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Destaca-se incialmente que a demanda busca reparação por danos morais e pensão vitalícia pela autora em face do réu, seu ex-companheiro, com quem manteve união estável por mais de 15 anos, em virtude de transmissão do vírus do HIV. Quanto à união estável, prevê o Código Civil em seu o art. 1.724 que as relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos. No que tange à indenização por danos morais, também prevê o mesmo diploma, em seu art. 186 c/c art. 927, aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, ficando obrigado a repará-lo. Pois bem. Versam os autos sobre a possibilidade de responsabilização civil nas relações familiares, questão controvertida na doutrina, uma vez que muitos autores consideram que restaria caracterizada manifestação excessiva do Estado nas relações privadas. Os deveres de lealdade, fidelidade e respeito da relação de um casal em relacionamento amoroso, embora previstos em lei, fogem ao alcance de interferência do Estado, não sendo juridicamente relevantes. Entretanto, conforme jurisprudência do STJ, se caracterizados os pressupostos da responsabilidade civil (art. 186 c/c 927 do CC), ainda que os danos tenham sido causados no âmbito da relação familiar, persiste o dever de indenizar: Separação judicial. Proteção da pessoa dos filhos (guarda e interesse). Danos morais (reparação). Cabimento. 1. O cônjuge responsável pela separação pode ficar com a guarda do filho menor, em se tratando de solução que melhor atenda ao interesse da criança. Há permissão legal para que se regule por maneira diferente a situação do menor com os pais. Em casos tais, justifica-se e se recomenda que prevaleça o interesse do menor. 2. O sistema jurídico brasileiro admite, na separação e no divórcio, a indenização por dano moral. Juridicamente, portanto, tal pedido é possível: responde pela indenização o cônjuge responsável exclusivo pela separação. 3. Caso em que, diante do comportamento injurioso do cônjuge varão, a Turma conheceu do especial e deu provimento ao recurso, por ofensa ao art. 159 do Cód. Civil, para admitir a obrigação de se ressarcirem danos morais (STJ - REsp: 37051 SP XXXXX/XXXXX-6, Relator: Ministro NILSON NAVES, Data de Julgamento: 17/04/2001, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 25.06.2001 p. 167 LEXSTJ vol. 147 p. 41 RDR vol. 20 p. 276 REVFOR vol. 363 p. 240 REVJUR vol. 285 p. 96 RSTJ vol. 151 p. 247) Da análise dos autos restou comprovada a condição de portadores da doença pela autora e pelo réu (fls. 34), confirmando o contágio de ambos, restando inequívoca a transmissão do vírus pelo réu à autora. De fato, o réu, em algum momento, também foi vítima do contágio da doença, entretanto, diferentemente da autora, se colocou em tal posição de exposição ao contágio, sendo irresponsável e colocando em risco a sua própria saúde e, não sendo suficiente, estendeu o risco à autora, que era sua companheira. Sendo assim, a discussão gira em torno de o réu ter agido ou não com culpa na transmissão do vírus à autora, para que assim seja caracterizada ou não a responsabilidade civil. Na contestação, o réu confessa que “passou a frequentar lugares com eventos voltados para experiências sexuais, onde se relacionou com diferentes homens e mulheres, além de também ter feito o uso de drogas injetáveis”, durante a constância da união, restando evidente, portanto, que o réu violou a incolumidade física da companheira, que não sabia de tais atitudes do réu, expondo sua própria vida e a da autora ao risco de contágio de diversas doenças sexualmente transmissíveis. Além disso, o tratamento médico e psicológico para depressão (fls. 76), não é suficiente para excluir a culpa da conduta do réu. Desse modo, presentes os requisitos da responsabilidade civil, quais sejam, culpa, nexo causal e dano, é cabível a indenização por danos morais pleiteada pela autora. A indenização por danos morais, além da reparação aos danos sofridos à vítima, também tem o condão pedagógico, de forma a coibir reiteração da conduta, sendo vedado legalmente o enriquecimento sem causa, na forma do art. 884 do Código Civil. Nesse sentido, destaca-se o ensinamento do professor Sérgio Cavalieri Filho: (...) Este é outro ponto onde o princípio da lógica do razoável deve ser a bússola do julgador. Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda certa proporcionalidade. (...) importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e a duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes. (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8ª Ed. São Paulo: Atlas, 2009) Desse modo, considerando a peculiaridade do caso e a gravidade da conduta praticada pelo réu, que foi quem transmitiu a autora, na constância de união estável, moléstia grave, que embora atualmente tenha tratamento avançado pela medicina, ainda não se conhece da cura, entendo como adequado e coerente o valor pleiteado pela autora, condenando o réu ao pagamento de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) à autora, a título de indenização por danos morais. Já o pedido de pensão não pode ser acolhido, considerando que a autora tem encontra-se capaz de exercer suas atividades laborais, estando, inclusive, regularmente empregada como assistente administrativa em empresa. Além disso, é importante destacar que o tratamento para a doença que agora lhe agrava é oferecido gratuitamente pelo SUS, estando ao alcance de qualquer cidadão que eventualmente precise. Isto posto, julgo parcialmente procedentes os pedidos para condenar o réu à indenização de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) à autora, a título de danos morais, sendo o pedido de pensão vitalícia improcedente. Neste passo, condenam-se as partes, de forma recíproca, ao pagamento de custas e honorários sucumbenciais na ordem de 10%. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Aguarde-se o trânsito em julgado, em caso de não interposição de recursos, arquive-se, os autos. Rio de Janeiro – RJ, data. Juiz de Direito.
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