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Introdução à Geografia Política e à Geopolítica

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CEDERJ 2016 
GEOGRAFIA POLÍTICA 
Prof. Ivaldo Lima 
Aula 1 
 
Introdução à Geografia Política e à Geopolítica 
 
A geografia e as necessidades políticas 
 
O projeto político da geografia é tão antigo quanto à própria disciplina. Isso não quer dizer que 
tenha existido uma geografia política, como um subcampo formal, desde os primórdios da 
formação do conhecimento geográfico, mas sim que a natureza política desse conhecimento 
sempre esteve presente nos escritos dos geógrafos ao longo de sua longa história. Desse modo, 
pode-se afirmar, sem medo de errar, que a geografia é uma das ciências políticas. Contudo, 
como verificar essa natureza política da geografia? Através de que métodos e conceitos essa 
natureza se explicita? Como se constata uma geografia política aplicada? Quais são os 
desdobramentos epistemológicos da geografia política desde seu reconhecimento moderno no 
final século XIX? Que ideias originais são encontradas no campo de estudo da geografia 
política? Geografia política e geopolítica se inter-relacionam de que modo? São perguntas como 
essas que guiarão os estudos programáticos dessa disciplina preparada para estudantes 
universitários – futuros geógrafos que estarão aptos a se dedicar à pesquisa e à educação 
geográficas. 
Segundo Eufrásio (1992:43), o interesse pela construção do projeto político da geografia 
remonta, minimamente, à Grécia Clássica. Para esse autor: 
O interesse por assuntos de natureza política surge, no pensamento geográfico, na 
antiguidade greco-romana, e pode-se apontar já na República de Platão (438-347 a. C.) 
e na Política de Aristóteles (383-322 a. C.) o desenvolvimento de reflexões dessa 
ordem, o que vem a ser explícito, também na Geografia de Estrabão (63 a. C. – 24 d. 
C.) e, durante a Idade Média europeia, nos Prolegômenos de Ibn Khaldun (1332-1406). 
(...) Já no século XVI, Thomas Morus (1480-1535), na Utopia, e no século XVIII 
Montesquieu (1698-1755), em O espírito das leis, são exemplos de autores que 
desenvolveram certo número de ideias originais sobre essa temática. 
Para mencionarmos, mais detalhadamente, um dos autores mencionados acima, tomaremos o 
exemplo de Estrabão, geógrafo grego do século I, considerado por muitos estudiosos o pai da 
geografia. Estrabão dedicou à ciência geográfica uma obra intitulada Geografia redigida em 17 
livros, ao longo dos quais podem ser encontradas referências à natureza política desta ciência. 
Isso decorre da premissa desse autor clássico de que o trabalho do geógrafo deve ser pensado e 
construído para servir aos objetivos dos governantes. Em ouras palavras, o geógrafo deve 
produzir um conhecimento sistemático que sirva à prática política do soberano. Nesse sentido, 
geografia e política teriam seus destinos entrecruzados, uma não podendo existir sem a outra, 
uma vez que as coordenadas de espaço e de tempo são fundamentais para o exercício da 
política, do mesmo modo que esta última é fundamental para a organização do espaço e do 
tempo sociais. Disso conclui-se que entre geografia e política existe uma relação muito bem 
fundada. 
 
Vejamos o que disse Estrabão (1991:130-131), no Livro 1 de sua obra: 
 
A geografia está em sua maior parte orientada na direção das necessidades políticas. 
É evidente que a geografia está toda ela orientada para as ações próprias do governo. 
 
A partir dessas afirmações de Estrabão, seria muito interessante pensarmos a relação da 
geografia com a política e o campo de estudo da geografia política. 
 
Geografia política e geopolítica: sinônimos? 
 
Geografia política e geopolítica são expressões que poderiam ser tomadas uma pela outra, 
diriam alguns geógrafos, embora nem todos concordem com essa afirmativa. É possível, 
portanto, distinguir uma da outra? Tentemos esclarecer essa distinção. Como dissemos, a 
geografia é acompanhada de um projeto político desde tempos remotos, o que pode gerar 
alguma confusão entre os nomes e as coisas. A geografia política e a geopolítica estão 
assentadas na relação formada entre espaço e poder, por isso são frequentemente confundidas. 
Porém, advogamos a ideia de que a geografia política é uma reflexão científica sobre essa 
relação, enquanto a geopolítica é uma prática estratégica guiada por essa relação. Desse modo, a 
geografia política seria mais abrangente que a geopolítica uma vez que os geógrafos políticos 
fazem da geopolítica um de seus temas mais diletos. Assim, cria-se uma distinção. Tentemos 
ilustrar com exemplo prático. Quando, em 1990, Saddam Hussein invadiu o Kwait, com o 
propósito de anexá-lo ao Iraque, deflagrou-se a primeira Guerra do Golfo. Essa foi uma prática 
estratégica guiada pela relação espaço e poder, visto que, um Estado, o Iraque, tornar-se-ia mais 
poderoso com o almejado controle do espaço kwaitiano. Os geógrafos políticos fizeram várias 
reflexões científicas sobre essa prática, buscando, inclusive, base teórica e metodológica que a 
explicasse bem. Por esse e outros exemplos empíricos, começamos a entender que é possível 
distinguir a geografia política da geopolítica. Além do que, bastaria mencionar que muitos – a 
maioria – dos geógrafos políticos não são geopolíticos... Então, esses termos podem não ser 
sinônimos. 
 
