosférica Poluentes ambientais Medicamentos Drogas ilícitas Vírus Bactérias Protozoários Herança genéticas Sistema imunológico Fatores emocionais Agente físicos Agentes químicos Exógenas Agentes biológicos Distúrbios da Nutrição Endógenas Idiopáticas CAUSAS DE LESÃO CELULAR 5MECANISMOS DE LESÃO CELULAR 2. RESPOSTA CELULAR AO ESTRESSE A AOS ESTÍMULOS NOCIVOS A célula normal está limitada, em suas funções, a uma faixa de variação bastante estreita devido à sua estru- tura, por restrições pelas células vizi- nhas e pela disponibilidade de subs- tratos metabólicos. No entanto, ela é capaz de suprir as demandas fisioló- gicas, mantendo um estado de equi- líbrio chamado homeostase. Quan- do ocorrem alterações fisiológicas no organismo, ou até mesmo alguns estímulos patológicos, as células são capazes de passar por adaptações estruturais e funcionais reversíveis, durante as quais um novo estado de equilíbrio é alcançado, permitindo sua sobrevivência e manutenção da ativi- dade funcional. Quando o estímulo é eliminado, a célula pode retornar ao seu estado original sem ter sofrido qualquer consequência danosa. No entanto, se os limites das respos- tas adaptativas forem excedidos ou se as células forem expostas a agen- tes ou estímulos nocivos, privadas de nutrientes essenciais, ou ficarem comprometidas por mutações que afetem constituintes celulares essen- ciais, ocorre uma sequência de even- tos denominada lesão celular. A lesão celular pode ser reversível até certo ponto, mas se o estímulo persistir ou for intenso o suficiente desde o início, a célula sofre lesão ir- reversível, levando-a a morte celular, que é o resultado final da lesão celular progressiva, sendo um dos principais eventos na evolução de uma doença em qualquer tecido ou órgão. Porém, ela constitui também um processo normal e essencial na embriogênese, no desenvolvimento dos órgãos e na manutenção da homeostase. Nos estágios iniciais ou nas formas leves de lesão, as alterações morfo- lógicas e funcionais são reversíveis, se o estímulo nocivo for removido. Os principais marcos da lesão reversível são a redução da fosforilação oxida- tiva, com consequente depleção do armazenamento de ATP e tumefa- ção celular causada por alterações da concentração de íons e influxo de água. Além disso, várias organelas intracelulares, tais como as mitocôn- drias e o citoesqueleto, podem apre- sentar alterações. Com a persistência do dano, a lesão torna-se irreversível e, com o tempo, a célula não pode se recuperar e morre. Existem dois tipos de morte celular, a necrose e a apoptose, que diferem em sua morfologia, mecanismos e funções na homeostase e na doença. Quando a lesão das membranas é grave, as enzimas lisossômicas en- tram no citoplasma e digerem a 6MECANISMOS DE LESÃO CELULAR célula, dando origem a um conjunto de alterações morfológicas descri- tas como necrose. A necrose é con- siderada uma forma desregulada de morte celular resultante de danos às membranas celulares e perda da ho- meostase dos íons. Conteúdos celu- lares também são perdidos, através da membrana plasmática lesada, para o espaço extracelular, onde cau- sam inflamação. Já a apoptose é uma forma de mor- te celular caracterizada pela dissolu- ção nuclear, fragmentação da célula sem perda completa da integridade da membrana, e rápida remoção dos restos celulares. Como o conteúdo celular não é perdido, ao contrário da necrose, não existe reação inflamató- ria. Em termos de mecanismo, a apop- tose é conhecida por ser um processo altamente regulado, dirigido por uma série de vias genéticas. É, por isso, às vezes, também chamada de “morte celular programada”. SE LIGA! Enquanto a necrose é sempre um processo patológico, a apoptose au- xilia muitos processos fisiológicos e não é, necessariamente, associada à lesão celular. 