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Tópicos de Filosofia e História da Matemática Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Dra. Ana Lucia Nogueira Junqueira Revisão Textual: Profa. Ms. Selma Aparecida Cesarin Períodos e principais correntes filosóficas • Introdução • Filosofia Antiga • Filosofia Medieval • Período Moderno • Período Contemporâneo • Concluindo · O objetivo principal desta Unidade é discutir as características e os principais pensadores dos grandes períodos da Filosofia: Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea. · Procuramos enfatizar as correntes filosóficas que mais se articulam com a história da Matemática e enfatizam o desenvolvimento da Ciência. · Espera-se com isso que o aluno seja capaz de identificar essas principais correntes filosóficas, que serão úteis para a continuidade dos estudos acerca da história da Matemática. OBJETIVO DE APRENDIZADO A Disciplina como um todo trata dos aspectos de evolução do pensamento. Nesta segunda Unidade, vamos abordar as principais correntes de pensamento, bem como os filósofos mais relevantes dessas correntes, em cada grande período da História, Antiga, Medieval, Moderna e algumas considerações da Contemporânea. Nesse sentido, a ênfase são as ideias e princípios que caracterizam as principais correntes filosóficas de cada período, dentro do contexto da época, evidenciando os filósofos de maior destaque e algumas de suas obras. É importante frisar que estaremos tratando da historicidade filosófica, não do estudo da Filosofia propriamente dito. Portanto, o mais importante é procurar entender as mudanças ocorridas no modo pensante no contexto de cada época, nas diferentes correntes de pensamento. Também é importante ficar atento às características que demarcam as diferenças de pensamento, às vezes até contraditórios, embora sendo de uma mesma corrente filosófica. Para tal, façam sínteses de cada corrente de pensamento evidenciando os maiores destaques, diferenças e concordâncias; certamente serão úteis para se preparar e realizar as atividades da Unidade. Alerto que sobre algumas questões pode haver mais de uma versão ou visões diferentes. Isso é normal, dado que para períodos mais antigos pode haver dificuldades em determinar com exatidão uma data ou mesmo uma informação. Mas você não deve se preocupar com isso; deixemos para os filósofos e historiadores. O mais importante é apreender as noções e conceitos tratados no material teórico, dentro da ideia principal da Unidade, que é dar uma visão geral da historicidade do pensamento em mais de 20 séculos, destacando os elementos mais relevantes. ORIENTAÇÕES Períodos e principais correntes fi losófi cas UNIDADE Períodos e principais correntes filosóficas Contextualização Veja a imagem da pintura O Grito, do famoso pintor norueguês Edvard Munch, e perceba qual sensação ela lhe transmite. Figura 1: O Grito, Edvard Munch, 1893 – Galeria Nacional, Oslo Fonte: Wikimedia Commons O Grito é uma série de quatro pinturas de Munch, a mais célebre delas datada de 1893. A obra, uma das mais representativas do movimento expressionista, representa uma figura andrógina num momento de profunda angústia e desespero existencial. Agora leia a “tirinha” a seguir e reflita sobre ela. Disponível em: http://goo.gl/m7tEUm Bill Watterson, escritor norte-americano de histórias em quadrinhos, ao criar a dupla Calvin e seu tigre Haroldo, critica o mundo adulto. Não por acaso o nome do menino rebelde Calvin foi inspirado em Calvino, líder religioso do século XVI que rompeu com a Igreja Católica. Na versão original, o nome do tigre é Hobbes, menção explícita ao filósofo do século XVII, que tinha uma visão pessimista da natureza humana. Ex pl or A vida no mundo contemporâneo tem levado as pessoas a se arrastarem num turbilhão de ideias, informações, inovações tecnológicas e preocupações de todo tipo, ao mesmo tempo em que não dá condições de o indivíduo olhar para si e refletir a respeito de sua existência. 6 7 Mas será que houve tempos mais tranquilos que propiciassem o livre pensar? Não nos enganemos, pois cada época teve seus conflitos e dificuldades igualmente turbulentos no contexto da época em questão. Mesmo assim, tanto em tempos mais remotos quanto atualmente temos pensadores que se destacam com o seu pensar filosófico. Mas o que leva a pensar filosoficamente? Pensar sobre as questões que afligem o mundo, ou que nos afligem? Pensar sobre nossa existência, para quê viemos ao mundo? Pensar que mundo é esse? São tantas as questões que podemos nos perguntar, que nos afligem ou angustiam, sob diversos aspectos, em diversos campos, que uma lista não daria conta. Os filósofos é que fazem isto. Vejamos algumas frases de filósofos bastante reconhecidos pelos seus trabalhos nesse campo do saber e que talvez possam dar uma ideia de suas reflexões: · “Tudo está se tornando, nada é.” (Platão); · “O homem é a medida de todas as coisas.” (Protágoras); · “Que é ser?” (Aristóteles); · “A alma é conhecida por seus atos.” (Tomás de Aquino); · “É muito mais seguro para um príncipe ser temido do que ser amado.” (Maquiavel); · “O valor ou a valia de um homem é, como em todas as coisas, seu preço.” (Thomas Hobbes); · “O que posso saber?” (René Descartes); · “O conhecimento de nenhum homem aqui pode ir além de sua experiência” (John Locke) · “A beleza das coisas existe na mente de quem as contempla.” (David Hume); · “O real é o racional e o racional é o real.” (Georg W. Friedrich Hegel); · “O homem é uma corda, estendida entre a fera e o super-homem – uma corda sobre um abismo.” (Friedrich Nietzsche); · “O supremo paradoxo de todo pensamento é tentar descobrir algo que o pensamento não pode pensar.” (Soren Keirkegaard); · “Eu existo, e tudo o que é não-eu é mero fenômeno dissolvendo-se em conexões fenomenais.” (Edmund Husserl). Vamos ver, então, como se deu o desenvolver desse pensar filosófico ao longo dos tempos e as principais corrente filosóficas? 7 UNIDADE Períodos e principais correntes filosóficas Introdução Vimos a importância do mito e do pensamento mítico como precursores do pensamento filosófico. Agora vamos abordar as principais correntes filosóficas, lembrando-se de que os estudos filosóficos têm como espinha dorsal o estudo da História da Filosofia. Isto requer tecer algumas considerações prévias. Para se estabelecer uma sequência histórica da Filosofia, podemos usar diferentes critérios. No entanto, vez que este não é um curso de Filosofia, mas apenas tópicos de Filosofia, a abordagem adotada será feita por meio da História da Filosofia, que visamos a articular com a História da Matemática. Normalmente, a periodização é feita a partir de uma correlação com os períodos históricos, políticos e culturais. É dessa forma que faremos. É muito difícil denominar quem foi o primeiro filósofo, ou quando e em que lugar nasceu a Filosofia. Entretanto, segundo Marcondes (2007), Aristóteles, no Livro I de sua obra Metafísica, talvez tenha sido o ponto de partida dessa concepção, chegando a definir Tales de Mileto como o primeiro filósofo. Isto não quer dizer que não tenha havido pensamento filosófico antes de Tales ou em outra região. Os diferentes povos da Antiguidade – assírios e babilônios, chineses e indianos, egípcios, persas e hebreus – todos tiveram visões próprias da natureza e maneiras diversas de explicar os fenômenos e processos naturais. Mas, na concepção mais comum que nos foi legada, da Filosofia Ocidental, caracterizamos os primórdios da Filosofia na Grécia antiga, por volta do século VI a. C., como a fase inicial do pensamento filosófico-científico, uma forma específica de se entender a realidade, mesmo que tenha havido outras formas de entender essa mesma realidade. Esse novo pensamento filosófico-científico possui características centrais que superam o caráter de narrativa mítica, a saber: physis, causalidade, arqué, cosmo, logos e caráter crítico. Na noção de physis (natureza)e de causalidade, o objeto de investigação é o mundo natural, sendo que suas teorias buscam dar uma explicação causal dos processos e fenômenos naturais a partir de causas encontráveis na natureza, puramente naturais, concretas, e não em um mundo sobrenatural, divino, de explicações míticas. Entretanto a explicação causal tem um caráter regressivo, ou seja, cada fenômeno pode ser considerado efeito de uma causa que, por sua vez, seria o efeito de uma causa anterior e assim sucessivamente. Para evitar uma regressão ao infinito da explicação causal para justificar um fenômeno, os filósofos postulavam a existência de um elemento primordial – arqué (ou arché) – que serviria de ponto de partida de todo o processo. 