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Nulidades do Processo e da Sentença

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2017 - 09 - 24 
Nulidade do processo e da sentença - Edição 2017
PRIMEIRAS PÁGINAS
© desta edição [2017]
2017 - 09 - 24
© desta edição [2017]
 
Nulidade do processo e da sentença - Edição 2017
SOBRE A AUTORA
TERESA ARRUDA ALVIM
Livre-docente, Doutora e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo – PUC-SP. Professora nos Cursos de Graduação, Especialização, Mestrado e
Doutorado da mesma Instituição. Diretora de Relações Internacionais do IBDP. Vice-
Presidente do Instituto Ibero-americano de Direito Processual – IIBDP. Membro
Conselheiro da International Association of Procedural Law – IAPL. Membro do Instituto
Panamericano de Derecho Procesal – IPDP, do Instituto Português de Processo Civil – IPPC,
da Academia de Letras Jurídicas do Paraná e de São Paulo, do Instituto dos Advogados do
Paraná – IAP-PR e do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP, da Associação dos
Advogados de São Paulo – AASP, do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
Membro do Conselho Consultivo da Câmara de Arbitragem e Mediação da Federação das
Indústrias do Estado do Paraná – Camfiep. Membro do Conselho Consultivo da Editora
Revista dos Tribunais. Coordenadora da Revista de Processo – RePro, publicação mensal
da Editora Revista dos Tribunais. Advogada.
2017 - 09 - 24
© desta edição [2017]
 
Nulidade do processo e da sentença - Edição 2017
NOTA À 8.ª EDIÇÃO
NOTA À 8.ª EDIÇÃO
Uma vez em vigor o CPC de 2015, surgiu a oportunidade para uma nova reflexão sobre
a nova disciplina das nulidades da sentença e do processo, sempre com base em boa e
atualizada doutrina e jurisprudência, e, correlatamente, para uma reedição deste
trabalho.
Conservadas as regras básicas a respeito da classificação e do regime jurídico dos vícios
do processo, ligados à prescrição, ganhou força indiscutível o princípio do aproveitamento
do processo: aí, se incluem a tendência a se evitarem vícios, e, se eventualmente ocorridos,
a de que sejam efetivamente sanados ou relevados. Estas tendências, de que já tratávamos
na 1.ª edição deste trabalho de 1987, e que ao longo do tempo foram sendo esculpidas pela
jurisprudência, consubstanciam-se, agora, em lei escrita.
Uma vez tendo remanescido o vício no processo, os mais graves se dividem em duas
categorias: a nulidade absoluta e a inexistência jurídica. Neste último caso, prescinde-se
de ação rescisória, já que a sentença, que pode ser assim qualificada, não tem aptidão para
transitar em julgado. Basta uma ação meramente declaratória (que tem sido chamada de
querela nullitatis).
O NCPC trouxe relevantes alterações no que diz respeito ao âmbito do efeito devolutivo
dos recursos excepcionais. Em face da nova lei, entendemos que os Tribunais Superiores
podem e devem conhecer de vícios de nulidade absoluta, uma vez conhecido o recurso e
cassada a decisão impugnada.
É muito gratificante ter constatado que, embora já esteja este livro em sua oitava
edição, os pontos de vista por nós sustentados, desde as primeiras versões, não foram
alterados, embora, à época, ainda houvesse resistência da doutrina e da jurisprudência
quanto a muitos deles. Ao contrário, forma robustecidos e, a cada edição, há mais
jurisprudência para se citar nos rodapés, no sentido da opinião expendida no texto.
A elaboração desta nova edição nos deu prazer e, é claro, muito trabalho. Por isso,
agradeço imensamente à editora RT o apoio de sempre e, aos meus sócios de escritório, o
carinho e a paciência.
Teresa Arruda Alvim
2017 - 09 - 24
© desta edição [2017]
 
Nulidade do processo e da sentença - Edição 2017
NOTA À 7.ª EDIÇÃO
NOTA À 7.ª EDIÇÃO
Em tempos de instabilidade, quando não se sabe se e quando teremos um novo Código
de Processo Civil, a Editora Revista dos Tribunais resolveu reeditar este meu trabalho, há
anos esgotado. Concordei imediatamente, porque tratar do que está no projeto, é tratar
das tendências contemporâneas do processo civil no mundo ocidental. E também,
felizmente, de tudo o que venho desenvolvendo nas edições anteriores, apontando para
uma direção em que, num movimento sem volta, vai o processo civil. Esta direção é a ideia
de que o processo deve ser salvo, prestigiando-se, até às últimas consequências, a
necessidade de que o processo cumpra a sua vocação, produzindo-se uma sentença de
mérito.
Nulidades só devem ser decretadas em último caso. Sempre que possível, vícios devem
ser sanados ou relevados. Se, apesar de haver, em tese, a possibilidade de que sejam
corrigidos, não o forem, aí sim, maculam os atos subsequentes até chegar à sentença.
A classificação das nulidades no processo, portanto, nada tem a ver com a sua
sanabilidade. Não ocorre, como no Direito Civil, em que só as nulidades relativas são
sanáveis. No processo, tudo se sana, até atos juridicamente inexistentes.
Nesta edição, descreve-se com mais clareza a figura do ato juridicamente inexistente: é,
por exemplo, a sentença que não pode ser chamada de sentença, porque lhe falta a parte
decisória. É uma não sentença. Nunca transita em julgado. Exemplos expressivos como
este pretendem seduzir aqueles que hesitam em aceitar a figura do ato inexistente. A
vantagem metodológica de se reconhecer esta categoria é a ausência de prazo para se
impugnar um ato que seja um não ato.
Atualizou-se a jurisprudência e a doutrina, citaram-se novos e bons livros que vieram a
lume nestes anos. Fez-se referência ao CPC projetado, quase sempre.
Assim, ainda que neste momento de transição, espero ter trazido contribuição para
reflexões sobre o tema, soluções para problemas do nosso dia a dia, e mais um tempero
para as discussões, tão fascinantes, em torno deste tema.
Agradeço honesta e profundamente à Ana Carolina de Toledo Moreira pela
significativa ajuda, pelos serões, pelos fins de semana gastos sobre este livro. Pela
solidariedade, pela amizade. À Raquel, pelo empenho e dedicação. À Dani, que é as minhas
mãos. À Revista dos Tribunais, pelo apoio de sempre. Muito obrigada!
A AUTORA
2017 - 09 - 24
© desta edição [2017]
 
Nulidade do processo e da sentença - Edição 2017
NOTA À 6.ª EDIÇÃO
NOTA À 6.ª EDIÇÃO
Com muito empenho e entusiasmo, trabalhamos neste texto, que será a 6.ª edição do
trabalho que, em sua versão originária, foi nossa dissertação de mestrado.
Ao longo destes anos todos, pudemos verificar que os tribunais brasileiros vêm
inclinando-se por confirmar muitas das tendências que conseguimos, desde cedo,
identificar, e que consideramos corretas, como, por exemplo, a de entender não se
produzir a coisa julgada em sentenças proferidas em processos que podem ser tidos por
juridicamente inexistentes, por falta de citação de réu revel.
O inconformismo de muitos processualistas, quanto a ver eternizarem-se efeitos de
sentenças que nunca deveriam ter sido proferidas, fica, em grande parte, resolvido, se
admitirem identificar hipóteses em que não há o que desconsiderar , porque a coisa
julgada nem mesmo se terá formado, como ocorre, por exemplo, no caso antes
mencionado, em que o réu não é citado ”ou o é, por meio de citação nula) e remanesce
revel. Sugerimos, também, que se dê maior amplitude às hipóteses de ação rescisória,
assunto em que nos detivemos com mais vagar no trabalho que escrevemos com José
Miguel Garcia Medina, publicado por esta Editora ”O dogma da coisa julgada – Hipóteses de
relativização).
Os temas tratados são absolutamente fascinantes e nunca perdem a sua atualidade.
Consideramos, na atualização da presente edição, as alterações legislativas ocorridas
até o momento ”4 de janeiro de 2007).
Levamos em consideração, também, parte expressiva da doutrina produzida neste
período, e fizemos profunda revisão da jurisprudência que tinha sido citada na edição
anterior, mencionando a orientação jurisprudencial atual a respeito dos assuntos tratados.
Utilizamos o mesmo critério das edições anteriores, escolhendo as decisões citadas,
quando representativas de um dado entendimento, ou quando se tratava de precedente
que apontou a orientação que veio a ser seguida, em outros julgados.O mesmo método
empregamos em relação às decisões citadas nas edições anteriores, que mantivemos,
somente quando não encontramos decisões judiciais mais recentes, versando sobre o
mesmo assunto.
Pudemos contar novamente com a proveitosa troca de ideias com amigos
processualistas e com o apoio irrestrito e ajuda direta, que vem se tornando
imprescindível, do nosso colega de escritório, certamente um dos grandes talentos do
mundo jurídico atual, José Miguel Garcia Medina, cuja amizade temos o privilégio de
contar e a quem consignamos nossos eternos agradecimentos.
A AUTORA
2017 - 09 - 24
© desta edição [2017]
 
Nulidade do processo e da sentença - Edição 2017
NOTA À 5.ª EDIÇÃO
NOTA À 5.ª EDIÇÃO
Tendo se esgotado, já há alguns anos, a edição anterior, nos propusemos a atualizá-la,
tendo em vista as recentes alterações legislativas, bem como a doutrina e a jurisprudência
que surgiram a respeito.
As recentes reformas legislativas realizadas no Direito Processual Civil (Leis
10.352/2001, 10.358/2001 e 10.444/2002) e no Direito Civil (Lei 10.406/2002) foram tomadas
em consideração na atualização do trabalho.
Também a doutrina nacional e estrangeira citadas nas edições anteriores foram
atualizadas, e novos trabalhos doutrinários surgidos sobre os temas estudados foram
incorporados à esta 5.ª edição.
Em relação à edição anterior, foram acrescentadas mais de 200 decisões colhidas na
jurisprudência dos Tribunais brasileiros, selecionadas dentre as proferidas a partir de
1998 (quando foi lançada a 4.ª edição) até julho de 2003. A referência às decisões
proferidas anteriormente foi mantida, pois pudemos notar que muitas das decisões que
citamos nas edições anteriores serviram de precedente aos julgados deste último lustro.