7MECANISMOS DE LESÃO CELULAR MAPA MENTAL: RESPOSTA CELULAR AO ESTRESSE E ESTÍMULOS NOCIVOS Intensa, progressiva Incapacidade de se adaptar Estímulo lesivoEstresse Lesão Irreversível Necrose • Forma desregulada • Perda de conteúdo celular para o espaço extracelular • Presença de inflamação Morte celular Apoptose • Dissolução nuclear • Fragmentação da célula sem perda completa da integridade da MP • Rápida remoção dos restos celulares • Não existe reação inflamatória Lesão celularAdaptação Célula Normal (homeostase) Lesão Reversível • Redução da fosforilação oxidativa • Depleção do armazenamento de ATP • Tumefação celular • Alterações estruturais em organelas citoplasmáticas Leve, transitória 8MECANISMOS DE LESÃO CELULAR 3. MECANISMOS DE LESÃO CELULAR Os mecanismos de lesão celular são complexos, porém, alguns princípios estão presentes na maioria das for- mas de lesão celular. São eles: • A resposta celular ao estímu- lo nocivo depende do tipo de agressão, sua duração e sua in- tensidade. Pequenas doses de uma substância química tóxica ou breves períodos de isquemia induzem lesão celular reversível, enquanto altas doses do mesmo tóxico ou uma isquemia mais pro- longada resultam em morte celu- lar instantânea ou em lesão celular irreversível arrastada, evoluindo, com o tempo, para a morte celular. • As consequências da lesão celu- lar dependem do tipo, estado e adaptabilidade da célula agredi- da: O estado nutricional e hormonal celular e suas necessidades me- tabólicas são importantes na sua resposta à agressão. A exposição de dois indivíduos a concentrações idênticas de uma substância tóxica pode ser inofensiva em um e pro- duzir morte celular no outro. Isto pode ser devido aos polimorfis- mos em genes que codificam en- zimas hepáticas que metabolizam as substâncias. • A lesão celular é resultante de diferentes mecanismos bioquí- micos que agem em vários com- ponentes celulares essenciais. Os componentes celulares que mais frequentementesão lesados por estímulos nocivos incluem as mitocôndrias, as membranas ce- lulares, a maquinaria de síntese e empacotamento de proteínas e o DNA. Qualquer estímulo agressivo pode, simultaneamente, acionar múltiplos mecanismos interconec- tados que lesam as células. Abaixo, serão descritos os mecanis- mos bioquímicos que podem ser ati- vados por diferentes estímulos agres- sivos e que contribuem para a lesão celular e a necrose. Depleção de ATP A redução dos níveis de ATP é a cau- sa fundamental da morte celular por necrose, e tem origem principalmente na redução do fornecimento de oxi- gênio e nutrientes (isquemia), danos mitocondriais e a ação de algumas substâncias tóxicas. Esta molécula é requerida para todos os processos sintéticos e degradati- vos dentro da célula, os quais incluem o transporte na membrana, síntese de 9MECANISMOS DE LESÃO CELULAR proteína, lipogênese e reações fosfo- lipídicas. A depleção de 5% a 10% dos níveis normais de ATP produz extensos efeitos em muitos sistemas celulares críticos (Fig. 1): A atividade da bomba de sódio-potás- sio-ATPase é reduzida, levando à en- trada e acúmulo de sódio dentro das células e difusão do potássio para fora. O ganho final de soluto é acompanha- do por um ganho isosmótico de água, causando tumefação celular e dilata- ção do retículo endoplasmático (RE). • O metabolismo energético celular é alterado devido ao aumento da taxa de glicólise anaeróbica, com o propósito de manter as fontes de energia da célula gerando ATP através do metabolismo da glicose derivada do glicogênio. Em con- sequência, as reservas de glico- gênio são rapidamente exauridas. A glicólise anaeróbica resulta em acúmulo de ácido lático e fosfatos inorgânicos, diminuindo o pH in- tracelular, afetando a atividade de muitas enzimas celulares. • A falência da bomba de Ca2+ leva ao influxo de Ca2+, com efeitos danosos em vários componentes celulares. • A depleção prolongada ou cres- cente de ATP causa o rompimen- to estrutural do aparelho de sín- tese proteica, manifestado como desprendimento dos ribossomos do retículo endoplasmático rugoso e dissociação dos polissomos, com a consequente redução da síntese proteica. • Nas células privadas de oxigênio ou glicose, as proteínas se tornam anormalmente dobradas e o acú- mulo dessas proteínas no RE pode culminar em lesão e morte celular. • Finalmente, há dano irreversível às mitocôndrias e às membra- nas lisossômicas, e a célula sofre necrose. 