8 9 O primeiro a formular essa noção foi exatamente Tales de Mileto, que afirmava ser a água (hydor) o elemento primordial. Não se sabe exatamente por que Tales teria escolhido a água como elemento primordial; talvez porque se encontra na natureza em seus três estados, sólido, líquido e gasoso, ou talvez por influência dos antigos mitos do Egito e da Mesopotâmia, civilizações de regiões áridas que se desenvolveram em deltas de rios, em que a água aparece como fonte de vida. Outros filósofos, sucessores de Tales, adotaram diferentes elementos primordiais: Anaxímenes, o ar; Anaximandro, o apeíron (um princípio abstrato, significando algo ilimitado, indefinido, subjacente à própria natureza); Heráclito, o fogo; Demócrito, o átomo; Empédocles adota quatro elementos primordiais, terra, água, ar e fogo, tese retomada depois por Platão e bastante difundida na Antiguidade, chegando mesmo ao período moderno, presente em especulações da alquimia do Renascimento até o surgimento da moderna alquimia química. A importância da noção do arque está na tentativa desses filósofos de apresentar uma explicação da realidade em um sentido mais profundo, estabelecendo um princípio básico que permeia toda a realidade que, de certa forma a unifique, dando um caráter geral, como que inaugurando a Ciência. O sentido de cosmos para os gregos desse período relacionava-se diretamente às ideias de ordem, harmonia e mesmo beleza, vez que beleza resulta da harmonia das formas (daí o termo cosmético). O cosmo como ordem se opõe ao caos, à desordem, o estado da matéria anterior a sua organização. É importante notar que a ordem do cosmos é uma ordem racional, em que razão significa a existência de princípios e leis que regem e organizam essa realidade. Dessa forma, há na concepção grega o pressuposto de uma correspondência entre a razão humana e a racionalidade do real – o cosmo –, que esse real pode ser compreendido e se pode fazer Ciência para explicá-lo teoricamente. Daí o termo cosmologia como explicação dos processos e fenômenos naturais e como teoria geral sobre a natureza e o funcionamento do universo. O termo logos significa literalmente discurso e com essa concepção que é encontrado em Heráclito de Éfeso. O logos – explicação com argumentos e razões dadas – difere fundamentalmente do mythos, a narrativa de caráter poético que recorre aos deuses e à explicação mítica do real. É nesse sentido racional, que explica o real por causas naturais, que se dá o discurso desses primeiros filósofos. O logos é, portanto, o discurso racional, argumentativo (daí o termo lógica), em que as explicações são justificadas e estão sujeitas à crítica e à discussão. Em outras palavras, a correspondência entre a razão humana e a racionalidade do real torna possível um discurso racional sobre o real. 9 UNIDADE Períodos e principais correntes filosóficas Um dos aspectos mais fundamentais do saber que se constituiu nessas primeiras escolas do pensamento, sobretudo na escola jônica, foi seu caráter crítico. As teorias formuladas não eram de forma dogmática, apresentadas como verdades absolutas e definitivas, mas passíveis de serem discutidas, de suscitarem divergências e discordâncias, de permitirem formulações e propostas alternativas. Por se tratar de construção do pensamento humano, de ideias de um filósofo – e não de verdades reveladas, de caráter divino ou sobrenatural – estavam sempre abertas à discussão, a reformulações e a correções. A única exigência era de que as divergências fossem justificadas e fundamentadas por seus autores e, por sua vez, que também pudessem ser submetidas à crítica. Assim, levando em conta as características do pensamento filosófico-científico e dada sua importância histórico-filosófica, apresentamos a seguir a subdivisão da Filosofia em seus grandes períodos, de acordo com a classificação da Historiografia. A Periodização Clássica adotada pela Historiografia divide os períodos históricos humanos da seguinte forma: Era Pré-história Das origens do homem até 4000 a.C. Antiguidade De 4000 a.C. a 476 d. C. Idade Média De 476 a 1453 Idade Moderna De 1453 a 1789 Idade Contemporânea de 1789 aos dias atuais Evento que marca o início de cada era Origem da espécie humana Invenção da escrita Queda do Império Romano Queda de Constantinopla Revolução francesa Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Cronologia_da_hist%C3%B3ria_do_mundo Grandes períodos da História da Filosofia Filosofia · Antiga · Medieval · Moderna · Contemporânea Vale ressaltar que estes períodos não têm uma divisão perfeitamente delimitada, não raro se imbricam, coexistindo. Abordaremos as características e os fundamentos mais relevantes, bem como os principais filósofos, dos períodos Antigo, Medieval e Moderno, procurando destacar suas ideias e o contexto da época em que viveram, para evidenciar as questões que motivaram questionamentos filosóficos relevantes na ocasião. Em relação ao período contemporâneo, daremos apenas um panorama geral. Isto se deve a algumas limitações – como a dificuldade em tratar a diversidade de correntes e o grande número de grande pensadores desse período em poucas linhas – e por optarmos em nos concentrar na historicidade da construção do pensamento filosófico desde seus primórdios. 10 11 Filosofi a Antiga A Filosofia Antiga refere-se a um grupo diversificado e que se localiza na Jônia desde o século VI a.C. até os primeiros tempos da era cristã. Pela dimensão temporal, podemos localizar temáticas díspares que são sistematizadas neste mesmo grupo, como indicado. Filosofi a Antiga · Período pré – Socrático · Período Clássico · Período pós – Socrático Período Pré-Socrático O período pré-socrático, como indica o nome, designa os primeiros filósofos anteriores a Sócrates (470-399 a. C.), chegando alguns a serem seus contemporâneos. Segundo Marcondes (2007), a leitura, interpretação e discussão da Filosofia dos pré-socráticos envolvem grandes dificuldades, pois suas obras se perderam na Antiguidade e só são conhecidas por meios indiretos. Pode até ter havido obras escritas, como o Poema, de Parmênides e o tratado Da Natureza, de Heráclito, que não sobreviveram na integralidade, só em fragmentos. Entretanto, a tradição da época valorizava mais a palavra falada do que a escrita e a Filosofia era vista essencialmente como discussão. Duas fontes são as principais dos pré-socráticos: a doxografia e os fragmentos. A doxografia consiste em sínteses do pensamento desses filósofos e comentários feitos a posteriori, por autores de Aristóteles (384-323 a.C.) a Simplício (século VI). Os fragmentos são citações de passagens dos próprios filósofos pré-socráticos. A diferença é que os fragmentos nos trazem as próprias palavras dos pensadores, mesmo que selecionadas por outros, enquanto que a doxografia apresenta o pensamento de um filósofo pelas palavras de outro pensador. No período pré-socrático, encontramos as escolas Jônica, Italiana e Atomista. Vamos discorrer sobre as características de cada uma e apresentar as ideias centrais de seus mais influentes filósofos. Escolas do Período Pré – Socrático · Jônica · Italiana · Atomista 11 UNIDADE Períodos e principais correntesfilosóficas Escola Jônica Caracteriza-se sobretudo pelo interesse na physis, pelas teorias sobre a natureza. A Jônia era uma região da costa sudoeste da Anatólia, hoje na Turquia. Ficava entre Mileto e Fócia e era banhada pelo mar Egeu. Figura 2 Fonte: Wikimedia Commons Dessa escola destacam-se: · Tales de Mileto (624-548 a. C.) e os discípulos Anaximandro (610-547 a.C.) e Anaxímenes (585-528 a.C.), que formam a chamada escola de Mileto; · Xenófanes de Colofon (580-480 a.C.); · Heráclito de Eféso (535-475 a. C.). Escola Italiana Caracteriza-se pela visão mais abstrata, menos voltada para uma explicação naturalista da realidade, já prenunciando o surgimento da lógica e da metafísica, sobretudo no que diz respeito aos eleatas (de Eleia). · Pitágoras de Samos (571-490 a. C.), Filolau de Crotona (470-385 a.C.) e a escola pitagórica; · Parmênides de Eleia (530-460 a.C.) e a escola eleática, na qual se destacam Zenão de Eleia (490-430 a. C.) e Melisso de Samos (c 470 a. C.). Temos uma segunda fase dos pré-socráticos, denominada por vezes de pluralista, na qual se destacam Empédocles de Agrigento (495-430 a.C.), conhecido por sua doutrina dos 4 elementos e a Escola atomista, cuja doutrina sustenta que a realidade consiste em átomos e no vazio, os átomos se atraindo e repelindo e, com isso, gerando os fenômenos naturais e o movimento. 12 13 De maneira geral, os pré-socráticos ou físicos, desde Tales de Mileto, interrogavam-se sobre a physis (natureza) – daí o nome “físicos” – e sua preocupação sobre o princípio (arché) da natureza, da ordem do mundo, fez com que estabelecessem as primeiras elaborações à procura de um princípio lógico que explicasse a própria natureza. Vejamos as ideias centrais de alguns desses pensadores. Tales de Mileto Embora considerado o primeiro filósofo, sabe-se muito pouco sobre ele, vez que não subsistiu nenhum fragmento seu (até o momento nada se encontrou). Ele foi visto desde a Antiguidade como o iniciador da visão de mundo e do estilo de pensamento que passamos a entender como Filosofia. Destacam-se duas características fundamentais em seu pensamento: primeiro, o modo de explicar a realidade natural a partir dela mesma, sem nenhuma referência ao sobrenatural, formulando a doutrina da água como elemento primordial, princípio explicativo de todo processo natural; e, em segundo lugar, o caráter crítico de sua doutrina, admitindo e até estimulando seus discípulos a desenvolverem outros pontos de vista com outros princípios explicativos. Anaximandro Foi o principal discípulo e sucessor de Tales. Propôs, no entanto, o apeíron (o ilimitado ou o indeterminado) como princípio, sendo talvez o primeiro a utilizar a noção de arqué nesse sentido, destacando-se, assim, por introduzir uma noção nova que não se confunde com nenhum dos elementos tradicionais, num esforço na direção de uma explicação mais abstrata ou genérica do real, uma primeira versão da matéria. Anaxímenes Provavelmente discípulo de Anaximandro, adotou, por sua vez, o ar (pneuma) como arqué, vez que o ar é incorpóreo e se encontra em toda parte, numa tentativa de encontrar um elemento de caráter invisível e incorpóreo para uma explicação abstrata da realidade física. Xenófanes Embora originário da Jônia, viajou pela Grécia e esteve no sul da Itália, sendo considerado precursor do pensamento dos eleatas e talvez mestre de Parmênides. Escrevia no estilo poético, atacou o antropomorfismo típico da tradição religiosa da época, defendeu a ideia de deus único, identificado com a própria natureza, e adotou a terra como elemento primordial. 