O geógrafo Pedro Castro faz algumas considerações sobre essa (in)distinção. Para ele, a 
geopolítica e geografia política são termos que se confundem na linguagem coloquial devido à 
diversidade de seus pontos de vista, à lassitude de suas distintas definições, à variedade de 
campos que cobrem e ao uso político que, com frequência, se faz deles. Desde suas origens 
como campo da disciplina da geografia humana, a geografia política se preocupou com as 
atividades dos Estados-nação, e, mais especificamente, por suas dimensões espaciais, sua 
organização e as relações de poder estabelecidas em seu interior e entre Estados-nação. As 
definições tradicionais da geografia política são diversas, mas giram em torno destes temas, e 
seus objetos de estudo se referem em geral à Europa e aos Estados Unidos, se bem que, se nota, 
nos últimos trinta anos, um interesse crescente em direção a outras áreas do mundo. Foram 
geógrafos dessas regiões que tiveram como interesse fundamental o estudo de seu próprio 
território, com propósitos que serviam, de modo deliberado ou não, a objetivos de caráter 
político, de defesa ou de projeção em relação ao exterior. Por exemplo, o alemão Friedrich 
Ratzel (autor que estudaremos, detalhadamente, em aula vindoura), considerado a um só tempo 
pai da geografia política e da geopolítica, endereçava ao tema do Estado assuntos tais como o 
crescimento natural dos Estados, seus espaços ótimos e excludentes e a luta pela supremacia 
internacional. 
Vejamos uma passagem mais completa do texto de Pedro Castro: 
Assim, desde seus primeiros tempos, a geopolítica tinha propósitos políticos muito 
claros, e, ao longo de seu desenvolvimento, criou certo número de categorias, conceitos 
e termos, explicitando a situação de que seu maior propósito era de ordem prática, e não 
teórica, apesar de suas aparências contrárias. A geografia política e a geopolítica 
transitaram de maneira paralela desde as suas origens, e por isso compartilham alguns 
traços semelhantes quanto aos campos do conhecimento, embora a segunda esteja mais 
longe que a primeira de constituir um corpo teórico e conceitual de longo alcance. 
Embora a geografia política tenha menor alcance que a geografia social, urbana ou 
econômica, recentemente começou abrir-se a temas tais como as relações interestatais, 
movimentos sociais, ecologia, violência e guerra, fronteiras, migração e cidadania, 
políticas de identidade, organizações internacionais, democracia e justiça ambiental. 
Desafortunadamente para ambas, nesse âmbito, a primazia do Estado continua 
sobrecarregando a geografia política e a geopolítica (CASTRO, 2006:188). 
 
Uma ideia para nossa reflexão: 
A geografia política vemse abrindo a novos temas. Ela tem deixado, por isso, de ser 
“política”? 
 
Ainda de acordo com Castro (2006), para certos efeitos, “a geopolítica tem sido tanto a cara 
pública da geografia política, quanto sua maior carga histórica”. Isso tem provocado 
consequências benéficas e maléficas. As consequências benéficas derivam da difusão da 
geografia política e o despertar para o seu maior interesse nos meios acadêmicos – inclusive 
extrageográficos –, o que faz com que os estudos político-geográficos alcancem maior 
visibilidade e relevância em meio à sociedade. As consequências maléficas derivam da 
popularização excessiva de conceitos abordados pela geografia política, o que faz com que se 
vulgarizem alguns conteúdos e se banalizem alguns tratamentos, o que se verifica comumente 
com relação à ideia de território e de guerra, para citar dois exemplos. De nossa parte, 
entendemos que a geografia política e a geopolítica diferenciam-se por seus enfoques teóricos, 
métodos e abordagens, mas não pela relação básica que analisam. Ademais, nuca é demais 
lembrar que o Estado centralizou durante muito tempo as análises tanto de geógrafos políticos 
quanto de geopolíticos, exigindo de umas décadas para cá esforços para que essa camisa de 
força fosse abandonada. Como veremos em aula próxima, a geografia política segue com 
interesse no Estado e em suas atuações, porém não se restringe apenas ao estudo dessa 
instituição. 
 