10MECANISMOS DE LESÃO CELULAR Figura 1. Consequências funcionais e morfológicas da diminuição intracelular de ATP durante a lesão celular. Fonte: Robbins, 2016. Isquemia Mitocôndria ↓ Fosforilação oxidativa ↓ ATP ↓ Bomba de Na+ ↑ Influxo de Ca2+, H2O e Na+ ↑ Efluxo de K+ Tumefação do RE Tumefação celular Perda de microvilosidades Bolhas ↑ Glicólise anaeróbica ↓ Glicogênio ↑ Ácido lático ↓ pH Condensação da cromatina nuclear ↓ Síntese de proteínas Destacamento de ribossomos Danos Mitocondriais As mitocôndrias são elementos crí- ticos na lesão e na morte celular em todas as suas formas, uma vez que fornecem a energia que sustenta a vida através da produção de ATP. A mitocôndria pode ser danificada por aumentos de Ca2+ citosólico, espé- cies reativas de oxigênio, privação de oxigênio, e assim elas são sen- síveis a praticamente todos os tipos de estímulos nocivos, incluindo hi- póxia e agentes tóxicos. Além disso, mutações de genes mitocondriais são a causa de algumas doenças hereditárias. Há três principais consequências dos danos mitocondriais (Fig. 2): 11MECANISMOS DE LESÃO CELULAR • O dano mitocondrial frequente- mente resulta na formação de um canal de alta condutância na membrana mitocondrial, chamado de poro de transição de permea- bilidade mitocondrial. A abertura desse canal de condutância leva à perda do potencial de membrana mitocondrial, resultando em falha na fosforilação oxidativa e na de- pleção progressiva do ATP, culmi- nando na necrose da célula. • A fosforilação oxidativa anormal também conduz à formação de espécies reativas de oxigênio, as quais têm muitos efeitos deletérios. • As mitocôndrias abrigam entre suas membranas interna e externa várias proteínas capazes de ativar as vias apoptóticas, incluindo o ci- tocromo C e proteínas que ativam indiretamente enzimas indutoras da apoptose, chamadas caspases. O aumento da permeabilidade da membrana mitocondrial externa pode resultar na liberação dessas proteínas para o citosol e em mor- te por apoptose. ↓ Fornecimento de O2 Tóxicos Radiação ↓ Sinais de sobrevivência Danos a proteínas e DNA Dano ou disfunção mitocondrial NECROSE APOPTOSE Múltiplas anormalidades celulares Liberação de proteínas mitocondriais ↓ Geração de ATP ↑ Produção de ERO ↑ Proteínas pró-apoptóticas ↓ Proteínas antiapoptóticas Figura 2. O papel da mitocôndria na lesão e morte celular. Fonte: Robbins, 2016. 12MECANISMOS DE LESÃO CELULAR • O acúmulo de Ca2+ nas mitocôn- drias leva à abertura dos poros de transição de permeabilidade mito- condrial e à falência na geração de ATP. • O aumento do cálcio citosólico ati- va diversas enzimas, como as fos- folipases, proteases, ATPases e as endonucleases, que causam efei- tos potencialmente deletérios so- bre a célula. • O aumento dos níveis de Ca2+ in- tracelular resultam, também, na in- dução da apoptose, pela ativação direta das caspases e pelo aumen- to da permeabilidade mitocondrial. Influxo e Perda da Homeostase do Cálcio Os íons cálcio são importantes me- diadores de lesão celular. A diminui- ção do cálcio protege as células de le- sões induzidas por uma variedade de estímulos nocivos. A isquemia e cer- tas substâncias tóxicas causam um aumento da concentração do cálcio citosólico, inicialmente pela liberação do Ca2+ dos estoques intracelulares e, posteriormente, pelo aumento do influxo através da membrana plas- mática (Fig. 3). O aumento do Ca2+ intracelular causa lesão celular por vários mecanismos: Agente lesivo Ca2+ extracelular Ca2+ Mitocôndria RE liso Ca2+ Ca2+ Ca 2+ Ca2+ Ativação de Enzimas Celulares Aumento de Ca2+ citosólico Fosfolipases Protease Endo- nuclease ATPase ↓ Fosfoli- pídios Destruição de proteínas da membrana e do citoesqueleto ↑ Permeabilidade mitocondrial ↓ ATPDANO NUCLEAR DANO À MEMBRANA Figura 3. O papel do aumento do cálcio citosólico na lesão celular. Fonte: Rob- bins, 2016. 