13 UNIDADE Períodos e principais correntes filosóficas Heráclito de Efeso Conhecido na Antiguidade como “o Obscuro” devido à dificuldade de interpretação do seu pensamento. Apesar de pré-socrático, é dele que mais chegaram fragmentos. Pode até ser considerado um atomista, como principal representante do mobilismo, isto é, que a realidade natural se caracteriza pelo movimento. Seria este o sentido de sua frase “Panta rei” (Tudo passa), sua Filosofia parece defender a “unidade da pluralidade”, talvez entendida como unidade dos opostos, já que via a realidade marcada pelo conflito (pólemos) entre os opostos: dia e noite, calor e frio, vida e morte. Heráclito valoriza a experiência sensível e elege o fogo como elemento primordial, enquanto chama, energia que queima e se auto consome, simbolizando o caráter dinâmico da realidade. Seu fragmento mais famoso é: “Não podemos banharmo-nos duas vezes no mesmo rio, porque o rio não é mais o mesmo”. Esse fragmento sintetiza a ideia da realidade em fluxo, simbolizada pelo fluxo da água no rio. Segundo Marcondes (2007), Hegel viu em Heráclito o primeiro filósofo a desenvolver um pensamento dialético. Pitágoras Originário de Samos, na Jônia, emigrou para a Itália por problemas políticos, após a invasão persa e fundou em Crotona sua escola de caráter semirreligioso e iniciático. Representa, assim, uma transição do pensamento jônico para o da escola italiana, mas também a permanência de elementos míticos e religiosos. Trata-se de uma figura misteriosa e quase lendária, devido às características da própria escola. Especula-se sobre a influência egípcia no pensamento pitagórico, já que Pitágoras defendia uma concepção de imortalidade e transmigração (metempsicose) da alma, embora essas mesmas crenças fossem encontradas na tradição cultural da Trácia, na Grécia. A escola pitagórica tem longa tradição na Antiguidade, subsistindo por cerca de dez séculos, e teve inúmeras ramificações, como dos neopitagóricos do período helenista, e dos platonistas e neoplatonistas, devido à influência do pitagorismo de Platão. Uma das principais contribuições dos pitagóricos à Filosofia e ao desenvolvimento da Ciência encontra-se na doutrina de que o número é o elemento básico explicativo da realidade, revelando uma proporção em todo o Cosmo, o que explicaria a harmonia do real garantindo sua beleza. Os pitagóricos tiveram importância fundamental no desenvolvimento da Matemática grega, sobretudo na Geometria. 14 15 Também a teoria da harmonia musical reflete a concepção de que há uma proporção ideal para todo universo, aí representada nas proporções da escala musical; daí a música ser tratada na Antiguidade como Disciplina Matemática. Essa mesma concepção, que busca um princípio geométrico da proporção, como representante da harmonia cósmica, encontra-se na Arquitetura grega de linhas fortemente geométricas, na escultura do período clássico, em que o corpo é representado com proporções ideais, e até mesmo na ginástica e no culto ao físico. A concepção de número como elemento primordial reflete-se na tetractys, ou grupo dos quatro, que consiste nos quatro primeiro algarismos (1, 2, 3, 4) que somam dez e podem ser dispostos em forma triangular, simbolizando uma relação perfeita. Tetractys Figura 3 Parmênides Parmênides e os eleatas (da região de Eleia, antiga cidade da Magna Grécia, denominada Vélia, na época romana) São adversários dos mobilistas defendendo uma posição caracterizada como monistas, doutrina de uma única realidade. Parmênides faz distinção entre realidade e aparência; assim, o movimento seria tido como aparente. Zenão de Eleia É um dos mais famosos pré-socráticos, sobretudo devido aos paradoxos que formulou problematizando e colocando em xeque a noção de movimento. Seus paradoxos são até hoje polêmicos e amplamente discutidos. Segundo Rodrigues (2009), o filósofo de Eléia não negou a percepção que temos do movimento, do múltiplo e da variação; seu objetivo foi submeter os dados oriundos dos sentidos às exigências lógicas da razão, demonstrando que a experiência imediata do movimento e da multiplicidade pelos sentidos, aos “olhos da razão”, é irracional e absurda. 15 UNIDADE Períodos e principais correntes filosóficas Os argumentos propostos por Zenão afrontam a crença do senso comum (doxa), pois procuram defendera tese parmenidiana da imobilidade, ou imutabilidade, do Ser. Para Aristóteles, que tentou refutar com argumentos filosóficos, os argumentos de Zenão revelam-se de extrema importância, dado que movimento é mudança (kínesis). É difícil avaliar as controvérsias entre mobilistas e monistas: Heráclito, que pensa os opostos como complementares, vê no conflito e no movimento os princípios básicos do real; a concepção de Parmênides é insustentável já que para o monismo (a unidade da realidade como um todo) dos eleatas, a posição do mobilismo é absurda. Trata-se provavelmente do primeiro grande conflito de paradigmas da história da Filosofia. Em Matemática, uma aplicação cuidadosa do conceito de limite resolverá as questões levantadas pelos paradoxos de Zenão. Leia o artigo “Zenão de Eleia, discípulo de Parmênides: um esboço”, de Osvaldino M. Rodrigues, disponível link: http://goo.gl/snXtdPEx pl or Empédocles de Agrigento Na Sicília, foi um filósofo e pensador pré-socrático grego conhecido por ser o criador da teoria cosmogênica dos quatro elementos clássicos que influenciou o pensamento ocidental de uma forma ou de outra, até quase meados do século XVIII. Escrevia em versos e os fragmentos que restam de suas lições estão em dois poemas: Purificações e Sobre a Natureza. Embora familiarizado com as teorias dos Eleatas e dos Pitagóricos, Empédocles não pertencia a nenhuma escola definida. Sendo eclético, procurou sintetizar as doutrinas dos pensadores anteriores, como Parmênides, Pitágoras e pela escola jônica, bem como superar a visão monista eleata de unidade do real e as concepções pluralistas e mobilistas Empédocles estabeleceu os quatro elementos essenciais que fazem toda a estrutura do mundo – fogo, ar, água e terra – chamando-os de raízes (rizómata). Ele jamais usou o termo “elemento”, que parece ter sido usado pela primeira vez por Platão. Em sua doutrina, de acordo com as diferentes proporções em que esses quatro elementos indestrutíveis e imutáveis são combinados uns com os outros, é produzida a diferença da estrutura. Essa teoria dos quatro elementos tornou-se o padrão dogma nos dois mil anos seguintes. 16 17 Período Clássico O período clássico é um período áureo da Filosofia Antiga. O pensamento de Sócrates é um marco na constituição do pensamento da tradição filosófica e inaugura o período clássico da Filosofia, rompendo com a preocupação centrada na formulação de doutrinas sobre a realidade natural, encontrada nos pré-socráticos. É um período áureo, pois além da figura emblemática de Sócrates, é constituído por diversos outros pensadores relevantes, entre os quais temos os Sofistas, grupos de mestres que viajavam de cidade em cidade realizando discursos em aparições públicas para atrair estudantes, como também Platão e Aristóteles, que inauguram a Filosofia sistemática, por sistematizarem uma obra filosófica expressando uma determinada concepção de mundo. Período Clássico · Sócrates e os sofista · Filosofia sistemática – Platão e Aristóteles Sócrates e os sofistas O pensamento de Sócrates é um marco na constituição do pensamento da tradição filosófica e inaugura o período clássico da Filosofia, rompendo com a preocupação centrada na formulação de doutrinas sobre a realidade natural, encontrada nos pré-socráticos. Os sofistas são contemporâneos de Sócrates, principais adversários como também o foram Platão e Aristóteles. Apesar disso, Sócrates e os sofistas compartilham, embora com visões diferentes e às vezes diametralmente opostas, o interesse fundamental pela problemática ético-política, pela questão do homem enquanto cidadão da pólis, que passa a se organizar politicamente no sistema que conhecemos como democracia. Portanto, o pensamento de Sócrates e dos sofistas deve ser entendido tendo como pano de fundo o contexto histórico e sociopolítico de sua época. Nesse sentido, o surgimento da Filosofia deve ser visto como um fato cultural, num contexto histórico e social, que corresponde ao começo da estabilização da sociedade grega, com o desenvolvimento da atividade comercial, a consolidação de várias cidades-Estado e o progresso advindo da expansão marítima, originando uma classe mercantil politicamente mais influente. A democracia representa a possibilidade de resolverem, por meio do entendimento mútuo e de leis iguais para todos as diferenças e divergências existentes nessa sociedade, em prol do interesse comum. Todas essas mudanças refletem-se também em outras áreas da cultura e do pensamento. O teatro, por exemplo, com a tragédia, deixa de ser um ritual religioso, para se tornar uma celebração cívica. 17 UNIDADE Períodos e principais correntes filosóficas É o caso das tragédias de Ésquilo, que datam de 490-456 a.C., e principalmente de Sófocles, cuja obra é de 469-405 a.C., destacando-se Édipo Rei e Antígona. Além do teatro, podemos mencionar relatos históricos e geográficos, como História da guerra contra os persas, de Heródoto, e a História da Guerra de Peloponeso, de Tucídides, que representam a passagem de narrativas míticas e lendárias de tradição arcaica para os relatos de viagens e testemunhos de eventos históricos. Sócrates (470-399 a. C.) É figura marcante e emblemática da Filosofia grega. Embora nunca tenha escrito nada, foi a partir dele que as questões humanas superaram as preocupações sobre o princípio ordenador da natureza. Sócrates legou à Filosofia a figura do homem questionador, que procura conhecer, interrogando as pessoas que julgava sábias. Ele dialogava e interrogava as pessoas à exaustão, por meio da ironia e da maiêutica (método socrático que consiste na multiplicação de perguntas, induzindo o interlocutor à descoberta de suas próprias verdades e à conceituação geral de um objeto), as partes constitutivas do seu método dialético: inquiria para que as pessoas pudessem “dar à luz às ideias”. Incorporou o lema de um oráculo “Conhece-te a ti mesmo” como parte de sua tarefa e foi julgado e condenado à morte. Platão, seu discípulo, considerou que Sócrates foi condenado por questões evidentemente políticas. Os mais conhecidos sofistas foram Protágoras de Abdera (490-421 a.C.) e Górgias de Leontinos (487-380 a.C.). O principal fragmento de Protágoras é o início de sua obra sobre a verdade, que afirma: “O homem é a medida de todas as coisas, das que são como são, e das que não são como não são”. Esse fragmento, de certa forma, sintetiza as ideias centrais dos sofistas, o humanismo e o relativismo. A técnica argumentativa de Protágoras desenvolve a antilógica, como tentativa de argumentar pró e contra determinada posição. Górgias foi um dos maiores oradores e principais mestres da retórica de sua época. Em seu famoso tratado Da Natureza ou Do Não-Ser, Górgias defende a impossibilidade do conhecimento em um sentido estável e definitivo, afirmando: “Nada existe que possa ser conhecido; se pudesse ser conhecido não poderia ser comunicado, se pudesse ser comunicado não poderia ser compreendido”. Górgias dá grande importância ao logos, citando em sua obra Elogio a Helena: “O logos é um grande senhor”. Górgias destaca que o logos pode ser enganoso e tudo que dispomos é o discurso, o mais importante do que o verdadeiro é o que pode ser provado e defendido. 