O campo de estudo da geografia política 
 
Para alguns autores, o campo de estudo da geografia política remete-se às relações estabelecidas 
entre território e conflito, como se encontra em Castro (2005). Nesse caso, duas observações 
preliminares tornam-se imperiosas, para entendermos melhor o campo e o objeto de estudo da 
geografia política. A primeira delas diz respeito ao fato de que, mesmo sendo o território um 
conceito chave da geografia política, ele deve ser pensado a partir da produção social do espaço 
– um processo bem mais amplo que acaba explicando a própria construção dos territórios. Ou 
seja, o conceito teórico básico do qual partiremos – para chegarmos àquele de território – é o 
espaço geográfico. Em poucas palavras, entendemos que o território deriva do espaço; ele é uma 
produção ou construção feita a partir do espaço, como será analisado com mais vagar em aula 
vindoura. A segunda observação versa sobre o significado do termo conflito. 
A observação concernente à noção de conflito decorre, antes de tudo, da necessidade de 
distinguirmos os termos conflito e confronto. O conflito é uma situação em que ideias, 
comportamentos, ações, enfim, interesses humanos divergem. Portanto, o conflito é inerente à 
vida social, haja vista que, dificilmente, os interesses dos homens serão idênticos em quaisquer 
circunstâncias. Essa falta de coincidência entre o que um indivíduo deseja em relação ao desejo 
do outro é a fonte originária dos conflitos. Já o confronto é uma situação em que, devido à 
divergência de interesses, um indivíduo deseja eliminar o outro. Devemos lembrar que “o 
conflito é divergência de postura, mas visando à continuidade da relação. O confronto é a busca 
da anulação do outro, é típica da relação que pressupõe ‘eu de um lado e eles de outro’. Já o 
conflito é inerente” (CORTELA; LA TAILLE, 2010: 34). Então, uma primeira conclusão que 
podemos chegar a partir dessa distinção é que o confronto está mais ligado à lógica da guerra, 
enquanto o conflito está mais ligado à lógica da política. 
 
Uma frase para refletirmos: 
O conflito é negociável e a política é a arte da negociação. 
 