13MECANISMOS DE LESÃO CELULAR macrófagos, durante a reação inflama- tória, auxiliando na destruição de mi- crorganismos, remoção de células mor- tas e outras substâncias indesejáveis. Os efeitos das ERO e de outros radi- cais livres são bastante amplos, po- rém três reações são particularmente relevantes na lesão celular: • Peroxidação lipídica nas membra- nas: Na presença de O2, os radi- cais livres causam peroxidação dos lipídios, gerando peróxidos instá- veis e reativos que podem causar lesões extensas das membranas. • Modificação oxidativa de proteínas: Os radicais livres promovem a oxi- dação das cadeias laterais de ami- noácidos, formação de ligações co- valentes proteína-proteína cruzadas e oxidação da estrutura da proteína. A modificação oxidativa de prote- ínas pode danificar os sítios ativos das enzimas, romper a conformação de proteínas estruturais e intensifi- car a degradação, pelos proteosso- mas, de proteínas não dobradas ou mal dobradas, provocando uma de- vastação por toda a célula. • Lesões no DNA: Os radicais livres são capazes de causar quebra das cadeias simples e duplas do DNA, ligações cruzadas das cadeias do DNA e a formação de complexos de adição. O dano oxidativo do DNA tem sido relacionado ao en- velhecimento celular e à transfor- mação neoplásica das células. Acúmulo de Radicais Livres Derivados de Oxigênio (Estresse Oxidativo) A lesão celular induzida por radicais livres, particularmente as espécies reativas de oxigênio, é um importante mecanismo de dano celularem mui- tas condições patológicas, como a le- são química e por radiação, lesão de isquemia-reperfusão, envelhecimen- to celular e morte de micro-organis- mos pelos fagócitos. As espécies reativas de oxigênio (ERO) são um tipo de radical livre deri- vado do oxigênio, cujo papel na lesão celular está bem estabelecido. Nor- malmente, ERO são produzidas nas células durante a respiração mitocon- drial e geração de energia, mas são degradadas e removidas pelos siste- mas de defesa celulares. Portanto, as células são capazes de manter um es- tado estável no qual os radicais livres estão presentes transitoriamente, em baixas concentrações, mas sem cau- sar danos. O aumento da produção ou a diminuição da eliminação das ERO provoca um excesso desses radicais livres, ocasionando o estresse oxi- dativo, responsável por uma grande variedade de processos patológicos, incluindo lesão celular, câncer, enve- lhecimento e algumas doenças dege- nerativas, como doença de Alzheimer. As ERO são produzidas também em grandes quantidades por leucócitos ativados, particularmente neutrófilos e 14MECANISMOS DE LESÃO CELULAR SE LIGA! O conceito tradicional sobre radicais livres era de que eles causam lesão e morte celular por necrose e, de fato, a produção de ERO é um frequen- te prelúdio à necrose. No entanto, está claro hoje que os radicais livres também podem desencadear a apoptose. Defeitos na Permeabilidade da Membrana A perda precoce da permeabilidade seletiva da membrana, evoluindo no final para um dano evidente da mem- brana, é uma característica constante na maioria das formas de lesão celu- lar, exceto na apoptose. Mecanismos de Lesão da Membrana: Nas células isquêmicas, os defeitos de membrana são o resultado da depleção de ATP e da ativação de fosfolipases mediada pelo cálcio. A membrana plas- mática pode também ser danificada diretamente por várias toxinas micro- bianas, proteínas virais, componentes líticos do complemento e numerosos agentes químicos e físicos. Vários me- canismos bioquímicos contribuem para os danos à membrana (Fig. 4): • Espécies reativas de oxigênio: Os radicais livres do oxigênio causam lesão às membranas celulares através da peroxidação lipídica. • Diminuição da síntese de fosfo- lipídios: Nas células, a produção de fosfolipídios está reduzida em consequência de uma função mi- tocondrial defeituosa ou pela hipó- xia, ambas diminuindo a produção de ATP e afetando as vias biossin- téticas dependentes de energia. A redução de síntese de fosfolipídios afeta todas as membranas celula- res, incluindo as próprias membra- nas mitocondriais. • Aumento na quebra dos fosfolipí- dios: Lesões celulares graves estão associadas ao aumento da degra- dação de fosfolipídios da mem- brana, provavelmente devido à ativação de fosfolipases cálcio-de- pendentes pelos níveis elevados de Ca2+ citosólico e mitocondrial. A quebra dos fosfolipídios leva ao acúmulo de produtos de degrada- ção dos lipídios, que incluem áci- dos graxos livres não esterificados, acilcarnitina e lisofosfolipídios, que têm um efeito detergente sobre as membranas. Eles também se inse- rem na bicamada lipídica da mem- brana ou substituem os fosfolipídios da membrana, potencialmente cau- sando modificações na permeabili- dade e alterações eletrofisiológicas. • Anormalidades citoesqueléticas: Os filamentos do citoesqueleto funcionam como âncoras que co- nectam a membrana plasmática ao interior da célula. A ativação de proteases pelo aumento do cálcio citosólico causa dano aos elemen- tos do citoesqueleto. 