Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
FILOSOFIA CRISTà Fábio Augusto Darius 1ª Edição, 2020 Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 — www.unasp.br Missão Educar no contexto dos valores bíblicos para um viver pleno e para a excelência no serviço a Deus e à humanidade. Visão Ser uma instituição educacional reconhecida pela excelência nos serviços prestados, pelos seus elevados padrões éticos e pela qualidade pessoal e pro� ssional de seus egressos. Administração da Entidade Mantenedora (IAE) Diretor-Presidente: Maurício Lima Diretor Administrativo: Edson Medeiros Diretor-Secretário: Emmanuel Oliveira Guimarães Diretor Depto. de Educação: Ivan Góes Administração Geral do Unasp Reitor: Martin Kuhn Vice-Reitor Executivo Campus EC: Antônio Marcos da Silva Alves Vice-Reitor Executivo Campus HT: Afonso Ligório Cardoso Vice-Reitor Executivo Campus SP: Douglas Jeferson Menslin Pró-Reitor Administrativo: Telson Bombassaro Vargas Pró-Reitor Acadêmico: Afonso Ligório Cardoso Pró-Reitor de Educação a Distância: José Prudencio Júnior Pró-Reitor de Pesquisa e Desenvolvimento Institucional: Allan Macedo de Novaes Pró-Reitor de Desenvolvimento Espiritual, Comunitário e Estudantil: Martin Kuhn Secretário-Geral: Marcelo Franca Alves Faculdade Adventista de Teologia Diretor: Reinaldo Wenceslau Siqueira Coordenador de Pós-Graduação: Vanderlei Dorneles da Silva Coordenador de Graduação: Adriani Milli Rodrigues Órgãos Executivos Campus Engenheiro Coelho Pró-Reitor Administrativo Associado: Murilo Marques Bezerra Pró-Reitor Acadêmico Associado: Everson Muckenberger Pró-Reitor de Desenvolvimento Estudantil Associado: Bruno de Moura Fortes Pró-Reitor de Desenvolvimento Espiritual e Comunitário Associado: Ebenézer do Vale Oliveira Órgãos Executivos Campus Hortolândia Pró-Reitor Administrativo Associado: Claudio Valdir Knoener Pró-Reitora Acadêmica Associada: Suzete Araújo Águas Maia Pró-Reitor de Desenvolvimento Estudantil Associado: Daniel Fioramonte Costa Pró-Reitor de Desenvolvimento Espiritual e Comunitário Associado: Wanderson Paiva Órgãos Executivos Campus São Paulo Pró-Reitor Administrativo Associado: Flavio Knöner Pró-Reitora Acadêmica Associada: Silvia Cristina de Oliveira Quadros Pró-Reitor de Desenvolvimento Estudantil Associado: Ricardo Bertazzo Pró-Reitor de Desenvolvimento Espiritual e Comunitário Associado: Robson Aleixo de Souza Editor-chefe Rodrigo Follis Gerente de projetos Bruno Sales Ferreira Editor associado Alysson Huf Supervisor administrativo Werter Gouveia Gerente de vendas Francileide Santos Editores Adriane Ferrari, Gabriel Pilon Galvani,Jônathas Sant’Ana e � amires Mattos Designers grá� cos Felipe Rocha e Kenny Zukowski Imprensa Universitária Adventista 1ª Edição, 2020 FILOSOFIA CRISTà Imprensa Universitária Adventista Engenheiro Coelho, SP Fábio Augusto Darius Doutor em Teologia pela Escola Superior de Teologia de São Leopoldo Darius, Fábio Augusto Filoso� a Cristã [livro eletrônico] / Fábio Augusto Darius. Engenheiro Coelho: Unaspress, 2020. 1Mb, PDF ISBN 978-65-86848-28-1 (e-book) 1. Filoso� a cristã. I Título. II. Darius, Fábio Augusto. CDD 210 Dados Internacionais da Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Ficha catalográ� ca elaborada por Hermenérico Siqueira de Morais Netto CRB 7370 Filoso� a Cristã 1ª edição – 2020 e-book (PDF) OP 00123_049 Editora associada: Todos os direitos reservados para a Unaspress - Imprensa Universitária Adventista. Proibida a reprodução por quaisquer meios, sem prévia autorização escrita da editora, salvo em breves citações, com indicação da fonte. Preparação: Mônica Makawetskas Revisão: Thais Alencar Projeto grá� co: Ana Paula Pirani Capa: Jonathas Sant’Ana Diagramação: Enny Weber Caixa Postal 88 – Reitoria Unasp Engenheiro Coelho, SP CEP 13.448-900 Tels.: (19) 3858-5222 / (19) 3858-5221 www.unaspress.com.br Imprensa Universitária Adventista Validação editorial cientí� ca ad hoc: Milton Luiz Torres Doutor em Arqueologia Clássica pela University of Texas System e em Letras Clássicas pela USP, com estudos pós-doutorais em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais Conselho editorial e artístico: Dr. Martin Kuhn, Esp. Telson Vargas, Me. Antônio Marcos, Dr. Afonso Cardoso, Dr. Douglas Menslin, Dr. Rodrigo Follis, Dr. Lélio Lellis, Dr. Allan Novaes, Esp. Jael Enéas, Esp. José Júnior, Dr. Reinaldo Siqueira, Dr. Fábio Al� eri, Dra. Gildene Lopes, Me. Edilson Valiante, Me. Diogo Cavalcante, Dr. Adolfo Suárez SUMÁRIO FILOSOFIA E COSMOVISÃO CRISTà ........................ 13 Introdução ........................................................................................14 A filosofia cristã em perspectiva a partir de tópicos da História da filosofia geral, destacando a importância e atualidade do estudo .......................................................................15 A visão teísta do mundo e sua importância para a cosmovisão cristã: as múltiplas visões de mundo face à superioridade do teísmo como resposta às indagações da existência. .................24 Fé e Filosofia: a metanarrativa do Grande Conflito: de onde viemos, o que estamos aqui fazendo e para onde vamos? A metanarrativa do Grande Conflito como chave interpretativa para as grandes questões do ser humano. ......................................32 O ser humano integral: perspectivas bíblico-filosóficas. Análise das diversas perspectivas que tornam o ser humano, ser humano ......................................................................................39 Filosofia cristã e sentido da vida: em busca da Verdade. As respostas provisórias da Filosofia e a solução da Cruz ....................47 Referências .......................................................................................58 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà ........ 63 Introdução ........................................................................................64 Filosofia Antiga e cristianismo ........................................................64 Filosofia Medieval e cristianismo: Idade da fé ou Idade das Trevas? O cristianismo resiliente em meio às perseguições ............73 Filosofia Moderna e Cristianismo: Pode a ciência suprimir a Verdade? .......................................................................................84 Filosofia Contemporânea e Cristianismo: onde está Deus? ...........95 A Pós-modernidade, o futuro e a essência do cristianismo: o ser humano líquido tem sede da Verdade ...........................................100 Referências ......................................................................................119 VO CÊ ES TÁ A QU I PARA OTIMIZAR A IMPRESSÃO DESTE ARQUIVO, CONFIGURE A IMPRESSORA PARA DUAS PÁGINAS POR FOLHA. EMENTA Análise das condições para se situar a filosofia cristã no âmbito das filosofias antigas e contemporâneas. A visão teísta do mundo e sua importância para a cosmovisão. CONHEÇA O CONTEÚDO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) ao estudo sobre Filosofia Cristã. Todos nós, em algum momento da vida, já nos perguntamos: quem sou? De onde vim? Para onde vou? Essas perguntas não são novas; elas estão no coração do homem desde o início dos tempos. Cosmovisão é o nome dado à maneira como cada um enxerga o sen- tido de sua existência, e esse é um dos assun- tos que abordaremos em nosso material. Para falar desse tema e situar a Filosofia Cristã na Filosofia Geral, será necessário percorrer os períodos da História e a maneira como o homem pensava em cada um desses períodos. Isso inclui saber como o ser humano enxerga a si mesmo, a Deus e ao próximo. Por fim, vamos estudar sobre o pensamento filosófico na Pós-modernidade, período no qual estamos inseridos. Será inevitável perce- ber que a humanidade, independentemente do período histórico, continuabuscando saber quem é, de onde veio e para onde vai. Daí a importância de conhecer a Filosofia Cristã, que, em linhas gerais, coloca Deus no centro da existência, respondendo às mais profun- das questões sobre nosso propósito de vida e preenchendo os vazios existenciais. Bons estudos! TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà UNIDADE 2 OB JE TI VO S - Compreensão da importância da cosmovisão bíblico-cristã como norteadora do estilo de vida; - Percepção da metanarrativa do grande confl ito como background histórico-fi losófi co da existência; - Identifi cação do sentido da existência a partir da leitura do mundo pela via fi losófi ca cristã. 