Então, fixemos que o conflito é uma noção muito cara à geografia política. Sabemos que muitos 
dos conflitos que assistimos – ou deles participamos – decorrem de disputas pelo uso ou 
controle do espaço geográfico. Muitos interesses, partindo de diferentes indivíduos, convergem 
para a mesma parcela do espaço geográfico, deflagrando a situação conflituosa, na qual o 
espaço é a fonte de divergência. Essa situação pode até evoluir para o confronto direto que tem 
como desagradável resultado a perda de vidas humanas. 
Vejamos, agora, como estamos preparados para ler criticamente sobre conflito, tendo em vista o 
Diccionario de geografía política y geopolítica, escrito pelo geógrafo espanhol López Trigal: 
Choque aberto ou disputa entre duas forças, devido a diferenças ideológicas ou políticas 
e oposição, rivalidade ou enfrentamento entre dois ou mais Estados ou grupos políticos 
(nacionalistas, grupos indígenas, minorias étnicas e seitas militantes, movimentos 
sociais), que exige a presença de um antagonismo e incompatibilidade das diferentes 
partes, uma representatividade imperativa dos interesses que concorrem e um 
compromisso que reconheça os mesmos interesses em jogo. Desse modo, o primeiro 
tipo de conflito é o que tem origem no conflito territorial a partir de territórios 
contestados e zonas de enfrentamento para a demarcação fronteiriça de Estados em 
situação de tensão. (LÓPEZ TRIGAL, 2013:70-71). 
Pois bem, vamos retornar àquela primeira observação sobre o conceito de espaço e a noção de 
produção do espaço, para aprofundarmos melhor essa ideia. Sabemos que os geógrafos se 
encantaram com a expressão produção do espaço depois que o filósofo social francês Henri 
Lefebvre a empregou para dar título a seu livro homônimo, em 1974. Assim, quando Lefebvre 
publica o livro A produção do espaço, ele abre um caminho bastante fértil para os geógrafos 
refletirem sobre o conceito chave de sua disciplina. De início, prestemos atenção à passagem de 
Martínez Lorea sobre o que disse Lefebvre nesse livro. 
Durante muito tempo, se teve o costume de apresentar o espaço como um 
receptáculo vazio e inerte, como um espaço geométrico, euclidiano, que só 
posteriormente seria ocupado por corpos e objetos. Esse espaço se fez passar 
por completamente inteligível, completamente transparente, objetivo, neutro e, 
com isso, imutável, definitivo. Contudo, isso se deve entender como uma ilusão 
que oculta – mais como ideologia que como erro, disse Lefebvre – a imposição 
de uma determinada visão da realidade social e do próprio espaço, a imposição 
de umas determinadas relações de poder. Uma ilusão que rechaça nem mais 
nem menos que a ideia do espaço como produto social. Pois o mesmo é o 
resultado da ação social, das práticas, das relações, das experiências sociais, 
mas esse espaço é, ao mesmo tempo, parte dessas relações, práticas e 
experiências. Esse espaço é suporte, mas também campo de ação. Não há 
relações sociais sem espaço, do mesmo modo que não há espaço sem relações 
sociais. (MARTÍNEZ LOREA, 2013:14) 
Segundo o próprio Lefebvre, “o espaço (social) não é uma coisa dentre as coisas, um produto 
qualquer dentre os produtos; ele engloba as coisas produzidas, ele compreende suas relações na 
sua coexistência e simultaneidade (...). Ele resulta de um conjunto de operações e não pode ser 
reduzido a um simples objeto”. Pois é exatamente nesta direção de pensamento que o geógrafo 
Milton Santos nos apresentará uma definição de espaço. Para Santos (1996:51), “o espaço é 
formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de 
objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a 
história se dá”. Então, a partir dessas colaborações teóricas de Henri Lefebvre e Milton Santos, 
podemos avançar na ideia de produção do espaço, para entendermos, afinal, como se dá a 
relação entre a política e o espaço. Para tanto, a sistematização realizada pela geógrafa 
venezuelana Sonia Barrios nos parece bem didática. 
Para Sonia Barrios, o valor, o poder e o significado constituem, respectivamente, os produtos 
específicos das práticas sociais econômicas, políticas e culturais. Esses produtos específicos ou 
(particulares) criam inter-relações entre si gerando produtos globais. Assim, o espaço 
geográfico seria umproduto global porque resultaria da inter-relação dos resultados específicos 
das práticas econômicas, políticas e culturais. A esse conjunto de inter-relações entre produtos 
corresponderia a produção do espaço. A produção do espaço é um processo global bastante 
complexo porque as práticas sociais econômicas, políticas e culturais são, de fato, o que 
poderíamos chamar de usos sociais. Assim, teríamos: a) o uso econômico do espaço, atribuindo 
valor ao espaço, ao ponto deste poder ser vendido e comprado em parcelas; b) o uso político do 
espaço, inserindo no espaço as relações de poder, ao ponto de serem provocadas disputas pelo 
controle deste ou daquela parcela do espaço; e, por fim, c) o uso cultural-ideológico do espaço, 
conferindo significados a distintos aspectos, pontos ou parcelas do espaço, ao ponto de alguns 
desses pontos ou parcelas serem considerados sagrados, míticos, artísticos etc. O que sabemos é 
que o espaço dificilmente apresentará apenas uma dessas dimensões (econômica, política ou 
cultural), mas, ao contrário, a tendência da produção do espaço é inter-relacionar essas três 
dimensões das práticas sociais ou, como dissemos, esses três tipos de uso social. 
A sistematização de Sonia Barrios (1986:1-24) acerca da produção do espaço é apresentada do 
seguinte modo: 
I. As práticas econômicas e o espaço. As práticas econômicas compreendem o 
conjunto de ações sociais que tenham por finalidade produção, a distribuição e o 
consumo de meios materiais, o que permite construir as seguintes proposições em 
relação ao espaço: a) o produto das práticas econômicas é o espaço físico 
modificado em sua dupla condição de valor de uso e valor de troca; b) numa 
sociedade estratificada em classes, a forma pela qual se efetua a transformação do 
meio físico – e seu resultado concreto: o espaço modificado – só pode ser 
compreendida mediante exame de interesses dos grupos sociais que dirigem a 
produção; c) a tecnologia é o índice preciso da relação entre a sociedade e o meio 
físico. 
II. As práticas políticas e o espaço. Numa dada situação histórica concreta, as práticas 
políticas podem ser entendidas como as ações sociais que têm por finalidade a o 
exercício do poder. Logo, algumas proposições são construídas a partir daqui: a) as 
relações de dominação que se estabelecem entre homens têm como um de seus 
fundamentos a propriedade do espaço físico; b) a propriedade do espaço físico 
justifica-se mediante formulações de caráter ideológico e legitima-se no 
ordenamento jurídico; c) o Estado cria o espaço geopolítico ao subdividir as áreas 
nacionais para efeito de administração e controle; d) o Estado incide no nível das 
práticas econômicas por duas vias: diretamente, cumprindo funções econômicas 
básicas, por meio de suas empresas; e indiretamente, por meio dos processos de 
planejamento, inclusive do planejamento territorial; e) os movimentos sociais 
encontram nas limitações apresentadas pelo mundo material parte dos elementos 
que lhes justifica, a luta política. 
III. As práticas cultural-ideológicas e o espaço. Numa dada conjuntura histórica, as 
práticas culturais compreendem aquelas ações orientadas para i) desenvolver 
formulações explícitas de conhecimentos capazes de responder ás indagações que o 
homem formula sobre si mesmo, a sociedade e o espaço-tempo e que permitem 
solucionar os problemas enfrentados; ii) gerar representações, valores, modelos, 
interesses, aspirações, crenças e mitos interdependentes, os quais incidem sobre as 
práticas do cotidiano; iii) difundir esses conhecimentos através das formas e meios 
de comunicação simbólicos. Isso nos permite derivar as proposições: a) o espaço 
construído, como resultado das diferentes forças sociais que determinam a evolução 
de uma sociedade em cada momento histórico, constitui o campo de evidências por 
excelência das práticas culturais; b) as práticas culturais utilizam as formas 
espaciais como suportes para a transmissão de mensagens de apoio ou negação da 
ordem vigente. 
A partir do exposto, a autora chega às seguintes conclusões: a) a produção do espaço é um fato 
técnico na sua aparência, porém social em sua essência; b) o elemento estruturador básico das 
sociedades históricas são as relações de dominação e subordinação que se estabelecem entre os 
homens durante o processo de trabalho; c) os conflitos constituem o elemento dinamizador da 
totalidade social; e d) tendo por base o nível econômico, o sistema político-ideológico dá coesão 
ao funcionamento do todo social. Essas conclusões nos auxiliam a entender que a produção do 
espaço é um processo extremamente importante para a geografia e, especialmente, para a 
geografia política. Por que, especialmente? Por que a produção do espaço nos esclarece que 
existe o uso político do espaço, que existem as práticas políticas as quais incidem no espaço, 
interagindo com as práticas econômicas e as culturais. Então, parece claro que a produção do 
espaço contém uma dimensão política alimentada pelos conflitos inerentes às sociedades 
históricas. Essa produção é política! Há interesses em jogo que fazem com que o espaço 
geográfico seja organizado desta ou daquela maneira, beneficiando estes ou aqueles indivíduos 
em detrimento de outros, estimulando o geógrafo a decifrar os porquês dessa organização. 
Esclarecidos esses apontamentos sobre o campo da geografia política, a saber: o uso político do 
espaço, resta-nos deixar bem claro que a relação básica dos estudos de geografia política e da 
própria geopolítica é aquela formada entre espaço e poder. Uma vez que já abordamos a 
produção – social – do espaço e a natureza – social – do espaço , avancemos alguns comentários 
sobre a geografia política e a geopolítica para, em seguida, tratarmos do conceito de poder. 
 