15MECANISMOS DE LESÃO CELULAR Consequências do Dano à Membrana: Os locais mais importantes de danos à membrana durante a lesão celular são as membranas mitocondriais, a membrana plasmática e as membra- nas dos lisossomos. • Dano à membrana mitocondrial: resulta na abertura dos poros de transição de permeabilidade mito- condrial, levando à diminuição de ATP e liberação de proteínas que induzem a morte por apoptose. • Dano à membrana plasmática: leva à perda do equilíbrio osmóti- co e influxo de líquidos e íons, bem como à perda do conteúdo celular. As células podem, também, perder metabólitos que são vitais para a reconstituição do ATP, com subse- quente esgotamento dos estoques de energia. • Lesão às membranas dos lisosso- mos: resulta em liberação de suas enzimas para o citoplasma e ativa- ção das hidrolases ácidas no pH ácido do interior da célula lesiona- da. Os lisossomos contêm RNa- ses, DNases, proteases, fosfatases e glicosidases. A ativação dessas enzimas promove a digestão enzi- mática das proteínas, RNA, DNA e glicogênio, e a célula morre por necrose. Espécies reativas de oxigênio Peroxidação lipídica ↑ Ca2+ citosólico Ativação de protease Ativação de fosfolipase ↑ Degradação de fosfolipídios ↓Reacilação/ síntese de fosfolipídios Perda de fosfolipídios Produtos da quebra de lipídios Danos ao citoesqueleto ↓O2 DANO À MEMBRANA Figura 4. Mecanismos de dano à membrana na lesão celular. Fonte: Robbins, 2016. 16MECANISMOS DE LESÃO CELULAR as fitas; 5) pareamento errado duran- te a replicação. Tais modificações são reconhecidas por proteínas especiali- zadas, que geram uma resposta que leva ao reparo da lesão. Porém, se o dano é muito grave para ser corrigido, a célula inicia um programa de suicí- dio que resulta em morte por apopto- se. Uma reação semelhante é iniciada por proteínas incorretamente dobra- das, as quais podem ser resultados de mutações hereditárias ou por causas adquiridas, como os radicais livres. Danos ao DNA e às Proteínas O DNA celular está constantemente sujeito a modificações na sua estru- tura, causadas por diferentes agres- sões, como radiações ionizantes e não ionizantes, radicais livres e substân- cias alquilantes, além de pareamento errado de bases nucleotídicas duran- te sua replicação. Muitas são as for- mas de lesão no DNA: 1) alterações nas bases nitrogenadas; 2) mudança de nucleotídeos; 3) formação de dí- meros; 4) quebra em uma ou ambas MAPA MENTAL: MECANISMOS DE LESÃO CELULAR Mecanismos de Lesão Celular Danos mitocondriais Estresse oxidativo Depleção de ATP Influxo e perda da homeostase do cálcio Defeitos na permeabilidade da membrana Danos ao DNA e às proteínas 17MECANISMOS DE LESÃO CELULAR 4. ACÚMULOS INTRACELULARES Uma das manifestações de alterações metabólicas nas células é o acúmulo intracelular de quantidades anormais de diversas substâncias que são ino- fensivas ou estão associadas com graus variados de lesão. A substância pode estar localizada no citoplasma, dentro das organelas ou no núcleo, e é sintetizada pelas próprias células afetadas, ou pode ter sido produzida em outros locais. Quando este acú- mulo ocasiona lesão reversível das células, denominamos o quadro de degeneração. Existem quatro mecanismos princi- pais que geram acúmulos intracelula- res anormais (Fig. 5): • Remoção inadequada de uma substância normal secundária a defeitos nos mecanismos de acon- dicionamento e transporte, como na degeneração gordurosa (estea- tose) no fígado. • Acúmulo de uma substância endó- gena anormal como resultado de defeitos genéticos ou adquiridos em seu dobramento, acondiciona- mento, transporte ou secreção. • Falha em degradar um metabólito devido a deficiências enzimáticas hereditárias. Os distúrbios resul- tantes são chamados de doenças de depósito. • Depósito ou acúmulo de uma subs- tância exógena anormal quando a célula não possui maquinaria enzi- mática para degradar a substância ou não tem capacidade de trans- portá-la para outros locais. Em muitos casos, se a sobrecarga for controlada ou interrompida, o acúmu- lo é reversível. Nas doenças de depó- sito genéticas, o acúmulo é progressi- vo e a sobrecarga causa lesão celular, levando, em alguns casos, à morte do tecido e do paciente. 