18 19 Vale lembrar que os sofistas eram professores que ensinavam a retórica aos jovens de famílias ricas, mediante pagamento. A crítica de Sócrates aos sofistas consiste em mostrar que o ensinamento sofístico limita-se a uma mera técnica ou habilidade argumentativa que visa a convencer o oponente daquilo que diz, visa à obtenção de uma “verdade consensual”, mas que não leva ao verdadeiro conhecimento. É essa oposição que determina, segundo Sócrates, a diferença entre a Filosofia e a sofística, o que permitiu a Platão e Aristóteles não considerarem os sofistas como filósofos. Platão e Aristóteles: a Filosofia sistemática Platão (428-347 a. C.) Foi discípulo de Sócrates e mestrede Aristóteles. Nasceu em Atenas e depois da morte de Sócrates, que muito o abalou, empreendeu algumas viagens. Na Sicília, teve contato com alguns pitagóricos e com a escola eleática. De volta a Atenas, fundou, em 387 a. C., sua escola filosófica, a Academia, colocando em seu portal, por influência pitagórica, os dizeres: “Não passe destes portões quem não tiver estudado Geometria”. Figura 4: A Academia de Platão em Atenas, Mosaico em Pompéia, ca. séc. I Fonte: Wikimedia Commons Atenas era uma cidade em transformação no tempo de Platão, caracterizada pela instabilidade de governos, oscilando entre regimes oligárquicos e a democracia, além da Guerra do Peloponeso e as ameaças externas, sendo alguns dos acontecimentos históricos de uma cidade em crise. Este contexto histórico marcou a vida e a Filosofia de Platão. Segundo Freitas Neto e Karnal (2005), a obra de Platão é uma das mais discutidas na História da Filosofia, o que provoca as mais variadas interpretações, muitas decorrentes dos diálogos platônicos: de visões religiosas a posturas políticas, muitos debates acerca do fundador da Academia, com interpretações que até parecem opostas, o que demonstra a dificuldade de apreensão da teoria platônica em seus múltiplos aspectos. 19 UNIDADE Períodos e principais correntes filosóficas A tradição cristã, por exemplo, enfatizou a questão da imortalidade da alma e, já no século XIX, Platão foi apresentado como um racionalista puro, que identificava realidade e inteligência O vigor das leituras pode ser explicado pelas descobertas de novos textos ou fragmentos. Pode-se assim dizer que existe uma obra platônica e uma corrente filosófica, o platonismo. O estilo literário de Platão é reconhecido pelos estudiosos e a figura de Sócrates é um dos critérios de definição: nos primeiros diálogos (conhecidos como socráticos), há exposição do próprio Sócrates e os diálogos são sempre inconclusos; nos diálogos posteriores (não socráticos), Sócrates aparece como personagem e Platão desenvolve os diálogos evidenciando sua teoria. Os diálogos se apresentam de três formas: drama, discussão e narrativa em sequência. Neles, dois temas centrais se articulam: a política e a teoria do conhecimento. Em obras como a República, Platão procura construir em logos as bases de uma cidade justa e feliz. Para ter êxito, é preciso conhecer, saber distinguir e construir uma cidade pautada no equilíbrio; por isso o conhecimento das partes da alma, das funções de cada uma e suas aptidões, para que a cidade permaneça em harmonia. Já a educação platônica se sustenta no ponto central de sua teoria: saber disciplinar o corpo e a alma para que seja possível distinguir as meras opiniões (doxa) do conhecimento autêntico (epistéme). No jogo do dualismo platônico entre aparência e essência está a premissa da existência de ideias. O conhecimento dos homens se inicia por aquilo que lhe é mais próximo, o sensível, mas devem buscar pela reflexão o estabelecimento de hipóteses que os afastam das coisas sensíveis para estabelecer, exclusivamente pelo pensamento, o conhecimento do mundo das ideias. A função da educação, nesse caso, é disciplinar o corpo e a alma, pela música e pela ginástica, para que possa atingir a dialética, a ciência máxima que permite o conhecimento de todas as realidades. Quanto maior o conhecimento do que permanece e habita o mundo das ideias, maiores as condições para construção da cidade justa e feliz. Vê-se, então, que o conhecimento e a política em Platão não podem ser separados. A crítica de Platão a Sócrates diz respeito sobretudo à concepção de Filosofia, embora ambas visassem ao melhor conhecimento do indivíduo e da natureza que o cerca. Enquanto Sócrates considerava a Filosofia como método de reflexão, Platão, mesmo levando em conta a reflexão filosófica, achava esse elemento insuficiente e entendia a Filosofia como método de análise. 20 21 Seu principal argumento era de que o método precisa de critérios para ter sua aplicação eficaz, para verificar sua validade. Para Platão a Filosofia é essencialmente uma teoria sobre a natureza dos conceitos e das definições a serem obtidas. Esse é o papel da famosa teoria platônica das ideias e das formas, como uma teoria do conhecimento, que pode ser considerada o início da metafísica, posteriormente denominada ontologia. Obviamente, ambas visavam ao melhor conhecimento do indivíduo e da natureza que o cerca. Aristóteles (384-321 a. C.) Nasceu em Estagira, na Macedônia, e aos 18 anos transferiu-se para Atenas e ingressou na Academia de Platão, na qual permaneceu durante 19 anos, tendo sido o mais brilhante discípulo de Platão. Era filho de Nicômaco, um médico, inclusive do rei da Macedônia, e talvez o próprio Aristóteles tivesse formação médica, o que pode explicar seu interesse pela pesquisa empírica e por questões biológicas em diversos tratados. Após a morte de Platão e talvez em desacordo com os rumos que tomavam a Academia, o Estagirita – em referência ao local do seu nascimento – seguiu seu próprio caminho, seguiu seus estudos em Filosofia e política e aprofundou-os em física, lógica, moral e retórica, tendo sido preceptor de Alexandre, filho do rei Filipe da Macedônia e futuro conquistador de um grande império. Voltando à Atenas, por volta de 335 a.C., fundou sua escola, o Liceu. Gostava de dar suas aulas e ministrar seus ensinamentos junto em caminhadas com seus discípulos, donde surgiu o nome de “escola peripatética” (de peripatos, o caminho). Figura 5: Platão e Aristóteles na Escola de Atenas (1509/10). Afresco de Rafael Sanzio. Museu Vaticano. Fonte: Wikimedia Commons 21 UNIDADE Períodos e principais correntes filosóficas Figura 6: Aristóteles ensinando Alexandre, o Grande. Gravura de Charles Laplante, Paris, 1866. Fonte: Wikimedia Commons O pensamento de Aristóteles desenvolveu-se, sobretudo, a partir de críticas tanto à Filosofia dos pré-socráticos, quanto à Filosofia platônica, provocadas por divergências a esta última. Os títulos de muitas de suas obras, como Ética, Política, Órganon, Metafísica, Física Poética demonstram sua concepção de Filosofia: elege um tema e propõe problemas concernentes ao seu objeto de análise, sendo o rigor da demonstração dos seus argumentos uma das características da sua obra. Segundo Freitas Neto e Karnal (2005), é um filósofo que se distingue de Platão, por não ser ateniense, o que o diferencia da ênfase política dada pelo fundador da Academia. Aristóteles é um investigador que se dedica a diversos temas; sua busca é de um saber amplo, global, articulando múltiplas visões na tentativa de estabelecer, de forma sistemática, uma compreensão entre a multiplicidade e a unidade das coisas e dos seres. Os escritos de Aristóteles podem ser divididos em dois grandes grupos: os que se destinam ao grande público, conhecidos como exotéricos, escritos na forma de diálogos, versando sobre retórica e dialética, sem muita preocupação com rigor metodológico dada a forma dialogada; e os voltados aos já iniciados, em anotações para os que frequentavam cursos do Liceu, sobre temas específicos (Lógica, Física, Filosofia, Biologia, Metafísica, Ética, Política, Artes e História), conhecidos como esotéricos (ou acroamáticos, de akroama, música aos ouvidos), com maior aprofundamento de análise e discussão, que só interessavam a uma minoria devido ao rigor necessário a matérias mais abstratas. Entre os primeiros, pode-se citar Eudemo e Protéptico; entre os segundos, Órganon, Ética e Metafísica. 