64 FILOSOFIA CRISTà INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), seja bem-vindo(a) à unidade 2 do estudo sobre Filosofia Cristã. Neste material, vamos tratar de uma temática extremamente relevante para que você entenda melhor as diferenças entre a filosofia grega e a filosofia cristã bíblica. Com esse objetivo, vamos conhecer um pouco da história da Filosofia Antiga e percorrer alguns capítulos da História Geral. Assim, será mais fácil entender as premissas de cada fase da História e como elas influenciaram a religião e a filosofia cristã como um todo. Nesta unidade, esperamos que você: • identifique o pensamento helenista em contraponto à cosmovisão cristã bíblica; • conheça os diferentes períodos da História e analise o cristianismo sob o prisma de cada um deles; • reflita sobre a pós-modernidade, o futuro e a essência do cristianismo. FILOSOFIA ANTIGA E CRISTIANISMO Vários textos de História da Filosofia apontam que seu nascimento se deu na antiga Grécia, especificamente em Roma, 65 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà aproximadamente seis séculos antes do aparecimento de Cristo. Considera-se Tales, nascido em Mileto, mais ou menos em 624 antes da Era Cristã, como o primeiro dos filósofos. Por certo, ao se supor dessa forma, é perceptível um apagamento dos supostos preceitos filosóficos de outras civilizações antigas. Contudo, não é o caso aqui de se estudar filosofia ou mitologia de outras civilizações. Nosso objetivo é entender melhor, ainda que em linhas muito gerais, as breves diferenças entre a filosofia grega e a filosofia cristã bíblica. Para tanto, é necessário conhecer um pouco da história da Filosofia Antiga, e, por suposto, da História Geral, para perceber alguns aportes destes conhecimentos aplicados à religião e à filosofia cristã como um todo. É importante dizer que no primeiro século da Era Cristã, ou seja, no preciso século em que Cristo viveu neste mundo para possibilitar ao ser humano a salvação, o Império Romano vivia o seu apogeu. Estava plenamente Teatro em Mileto, terra de Tales, o primeiro filósofo da Antiga Grécia. Fonte: Shutterstock (https://shutr.bz/3eFdNXU) 66 FILOSOFIA CRISTà desenvolvido em relação às suas próprias potencialidades e possibilidades naquele contexto civilizacional e vivendo o que os historiadores chamam de Pax Romana. Isso não quer dizer que nesse período (que transcendeu um século) não houve conflitos militares ou algo assim, que certamente aconteceram, mas em pontos mais afastados do império. Esse pujante período permitiu que os cidadãos romanos vivenciassem um período relativamente longo de estabilidade em múltiplos sentidos. Contudo, essa estabilidade por vezes encontrava certo ponto de desequilíbrio quando o assunto dizia respeito à religião. A religião oficial romana, estatal, pomposa e circunstancial, em um primeiro momento, podia de fato satisfazer os sentidos do povo ao proporcionar um belo espetáculo de sons, cores e sabores. No entanto, não preenchia os anseios mais íntimos do coração humano. PAX ROMANA Segundo o site Conhecimento Científico, “Pax Romana (do la- tim Paz Romana) foi uma políti- ca de paz criada pelo Imperador Romano César” e representou um período de sucesso econô- mico e de domínio territorial. Fonte: <https://bit.ly/31rUuO7>. Acesso em: 29 jun. 2020. 67 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà O Império Romano, nesse período, encontrava-se helenizado. Isso quer dizer que fora profundamente influenciado pela perspectiva ou cosmovisão grega. Em outras palavras, pode-se dizer que o helenismo foi precisamente a difusão do pensamento grego, tanto no Oriente, quanto na porção ocidental do Império Romano. Isso quer dizer que a forma de pensar, inclusive a filosófica, em grande medida foi incorporada por esses povos nesse período. No entanto, percebe-se que entre a perspectiva ou cosmovisão grega e a judaico-cristã pouco existe em comum. Quando não se percebe essas essas sutis e explícitas diferenças, acaba-se por identificar o cristianismo dos primeiros séculos mais por conta da tradição influenciada pela premissa grega do que por seus fundamentos bíblicos em si. Reside aí um grave erro que deve ser revisto ao se estudar profundamente a própria Palavra de Deus. O fato é que, material ou estruturalmente, o Império Romano, de alguma forma, beneficiou o estabelecimento do cristianismo em suas fronteiras a partir de elementos que transcendem a própria compreensão individual de seus fatores. Em primeiro lugar, graças à pujança econômica do império, existia todo um complexo, ágil e funcional sistema bem conservado de estradas que facilitavam o transporte de pessoas e bens até os destinos mais longínquos de 68 FILOSOFIA CRISTà Roma. Certamente essa rede de estradas pavimentadas serviu para que o evangelho chegasse mais facilmente aos seus residentes. Além disso, em virtude de ser o Império Romano o maior e mais poderoso de então, com uma série de povos conquistados, atribuía-se à figura do imperador o valor de lei universal. Por certo, essa constatação serviu para que os romanos que eventualmente aceitassem o cristianismo percebessem a universalidade da Lei de Deus, explicitada no livro de Êxodo e mais tarde ensinada pessoalmente por Cristo. Deve-se destacar ainda que, por conta de todas essas dinâmicas complexas que constituíam o império no período da Antiguidade em que foi escrito o Novo Testamento, o grego era a língua universal. Por conta disso, os evangelhos e o Novo Testamento como um todo foram escritos nessa língua, facilitando a compreensão de seu conteúdo. É importante notar que o grego bíblico não é exatamente o mesmo grego de séculos atrás, em relação ao próprio texto em si. O grego de Homero na Ilíada ou na Odisseia tem um caráter ainda muito mais complexo que aquele utilizado pelos escritores bíblicos. De todo modo, o ponto a ser aqui percebido é o de uma língua universal, no contexto de uma lei universal, por assim dizer, por meio de uma boa rede de estradas. 69 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà SAIBA MAIS De acordo com a definição clássica, na periodização das épocas históricas da humanidade, Idade Antiga ou Anti- guidade é o período que se estende desde a invenção da escrita (de 4.000 a.C. a 3.500 a.C.) até a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.). Todos esses elementos por si mesmos não seriam suficientemente fortes se não fosse clara a necessidade de uma religião que verdadeiramente tocasse os corações daqueles cidadãos ou habitantes de Roma. Os povos dominados percebiam que seus próprios deuses eram fracos e não respondiam aos seus anseios, enquanto a religião estatal romana era inócua para a resolução dessas mesmas questões. Deve-se perceber que o platonismo e o aristotelismo já haviam, em grande medida passado depois de vários séculos desde o seu estabelecimento, primeiro na velha Atenas, depois em Roma. De fato, as pessoas careciam de respostas às suas indagações. Isso se deu a partir de uma pequena, mas crescente seita judaica que, aos poucos, tomou a forma de uma religião independente. Ao menos era sob essa ótica que os romanos enxergavam essa nova religião, que prosperava entre os mais simples empregados do império e mesmo entre escravos, mas 70 FILOSOFIA CRISTà dificilmenteentre os aristocratas romanos, que gozavam de poderes e proteção estatal ao professarem a fé oficial. Era preferível, sem qualquer possibilidade de outra escolha, abraçar a fé imperial. Embora a religião cristã fosse a religião dos pobres, fracos e oprimidos, com o passar dos próximos poucos séculos, ela se tornaria não apenas a maior religião do império, mas também ganharia estatuto oficial e não simplesmente por conta de um milagre, mas certamente por múltiplas e intrincadas questões políticas. No entanto, isso não deve ser aqui tematizado. Em realidade, a grande diferença entre a premissa filosófica grega e cristã, é que, para os cristãos, em Deus reside o conhecimento, o verdadeiro e único pilar que sustenta a Verdade em si, enquanto a filosofia grega foi estabelecida a partir do conhecimento racional do próprio ser humano. Assim sendo, para os gregos, Deus não era o pilar e o centro da natureza, mas o próprio ser humano. O cristianismo passou de religião dos pobres, fracos e oprimidos para a religião oficial do império. 71 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà Dentre os vários filósofos judaicos e cristãos dos primeiros séculos que defendiam, de alguma forma, a adoção de ambas as premissas, encontra-se Fílon de Alexandria e Clemente de Alexandria. De acordo com Cláudio Fernandes: A principal obra de Clemente intitula-se Exortação aos Gregos, na qual ele procura destacar os elementos do pensamento helenístico que se aproximavam da verdade cristã, isto é, a realidade de Cristo como o Logos divino, a inteligência criadora de Deus. A busca filosófica pela verdade e a fuga do discurso mitológico era, para Clemente, um prenúncio necessário para a recepção da mensagem cristã no mundo. O mistério da encarnação do “Logos” e da revelação da “Verdade” aos homens teria, no discurso filosófico, um momento de ordem, de construção argumentativa (FERNANDES, 200-). Contudo, o autor idealizava alcançar a todos com a mensagem cristã. De acordo com a tradução de Santos (2006): se tu queres, recebe, tu também, a iniciação e tomarás parte no coro dos anjos em torno de Deus, enquanto o Logos de Deus se unirá a nossos hinos. Este é o eterno Jesus, o único grande sacerdote do Deus único que também é seu pai; ele ora pelos homens e os exorta: ‘Escutai, tribos inumeráveis’, mais ainda aqueles dentre os homens racionais, bárbaros e gregos; eu chamo toda a raça humana, eu, que sou o criador 72 FILOSOFIA CRISTà pela vontade do Pai (CLEMENTE DE ALEXANDRIA, [c. 180 d.C.]). A cosmovisão bíblico-cristã é certamente distinta da cosmovisão greco- romana, ou helenística. A ideia, ainda que com boas intenções, de misturar uma premissa com a outra, certamente provocou, ainda na Antiguidade e obviamente em toda a Idade Média, grandes dificuldades àqueles que, desejosos de seguir os ensinamentos bíblicos, foram sumariamente perseguidos por forças consideráveis implementadas pelo próprio Estado e sob a aprovação da igreja então estabelecida. A Idade Média, o período de mil anos de extraordinário desenvolvimento humano por um lado, mas de cerceamentos de liberdades e perseguições por outros, testemunhou o perigo da tentativa de estabelecer um poder a partir de uma falsa ideia filosófica supostamente validada por uma leitura bíblica estranha aos seus preceitos originais. A Idade Média foi um período de desenvolvimen- to humano por um lado, mas de cerceamento à liberdade por outro. Fonte: Shutterstock (https://shutr.bz/3eTvG5C) 73 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà Portanto, deve-se sempre e com todo cuidado perceber a história a partir de seus próprios paradigmas e pressupostos, para que não se estabeleçam falsas premissas a partir de textos supostamente conhecidos e extraídos da tradição bíblica, mas lidos a partir de outra cosmovisão. A beleza do texto filosófico grego, em toda a sua imensidão e complexidade, às vezes pode eclipsar a verdade contida na Bíblia para aqueles que não têm a clareza de perceber, cada um deles, em suas próprias características e alcance. FILOSOFIA MEDIEVAL E CRISTIANISMO: IDADE DA FÉ OU IDADE DAS TREVAS? O CRISTIANISMO RESILIENTE EM MEIO ÀS PERSEGUIÇÕES A Idade Média foi um período que durou aproximadamente mil anos, compreendido entre o fim do Império Romano do Ocidente e o declínio e fim do Império Romano do Oriente, entre 476 e 1.453. Essa ideia de tempo e marcos não é única. Há quem defenda que a Antiguidade durou bem mais que o fim do Império Romano e se estendeu até a coroação de Carlos Magno, que aconteceu precisamente na noite de 25 de dezembro de 800. 