18MECANISMOS DE LESÃO CELULAR Figura 5. Mecanismos de acúmulos intracelulares. Fonte: Robbins, 2016. 1.Meta- bolismo anormal Célula normal Fígado gorduroso Mutação de proteína 2. Defeito no dobramento e transporte de proteína Acúmulo de proteínas anormais 3. Ausência da enzima Substrato complexo Produtos solúveis Enzima Doença de depósito lisossômico: acúmulo de materiais endógenos Substrato complexo 4. Ingestão de materiais não digeríveis Acúmulo de materiais exógenos 19MECANISMOS DE LESÃO CELULAR Lipídeos Todas as classes principais de lipí- dios podem se acumular nas células; triglicerídeos, colesterol/ésteres de colesterol e fosfolipídios. Além disso, complexos anormais de lipídios e car- boidratos se acumulam nas doenças de depósito lisossômico. • Esteatose / Degeneração Gordu- rosa: é o acúmulo anormal de tri- glicerídeos no interior das células parenquimatosas. Com frequência, a degeneração gordurosa é vista no fígado porque este é o princi- pal órgão envolvido no metabolis- mo lipídico (Fig. 6), mas também ocorre no coração, músculos e rins. As causas de esteatose incluem substâncias tóxicas, desnutrição proteica, diabetes mellitus, obesi- dade e anóxia. Figura 6. Esteatose hepática. Na maioria das células, o núcleo bem preservado é deslocado para a periferia junto com o citoplasma, ao redor do vacúolo de gordura. Fonte: Robbins, 2016. SAIBA MAIS! Nos países desenvolvidos as causas mais comuns de degeneração gordurosa hepática sig- nificativa são o abuso do álcool e a esteato-hepatite não alcoólica, e frequentemente está associada com diabetes e obesidade. Colesterol O metabolismo celular do colesterol é finamente regulado de modo que a maioria das células o utiliza para a síntese das membranas celulares sem acúmulo intracelular. Os acúmu- los, manifestados histologicamen- te por vacúolos intracelulares, são observados em diversos processos patológicos. • Aterosclerose: doença caracteri- zada por depósitos de colesterol, ésteres do colesterol e, em me- nor quantidade, de fosfolipídeos e glicerídeos, na túnica íntima de artérias de médio e grande cali- bres. A doença é multifatorial, com participação de fatores genéticos e ambientais. Dislipidemia, com aumento de triglicerídeos e coles- terol no plasma, é o principal fa- tor de risco; hipertensão arterial, 20MECANISMOS DE LESÃO CELULAR tabagismo, diabetes mellitus, es- tresse e sedentarismo são outros fatores envolvidos. Nas placas ateroscleróticas, as células muscu- lares lisas e os macrófagos dentro da túnica íntima das artérias estão repletos de vacúolos lipídicos. Tais células exibem uma aparência es- pumosa, e agregados dessas célu- las produzem os ateromas amare- los. Algumas dessas células cheias de gordura se rompem, liberando lipídios no espaço extracelular, os quais podem se cristalizar na for- ma de agulhas (Fig. 7). Figura 7. Placa de ateroma. Fonte: Anatomia Patoló- gica UNICAMP. Disponível em: anatpat.unicamp.br/ lamdc7a.html • Xantomas: são lesões encontra- das na pele sob a forma de nódu- los ou placas. Microscopicamente, são formados por aglomerados de macrófagos carregados de coles- terol, com aspecto espumoso. O acúmulo intracelular de colesterol dentro dos macrófagos também é característico dos estados hi- perlipidêmicos hereditários ou ad- quiridos. Aglomerados de células espumosas são encontrados no tecido conjuntivo subepitelial da pele e tendões, produzindo mas- sas tumorais conhecidas como xantomas. Proteínas Os acúmulos intracelulares de pro- teínas geralmente aparecem como gotículas, vacúolos, ou agregados ar- redondados e eosinófilos no citoplas- ma. À microscopia eletrônica, podem ter aparência amorfa, fibrilar ou cris- talina. Em alguns distúrbios, como em certas formas de amiloidose, proteí- nas