Também cuidamos de acrescentar a esta edição reflexões, realizadas em conjunto com
o jovem e talentosíssimo processualista José Miguel Garcia Medina, que resultaram em
nossa recente publicação por esta editora, O dogma da coisa julgada – Hipóteses de
relativização (2003). De fato, inevitável transportarem-se para este contexto muitas das
considerações e conclusões daquele estudo.
É também a José Miguel Medina que aqui registro meu mais profundo agradecimento,
pelo empenho na ajuda em atualizar este trabalho e pela frequente e rica troca de ideias.
A AUTORA
2017 - 09 - 24 
Nulidade do processo e da sentença - Edição 2017
NOTA À 4.ª EDIÇÃO
NOTA À 4.ª EDIÇÃO
O que nos estimulou de modo intenso a preparar uma nova edição deste trabalho foi a
recente reforma pela qual passou o CPC brasileiro, liderada por eminentíssimos
processualistas, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Athos Gusmão Carneiro.
Como prevíamos, todavia, acabamos fazendo inúmeras alterações, incluindo novos
autores brasileiros e estrangeiros, tendo sempre presente a preocupação de citar a
doutrina não nacional oportunamente, e exclusivamente na medida em que se tratava de
manifestações que poderiam ser úteis para resolver problemas do direito brasileiro.
As alterações foram tantas, e tão profundas, que modificamos até o nome do livro, para
que este passe a ser fiel ao seu real conteúdo. De fato, tratamos, neste trabalho, das
Nulidades do processo e da sentença.
Alteramos, também, expressamente, algumas das posições assumidas nas edições
anteriores, porque os argumentos das outras correntes acabaram por nos persuadir.
Foram acrescentados novos acórdãos e se tratou de assuntos a respeito dos quais não
havia, nas edições anteriores, mais do que mera alusão, como, por exemplo, a exceção de
pré-executividade, sentença mandamental e a Súmula 343 do STF, além de outros temas
igualmente atuais e interessantes.
Agradecemos imensamente a colaboração de Rose Forquim de Oliveira, na digitação
impecável, e aos nossos alunos da pós-graduação da PUC-SP, que, nas discussões havidas
em classe, em muito contribuíram para novas ideias que aqui foram expostas.
À Alessandra Pinho da Silva, dedicadíssima aluna do curso de bacharelado da PUC-SP,
que conosco trabalha há três anos, o nosso muito obrigada pela assessoria que nos deu no
que tange à pesquisa doutrinária e jurisprudencial.
Agradecemos também aos colegas da Faculdade de Direito de Curitiba e aos da pós-
graduação da PUC-SP – Adilson Abreu Dallari, Amaury Mascaro Nascimento, André Franco
Montoro, Cássio Mesquita de Barros Jr., Celso Antônio Bandeira de Mello, Celso Antonio
Pacheco Fiorillo, Celso Seixas Ribeiro Bastos, Cláudio de Cicco, Dirceu de Mello, Diva
Prestes Malerbi, Donaldo Armelin, Elizabeth Nazar Carrazza, Estevão Horvath, Fábio
Ulhoa Coelho, Fernando Antônio Albino Oliveira, Haydée Maria Roveratti, Hermínio
Alberto Marques Porto, João Batista Lopes, José Artur Lima Gonçalves, José Manoel de
Arruda Alvim Netto, José Roberto d’Affonseca Gusmão, Lucia Valle Figueiredo Collarile,
Luiz Alberto David Araújo, Luiz Antonio Nunes, Maria Garcia, Maria Helena Diniz, Michel
Miguel E. Temer Lulia, Nelson Luiz Pinto, Nelson Nery Junior, Paulo de Barros Carvalho,
Pedro Paulo Teixeira Manus, Renan Lotufo, Renato Rua de Almeida, Roque Antonio
Carrazza, Tercio Sampaio Ferraz Jr., Thereza Celina Diniz de Arruda Alvim, Wagner Balera
– pelo ambiente de ebulição intelectual em que tenho permanentemente vivido, que,
certamente, desempenhou papel decisivo no intenso entusiasmo com que trabalhamos
nesta 4.ª edição.
Dedicamos este trabalho a nossos colegas de escritório – Ana Paula do Amaral, Cesar
© desta edição [2017]
Eugênio Miltons, Daniela Saviane Lemos, Danielle Pinheiro Machado, Evaristo Aragão
Ferreira dos Santos, Giovana Manfron da Fonseca, Izabela Cristina Rücker Curi, Luiz
Rodrigues Wambier –, na certeza de que eles bem sabem os porquês.
A AUTORA
2017 - 09 - 24
© desta edição [2017]
 
Nulidade do processo e da sentença - Edição 2017
CONSELHO DE APOIO, ESTRUTURAÇÃO E PESQUISA
CONSELHO DE APOIO, ESTRUTURAÇÃO E PESQUISA
Dante Olavo Frazon Carbonar
Erico Tatesudi
Fernando de Siqueira
João Ricardo Camargo
Rafaella Nogaroli
2017 - 09 - 24 
Nulidade do processo e da sentença - Edição 2017
NOTA INTRODUTÓRIA
NOTA INTRODUTÓRIA
Qualquer investigação jurídica envolve uma concepção metodológica própria da
ciência do direito. Trata-se de um pressuposto nem sempre esclarecido, muitas vezes
revelado nas entrelinhas, que, a nosso ver, merece o devido relevo , diz Tercio Sampaio
Ferraz Jr.1
Por isso, embora se trate de um trabalho cujo objeto é fundamentalmente o direito
positivo, tomamos a liberdade de incluir esta nota introdutória, que não tem a pretensão –
tanto quanto os outros textos do mesmo tom, que aparecem no curso deste estudo – nem
de ser filosófica, nem de pertencer à teoria geral do direito. É, simplesmente, uma
reflexão.
O fato de alguns autores, da área de filosofia ou da teoria geral do direito, terem sido
consultados, e citados, deve-se à necessidade pessoal de orientação e disciplina do
pensamento, não à finalidade de pretender tornar o texto um roteiro de método científico.
São essas as observações:
É tradicional no direito o dilema entre o normativismo formalista e o decisionismo
irracionalista. Modernamente, tem-se procurado fugir a este dilema, tentando mostrar ser
possível escapar de uma destas orientações, sem, necessariamente, cair na outra. É o que
se pode dizer do logos do razoável , da procura de novos tipos de pensar, que se afastam
da lógica analítica, remanescendo, entretanto, logos.
O logos humano não se exaure nas formas atemporais da lógica pura, que diz respeito
a um e outro. Apresenta-se também referido a pensamentos situados, abertos,
problematizados, por meio de formas menos rígidas, cujos nexos são menos aparentes.
A dignidade epistemológica é conferida ao direito, apesar de se reconhecê-lo
trabalhando com um tipo de racionalização desvalorizada pelo positivismo.
Cai-se, então, no campo da retórica, também dotado de certo formalismo, que faz
com que não se dissolva a ciência na dimensão expressiva e evocadora da poesia,
mantendo-lhe o caráter de conhecimento racional .2
Os nexos, nas ciências do espírito e no direito, nãosão perceptíveis pela razão pura.
Não são tão claros, nem necessários. É preciso a intervenção de outro algo que se pode
chamar de intuição ou de faculdade volitiva, como diz J. B. Machado, um algo que dê
vida à intelectiva. Uma não se sobrepõe à outra. Completam-se, necessariamente.
Estes novos estilos de logos não lidam com a verdade, mas com o necessário, com o
razoável, e com o possível.
A noção de previsibilidade familiar é este novo enfoque problemático do direito. E,
para chegar até ela, é preciso que se analisem os fatores que desempenham papéis para
que se alcance o resultado que se quer prever.
Por isso que, ao tentarmos encontrar ”e não impor) coerência no tratamento que o
direito tem dado às nulidades das sentenças, jurisprudência, lei e doutrina foram
analisadas.3
Se, de um lado, procurou-se, neste estudo, sistematizar ou criar um conjunto de regras
que norteiam a mecânica das nulidades do processo e das sentenças, para que se as
possam controlar ”no sentido de se poder prever o que pode ocorrer e, portanto, conviver-
se em paz com estas regras), sabendo-se os resultados com que se pode contar, procurou-
se, de outro lado, não forçar a arrumação dos conceitos num quadro esquemático.
Adotamos, nesta monografía, a classificação tríplice dos vícios dos atos processuais:
nulidades relativas, nulidades absolutas e inexistência jurídica. A inexistência jurídica,
veja-se, é apenas jurídica. O ato existe, no plano dos fatos, mas é tão defeituoso, que está
desidentificado, desfigurado: é um não-ato.
Este é, sem dúvida, o ponto alto deste trabalho, já que sentenças inexistentes não
transitam em julgado e podem ser impugnadas independentemente de ação rescisória, por
meio de ação meramente declaratória.
Ao longo deste estudo, citamos autores e jurisprudência para apoiar nossas conclusões.
Entretanto, quando se trata de inexistência jurídica, os acórdãos são raros.
Difícil seria partir de um quadro real, visto que raríssimos são os exemplos práticos
destas situações que se pretenderam classificar. Com isso se quer dizer o seguinte: num
exemplo extremo, se se admite haver no processo a categoria das sentenças inexistentes, a
única forma de se testar este enunciado teórico é localizar, na jurisprudência, algum caso
em que se tenham escoado os prazos recursais e o prazo da ação rescisória e que, ainda
assim, a sentença tenha sido apagada do universo jurídico. E mais. Esta hipótese deve ter
ocorrido de 1973 para cá, pois este estudo procura sistematizar as nulidades das sentenças
a partir de um ângulo, tanto quanto possível, realístico, em face do direito positivo, cujos
principais traços se repetem no CPC de 2015.
Ainda assim, as ideias sustentadas sobre os vícios do processo e as formas de impugná-
los formam um todo coerente.