O polissêmico conceito de poder 
Entendemos que o objeto de reflexão da geografia política é a relação formada entre espaço e 
poder. Portanto, o ponto de partida do raciocínio político-geográfico reside no entendimento 
claro dos conceitos teóricos de espaço e de poder. Tratar apenas do espaço, em todos os seus 
desdobramentos teóricos e empíricos, ou tratar apenas do poder, em toda a sua potencialidade 
teórica e prática, consiste em algo extremamente rico, mas não garante que uma abordagem 
político-geográfica seja empreendida, pois se a relação entre os dois termos não for tecida, 
esclarecida e analisada ainda não se terá adentrado no campo da geografia política. Como já 
foram apresentados fundamentos sobre o conceito de espaço geográfico, é chegada a vez de 
falarmos sobre o conceito de poder. 
No livro clássico Poder e sociedade, escrito em 1950 por A. Kaplan e H. Lasswell, encontram-
se as seguintes definições: 
 
O poder é um valor de deferência que interessa particularmente à ciência política; ele pode 
ser descrito em termos de seu domínio, alcance, peso e coercitividade. 
O poder é a participação no processo decisório: G tem poder sobre H, com relação aos 
valores K, se G participa da tomada de decisões que afetam as políticas de H em relação a 
K. 
O processo político é a formação, a distribuição e o exercício do poder. 
Bertrand Russel define, concisamente, o poder como a “produção de efeitos pretendidos”. 
Tawney afirma que “o poder pode ser definido como a capacidade de um indivíduo, ou 
grupo de indivíduos, modificar a conduta de outros indivíduos ou grupos da forma que 
quiser”. 
 
Para refletirmos... 
O poder se define apenas como uma capacidade? 
 