anormais se depositam principal- mente nos espaços extracelulares. Os excessos de proteína dentro das células, suficientes para causar acú- mulo morfologicamente visível têm diversas causas: • Gotículas de reabsorção nos tú- bulos renais proximais são ob- servadas em doenças renais as- sociadas à perda de proteína na urina. O processo é reversível; se a proteinúria diminuir, as gotículas de proteína são metabolizadas e desaparecem. • As proteínas que se acumulam podem ser proteínas normais se- cretadas que são produzidas em quantidade excessiva, como ocorre 21MECANISMOS DE LESÃO CELULAR em certos plasmócitos envolvidos na síntese ativa de imunoglobuli- nas. O RE torna-se imensamente distendido, produzindo grandes inclusões eosinófilas homogêne- as chamadas de corpúsculos de Russell. • Defeito intracelular no transporte e secreção de proteínas fundamen- tais. Na deficiência de α1-antitrip- sina, mutações em que há dobra- mento significativamente lento de proteínas resultam no acúmulo de intermediários parcialmente do- brados, que se agregam no RE do fígado e não são secretados. • Acúmulo de proteínas do citoes- queleto. Existem vários tipos de proteínas do citoesqueleto, incluin- do os microtúbulos, filamentos fi- nos de actina, filamentos grossos de miosina e filamentos interme- diários. Os acúmulos de certo tipo de filamentos intermediários estão associados com a lesão celular. • Agregação de proteínas anormais. As proteínas anormais ou mal do- bradas podem se depositar nos te- cidos e interferir com suas funções normais. Os depósitos podem ser intra ou extracelulares, ou ambos, e podem causar, direta ou indire- tamente, alterações patológicas. Certas formas de amiloidose se enquadram nessa categoria de doenças. Glicogênio O glicogênio é uma reserva de ener- gia prontamente disponível arma- zenada no citoplasma de células saudáveis. Depósitos intracelulares excessivos de glicogênio são encon- trados em pacientes com uma anor- malidade no metabolismo da glicose ou do glicogênio. Independentemente do contexto clí- nico, o acúmulo do glicogênio apa- rece como vacúolos claros dentro do citoplasma. O diabetes mellitus é o principal exemplo de distúrbio do me- tabolismo da glicose. Nessa doença, o glicogênio é encontrado nas célu- las epiteliais dos túbulos renais, bem como dentro dos hepatócitos, células ẞ das ilhotas de Langerhans e células musculares cardíacas. Este acúmulo de glicogênio pode ocasionar várias doenças, as quais são agrupadas em um grupo de dis- túrbios genéticos relacionados, cole- tivamente denominados de doenças de depósito do glicogênio ou glico- genoses. Nessas doenças, defeitos enzimáticos na síntese ou degrada- ção do glicogênio resultam em acú- mulo maciço, causando lesão e morte celular. Pigmentos Pigmentos são substâncias coloridas, algumas das quais são constituintes normais das células (p. ex., melanina), 22MECANISMOS DE LESÃO CELULAR enquanto outros são anormais e acu- mulam-se nas células somente sob circunstâncias especiais. Podem ser exógenos, provenientes de fora do corpo, ou endógenos, sintetizados dentro do próprio corpo. Pigmentos Exógenos O pigmento exógeno mais comum é o carbono, um poluente do ar ubí- quo em áreas urbanas. Quando ina- lado, é assimilado pelos macrófagos dentro dos alvéolos e, então, trans- portado através dos vasos linfáticos para linfonodos regionais na região traqueobrônquica. O acúmulo desse pigmento confere cor negra ao tecido pulmonar (antracose) e aos linfono- dos envolvidos (Fig. 8). Figura 8. Antracose em alvéolos pulmonares. Fonte: Anatomia Patológica UNICAMP. Disponível em: ana- tpat.unicamp.br/lamdegn15.html SAIBA MAIS! Nos mineiros de carvão, os agregados de poeira de carvão podem induzir uma reação fibro- blástica, ou até mesmo enfisema, causando, assim, uma doença pulmonar grave conhecida como pneumoconiose dos trabalhadores do carvão. A tatuagem é uma forma de pigmen- tação exógena localizada na pele. Os pigmentos inoculados são fagocita- dos pelos macrófagos da derme, nos quais residem pelo resto da vida das pessoas adornadas. Os pigmentos geralmente não despertam nenhuma resposta inflamatória. Pigmentos Endógenos A lipofuscina é um