Como resultado, obteve-se um esquema de funcionamento, que só pode ser entendido
como um sistema se tomarmos o termo como faz Lask: O verdadeiro segredo da forma
sistemática do direito é que ela foi intuída imediatamente pelo especialista com ela
familiarizado, através da práxis científica, mas não foi, ainda, objetivada em uma
expressão lógica .4
Contando, então, com esta espécie de limitação, e com a necessária correlata
compreensão do leitor, é que nos serviremos da expressão sistema das nulidades
processuais .
FOOTNOTES
1
.                            Tercio Sampaio Ferraz Jr. ICM sobre bens importados. Indústria e
© desta edição [2017]
desenvolvimento. São Paulo: ACSFIESP, ago. 1984. p. 33 e ss.
2
.               Karl Engisch. Introdução ao pensamento jurídico. 3. ed. Trad. J. Batista
Machado. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1964. Prefácio, p. XVI.
3
.                            Queremos lembrar que o processo civil está sempre e
indissoluvelmente ligado à atividade dos tribunais; não se pode conceber, sequer
teoricamente, o processo civil desligado dela. Só por mera separação mental é
possível conceber-se o processo, e o próprio direito material, desvinculado do
pensamento resultante da atividade judicante, em todas as suas facetas e graus,
especialmente dos graus superiores da atividade jurisdicional ”José Manoel de
Arruda Alvim Netto. Manual de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2017, n. 7.8.4.4, p. 274).
4
.               Apud Tercio Sampaio Ferraz Jr. O conceito de sistema no direito. São
Paulo: Ed. RT, 1976. p. 129.
2017 - 09 - 24 
Nulidade do processo e da sentença - Edição 2017
1. SENTENÇA
1. Sentença
1.1. Conceito de sentença
1.1.1. Sentença e extinção da fase cognitiva do procedimento comum, do processo,
do procedimento?
O legislador de 2015 procurou prestigiar a ideia de processo sincrético e adotou a
concepção de sentença baseada no conteúdo e na função de pôr fim à fase cognitiva do
procedimento comum e à execução ”art. 203, § 1.º).
Nem sempre conseguiu ser fiel a terminologia por ele mesmo proposta, como, por
exemplo, no art. 316 em que diz A extinção do processo dar-se-á por sentença .
Por isso é que vale a pena aqui abrir-se um parêntesis para tratar rapidamente das
noções de processo e procedimento.
Era comum afirmar-se, principalmente em razão do que dispunha o art. 162, § 1.º, do
CPC de 1973, com a redação anterior à Lei 11.232/2005, que a sentença era o
pronunciamento do juiz que põe fim ao procedimento, em primeiro grau de jurisdição,
embora a lei dissesse que punha fim ao processo.
Por isso, vinha também à tona a importância de se fazer a diferença entre processo e
procedimento. Trata-se de distinção de que se ocupou a doutrina, pela primeira vez, no
século XIX. É, em grande parte, fruto de estudos realizados a partir dos últimos quinze
anos do século XIX, tendo contribuído, de forma definitiva, para que a ciência processual,
com base na ideia de processo, pudesse começar a desenvolver-se, como ramo autônomo
da ciência jurídica, desgarrando-se do direito material.1
Roque Komatsu, antes de estabelecer as diferenças entre processo e procedimento,
observa: A diferença entre eles ”processo e procedimento) foi o início da passagem do
empirismo à ciência, em determinado momento da história doutrinária do processo. Os
alemães, quiçá desde os princípios do século XIX, mas seguramente a partir de sua
metade, usam o vocábulo processo, ao contrário do procedimento . Wetzell, em 1865,
expõe um sistema do processo, ao que já atribui – ainda que dentro da teoria da
litiscontestatio – uma natureza análoga à da obrigação. Com Von Bülow, três anos depois, o
processo é uma relação processual. Esta consideração do processo não só como uma
combinação de atos ”procedimento), mas como tal relação, é sua característica diferencial
e, simultaneamente, a origem de sua ciência .2
A doutrina é rica em distinções não definitivamente concludentes a respeito, e muitos
dos que tentam tenazmente estabelecer um traço divisório entre ambos os fenômenos
jurídicos acabam por fazê-lo de forma excessivamente abstrata, além de, sob certo
aspecto, mais filosófica do que processual.
Evidentemente, a distinção feita nestes moldes carece de valor principalmente
operativo. De fato, é mais fácil do que definir processo e procedimento, tentar apontar os
traços característicos de ambos os fenômenos.3
Nesse caso, os traços característicos do processo são a sua finalidade ”= vocação) e a
correspondência a uma relação jurídica de aspecto determinado.
Por outro lado, o traço que merece relevância – no que diz respeito ao procedimento –
é o aspecto exterior de um desenrolar de atos, que caracteriza a movimentação desta
relação jurídica, a que se aludiu, no tempo. Esta movimentação deve levar à consecução
da finalidade, também há pouco referida.
A definição, propriamente, de processo e procedimento é problema tormentoso, visto
que, em última análise, ambos podem ser visualizados na mesma realidade fática.
Assim, tem-se o desenrolar de atos que nasceram com a propositura de uma ação, que
deve desembocar num pronunciamento judicial de caráter definitivo, pondo fim quer a
essa cadeia de atos, quer à relação jurídicaque lhe está na base, e que lhe empresta
unidade e organicidade.
Nessa mesma realidade, hão de ser visualizados tanto o processo quanto o
procedimento, interessando, para que se possam conceber um e outro, aspectos diversos
deste mesmo objeto.
Dessa forma, para a noção de processo, interessam fundamentalmente as ideias de
relação jurídica – que é a que se estabelece entre os sujeitos do processo: autor, juiz e réu –
e a de finalidade – no sentido de vocação do fluxo dos atos consecutivos e interligados, que
porão em movimento a relação já referida, vocação esta que se volta, concretamente, à
obtenção de um pronunciamento judicial de caráter definitivo.
À concepção da noção de procedimento dizem respeito as noções de movimento dessa
relação jurídica no tempo e, mais especificamente, o aspecto exterior desta movimentação,
ou seja, de que atos se trata, como se entrelaçam etc.
Assim, os dois conceitos se afastam, não por se referirem a objetos diversos, mas por
dizerem respeito a aspectos diversos do mesmo objeto e, pois, observáveis na mesma
realidade fática.
Portanto, parece que reduzir a ideia de processo à de relação jurídica – como se fossem
equivalentes, o que nos parece equivocado – não é o mesmo que dizer que, para a noção
de processo, importa fundamentalmente a relação jurídica que está na base de um
desenrolar de atos ligados, uns aos outros, e que têm por vocação ”finalidade) chegar à
entrega da prestação jurisdicional.
A própria palavra processo traz embutida, em si mesma, a ideia de mobilidade – cesso
–, e não seria a solução mais conveniente a de identificá-la como um conceito, por si só,
estático, o da relação jurídica. Diferente é dizer que há correspondência entre ambos.
As próprias origens etimológicas dos termos processo e procedimento vão ao encontro
do que foi dito: processo significa movimento à frente; e o sufixo mento refere-se aos
atos, no modo de fazê-los e na forma em que são feitos .4
Neste sentido, é clara a lição de Moacyr Amaral Santos,5 que diz ver-se, no processo, o
movimento em direção à prestação jurisdicional. O como se dá esse movimento é o
procedimento.6
Esta distinção tem relevância em face dos dizeres da Constituição Federal de 1988,
art.24, XI, que permite aos Estados Federados criar regras procedimentais, mas não
processuais.
À luz do CPC de 1973, importava, para a definição de sentença, antes da Lei
11.232/2005, que pusesse fim ao processo. Digamos que, de rigor, a sentença poria fim não
ao processo ”salvo se não houvesse recurso) mas ao procedimento em 1.º grau de
jurisdição. Sustentávamos, à época, que o mais relevante, para que o ato jurisdicional fosse
identificado como sentença seria seu conteúdo e não o momento em que a sentença fosse
proferida ou sua função de por fim ao processo ”rectius, procedimento, em 1.º grau de
jurisdição). Este entendimento se refletiu na redação que a Lei 11.232/2005 do art. 162, §
1.º.
1.1.2. A sentença não pode mais ser identificada exclusivamente a partir de seu
conteúdo
Com a alteração da Lei 11.232/2005, passou a dispor o art. 162, § 1.º, do CPC 1973 que
sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269
desta Lei . Sugeria, portanto, o texto da lei que o critério relevante para se identificar a
sentença era apenas o conteúdo.
A nova lei traz os possíveis conteúdos das sentenças nos arts. 485 e 487. Além de o ato
do juiz ter esses conteúdos, há de ter a função de pôr fim à fase cognitiva do procedimento
comum ou à execução.
À luz do novo sistema, se a decisão tiver um dos conteúdos alistados nos arts. 485 e 487,
mas o processo ”rectius, procedimento) prosseguir ”para julgar um outro pedido, por
exemplo), esta decisão será interlocutória de mérito, e não sentença. Para ser sentença,
deve por fim à fase cognitiva do procedimento comum como um todo, não apenas a parte
dele.
Cumpre notar, inicialmente, que os arts. 485 e 487 do CPC dizem respeito quer à
sentença, quer a acórdão, quer às decisões monocráticas proferidas por relator, cujo
conteúdo seja o de uma sentença, desde que ponham fim ao processo ou à execução.
Esta é a conclusão inexorável que advém da interpretação do art. 203, § 1.º do CPC de
2015.7
1.1.3. Distinção entre sentenças, decisões interlocutórias e despachos –
Comprometimento do princípio da correspondência entre decisões e recursos cabíveis
Os pronunciamentos do juiz, no processo, podem consistir em sentenças, decisões
interlocutórias e despachos.
Sempre se criticou o art. 162 do CPC revogado [1973], que mencionava atos e não
pronunciamentos do juiz. Afirmava-se que, nesse particular, o legislador dixit plus quam
voluit,8 pois, ao alistar três espécies de atos, referia-se apenas aos pronunciamentos,
aludindo, então, exclusivamente a uma categoria de atos, que não abrange todos os atos
praticados pelo juiz, como, por exemplo, os praticados durante a fase instrutória, nem a
tantos outros de igual relevância. A nova lei corrigiu o equívoco no art. 203, caput.
Não se pode dizer que as sentenças e as decisões interlocutórias têm conteúdo
marcadamente decisório, diferentemente do que ocorre com os despachos.