22 23 As obras de Aristóteles alicerçaram a tradição filosófica por expor um método de construção do argumento, indicando categorias e a finalidade da existência dos seres. A Metafísica aristotélica estuda os primeiros princípios e causas de todas as coisas, o ser como ser (costuma haver uma confusão com os vários sentidos do uso do termo se. Para Aristóteles, as coisas existem de diferentes maneiras: o modo de existência da substânciaindividual é diferente de suas qualidades, quantidades e relações. Por isso o verbo ser nem sempre expressa identidade, podendo ser um atributo ou predicado). Ao estudar as essências, ele não as separa enquanto essências físicas, matemáticas, astronômicas ou humanas, deixando para isto ser feito em cada uma das Ciências (saberes) específicas. Para ele, existem dois tipos de ciências: as práticas e as teóricas. Segundo Marcondes (2007), o sistema aristotélico inclui três partes. Na primeira, o saber teórico, que constitui a Ciência como conhecimento da realidade, divide- se em: ciência geral (Metafísica) e ciência natural (que se subdivide em Física e Astronomia, Ciências da Vida ou biológicas, Psicologia). A segunda, o saber prático, que inclui a Ética e a Política, distingue-se do saber teórico porque seu objetivo não é o conhecimento de uma realidade determinada, mas o estabelecimento de normas e critérios da boa forma de agir, da ação correta e eficaz. A ética aristotélica – na qual se destacam as obras Ética a Nicômano, Ética a Eudemo e o tratado Maga Moralia – é basicamente um estudo da virtude, vez que, segundo o próprio Aristóteles, “nosso objetivo é tornarmo-nos homens bons, ou alcançar o grau mais elevado do bem humano”. A política de Aristóteles é estudada em seu tratado de Política, que traz um comparativo das constituições das cidades-Estado, e no qual encontramos a famosa frase “o homem é um animal político”. A terceira parte do sistema aristotélico caracteriza-se pelo saber produtivo (poiésis) abrangendo sobretudo os estudos da estética – as artes produtivas ou criativas – como a célebre Poética e o tratado da Retórica. A Lógica não faz parte da divisão inicial do sistema do saber proposto por Aristóteles, mas segundo ele, constitui muito mais um saber instrumental de importância metodológica do que uma ciência do conhecimento, já que todos os saberes pressupõem algum tipo de lógica. Portanto, é significativo que os tratados aristotélicos de lógica tenham recebido o título genérico de Órganon, que contém diversos tratados, como Categorias, Da interpretação, Primeiros analíticos, Segundos analíticos, Tópicos, Refutações sofísticas. A principal crítica de Aristóteles a Platão concentra-se na teoria dualista de seu antigo mestre. O mundo das coisas sensíveis (materiais) é desprezado na teoria platônica como fonte de conhecimento, ou seja, o mundo sensível seria uma degradação do mundo das ideias e para conhecer, segundo Platão, o filósofo deveria suprimir os dados sensíveis. 23 UNIDADE Períodos e principais correntes filosóficas Já a teoria aristotélica supõe existir uma relação entre o mundo inteligível, ou das ideias, e o mundo sensível, ou material. Isto é realizado pela sua concepção de real, evitando, assim, o dualismo entre dois mundos. Para Aristóteles só havia um mundo: este em que nos encontramos. Se o homem não consegue conhecer algo mais do que os seus sentidos lhe mostram, então é porque esse algo não existe ou, na melhor das hipóteses, não vale a pena ser conhecido e por isso não é nada para nós. Em todo caso, dessa divergência nasce uma das principais oposições da tradição do conhecimento ocidental: entre o idealismo e a tendência “empírica”. Ainda para Aristóteles, existem cinco níveis ou graus de conhecimento, do mais subjetivo (o menos sábio) ao mais objetivo (o mais sábio). O primeiro deles é a sensação (aísthesis). Da sensação, surge a memória (mnemosyne), tornando melhores os seres que podem se lembrar, vez que ao engendrarem memória, podem aprender. E nos seres capazes de se lembrar das sensações, é possível desenvolver a experiência (empeiría). Até esse nível, muitos animais, como a abelha, o cão, entre outros, conseguem participar. No entanto, o homem é capaz de ir além da experiência e viver também a arte (téchne) e ainda a ciência (episteme). Na figura a seguir, há um mapa da Grécia antiga, localizando o local de nascimento de alguns desses principais filósofos da Filosofia antiga. Lembrem-se que costuma haver diferenças nas datas, por conta das dificuldades em determiná-las exatamente nos escritos que chegam até nossa época. 0 50 100 km Demócrito: 470 - ? Pitágoras: 570 - 500 Heraclito: 580 - 540 Tales: 640 - 562 Anaximandro: 580 - 520 Aristósteles: 384 - 322 Sócrates: 470(?) - 399 Parménides: 515 - ? Zenão: 490 - ? Platão: 430 - 349 Atenas Figura 7: Filósofos da Grécia antiga 24 25 Período Pós-Socrático Helenismo · Estoicismo · Epicurismo · Ceticismo · Neoplatonismo O período helenístico (pós-socrático) consiste no período da história da Grécia de parte do Oriente Médio, compreendido entre a morte de Alexandre, o Grande, em 323 a.C., e a anexação de ilhas e da península grega por Roma, em 146 a.C. Nessa época, a situação política e econômica das cidades-Estado gregas estava em declínio, por conta da guerra contra a invasão persa havida em 490 a.C., e pela disputa interna entre Atenas e Esparta, que acabou por se transformar na guerra de Peloponeso, em 431 a.C. Essa guerra abalou o sentimento de unidade dos gregos, consumiu recursos humanos e econômicos e, por fim, acabou deixando toda a Grécia vulnerável. O rei da Macedônia, país situado ao norte da Grécia, aproveita-se dessa situação e inicia uma campanha expansionista. Uma a uma, as cidades-Estado gregas foram sendo conquistadas e anexadas à Macedônia, que assim se torna um grande império. Em poucas décadas, os três reis que se sucederam no trono da Macedônia – Amintas, Filipe e Alexandre – construíram um império colossal, que englobava a Grécia, o Egito e todo o Oriente Médio, chegando aos limites da Índia. Dessa forma, é natural que as escolas gregas tenham entrado em decadência ao mesmo tempo em que se iniciou o período de expansão da Filosofia a partir do domínio exercido pelos macedônios e depois pelos romanos. A Filosofia deixa de ser centrada no mundo grego e ultrapassa as antigas fronteiras da Ética. Na verdade, os primórdios da helenização, sob o domínio do novo império, evidenciaram o fim dos sistemas platônicos e aristotélicos (retomados futuramente), o fim da Filosofia centrada na pólis e a antiga atividade cívica é abolida sob a nova ordem monárquica. Na Filosofia, há uma significativa mudança no pensamento: a busca pela sabedoria e a resposta sobre o que é a felicidade se impõem como nunca. Os ritos religiosos já não tinham crentes e o medo dos deuses se cristalizou como uma perturbação constante, advindo um período de pessimismo e amargura, os homens expostos aos terrores da tirania, naturais e sobrenaturais. Como conseguir tranquilidade, sem sofrimentos ou desespero, foi a questão central da busca de respostas dos filósofos desta época. Assim, surgiram novas correntes de pensamento, das quais podemos identificar o estoicismo, o epicurismo, o ceticismo, o neoplatonismo. 25 UNIDADE Períodos e principais correntes filosóficas Estoicismo O estoicismo foi a mais influente e universalista das escolas helenísticas, a que teve maior número de seguidores e a que perdurou como tradição intelectual por várias gerações. A história do Estoicismo inicia-se em 300 a.C., quando Zenão de Cítio (335-264 a. C.) funda uma escola em Atenas. Nascido em Chipre, Zenão não era cidadão ateniense e, pela lei vigente, os estrangeiros não podiam adquirir propriedades em Atenas. Sem ter onde estabelecer sua escola, Zenão dava suas aulas em locais públicos de Atenas. O local preferido era um pórtico (stoá) e, por esse motivo, Zenão e seus seguidores passaram a ser chamados de filósofos do pórtico ou filósofos estoicos. A doutrina estoica se caracteriza por uma Ética em que a imperturbabilidade, a extirpação das paixões e a aceitação resignada do destino são as marcas fundamentais do homem sábio, o único apto a experimentar a verdadeira felicidade. Para o estoico, é preciso estar em consonância com a natureza para atingir a sabedoria. O lema estóico é: o único bemque existe é a retidão da vontade e o único mal, o vício. O que não é nem virtude nem vício, é indiferente. A experiência estoica consiste na tomada de consciência da situação trágica do homem condicionado pelo destino. O estoicismo propõe, então, viver de acordo com a lei racional da natureza e aconselha a indiferença (apathea) em relação a tudo que é externo ao ser. Mas, sendo a natureza essencialmente o logos, essa máxima é prescrição para se viver de acordo com a razão, que é o meio pelo qual o homem torna-se livre e feliz; portanto, é pela sabedoria que não se deixa escravizar pelas paixões e pelas coisas externas. A doutrina estoica se constitui progressivamente pelas contribuições sucessivas dos seus adeptos e durou cerca de um milênio. O estoicismo exerceu profunda influência na ética cristã. Compreende três períodos: · Estoicismo antigo: protagonizado por Zenão de Cício (322-262 a.C.) que, depois de ter sido discípulo de Crates, fundou a escola, cerca de 300 a.C.; Cleanto de Assos (312-232 a.C.) e Crisipode Solis (279-206 a.C.). Foi o período de maior esplendor da escola. Depois da morte de Crisipo, foi perdendo prestígio em Atenas; · Estoicismo médio: representado essencialmente por Panéciode Rhodes (185-129 a.C.) e Possidônio de Apanca (135-51 a.C.), que tiveram o grande mérito histórico de introduzirem o estoicismo em Roma. Ao assumir a direção da escola Panécio, introduz algumas ideias de outros filósofos e a visão eclética faz a escola reviver. Possidônio, discípulo de Panécio, fundou uma nova escola em Rhodes, que também foi sucesso; · Novo estoicismo: desenvolveu-se em Roma sob o império e foi protagonizado por Sêneca (2 a.C.-65 d.C.), Epitecto, um escravo, (50-125 d.C.) e o imperador Marco. 