pigmento inso- lúvel, tambémconhecido como li- pocromo ou pigmento de desgaste, é composta de polímeros de lipídios e fosfolipídios formando complexos com proteínas. Não é nociva à célula ou às suas funções, e sua importân- cia reside no fato de ela ser um sinal denunciador de lesão por radicais li- vres e peroxidação lipídica. O termo é derivado do latim (fuscus, marrom), significando lipídio marrom. Nos cortes histológicos, ela aparece como um pigmento castanho-amare- lado finamente granular citoplasmáti- co, frequentemente perinuclear (Fig. 23MECANISMOS DE LESÃO CELULAR 9). É observada em células que so- frem alterações regressivas lentas e é particularmente proeminente no fí- gado e coração de pessoas idosas ou em pacientes com desnutrição grave e caquexia do câncer. Figura 9. Grânulos de lipofuscina em miócitos cardía- cos à microscopia óptica. Fonte: Robbins, 2016. A melanina é um pigmento endóge- no com cor que varia do castanho ao negro, formado quando a enzima tiro- sinase catalisa a oxidação da tirosina em di-hidroxifenilalanina nos mela- nócitos. Aqui, o pigmento é deposita- do na pele, tecido conjuntivo e carti- lagem, e a pigmentação é conhecida como ocronose. A hemossiderina é um pigmento granular ou cristalino, amarelo-ouro a marrom, derivado da hemoglobina, sendo uma das principais formas de armazenamento do ferro. O ferro é normalmente carreado por uma pro- teína de transporte específica cha- mada transferrina. Nas células, é ar- mazenado em associação com uma proteína, a apoferritina, para formar micelas de ferritina. A ferritina é um componente da maioria dos tipos celulares. O pigmento hemossiderina represen- ta agregados de micelas de ferritina. Sob condições normais, pequenas quantidades de hemossiderina po- dem ser observadas em fagócitos mo- nonucleares da medula óssea, baço e fígado, que estão ativamente envolvi- dos na degradação das hemácias. Quando há sobrecarga sistêmica de ferro, a hemossiderina é depositada em muitos órgãos e tecidos, uma con- dição denominada hemossiderose. As principais causas de hemosside- rose são: 1) aumento da absorção do ferro da dieta, devido a um erro inato do metabolismo chamado hemocro- matose; 2) anemias hemolíticas, em que a lise prematura das hemácias conduz à liberação de quantidades anormais de ferro; e 3) transfusões de sangue repetidas, porque as he- mácias transferidas constituem uma carga exógena de ferro. Já quando se trata de hemossidero- se localizada, temos como exemplo a equimose comum. No local da le- são, as hemácias extravasadas são fagocitadas durante vários dias pelos macrófagos, que degradam a hemo- globina e recuperam o ferro. Após a remoção do ferro, a porção heme é convertida primeiramente em bili- verdina e, depois, em bilirrubina. Em 24MECANISMOS DE LESÃO CELULAR paralelo, o ferro liberado do heme é incorporado na ferritina e, finalmen- te, na hemossiderina. Essas conver- sões são responsáveis pela mudança de cores vista em uma equimose em reabsorção, que tipicamente muda de vermelho-arroxeada para azul-es- verdeada e para amarelo-ouro, até desaparecer. MAPA MENTAL: ACÚMULOS INTRACELULARES Acúmulos Intracelulares Glicogênio Esteatose / Degeneração gordurosa Proteínas ColesterolLipídeos Pigmentos Endógenos Exógenos • Aterosclerose • Xantomas • Carbono • Tatuagem • Lipofuscina • Melanina • Hemossiderina 25MECANISMOS DE LESÃO CELULAR MAPA MENTAL: LESÃO CELULAR LESÃO CELULAR Defeitos na permeabilidade da membrana Endógenas CAUSAS ACÚMULOS INTRACELULARES LESÃO IRREVERSÍVEL (MORTE CELULAR) LESÃO REVERSÍVELMECANISMOS IdiopáticasExógenas Apoptose Necrose Lipídeos Glicogênio Pigmentos Proteínas Colesterol Danos mitocondriais Depleção de ATP Estresse oxidativo Danos ao DNA e às proteínas Influxo e perda da homeostase do cálcio 26MECANISMOS DE LESÃO CELULAR REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Brasileiro Filho, Geraldo. Bogliolo, patologia. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. KUMAR, Vinay; ABBAS, Abul K.; ASTER, Jon C. Robbins, bases patológicas das doenças. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. 27MECANISMOS DE LESÃO CELULAR
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