Sentenças não têm necessariamente conteúdo decisório mais significativo do que o das
decisões interlocutórias, não sendo, portanto, essa a forma de distingui-las umas das
outras. Quando se faz essa afirmação, está se referindo à sentença de mérito e, mais
especificamente, na sentença em que o juiz é o autor intelectual da solução encontrada
”art. 487, I).
Não há que se falar em conteúdo decisório de peso nas sentenças que não resolvem o
mérito, ou processuais, comparável àquele que existe nas sentenças em que o juiz acolhe
ou rejeita o pedido.
Conteúdo decisório quase irrelevante existe nas sentenças ditas de mérito pelo art. 487
do CPC, com exceção do inc. I. Esta, sim, tem conteúdo marcadamente decisório, como
dissemos.
Dessa forma, só a sentença que formal e substancialmente se pode chamar de sentença
de mérito é que se distingue quer das demais, quer das decisões interlocutórias, por ser
ato essencialmente decisório.
O princípio da correspondência, uma das bases da estrutura do sistema recursal do CPC
de 1973, já não incidia em casos como o de indeferimento liminar, por exemplo, da
reconvenção ou da oposição e de outras tantas ações incidentais, pois que se tratava ”e se
trata) de pronunciamento agravável, mas que tinha ”e tem) natureza jurídica de sentença,
de acordo com o critério do conteúdo. À luz do NCPC, são interlocutórias, equivalentes às
sentenças processuais.
Inegavelmente, têm natureza de sentença quando se leva em conta apenas o critério do
conteúdo, tanto a decisão que julga a liquidação de sentença, quanto a que não acolhe, no
mérito, a impugnação à execução de sentença, desde que através da impugnação tenha o
executado alegado matérias como, por exemplo, pagamento, prescrição, novação etc,
embora ambas, agora, sejam agraváveis e não apeláveis ”art. 1.015, parágrafo único).
Estas decisões, apesar de terem conteúdo de sentença, são classificadas pelo NCPC
como interlocutórias que, estão submetidas ao recurso de agravo, apesar de transitarem
em julgado e de serem, eventualmente, até rescindíveis.9
Tem-se, hoje, um panorama, em que algumas decisões agraváveis transitam em julgado
e são rescindíveis, porque têm conteúdo de sentença.
Despachos sofreram alterações ao longo dos últimos tempos. Quando nos referimos,
nas primeiras edições deste estudo, às três espécies de pronunciamentos judiciais,
previstas no direito brasileiro, não aludimos nem ao despacho de expediente , nem ao
despacho de mero expediente , pois nos parecia mais operativo, e por isso mais
conveniente, admitir que, às vezes, a lei se referia a despacho, quando de decisão
interlocutória se tratava, inexistindo, assim, praticamente, despacho com conteúdo
decisório. Logo, todo despacho era de mero expediente: não o sendo, descaracterizava-se
como despacho, transformando-se em decisão interlocutória. Essa solução é a adotada por
Barbosa Moreira.10
Porém,quanto aos despachos, a Reforma do CPC de 1973 trouxe modificações
interessantes mantidas pelo novo Código que, em nosso entender, alteraram para melhor
a situação preexistente. Fizeram com que modificássemos posição anteriormente
assumida, como se verá a seguir.
Cândido Rangel Dinamarco observa ser já antiga a ideia de que se deveriam atribuir
funções ligadas ao impulso processual a auxiliares da justiça, atenuando a sobrecarga de
trabalho dos juízes, de forma que o próprio cartório realizasse certos atos de rotina pura,
efetivamente desprovidos de caráter decisório relevante.
Exata e precisamente essa ideia, que Cândido Rangel Dinamarco chama com
propriedade de automatismo judicial ,11 é que foi encampada pelo nosso direito, no art.
162, § 4.º do CPC de 1973 e depois pelo vigente no art. 203, § 4.º, e, entre os dois momentos,
na redação do inc. XIV que a EC 45/2004 acrescentou ao art. 93 da CF/1988.
A regra do § 4.º do art. 203 do CPC é um dispositivo de caráter genérico, em que se
estabelece que atos meramente ordinatórios devem ser praticados ex officio pelo
servidor e revistos pelo juiz, quando necessário for. Esses atos seriam, por exemplo, a
juntada de um rol de testemunhas ou a vista obrigatória.
Estes atos, que agora devem ser praticados de ofício pelo serventuário da justiça,
equivalem aos pronunciamentos que consistiam exata e precisamente no conteúdo dos
despachos de mero expediente.
Em face do que atualmente dispõe o art. 203, § 4.º, do CPC ”e da redação do inc. XIV do
art. 93 da CF/1988, que, embora não seja formalmente idêntica àquela do art. 203, § 4.º, do
CPC, substancialmente o é), é conveniente que se perceba a importância de se distinguir,
dentre os atos que antes eram despachos proferidos exclusivamente pelo juiz, entre
aqueles que são, de fato, de mero expediente e os que não chegam a ser decisão
interlocutória, mas têm algum cunho decisório e que, no regime atual, não devem ficar a
cargo do serventuário da justiça.
É o que ocorre, por exemplo, com o despacho por meio do qual o juiz recebe a ação e
determina que se efetive a citação.12 Esse pronunciamento do juiz não é uma decisão, pois
não significa, de modo algum, que se esteja reconhecendo estarem presentes as condições
da ação, os pressupostos processuais positivos etc.
Não há, assim, decisão a esse respeito, até porque não há decisões implícitas no direito
brasileiro: todas devem ser expressas, fundamentadas e públicas. Mas o fato é que o
magistrado pode, ao receber a inicial, determinar que seja emendada, se for o caso ”art.
321 do CPC/2015), e até, em certas hipóteses extremas, extinguir o processo com resolução
de mérito, constatando a decadência ou a prescrição ”CPC, art. 487, II), ou se se verificarem
os pressupostos referidos no art. 332 do CPC, ou, ainda, extinguir o processo sem resolução
de mérito, proferindo, assim, uma sentença processual ”art. 485, I, caso a inicial padeça de
defeito não possível de ser emendado).
Não se pode, assim, delegar aos auxiliares da justiça a função de resolver assuntos
dessa natureza, embora se trate de despacho, e não de decisão interlocutória. Mas de
despacho que não é de mero expediente.
Parece-nos hoje útil e interessante fazer essa diferença em relação ao grau de
complexidade de raciocínio exigido do agente, para se classificar o ato como despacho de
mero expediente ”e, nesse caso, seria tarefa, do cartório), daqueles despachos que não
seriam de mero expediente, cuja prolação continua no âmbito de atividade privativa do
juiz.
Esses despachos atualmente são proferidos pelo serventuário da justiça. O juiz, salvo
se for necessário ”como diz o próprio dispositivo comentado), não profere mais despachos
de mero expediente, já que os despachos de mero expediente eram justamente aqueles atos
meramente ordinatórios, cujo objetivo era e é o de promover o andamento do feito,
levando ao efeito e dando rendimento ao princípio do impulso oficial.
Esses atos meramente ordinatórios são, por exemplo, a remessa dos autos ao contador,
a entrega do processo ao perito, cobrança de autos indevidamente retidos pelo advogado
da parte etc.13
Esses atos, todavia, podem continuar a ser considerados como atos do juiz. O que houve
foi um mecanismo análogo à delegação, já que se trata de ato praticado no exercício de
poder vinculado , se é que se pode estabelecer essa analogia com esta categoria, que, na
verdade, é mais afeita ao direito administrativo. Ademais, conforme a dicção legal, estes
atos deverão ser revistos pelo juiz, se necessário ”art. 203, § 4.º, do CPC). Esta necessidade
pode ser constatada pelo juiz, de ofício, e, evidentemente, a fortiori, pode a parte, por
qualquer motivo, solicitar este reexame por parte do juiz, que deverá ou confirmar, ou
infirmar o ato do cartório e até mesmo, se for o caso, proferir outro pronunciamento de
teor diferente da mera confirmação ou da negativa de confirmação.
De um modo geral, pode-se dizer que foi a irrelevância dos despachos, se comparados
às decisões interlocutórias, diante da inexistência da perspectiva de que causem gravame
às partes, que fez com que se criasse a regra de que são irrecorríveis, que constava do art.
504 do CPC de 1973, hoje constante no art. 1.001 do CPC 2015.14
Esta regra não deveria existir mais no CPC de 2015. Isto porque não são só os
despachos que não estão sujeitos a recurso autônomo, mas também as interlocutórias não
alistadas no art. 1.015, que devem ser impugnadas na apelação ou nas contrarrazões.15
O que há em comum entre as decisões interlocutórias, como se disse, é a natureza de
seu conteúdo, que há de ser decisória. O mesmo raciocínio se aplica aos atos meramente
ordinatórios, pois o que há em comum entre os pronunciamentos desta categoria é a
ausência de conteúdo relevantemente decisório.
Despachos são atos – num certo sentido e em certa medida, como já dissemos –
vinculados, cuja função precípua é a de promover o desenrolar do procedimento, isto é, o
andamento do feito, como se costuma dizer. São atos para cuja prática se emprega uma
parcela mínima de liberdade de opção, visto serem praticamente desprovidos, como já
observamos, de conteúdo decisório.
Os despachos se caracterizam, de fato, por terem conteúdo decisório não significativo,
na medida em que, na maioria das vezes, representam a aplicação quase que automática
da lei, não envolvendo, pois, de regra, nenhuma atividade de natureza interpretativa mais
complexa. Todavia, às vezes podem causar prejuízo. Os despachos capazes de gerar dano à
parte são, normalmente, os decorrentes de erros flagrantes cometidos pelo cartório e
endossados pelo juiz ou constantes de despachos proferidos desde logo pelo magistrado.
Nestes casos, em nosso sentir, já que não são, estes pronunciamentos recorríveis, caso haja
demonstração da iminência de produção de prejuízo, estão sujeitos a mandado de
segurança, se preenchidos os demais pressupostos do cabimento desta ação.