74 FILOSOFIA CRISTà Alguns historiadores consideram esse primeiro período da Idade Média de acordo com a concepção tradicional de Antiguidade. Outros historiadores, dentre os quais o mais famoso de todos os medievalistas, Jacques Le Goff, afirma que a Idade Média durou até o surgimento da Contemporaneidade, como já foi mencionado. Nesta seção, será abordada a relação entre a Filosofia Medieval e o Cristianismo e, principalmente, a resistência dos cristãos face às perseguições múltiplas em nome da fé. Contudo, antes de se apresentar o tema proposto, faz-se necessário estruturar a partir de uma fonte externa o sentido da Idade Média e sua intrínseca dependência de certas porções da Filosofia Antiga. SAIBA MAIS Jacques Le Goff (Toulon, 1 de janeiro de 1924 — Paris, 1 de abril de 2014) foi um historiador francês especialista em Idade Média. Autor de dezenas de livros e trabalhos, era membro da Escola dos Annales. Pertencente à tercei- ra geração, dedicou-se ao estudo da antropologia histó- rica do ocidente medieval. Esse entendimento se faz necessário para uma melhor percepção do próprio cerne da perseguição perpetrada contra os muitos cristãos que protestaram acerca de tais 75 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà relações. De acordo com Santos (2015), eis o sentido da Idade Média, dentre os muitos em meio a tantas premissas e concepções, criadas ou não: Caso pudéssemos precisar um sentido primeiro, fundacional e estruturante de todas as filosofias medievais, o círculo da filosofia exposto no Hortus deliciarum (Jardim das delícias, c. 1180) da abadessa Herrada de Hohenburg (c. 1130–1195) é bastante esclarecedor. O círculo, imagem perfeita e que representa a divindade — desde Platão. Na iluminura, ao centro, a Rainha Filosofia. A seus pés, Sócrates e Platão (o século 12 ainda era platônico — e neoplatônico, como vimos). A Filosofia tem uma coroa de três cabeças: são a Ética, a Lógica e a Física (segundo Platão, as três partes do ensino da Filosofia). Em suas mãos, um imenso rolo de papel, no qual se lê: “Toda sabedoria vem de Deus; somente os sábios podem fazer o que desejam”, sinal da preponderância da Filosofia, ainda que a serviço da Teologia. Sócrates e Platão estão a seus pés, porque eram considerados os filósofos precursores do pensamento cristão, embora pagãos. Eram “os sábios do mundo” e “os professores do povo”, e tinham como tarefa a exploração da natureza profunda de todas as coisas. O círculo interior da Rainha Filosofia e de seus discípulos Sócrates e Platão é envolto por outro círculo, maior, onde estão as disciplinas necessárias para o estudo da Filosofia. São as Sete Artes 76 FILOSOFIA CRISTà Liberais: a primeira parte, introdutória, chamada de Trivium, por conter a Gramática, a Dialética e a Retórica. Na ordem: aprender a escrever e a ler corretamente, a argumentar e a fazer isso com beleza. Acima, com um vestido de cor grená, a Gramática tem um livro na mão esquerda e um látego (chicote de cordas) na direita, e diz: “Por mim, todos podem aprender o que são as palavras, as sílabas e as cartas”. A Retórica veste azul e tem um estilete e duas tabuinhas, e diz: “Graças a mim, orgulhoso orador, teus discursos poderão ter vigor”. Com sua mão direita a Dialética, de verde, aponta para um interlocutor. Com a esquerda,segura a cabeça de um cachorro e afirma: “Meus argumentos são rápidos como os latidos de um cachorro”. Após aprender as disciplinas do Trivium, o aspirante à Filosofia deveria passar para as do Quadrivium, matérias matemáticas: Aritmética, Geometria, Música e Astronomia. No círculo do Jardim das Delícias, a ruiva Aritmética tem um ábaco (instrumento formado por uma moldura com bastões ou arames paralelos nos quais havia bolas ou contas deslizáveis para contar) e afirma: “Baseio-me nos números e discrimino o que existe entre eles”. A seguir, a Geometria. Com régua e compasso ela, triunfante, afirma: “Examino as terras com exatidão”. A Música graciosamente toca uma harpa — outros instrumentos estão juntos dela (uma lira e um pequeno órgão) — e diz: “Eu ensino minha arte com a ajuda de uma variedade de instrumentos”. Por fim, a Astronomia veste um traje azul- 77 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà celeste. Tem uma lupa (ou um tipo de espelho) em sua mão esquerda, e aponta para as estrelas: “Eu tenho meu nome dos corpos celestes e prevejo o futuro”. O sentido retilíneo do círculo é claramente do físico para o metafísico (isso porque, desde os antigos pitagóricos, os filósofos pensavam que o mundo fora criado pela divindade de acordo com as regras da harmonia e da ordem). Assim, estudar Geometria, por exemplo, significava seguir a máxima da Academia de Platão: “Que ninguém exceto os geômetras entrem aqui”. No grande círculo exterior há os seguintes versos: “A Filosofia ensina as artes por sete ramos. Investiga os segredos dos elementos e de todas as coisas. O que descobre, retém em sua memória e escreve para transmitir aos alunos”. Fora do círculo, na parte inferior da iluminura, aquilo que está excluído do âmbito da Filosofia: quatro homens (poetas e magos), sentados diante de púlpitos. Como o texto indica, são guiados por “espíritos maus e impuros”, e o que vem deles são contos, fábulas, frívolas poesias ou receitas de magia. Os “maus espíritos” estão representados por pássaros negros, em oposição à pomba branca, símbolo do Espírito Santo. Eles estão em seus ombros e falam coisas más em seus ouvidos. O Jardim das delícias foi redigido, conforme sua própria autora, para informar e deleitar suas monjas, e assim ajudá-las a progredir no serviço de Deus. Esse documento do século 12 é um fascinante exemplo do nível intelectual e artístico que as mulheres oriundas de 78 FILOSOFIA CRISTà segmentos sociais elevados podiam alcançar em uma abadia segura e rica (SANTOS, 2015, p. 17-19). Como foi facilmente percebido, o rico texto apresentado expõe, sem dúvida, a relação intrínseca entre cristianismo e Filosofia Grega. Essa relação foi percebida desde o início por alguns quadros da igreja medieval, que se apressaram a apresentar uma solução àquilo que percebiam como heresias. Assim, de acordo com Hoffmann (2010), “para poder combater os filósofos de tradição greco-romana, os Padres da Igreja tiveram que buscar na filosofia antiga, principalmente em Platão e no neoplatonismo, os seus argumentos”. A partir dessa premissa, surge o que até hoje se conhece por Patrística, a saber, essa especulação filosófica que teria o intuito de apresentar o cristianismo aos não-crentes, protegendo a igreja dos desvios heréticos, a fim de convertê-los. A primeira perseguição aos cristãos foi no império de Nero. Fonte: Wikimedia Commons (https://bit.ly/2YIIHZL) 79 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà O fato é que, desde o final do primeiro século da Era cristã, quando finalmente os romanos perceberam claramente que os cristãos não eram judeus, embora partilhassem de seu Livro Sagrado, começaram as perseguições. Faz-se necessário, para melhor compreensão da igreja na Idade Média, um breve e sucinto recorte citando a história das perseguições para finalmente se estabelecer uma doutrina que dê sentido e vazão ao Medievo. Já com Nero, nos anos 60 d.C., se deu a primeira delas. Em seguida, com Domiciano, depois com Septimus Severo, Diocleciano e Galério, em um período de mais de três séculos, entre relativa paz e severa provação, se deram as outras grandes perseguições, angustiando e transtornando os cristãos ao longo do Império. Em 306, Constantino, tão famoso personagem da história de Roma e também da história eclesiástica, é aclamado imperador e, alguns anos depois, em 313, estabelece o famoso Edito de Milão, findando a perseguição aos cristãos e supostamente permitindo para todos os cidadãos do império a liberdade de consciência. Em 330, Roma, a capital do Império Romano, é transferida para a cidade cujo nome honra o próprio Constantino: Constantinopla. 