26 27 Para o estoicismo, não estamos absolutamente entregues e sem defesa aos acidentes da vida, aos revezes da fortuna, mas temos, e nada nos pode tirar isso, a vontade de fazer o bem, a vontade de agir de acordo com a razão. Por conta disso, há uma oposição radical entre o que depende de nós e pode ser bom ou mau, porque objeto de nossa decisão, e o que não depende de nós, mas de causas exteriores, do destino, e é indiferente. Epicurismo Epicurismo é doutrina filosófica que surge no período helenístico, voltada para a obtenção da serenidade interior. A principal tese dos filósofos epicuristas é a ideia de que, para alcançar a tranquilidade e a libertação do medo, é preciso cultivar o prazer. Mas a busca do prazer deve ser moderada, já que os prazeres exacerbados são fonte de perturbações constantes, dificultando o encontro com a felicidade, que é manter a saúde do corpo e a serenidade do espírito. Os princípios fundamentais do epicurismo são a amizade, a moderação, o livre arbítrio e a indiferença à morte e aos deuses. Seu fundador foi Epicuro (341-271 a.C.), que nasceu na ilha de Samos, em criança estudou com o plantonista Pânfilo e ainda muito jovem partiu para Téos, na Ásia Menor. Parece que sofria de cálculo renal, tendo sua vida marcada pela dor. Em Téos, estudou com um discípulo de Demócrito com quem teve contato com a teoria atomista – da qual depois reformulou alguns pontos – tendo retornado à terra natal em 323 a.C. Após lecionar em Cólofon, Mitilene e Lâmpsaco, transfere-se para Atenas e, nesta cidade cosmopolita, já com duas escolas (a Academia e o Liceu) funda sua escola filosófica num local afastado, tranquilo e acolhedor, distante da vida urbana, onde a integração com a natureza facilitava a introspecção. Por sua beleza natural, a propriedade passou a ser chamada de jardim (képos) e a comunidade de amigos e seguidores ficou conhecida como filósofos do jardim. Epicuro lecionou em sua escola até sua morte, cercado de amigos e discípulos e tendo sua vida marcada pelo ascetismo e serenidade. Ascetismo: fi losofi a de vida na qual são refreados os prazeres mundanos, na qual se propõem a austeridade. Ex pl or 27 UNIDADE Períodos e principais correntes filosóficas Epicuro escreveu diversas obras, infelizmente a maior parte não chegou até nós, restando apenas algumas cartas e fragmentos de seus tratados. A principal obra do epicurismo que chegou completa até os dias de hoje é A Natureza das Coisas (De Rerum Natura), escrita por Tito Lucrécio Caro, um epicurista do século I a.C. A doutrina epicurista é constituída de três partes que se articulam. Em primeiro lugar, a Teoria do conhecimento, que permite identificar nossas crenças infundadas e auxiliar o reconhecimento da verdade; em segundo lugar, a Física, que deve mostrar a verdadeira estrutura da realidade na qual o homem se insere e, por fim, a Ética, que deve indicar um caminho para a felicidade. Veja o vídeo As delícias do jardim de Epicuro sobre as ideias desse filósofo helenista. Disponível em: https://youtu.be/7DqdPYkoRkA Ex pl or O Ceticismo O ceticismo é uma das doutrinas do período helenístico, voltadas para a obtenção da tranquilidade da alma. A principal tese dos filósofos céticos é a de que, para alcançar a tranquilidade, é preciso controlar nosso desejo de ter certezas absolutas. De acordo com Sell (2008), na Ética de Aristóteles, a escolha do meio termo entre o excesso e a carência era tida como caminho para a felicidade. Os céticos propõem que se aplique esse preceito do meio termo também à sede de saber: diminuir e orientar a nossa necessidade de ter certezas e, principalmente, tomar cuidado para não se deixar iludir por falsas certezas. Enquanto escola filosófica, o ceticismo não prega a impossibilidade do conhecimento, mas acha ingenuidade ou falta de senso crítico se contentar com os resultados já alcançados. O maior representante dessa corrente filosófica foi Pirro de Élis (360-270 a. C.), filósofo grego considerado o primeiro filósofo cético e fundador da escola que veio a ser conhecida como pirronismo. Pirro, junto com Anaxarco, viajou com Alexandre, o Grande, em suas explorações pelo Oriente, e estudou na Índia e na Pérsia. Da Filosofia oriental parece ter adotado uma vida de reclusão. Voltando à terra natal, viveu pobremente, mas foi muito reconhecido pelos habitantes de Élis e também pelos atenienses, que lhe concederam a cidadania. Suas doutrinas são conhecidas principalmente pelos escritos satíricos de seu pupilo Tímon. 28 29 Os princípios da obra de Pirro podem assim ser expressos: em primeiro lugar, a impossibilidade de se conhecer a própria natureza das coisas (acatalepsia), pois qualquer afirmação pode ser contraditada por argumentos igualmente válidos; em segundo lugar, a necessidade de preservar uma atitude de suspensão intelectual, pois nenhuma afirmação pode ser considerada melhor que outra; por último, estes resultados devem ser aplicados na vida em geral. Pirro conclui, vez que nada pode ser conhecido, que a única atitude adequada é ataraxia, a “despreocupação”. Acerca da impossibilidade do conhecimento, mesmo em relação à nossa própria ignorância ou dúvida, o homem sábio deve se resguardar, evitando o stress e a emoção que acompanha o debate sobre coisas imaginárias. Este ceticismo drástico é a primeira e mais completa exposição de agnosticismo na história do pensamento. Seus resultados éticos podem ser comparados com a tranquilidade ideal dos estoicos e dos epicuristas. Importante! Vale ressaltar que o Ceticismo Científi co, embora tenha ligação com o Ceticismo Filosófi co que, de certa forma o embasa, não são idênticos e muitos dos praticantes do ceticismo científi co não concordam as proposições da corrente fi losófi ca. A corrente científi ca é contemporânea, as pessoas que se identifi cam como céticas são aquelas que apresentam uma posição crítica, baseada no pensamento crítico e nos métodos científi cos para constatar a validade das coisas. Assim, ganha muita importância a evidência empírica, o que não quer dizer que os céticos façam seu uso constantemente. A necessidade de evidências científi cas é mais recorrente na área da Saúde, na qualos experimentos não podem colocar em risco a vida das pessoas. Importante! Neoplatonismo Neoplatonismo é o termo que define o conjunto de doutrinas e escolas de inspiração platônica que se desenvolveram do século III ao século VI, mais precisamente da fundação da escola alexandrina por Amônio Sacas (232) ao fechamento da escola de Atenas, imposto pelo edito de Justiniano, de 529. Pode ser considerado como o último e supremo esforço do pensamento clássico para resolver o problema filosófico, que tinha encontrado um obstáculo no dualismo e racionalismo gregos – dualismo e racionalismo que Aristóteles tentou superar, sem grande sucesso. O neoplatonismo julga poder superar o dualismo, mediante o monismo estoico, no qual o aristotelismo fornece sobretudo os quadros lógicos; e julga poder completar e integrar a Filosofia mediante a religião, o racionalismo grego, mediante o pensamento mítico oriental. 29 UNIDADE Períodos e principais correntes filosóficas Incorporou Filosofia, teosofia, misticismo e teurgia (ocultismo elevado) e durante 3 séculos serviu como último bastião da sabedoria pagã e Filosofia esotérica (no sentido atual), num império cristão cada vez mais hostil. Mesmo após o declínio da sabedoria clássica, a corrente neoplatônica permaneceu, sofrendo novas metamorfoses no pensamento cristão, na Filosofia islâmica e em algumas correntes esotéricas, como a sufi e a cabala judaica. O filósofo mais importante desta escola foi Plotino (204-270), que nasceu em Lycopolis, no Alto Egito e aos 28 anos dirigiu-se para Alexandria – centro urbano que era, então, o cenário da convergência entre o pensamento grego e o oriental – onde seguiu lições de Amônio Sacas, que o “converteu” à Filosofia, pois, na escola neoplatônica, assim como entre os estoicos, a Filosofia não era simples Disciplina teórica, mas escola de vida espiritual, destinada a transformar inteiramente a alma, purificá-la e voltá-la para as realidades sublimes. Em 243, a fim de conhecer a Filosofia dos persas, Plotino engajou-se no exército do imperador Giordano; sobrevivendo aos seus desastres, estabeleceu-se definitivamente em Roma, onde abriu uma escola. Os textos por ele produzidos foram depois compilados por seu discípulo Porfírio em uma obra conhecida como as Seis Enéadas, um conjunto que compreende cinquenta e quatro tratados de Plotino. Ao contrário de Platão, Plotino acreditava em uma espécie de monismo idealista. A doutrina fundamental de Plotino é a das quatro hipóstases (substâncias, realidades eternas), embora elas procedam uma das outras: o Uno (Deus, o indivisível) , o Nous (mente, pensamento), a Alma e a Matéria (substância física). A matéria é a parte concreta dessa teoria que explica a origem de tudo. Matéria é qualquer substância que ocupa lugar no espaço, qualquer coisa que possui massa. É tudo que tem volume, podendo se apresentar no estado sólido, líquido ou gasoso. Vale também falar de Filon da Alexandria (25 a. C. – 50 d. C.), por ser muito representativo dos meios judeus helenizados, que só sabiam ler a Bíblia na versão grega, denominada dos Setenta (segundo a tradição, a Bíblia hebraica teria sido traduzida para o grego por setenta sábios, em Alexandria). Seus correligionários tinham-no encarregado de uma missão junto ao imperador Calígula, para serem dispensados do culto ao imperador, incompatível com o monoteísmo judaico. Filon procurou fazer uma síntese entre os ensinamentos de Moisés, de Platão e de Zenão de Citium. Para ele, a Bíblia diz a verdade, sob forma alegórica. Platão traz a mesma mensagem na forma filosófica. Como dirá mais tarde um discípulo de Filon: “Platão é um Moisés que fala grego”. 