Considerou-se, por exemplo, manifestamente errado o despacho do relator do recurso
de apelação que determinou a conversão do julgamento em diligência, sem anular a
sentença, para realização de exame hematológico de tipagem de DNA, sem submeter a
questão ao órgão colegiado . No caso, considerou-se ter havido manifesta violação ao
princípio do devido processo legal procedimental, razão pela qual admitiu-se o manejo de
mandado de segurança contra o referido despacho.16
O despacho que determinou a remessa dos autos principais conjuntamente com a
exceção de suspeição ao Tribunal, pela instância de 1ª grau, foi considerada ilegal. Isso
porque se entendeu que somente caberia o envio do autos de exceção de suspeição ao
Tribunal. Ao se encaminhar os autos principais do processo feriu-se o direito previsto no
art. 7º, XIII, da Lei 8.906/94, que assegura aos advogados a prerrogativa do direito de vista
de autos de processos judicias ou administrativos.17 Diante disso admitiu-se o mandado de
segurança para que se remetessem os autos principais ao juízo de origem.
Sobre o assunto ainda, a recente e atualjurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
tem entendido que também é cabível a impetração de mandado de segurança em casos de
decisão teratológica ou flagrantemente ilegal ,18 intepretação que se deu no caso acima
relatado.
1.2. Sentenças processuais típicas
1.2.1. Noções gerais
Já se aludiu à circunstância de que não é exclusivamente o conteúdo material
específico da sentença que a distingue das demais manifestações judiciais. Trata-se de ato
que tem como função ou finalidade por fim à fase cognitiva do procedimento comum ou à
execução. Entretanto, este é o critério ”o do conteúdo) que se presta a uma primeira
classificação das sentenças, já referida: sentenças processuais e sentenças de mérito.
Serão processuais as sentenças ”art. 485) cujos conteúdos atestarem a inexistência dos
pressupostos de admissibilidade, do exame e do julgamento do mérito.19 Esses
pressupostos genéricos de admissibilidade, de exame e de julgamento de mérito,
consistem nos pressupostos processuais, positivos e negativos, e nas condições da ação.
Em princípio, se a decisão der pela inexistência destes elementos, será uma sentença
processual típica; evidentemente, no caso dos pressupostos processuais negativos: se a
decisão der pela existência deles, se terá uma sentença processual típica.20
Em face da atual sistemática do CPC, é didático e, por isso, conveniente imaginarmos o
seguinte quadro:
Nesse desenho, o retângulo seria o processo; o círculo, a ação; e o centro do círculo, o
pedido/mérito.
Ensina Cândido Dinamarco que A cognição do juiz, no processo de conhecimento, tem
por objeto um binômio de questões, incluindo aquelas sobre as exigências de ordem
processual e as de mérito; ou, segundo muitos, um trinômio representado pelos
pressupostos processuais, as condições de ação e o mérito. De qualquer modo, ao exame
das questões de meritis não chegará o juiz quando qualquer daquelas receber solução
negativa. 21
Assim, o exame das condições da ação consiste em um segundo passo, posterior ao do
exame dos pressupostos processuais, que já teria sido feito no retângulo.
Vale a pena ressaltar, entretanto, ser sempre possível o caminho de volta, isto é, a
infração a quaisquer regras respeitantes, quer aos pressupostos processuais, quer às
condições da ação, dá origem a nulidades que não geram preclusão. Estes vícios são
declaráveis ex officio e a qualquer tempo, como adiante se verá.22
A preclusão só ocorre, para o juiz de primeiro grau, em princípio, quando este
sentencia proferindo sentença de mérito, quando não o poderia ter feito, ou proferindo
sentença processual, mas não tocando, por exemplo, naquele pressuposto processual
ausente, ou naquela condição da ação não presente.
A preclusão, neste último caso, ocorre depois de escoado o prazo de 5 dias, contados da
interposição da apelação, em que o juiz pode se retratar de toda e qualquer sentença
proferida com base no art. 485, § 7.º.
Teremos, em ambos os casos, coisa julgada formal, ou seja, a preclusão máxima,
impedindo que se manifeste o juiz sobre qualquer ponto relativo ao processo já encerrado,
em primeiro grau. No primeiro caso, além da coisa julgada formal, teremos a coisa julgada
material.
Vale a pena consignar aqui outra oportunidade em que juízes e tribunais podem voltar
atrás, proferindo decisões de mérito diferentes das antes proferidas: são os casos
submetidos ao regime do recurso especial ou do recurso extraordinário repetitivos ”art.
1.036 e ss).
Trataremos de cada uma delas, começando pelas que preferimos chamar de sentenças
processuais típicas, que são aquelas em que se consigna a ausência de pressupostos
processuais e de condições da ação ou a presença de pressupostos processuais negativos
”item 1.3).
1.2.2. Pressupostos processuais
Os pressupostos processuais consistem no primeiro momento lógico merecedor da
atenção do juiz. São elementos cuja presença é imprescindível para a existência e para a
validade da relação processual e, de outra parte, cuja inexistência é imperativa para que a
relação processual exista validamente, no caso dos pressupostos processuais negativos.
A existência jurídica e a validade da relação processual são requisitos para que se
possa pensar na possibilidade de uma sentença de mérito.
Para que haja processo, isto é, para que o processo exista, deve haver jurisdição.
Para que o processo exista validamente, é necessário que o juízo a que está submetido
possa exercer essa jurisdição, no caso concreto, ou seja, tenha competência. O juiz que atua
nesse juízo há de ser imparcial, não podendo, pois, ser impedido.
Quando se elencam os pressupostos processuais, costuma-se falar de competência e
imparcialidade. É oportuno que se ressalte aqui que estará presente o pressuposto
processual da competência, se o juiz for relativamente incompetente – e o mesmo se pode
dizer quanto à imparcialidade: estará presente o pressuposto processual, se o juiz for
suspeito. Isto porque se trata de irregularidades sanáveis, no sentido de poderem ser
ignorados após a preclusão. Importam apenas as noções de incompetência absoluta e de
impedimento para a categoria dos pressupostos processuais, que consistem em nulidades
absolutas, ou, simplesmente, nulidades stricto sensu, sendo, pois, vícios insanáveis, no
sentido de que, se não forem efetivamente corrigidos, macularão irremediavelmente
processo e sentença. Podem até mesmo se configurar em fundamento legal de ação
rescisória ”art. 966, II, do CPC).23
Usaremos mais frequentemente a expressão sanabilidade num sentido ligado a uma
das características mais marcantes do NCPC, que é uma certa tolerância em relação aos
vícios do processo, evidenciada pela imensa quantidade de artigos em que se proporciona
ao juiz e às partes a possibilidade de emendar o vício de corrigir o defeito, ainda que se
trate de vício grave ”= nulidade absoluta, que pode ser conhecida e decretada de ofício).
Vejam-se, por exemplo, arts. 76 e 139, IX.
Tem-se, pois, até agora, o seguinte quadro:
Pressuposto processual de existência Pressupostos processuais de validade
1. Jurisdição
Juízo = competência ”ausência de infração
às regras determinadas da competência
absoluta);
X 1. Juiz = imparcialidade ”ausência deimpedimento).
Em relação às partes, costuma-se elencar como pressuposto processual a legitimatio ad
processum.
A doutrina não estabelece com rigor as diferenças entre legitimidade processual,
legitimidade para a causa; capacidade de ser parte e capacidade processual. Além de
inexistir unanimidade entre os autores, eles próprios acabam, às vezes, por empregar os
termos indistintamente.24
Comum é a confusão, que não se pode dizer ser meramente terminológica, entre ambas
as expressões ”capacidade e legitimidade).
É frequente na doutrina a sobreposição dos conceitos de capacidade processual e
legitimidade processual. Como adiante se verá, são fenômenos inconfundíveis.
Pretendemos empregar, no correr deste trabalho, tais expressões nos sentidos a seguir
mencionados:
Capacidade processual é a aptidão conferida pela lei processual, que absorveu os
critérios da lei civil ”art. 70.º do CPC) e ainda criou outras situações ”v.g., art. 75, V e § 2.º,
do CPC) para agir em juízo. Esta aptidão tem caráter genérico.
Legitimidade processual é a situação jurídica específica que liga o sujeito, que tem a
condição genérica de capacidade processual, a um dado objeto e/ou a outro sujeito
determinado. No caso do processo, verifica-se quando a lei processual outorga a alguém a
possibilidade de exercer concretamente sua capacidade processual em relação à
determinada situação.
Assim, em princípio, marido e mulher têm, isoladamente, capacidade processual. Não
têm, entretanto, legitimidade processual para agirem sozinhos em ações que versem sobre
direitos reais imobiliários ”art. 73 do CPC). Pedimos licença para citar antigo mas
excelente exemplo dos bens dotais: a mulher não tinha legitimação processual para litigar
sobre bens dotais apesar de estes bens serem de propriedade dela e não do marido ”art.
289, III, do CC revogado).O exemplo é expressivo e, por isso, foi referido, apesar de ter
sido, segundo alguns, revogado já pela Constituição Federal de 1988 ”art. 5.º, I) e de ter sido
evidentemente revogado pelo Código Civil.25
Parece-nos poderem ser empregadas como sinônimas as expressões capacidade
processual, capacidade de agir e capacidade para estar em juízo.
Útil talvez seja traçar a distinção entre capacidade processual e capacidade de ser
parte.26
Esta é ainda mais ampla que aquela, abrangendo todos aqueles que podem figurar no
polo ativo ou passivo do processo como partes. Assim, o nascituro pode ser parte, o menor,
ou o pródigo. Desde que representados, ou assistidos, passarão a ter capacidade
processual ”v. arts. 70 e 71 do CPC).
Donaldo Armelin denomina, com acerto, a mera capacidade de ser parte do menor
púbere, de capacidade processual mutilada, tendo em vista a necessidade de que seja
assistido, para ter capacidade processual plena. O absolutamente incapaz, que precisa ser
representado, não tem capacidade processual.27
A legitimação para a causa, como se verá, diz respeito ao exercício da ação. A
legitimação para o processo concerne, a seu turno, à própria estrutura do processo.