80 FILOSOFIA CRISTà Finalmente, em 476, Rômulo Augusto, ainda um adolescente, último imperador romano, é deposto por Teodorico. Nesse contexto, um papa chamado Gelásio I estabeleceu uma doutrina que ficou mundialmente famosa e é até hoje estudada para uma melhor compreensão da Idade Média, sem a qual é impossível obtê-la: a doutrina das duas espadas. Essa doutrina estabelece simplesmente que a autoridade sagrada deve ser exercida, sem dúvida e sem questionamentos, pelo Papa. Já a autoridade temporal deve ser exercida, indubitavelmente, pelo rei ou senhor feudal. Contudo, é muito importante que se diga que a autoridade sagrada era, para a grande maioria dos medievais, muito mais importante que a autoridade temporal. No mundo medieval, a autoridade da Igreja Católica Apostólica Romana era praticamente inquestionável para as pessoas comuns, embora, a fim de angariar poder político, diversos reis, ao longo de muito tempo, questionaram esse estabelecimento, naquilo que ficou conhecido como “querela das investiduras”, um assunto que não será abordado nesta seção. Justiniano, imperador bizantino (ou imperador do Império Romano do Oriente) entre 527 a 565 – que incumbiu a si mesmo de reestabelecer o Império Romano do Ocidente das 81 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà mãos dos bárbaros, simplesmente ignorou tal teoria de modo que a própria igreja passou a ser concebida dentro da esfera do poder estatal. Assim, papas e bispos deviam ser nomeados por ele e ter uma vida regrada sob sua rígida observação. Além disso, os próprios concílios eclesiásticos foram em grande medida limitados em suas resoluções e eficácias. SAIBA MAIS O Apelido de João, Crisóstomo, que significa boca de ouro, é uma maneira de reconhecer a importância de toda a eloquente obra que esse santo homem deixou para a Igreja. O Papa Bento XVI, em uma audiência geral, disse: “Os seus escritos permitem também a nós, como aos fiéis do seu tempo, que foram repetidamente priva- dos dele por causa dos seus exílios, de viver com os seus livros, apesar da sua ausência” (2007). Ao longo da Idade Média, a teoria dos dois poderes ou duas espadas foi amplamente aceita, muito embora indefinida por conta de uma série de disputas. O fato é que o Estado tinha, então, sob a premissa da fé, a função de sustentar, proteger e difundir os ideais da igreja ao mesmo tempo em que, imbuída de certo poder sobrenatural autoimposto, também deveria punir os hereges. 82 FILOSOFIA CRISTà Contudo, de que fé aqui se fala? Comentamos há pouco que a Igreja Medieval, ao longo do período patrístico, ou seja, em seus inícios, se apropriou dos textos da Filosofia Antiga para combater aquelas falsas doutrinas percebidas sob a lente da filosofia greco-romana, a partir de textos da Antiguidade clássica, escritos entre o terceiro século antes de Cristo e o primeiro século depois de Cristo, aproximadamente. Dentre os patrísticos, pode-se citar Agostinho, Orígenes, João Crisóstomo, Leão Magno, Justino de Roma, Justino Mártir. Os patrísticos se utilizaram majoritariamente de textos platônicos para fundamentar suas discussões e diálogos. Assim, praticamente desde o fim do primeiro século da Era Cristã, o cristianismo foi fundamentalmentelido sob uma ótica distinta daquela estabelecida na própria Bíblia. Essa perspectiva manteve-se viva e atuante ao longo de toda a Idade Média, começando com Agostinho de Hipona e sua claríssima influência platônica. Portanto, o argumento proposto aqui é que a Filosofia Medieval, nesses moldes, pouco tem a ver com a perspectiva bíblica de entendimento do mundo. Grandes heresias, como a imortalidade da alma, escritas por Platão talvez sob influência órfica e, portanto, sem comprovação bíblica, acabaram resistindo e se fortalecendo 83 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà na Idade Média, chegando até a Idade Contemporânea. Assim, a partir desse aspecto, fica evidente que a Idade Média foi a Idade das Trevas no sentido de não favorecer a expansão e conhecimento do texto bíblico e, pior ainda: dele se utilizar, às avessas, sob pretextos cristãos, para usurpar e manter o poder, perseguindo e torturando cristãos resilientes, que, apesar de tamanhas provas, se mantiveram fiéis. Muitas são as histórias de comunidades e pessoas individualmente identificadas que resistiram fielmente aos desmandos cometidos na Idade Média e na Modernidade. A Bíblia Sagrada, que contém a verdadeira e única filosofia cristã, resistiu bravamente apesar dos aguerridos ataques. Veja na Figura 1 uma foto tirada no Dublinia Museum a caminho de St. Torre de Michael, representando a Idade Média. Figura 1 – Foto representando a Idade Média Fonte: Wikimedia Commons (https://bit.ly/3gmBWDh) 84 FILOSOFIA CRISTà Deve-se, no entanto, perceber e reconhecer que a Idade Média foi o berço da Universidade, ainda que sob os auspícios da Igreja Católica Medieval. O fato é que as universidades cristãs que hoje se mantêm geralmente fazem um bom trabalho de docência e pesquisa desde uma cosmovisão bíblico-cristã. FILOSOFIA MODERNA E CRISTIANISMO: PODE A CIÊNCIA SUPRIMIR A VERDADE? A filosofia cristã, tônica de toda a Idade Média, não se limitou apenas à Patrística, como se pode pressupor. Enquanto esta escola tinha como ideário a elaboração de uma defesa da fé cristã por meio da construção de doutrinas sólidas, ao mesmo tempo subsidiando a igreja e atacando os pagãos, pode-se citar ao menos mais uma que se deu na parte final do Medievo. Trata-se da Escolástica. Essa escola gestou um método elaborado pela igreja do Ocidente, no seio das escolas monásticas, bebendo principalmente de fontes platônicas e aristotélicas. Talvez a principal diferença entre a Patrística e a Escolástica é que, enquanto a primeira, como sugerido, tinha um caráter apologético (exatamente a defesa da fé), a segunda 85 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà era mais uma espécie de método de aprendizagem em si mesmo e menos uma teologia. De fato, foi o método escolástico, baseado na dialética, que impulsionou as primeiras universidades, nascidas no interior da igreja de então. Destaca-se a importância capital dessa construção visto que tanto a universidade e mesmo a escola tal como as entendemos hoje nasceram na Idade Média, enquanto produto da reflexão e produção eclesiástica medieval. Veja na Figura 2 uma gramática usada nesse período. Acerca da escola, conforme Franco Cambi: Também a escola, como nós a conhecemos, é um produto da Idade Média. A sua estrutura ligada à presença de um professor que ensina a muitos alunos de diversas procedências e que deve responder pela sua atividade à Igreja ou a outro poder (seja local ou não); suas práticas ligadas à lectio e aos auctores, à discussão, ao exercício, ao comentário, à arguição etc.; as suas práxis disciplinares (prêmios e castigos) e monásticas e nas catedrais e, sobretudo, nas universidades. Vêm de lá também alguns conteúdos culturais da escola moderna e até mesmo contemporânea: o papel do latim, 86 FILOSOFIA CRISTà o ensino gramatical e retórico da língua; a imagem da filosofia, como lógica e metafísica (CAMBI, 1999, p.145). Figura 2 - Gramática romena dos anos 1500 em edição do século 19 Fonte: Wikimedia Commons (https://bit.ly/38hcHz2) 87 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà Além disso, é preciso levar em conta que a Europa, como nós a conhecemos hoje, nasceu precisamente na Idade Média, no século 10, a partir da fusão dos cristãos estabelecidos (romanos e bárbaros) e invasores dos séculos 9 e 10, a saber, vikings e muçulmanos. Portanto, a Europa nasceu em um ambiente e contexto dito cristão (embora não exatamente bíblico); o cristianismo foi a tônica, o fundamento, essência e razão de ser daquele continente e isso, ao menos, desde o Império Carolíngio, com Carlos Magno, que imbuiu a si mesmo da sagrada missão de defender e expandir a influência da Igreja Católica ainda no século 9. Para tanto, ainda que de forma fugaz, Carlos Magno estabeleceu o assim chamado Renascimento Carolíngio, isto é, uma tentativa de estabelecer em seus domínios uma espécie de aprofundamento cultural sob molde cristão, de tal sorte que ali se percebesse o melhor de Atenas, por um lado, e o melhor de Jerusalém, por outro – ou seja, os aspectos filosóficos e espirituais, indissociavelmente unidos sob ímpeto cristão. Este preâmbulo se faz necessário ao pensarmos que a Modernidade, conforme o pensamento do já citado historiador francês Jacques Le Goff, não foi senão a continuidade do Medievo, embora com uma percepção de quebra de paradigma em função da qual, aos poucos, a premissa teocêntrica foi 88 FILOSOFIA CRISTà dando lugar a uma percepção cada vez mais antropocêntrica. O fato é que a educação foi o grande motriz que levou, ainda no final da Idade Média, à construção de um movimento chamado de Renascimento, cujo objetivo era voltar aos ideais clássicos, ou seja, greco-romanos, percebendo Deus e a Humanidade sob outras cores. Ainda assim, A Igreja foi o “palco fixo” por trás do qual se moveu toda a história da Idade Média e um dos motores do seu inquieto desenvolvimento [...] A Europa, de fato nasceu cristã e foi nutrida de espírito cristão, de modo a colocá- lo no centro de todas as suas manifestações, sobretudo no âmbito cultural. Caso exemplar é o da educação, que se desenvolve em estreita simbiose com a Igreja, com a fé cristã e com as instituições eclesiásticas que [...] são as únicas delegadas (com as corporações no plano profissional) a educar, a formar, a conformar. Da Igreja partem os modelos educativos e as práticas de formação (CAMBI, 1999, p. 146). Percebidas essas nuanças, deve-se concordar com as considerações elaboradas poucos anos atrás em um artigo científico. Diz o seguinte a Dra. Rosana Silva de Moura: De modo abrangente vimos que a intencionalidade formativa na educação medieval do Ocidente esteve marcada pela formação de consciências. Em Santo Agostinho, exemplo 89 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà da Patrística, esta formação