30 31 A ideia de Filon – harmonizar a revelação e a razão, a Bíblia e Platão – estaria fadada a uma longa existência. Num certo sentido, é o grande problema da escolástica medieval, o da concordância entre razão e fé, uma herança legada de Filon. Segundo Barros (2013), para Filon, o próprio Deus é inacessível às nossas abordagens, mas podemos nos aproximar d’Ele por intermédio da renúncia ao mundo e do recolhimento da alma. Platão já dissera que é preciso morrer para o sensível, a fim de nascer para o inteligível. Então, se Deus é inacessível, ao menos o espírito humano pode participar do Inteligível – ao qual Filon denomina Logos, o Verbo eterno de Deus. A concepção que São João faz do Verbo divino muito se deve às ideias de Filon de Alexandria. Além de Filon, outros neoplatônicos se destacam, ao lado de Plotino, entre eles Porfírio, Proclo, Jâmblico, Hipátia de Alexandria, e até mesmo Agostinho de Hipona, antes de sua conversão ao Catolicismo, religião na qual, posteriormente, ele é sagrado como Santo Agostinho. Embora esta teoria seja considerada um pilar do paganismo, vários cristãos foram inspirados por ela, o que deixou marcas profundas na própria teologia cristã. É no Cristianismo que o Uno é considerado sinônimo de Deus. Hipátia de Alexandria (370-415) foi uma neoplatonista grega e fi lósofa do Egito Romano, a primeira mulher documentada como sendo Matemática. Como chefe da escola platônica em Alexandria, também lecionou Filosofi a e Astronomia. Veja nos links a seguir sobre Hipátia. Carl Sagan - Hipátia e o fi m de Alexandria (dublado): https://youtu.be/cw4rlWIuewk Hipátia de Alexandria - texto: http://goo.gl/hAqxgk Ex pl or Independente da discussão acerca da existência de uma Filosofia cristã, nos primeiros séculos da Era Cristã, há uma disputa entre as tradições do helenismo e o Cristianismo nascente. Embora este último não tenha um caráter especulativo como as Filosofias helenistas, pode ser identificada a tentativa de um diálogo entre a Fé e a Razão, para atrair os pagãos e a incorporação de princípios da exposição filosófica. O aprofundamento dessas relações marca a passagem do final do período antigo para o início do período medieval. 31 UNIDADE Períodos e principais correntes filosóficas Filosofia Medieval A Filosofia Medieval corresponde ao período que vai do final do helenismo (séculos IV-V) até o Renascimento e início do pensamento moderno (final do século XV e século XVI); portanto, aproximadamente dez séculos. No entanto, segundo Marcondes (2007), o que o conhecemos da produção filosófica desse período concentra-se entre os séculos XII e XIV, surgimento da Escolástica. Durante muito tempo, a Idade Média ficou conhecida como a “Idade das Trevas”, um período de obscurantismo e ideias retrógradas, marcado pelo atraso econômico e político do Feudalismo, pelas guerras religiosas, pela peste negra e pelo monopólio restritivo da Igreja no campo da Educação e da Cultura. No entanto, a arte gótica, a poesia lírica dos trovadores e obras de filósofos de grande originalidade, como São Tomás de Aquino, por exemplo, mostram quão errônea é esta imagem. Podemos dividir o período medieval em duas fases: o período após a queda do Império Romano (século V) até os séculos IX-X, quando a situação política e econômica começa a se estabilizar e, a segunda fase, séculos XI-XV, com o desenvolvimento da Escolástica, a grande produção filosófica com a criação das universidades (século VIII) até a crise do pensamento escolástico e surgimento do humanismo renascentista, nos séculos XV e XVI. Assim, vamos abordar Filosofia Medieval · Patrística · Escolástica · Início do Renascimento Patrística Por Patrística entende-se o período do pensamento cristão entre os séculos II e VIII, que se seguiu à época Neotestamentária (Novo Testamento), até o início da Escolástica. Este período da cultura cristã é designado com o nome de Patrística, porquanto representa o pensamento dos Padres da Igreja, que são os construtores da teologia católica, guias e mestres da doutrina cristã. O mais notável representante desse período é o Padre Agostinho, ou Santo Agostinho. Aurélio Agostinho Nasceu em 354, em Tangaste, na Numídia, província romana do norte da África, hoje localizada na Argélia. Viveu todaa sua vida em tempos conturbados, os últimos anos do Império Romano já em declínio e dissolução. 32 33 Era filho de mãe cristã e pai pagão e estudou em várias cidades da região. Tornando-se mestre de retórica em Cartago, narrou em suas Confissões o desenvolvimento espiritual e filosófico, e confessa que foi a leitura do diálogo de Cícero, Hortensius (hoje perdido), que despertou seu interesse por Filosofia. Aderiu ao maniqueísmo, religião de origem persa fundada por Maniqueu, no século III, como desdobramento do Cristianismo e que apresenta uma visão dualista do mundo, perpetuamente em luta entre o Bem e o Mal. Posteriormente, combateu o maniqueísmo, criticando as interpretações do Cristianismo nessa linha. Viajou para a Itália, sendo professor de retórica em Roma e depois em Milão. Foi aí que ouviu os sermões de Santo Ambrósio, bispo de Milão, que o levaram a se interessar pela forma como eram interpretadas as Escrituras. Estudou os filósofos neoplatônicos e, em 386, converteu-se ao Cristianismo, por influência de Ambrósio e, após um período de recolhimento, foi batizado. De volta à África, aderiu à vida monástica , em 388. Redigiu diversas obras, sendo a mais importante, a sua última, A cidade de Deus, na qual interpreta a história da Humanidade, desde a sua origem na criação (Gênesis), como um processo sucessivo de alianças e rupturas entre o homem e seu Criador, de Adão e Eva, até o juízo final e a redenção. Veio a falecer em 430, em uma cidade próxima a Hipona, da qual era bispo, durante a invasão dessa região por vândalos, uma tribo germânica convertida ao arianismo, liderados por Gensérico. Marcondes (2007) destaca três aspectos principais de sua contribuição à Filosofia: · Sua formulação das relações entre Teologia e Filosofia, entre razão e fé; · Sua teoria do conhecimento com ênfase na questão da subjetividade e da interioridade; · Sua teoria da história elaborada na monumental obra Cidade de Deus. A concepção histórica de Santo Agostinho e sua teoria da natureza humana e da iluminação divina foram fundamentais para a consolidação da Igreja nesse período e na Idade Média, graças a sua importância como teólogo e filósofo. Além disso, sua concepção de que a Igreja guarda na Terra as chaves da cidade de Deus foi uma base da doutrina de supremacia do poder espiritual sobre o temporal na Idade Média. Escolástica É o pensamento cristão da Idade Média, baseado na tentativa de conciliação entre um ideal de racionalidade, corporificado na tradição grega do platonismo e aristotelismo, e a experiência de contato direto com a verdade revelada, tal como a concebe a fé cristã. 33 UNIDADE Períodos e principais correntes filosóficas Santo Agostinho foi o último dos pensadores antigos e o primeiro dos medievais. Porém, após sua morte e até os séculos XI-XII é bastante reduzida a produção filosófica e cultural no mundo europeu ocidental. Marcondes (2007) relata que a fragmentação política, cultural e linguística do mundo europeu, que não facilitava a estabilidade social e econômica, nem o desenvolvimento cultural, provocou um interregno filosófico. O Império Bizantino do Oriente – que após tentativa fracassada de reconquista do Ocidente, por Justiniano (século VI), passa a ter pouco contato com o Ocidente – verifica-se a prevalência de uma ortodoxia religiosa e teórica que também restringe o interesse pela Filosofia. Além disso, as culturas bárbaras que se estabeleceram na Europa não tinham nem conhecimento nem interesse pela Filosofia. Só por volta do século IX a situação começa a mudar, por conta da constituição do sacro Império Romano-Germânico, quando o papa Leão III convidou Carlos Magno, rei dos francos, para ir a Roma, e o sagra imperador. A Escolástica, então, representa o último período do pensamento cristão, que vai do começo do século IX até o fim do século XVI, isto é, da constituição do sacro romano império bárbaro, ao fim da Idade Média, que geralmente é tida com a descoberta da América (1492). Este período do pensamento cristão se designa com o nome de escolástica, porque era a Filosofia ensinada nas escolas da época, pelos mestres, chamados de escolásticos. As matérias ensinadas nas escolas medievais eram representadas pelas chamadas artes liberais, divididas em trívio – Gramática, Retórica, Dialética – e quadrívio – aritmética, Geometria, Astronomia, Música. A Escolástica surge, historicamente, do especial desenvolvimento da dialética. Entre várias figuras de relevância na Escolástica, seu principal representante foi São Tomás de Aquino. Pode-se dividir a Escolástica em três períodos: o primeiro do início do século IX (Carlos Magno) até meados do século XIII, com predominância da questão dos universais (século IX e X), místicos e dialéticos (século XI e XII); e o último com o triunfo do aristotelismo (século XIII). O segundo período é dominado pela figura soberana de Tomás de Aquino, o aristotelismo do pensamento cristão, na segunda metade do século XIII. Após Tomás de Aquino, a Escolástica declina em Metafísica e, ao mesmo tempo, surgem novas tendência marcando o prelúdio do pensamento moderno. É importante ressaltar a influência da Filosofia árabe nesta época. O mundo latino-cristão, escolástico, conheceu Aristóteles por meio da cultura árabe, adotou-a e a estudou intensamente. 