O poder é conceito escorregadio. Para o geógrafo francês Claude Raffestin (1993:51), “se há 
uma palavra rebelde a qualquer definição, essa palavra é poder”. Segundo este autor, o termo 
poder também carrega uma ambiguidade, se for escrito com letra maiúscula ou minúscula. O 
Poder com letra maiúscula postula a soberania do Estado, ou seja, evoca o poder oficial, 
instituído, exercido pelo Estado, na forma da lei. Já “o poder, com minúscula,nome comum, se 
esconde atrás do Poder, nome próprio”. Seria oportuno que o poder fosse entendido como um 
fenômeo social inerente, portanto, às relações sociais, em vez de ser restrito, como um 
monopólio, à esfera do Estado. É disso que trataremos: o poder como um fenômeno social 
difuso, manifestado por ocasião de uma relação social. Assim, poder ser o poder estatal como 
poderá ser o poder dos movimentos sociais e até mesmo de um só indivíduo em relação a outro. 
Segundo Raffestin (1993:52), “presente em cada relação, na curva de cada ação: insidioso, ele 
[o poder] se aproveita de todas as fissuras sociais para infiltrar-se até o coração do homem”. O 
que se pretende com esses apontamentos é ampliar a noção de poder para além do poder 
oficializado na figura do Estado. O poder é, numa perspectiva ampliada muito mais do que a 
ação do Estado, é algo consubstancial às relações sociais, ou seja, é parte intrínseca das relações 
sociais. Assim, já partimos de um ponto de vista: o poder tem uma natureza relacional, pois é 
intrínseco às relações sociais. Na prática, isso quer dizer que algumas relações sociais se 
transformam em relações de poder. Quando e por que isso ocorre? É simples, quando numa 
dada relação social um manda e outro obedece, isto é, quando existe uma assimetria que faz 
com que um indivíduo ou grupo se comporte do modo que o outro indivíduo ou grupo assim 
deseja. Logo, conclui-se, parcialmente, que o poder é um tipo de relação social e assimétrica. 
Por isso, o filósofo francês Michel Foucault (1999:89-91) fez uma série de proposições sobre o 
poder. Vejamo-las: 
1. O poder não é algo que se adquire, arrebate ou compartilhe, algo que se guarde ou se 
deixa escapar; o poder se exerce a partir de inúmeros pontos e em meio a relações 
desiguais e móveis; 
2. As relações de poder não se encontram em posição de exterioridade com respeito a 
outros tipos de relações (processos econômicos, relações de conhecimentos, relações 
sexuais), mas lhes são imanentes; 
3. O poder vem d baixo; isto é, não há no princípio das relações de poder, e como matriz 
geral, uma oposição binária e global entre os dominadores e os dominados; 
4. As relações de poder são, ao mesmo tempo, intencionais e não subjetivas. Não há poder 
que se exerça sem uma série de miras e objetivos; 
5. Lá onde há poder há resistência e, no entanto, ou melhor, por isso mesmo, esta nunca se 
encontra em posição de exterioridade em relação ao poder. 
Essas proposições são bastante oportunas para se pensar o poder, sobretudo porque reforçam a 
ideia de que o poder é exercido e tem uma natureza relacional, que essa relação é assimétrica e 
que a resistência é inerente à relação de poder. Este último ponto nos interessa muito, pois a 
noção de resistência é cada vez mais valorizada na geografia política contemporânea, como 
veremos na aula sobre as geopolíticas críticas. A 5ª proposição nos permite considerar que a 
resistência, forte ou débil, faz parte da relação de poder porque é preciso algum grau de 
consentimento para que a relação de poder ocorra. Vejamos um exemplo clássico: a opção 
trágica. Numa relação de poder violenta em que o violentador aponta uma arma para a vítima a 
fim de força-la a manter relações sexuais com ele, pode-se supor que a vítima se mate com uma 
faca antes de o ato sexual se iniciar. A opção pela morte é designada, neste caso, opção trágica. 
O fim do “outro” acaba com a possibilidade da relação e, sem relação, não há exercício do 
poder. Isso nos informa, pelo menos, duas coisas: a) o poder tem limite e esse limite é dado pela 
natureza da relação que ocasiona o poder; e b) a resistência é um comportamento que calibra a 
relação de poder, ou seja, que dá a medida de seu alcance. 
Então, podemos voltar à reflexão: o poder se define apenas como uma capacidade? A resposta 
só pode ser negativa. O poder é uma capacidade, mas vai além dela. No dicionário da língua 
portuguesa, de Antenor Nascentes, encontra-se a seguinte definição para a palavra poder: 
“capacidade de agir, de fazer uma coisa, de produzir um efeito”. Isso, evidentemente, está 
correto, mas exige complemento. Na geografia política, uma definição mais adequada nos 
informa que poder é a capacidade e o consentimento de tomar decisões e de mantê-las na área 
de interesse de outrem. Trata-se de uma definição clara e operacional. Clara porque a 
capacidade deve vir sempre acompanhada do direito ou do consentimento para que uma relação 
se concretize (como visto no exemplo da opção trágica) e operacional porque pode ser aplicada 
facilmente à geografia política uma vez que a área de interesse pode ser uma parcela do espaço 
geográfico. Mas devemos avançar nessa reflexão. 
O poder, muitas vezes é confundido com a figura do Estado e suas ações, como já alertado, mas 
também é confundido com a política. Assim, o jurista italiano Norberto Bobbio (1987:77) nos 
faz um alerta: “se a teoria do Estado pode ser considerada como uma parte da teoria política, a 
teoria política pode ser considerada como uma parte da teoria do poder”. Desta formulação, 
deduzimos rapidamente que o termo Estado é menos abrangente, em seu significado, do que o 
termo política, que por sua vez, é menos abrangente do que o termo poder. Talvez, esteja aí a 
provocação de Claude Raffestin, ao intitular o seu famoso livro Por uma geografia do poder, 
em vez de empregar a expressão geografia política... 
 Para o cientista I. Molina (2007), o poder é um conceito que expressa a energia capaz de fazer 
com que a conduta dos demais se adapte à própria vontade. É uma influência sobre outros 
sujeitos ou grupos que obedecem por haverem sido manipulados ou atemorizados com uma 
ameaça de emprego da força. Embora às vezes não seja necessário exercer o poder, pois quem o 
detém consegue seus fins apelando à sua autoridade ou à capacidade de persuasão, outras vezes, 
é necessário recorrer à violência para consumar a imposição. Nesse caso está claro que a relação 
de poder recorre com frequência ao uso da força, da coerção para lograr os resultados desejados. 
Também está claro que a persuasão é conduta oposta à coerção, pois se vincula mais à 
influência do que ao poder. Parece necessário, também, que, do mesmo modo que esclarecemos 
as abrangências dos termos Estado, política e poder, agora, acrescentaremos a noção de 
influência como aquela mais abrangente que as três mencionadas. C. Raffestin (1993:54), 
citando H. Lasswell, dá a entender que “é a ameaça das sanções o que diferencia o poder da 
influência em geral. A influência recoore mais à persuasão e o poder recorre à coerção”. 
Para Molina (2007:93-94): 
O poder é político quando se exerce num marco no qual a coerção é legítima ou a 
recompensa pela obediência tem a ver com os benefícios previstos pela comunidade. O 
Estado é a instituição que aspira monopolizar, através da ideia de soberania, o poder 
político que assegure a manutenção de uma determinada ordem social. Não obstante, e 
apesar de que o poder tende na maioria das ocasiões a prolongar a ordem já existente, 
em algumas vezes o poder também se orienta para estabelecer uma ordem social que, 
em princípio, é diferente ou oposta da qual surge e na qual se desenrolou. Ademais, a 
categoria poder pode ser também entendida como símbolo e realidade material onde o 
relevante são os efeitos que produz, pois transforma as atitudes e preferências do 
subordinado ou torna inútil a sua oposição. 
Uma questão para refletirmos: 
O Estado é a instituição que aspira monopolizar o poder político. Pode a sociedade 
estabelecer limites para essa aspiração? Em caso afirmativo, como? 
 