Clara é a lição de Arruda Alvim: A capacidade de estar em juízo não deve ser
confundida com a legitimação para a causa, também denominada legitimação material ou,
ainda, legitimatio ad causam. Esta é definida, normalmente, em função de elementos
fornecidos pelo direito substancial. Consiste em conferir o direito de ação ao possível
titular ativo e contra o passivo da relação jurídica material .28
Na verdade, por implicações práticas e doutrinárias de razoável importância, serão
aqui considerados como pressupostos processuais, nos sentidos acima fixados, a
capacidade e a legitimidade processual.
Estas implicações, analisadas com mais vagar no capítulo 2, dizem respeito à posição
que tomamos neste estudo, consistente em considerarmos nulidades absolutas os vícios
que se consubstanciam na falta de pressupostos processuais positivos de validade. Aliás,
diga-se desde já, a validade é o inverso da nulidade.
As considerações aqui feitas a respeito das diferenças entre capacidade e legitimidade,
por necessidade de coerência, obrigam a que se aluda à legitimidade postulatória e não à
capacidade postulatória, como fenômeno ligado à necessidade de que as partes sejam
representadas em juízo por advogado.
Isto porque não basta haver um advogado, genericamente habilitado para o exercício
da advocacia, atuando no processo. É necessário que seja procurador do autor, portanto,
legitimado em face da situação concreta. Se o réu não tiver advogado, e, assim, mesmo
apresentar contestação, dar-se-á a revelia.
À luz do art. 37, parágrafo único do CPC de 1973, costumava-se classificar a capacidade
”rectius, legitimidade postulatória), como pressuposto processual de existência. O NCPC
não contém dispositivo equivalente.
Todavia, há de se ter presente que a Lei 8.906, de 04.07.1994 – Estatuto da Advocacia e a
Ordem dos Advogados do Brasil, dispõe, no art. 4.º:
Art. 4.º São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na
OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas.
Parágrafo único. São também nulos os atos praticados por advogado impedido – no
âmbito do impedimento –, suspenso, licenciado ou que passar a exercer atividade
incompatível com a advocacia ”grifos nossos) .
O dispositivo inserido na Lei 8.906/1994 estabelece que são nulos os atos praticados por
alguém que não esteja inscrito nos quadros da OAB, ou por advogado impedido, suspenso,
licenciado ou que exerça atividade incompatível com o exercício da advocacia.
Portanto, não se pode classificar a capacidade postulatória como pressuposto
processual de existência jurídica do processo, com tranquilidade. Apesar de a nova lei não
conter dispositivo equivalente ao art. 37, parágrafo único do CPC revogado, a situação de
que tratava, a nosso ver, ainda merece disciplina diferenciada.
A inexistência só ocorre quando não se junta o instrumento da procuração. Os exemplos
de aplicação do dispositivo colhidos na jurisprudência demonstram que, em tais casos,
estar-se-á não apenas diante de ausência de capacidade postulatória, mas de ausência da
própria parte que, se não outorgou mandato, não se pode dizer que postulou em juízo.29
Semelhantemente, a doutrina italiana aponta como vício que não é sanado pela coisa
julgada o da sentença proferida perante uma parte falsamente representada.30
Entretanto, tem lugar o vício de nulidade se o advogado for impedido, suspenso,
licenciado, ou exercer atividade incompatível com o exercício da advocacia, ou se os atos
forem praticados por quem não esteja inscrito nos quadros da OAB.31
No que diz respeito à situação enquanto o processo estiver em curso, a distinção carece
de importância, já que, como se verá, o regime jurídico da nulidade e da inexistência,
dentro do processo, é o mesmo: ausência de preclusão, para o juiz e para as partes, e
possibilidade de manifestação judicial ex officio.
Pense-se sempre, na linha da tendência abraçada quase que irrestritamente pelo NCPC,
na possibilidade de que este vício seja sanado, no sentido de efetivamente corrigido ”v.,
por exemplo, arts. 76, 139, IX, 932, parágrafo único e 1.029, § 3.º).
Os regimes jurídicos só passam a se diferenciar depois do fim do processo, e são, a
nosso ver, diferentes as formas por meio das quais se podem impugnar estas decisões,
proferidas sem que haja procuração nos autos e com procuração outorgada a advogado
impedido, suspenso, licenciado, que pratique atividade incompatível com o exercício da
advocacia ou, ainda, que não tenha OAB.
Em face da previsão constitucional, apesar da ausência de norma correspondente ao
art. 37, caput e parágrafo único do CPC de 1973, pode-se afirmar que a ausência de
advogado ”inexistência de procuração nos autos) impede a formação de coisa julgada,
ensejando o manejo da ação declaratória e não da ação rescisória ”art. 133 da CF).
Quanto ao réu, as consequências da falta de representação vêm expressas no art. 76, II,
do CPC32 ”revelia).
Há de existir, outrossim, uma petição inicial para que haja relação processual. E para
que essa relação seja válida, há de ser apta essa petição. Então, pressuposto processual de
existência é a petição inicial, ainda que inepta.
O fato de a petição inicial ser inepta gera, portanto, vício de nulidade, apesar do art.
321 do CPC, cuja função é a de dar uma chance para que o autor evite que o vício se
consubstancie de maneira definitiva. Neste dispositivo fica evidentemente visível a opção
do legislador por acatar o princípio da sanabilidade dos vícios no processo de forma mais
ampla e generosa do que fazia o CPC de 1973. Basta compararem-se os arts. 284 do CPC de
1973 e 321 do CPC de 2015. Usa-se aqui a expressão sanabilidade no sentido de
possibilidade de correção do vício. O prazo de quinze dias concedido, pedimos licença para
repetir, pelo art. 321 é preclusivo e, após seu decurso, nada mais poderá ser feito em prol
do autor. Trata-se, pois, de situação substancialmente diversa da dos prazos concedidos
pela lei às partes, para arguirem anulabilidades: estes, uma vez esgotados, fazem com que
o vício se sane, isto é, será como se o vício não existisse nem houvesse ocorrido. Usa-se aqui
a expressão sanabilidade, obviamente, em outro sentido, e ambos são relevantíssimos no
contexto da nova lei.
A citação é pressuposto processual de existência; e a citação válida é pressuposto
processual de validade.33
Para parte da doutrina, a ausência de citação ensejaria não a inexistência, mas a
ineficácia do processo.34 Sob este prisma, a citação não seria pressuposto processual de
existência. Argumenta-se, em prol desta tese, que o juiz realiza atos processuais antes da
citação do réu, o que demonstra que o processo existe antes da citação.35 A observação,
contudo, não permite inferir-se que a citação não seja pressuposto processual de
existência jurídica do processo. Deve-se ter emconta que o processo é relação jurídica que
se forma gradualmente e, embora possa ter se formado entre autor e juiz, não haverá
processo em relação ao réu enquanto este não for citado.36
Nesse sentido Arruda Alvim afirma que o processo sem citação ”ou com citação nula
somada à revelia) é juridicamente inexistente em relação ao réu, enquanto situação
jurídica apta a produzir ou gerar sentença de mérito ”salvo os casos de improcedência
liminar do pedido – art. 332 do CPC/2015). Antes a essencialidade da citação para o
desenvolvimento do processo, não há preclusão para a arguição da sua falta ou de sua
nulidade, desde que o processo tenha corrido à revelia. Pode tal vício ser alegado inclusive
em impugnação ao cumprimento da sentença proferida no processo viciado, ou até
mesmo por simples petição, ou, se houver interesse jurídico, em ação própria ”= ação
declaratória de inexistência) . 37
Ademais, conforme sublinharemos em espaço próprio adiante, a inexistência jurídica
não se confunde com a inexistência fática.
A inexistência jurídica consiste em um problema de tipificação. A sentença inexistente
é o ato que não pode como tal ser chamado. Mas é ato, existe, no plano dos fatos. Padece,
todavia, de defeito de tal monta e gravidade, que não pode ostentar o nomen iuris de
sentença como, v.g., a sentença proferida por um não juiz ”ausente um pressuposto
processual de existência: jurisdição).
Portanto, o fato de se praticarem atos não significa que o contexto em que tenham sido
praticados seja juridicamente qualificável como sendo um processo! – relação jurídica
trilateral, que se desenvolve no tempo, cuja vocação é a de gerar sentença de mérito. A
repercussão desse nosso entendimento será demonstrada adiante, no momento em que
serão analisados os vícios dos atos processuais ”inclusive da sentença) que se tiverem
realizado após o momento em que o réu deveria ter sido citado, mas não o foi, ou não o foi
validamente.38
Tem-se, nesta altura, o seguinte quadro:
Pressupostos processuais de existência Pressupostos processuais de validade
1. jurisdição;
1. juízo – competência ”absoluta);
2. juiz – imparcialidade ”impedimento);
2. representação do autor ”capacidade
postulatória) ”com as ressalvas feitas acima); 3. capacidade e legitimidade processual;
3. petição inicial; 4. petição inicial válida;
4. citação. 5. citação válida.
Até então, falou-se dos pressupostos processuais intrínsecos.
Agora, cabe passarmos aos pressupostos processuais extrínsecos, ou seja, exteriores ao
processo, que não impedem que exista a relação processual. Impediriam, isso sim, sua
validade, como se verá mais adiante ”item 3.3), se não comprometessem uma das
condições da ação. São, a nosso ver, duas: a litispendência e a coisa julgada.
A litispendência consiste, nesse sentido, enquanto representativa de pressuposto
processual negativo ”extrínseco), em estar outra ação idêntica pendendo perante outro, ou
o mesmo, juízo, contemporaneamente.
Os elementos identificadores das ações são: partes, causae petendi e o pedido ”o mérito,
propriamente dito). Havendo, pois, identidade entre esses três elementos, haverá
litispendência.
A coisa julgada, enquanto pressuposto processual negativo ”extrínseco), consiste na
circunstância de já ter havido pronunciamento judicial de mérito e trânsito em julgado
sobre uma ação idêntica ou equivalente39 ”rectius, sobre a mesma ação, ou, melhor ainda,
sobre a mesma lide). Nesse sentido, a coisa julgada é uma litispendência que terá chegado
ao fim.
1.2.3. Condições da ação
1.2.3.1. Possibilidade jurídica do pedido
Consistem as condições da ação no elo mais nítido que existe unindo o direito material
ao processual. São elas: o interesse de agir e a legitimidade ad causam.