apresenta um caráter bem mais voltado ao suporte da fé. Com Tomás de Aquino, representante de escolástica, o horizonte formativo se atualiza com base na orientação da lógica aristotélica marcando a junção entre filosofia e teologia, razão e fé. Além disso, vimos que a pergunta pelo sentido do ensinar traz à cena um télos para a educação assim como a relação de dupla face, dialética, entre quem ensina, quem aprende e o que é aprendido (o conhecimento). A pergunta também aponta certa antecipação em Aquino de uma perspectiva de ensino que, segundo nossa interpretação, ultrapassa a sua época (MOURA, 2013, p. 141-159). MATERIAL COMPLEMENTAR Conheça mais sobre o desenvolvimento da fé cristã e da Igreja desde os seus primórdios, lendo a obra História da Igreja nas Idades Antiga e Média, de Dilernando Ramos Vieira, publicada pela Editora InterSaberes. Ao ler o apanhado acima, nota-se que, enquanto o início da Idade Média foi abordado sob o pressuposto da fé e sua defesa, o fim do período, ainda que não tenha perdido essa percepção, se abre à lógica aristotélica, abraçando, nas palavras de Moura, “filosofia e teologia,fé e razão” (MOURA, 2013). A Modernidade expandiu essa perspectiva, ampliando cada vez mais profundamente a perspectiva racional enquanto 90 FILOSOFIA CRISTà pouco a pouco foi se distanciando daquela filosofia voltada aos interesses eclesiásticos, bem como da teologia. No entanto, embora a Era da Fé tenha se encerrado com o fim da Idade Média, deve-se levar em conta que a Modernidade viu nascer uma nova e pujante religiosidade a partir do protesto de alguns contra os vis desmandos que há séculos maculavam a Palavra de Deus: o Protestantismo. Em concordância a essa ideia, Araújo (2017) afirma que: Apesar de todos esses fatores favoráveis, a ciência progrediu vagarosamente durante o período medieval. Foi somente durante os séculos 16 e 17 que as ciências passaram por uma transformação drástica na forma e nos métodos empregados para se obter novos conhecimentos do mundo natural. Curiosamente, durante o mesmo período, outra revolução estava acontecendo no mundo religioso – a Reforma Protestante (ARAÚJO, 2017, p. 138). O mesmo autor, algumas páginas além, em seu mesmo texto, argumenta que: Os cientistas protestantes entenderam que era seu dever reconquistar esse conhecimento por meio de experiências sensoriais. Ao contrário da interpretação alegórica, a leitura literalista protestante incentivava cientistas cristãos a buscar 91 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà no mundo natural a confirmação daquilo que estava registrado no texto sagrado. “A localização geográfica do jardim do Éden e os efeitos do dilúvio haviam se tornado questões empíricas a serem estudadas não por leituras adicionais das Escrituras, mas por meio do saber histórico-natural e da pesquisa física” (GAUKROGER, 2006, p. 148). Assim, a maioria dos filósofos naturais do século 17 acreditava que Deus havia criado o mundo com um propósito e que pertencia ao ser humano a responsabilidade de descobrir esse propósito (ARAÚJO, 2017). Nesse bom contexto, aparentemente os cientistas modernos finalmente se desvencilharam dos empecilhos medievais que outrora os cegaram, de tal sorte que não podiam estabelecer uma relação entre as Escrituras e a Natureza. Portanto, é parte importante da filosofia cristã essa nova percepção. A ciência, nos moldes como a conhecemos hoje, nasceu precisamente no século 17 e sob forte e inegável influência do Protestantismo nascente. A grande questão que se estabelece é que, infelizmente, com o passar dos breves séculos da Modernidade, muitos desses cientistas acabaram por majoritariamente abandonar esses bons pressupostos e a ciência por si, de acordo com o entendimento de muitos e a própria vivência e percepção contemporânea, tornou-se detentora da única suposta 92 FILOSOFIA CRISTà verdade, ainda que provisória: aquela oriunda não da fé, mas da razão e da lógica. A Modernidade, felizmente, permitiu que a Humanidade tivesse acesso à Bíblia em escala cada vez maior – é do último suspiro da Idade Média e do nascimento da Idade Moderna o surgimento dos tipos móveis nas mãos do ourives Johannes Gutenberg, conforme Figura 3. Contudo, cada vez mais surgiu nesse mesmo ser humano, agora visto como autônomo por não mais estar sob tão feroz tutela da igreja, um desejo de emancipação que o afastou de Deus. Figura 3 – Gutenberg analisando sua primeira impressão Fonte: Wikimedia Commons (https://bit.ly/38gzCe3) 93 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà Lamentavelmente, esse afastamento levou a civilização ocidental a uma perda de sua própria identidade concebida no seio do cristianismo. Essa perda, embora tenha possibilitado várias supostas conquistas que outrora seriam impossíveis, levou esse mesmo ser humano a mergulhar em uma existência vazia, sombria e sem sentido, cujos resultados seriam bem visíveis no século 20, certamente até aqui o mais triste da história. Cabe aqui, ao fim desta seção sobre a Modernidade, uma proposição reflexiva: está ainda a Humanidade sob os mesmos pressupostos do fim da Modernidade, olhando para si mesma e pouco relacionada com Deus e o próximo, provocando um afastamento ainda maior de si mesma e do outro? Se assim for, o que deve ser feito para melhorar tal situação que provoca angústia e aflição? O encontro com a Verdade não precisa e não deve matar a razão. Afinal, O encontro com a verdade não precisa e não deve suprimir a razão. 94 FILOSOFIA CRISTà Deus é o autor da ciência e, quando Ele é percebido a partir da beleza e complexidade de Sua criação, ou seja, pelo viés da ciência, maior deve ser o entendimento de Sua existência e maior deve ser a nossa necessidade de reflexão em Sua Palavra. Portanto, deve-se aproveitar o atual estado do desenvolvimento humano em termos de técnica e tecnologia para que a espiritualidade latente em todo ser humano também possa se desenvolver e abraçar o mundo como dádiva, presente amoroso de um Deus criador. Foi a partir da Modernidade que textos e comentários bíblicos surgiram, desde a tradução de documentos antigos escritos em línguas originais e pouco acessíveis a quase todos os Modernos. A própria educação cristã foi grandemente favorecida na Modernidade. Comenius, um pastor protestante do século 16, foi um dos precursores da moderna pedagogia, contribuindo para que a escola, que ainda mantém os moldes da Antiguidade (o que parece ser algo muito bom, visto que a interação humana não pode ser substituída totalmente pela máquina, de longe...) fosse pensada a partir de um olhar clínico para a natureza, sem perder de vista seu caráter espiritual. Observando-se pontos positivos e outros estranhos ao cristianismo ao longo de toda a Modernidade, é possível 95 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà tomar esse período como importante por possibilitar aprendizados que devem permear a vida contemporânea. Aprender com os erros e acertos do passado sempre possibilita uma melhor existência. FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA E CRISTIANISMO: ONDE ESTÁ DEUS? A contemporaneidade, de acordo com a historiografia clássica, tem o seu início gestado nos campos de batalhas da Revolução Francesa, que levou não apenas a França, mas praticamente toda a Europa Ocidental e suas colônias na África e nas Américas, a um novo estado de coisas. Napoleão Bonaparte, antes de ser derrotado na famosa batalha de Waterloo por um punhado de exércitos combinados, destronou reis e príncipes, literalmente modificando o mapa da Europa. Napoleão coroou-se Imperador em 1804 e imediatamente também coroou Josefina, sua esposa, conforme vemos na Figura 4. A cerimônia em si, grandiloquente, chamou a atenção para o fato de Napoleão ter supostamente desrespeitado a ordem das coisas ao não receber do papa a coroa de imperador. Desde a Idade Média, era costume estabelecido que o próprio Sumo Pontífice coroasse um novo monarca. 96 FILOSOFIA CRISTà Figura 4 – A coroação de Napoleão, por ele mesmo, em 1804, marcou uma importante ruptura que se dava desde a Idade Média Fonte: Wikimedia Commons (https://bit.ly/2BUszLO) Essa imagem pode metaforizar a filosofia cristã na Idade Contemporânea, que resiste, ainda que em meio a situações tão problemáticas, como o ateísmo e o niilismo, para citar apenas duas delas. De fato, no século 19, com o surgimento de muitas disciplinas acadêmicas, tais como a Psicologia, a História, a Antropologia e o desenvolvimento das Ciências Humanas ou Humanidades, a relação entre a Europa Ocidental com a religião como um todo, já bastante abalada pelo desenvolvimento moderno ulterior, chega, quem sabe, ao seu nível mais crítico. Contudo, deve-se aqui 97 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà relacionar conceitualmente o que se deu com a Filosofia após sua emancipação ou ruptura com a Teologia. De acordo com Puntel: A filosofia surgiu primordialmente em absoluta independência de qualquer forma de “teologia”. O fato histórico de a filosofia ter sido integrada à teologia cristã gerou aos poucos umasituação de dependência da filosofia, uma dependência que nunca foi completa, mas que sempre teve o estatuto de uma certa subordinação que se poderia chamar de sistemático-arquitetural. A expressão desta dependência/ subordinação é a conhecida fórmula: philosophia ancilla theologiae. Mas, pelo menos no caso de grandes pensadores cristãos como Santo Tomás de Aquino, só se pode falar de dependência da filosofia com relação à teologia numa perspectiva muito mais diferenciada (PUNTEL, 2001, p. 365). O que dizer da filosofia cristã na contemporaneidade? Particularmente percebe-se o surgimento de outra divisão da filosofia chamada de Filosofia da Religião, na qual, em linhas muito gerais, com o aporte da ética, metafísica e antropologia, pergunta-se acerca do papel da religião. Na contemporaneidade, alguns ditos teólogos estabeleceram que, na absoluta falta de possibilidade de se estudar Deus visto que Ele não pode ser objeto de estudos por questões óbvias, a Antropologia passou a ser teologia. No entanto, essa ideia não se mostrou como única no contexto ora estudado. 