34 35 Este movimento cultural e filosófico se desenvolveu especialmente no âmbito das universidades, então surgidas e organizadas eficientemente, graças aos pensadores pertencentes às ordens religiosas, que renunciaram a tudo, salvo à Ciência e à caridade. Foram os árabes – e secundariamente os hebreus – os responsáveis por levar a Filosofia aristotélica ao conhecimento do mundo latino-cristão, pois após terem conquistado o oriente helenista entraram em contato com a cultura grega, especialmente na Síria. Os maiores filósofos árabes conhecedores de Aristóteles e que influenciaram profundamente o pensamento do ocidente latino-cristão foram Avicena e Averroés. Avicena tentou harmonizar a Filosofia aristotélica com a religião islâmica. Já Averroés, famoso comentador de Aristóteles, subordinava a religião à Filosofia, quando as argumentações delas fossem contrastantes, e considerava a religião uma Filosofia simbólica. Após uma longa preparação e desenvolvimento promissor, a Escolástica chega ao seu ápice com Tomás de Aquino, com o pensamento aristotélico enriquecido pelos comentários pormenorizados, especialmente pelos árabes, já traduzidos para o latim. Tomás de Aquino (1225-1274) Nasceu no castelo de Roccasecca, na Campânia- Itália; pertencia à família feudal dos condes de Aquino. Tinha laços de sangue com a família imperial e as famílias reais de França, Sicília e Aragão. Recebeu a primeira educação no grande mosteiro de Montecassino, indo depois para Nápoles cursar universidade. Como aluno da Universidade de Nápoles, estudou as artes liberais e entrou para a ordem dominicana, apesar da forte oposição da família, dedicando-se assiduamente ao estudo da teologia, tendo como mestre Alberto Magno (1207-1280) – também da nobre família de duques de Bollstädt, que abraçara a ordem dominicana – primeiro na Universidade de Paris (1245- 1248) e depois em Colônia, autor de vastíssima obra de variados assuntos, Ciências Naturais, Filosofia, Teologia. Em 1252, Tomás voltou para a Universidade de Paris, onde ensinou até 1269, regressando então à Itália, chamado à corte papal. Em 1269, foi de novo à Universidade de Paris, onde lutou contra o averroísmo de Siger de Brabant; em 1272, voltou a Nápoles, onde lecionou teologia. Em 1274, viajando para tomar parte no Concílio de Lyon, por ordem de Gregório X, para apresentar sua obra Contra os erros dos gregos, acidentou-se e veio a falecer no mosteiro de Fossanova, entre Nápoles e Roma. Tinha apenas quarenta e nove anos de idade. 35 UNIDADE Períodos e principais correntes filosóficas O pensamento de São Tomásde Aquino teve imensa influência em sua época, estendendo-se até o período contemporâneo (representado pelo neotomismo). Foi um pensador de grande criatividade e desenvolveu uma Filosofia própria com teor sistemático, tratando das grandes questões da Filosofia e da teologia da época, assentando-se em Aristóteles, e não mais no platonismo e agostianismo, como era feito então, para elaboração do seu sistema filosófico, o tomismo, ponto culminante do pensamento escolástico, em que se busca a harmonia entre o racionalismo aristotélico e a tradição revelada do Cristianismo. Dada à magnitude de sua obra e à complexidade das questões abordadas, não cabe aqui detalhá-la. Apenas acrescentar que, em relação à epistemologia, Aquino acreditava que “para o conhecimento de qualquer verdade, o homem precisa da ajuda divina; que o intelecto pode ser movido por Deus a agir”. Porém, também acreditava que os seres humanos tinham a capacidade natural de conhecer muitas coisas inteligíveis sem nenhuma revelação divina especial, apesar de revelações ocorrerem de quando em quando “especialmente em relação àquelas [verdades] pertinentes à fé”, mas esta é a luz dada ao homem por Deus na proporção da natureza humana. Comparando as duas correntes medievais, pode-se dizer que a linha de pensamento de Santo Agostinho girava em torno de dualismos, herança de Platão, e dos maniqueístas orientais, menosprezando o corpo e valorizando apenas a mente. São Tomás de Aquino, na contramão de Agostinho, instaurou a razão como uma das principais bases da Filosofia, chegando a alegar que podia provar a existência de Deus, vez que tudo está em movimento; portanto, deve ter uma causa inicial, um “primeiro motor”. Constatou que é preciso que haja um Deus para que o Universo esteja em perfeita harmonia. Período Moderno O pensamento moderno talvez seja mais fácil de ser compreendido por nós, por estarmos mais próximos dele do que do pensamento antigo e do medieval. Todavia, às vezes não é tão fácil termos consciência e explicitarmos as características fundamentais daquilo que é mais familiar, por estarmos acostumados a aceitá-lo como tal. O conceito de modernidade costuma estar relacionado ao sentido positivo de mudança, transformação e progresso. De fato, esses ideais de mudança, ruptura, progresso e inovação, até mesmo de revolução, surgem e se desenvolvem nos séculos XVIII e XIX, período que na história da Filosofia denominamos de “moderno”. 36 37 Dessa forma, vamos subdividir a Filosofia desse período em: Filosofi a Moderna Renascimento Racionalismo Empirismo Iluminismo O conceito de Renascimento designando um período histórico intermediário entre o Medieval e o Moderno (séculos XV e XVI), segundo Marcondes (2007), origina-se da obra de grande repercussão A civilização do Renascimento na Itália, de 1860, do historiador de arte suíço Jacob Burkhardt, embora já tivesse aparecido numa obra de 1550 do pintor e arquiteto italiano Giorgio Vasari. Entretanto, a história da Filosofia não costumava reconhecer no Renascimento importância filosófica, mas essa tendência tem mudado e o Renascimento tem sido visto atualmente como detentor de uma identidade própria, desenvolvendo uma concepção específica de Filosofia e do estilo de filosofar, que rompe com a Filosofia medieval, mas não se confunde inteiramente com a Filosofia moderna, sendo seu traço mais característico o humanismo, tanto que chega a ser denominado de Humanismo Renascentista, que teve grande influência no pensamento moderno. O Renascimento, fiel aos clássicos, busca o lema do humanismo no fragmento do filósofo sofista Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas”. Esse lema marca decisivamente a ruptura com o período medieval, com sua visão fortemente hierárquica, com sua arte voltada para o sagrado e com a Filosofia a serviço da teologia e dos problemas de ordem religiosa. Assim, o humanismo rompe com a visão teocêntrica e com a Filosofia medieval, valorizando o interesse pelo homem considerado em si mesmo, mas, por outro lado, é um rompimento com a importância dada às ciências naturais, após a redescoberta aristotélica do final do século XII. Significativo como movimento artístico e cultural, o humanismo também se expressou na literatura e na Filosofia. Racionalismo Grandes pensadores do século XVII, segundo Marcondes (2007), podem ser considerados revolucionários e inovadores, como o político, filósofo e ensaísta inglês Francis Bacon (1561-1626) ou o filósofo, físico e matemático René Descartes (1596-1650), que jamais se autodenominaram modernos, embora adotassem e defendessem, em grande parte, ideais associados à modernidade. A periodização histórica a que nos referimos origina-se basicamente do grande filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831). Hegel foi o primeiro filósofo e entender a história da Filosofia como uma questão central para a própria Filosofia, e não apenas um relato histórico de fatos, doutrinas e correntes do passado. 37 UNIDADE Períodos e principais correntes filosóficas Pode-se dizer que Lições de história da Filosofia é a primeira obra histórica da Filosofia que não é apenas histórica ou historiográfica. É nessa obra que Hegel divide a história da Filosofia em três grandes períodos, cada qual com suas características específicas, mas fazendo parte de um mesmo processo: o antigo, o medieval e, em suas palavras, Filosofia do novo tempo, que na sua concepção consolidou-se apenas ao tempo da Guerra dos Trinta Anos (século XVII), com Bacon, Jacob Boehme e Descartes, dando especial ênfase a Descartes e sua Filosofia do cogito. Na realidade, o termo moderno já era utilizado na Filosofia medieval, no novo movimento da Lógica do século XII, e mesmo por conta da querela entre antigos e modernos que agitou os meios literários franceses nas últimas décadas do século XVII. Duas características, no entanto, estão vinculadas ao conceito de “moderno”: a ideia de progresso – que faz com que o novo seja considerado melhor ou mais avançado do que o anterior – e a valorização do indivíduo, ou da subjetividade – como lugar da certeza e da verdade e origem de valores em oposição à tradição. Assim, quatro fatores históricos principais podem ser atribuídos à origem, por vezes de forma contraditória, da Filosofia moderna e da influência ao seu desenvolvimento: o humanismo renascentista do século XV, a descoberta do Novo Mundo (1492), a reforma protestante do século XVI e a revolução científica do século XVII. Embora todos estes fatores sejam importantes e determinem interessantes considerações, vamos nos ater aqui ao papel da revolução científica, que teve seu ponto de partida na obra de Nicolau Copérnico (1473-1543), Sobre a revolução das orbes celestes, publicado no ano de sua morte, em que defende matematicamente, por meio dos cálculos dos movimentos dos corpo celestes, um modelo heliocêntrico de Cosmo, rompendo com o sistema geocêntrico formulado no século II por Ptolomeu. Foi uma das rupturas mais marcantes da época, vez que contradizia uma teoria estabelecida há quase vinte séculos. Cabe aqui uma consideração. O interesse pelas Ciências Naturais se inicia com a reintrodução na Europa ocidental, a partir do século XII, da obra de Aristóteles e seus intérpretes árabes. Embora a revolução científica moderna tenha se inspirado muito em Platão, no aspecto da valorização da Matemática na explicação do cosmo, e nos pitagóricos, que já teriam antecipado o sistema heliocêntrico, Aristóteles é o responsável pela ênfase na pesquisa experimental e na importância da investigação da natureza. Portanto, quando os modernos rejeitam Aristóteles, isso se deve principalmente ao modelo compreendido de esferas homocêntricas defendidas por ele, por isso a contribuição de Aristóteles não chega a ser bem compreendida, com várias discussões a respeito. 38 39 Podem-se considerar duas grandes transformações que levaram à revolu-
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