Acompanhando, ainda, o pensamento de Michel Foucault, devem ser considerados os 
seguintes pontos sobre a análise do poder (aos quais acrescentamos uma conclusão 
particular, em itálico), com base em Revel (2005:67-68): 
 1. O sistema das diferenciações que permite agir sobre a ação dos outros, e que é, aomesmo tempo, a condição de emergência e efeito de relações de poder (diferença jurídica de 
estatuto e de privilégios, diferença econômica na apropriação da riqueza, diferença de lugar 
no processo produtivo, diferença linguística ou cultural, diferença de saber-fazer ou 
competência...); logo, a diferenciação pode criar e até mesmo justificar a assimetria na 
relação de poder. 
 2. O objetivo dessa ação sobre a ação dos outros (manutenção de privilégios, acumulação 
de proveitos, exercício de uma função...); logo, toda relação de poder é guiada por uma 
intencionalidade. 
 3. As modalidades instrumentais do poder (as armas, o discurso, as disparidades 
econômicas, os mecanismos de controle, os sistemas de vigilância...); logo, os recursos de 
poder (sejam materiais ou imateriais) ditam a natureza, as consequências e o alcance da 
assimetria entre os atores implicados na relação. 
 4. As formas de institucionalização do poder (estruturas jurídicas, fenômenos de hábito, 
lugares específicos que possuem um regulamento e uma hierarquia próprios, sistemas 
complexos como aquele do Estado...); logo, as instituições, sejam elas estatais ou não, 
jogam um papel relevante nas relações de poder. 
 5. O grau de racionalização, em função de alguns indicadores (eficácia dos instrumentos, 
certeza do resultado, custo econômico e político...), logo, o planejamento não é ação 
estranha à relação de poder, podendo, inclusive, potencializá-la. A organização é 
fundamental para o exercício pleno do poder, podendo, inclusive, ser considerada uma de 
suas bases. 
Para finalizarmos essas considerações sobre o poder como relação, analisemos esse trecho 
extraído de VERCAUTEREN, D.; CRABBÉ, O.; MÜLLER (2010: 147-149): 
 
O PODER COMO... 
Consideremos o poder como um conjunto de relações o qual implica que seja exercido sobre 
qualquer coisa ou qualquer pessoa. Ao mesmo tempo, nem “um” ator nem o “outro” da relação 
que se constrói tem uma posição fixa dentro de um papel: por turnos ou simultaneamente, cada 
um dos polos da relação atua, se move, faz evoluir a relação, o jogo de poderes, quer dizer de 
influências, tanto sobre a situação mesma como sobre a relação que se está tecendo. 
Ampliemos esta primeira definição em torno ao que Michel Foucault chama de física (ou 
microfísica) do poder: toda força, no momento em que se vê afetada por outra força, gera uma 
resistência que, se não for detida, contrarresta a ação da primeira. As forças entram 
necessariamente em uma relação, mas não de oposição ou de contradição, mas de contrariedade 
dissimétrica. 
M. Foucault diz que “o poder é o nome que damos a uma situação estratégica complexa dentro 
de uma sociedade dada”. Ou melhor, com a ajuda de Gilles Deleuze: “O poder é uma relação de 
forças ou, mais provavelmente, toda relação de forças é uma relação de poder. Entendamos em 
primeiro lugar que o poder não é uma forma, por exemplo, a forma ‘Estado’ [...] Em segundo 
lugar, a força não se encontra nunca no singular, é parte de uma essência estar em relação com 
outras forças, se bem que toda força já é uma relação, quer dizer, poder [...]. A força não tem 
outro objeto nem outro sujeito que outras forças em si, não tem outro ser que não seja a própria 
relação: é uma ação sobre outras ações, sobre ações possíveis, sobre ações futuras ou presentes. 
[A partir deste axioma, podemos] conceber uma lista de variáveis abertas, que expressam a 
relação de força ou de poder que constitui ações: incitar, induzir, desviar, facilitar ou dificultar, 
ampliar ou limitar, tornar menos ou mais provável...Estas são as categorias do poder”. 
...RELAÇÃO 
Esta ótica diferente sobre o que designa a palavra poder faz com que aflore imediatamente o 
fato de que, no modo de ver as práticas coletivas, com frequência tendemos a substituir “a 
relação” (o poder como relação entre pessoas, quer dizer, entre duas forças) pela “identidade” (o 
poder como atributo encarnado, como se ele constituísse de fato uma pessoa). Diremos que tal 
pessoa tem o poder e, segundo a relação que tenhamos com ela, o julgaremos de maneira 
positiva (“por sorte esta pessoa está entre nós”) ou negativa (“é um canalha, um déspota, um 
manipulador”) e a pessoa que se encontra no ponto de mira replicará, situando-se no mesmo 
plano de linguagem e de análise: “Esta pessoa que está me atacando está tomando isso como 
uma questão pessoal, se trata de um caso claro de paranoia e de conflito interindividual, uma 
história de ciúmes ou de frustração...”. 
Esta maneira de proceder tem a magia de inverter a ordem das coisas: nos leva a nos centrarmos 
nas consequências de uma situação, a conhecer os atributos e as posições que têm uns e outros e 
a ignorar as causas, os mecanismos e os diferentes fatores, principalmente históricos, que 
produzem em um momento dado as atuais relações de poder em vigor. Desta maneira, 
ocultamos uma questão importante: como se criam e se produzem as relações de poder e como 
se distribuem os atributos que derivam delas, que contribuem para fazê-las evoluir ou fixá-las? 
Em outras palavras, como funcionam? 
Posto que, se seguirmos Michel Foucault, o poder se exerce (relação) mais que se possui 
(atributo) e passa pelos dominados menos que pelos dominantes. Essas duas teses deveriam 
orientar nossa reflexão e nos conduzir a esta primeira questão: Como chegaram ali? E, na 
sequência, em que medida a situação que vivem e os aspectos nos quais se fixam são o resultado 
de uma produção coletiva, na qual todos os atores intervieram em maior ou menos grau? Em 
que aspectos esta relação tem pinta de ser um problema de grupo? 
Com frequência, nos momentos de tensão, de conflito, quando nos colocamos esta questão, nos 
encontramos no desenlace (sempre provisório, sempre móvel) de um sistema de relações que 
funciona há vários anos. Um sistema e uma dinâmica que, com o tempo, viram como uma ou 
mais forças impuseram ritmos ou lógicas às demais forças presentes “conduzindo condutas”, 
“dispondo das probabilidades”. Estas outras forças não permaneceram puramente passivas, ou 
bem aceitaram, fomentaram ou tiraram proveito, ou bem resistiram, golpearam ou fugiram das 
modalidades de relação de poder que, pouco a pouco, foram se instalando. 
Essas relações se construíram, então, a partir de um sistema complexo de obediências e de 
ordens, de ações e de reações. São o efeito provisório e parcial de um conjunto estratégico “de 
disposições, de manobras, de táticas”. Nem todas elas são atribuíveis a uma pessoa, a um ponto 
central ou a uma entidade quaisquer que, só, teria organizado tudo conscientemente: tal entidade 
“é pedestal móvel das relações de forças que conduzem, sem cessar, devido às suas 
desigualdades, a estados de poder, mas sempre locais e instáveis, móveis (...). E ‘o’ poder, 
naquilo que tem de permanente, de repetitivo, de inerte, de autorreprodutor, não é senão o efeito 
de um conjunto, que se configura a partir de todas essas mobilidades, do encadeamento que se 
apoia em cada uma delas e que busca, por seu turno, fixa-las”, segundo Foucault. 
A partir da leitura atenta do texto acima, seguem nossas sugestões para uma reflexão crítica: 
1. A concepção de poder como relação rejeita as concepções de poder como coisa ou 
como sujeito. Como explicar essa rejeição? 
 