98 FILOSOFIA CRISTà Apesar dos beligerantes ataques diuturnos ao cristianismo, muitas vezes perpetrados inclusive por igrejas ditas cristãs, percebe-se que a filosofia cristã cresceu e tomou novamente forma no século 20, por meio de uma série de autores, como Puntel, conforme a citação direta acima expressa, e Étienne Gilson, lembrado na primeira unidade de nosso estudo. Isso demonstra que, apesar das muitas rupturas oriundas do próprio desenvolvimento da Modernidade, a filosofia cristã ainda tem razão de ser ao pensar o mundo através de uma lente cristã. Porém, é importante mais uma vez frisar que: Não se deve imaginar que o diálogo entre filosofia e teologia está preso à Idade Média. Pelo contrário, apesar da modernidade ser caracterizada como um momento histórico centrado na razão ou em uma perspectiva da razão, esse período tem fortes momentos de diálogo e de aproximação entre fé e razão, entre cristianismo e filosofia moderna. É possível citar, por exemplo, a escolástica tardia desenvolvida no período que compreende os séculos 16 ao 18, a rica apropriação do pensamento cristão e o seu respectivo diálogo com a filosofia realizado no novo mundo e até mesmo a presença de elementos autenticamente cristãos na obra de importantes pensadores modernos e contemporâneos como é o caso de Kant, Hegel e Heidegger. Um exemplo ilustrativo do diálogo contemporâneo, fora 99 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà dos limites históricos da Idade Média, entre o cristianismo e a filosofia, entre a fé, ao menos numa perspectiva cristã, e a razão, é a fenomenologia. É certo que o desenvolvimento da fenomenologia se deu em amplos aspectos e, em muitos casos, divergentes. Esse desenvolvimento produziu filosofias ateias, como as de Sartre ou Merleau-Ponty, ou enormemente ambíguas como a de Heidegger, mas também houve fenomenólogos muito próximos do teísmo e, principalmente, do cristianismo. Encontramos variedades de exemplos na filosofia judaica, evidentemente Emmanuel Levinas é o nome mais conhecido. Na filosofia cristã, tem-se Edith Stein, contemporânea e ajudante de Husserl, mas também Max Scheler e, posteriormente, Xavier Zubire, entre outros, e uma parte importante da escola fenomenológica francesa com autores como Jean-Luc Marion, Michel Henri, Jean Louis Cherétien ou atualmente nomes como Michel García-Baro. Sem mencionar outros autores que, seguindo o ponto de vista da teologia católica, tem feito uso da fenomenologia, como é o caso de Hans Urs von Balthasar. (SANJUÁN, 2004, p. 50-51, apud SANTOS, 2019, p. 38-39, tradução nossa). É possível dizer que alguns autores, como Stein, por assim dizer, atualizaram a chamada Escolástica através da fenomenologia, que pode ser caracterizada como a experiência que a consciência tem do mundo. Eis aqui um novo caminho e processo distinto da proposição dos ditos filósofos cristãos contemporâneos. Ainda que por meios distintos, eis a continuidade da filosofia cristã na contemporaneidade, 100 FILOSOFIA CRISTà ainda que por caminhos distintos daqueles necessariamente atrelados à igreja enquanto instituição. SAIBA MAIS Você sabia que a palavra “contemporâneo”, de Idade Contemporânea, “é relativo ao período histórico iniciado em 1789 com a Revolução Francesa (ex.: época contem- porânea; história contemporânea)”, conforme definição do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Disponível em: https://bit.ly/2BkI6Vi. Acesso em: 08 jun. 2020. A PÓS-MODERNIDADE, O FUTURO E A ESSÊNCIA DO CRISTIANISMO: O SER HUMANO LÍQUIDO TEM SEDE DA VERDADE Confira abaixo um texto escrito pelo autor deste material e publicado na Revista Kerygma em 20191, que explicita uma visão da pós-modernidade a partir de seus autores. O texto também apresenta possibilidades de pensar a religião segundo nossos tempos contemporâneos: 1 O texto desta seção foi extraído de: Darius (2019, p. 29-34). 101 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà Nossa sociedade “totalmente esclarecida” (SANTOS, 2019, p. 38-39) ainda tem o seu povo destruído, “porque lhe falta o conhecimento” (Os 4:6)? Ou a dureza das palavras do filho de Beeri, nascido 800 anos antes de Cristo, foi finalmente suplantada pelas aparentes glórias do progresso e da racionalidade proferidas pelos pensadores da Escola de Frankfurt? Ainda: é possível tomar como exemplo dois protagonistas de mundos tão diferentes? De que conhecimento estamos falando, afinal? Não se pode aqui deixar de escrever que essa sociedade “totalmente esclarecida” proposta pelos citados filósofos não passa de uma sociedade que critica a razão instrumental, na qual o ser humano simplesmente possui domínio racional sobre a natureza. Observando a situação a partir dessa perspectiva, esse esclarecimento iluminista não parece tão glorioso quanto no corpo do texto, mas, ainda assim, trata-se de uma verdadeira revolução em relação ao tempo de Oseias. Miríades de perguntas povoam a mente dos pós- modernos – que o filósofo de Grenoble prefere chamar de Hipermodernidade (LIPOVETSKY; CHARLES, 2004) em íntima relação com o hipertexto que aparentemente nunca tem fim, em uma sucessão de cada vez mais perguntas que geram o acúmulo de informações e proporcionam praticamente a 102 FILOSOFIA CRISTà impossibilidade de esvaziamento do ser – que experiencia uma espécie de fim da história. Certamente esse alegado “fim da história” não se refere ao já “desculpado” estadunidense Francis Fukuyama – que, no afã de pensar um novo mundo sem a existência da União Soviética, não percebeu as novas matizes para as quais o mundo poderia se encaminhar – mas sim a uma construção vivencial muito mais etérea, visto que, de acordo com Vattimo: O que, ao contrário, caracteriza o fim da história na experiência pós-moderna é que, enquanto na teoria a noção de historicidade se torna cada vez mais problemática, na prática historiográfica e em sua autoconsciência metodológica a ideia de uma história como processo unitário se dissolve, instaurando-se, na existência concreta, condições efetivas (não apenas a ameaça da catástrofe atômica, mas também e sobretudo a técnica e o sistema de informação) que lhe conferem uma espécie de imobilidade realmente não histórica (VATTIMO, 2002, p. 10 e 11). Essa história, “enquanto processo unitário que se dissolve” (VATTIMO, 2002, p. 10 e 11) (seria a história dissoluta?) mostra- se paradoxal visto que, enquanto o mesmo ser humano hoje goza de pseudoliberdades impensáveis em qualquer outra época de nossa civilização, ao mesmo tempo se flagra diante 103 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà de sua própria pequenez em relação aos pretensos avanços “conquistados” em sua própria geração. Assim, o homem e a mulher pós-modernos, como nunca antes foram tão fortes e aparentemente seguros de si e de suas próprias existências individuais, mas tampouco foram tão fracos e autodestrutivos.Seu grande intelecto os levou a promover a fissão nuclear, e consequentemente, a bomba atômica, mas a construção dessa bomba, em algum momento não tão distante da história, o ápice do desenvolvimento técnico, revelou um retrato flagrantemente triste do artífice de sua própria morte: finalmente, desvendando o conhecimento profundo do bem e do mal, lá estava ele, o homem, nu, procurando refúgio – não apenas em Deus, mas em si mesmo, ao se encarcerar em um bunker firmemente construído para suportar os efeitos de sua própria criação. Quem magistralmente O homem pós- moderno nunca foi tão forte e aparentemente seguro de si, e ao mesmo tempo tão fraco e autodestrutivo. 104 FILOSOFIA CRISTà escreve a esse respeito é Pierre Teilhard de Chardin em sua obra The Future of Man, publicada em 1964. A geração dos anos 40, a mesma que desenvolveu e, com “sucesso”, detonou a primeira bomba atômica, foi precisamente aquela que, em sua juventude, devastada pelos horrores de uma guerra mundial jamais vista até então, paulatinamente trocou a Bíblia por aquele que, de acordo com Habermas, Vattimo, Tillich e outros, como um profeta às avessas, anunciou e descreveu nossos tempos pós-modernos: Friedrich Nietzsche (Figura 5). Embora muitos e plurais sejam os conceitos e exemplos de pós-modernidade, quase todos encontram em Nietzsche, senão seu “fundador”, seu profeta. Isso se dá precisamente na passagem do século 19 para o 20, naquele particular período em que nasce o breve século 20, nas palavras de Eric Hobsbwan (1995). Segundo Tillich (2009), que se interessou pelo filósofo após a batalha de Champagne em 1915: Lembro-me que me sentava entre as árvores das florestas francesas e lia “Assim Falou Zaratustra”, de Nietzsche, como faziam muitos outros soldados alemães, em contínuo estado de exaltação. Tratava-se da liberação definitiva da heteronomia. O niilismo europeu desfraldava o dito profético de Nietzsche, 105 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà ‘Deus está morto’. Pois bem, o conceito tradicional de Deus estava morto mesmo (TILLICH, 2009, p. 10). Figura 5 – Friedrich Nietzsche, um dos filósofos que mais influenciou