A tendência contemporânea é a de não se considerar a possibilidade jurídica do pedido
como condição da ação. Mesmo autores que chegaram a adotar posição contrária
acabaram por não mais vir a considerá-la como tal.40
Observa Candido Rangel Dinamarco que a possibilidade jurídica do pedido sempre foi
alvo de inúmeras críticas, dada a dificuldade de ser traçada uma distinção precisa entre a
decisão que extingue o processo por impossibilidade jurídica do pedido e a decisão de
mérito que julga a demanda improcedente .41
Diante das críticas, este novo entendimento, que desqualifica a possibilidade jurídica
do pedido como condição da ação, foi adotado pelo Código de Processo Civil de 2015 ”art.
485, VI).
Considerava-se que a possibilidade jurídica do pedido era a admissibilidade, em
abstrato, do que está sendo pedido, à exceção de alguns – como Cândido Rangel
Dinamarco –, que estendiam, acertadamente, o conceito às causae petendi, e a outras
circunstâncias concretas.42
A noção de possibilidade jurídica do pedido liga-se, como se disse, à possibilidade de
que se admita juridicamente, in abstracto, o que se está pleiteando, concretamente.43
Portanto, de rigor, já era uma sentença de mérito, ainda que, sob certo prisma, abstrata.
A análise da impossibilidade jurídica do pedido, sempre evidenciou, com nitidez, o
problema da inexistência de limites precisos entre o mérito e as condições da ação. É o
que se constata, por exemplo, na observação: A impossibilidade jurídica é também uma
das formas de improcedência prima facie .44 Exatamente por essa razão, todas as
comissões pelas quais passou o Novo CPC não discreparam quanto à necessidade que esta
condição da ação desaparecesse, sendo assimilada ao mérito.
De fato, dar pela impossibilidade jurídica do pedido significa, necessariamente, ter
examinado o mérito, ainda que sob o ponto de vista exclusivamente jurídico.
Também há exame do mérito quando se constata já ter sido paga a dívida que está
sendo cobrada, e o juiz extingue o processo por carência de ação, uma vez faltante o
interesse.
Outro caso em que a separação do mérito e das condições da ação se torna
problemática é o do indeferimento do pedido, num processo em que não haja necessidade
de produção de prova em audiência, como, por exemplo, numa ação que verse sobre a
concessão de correção monetária. A decisão do juiz, indeferindo o pedido do autor, pode
equivaler à da decretação de carência por impossibilidade jurídica do pedido.45
Realmente, tê-las como essencialmente diferentes seria ver no momento da prolação
uma circunstância, por si só, capaz de alterar a sua natureza de decisão de mérito para
decisão não de mérito, o que é indesejável.46 Louvável, portanto, a opção feita pelo
legislador.
1.2.3.2. Legitimidade
O conceito de legitimidade pertence à teoria geral do direito. Tem penetração em todos
os ramos do direito, tanto material como processual.
Trata-se de uma qualidade que resulta da relação entre o sujeito e um objeto: essa
qualidade é aferida em função de ato jurídico realizado ou a ser praticado ,47 ou, mais
especificamente, da relação entre o sujeito e a relação jurídica.
A noção de legitimidade é, pois, relacional, e supõe a de capacidade.
É, ainda, importante acrescentar a observação de que a legitimidade é um liame que se
estabelece entre um sujeito, um objeto e um outro sujeito. De fato, a relação jurídica
abrange, pelo menos, dois sujeitos e um objeto. Logo, se se diz que a legitimidade é um
liame que envolve um sujeito e uma relação jurídica, nesta relação haverá sempre o outro
sujeito.
Esta observação, ao que nos parece, tem como exemplo típico, e bastante expressivo,
exatamente a relação processual.
A capacidade e a legitimidade são figuras afins, mas que, absolutamente, não se
confundem, embora haja circunstâncias determinadas em que distingui-las não é simples.
Eleger-se o fato de a ausência de capacidade originar invalidade, e o de a ausência de
legitimidade originar ineficácia, como critério para distinguir uma da outra não nos
parece adequado, por duas razões.
Primeiramente, porque não é clara, na doutrina, a distinção entre validade e eficácia,48
como adiante se verá.49
Demais disso, estar-se-ia incidindo em errôneo raciocínio ao se tentar definir algo não a
partir de suas característicasintrínsecas, mas a partir de suas consequências, que lhe são,
por definição, externas, cronológica e logicamente posteriores.
É um dos erros que se cometem, como mais tarde se verá,50 quando se diz que a
prescrição faz com que se extinga o direito de ação , e que, com a decadência, extingue-
se o direito material , pensando-se estar dando algum passo no sentido de diferenciar
ambos os institutos.
Apontar-se para a natureza de ambas, com o intuito de afastá-las uma da outra, é
fornecer elemento capaz de auxiliar no estabelecimento de uma linha divisória nítida
entre ambas as figuras: a capacidade tem natureza genérica e a legitimidade tem-na
marcadamente específica.51
Refere-se, Donaldo Armelin, a um critério distintivo entre capacidade e legitimidade
que consiste em que a capacidade é sempre a atribuição de uma qualidade pelo direito a
uma pessoa, em função de suas características pessoais, enquanto a legitimidade se origina
de circunstâncias exclusivamente jurídicas, sendo aquela, em princípio, atribuída em
caráter declaratório, e esta, em caráter constitutivo.
Cremos poder acrescentar-se aos três critérios, aqui sucintamente expostos, que, se
utilizados conjuntamente, podem ser de utilidade, ainda mais um.
Na capacidade, existe sempre o porquê ”em virtude de, em decorrência de).
A legitimidade, por seu turno, existe para, em relação a ”a um objeto, e a um outro
sujeito – isto é, a uma situação jurídica).
Portanto, é-se capaz porque se tem dezoito anos ”cf. art. 5.º do CC). Tem-se legitimidade
para exigir o cumprimento de determinada obrigação, pois se é credor em face de
determinado devedor.
Somadas estas observações às que anteriormente se fizeram, quando se tratou dos
pressupostos processuais, tem-se o seguinte quadro:
1. Capacidade: 2. Legitimidade:
a) de ser parte; a) processual;
b) para a causa. b) para o processo.
Quanto à legitimidade ad causam, condição da ação, também surgem alguns
problemas, em certas hipóteses, em que não se consegue focalizar com nitidez o traço
divisório que há ”se é que há) entre esta condição da ação e o objeto litigioso.
É o caso, por exemplo, da ação renovatória de locação, em que o juiz, liminarmente,
decide pela carência, por não se tratar de locação comercial. Teria o juiz julgado o mérito?
Seria falta de legitimidade? Ou de possibilidade jurídica do pedido?
Numa ação declaratória da existência de um direito, a legitimidade ordinária
resultará da afirmação da titularidade desse mesmo direito, cuja existência no mundo
jurídico é questionada e constitui, obviamente, o mérito da ação ajuizada. Neste caso, a
legitimidade do autor resultará da afirmação da titularidade desse direito e remanescerá
indene, quer essa titularidade venha a ser reconhecida ou não. 52
De fato, com relação à ação declaratória, o problema se torna delicado. Atente-se, a esse
propósito, à impropriedade da lei quando alude a interesse limitado, no art. 19 do NCPC.
Na verdade, o que se limita não é o interesse, mas o objeto do processo.53
1.2.3.3. Interesse
Em relação ao interesse, como condição da ação, podem-se tecer as mesmas
considerações, há pouco referidas, no que diz com a legitimidade e a possibilidade jurídica
do pedido, no sentido de que, embora, por definição, com condição da ação não se possa
confundir o mérito, casos há em que é fluida a linha divisória entre interesse e mérito.
De acordo com diversos autores, como, v.g., José Carlos Barbosa Moreira,54 a noção de
interesse repousa sobre o binômio utilidade + necessidade. Isso porque, evidentemente,
em vista da teoria do direito abstrato da ação, não se pode identificar a ideia de interesse à
de lesão. Então, ter-se-ia de entender a noção de interesse numa formulação hipotética
com o seguinte sentido: se houve lesão, a única forma, útil e necessária, de repará-la é o
lançar mão da atuação do Poder Judiciário.
Assim, dizer-se que quem propõe ação de cobrança de determinada dívida, cujo
vencimento já teve lugar, tem interesse ”diferentemente daquele que pretende cobrar
judicialmente uma dívida não vencida), não é igual dizer-se ter havido lesão. É, isto sim,
dizer que, se houve lesão – se, por hipótese, não houve o pagamento –, a única forma de ser
obtido é por meio da atuação do Poder Judiciário, visto que a oportunidade em que o
pagamento deveria ter sido espontaneamente efetuado, e não o foi, já terá passado.
O interesse, pois, como categoria cuja inexistência obsta o exame de mérito, não se
confunde com o direito material alegado no processo.55
Autores há, como Cândido Rangel Dinamarco, que substituem a ideia de utilidade pela
de adequação.56
No binômio de que se falou – utilidade e necessidade –, está embutida a ideia de
adequação , pois, se a via escolhida é inadequada, por conseguinte, é inútil. Só a via
adequada há de ser útil para que, teoricamente ”= se fundado o pedido), possam ser
atingidos os objetivos colimados.
O interesse de agir se manifesta de modos diferentes e em graus diferentes.
De modos diferentes, por exemplo, quando se diz que carece de interesse o autor que
ajuíza ação com o fito de obter vantagens ilícitas, ou com animus jocandi, como no caso em
que se propõem dez ações de cobrança para serem cobrados dez aluguéis do mesmo réu,
quando se poderia ter proposto uma só; ou, ainda, no caso de se pleitear a usucapião antes
do decurso completo do prazo que possibilitará a configuração do instituto, tendo o autor
estado na posse do imóvel com os qualificativos próprios de tal posse.57
Em todos os exemplos citados, não há interesse. Entretanto, se esse fenômeno
processual se manifesta sob diversas formas, todas são assimiláveis, ainda que, às vezes,
essa circunstância não seja facilmente identificável, à falta de necessidade e/ou utilidade
de que se lance mão de via judicial.
Comporta, outrossim, graus o interesse de agir como condição da ação.