2. As forças que entram em jogo na relação de poder são assimétricas ou dissimétricas. 
Por quê? 
 
3. As relações de poder têm implicações decisivas na produção do espaço. Por quê? 
 
Na próxima aula, adentraremos na história da geografia política, buscando entender como 
começou a sua sistematização, como se deram seus altos e baixos... 
Sugestões de leitura desta aula: 
1. RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. Especialmente o 
capítulo III “O Poder”. 
2. SANTOS, M. A natureza do espaço. São Paulo: Hucitec, 1996. Especialmente o 
capítulo 2 “Espaço: sistemas de objetos, sistemas de ação”. 
 
Referênciasbibliográficas 
BARRIOS, S. A produção do espaço. In: Souza, M.; Santos, M. (Org.). A construção do espaço. 
São Paulo: Nobel, 1986 
BOBBIO, N. Estado Governo Sociedade. Por uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e 
Terra, 1987 
CASTRO, I. Geografia e política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005 
CASTRO, P. Geografía e geopolítica In: Hiernaux, D. e Lindón, A. (Dir.). Tratado de 
Geografía Humana. Barcelona: Anthropos, 2006. 
CORTELA, A.; LA TAILLE, Y. Nos labirintos da moral. Campinas: Papirus, 2010 
ESTRABÃO. Geografia. Livros I e II. Madri: Gredos, 1991 
FOUCAULT, M. História da sexualidade. (I) A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1999 
LEFEBVRE, H. La production de l’espace. Paris: Anthropos, 1986 
LÓPEZ TRIGAL, L. Diccionario de geografía política y geopolítica. León: Universidade de 
Léon, 2013 
MARTÍNEZ LOREA, I. Prólogo: Henri Lefebvre y los espacios de lo posible. In: Lefebvre, H. 
La producción del espacio. Madri: Capitán Swing, 2013 
MOLINA, I. Conceptos fundamentales de ciencia política. Madri: Alianza Editorial, 2007 
RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993 
REVEL, J. Foucault. Conceitos essenciais. São Carlos: Claraluz, 2005 
SANTOS, M. A natureza do espaço. São Paulo: Hucitec, 1996 
VERCAUTEREN, D.; CRABBÉ, O.; MÜLLER, T. Micropolíticas de los grupos. Para una 
ecología de las prácticas colectivas. Madri: Traficantes de Sueños, 2010

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