o século 20 Fonte: Wikimedia Commons (https://bit.ly/2BhZBpw) Assim, o século 20 foi inaugurado com uma demonstração tão irracional de poder, que subjugou a própria existência ao aniquilar milhares de seres humanos a cada dia, durante quatro anos, em uma guerra fratricida. E “a história que, na visão cristã, se apresentava como história da salvação tornou- se, primeiramente, busca de uma condição de perfeição intramundana” (VATTIMO, 2002) para que, finalmente, se tornasse história do progresso que, por si só, é história vazia, visto que sua obtenção tão somente cria novas possibilidades 106 FILOSOFIA CRISTà desse mesmo progresso e que se tornará obsoleta quase que no mesmo momento em que for lançada. Dessa forma, a “secularização se torna também a dissolução da própria noção de progresso” (VATTIMO, 2002, p. 13) [do ponto de vista judaico-cristão], o que, apenas algumas décadas mais para frente, levaria o ser humano a viver naquilo que Lipovetsky chamou de “sociedade do vazio” (LIPOVETSKY, 2004). É claro que a chamada “perfeição intramundana” nada tem a ver com aquela que diz respeito à santificação do ponto de vista cristão, mas simplesmente uma espécie de eufemismo ou tentativa vã de criar novas coisas com o intuito de consertar o estrago que as coisas anteriores produziram, em uma busca sem fim, criando sociedades hiperconsumistas, hiperliberais e pós-moralistas (LIPOVETSKY, 2004), bem como o esgotamento dos recursos naturais. Sob essa mudança de prisma histórico – portanto, sob a perspectiva de Nietzsche – na qual o cristianismo fica eclipsado, a própria moral judaico-cristã e sua busca eudemonológica se tornam aparentemente secundárias, visto que, por estranho que seja, o inevitável progresso trará a felicidade. Nesse ponto, o aludido filósofo destrói as bases da sociedade ocidental com sua pesada marreta: 107 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà A moral já não é mais um reflexo das condições que promovem vida sã e o crescimento de um povo; não é mais um instinto vital primário; em vez disso se tornou algo abstrato e oposto à vida – uma perversão dos fundamentos da fantasia, um “olhar maligno” contra todas as coisas. Que é a moral judaica? Que é a moral cristã? A sorte despida de sua inocência; a infelicidade contaminada com a ideia de “pecado”; o bem-estar considerado como um perigo, como uma “tentação”; um desarranjo fisiológico causado pelo veneno do remorso (NIETZSCHE, 2012, p. 27). Concorda com ele Gilles Lipovetsky ao afirmar que “na época anterior às Luzes, reinava a ideia de que, sem o Evangelho e a crença num Deus punidor dos erros e recompensador da virtude, nada podia impedir o homem de enveredar pela vida de crimes. Privadas de religião, as virtudes são ilusórias, apenas a revelação e a fé num Deus justiceiro estão em condições de assegurar eficazmente a moralidade” (LIPOVETSKY, 2004, p. 35). Nesse processo sem volta, escreve Habermas sobre Nietzsche, como um ponto de inflexão na entrada da pós-modernidade, ao afirmar que “as forças religiosas de integração social debilitaram-se em virtude de um processo de esclarecimento que, na medida em que não foi produzido arbitrariamente, tampouco pode ser cancelado” (HABERMAS, 2000, p. 122). Contudo, a religião 108 FILOSOFIA CRISTà institucionalizada sobreviveu a essa mudança de paradigma, ainda que tenha se submetido ao establishment. No auge das convulsões populares francesas, conhecidas simplesmente como Maio de 1968, dois pensadores, entre tantos outros, foram catapultados para o inflamado centro nervoso do movimento estudantil: Jean-Paul Sartre, que, aparentemente assustado com a proporção daquilo tudo, ficou na retaguarda, e certo escritor chamado Guy Debord, que, embora tenha escrito um clássico sobre a sociedade que vive de um espetáculo para outro, era avesso a essa estrutura circense e, ironicamente, foi alvo de um filme documentário depois de sua morte. Para Debord, “toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou- se uma representação” (DEBORD, 1997, ESTABLISHMENT Segundo o site Dicio, establish- ment é um “grupo sociopolítico que exerce sua autoridade, con- trole ou influência, defendendo seus privilégios; ordem estabe- lecida, sistema”. Fonte: <https://bit.ly/2Vsdisv>. Acesso em: 30 jun. 2020. 109 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà p. 13). Essa espetacularização da própria existência humana, uma irrefreável busca pelo conforto proporcionado por aquilo que está longe da realidade, se dá no instante em que o ser humano se percebe frustrado pela troca da possibilidade de salvação pelo progresso. Encontra-se perdido em si mesmo e no mundo. Solitário, vai ao cinema e volta para a sua casa vazia sem perceber que passou todo o tempo do filme sozinho, ainda que com outras duzentas pessoas. E, assim, para espantar um pouco essa tristeza vivencial, as pessoas se agarram às experiências, que evidentemente são quase sempre proporcionadas através da aquisição via dinheiro – pois está incutido de forma inadvertida o falacioso adágio que diz que “dinheiro traz felicidade”. MATERIAL COMPLEMENTAR A Sociedade da decepção, obra de Gilles Lipovestky, fala acerca da sociedade atual, que vive um momento de grande descontentamento e vazio, sentimentos que o autor atribui ao esquecimento da religião. Vale a pena ler e refletir sobre o assunto. Desta forma, comprar experiências é fugir do mundo, visto que este encontra-se desencantado, como escreveu Max Weber (2004) em seu clássico. Assim, infelizmente para essas pessoas, dinheiro traz felicidade pois compra experiências – sensações 110 FILOSOFIA CRISTà que nos levam a outromundo. Afinal, “pós-moderno indica simplesmente um estado de alma, ou melhor, um estado de espírito” (TEIXEIRA, 2005, p. 89). Esse reencantamento, ainda que artificial, foi o recurso encontrado por muitas denominações para, dentro de um escopo totalmente capitalista, embora de forma torpe, incutir, de alguma maneira, resquícios de evangelho. Com isso, todos os perigosos subprodutos de uma sociedade egocêntrica e individualista surgem com ainda mais ênfase nas igrejas. Conforme Armstrong: A televisão e a admiração do público constituem armadilhas para os espiritualmente incautos. Não só o narcisismo implícito no culto da personalidade é incompatível com a transcendência do ego que deve caracterizar a busca espiritual, como o televangelista também pode se distanciar da realidade. As fortunas controladas pelas redes de maior sucesso não combinam com o desprendimento da riqueza material” (ARMSTRONG, 2009, p. 473). Esquece-se, assim, a antiga espiritualidade, exemplificada, aqui, por Armstrong: A melhor espiritualidade pré-moderna - de João da Cruz, Isaac Luria, Mulla Sadra, por exemplo, evitava esse excesso emocional, explicando que não tem nada a ver com 111 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà religião; a viagem interior, diziam, é serena, disciplinada, complementada pela razão (ARMSTRONG, 2009, p. 477). Conforme Armstrong: “A televisão e a admiração do público constituem armadilhas para os espiritualmente incautos. Não só o narcisismo implícito no culto da personalidade é incompatível com a transcendência do ego que deve caracterizar a busca espiritual, como o televangelista também pode se distanciar da realidade. As fortunas controladas pelas redes de maior sucesso não combinam com o desprendimento da riqueza material” (ARMSTRONG, 2009, p. 473). Tal como uma droga, na melhor rasa acepção do fraseado de Marx que diz que a “religião é o ópio do povo” (MARX, 2005), muitas denominações espetacularizam seus cultos com doses cada vez maiores e frequentes de frívolo emocionalismo e músicas cada vez mais altas na mesma proporção de sermões mais rasos e curtos – pois que a televisão e a internet têm o poder de tirar também a concentração ao apresentar pouca coisa sobre muito assunto – fazendo com que o crente receba assim seu quinhão de fantasia diária. Claro que, para tal experiência, existe um custo financeiro, visto que a partir dessa dinâmica mercadológica hodierna à qual homens e mulheres estão acostumados, paga-se até mesmo por experiências religiosas, esquecendo-se da riqueza da 112 FILOSOFIA CRISTà Palavra de Deus que afirma que Cristo já nos comprou por todo o seu sangue e que nós, mortais pecadores, não temos a menor condição de pagar (conforme escrito em Isaías 55). Mas quantos afinal, querem realmente ser salvos e efetivamente recebidos por Cristo no Paraíso? A igreja, na maioria dos casos, injeta esperanças artificiais para que seres humanos continuem acreditando na falsa ideia de progresso terrestre. O ser humano como um todo – corpo, alma e espírito – criado à imagem e semelhança de Deus é, por si mesmo, “um espetáculo ao mundo, tanto a anjos como a homens” (WHITE, 1985, p. 75). Esse espetáculo não é falso e artificial, mas transcende o próprio mundo e encontra os ternos braços do Criador. É o Amor a medida de todas as coisas – eis o verdadeiro progresso. É puramente pela percepção da graça divina, algo tão difícil de percepção em nosso mundo material, que se aproxima genuinamente de Deus. Só assim o culto pode ser efetivamente pleno e agradável. O culto apresentado pelo ser humano é, em grande medida, em uma palavra, idolátrico, porque cultua o próprio ser humano que, imerso em si mesmo, busca a própria autossalvação pelo progresso que ele próprio, embora tenha percebido problemático, continua incessantemente a buscar. 