Já não se pode mais citar, como exemplo de grau máximo de interesse, uma ação de
divórcio, pois, nesse tipo de ação, a providência jurisdicional não é mais absolutamente
imprescindível. O art. 733 do CPC/2015, correspondente ao art. 1.124-A do CPC de 1973,
estabelece a regra de que a separação e o divórcio consensuais poderão ser realizados por
escritura pública que não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o
registro civil e para o registro de imóveis.
Como exemplo de providência que só pode ser obtida do Judiciário, sendo, portanto,
máximo o grau de interesse, pode-se citar a interdição ”arts. 747 a 758).
Numa ação em que se pleiteie a condenação ao pagamento de uma dívida, que,
teoricamente, poderia ter lugar espontaneamente, sem a intervenção do Poder Judiciário,
evidentemente, será diferente o grau de interesse.
Os casos em que os contornos de interesse como condições da ação e do mérito são
menos visíveis são aqueles cujo objetivo do pedido, em si, seria lícito, mas, no caso
concreto, é ilícito, por passar a integrar o campo, por exemplo, do abuso de direito, e
também aqueles em que o pedido, embora lícito, é infundado, como aquele em que se
quer cobrar uma dívida não vencida, exemplo já mencionado.
Só por meio de desdobramento do conceito de interesse em utilidade e necessidade é
que se pode vislumbrar a separação referida: no primeiro caso, inexiste utilidade; no
segundo, necessidade.
Isto porque a utilidade, embora deva ser, em princípio, aferida do ponto de vista da
vantagem prática, como se disse, há de ser jurídica ”jurídica, no sentido de não ilícita). E a
necessidade há de ser, sobretudo, atual.
A utilidade pode ser meramente jurídica – com isso, entende-se porque propor dez
ações com vistas a cobrar dez aluguéis de um mesmo réu é inútil : trata-se de uma
inutilidade substancialmente jurídica. Além do mais, segundo Donaldo Armelin,58 esta
utilidade deve ser aferida não só sob a ótica do autor, que seria puramente subjetiva, mas
também do prisma da atividade jurisdicional, ou seja, objetivamente: e é a objetividade
que dimensiona a juridicidade da ótica subjetiva.
A atividade jurisdicional, comose sabe, inspira-se significativamente no princípio da
economia processual, segundo o qual deve haver o mínimo de esforço e dispêndio, quer
de tempo, quer de dinheiro, para a produção do máximo de trabalho e rendimento. Feita
esta observação, fica mais compreensível o porquê da inexistência de interesse ”em
particular, utilidade), no caso que se apontou acima.
1.2.3.4. Condições de procedibilidade e notas conclusivas
Uma vez que o sistema processual brasileiro adota a categoria das condições da ação,
que, por vezes, são facilmente identificáveis, porém, outras vezes, quase que se
confundem, ou se confundem realmente, com o mérito, cumpre estabelecer critérios para
que se possa classificar uma decisão como de mérito, ou como processual, ainda que seus
conteúdos sejam, muitas vezes, essencialmente, os mesmos.59
Como ficou estabelecido, segundo pensamos, o momento da prolação de uma decisão
não tem o condão, por si só, de determinar a sua natureza. Mas acreditamos que esse
critério, somado ao do grau de imediatidade de aferição do conteúdo da decisão, é que pode
indicar ser uma sentença processual ou de mérito, nos casos limites. Serão, por assim
dizer, dois critérios emergenciais, de que se lançará mão na hipótese de os outros,
realmente, não elucidarem a questão.
Casos há em que só o momento somado ao grau de imediatidade da aferição do conteúdo
da decisão é que nos pode orientar no sentido de saber se a decisão é de mérito, ou não.
Tem-se o caso, já citado, do usucapiente que pleiteia a declaração de usucapião antes do
decurso do prazo. Neste caso, tido o autor como carecedor da ação ”por falta da
necessidade ou da utilidade – atuais e jurídicas), terá sido o mérito examinado, ainda que
prima facie, e a decisão, em ultima ratio, sobre ele versa, ainda que proferida
liminarmente.60
Cumpre, ainda, lembrar que existe uma categoria a que os autores costumam chamar
de condições específicas de determinadas ações. Não se confundem com as condições da
ação que, tradicionalmente, têm sido estabelecidas pela doutrina, e a que alude de forma
expressa a nossa lei, nem com os pressupostos processuais.
Integram esta categoria, por exemplo, a locação comercial em relação à ação
renovatória de locação ”Lei do Inquilinato, n. 8.245/1991); o direito líquido e certo, provável
de plano, em relação ao mandado de segurança ”Lei 12.016/2009); a notificação em relação
à ação de rescisão do compromisso de compra e venda ”Dec.-lei 745/1969) e outros
similares.
Impende considerar que regime jurídico teria sentenças de mérito proferidas em
processo estando ausentes estas condições específicas. Ou seja, qual seria a situação de
uma sentença de mérito, proferida em ação renovatória, movida por locatário, não sendo
caso de locação comercial?
Parece-nos que de sentença eivada de nulidade se trataria, sujeita a ser vulnerada por
meio de ação rescisória, por ter havido violação manifesta a norma jurídica ”art. 966, V).
Trata-se, de fato, de uma nulidade de caráter absoluto, pois que é de natureza
substancial e não formal, porque assimilável à categoria genérica dos pressupostos de
admissibilidade do exame e julgamento de mérito, anteriormente mencionada.61 Esta
nulidade terá contaminado todo o processo, inclusive a sentença.
1.3. Sentenças processuais típicas e o art. 485 do CPC
Toda sentença, que tiver por conteúdo um dos itens acima alistados, será uma sentença
processual típica, sendo, todas as outras que extinguem o processo sem julgar o mérito,
porque essencialmente destas diferentes, sentenças processuais atípicas.
Os dispositivos que se referem claramente a esta categoria são os incs. IV, V62 e VI do
art. 485. Mas, a nosso ver, não são os únicos, como se verá a seguir.
O último inciso do art. 485 nos remete a duas outras hipóteses previstas pelo Código:
art. 313, § 3.º, e arts. 114 e 115 e parágrafo único.
O art. 313, § 3.º, é redutível a um caso de ausência de capacidade postulatória
”pressuposto processual de existência), dando, pois, origem a uma sentença processual
típica.
O mesmo há de se dizer em relação aos arts. 114 e 115 e parágrafo único, que versa
sobre a extinção do processo sem resolução de mérito se, sendo caso de litisconsórcio
necessário, não tiver havido citação de todos os litisconsortes. Trata-se, pois, de caso
assimilável, em última análise, à falta de um dos pressupostos processuais de existência: a
citação. E assimilável, também, sob outro aspecto à falta de legitimidade processual ”de um
litisconsorte, para estar em juízo sem o outro).
O Art. 115, II fala em ineficácia para qualificar o vício de que padece sentença de mérito
proferida apesar da falta de litisconsorte necessário, no caso de o litisconsórcio ser
necessário simples.
A expressão ineficácia, no sentido em que é usada neste dispositivo, quer dizer
inoponibilidade. Não descreve um vício, mas uma espécie de ineficácia relativa ”a
alguém). Só tem razão de ser o uso do termo ineficácia, neste sentido, quando o ato a que
se refere não é viciado. É, apenas, ineficaz com relação a algumas pessoas. Exemplo bom
desta situação é a do contrato não registrado, que pode ser perfeito, mas inoponível a
terceiros.
Portanto, a palavra não está bem empregada no art. 115, II. A sentença proferida
nessas condições não é só inoponível àqueles que ficaram de fora, mas é juridicamente
inexistente ”em relação a todos). No entanto, obviamente, só os excluídos terão interesse
de agir para impugná-la, mas o resultado pode afetar os que foram citados que deverão
ser provocados para estarem presentes no processo impugnativo.
Por razões adiante comentadas, os vícios consistentes na ausência de pressuposto
processual de validade e o da falta de pressuposto processual de existência não dão
origem a um mesmo regime jurídico, depois do trânsito em julgado da sentença.
Na verdade, como demonstraremos à frente, no segundo caso ”ausência de pressuposto
processual de existência), não se chega nem mesmo a formar a coisa julgada. É
interessante a situação da sentença proferida com infração do art. 114, isto é, da sentença
proferida em processo em que há litisconsórcio necessário ”por lei ou pela natureza da
relação jurídica), sem que estejam presentes todos os colegitimados. Em qualquer caso,
i.e., sendo o litisconsórcio necessário simples ”por lei) ou necessário unitário ”pela
natureza da relação jurídica) o vício será o da inexistência jurídica, que leva à ausência de
formação de coisa julgada. O que pode variar, como se disse, é o interesse de agir quanto à
impugnação do que foi decidido. Esta diversidade de regimes jurídicos não chega a se
revelar endoprocessualmente.
Havendo mais de um vício, porém, é o regime jurídico do mais grave que deve
preponderar.63
O art. 485, I, disciplina especificamente uma causa que deve levar à extinção do
processo sem resolução de mérito – inexistência de petição inicial válida –, que já vem
referida, embora de maneira genérica, no art. 485, IV, quando a lei fala em pressupostos
de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo .
Só pode ser, portanto, considerado como uma recomendação para que o juiz faça logo,
no limiar do processo. Tem-se esse resultado da conjugação dos arts. 485, I, e 321, também
do CPC.
Não significa, contudo, essa recomendação, que o juiz não o possa fazer depois. A rigor,
poderá fazê-lo a qualquer tempo, isto é, poderá extinguir o processo por falta de
pressuposto processual de validade ”petição inicial inepta) a qualquer tempo, mas não
mais sob forma de indeferimento da inicial .
Assim, o conteúdo, propriamente, da decisão de que trata o art. 485, I, como se disse,
não é privativo desse dispositivo. É-lhe o momento. Donde poder dizer-se que o
indeferimento da petição inicial pode dar origem até a uma sentença de mérito atípica,
segundo a terminologia que pretendemos empregar no curso deste trabalho.
Isto porque o art. 330, I a IV e § 1.º e 2.º elenca uma série de hipóteses, de naturezas
jurídicas completamente diversas, ou, pelo menos, que têm sido, até agora, assim

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