113 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà Nossa sociedade dita esclarecida perece por falta daquele conhecimento que já pregava Paulo nos primeiros tempos do cristianismo. Obviamente, trata-se de dois conhecimentos diferentes, mas ambos necessários para a salvação total do ser humano, que nesses tempos percebeu que é dotado também de um corpo, e que este é digno instrumento a serviço de Deus e do próximo, e não tão-somente algo propenso ao pecado. A ciência da salvação deve ser a primeira das ciências. Só assim o culto será verdadeiro. RESUMO Nesta unidade, aprendemos que: • considera-se Tales, nascido em Mileto, mais ou menos em 624 antes da Era Cristã, como o primeiro dos filósofos; • no primeiro século da Era Cristã, Roma viveu a Pax Romana, seu apogeu, que permitiu aos seus cidadãos viverem um período relativamente longo de estabilidade em múltiplos sentidos; • o helenismo foi a difusão do pensamento grego no Oriente e na porção ocidental do Império Romano; 114 FILOSOFIA CRISTà • o grego era a língua da época e atribuía-se à figura do imperador o valor de lei universal; • os aristocratas romanos gozavam de poderes e proteção estatal ao professarem a fé oficial; • a grande diferença entre a premissa filosófica grega e cristã, é que, para os cristãos, reside em Deus o conhecimento, o verdadeiro e único pilar que sustenta a Verdade em si, enquanto a filosofia grega foi estabelecida a partir do conhecimento racional do próprio ser humano; • a Idade Média foi um período que durou aproximadamente mil anos, compreendido entre o fim do Império Romano do Ocidente e o declínio e fim do Império Romano do Oriente, entre 476 e 1.453; • desde o final do primeiro século da Era cristã, quando finalmente os romanos perceberam claramente que os cristãos não eram judeus, embora partilhassem de seu Livro Sagrado, começaram as perseguições; • após 3 séculos de opressão aos ditos “hereges”, Constantino estabelece o famoso Edito de Milão, findando a perseguição 115 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà aos cristãos e supostamente permitindo para todos os cidadãos do Império a liberdade de consciência; • mais de um século depois, o papa Gelásio I estabeleceu a doutrina das duas espadas, a qual determina que a autoridade sagrada deve ser exercida, sem dúvida e sem questionamentos, pelo Papa; • o Estado tinha, então, sob a premissa da fé, a função de sustentar, proteger e difundir os ideais da igreja ao mesmo tempo em que, imbuída de certo poder sobrenatural autoimposto, também deveria punir os hereges; • desde o fim do primeiro século da Era Cristã, o cristianismo foi fundamentalmente lido sob uma ótica distinta daquela estabelecida na própria Bíblia; • a principal diferença entre a Patrística e a Escolástica é que, enquanto a primeira, como sugerido, tinha um caráter apologético (exatamente a defesa da fé), a segunda era mais uma espécie de método de aprendizagem em si mesmo e menos uma teologia; • foi o método escolástico, baseado na dialética, que impulsionou as primeiras universidades, nascidas no interior da igreja de então; 116 FILOSOFIA CRISTà • a educação foi o grande motriz que levou, ainda no final da Idade Média, à construção de um movimento chamado de Renascimento, cujo objetivo era voltar aos ideais clássicos, ou greco-romanos, percebendo Deus e a Humanidade sob outras cores; • o Protestantismo encerrou a chamada Era da Fé, da Idade Média, e inaugurou a Idade Moderna; • a ciência, nos moldes como a conhecemos hoje, nasceu precisamente no século 17 e sob forte e inegável influência do Protestantismo nascente; • surgiu nesse mesmo ser humano moderno, agora visto como autônomo por não mais estar sob tão feroz tutela da igreja, um desejo de emancipação que o afastou de Deus e o levou a mergulhar em uma existência vazia, sombria e sem sentido; • foi a partir da Modernidade que textos e comentários bíblicos surgiram, desde a tradução de documentos antigos escritos em línguas originais e pouco acessíveis a quase todos os Modernos; • a contemporaneidade, de acordocom a historiografia clássica, tem o seu início com a Revolução Francesa, que levou a 117 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà França, praticamente toda a Europa Ocidental e suas colônias na África e nas Américas, a um novo estado de coisas; • no século 19, com o surgimento de muitas disciplinas acadêmicas, tais como a Psicologia, a História, a Antropologia e o desenvolvimento das Ciências Humanas ou Humanidades, a relação entre a Europa Ocidental com a religião como um todo chega ao seu nível mais crítico; • na contemporaneidade, alguns ditos teólogos estabeleceram que, na absoluta falta de possibilidade de se estudar Deus visto que Ele não pode ser objeto de estudos por questões óbvias, a Antropologia passou a ser teologia; • surge então a fenomenologia, caracterizada como a experiência que a consciência tem do mundo, e pode ser vista como a continuidade da filosofia cristã na contemporaneidade; • embora muitos e plurais sejam os conceitos e exemplos de pós-modernidade, quase todos encontram em Nietzsche sua principal influência; • o século 20 foi inaugurado com uma demonstração tão irracional de poder, que subjugou a própria existência ao aniquilar milhares de seres humanos a cada dia, durante quatro anos, em uma guerra fratricida; 118 FILOSOFIA CRISTà • sob essa mudança de prisma histórico – portanto, sob a perspectiva de Nietzsche –, a própria moral judaico-cristã e sua busca eudemonológica se tornam aparentemente secundárias, visto que, por estranho que seja, o inevitável progresso trará a felicidade; • a espetacularização da própria existência humana, uma irrefreável busca pelo conforto proporcionado por aquilo que está longe da realidade, se dá no instante em que o ser humano se percebe frustrado pela troca da possibilidade de salvação pelo progresso; • para espantar um pouco essa tristeza vivencial, as pessoas se agarram às experiências, que evidentemente são quase sempre proporcionadas através da aquisição via dinheiro – pois está incutido de forma inadvertida o falacioso adágio que diz que “dinheiro traz felicidade”; • comprar experiências é fugir do mundo, visto que este encontra-se desencantado, como escreveu Max Weber (2004); • o culto apresentado pelo ser humano é, em grande medida, em uma palavra, idolátrico, porque cultua o próprio ser humano que, imerso em si mesmo, busca a própria autossalvação pelo progresso que ele próprio, embora tenha percebido problemático, continua incessantemente a buscar. 119 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà REFERÊNCIAS ADORNO, T. HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. ARAUJO, Glauber Souza. A hermenêutica protestante e o surgimento da ciência moderna. Revista Caminhando, v. 22, n. 2, jul./dez., 2017. ARMSTRONG, K. Em nome de Deus: O fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo. São Paulo: Cia. de Bolso, 2009. BENTO XVI. Audiência Geral. 2017. Disponível em: <https:// bit.ly/3enA1Na>. Acesso em: 14 jul. 2020. BÍBLIA, Livro de Oseias. Bíblia Sagrada: com reflexões de Lutero. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. CAMBI, F. História da pedagogia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999. CLEMENTE DE ALEXANDRIA. Exortação ao gregos XII 120, 02. In: SANTOS, R. C. C. Exortação aos gregos – A helenização do Cristianismo em Clemente de Alexandria. 120 FILOSOFIA CRISTà Tese de doutorado em Literatura Comparada, UFMG, Belo Horizonte, 2006. Darius, F. A. Espetacularização cúltica ante o Deus da brisa suave: o ser humano efêmero em busca do Eterno. Kerygma, Engenheiro Coelho, v. 14, n. 02, p. 29-34, ago-dez. 2019. DEBORD, G. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. FERNANDES, C. Helenização do cristianismo em Clemente de Alexandria. Mundo Educação, /[200-]. Disponível em: <https://bit.ly/2BQNqjn>. Acesso em: 30 jun. 2020. HABERMAS, J. O Discurso Filosófico da Modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2000. HOBSBAWN, E. Era dos extremos: O breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. HOFFMANN, M. S. O domínio ideológico da Igreja durante a alta Idade Média Ocidental. Revista Historiador Especial, 01, ano 03, jul. 2010. Disponível em: <https://bit.ly/31tv1nu>. Acesso em: 29 jun. 2020. 121 TÓPICOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA CRISTà LIPOVETSKY, G. O Crepúsculo do Dever: a ética indolor dos novos tempos democráticos. Lisboa: Dom Quixote, 2004. LIPOVETSKY, G.; CHARLES, S. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Barcarolla, 2004. MARX, K. Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005. MOURA, R. S. Breve estudo de uma perspectiva de educação medieval. Revista Esboços, Florianópolis, v. 20, n. 30, 2013. NIETZSCHE, F. O Anticristo. São Paulo: Montecristo, 2012. PUNTEL, L. A teologia cristã em face da filosofia contemporânea. Síntese, Belo Horizonte, v. 28, n. 92, 2009. SANTOS, B. S. História da Filosofia Medieval. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, 2015. SANTOS, I. O. Filosofia cristã? O retorno de uma velha Polêmica. Ágora Filosófica, Recife, v. 19, n. 2, p. 25-55, maio/ago., 2019. TEIXEIRA, E. B. Aventura pós-moderna e sua sombra. São Paulo: Paulus, 2005. 122 FILOSOFIA CRISTà TILLICH, P. To be or not to be. Time Magazine, 16/3/1959, vol. LXIII, n. 11, p. 47ss. In: TILLICH, P. Teologia da Cultura. São Paulo: Fonte Editorial, 2009. VATTIMO, G. O fim da modernidade: Niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2002. WEBBER, M. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. WHITE, E. G. Spalding and Magan’s Unpublished Manuscript Testimonies of Ellen G. White. Payson: Leaves-Of-Autumn, 1985.
Compartilhar